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cálcio
Libros
de la talita dorada
Pádua Fernandes, Antonio
cálcio / Pádua Fernandes, Antonio. - 1a ed.
City Bell: De la talita dorada, 2013.
104 p. ; 20x12 cm. - Los detectives salvajes / J. A. 15
ISBN ------------------------------------
Prólogo
1. "Le dessein de la loi: que les prissioners construissent eux mêmes leur prisson.
C'est le moment du concept, la marque du système", Maurice Blanchot, L'écriture
du desastre, Gallimard, 1989, pág. 76.
Pádua Fernandes - 12 - cálcio
– no se formó la figura.
II
III
IV
VI
VII
1. Pisando folhas secas: uma caixa como perna, papelão, três embalagens de biscoito
como dois braços, à maneira de cabelos as tampinhas de garrafa, folhas secas ou
ossos – // a cabeça como caco de vidro, papelão, pernas como embalagens de
absorvente, no papel de cal para muros os restos de unha, cotovelos ou ventania – //
– não se formou a figura. // intercambiar os elementos; // – a figura nunca mais se
formará. II vivo ou não, não andará; / isso basta para as ruas; // andando ou não,
jamais / estará vivo; // isso basta para a segurança. III copiar na pele os buracos do
chão; // ouvem-se os tiros, esconde-se em um dos buracos no chão; // os tiros estão
mais próximos; // esconde-se em um dos buracos da pele. IV é santo o frio; cobre o
chão / e traz o milagre do gelo ao centro do peito. // andar sob o gelo ou andar dentro
do peito: / nenhum milagre. V o corpo também é uma cidade, / mesmo que ele a
abandone / e a trate como suor, evaporada / lembrança do sal, / a cidade jamais
deixará de ser do corpo / assim como na areia a memória do deserto. VI mas a cidade
também é um corpo / basta cegá-la para ver / que ela tinha olhos / basta amputá-la
para saber / que ela tinha membros / pisoteá-la / e descobrir a cotação dos ossos /
torturá-la para ouvi-la / pena que não diga palavra alguma / articulada para os
ouvidos / que esperam o ponto de os ossos cederem / e cantarem com sua voz seca /
que tudo é um corpo e morre. VII caixa de refrigerantes, carcaça de computador,
baterias usadas, os rastros invisíveis do pó sob a próxima camada de poeira – //
sabedoria do papelão com inscrições, embalagens enciclopédicas de remédios com a
morte descartados, papel de bala mordido pela fome – // o esqueleto da poeira
carregado pela chuva, ele deixou sua marca fóssil na correnteza do bueiro – // os
buracos criam uma cidade sob o chão, as casas nela erguidas só de muros derruídos
– // – eis, à vista, todos os elementos humanos aqui aceitos.
Pádua Fernandes - 16 - cálcio
Memoria y fractura
La oigo
y me parece que hoy los muertos
son casi enteramente
hambre.
Por eso están aquí.
2. Memória e fratura: Não sei o que significa enterrar os mortos; / se morreram, / não
podem escapar, estão aqui. / Nada está ao abrigo da vida / seja sobre a terra, / seja
no ventre da pedra. // Quando como, é para alimentá-los, / se falo, é para ouvi-los /
e nada ouço / exceto a fome / que os sustenta. // Ouço-a / e parece-me que hoje os
mortos / são quase inteiramente / fome. / Por isso estão aqui. // (Neste continente ser
humano e simultaneamente estar vivo / parece-lhe hoje impossível? Mais valeria /
visitar os mortos fora do limbo entre fim e remorso.) // Não pedem outro alimento /
senão a própria fome. Entrego-lhes / menos do que isso, / o pó / retirado à terra
sonegada // aos que viveram e a quem hoje, / à falta de melhor título, / chamamos de
mortos. // (Veja a terra aberta: / não outro é o sorriso deste continente.)
Pádua Fernandes - 18 - cálcio
Auto de resistencia3
la sangre enseña:
los profesores
bajo cachiporras;
la sangre olvida:
en los profesores
quien ya se infiltra
es la policía
y los corredores
cambian de piel
la sangre enseña
a los profesores
que no se aprende
sino en la piel:
“ya no son dolores
pero honrarías
en la propia vida”
y los corredores
caen inertes
II.1
– Abedeefe
jotaequisele
emeteú
zetadoblevé.
– ¡Tá todo en orden!
Sólo falta el nombre
de tu trabajo.
– Esta maestría
me dio mucha hambre.
Las letras desaparecen
de norte a sur,
de la ce a la u
casi me pierden.
– Vos sos maestro
y ya podés
leer el menú.
No hinchés las bolas.
Pádua Fernandes - 20 - cálcio
III
– Es profesor,
investigador,
evaluador.
– ¿Pero trabaja?
– Para vivir,
se hizo payaso
profesional
– ¿No lo era antes?
Llamar al mundo
nuestra hambre;
ese es el alimento
que cultivamos.
IV
– Primero la bomba,
después el tiro.
– Primero el tiro,
después la honra.
Pádua Fernandes - 21 - cálcio
– Jamás la honra
sin enemigo.
– Iremos todos
ya recibámoslo.
– Sí, recibámoslo
con todo el fuego.
– Tomarle el fuego,
nuestro deseo.
– No basta la bomba,
si resta el nombre.
– Quemar el nombre,
si aún suena.
– Las cenizas suenan
el cuerpo del hombre.
– No basta el tiro,
si resta la lengua.
– ¿Quemar la lengua
es terrorismo?
– No. Terrorismo
es la poesía,
– Odiar la política,
amar la policía.
– Amar el tiro,
sin terrorismo.
– Para ellos, bomba.
Ellos son contras.
Pádua Fernandes - 22 - cálcio
II.2
– A, después be
pero nadie ve
como sigue.
– Vos sos maestro,
el doctorado
da más trabajo.
– Pero el alfabeto,
si está completo,
es muy pesado
y autoritario.
Nadie lo sigue,
ni el cedeefe.
– ¿Y serás vos
quien detendrá
la vía del te
hasta la u, el acceso
a la ve? – ¡Correcto!
un fuego calla:
en las facultades
nada que aprender
salvo la gestión,
segura, la vida
administrada
aprende el frío)
– administrar
el fuego, es decir,
gestionar la ceniza.
– convertir la ceniza
en la educación
del propio cuerpo.
– convertirse en cenizas
o respirar
el propio soplo
– ¡una didáctica
por la asfixia!
– en las facultades
nada que encender
sino el frío.
en una ciudad
que antes unió
y ahora separa
cuerpo y deseo,
el fuego y el habla,
ya corregidos
de que hayan sido
una ciudad;
Pádua Fernandes - 24 - cálcio
en la ley, en la calle,
a cada paso
el frío camina)
– ¿corrupto? pero
sigue el sistema;
lo que no quisimos
es un juez de izquierda.
– corregidor
de tribunal
y profesor
cuarenta horas,
aprobó la cautelar
a las facultades
– ¿los profesores
van a aprender
bajo fuego la ley?
– pues la ley sangra.
VI
II.3
– A, después a,
¡sin blablabá!
Soy Secretario
y mi trabajo
en la educación
no es en vano:
el fin de las letras
llega sin tristeza.
¿Saben leer? No,
ni notarán
que el abecedario
fue borrado.
– ¿Cómo evaluar
el año escolar
si sólo queda la A?
– ¡A merendar!
¡Ah! ¡Ah! ¡Ah! –¡Epa!
VII
Bajo cachiporras.
Si amputamos la pierna,
Pádua Fernandes - 26 - cálcio
sobrevivirá.
Dejémoslo entero;
bautizaremos la gangrena
con el nombre del cuerpo.4
Permiso de demolición
en el campo
el código de paz
legislado por armas
(brea cautiva
propaga las sombras
de los palacios de la república
a las azadas de los esclavos:
foi fechado depois que todas as bolsas foram direcionadas à pesquisa de água
transgênica e de extração aérea de cinzas para combustível) recolheram uma história
dos primitivos de que a fome originou-se de um erro de grafia, de uma trilha errada
na floresta. Em vez de caminharem para o sol-peixe, foram para o sol-poente, e não
acharam o caminho de volta por causa de um problema de pontuação, não lembro
bem, acho que essa lenda surgiu porque, antes do contato com os civilizados, a língua
deles não conhecia o ponto final. II.3: – A, depois a, / sem blabablá! / Sou Secretário
/ e o meu trabalho / na educação / não é em vão: / o fim das letras / vem sem tristeza.
/ Sabem ler? Não, / nem notarão / que o abecedário / foi apagado. / – Como avaliar /
o ano escolar / se só resta o A? / – A sobremesa! / Ah! Ah! Ah! – Eta! VII: Sob
cassetetes. // Se amputarmos a perna, / sobreviverá. // Deixemo-lo inteiro; //
batizaremos a gangrena / com o nome do corpo.
Pádua Fernandes - 28 - cálcio
(brea cautiva
cayó sobre el día y no es noche
hizo caer la noche sin ser eclipse
sino poniente continuo,
el cielo de esta república
en el campo
el código del bosque
sembrado por cuerpos
nacen brotes
transgénicos
propagan otra cosa que ya no es la ley
y sí una orden más imperiosa
que la arena impone a los quilómetros cuadrados del sol
(cautiva brea
de los fuegos de artificio
conmemorativos de la república
encendida en la tierra ancestral
donde los muertos vivían
y están siendo asesinados nuevamente
cautiva brea
¿cómo el exterminio puede ser sostenible?
le preguntan, y apaga las luces
cuando se leería la respuesta ninguna
Pádua Fernandes - 29 - cálcio
A la piel, preguntarle
el nombre de la vida; pero sólo ver
la cicatriz.
Preguntarle a la cicatriz
el nombre de la piel;
no oír nada.
II
Luz invertebrada,
gritan, te comparamos al insecto en su vuelo y en el
enjambre,
¿qué deseás al desvelar las letras
sobre el cuerpo
que solamente con descargas eléctricas y látigo
aprendiste a escribírnoslo?
¿El cuerpo que solamente aprendió el mensaje de las
letras
cuando se volvió lápida de sí mismo?
III
IV
Lo vi en el tren.
Estábamos de pie. No me di cuenta, al principio, hasta
qué punto su camiseta estaba agujereada, porque los
tatuajes se mezclaban con aquellas estampas que bien
podrían haber sido suciedad antigua.
Pádua Fernandes - 32 - cálcio
VI
Seca y desborda
Al atravesar la mordedura
II
III
meios virtuais, algum sangue / ainda inédito? Sem / mãos encharcadas, pode-se
observar / a transição ao vapor / para que o sangue seja publicado num mundo
melhor / onde algoz e vítima não precisem se encontrar para que irrompa o massacre.
// – Abro o livro. Ele dói, eu grito. / – Não são gritos, mas reações dos mecanismos à
resistência da carne. // Arquivos fechados guardam sangue / inédito. O sangue
aprisionado, / mas o derramamento prossegue / enquanto a identidade seca do
vermelho / permanece arquivada entre a mordaça da toga / e o chorume da farda. //
Investigar antes que os livros denunciem / a paz da pele sobre os órgãos dilacerados?
//– Tenho que fechá-lo, ou suas palavras serão minhas. / – Quando a palavra é para
nenhum, o cadeado é para todos. // Abrimos um continente e um silêncio, / os prédios
sob o solo / erguidos pelo exílio. //– Descobrimos que as palavras eram corpos. / – Por
isso queimaram os arquivos? / – Mas a ordem de queimá-los também foi queimada.
/ – Até o último dente? //Se temos o livro, temos o escombro.
Pádua Fernandes - 36 - cálcio
IV
VI
en otros países
para atravesar la mordedura
hay que pagar el peaje de la propia boca y su relleno de
palabras y dientes;
en otros, se exige el de la carne y su envoltorio de piel
y palabras;
aquí
se cobra generalmente sólo en palabras;
VII
VIII
la tercera gangrena,
o la boca que perfora la carne
sin alimentarse jamás8
para Julián
9. Dentes com metacarpos (para Julián): Meu amigo para diante do abismo, / procura
os pais desaparecidos; / o que encontrará, não sabemos, / o quanto suas mãos
mergulharão / na matéria viscosa do nada, ignoramos, / que tipo de nada, porém
humano, / dele retirarão, resta saber, / embora imaginemos / que no fundo do abismo
/ outro se abra / e depois outro / indefinidamente. // Vejo que meu amigo murmura,
/ mas não comigo; / fala com suas mãos, /ensina-lhes que o abismo é uma terra / sobre
a qual pisamos / todos os dias / e que pode ser escavado / da mesma forma que o
tutano / dentro dos ossos. / Ele sussurra para as mãos / No mundo inteiro / quase só
há desabrigo, / todos os refúgios da humanidade / compõem-se principalmente do
abismo. / Os felizes que nele caem / parecem crer / que nada há mais profundo / do
que o humano / e que os homens / desde sempre / foram filhos da queda. // Suas
próprias mãos não acreditam nele. // Meu amigo salta para o abismo; / grito, mas a
queda não ocorre, / retém-no na superfície / a superfície do nada.
Pádua Fernandes - 40 - cálcio
II
III
10. Palo de papagayo (en portugués pau-de-arara) fue el nombre dado a una técnica
de tortura utilizada en Brasil durante la dictadura militar que consistía en una barra
de hierro atravesada entre los puños amarrados y la dobladura de las rodillas. Cada
una de las puntas de la barra era colocada en una mesa, quedando el cuerpo del
torturado colgando a cerca de 20 o 30 centímetros del suelo. En esa posición el preso
sufría descargas eléctricas, golpes y quemaduras con cigarrillos. (N del T.)
Pádua Fernandes - 41 - cálcio
IV
Hago a propósito
lo que los otros compañeros cumplen por casualidad.
Como las flores, la muerte tiene sus campos.
Necesitan al perito
que conozca el adobe e indique el arado.
El primer día,
miraba las rejas.
El segundo,
le daba puñetazos a las rejas.
Un mes más,
lamía las rejas.
VI
11. Dueto para verdade e pau-de-arara. I: e se o corpo cessou de vibrar / nem assim
deixou de mentir. II: Se a verdade falasse, erraria? / Grito, mas ela se cala, / temerosa
de enganar-se. //Se a verdade se alimentasse do erro, / engasgaria? Duvido / e nego-
lhe qualquer alimento, / até que a fome arranque da verdade o seu melhor. // Quando
ela vomita, / não é o erro o que suja o assoalho? Faço-a / limpar tudo, mas a verdade
/ deixa tudo mais imundo. // E se a fizesse defecar na própria boca? / Teria coisas
mais sinceras a dizer? // Talvez. Porém não ouvirei mais. / Se a verdade falasse, / mas
ela range, /e o ruído é um erro. III: Comunica-se que o racionamento de energia
afetará os depoimentos dos prisioneiros, que não poderão mais ser animados a
choque durante a madrugada. // (– A subversão depende de nós. Cada grupo é um
dente do dragão. Sem nós, cada um tentaria mastigar o outro e o monstro jamais
abocanharia nada. / – Uma boca só de ódio, nenhuma paz a alimentaria. / – Cada
subversivo é uma cárie, é tudo que eles podem atingir do branco. / – Os dentes são
deles, mas o fogo é nosso.) // Retificação do ofício: / os próprios prisioneiros, acesos,
concedem-nos a energia. IV: Faço expressamente / o que outros colegas cumprem por
acaso. / Como as flores, a morte tem os seus campos. / Necessitam do perito / que
Pádua Fernandes - 44 - cálcio
Úlcera
Se alimentaba de ella.
Soñar era hermoso dentro de la úlcera.
Si tragase el pan,
si aún pudiera hacerlo,
ahora que su estómago estaba todo tomado por la calle.
Admiro en el humo
cómo la ciudadanía
huele tras la limpieza
de edificios invadidos
Fuego y desmoronamiento
se sentaron al banquete.
¿La úlcera tuvo tiempo de perdonar el hambre
antes de la llegada del desastre?
12. Úlcera: Nenhuma paz superior / à de morar na úlcera. // Ela viu um pão quase
inteiro, / mais inteiro para ela do que toda a rua. // Onde se queimam livros, / pessoas
serão queimadas? / Sou prefeito e não leio. / Prédios são meu negócio. // Onde se
queimam prédios, / pessoas desabarão? / Nunca. Só as mais lentas. / Não me culpem.
Sou rápido. // Dela se alimentava. / Sonhar era belo dentro da úlcera. // Era favela, a
cinza. / Hoje, novas licenças. / Onde se explodem prédios, / quem ficará de pé? //
Poderia chegar perto do pão, / mais próximo dela do que lhe era a rua. // As cinzas
alimentam / esta nova cidade / que a queda financia / com corpos e destroços. // Sou
prefeito e construo / os espaços vazios / para a circulação / de gravatas e bombas. //
Nela escavava as riquezas. / A arte rupestre / teria sempre imagens da úlcera. // Sou
prefeito, a faísca / é o melhor instrumento / para o dócil governo / de imóveis e
pessoas. // Se engolisse o pão, / se ainda pudesse fazê-lo, / agora que seu estômago
estava todo tomado pela rua. // Onde se explodem prédios, / gente já foi queimada; /
arquiteto da cinza, / farei que morem no ar // apesar do pequeno / intervalo entre os
ventos / útil para abrigar / ex-cidadãos terrestres. // Oravam para ela o pão e o
relento, o abrigo e a fome / na hagiografia completa da úlcera. // Admiro na fumaça
/ como a cidadania / cheira após a limpeza / dos prédios invadidos // e ouço as
bombas, higiênicas. / Meu negócio? Negócios, / esta nova cidade, / esta casa de
cinzas. // Fogo e desabamento / sentaram-se ao banquete. / A úlcera teve tempo de
perdoar a fome / antes da chegada do desastre? // As cidades deixadas ao capital, /
os palácios habitados pelo deserto.
Pádua Fernandes - 47 - cálcio
Cotidiano fisible
hombre corriendo
adelante de su propia piel
II
III
el cuerpo desguarnecido
y pierde
Pádua Fernandes - 48 - cálcio
IV
todavía corriendo
(sin piel
jamás estará desnudo de nuevo,
así como dios)
VI
13. Cotidiano físsil. I: homem correndo / na frente da própria pele; // ela, porém,
salva / entre formigas e pedras. II. correndo sem pele; / ver isto e só poder constatá-
lo, / não poder recompor / o espaço entre o corpo e as ruas. III: tendões e músculos
descobertos // o corpo desguarnecido // tensão entre mundo e nervos // o corpo torna-
se pura corrida // e perde. IV: nunca uma corrida pura, sem a confusão heteróclita
com partes de fuga e coragem, desânimo e audácia, política e polícia, testemunho e
desistência. // Antes da explosão: a corrida misturava-se aos elementos físseis da
trama. // Depois da explosão: o homem sem pele não fugia do fogo, mas buscava em
qual fragmento da corrida encontrar-se-ia o mundo ainda inteiro. V: corpo sem pele
// ainda a correr // mas para este credo a nudez ofende a deus // mais uma razão // que
abençoa o massacre // (sem pele, / jamais estará nu de novo, / assim como deus) VI:
gangrena nas cinco direções, a fuga não pôde salvá-lo / de tornar-se um corpo
coberto pela catástrofe / (que é uma outra pele, / sem corpo algum: os tiros
atravessam-na inteira, / as bombas dispersam-na, / ela se alarga e cobre o planeta, /
sem coração, sexo, riso e outros órgãos que a tolheriam de ser pura pele)
Pádua Fernandes - 50 - cálcio
sino hendiduras
por donde escaparía la nada;
14. Discurso da erosão do fim do mundo: se, antes de tudo, fosse o rato; / alimentara-
se do céu / para que dos buracos abertos / caísse o vazio sobre a terra / e em toda a
terra / não houvesse mais riqueza do que roê-la; // porque, antes de tudo,
precisaríamos / do rato / a roer o caminho entre o continente e os homens; // a boca
do rato: quando ele / encerrasse o seu trabalho, / todos os elementos por ela teriam
passado / e o mundo poderia enfim começar; // a digestão do rato: depois / de todos
os elementos terem atravessado / a digestão onívora do rato, a merda / depositada
nos esgotos / conheceria todos os elementos / e o mundo poderia enfim começar; // nos
dentes do rato: a casa / de tudo que viria a nascer: / erosão e saliva; // também a peste
seria inútil sem o rato; / ele precederia as duas irmãs, / vida e devastação; // o rato
antes do mundo / roera o que seria a luz e a sombra / e não se tornaria jamais luz e
sombra / porém fendas / por onde escaparia o nada; // porém, antes de tudo, / não era
o rato; / o mundo não pôde começar
Pádua Fernandes - 52 - cálcio
La vaca
El cielo rojo.
La vaca podría lamerlo,
sorber toda la sangre
y salvar al cielo.
II
El rojo gotea
desde los ojos de la vaca
y abre un río
que ahoga las calles.
Edificios y esquinas
se yerguen contra el río.
¿Alguien irguió el puñal
cuando la vaca fue asesinada?
¿O la muerte fue mera
consecuencia de la arquitectura?
III
La vaca
replicaba las proteínas,
giraba las hélices duplas,
retorcía la nada.
IV
Muge. Así
declama correctamente
las frases de la bandera del país
VI
Descansa en paz
con el semen de los necrófilos,
con la pala de los profanadores.
Quid sum miser
Pádua Fernandes - 55 - cálcio
La ira de dios.
Pero en la tumba de la vaca
suyo es el cuerpo que se pudre.
Libera me
VI
De seis gangrenas,
nació la manada.
Muerta,
la vaca ha vuelto.15
15. A vaca. I: Nos olhos da vaca, / o céu vermelho. // A vaca está morta. / Os chifres
não. // O céu vermelho. / A vaca poderia lambê-lo, / sorver todo o sangue / e salvar o
céu. // Mas a vaca está morta. // Seria uma solução, / não houvera chifres. II: O
vermelho pinga / dos olhos da vaca / e abre um rio / que afoga as ruas. // Cinzas eram
os prédios, / calçadas e becos, / mas não depois / da morte da vaca. // A vaca era uma
vaca, / ameaçava a sociedade. // Prédios e esquinas / erguem-se contra o rio. //
Alguém ergueu o punhal / quando a vaca foi assassinada? / Ou a morte foi mera /
consequência da arquitetura? III: Jujubas são feitas da vaca. / Crianças comem-nas.
// A vaca / replicava as proteínas, / girava as hélices duplas, / retorcia o nada. // As
crianças giram, / retorcem-se, replicam / os antropófagos / lambuzando-se / do nada.
// Você é o que come, / dizem os vegetarianos. IV: No campo o cadáver improdutivo
da vaca. // Retalhá-lo, para que os vermes beijem o sol? / Queimá-lo, para que as
cinzas esterilizem o território? / Abrir-lhe buracos para penetrar na podridão imensa,
/ nela fundar colônias, devastar florestas / chegar ao útero / e descobrir que estava
grávida do labirinto? // Saíram de dentro da vaca. / Olharam os campos. Nenhum
espaço / que já não fosse o labirinto. V: O jogador enrola-se na bandeira do país, /
deita na grama / e promete faminto a vitória. // O jogador empanturra-se de grama
/ verde como a bandeira de seu país / e descobre que a vitória é uma vaca. // Ele
muge. Assim / declama corretamente / os dizeres da bandeira do país // enquanto
Pádua Fernandes - 56 - cálcio
NN
en el hueco
del habla
el cuerpo
de la fosa;
un hueso
estalla
en la falla
del suelo
y luego
el soplo
calla
en la nada;
centro de todo:
un fuego huye;
quema, con todo,
sin que se aloje
en tierra o viento,
ayer u hoy;
es el olvido
y no la llama
en este instante
apuesta y gana
la cosa en fuga
que el fuego emana;
del cuerpo
resbala
el suelo
e inunda
el foso
que anónimo
naufraga,
y grasa
la nada
en la panza
de la náusea;
centro de la lucha:
un fuego grita
la ceniza ruge
su enigma
amordazado
en la propia lengua;
sin tener espacio
la voz se calla
repitiendo el grito
que la ceniza exhala;
el fuego en todo
huye y no hay nada;
en el asco
se sacia
el gusto
de la nada
y como
la barca
atraca
en el puerto
del cuerpo
Pádua Fernandes - 58 - cálcio
sólo hueco
ni halla
ni agua,
nada es el fruto
cuando el incendio
se ha vuelto el mundo;
la llama, el premio
por estar vivos
en carne y vena,
en sangre y ríos,
en hueso y suelo,
y la cosecha
se hace cizaña
secando al sol
de un cielo muerto;
ni nada
ni todo
atraca
en la cloaca
que inunda
los puestos,
los sueldos,
las armas
de luchas
calladas
de los muertos
en el lodo;
centro de la voz:
hunde la nada;
desembocadura extrema,
el cuerpo falla,
Pádua Fernandes - 59 - cálcio
del anónimo
que yace
sólo hueso
y larvas
en la fosa
por uniformes
castrenses,
del cuerpo
que voz
sólo soplo
asesi-
nada16
16. NN: no oco / da fala / o corpo / da vala; / um osso / estala / na falha / do solo / e
logo / o sopro / se cala / no nada; // centro de tudo: / um fogo foge; / queima, contudo,
/ sem que se aloje / em terra ou vento, / ontem ou hoje; / o esquecimento / e não a
chama / neste momento / aposta e ganha / a coisa em fuga / que o fogo emana; // (voz
sob o fogo ou sob a água? / se tanto cinza quanto lodo / servem aos mortos de
palavra) // no nada / do corpo / resvala / o solo / e alaga / o fosso / que anônimo /
naufraga, / e grassa / o nada / no bojo / do nojo; // centro da luta: / um fogo grita, /
a cinza urra / o seu enigma / amordaçado / na própria língua; / sem ter espaço / a voz
se cala / ecoando o brado / que a cinza exala; / o fogo em tudo / foge e mais nada; //
(jaz sob a água ou sob o fogo? / a memória, ninguém a draga: / cinza e sangue, leva-
a o esgoto) // no nojo / se farta / o gosto / do nada / e como / a barca / atraca / no porto
/ do corpo / só oco / nem acha / nem água, // nada é o fruto / depois de o incêndio /
tornar-se o mundo / e a chama, o prêmio / de estar-se vivo / em carne e veio, / em
sangue e rios, / em osso e solo, / e o que é colhido / torna-se joio / secando ao sol / o
céu já morto; // (como realmente se chamava? / em lápide tornou-se o solo, / o solo
que os nomes apaga) // nem nada / nem todo / atraca / no esgoto / que alaga / os
postos, / os soldos, / as armas / das vagas / caladas / dos mortos / no lodo; // centro
da voz: / afunda o nada; / extrema foz, / o corpo falha, / no centro do osso / o oco nos
cala, / junta-se ao lodo / que nos recobre / da coisa em jogo / que a chama sorve; /
centro do jugo: / um fogo foge // (contra a memória, rio vindouro, / o deserto do novo
nada / seca a voz da garganta ao osso) // do anônimo / que jaz / só osso / e larvas / no
fosso / por fardas / Armadas, / do corpo / que voz / só sopro / assas- / sinada
Pádua Fernandes - 60 - cálcio
Bosque de desaparecidos.
No hay semilla.
Brotan.
Suelo pródigo de los presupuestos:
en la planilla humana, se cuentan huesos.
El fruto podrido
como los dientes – huela
lo que la boca dice.
II
III
Me acuerdo de todo,
pero no ahora,
que hoy tengo la nada.
Toqué todo,
pero nada te entrego,
falto de manos.
IV
Máquina
(Yo era esta, pero podría ser otra, la que fue asesinada.
Me volví la de siempre, pues ya estaba muerta y, así, no
podría ser juzgada. Según el primer informe, me suicidé
con esmalte y tintura para el pelo, o incluso menos. Sin
embargo, era preciso que hubiera brindado
informaciones sobre mi organización clandestina, cuál
era el lugar de mi célula, quiénes eran mis superiores.
Tuve que suicidarme nuevamente, con los cordones de
las zapatillas y la sopa de la prisión. Ya había leído la
noticia en los diarios del día anterior. Los oficiales
responsables por mis cuidados recibieron entonces una
reprimenda por no haber indagado cuál era la imprenta
que reproducía los panfletos que distribuíamos en
sindicatos y facultades. Me llevaron nuevamente a la sala
de justicia posmoderna, moldeada directamente de los
hierros de la tradición del quattrocento. Dije menos de lo
mismo. Después me leyeron el certificado de defunción:
esta vez me suicidé solamente tomando la sopa. Ya no
recibía los diarios, no pude saber si mi nueva muerte
salió en la sección de deportes o en la de entretenimiento.
Fue el juez militar quien se dio cuenta, finalmente, de
que nadie había preguntado el nombre de mi
organización. Mandó que la averiguación se reiniciara, y
respondí el mínimo menos, pues la introducción de
Pádua Fernandes - 66 - cálcio
18. Máquina: Esta máquina lê o sangue / e escreve com ossos. // 90% da poeira
compõe-se do mundo. // Esta máquina rasura a carne / e apaga a pele. // Alfabetiza
o sopro com a asfixia. // 73% dos nacionais são feitos de poeira. // (Eu era esta, mas
poderia ser outra, a que foi assassinada. Tornei-me a de sempre, pois já estava morta
e, assim, não poderia ser julgada. Segundo o primeiro relatório, suicidei-me com
esmalte e tinta de cabelo, ou ainda menos. No entanto, era preciso que eu tivesse
fornecido informações sobre minha organização clandestina, qual era o lugar de
minha célula, quem eram meus superiores. Tive de me suicidar novamente, com os
cadarços do tênis e a sopa da prisão. Já tinha lido a notícia nos jornais do dia
anterior. Os oficiais responsáveis por meus cuidados receberam então uma
reprimenda por não terem indagado qual era a gráfica que imprimia os panfletos que
distribuíamos em sindicatos e faculdades. Levaram-me novamente à sala de justiça
pós-moderna, moldada diretamente dos ferros da tradição do quatrocento. Falei
menos do mesmo. Leram-me depois o atestado de óbito: suicidei-me desta vez apenas
tomando a sopa. Já não recebia jornais, não pude saber se a minha nova morte saiu
na seção de esportes ou na de entretenimento. Foi o juiz militar que percebeu,
finalmente, que ninguém perguntara o nome de minha organização. Mandou
reiniciar o inquérito, e respondi o mínimo menos, pois a introdução de crucifixos
elétricos nos genitais não propiciou as condições dialógicas para o consenso. De
acordo com o quarto atestado de óbito, matei-me por meio de não me enviarem mais
sopa. Da última vez que me levaram à sala de justiça pós-moderna, teoricamente
incompatível com as ilusões formalistas do jurídico, não me perguntaram mais nada.
Não morri mais, porque morrer ainda seria dar uma resposta. Querem a verdade?
Não, e sim meus ossos. Mas nunca os irão provar, e sempre ignorarão que o pó que
cai sobre o país também é feito de mim.) // Esta máquina identifica o exílio / na
assinatura eletromagnética / que os corpos deixam, / que os textos esquecem. // 74%
do exílio é feito do mundo. // Criar-se-ão máquinas também contra isto.
Pádua Fernandes - 67 - cálcio
En el otro, nada.
Vivimos en el otro.
II
retírese el viento –
la verdad y la asfixia
III
En lo oscuro el puente.
En la bocina los coches.
En la basura las ruedas y la vía.
IV
VI
VII
19. Discurso do lugar do fim do mundo: I. Neste cesto, vidro e ossos. // Em outro,
nada. // Moramos no outro. II: Neste cesto de carne e sangue, / o vento – // retire-se
o vento – // a verdade e a asfixia. III: No escuro a ponte. / Na buzina os carros. / No
lixo as rodas e a via. // Debaixo da ponte, mais vias e buzinas. // Ensurdecedor porém
/ o homem sem sapatos / na beira / que ao escuro bom dia grita. IV: Polícia: As
instituições voltaram-se para a incessante fabricação de detritos. // Política: Em
revanche, os detritos planejam instituições melhores. V: os homens aqui presentes
não logram formar um corpo? uma cidade? / mas os detritos aqui reunidos / formam
um corpo nenhum / presente e ausente / como a rua nos buracos da cidade. V: As
indústrias de cestos fecharam depois que foi determinada a ubiquidade do lixo. O
decreto partiu do pressuposto de que a ubiquidade da própria lei poderia ser
transmitida para o lixo. Mas não era a lei que era ubíqua, e sim o lixo, por essa razão
se decretou que, se havia a lei, ela não era o lixo, e deveria ficar fora dos cestos. Com
o lixo oficialmente fora dos cestos é que a lei precisou neles entrar, ser guardada,
eventualmente ser fechada quando chovesse muito forte, como agora, veja que ela
boia enquanto o lixo navega e os cestos velhos mantêm-se firmes ainda, não temos
novos desde as últimas licitações, não me lembro mais por que motivo, sei que havia
a lei e o lixo, e alguma diferença entre ambos. VI: o sétimo código é a gangrena: não
precisamos da carne / para que a lei seja a decomposição; / basta-nos a lei.
Pádua Fernandes - 70 - cálcio
Metástasis o esperanza
20. Metástase ou esperança: A lama tomou o lugar dos olhos / – agora, sim, pode-se
ver o mundo. // (plantar as órbitas arrancadas / depois de colher seus frutos? pois eles
/ antecedem a árvore e ela / anula o solo / na lei geral da devastação) // A lama
substitui o corpo / – os cidadãos encontraram seu lugar. // (você já viu minha fazenda
virtual? / plantei sopapos e joelhos quebrados, / mendicantes não se aproximarão da
colheita) // Ventos competem com a lama, / porém a asfixia / é a vocação das línguas.
// (a safra de mundos poluiu minha vista; / quem previra o impacto ambiental do
mundo / sobre os rios eletromagnéticos? / mandarei isolá-lo; / como a metástase, o
mundo produz espaços) // A lama é o próprio corpo virtual da lama / – sem letras
escreve sua mensagem inteira. // (caso plante órbitas, / nascerá a visão? semeando
impactos, / colherei ambientes? / sementes transgênicas / com inseticidas contra
camponeses e outras pragas? / precisarei, no entanto, / da cerca antimundo, / que o
mundo imita a metástase / em querer a vida) // No lugar da lama, ela mesma. / O
mundo poderia encerrar-se. // (arrancando o crânio real / nascerá um busto virtual?
tentarei, / mas antes elevo a cerca da fazenda; / pois sei que existem o mundo e a
metástase, / e ambos só conhecem a multiplicação) // No lugar do lugar, encontraram
a lama / – agora, sim, somos o continente.
Pádua Fernandes - 72 - cálcio
Monumento y pasaje
En la amnesia de la ciudad
el memorial de las víctimas;
II
III
IV
– No es posible reconocerlas.
VI
Podés anotar.
De todos modos vas a perder.
Podés anotar.
Nadie más sabe leer.
Anotá, anotá.
Hay posts, no hay más discursos.
Podés anotar.
Solamente seria fidedigno si escribieses en blanco.
VII
Pode anotar. / Somente seria fidedigno se você escrevesse em branco. // Aqui era um
restaurante popular. Mas temos que pensar no futuro. Quando inauguro creches já
penso em cemitérios. Tínhamos o prédio conjugando restaurante popular e presídio.
Economia das instalações. O Estado acolhe todos em sua boca imensa. Assim a gente
evita greve de fome. Gente primitiva não quer o progresso nem empreiteiras. Aqui
nenhum cidadão de verdade foi espancado por causa disso. / Não era este o discurso.
Perdoem. Achei: aqui era um restaurante popular. Hoje, inauguramos esta
demolição. / Preparamos o futuro. VII: 8º arcano ou a gangrena: quando eles
chegavam, brincávamos de adivinhar-lhes o futuro; quanto tempo ficariam aqui, se
seriam processados, se condenados sem serem processados, se executados sem serem
condenados, por quanto tempo condenados, por quanto tempo executados etc.; até
que descobrimos que se lhes podia ler o futuro nas escoriações, num tipo de
tanatomancia; alguns de nós adivinhavam os números da loteria pelas marcas no
corpo e multiplicavam os golpes para a proliferação dos prêmios; outros só queriam
ver o destino desses que chegavam, porém o método mais seguro para isso era a
leitura de vísceras, que eram retiradas, lavadas e secas, para que o visceromante
revelasse o futuro do antigo proprietário dos órgãos em questão; outros queriam ver
além do destino pessoal e dedicavam-se à previsão do bem público e da segurança de
todas as garantias sociais; no entanto, para descobrir o futuro do país, somente a pele
deveria ser lida, por isso ela passou a ser retirada logo no ingresso nesta instituição,
veja que a penduramos em varais para que, à meia-noite, os melhores de nós leiam o
que dizem as estrelas vistas através da constelação de feridas.
Pádua Fernandes - 78 - cálcio
– Le abrí el estómago,
nunca más tendrá hambre, vientos
van a alimentarlo del puro cielo.
– Sin hambre, podrá por fin bailar.
22 Salvação pela dança: Salvar os mortos / de nunca terem sido; // – Ignoro se quando
pisei / ou chutei. Mas / a cabeça estourou. / – Com o som, você conseguiu dançar? //
Porque estão mortos / precisam ser salvos; / a vida dispensava / a redenção; // – Não
lembro se com a navalha / ou à unha. Mas lhe abri / outra boca no pescoço. / – O que
ela cantou fez você dançar? // São hoje apenas / o que não mais viverão; /
compreendo-os, como eles existo: / salvem-me do que também nunca poderei; // –
Abri-lhe o estômago, / nunca mais terá fome, ventos / vão alimentá-lo do puro céu. /
– Sem fome, ele poderá enfim dançar. // O corpo humano pode sofrer grandes
mudanças, mas não deixará de ser composto de partes heteróclitas que exigem
contínuo e desmesurado esforço a fim de que permaneçam estáveis o suficiente para
que os seus diversos componentes não se desliguem e comecem uns com os outros a
dançar pelas ruas ritmos oriundos inteiramente do futuro.
Pádua Fernandes - 79 - cálcio
Actos, interdicciones
II
III
IV
y, porque renunciamos,
los elementos se niegan a venderse
a los juegos indecentes del triunfo;
Rumbo a la orilla
ciudadanos-anfibios –
las narinas aún fuera del agua
ciudadanos-anfibios –
se ven burbujas en la superficie –
¿se lamentan? ¿protestan?
se debaten, no nadan –
nadar sería lógico
y el infarto es la lógica de la sangre –
para Julián
El amigo,
las instrucciones para armar bombas.
(libertar el fuego,
¿condición necesaria
para la insurgencia?)
(libertar el
cuerpo, ¿condi-
ción nece-
saria
para reinven-
tar el
fuego?)
Le digo
que es necesario que un hueso falte
para que la ausencia esté completa.
Escribiríamos entonces
el elogio de la fractura.
Pádua Fernandes - 88 - cálcio
II
Se mató en el exilio.
La pena no necesita pasaporte.
Nadie la lee.
Ahora, es extranjero para siempre.
III
Quemar. De la piel
a los huesos. De los huesos
al tuétano. De éste
a la célula indistinta entre ser y no.
No por la luz,
por la caricia sucia de la ceniza.
Pádua Fernandes - 89 - cálcio
Lamer la ceniza
para aprender el rojo.
El amigo
quiere publicar el fuego,
libertarlo
de la ceniza acumulada
a la que llamamos país.
Libertarlo
es también un país.
Publicado,
regresaría al aire
y volvería a ser inédito.
Quemar.
Hasta que vuelva a ser crudo.
IV
Falta la bomba
para completar la arquitectura.
Falta el coágulo
para que el corazón se derrame.
Pádua Fernandes - 90 - cálcio
Falta la piel
que cubra los vientos
y los convierta en un cuerpo
entero de la rebelión.25
Sentido de la hemorragia
(Hueso sangrando.)
(Hueso sangrando.)
(Hueso sangrando.)
Pádua Fernandes - 92 - cálcio
(Hueso sangrando.)
Las mandíbulas
mandíbulas desnudas
II
la sonrisa de la mandíbula
pura
III
como si flotasen
las mandíbulas permanecen
IV
el beso de la mandíbula
no en otra
sino en el aire
dentro de la mandíbula
alguien vive
no vos o yo
la mordedura vive
y elige sobrevivientes
VI
maxilar es el verbo de la
mandíbula
nos acoge en su discurso
VII
VIII
ya no se ven
las mandíbulas; en este
aire que sofoca la posibilidad de la garganta,
en este sol que ciega la desintegración del paisaje,
en este viento que lleva la materia al destino del polvo
¿podríamos encontrarlas, o
serian ellas mismas la imposibilidad
de la garganta, la ceguera
integral del paisaje, el polvo
como materia del destino
ya no se ven
las mandíbulas; ¿habrán mordido
el aire o la visión?
para Fabio
patéenlo
en la boca –
es el beso que conoce
patéenlo
y la boca
aprenderá a andar
Pádua Fernandes - 98 - cálcio
patéenlo
en la boca
es lo que tiene para decir
patéenlo
y él revivirá
listo para morder el mundo
la gangrena de la historia
consume los propios huesos,
vivimos el tiempo presente
como si fuera un fósil del pasado,
y el pasado asumiese
toda la tarea de la actualidad;
¿y ni la actualidad de la gangrena quedará
en el calcio y en la saliva
hermanados en lo informe
que toma toda la estructura
y devuelve a lo innumerable
lo que tenía dos pies y pocos pasos,
dos ojos y toda la ceguera,
los órganos robados al júbilo,
Pádua Fernandes - 100 - cálcio
el cuerpo o la cicatriz
que se abre
para abarcar todos los números posibles?
28 Projeto para cálcio (para Fabio): Este projeto de criação literária, ou seja, a
tentativa de aceitar a estimativa oficialesca de que a literatura se projeta, e ela o faz,
porém como bala, foguete, míssil sobre os outros discursos, a saber, da economia, do
direito, da propaganda, simplesmente retomando-os e lambendo-os com saliva ácida
até que se dissolvam – // A justificativa deste projeto, a não ser dita, não pedirá
desculpas por existir, mas, de fato, ele é justo, como a fratura que encontra o ponto
de tensão dos ossos e devolve-os ao estado fundamental de terra – // (o compositor,
quando aprender a calar-se, escreverá melhor o que não pôde aprender) // chutem-no
/ na boca – / é o beijo que conhece // Método não haverá, salvo o difícil, o confuso, o
que exigirá mais fontes de custeio e, portanto, será indeferido artisticamente pelo
setor financeiro da instituição – // (o compositor não lida com sons, e sim com
materiais, farrapos, resíduos, não para arquivá-los, e sim fazer-lhes justiça: devolvê-
los aos ares, permitir que respirem mais uma vez) // chutem-no / e a boca / aprenderá
a andar // Cronograma nenhum, a medida de tempo ainda possível, a do bater
cardíaco dos sons recuperados, ou o andamento de sua expiração, anoto o sopro para
revivê-lo, retirá-lo da terra para que possamos nela pisar enfim inteiros – // (o
compositor, na verdade, lida não com notas e sim com os ares, precisa compô-los, não
é possível que sons novos vibrem em uma atmosfera antiga) // chutem-no / na boca
/é o que ele tem a dizer //No tocante ao referencial teórico, é evidente que todo
projeto de criação literária deve apresentar pelo menos um, de preferência vários, ao
gosto das agências financiadoras, temos aqui diversos, um para cada mineral que
compõe o corpo humano e permite alguma familiaridade com a terra depois que o
sopro deixa de animar o conjunto meio atmosfera, meio solo que anda e ri – // (o
compositor sabe que, enquanto o som aspira à condição de carne, o corpo tem a
vocação de desmaterializar-se, e que a música resulta da intersecção dessas duas
curvas) // Teríamos também palavras-chave, se em literatura as palavras abrissem
portas e não preferissem a multiplicação dos labirintos – // chutem-no / e ele reviverá
/ pronto para morder o mundo // (um quarteto de nervos, os músicos nus oferecendo
seus corpos para construir o palco e o público) // a primeira gangrena, ou a boca / que
revela o sentido da vida; / adivinhar nela o futuro da carne, / prová-la / até os ossos;
vesti-la / até a nudez, / até a catástrofe que circunda o corpo / tornar-se a própria
carne, // (a sinfonia do corpo escrita para gangrenas; com os instrumentos trazidos
para o palco, vemos que não há diferença entre o corpo e a bomba) // a primeira
gangrena, ou a rua / aberta sobre a pele / e dissemina-se, / torna-se continente, / nele
moramos, mas podemos habitá-lo?, // (percussão ou montar a explosão na máquina
do corpo com ferramentas do cotidiano: papéis amassados, caixas, baterias usadas,
ruas) // a gangrena da história / consome os próprios ossos, / vivemos o tempo
presente / como se fora um fóssil do passado, / e o passado assumisse / toda a tarefa
da atualidade; / e nem a atualidade da gangrena ficará / no cálcio e na saliva /
irmanados no informe / que toma toda a estrutura / e devolve ao inumerável / o que
tinha dois pés e poucos passos, / dois olhos e toda a cegueira, / os órgãos roubados ao
júbilo, / o corpo ou a cicatriz / que se abre / para abranger todos os números
possíveis? // (ou desmontar, que é o que resta) // – mas é a terra que respira em nós.
ÍNDICE
Colección SOBREPLAQUETAS
Basuritas y otras plaquetas. José María Pallaoro
Teatros y otras plaquetas. Carlos Aprea
Colección Línea Recta ALREDEDORES
La lluvia curó las heridas, Gabriel Sagastume
TALLER-ESPACIO LA POESÍA:
www.encuentropoesialaplata.blogspot.com
POESÍA LA PLATA:
www.poesialaplata.blogspot.com
AROMITO:
www.aromitorevista.blogspot.com