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Introdução
Neste capítulo, tentaremos compreender o grande desafio que é para o
profissional de educação física prescrever um programa de exercícios de
força e condicionamento. Isso porque, para atender às necessidades do
praticante de musculação, como todo profissional, o de educação física
deverá utilizar “ferramentas” que garantam a eficácia do seu trabalho.
Essas ferramentas são chamadas variáveis agudas, e compõem esse
grupo a ordem, a seleção dos exercícios, o tempo de recuperação, o
volume e a intensidade. O conjunto das variáveis agudas está presente
em toda sessão de treinamento, e cada uma delas é manipulada de
modo a atender às exigências do programa, seja em relação à força, à
potência, à hipertrofia ou à resistência muscular localizada. Sendo assim,
a implementação e o controle dessas variáveis (em particular a ordem, a
seleção dos exercícios e o tempo de recuperação) garantirão uma sessão
2 Variáveis agudas do treinamento de força: ordem, seleção dos exercícios e tempo de recuperação
Fonte: Adaptado de Spiering e Kraemer (2009), Fleck e Kraemer (2017) e Stoppani (2017).
Variáveis agudas do treinamento de força: ordem, seleção dos exercícios e tempo de recuperação 5
(a) (b)
Figura 1. (a) O agachamento envolve grandes grupos musculares. (b) A rosca bíceps envolve
pequenos grupos musculares.
Fonte: Oleksandr Zamuruiev/Shutterstock.com; Prostock-studio/Shutterstock.com.
O tipo de equipamento
Uma vez que a maioria das atividades envolve algum componente de des-
carga de peso com o pé em contato com o solo ou com a mão em posição de
descarga de peso, as atividades de fortalecimento em cadeia cinética fechada
são consideradas mais funcionais quando comparadas às atividades de cadeia
cinética aberta (PRENTICE, 2011). O autor coloca, ainda, que os exercícios de
cadeia cinética fechada são mais utilizados no esporte, no treinamento funcional
e nas atividades de vida diária. Desse modo, os programas de força devem
incluir exercícios que enfatizam o fortalecimento de toda a cadeia cinética,
em vez de apenas um segmento isolado do corpo. Além disso, os exercícios de
cadeia cinética fechada sustentam o peso corporal. Conforme Moser, Malucelli
e Bueno (2010, p. 643), “é necessário movimento em várias articulações para
que se complete o movimento, o segmento distal é normalmente fixo a uma
superfície sustentadora, e a resistência pode ser aplicada tanto distal quanto
proximal”. Já os exercícios de cadeia cinética aberta, para os mesmos autores,
“não sustentam o peso corporal, com movimento ocorrendo em uma única
articulação. O segmento distal é livre para se mover, e a resistência é normal-
mente aplicada no segmento distal” (MOSER; MALUCELLI; BUENO, p. 643).
O tempo de recuperação
Os períodos de descanso entre as séries e entre os exercícios durante uma
sessão de treinamento permitem a recuperação, e seu tempo de duração é
determinado, em grande parte, pelos objetivos do programa de treinamento.
Os períodos de descanso são de suma importância para o sucesso de qualquer
programa (FLECK; KRAEMER, 2017).
Na correria do dia a dia, uma vez que muitas pessoas têm seu tempo
limitado, períodos de descanso entre as séries mais breves resultam em uma
sessão de treino, em geral, mais curta (FLECK; KRAEMER, 2017). Em
períodos de descanso de um minuto, em vez de dois, entre séries e exercícios,
a sessão é concluída em cerca de metade do tempo (FLECK; KRAEMER,
2017). Ainda, alguns treinos apresentam entre as séries intervalos inferiores
a um minuto, sendo classificados como “treino sem intervalo” pelo fato de
não haver intervalos definidos de descanso, já que, em vez disso, segue-se
para o próximo exercício, imediatamente (STOPPANI, 2017). Um exemplo
desse método é o treinamento em circuito. Nos circuitos, normalmente há uma
única série de seis a doze repetições de cada exercício, com trinta segundos
a um minuto de intervalo entre eles, que podem ser utilizados em exercícios
multiarticulares ou monoarticulares e geralmente envolvem um exercício
para cada grande grupo muscular (FLECK; KRAEMER, 2017).
8 Variáveis agudas do treinamento de força: ordem, seleção dos exercícios e tempo de recuperação
2 Implementação e manipulação
das variáveis agudas
Uma apreciação de como implementar e manipular adequadamente as variáveis
agudas do programa de treinamento assegura que o profissional de Educação
Física encontrará as necessidades específicas do praticante, permitindo uma
progressão ótima ao longo do tempo, além de prevenir platôs no treinamento
(SPIERING; KRAEMER, 2009). Assim como existem doses de medicamento
adequadas a um paciente doente, quando trabalhamos com o nosso cliente/
atleta, teremos que determinar também uma dose de exercícios a ser desen-
volvida com ele. O que compõe essa dose são a manipulação da ordem, o tipo
de exercício, o tempo de recuperação, bem como a intensidade e o volume.
Veremos a seguir, em linhas gerais, as principais, o foco deste capítulo.
Ordem
Tradicionalmente, recomenda-se que os exercícios que envolvem grandes
grupos musculares sejam priorizados na sessão de treinamento, uma vez
que são mais efetivos para o aumento de força, em detrimento dos exercícios
que envolvem pequenos grupos musculares. Sendo assim, sugere-se que eles
sejam treinados antes dos exercícios monoarticulares, ou seja, colocados
na fase inicial da sessão de treino, quando a fadiga é mínima (SPIERING;
KRAEMER, 2009; SOARES et al., 2016).
A justificativa para essa sequência de exercícios advém do fato de que,
ao se realizarem os exercícios que envolvem várias articulações no início de
uma sessão de treinamento, um estímulo superior é fornecido aos músculos
envolvidos, decorrente de uma maior resposta neural, metabólica, hormonal
e circulatória (TIBANA, 2011). De acordo com Stoppani (2017), os exercícios
que envolvem grande grupos musculares ajudam a aumentar o tamanho do
músculo, pois nesses exercícios é possível treinar com cargas mais elevadas.
Acredita-se que, entre as estratégias de ordem de exercícios existentes, duas
são as mais utilizadas na musculação: “a pré-exaustão, que consiste na reali-
zação de um exercício isolado seguido por um multiarticular, e o tradicional,
onde se realiza a ordem inversa” (SOARES et al., 2016, documento on-line).
A pré-exaustão é uma técnica utilizada no fisiculturismo que se carac-
teriza por treinar os pequenos grupos musculares antes dos grandes grupos
musculares, na tentativa de fadigar o monoarticular (pequeno grupo muscu-
lar), deixando-o desfavorecido no exercício multiarticular (grandes grupos
musculares) (STOPPANI, 2017).
10 Variáveis agudas do treinamento de força: ordem, seleção dos exercícios e tempo de recuperação
Se: Recomenda-se:
Fazer exercícios com maior velocidade de execução (potência) é mais eficiente para o
ganho de força se comparado à realização de exercícios de contração lenta e cargas
maiores. Isso, é claro, não significa que se deve focar somente em exercícios de po-
tência, mas sim combiná-lo na sessão de treino, pois o ideal é fazer os dois tipos de
exercício. Desse modo, sugere-se começar o treino com exercícios de potência, pois
eles permitem ativar o sistema nervoso central para recrutar mais fibras musculares,
possibilitando, assim, o levantamento de mais peso no exercício a ser realizado em
seguida (FEITO DE IRIDIUM, 2016).
Variáveis agudas do treinamento de força: ordem, seleção dos exercícios e tempo de recuperação 11
Tempo de recuperação
O tempo dispensado ao descanso entre as séries depende de vários fatores —
além do objetivo do programa, da resistência utilizada, das vias metabólicas
que devem ser treinadas. De acordo com (STOPPANI, 2017, p. 14), “o consenso
é que quanto menor o número de repetições executadas (i.e., com intensidades
mais elevadas), maior o tempo de descanso necessário”.
Para Silveira et al. (2012, documento on-line):
ser uma boa regra geral, apesar de algumas evidências indicarem a existência
de outros padrões igualmente ou até mais benéficos.
Como vimos, as variáveis agudas do programa servem para estruturar uma
sessão específica de treino. Inicialmente, fazendo uma analogia à dosagem de
medicamentos, nessas primeiras seções apresentamos a “bula do medicamento”,
buscamos compreender os efeitos de cada uma dessas variáveis agudas (doses)
para o desempenho do praticante de musculação. A partir desse momento,
um ponto relevante a se abordar é a importância de considerarmos o objetivo
do programa de treinamento, para que, assim, possamos prescrever a dose de
exercícios mais adequada às necessidades específicas do nosso cliente/atleta.
Considerando-se, então, a ordem, a seleção de exercícios e o tempo de
recuperação como dosagens de medicação, a seguir será apresentada a “quan-
tidade” que têm funcionado para alguns casos específicos, como para aqueles
que objetivam o ganho de força muscular, de potência muscular, hipertrofia
e resistência muscular localizada.
O princípio da especificidade
Existe um princípio que o praticante de força precisa ter em mente, chamado Princípio
SAID (do inglês specific adaptation to imposed demand, que significa “adaptações
específicas para exigências impostas”). De acordo com Spiering e Kraemer (2009, p.
302), “a essência desse princípio é de que as adaptações ao exercício de força são
específicas às exigências do programa; as exigências do programa, em contrapartida,
são determinadas pelas variáveis agudas do programa”.
Seleção de exercícios
Força muscular: pesquisas têm mostrado que exercícios mono e mul-
tiarticulares são eficientes para o aumento da força muscular. Para
otimizar o ganho de força, deve-se dar ênfase aos exercícios multiarti-
culares (p. ex., agachamento, supino); por outro lado, os monoarticulares
devem ser usados para enfatizar grupos musculares específicos, sendo
importantes por apresentarem menor risco de lesão (SPIERING; KRA-
EMER, 2009). Vandervoot (1987) cita que a capacidade de desenvolver
força durante trabalhos isométricos e dinâmicos de forma bilateral,
como na realização do supino reto com halteres, é muito parecida, se
comparada ao somatório do esforço unilateral. No estudo de Simão et
al. (2003) — que comparou a carga máxima na extensão individual
de perna (unilateral) e pelas duas pernas (bilateral) em 32 mulheres
experientes no exercício de extensão no teste de perna de 1RM —,
verificaram-se diferenças significativas com “déficit bilateral”, ou seja,
apenas 25% das avaliadas apresentaram o trabalho bilateral superior
ao somatório unilateral (soma do esforço de cada exercício unilateral)
na carga máxima.
Potência muscular: exercícios multiarticulares (para o corpo todo,
como, por exemplo, arranque e arremesso) têm sido bastante utilizados
no treinamento de potência e têm mostrado exigência de produção
rápida de força. Os exercícios balísticos (movimentos explosivos que
possibilitam a aceleração ao longo de todo o curso de movimento)
são recomendados para melhorar a potência muscular, uma vez que
minimizam a desaceleração (problema associado ao exercício de força
tradicional, no qual a carga é desacelerada em uma porção significativa
do movimento) (SPIERING; KRAEMER, 2009).
18 Variáveis agudas do treinamento de força: ordem, seleção dos exercícios e tempo de recuperação
Tempo de recuperação
Força muscular: estudos longitudinais têm mostrado melhor aumento
em força com longos intervalos de repouso; dessa forma, é recomendado
que períodos de repouso de no mínimo dois a três minutos sejam usados
entre séries de exercícios primários (p. ex., agachamento). Para exercícios
secundários (p. ex., flexão de perna), um a dois minutos de repouso
mostram-se suficientes (SPIERING; KRAEMER, 2009). Segundo Silva-
-Grigoletto et al.(2013, documento on-line), “geralmente calcula-se que,
para manter a eficácia do movimento, três minutos de recuperação são
suficientes em indivíduos altamente treinados para força e este tempo
deverá ser maior (cinco minutos ou mais), quando o nível de desempe-
nho for inferior”. Na pesquisa de Lopes et al. (2014) — realizada com
praticantes de musculação treinados que executavam duas sessões de
exercício de força (randomizadas e cruzadas) repetidas com intervalo de
recuperação de 24h ou 48h —, verificou-se que ambas as sessões (24h e
48h) apresentaram redução significativa na capacidade neuromuscular
(força, potência e velocidade) pós-sessão de treinamento, retornando ao
valor pré no intervalo de 24h. Dessa forma, concluiu-se que o intervalo
Variáveis agudas do treinamento de força: ordem, seleção dos exercícios e tempo de recuperação 19
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