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LUCAS EDUARDO MARINHO

APOSENTADORIA DA PESSOA PORTADORA DE


DEFICIÊNCIA

São Paulo/SP
2023
LUCAS EDUARDO MARINHO

APOSENTADORIA DA PESSOA PORTADORA DE


DEFICIÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Estácio, como requisito parcial
para a obtenção do título de graduado em
bacharel em direito.

Orientador: Cristiane de Castro

São Paulo/SP
2023
LUCAS EDUARDO MARINHO

APOSENTADORIA DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Estácio, como requisito parcial
para a obtenção do título de graduado em
bacharel em direito.

BANCA EXAMINADORA

Prof(a).

Prof(a).

Prof(a).
RESUMO

A presente dissertação dedica-se à meticulosa análise da outorga de benefícios


previdenciários à luz do modelo instituído pelo Regime Geral de Previdência Social,
fundamentado nas premissas da legislação brasileira vigente. Adota-se como método
investigativo a compilação erudita de fontes bibliográficas, bem como o exame crítico
de posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários. Em um panorama mais amplo, é
imperativo compreender o arcabouço histórico relativo ao tratamento dispensado ao
indivíduo portador de deficiência em eras pretéritas, bem como a evolução e
consolidação de seus inalienáveis direitos e garantias. Nesse cenário, destaca-se a
inquestionável relevância da Convenção de Nova Iorque e sua contribuição no
ordenamento jurídico brasileiro, bem como os critérios estabelecidos para sua
efetivação. A pesquisa detém-se, ainda, na análise dos critérios estipulados para a
concessão de aposentadoria ao referido grupo, contemplando o momento de sua
implementação e a regulamentação sob a égide da Lei Complementar nº 142/2003.
Neste ínterim, examinam-se as normativas preestabelecidas, bem como os requisitos,
sejam estes pautados na idade ou no tempo de contribuição, traçando uma relação direta
com a trajetória laboral desse contingente populacional. Ademais, é crucial discutir o
paradigma de perícia adotado pelo Estado brasileiro, tanto em instâncias administrativas
quanto judiciais, que objetiva avaliar as limitações enfrentadas por estes indivíduos em
suas funções cotidianas. Tal exame busca discernir se o requerente do benefício estará
condicionado a um período determinado de outorga, até que retome sua plenitude saúde
e capacidade laborativa, ou se enfrenta uma incapacidade irreversível de reintegração
plena à vida social e laboral. Consequentemente, propõe-se uma análise do modelo de
aferição do grau de deficiência, que não se restringe apenas à esfera física, mas engloba
também as dimensões psicológicas e sociais, culminando no modelo biopsicossocial de
perícia. Esse método, adotado contemporaneamente, visa assegurar os direitos
constitucionais desses cidadãos de maneira equânime e eficaz.
Palavras-chaves: Aposentadoria, Avaliação, Deficiente, Concessão.
ABSTRACT

This dissertation is dedicated to a meticulous analysis of the granting of social security


benefits in the light of the model established by the General Social Security System,
based on the premises of current Brazilian legislation. The investigative method adopted
is the erudite compilation of bibliographic sources, as well as the critical examination of
jurisprudential and doctrinal positions. In a broader panorama, it is imperative to
understand the historical framework relating to the treatment of disabled individuals in
past eras, as well as the evolution and consolidation of their inalienable rights and
guarantees. In this scenario, we highlight the unquestionable relevance of the New York
Convention and its contribution to the Brazilian legal system, as well as the criteria
established for its implementation. The research also looks at the criteria stipulated for
granting retirement to this group, considering the moment of its implementation and the
regulation under the aegis of Complementary Law 142/2003. In the meantime, the pre-
established regulations are examined, as well as the requirements, whether based on age
or contribution time, tracing a direct relationship with the working history of this
population contingent. Furthermore, it is crucial to discuss the paradigm of expertise
adopted by the Brazilian state, both in administrative and judicial instances, which aims
to assess the limitations faced by these individuals in their daily functions. This
examination seeks to discern whether the applicant for the benefit will be conditioned to
a determined period of granting, until they regain their full health and working capacity,
or whether they face an irreversible incapacity to fully reintegrate into social and
working life. Consequently, we propose an analysis of the model for measuring the
degree of disability, which is not restricted to the physical sphere alone, but also
encompasses the psychological and social dimensions, culminating in the
biopsychosocial model of expertise. This method, adopted contemporaneously, aims to
ensure the constitutional rights of these citizens in an equitable and effective manner.
Keywords: Retirement, Evaluation, Disabled, Concession.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................7
2 INTERSEÇÕES ENTRE A CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE (2007) E A
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E
SAÚDE: IMPLICAÇÕES E REVERBERAÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO...........10
3 PARÂMETROS NORMATIVOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA
AO INDIVÍDUO COM DEFICIÊNCIA..................................................................................14
3.1 TRAJETÓRIA LABORAL E AS INTERSEÇÕES DA DEFICIÊNCIA AO LONGO DA
CARREIRA...............................................................................................................................16
4 ABORDAGENS PERICIAIS EM BENEFÍCIOS ASSOCIADOS À
INCAPACIDADE....................................................................................................................20
4.1 SUBSÍDIO PREVIDENCIÁRIO EM FACE DA INCAPACIDADE LABORAL
TEMPORÁRIA.........................................................................................................................22
4.2 CONCESSÃO PREVIDENCIÁRIA EM FACE DA INCAPACIDADE LABORAL
PERMANENTE........................................................................................................................22
4.3 CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE INCAPACIDADE E
DEFICIÊNCIA..........................................................................................................................24
5 CONSIDERAÇÃO FINAL..................................................................................................26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................27
7

1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação propõe-se a realizar uma análise minuciosa acerca da


aposentadoria destinada aos portadores de deficiência, debruçandose sobre as
modalidades e estratégias pelas quais o Estado articula e disponibiliza tal benefício. Ao
revisitar episódios históricos que delinearam o progresso da tutela conferida às pessoas
com deficiência no decorrer da trajetória humana, intenta- se compreender, destacar e
propor inovações normativas que possam ser mais robustas e eficazes em favor deste
segmento populacional.
O tema em apreço reveste-se de inegável importância e pertinência social, uma
vez que promove a ressignificação de conceitos preexistentes mediante o crivo crítico,
ferramenta imprescindível para potencializar a interação entre os indivíduos e o tecido
social ao qual estão inseridos.
Neste percurso investigativo, esforçar-nos-emos em desvendar os motivos
subjacentes à aparente inércia legislativa perante um tema de magnitude tão
preponderante, ainda que esteja categoricamente estipulado como direito fundamental
no texto da vigente Constituição Federal. Dedicaremos especial atenção em discernir os
nuances práticos que demarcam a aposentadoria enquanto direito fundamental
específico para os indivíduos portadores de deficiência.
Finalmente, através desta pesquisa, elucida-se uma lacuna preocupante: a
precária inserção das pessoas com deficiência no mercado laboral. Tal desafio está
intrinsecamente atrelado aos preconceitos arraigados na esfera societal, que se
manifestam, por exemplo, nas resistências à contratação destes indivíduos, culminando
em disparidades salariais. Este fator, por sua vez, reverbera de forma significativa no
cômputo final da aposentadoria destinada a estes segurados.
A concessão de benefícios a indivíduos portadores de deficiências, sejam elas
intelectuais, mentais, físicas ou visuais, está intrinsecamente vinculada ao cumprimento
de requisitos e critérios preestabelecidos. A validação destes critérios é frequentemente
realizada mediante avaliação pericial no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS). Entretanto, a metodologia adotada para tal procedimento tem sido alvo de
contundentes questionamentos quanto à sua eficácia. Este protocolo, instituído pelo
Estado, visa não apenas coibir
8

práticas fraudulentas, mas também assegurar a correta comprovação da deficiência, bem


como a precisa interpretação acerca de seu grau, determinantes para o cálculo do
montante do benefício e para a eventual escolha de um benefício mais propício.
Por meio de uma lógica dedutiva, faz-se mister abordar o papel primordial do
Poder Judiciário na garantia da efetivação do direito à aposentadoria para o segmento
populacional em questão. Este órgão deve, com diligência, salvaguardar os direitos
sociais consagrados na Constituição Federal, sem preterir a imprescindível colaboração
tripartite entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No cenário
contemporâneo, observa-se uma demanda crescente por ações mais incisivas por parte
dos poderes Executivo e Legislativo. Em face de eventuais lacunas ou omissões por
parte destes, a intervenção judicial mostra-se como recurso legítimo e necessário.
A presente investigação almeja elucidar as razões pelas quais, mesmo após a
promulgação da Constituição Federal de 1988 - marco que trouxe significativas
reformulações ao Direito Previdenciário, consolidando uma proteção social
anteriormente tida como precária -, o sistema previdenciário brasileiro ainda se depara
com uma miríade de desafios e impasses.
Inserido no corpo da Carta Magna, há um pronunciado compromisso de
salvaguardar a proteção social. Todavia, a efetivação desse preceito enfrenta obstáculos,
mormente devido à sua vinculação com um sistema infraconstitucional que guarda
notáveis semelhanças com paradigmas anteriores.
Este trabalho visa examinar meticulosamente os aspectos processuais, tanto
administrativos quanto jurídicos, que entrelaçam o benefício social à temática da
deficiência. Tal investigação objetiva decifrar os embates inerentes a este universo e
instigar um debate profundo, fundamentado em postulados anteriormente consagrados
por eméritos estudiosos acerca das mencionadas divergências.
Adicionalmente, após a dissecção de conceitos doutrinários, almeja-se fomentar
reflexões que auxiliem na elucidação das técnicas e dos conceitos operativos que
emergirão ao longo da exposição do tema.
Dentro dos parâmetros estabelecidos, a presente pesquisa, utilizando-se de
abordagens indutivas, pretende perscrutar posições doutrinárias e
9

jurisprudenciais. O intuito último é identificar procedimentos que se mostrem eficazes


na garantia dos direitos previdenciários conferidos ao segmento da população portadora
de deficiências.
1

2 INTERSEÇÕES ENTRE A CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE (2007) E


A CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE,
INCAPACIDADE E SAÚDE: IMPLICAÇÕES E REVERBERAÇÕES NO
DIREITO BRASILEIRO

É incontestável que a Convenção de Nova Iorque acerca dos Direitos das Pessoas
com Deficiência inaugurou uma perspectiva renovada sobre os conceitos de
incapacidade e deficiência. Esta inflexão conceitual ganhou impulso inicial em 2001
com a promulgação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde (CIF) pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Posteriormente, a mencionada
convenção, promulgada pela ONU em 2007 e ratificada por mais de 130 nações,
incluindo o Brasil, consolidou essa abordagem.
É digno de realce que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, juntamente com seu Protocolo Facultativo, firmados em Nova Iorque
em 30 de março de 2007, ostenta a distinção de ser o primeiro tratado internacional a ser
recepcionado pelo Brasil conforme o rito estabelecido pela Emenda Constitucional nº
45/2004. O Congresso Nacional, em consonância com o procedimento delineado pelo §
3º do art. 5º da Constituição Federal, outorgou sua aprovação por intermédio do Decreto
Legislativo nº 186, datado de 9 de julho de 2008. O instrumento de ratificação foi
depositado pelo governo brasileiro em 1º de agosto de 2008, fazendo com que o tratado
adquirisse vigência para o Brasil, no âmbito jurídico externo, a partir de 31 de agosto de
2008. Finalmente, a internalização deste tratado no ordenamento jurídico nacional
ocorreu por meio de sua promulgação pelo Decreto nº 6.949, em 25 de agosto de 2009.
Em um de seus dispositivos basilares, a Convenção de Nova Iorque, no artigo 1º,
conceitua "pessoa com deficiência" aquelas que possuem impedimentos de longo prazo
de caráter físico, mental, intelectual ou sensorial, que, em combinação com diversas
barreiras, podem restringir sua participação plena e eficaz na sociedade, em pé de
igualdade com as demais pessoas (BRASIL, 2009).
A partir da elucidação do conceito de deficiência, emerge a incontestável
responsabilidade estatal, em conjunção com a sociedade civil, de estruturar um
1

sistema que vise à minimização, senão à eliminação, das barreiras enfrentadas por este
segmento da população. É imperativo discernir que deficiência não se amalgama com
incapacidade. Tal distinção tornou-se mais nítida com a promulgação da Lei nº 13.146
de 2015, que introduziu alterações no Código Civil. O artigo 4º da mencionada
Convenção delineia obrigações gerais, e, especificamente no item 1B, insta os países
signatários a promoverem revisões legislativas e práticas para erradicar discriminações
contra indivíduos com deficiência, o que justifica a instituição da aposentadoria
específica para este grupo, tema central deste estudo. Assim, a Lei nº 13.146/2015
instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que também foi consagrado como a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
O paradigma internacional de deficiência foi incorporado ao ordenamento
jurídico brasileiro mediante o Estatuto da Pessoa com Deficiência. A Lei nº 13.146 de
2015 estabelece, em seu artigo 2º, que se entende por pessoa com deficiência aquela que
apresenta impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, que, em confluência com barreiras, podem restringir sua participação plena e
efetiva na sociedade, em condições de igualdade com os demais cidadãos.
A Convenção Internacional de Nova Iorque, em um gesto inovador, reconheceu e
exaltou a autonomia e liberdade das pessoas com deficiência. Em seu preâmbulo,
reafirma a essencialidade da autonomia e independência individuais para esse grupo,
sublinhando a importância da liberdade de exercer escolhas autônomas. Adicionalmente,
insta ao reconhecimento isonômico perante a lei, conforme delineado no artigo 12, itens
1-4, da referida Convenção.

1. Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o


direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei.

2. Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam


de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em
todos os aspectos da vida.

3. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso


de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua
capacidade legal.

4. Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao


exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e
1

efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional


dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas
relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e
as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de
influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da
pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à
revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente,
independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em
que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa (BRASIL, 2009).

A Convenção de Nova Iorque, em seu escopo normativo, estipulou diretrizes


claras para que os Estados signatários discernissem e diferenciassem os conceitos de
“portar deficiência” e “possuir incapacidade”. É imperativo compreender que, mesmo
diante de deficiências cognitivas, não se infere automaticamente uma incapacidade civil.
A determinação de incapacidade reside primordialmente no exame da autonomia e do
discernimento do indivíduo, sendo que a incapacidade é caracterizada pela inabilidade
de expressar adequadamente a vontade.
Os pilares da personalidade jurídica, da capacidade e do status são pontos nodais
na concepção jurídica da pessoa física enquanto sujeito de direito. A capacidade, seja ela
de ação, fática ou de exercício, além de ser simultaneamente um instituto e uma
categoria do direito privado, está intrinsecamente relacionada à atuação existencial e
econômica do indivíduo enquanto portador, beneficiário e gestor de interesses dotados
de relevância jurídica.
Conforme observações da CIF-2011, é possível que duas pessoas acometidas
pela mesma patologia apresentem distintos níveis de funcionalidade. Ademais, duas
pessoas com idênticos níveis de funcionalidade não necessariamente compartilham da
mesma condição de saúde (CIF-2011). Relativamente aos domínios da saúde e aos
aspectos a ela correlatos, estes devem ser analisados sob a ótica do corpo do indivíduo e
do contexto social em que está inserido.
(1) Funções e estruturas do Corpo e (2) Atividades e participação. Como uma
classificação, a CIF agrupa sistematicamente diferentes domínios de uma
pessoa em uma determinada condição de saúde (e.g., o que uma pessoa com
uma doença ou transtorno faz ou pode fazer). Funcionalidade é um termo que
abrange todas as funções do corpo, atividades e participação; de maneira
similar, incapacidade é um
1

termo que abrange deficiências, limitação de atividades ou restrição na


participação. A CIF também relaciona os fatores ambientais que interagem
com todos estes construtos. (CIF-2011, p.35)

Assim sendo, o referido documento enfatiza a relevância de se adotar um


enfoque integrado, combinando a CID-10 com um modelo pautado nas condições
ambientais e no grau de participação dos indivíduos. O vetor analítico se transmuta,
deslocando-se da mera condição patológica para uma abordagem holística da saúde. Em
outras palavras, para determinar a incapacidade de um indivíduo, torna-se imperativo
adotar uma perspectiva etiológica vinculada ao seu estado de saúde. Como articula a
CIF: “Evoluiu-se de uma classificação de
'consequência de doença' (versão de 2018) para uma que engloba os
'componentes da saúde'” (CIF-2011).
No tocante à sua implementação nos domínios da Previdência Social,
Saúde e na concepção de políticas públicas, é inconteste que a CIF é uma ferramenta
versátil, adequando-se a uma vasta gama de aplicações, desde a previdência social e
avaliação da gestão da assistência à saúde até estudos demográficos em âmbitos local,
nacional e global. A CIF provê um arcabouço conceitual que embasa informações
pertinentes ao cuidado individual em saúde, abarcando ações preventivas, promoção da
saúde e ampliação da participação social, ao passo que elimina ou atenua barreiras
sociais e incentiva a oferta de apoios e facilitadores sociais. Adicionalmente, demonstra-
se uma ferramenta valiosa para a análise e elaboração de políticas públicas no âmbito
dos sistemas de saúde (CIF-2011).
O modelo pericial empregado pelo Brasil para a avaliação da deficiência pauta-se
na abordagem biopsicossocial. Tal metodologia será examinada com maior
profundidade em seções subsequentes desta dissertação, particularmente no contexto da
análise da Lei Complementar nº 142/2013, que instituiu a aposentadoria específica para
pessoas com deficiência no território brasileiro.
1

3 PARÂMETROS NORMATIVOS PARA A


CONCESSÃO DE APOSENTADORIA AO INDIVÍDUO COM DEFICIÊNCIA

A Lei Complementar nº 142/13, delineada pelo Decreto nº 8.145/13, inseriu, no


âmbito da aposentadoria especial, provisões específicas destinadas às pessoas com
deficiência. Para uma compreensão mais aprofundada, é crucial examinar a gênese da
aposentadoria especial voltada para este segmento, fundamentando-se nos princípios
constitucionais que regem a seguridade e a previdência social. Embora assegurada pela
Constituição Federal desde 1988, a ausência de uma legislação específica que
normatizasse tal benefício para esses cidadãos tornava inviável sua obtenção.
Dada a lacuna de uma lei complementar específica, os indivíduos com
deficiência estavam submetidos aos critérios e requisitos gerais estipulados para a
totalidade dos segurados. Assim, a despeito de sua previsão na CF/88, até 2005, a
aposentadoria especial para pessoas com deficiência não se materializava em prática
efetiva (CAVALCANTE, 2013).
É salutar ressaltar que os benefícios previdenciários encontram-se consagrados
no artigo 201 e respectivos incisos da Constituição Federal, e são detalhados pela Lei nº
8.213/91. Esta legislação também contempla benefícios direcionados aos dependentes
desses segurados, como a pensão por morte e o auxílio-reclusão.
Mesmo sendo a aposentadoria da pessoa com deficiência um direito fundamental
consagrado, na promulgação da Constituição Federal de 1988, tal prerrogativa não
estava explicitada. Somente em 2005, através da Emenda Constitucional nº 47/2005, a
Constituição Federal foi revisada, adicionando uma cláusula que reconhecia o direito à
aposentadoria para aqueles indivíduos com deficiência que haviam contribuído ao
sistema previdenciário.
No aludido ano de 2005, o Deputado Leandro Matos propôs o projeto de lei
complementar nº 277/2005, que foi sancionado em 2013. Tal projeto culminou na Lei
Complementar nº 142/2013, destinada a preencher a lacuna do parágrafo 1º do art. 201
da Constituição Federal de 1988, instaurando a aposentadoria especial para pessoas com
deficiência, conforme também previsto na Convenção de Nova Iorque (ALVES, 2016).
1

Nesse contexto, a mencionada lei complementar estabeleceu duas modalidades


de aposentadoria: por tempo de contribuição com redução deste período e a
aposentadoria por idade, também com idade mínima reduzida. Tal legislação, em sua
essência, consubstancia o reconhecimento do princípio da isonomia, elencado no artigo
5º, caput, da Constituição da República, evocando uma igualdade substancial que
contempla os desiguais de forma proporcional à sua desigualdade (ALVES, 2016).
Dessa forma, torna-se imperativo abordar cada caso de maneira singular,
identificando os entraves que limitam a plena integração do indivíduo no contexto
social. É patente que as pessoas com deficiência apresentam demandas sociais
peculiares, originadas a partir de suas limitações. Cabe ao Estado, portanto, assegurar
uma proteção social diferenciada, engendrada no sistema de seguridade social.
É incontestável que a aposentadoria especial destinada às pessoas com
deficiência materializa a dignidade desses indivíduos. A natureza laboral da pessoa com
deficiência é permeada por suas restrições físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais.
Significativa parcela desse grupo possui aptidão e habilidade para exercer atividades
laborais, sustentando-se e provendo a subsistência de suas famílias. No entanto, para a
plena manifestação de suas capacidades, demandam condições de acessibilidade
ajustadas às suas necessidades.
O artigo 93 da Lei nº 8.213/91 estipula que empresas com um quadro de 100 ou
mais empregados devem destinar de 2% a 5% de suas vagas a pessoas reabilitadas ou
com deficiência, concretizando, assim, um papel ativo na inclusão social e
proporcionando a esses beneficiários a oportunidade de engajamento efetivo na
sociedade.
Para a obtenção do benefício voltado à pessoa com deficiência, é mandatório
submeter-se a uma avaliação pericial no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Tal
avaliação, de cunho médico, destina-se a analisar as restrições que comprometem a
participação do indivíduo em pé de igualdade com os demais membros da coletividade.
Nesse contexto, a Lei nº 142 de 2013 delineou as premissas essenciais para a
concessão do benefício por incapacidade. O Decreto nº 8.145, datado de
1

3 de dezembro de 2013, pormenorizou a operacionalização dessa modalidade de


aposentadoria, visando dissipar ambiguidades quanto à sua implementação prática,
especialmente considerando que a Lei nº 142 simplificou os critérios para as
aposentadorias por tempo de contribuição e por idade.

3.1 TRAJETÓRIA LABORAL E AS INTERSEÇÕES DA DEFICIÊNCIA AO


LONGO DA CARREIRA

No âmbito previdenciário, a incapacidade laboral refere-se à aptidão, ou falta


dela, do segurado para desempenhar seu trabalho de forma regular, conforme estipulado
no manual técnico de perícia médica do INSS. Especificamente, a "incapacidade
laborativa" é definida como a inaptidão para o exercício das funções inerentes a uma
atividade, cargo ou ocupação habitual do segurado, decorrente de alterações
morfopsicologias resultantes de doença ou acidente (conforme o Manual Técnico de
Perícia Médica do INSS, 2018).
O referido manual categoriza a deficiência em graus, podendo ser parcial ou
total. A deficiência parcial limita o indivíduo no exercício de determinadas funções, sem
potencializar riscos de morte ou agravamento da condição, mas comprometendo o
desempenho que seria atingido em circunstâncias ideais. A deficiência total, por outro
lado, inviabiliza completamente o desempenho de qualquer função. O documento ainda
classifica as incapacidades conforme a profissão do segurado, podendo ser: uni
profissional (impossibilidade de exercer uma atividade específica); multiprofissional
(incapacidade para várias funções) ou omniprofissional (incapacidade total para
qualquer atividade). O manual ainda aborda a duração da incapacidade, distinguindo-a
em temporária - onde se estima um período para recuperação - e permanente, sem
previsão de retorno à atividade laboral.
Em cenários de incapacidade permanente, o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) introduz uma terceira categoria: a invalidez. O segurado categorizado sob esta
classificação não apresenta condições de retomar atividades laborais, dada a
irreversibilidade de sua condição clínica, excluindo qualquer perspectiva de recuperação
ou reabilitação profissional.
1

Embora a definição do INSS seja clara e objetiva, é imprescindível mencionar


que há uma robusta construção doutrinária e jurisprudencial no Direito Previdenciário
que engloba nuances a serem contempladas durante a avaliação da incapacidade laboral.
Além das patologias geradoras da inaptidão, é crucial considerar o modus operandi e o
ambiente de trabalho, a fim de prevenir potenciais agravamentos na saúde do segurado.
Portanto, uma análise holística da capacidade laborativa do trabalhador é imperativa.
No contexto laboral contemporâneo, barreiras ambientais e estruturais
representam desafios significativos à inclusão plena de indivíduos com deficiência,
cerceando, frequentemente, suas oportunidades de competir em pé de igualdade com
outros profissionais.
Não obstante os avanços legislativos e sociais articulados ao longo deste estudo
monográfico, a realidade ainda é marcada por episódios de discriminação e preconceito
em relação a esses indivíduos. Tal fenômeno, denominado capacitismo, manifesta-se
através da intolerância, discriminação e preconceito direcionados àqueles que possuem
alguma deficiência.
Tais indivíduos, frequentemente, enfrentam adversidades no mercado de
trabalho, marcadas pela concessão de condições inferiores e, em muitos casos, por uma
exclusão das atividades laborais rotineiras. Mesmo diante de legislações que vedam tais
práticas discriminatórias, observa-se sua perpetuação, seja de forma explícita ou velada.
Em uma tentativa de mitigar essa realidade, a Lei de Cotas (Lei n. 8213/91) foi
promulgada em 1991, estipulando um contingente mínimo de vagas destinadas a pessoas
com deficiência. Posteriormente, em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão foi sancionada,
visando ampliar e assegurar a participação integral desses indivíduos na sociedade, em
consonância com os princípios de acessibilidade e direitos fundamentais. O
descumprimento dessas normativas pode resultar em penalizações, incluindo multas e
possíveis enquadramentos em crimes de preconceito.
Essa conjuntura evidencia a importância de uma análise individualizada das
condições de cada segurado, visando identificar em que medida a redução ou ausência
de capacidade laboral pode impactar seu desempenho profissional. Nesse contexto, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) conceitua incapacidade como qualquer
diminuição ou ausência (derivada de uma
1

deficiência ou disfunção) na capacidade de realizar uma atividade de modo alinhado ao


padrão humano convencional (RODRIGUES, 2020).
Dessa forma, torna-se imperativo avaliar meticulosamente a natureza da
atividade e as competências inerentes ao trabalhador para assegurar seu desempenho
eficaz. Cada profissão detém suas peculiaridades e demandas habilidades específicas, as
quais devem nortear tais avaliações.
Em análises contextualizadas, elementos avaliativos como idade, nível
educacional e potencial de reinserção no mercado laboral tornam-se critérios
determinantes na decisão entre conceder uma aposentadoria por invalidez ou um
auxílio-doença.
Ilustrativamente, considere-se o seguinte precedente do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE LABORAL. PARCIAL E
DEFINITIVA. LAUDO JUDICIAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
CONDIÇÕES SOCIAIS. TERMO INICIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS
DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES DO STF (TEMA 810) E STJ
(TEMA 905). TUTELA ANTECIPADA. 1. São três os requisitos para a
concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o
cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; 3) a
incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por
invalidez) ou temporário (auxílio- doença). 2. O laudo judicial é completo,
coerente e não apresenta contradição formal, tendo se prestado ao fim ao qual
se destina, que é o de fornecer ao juízo a quo os subsídios de ordem
médico/clínica paraa formação da convicção
jurídica. O quadro apresentado pelo autor, na
data da feitura da perícia, foi descrito de forma satisfatória e
clara, demonstrando que foram considerados os seus históricos, bem como
realizados os exames físicos. O fato de o perito não ter dados para precisar a
data do início da incapacidade laboral não o torna nulo. 3. O segurado
portador de enfermidade que o incapacita definitivamente para múltiplos
trabalhos, com sérias dificuldades para uma possível reabilitação, tem direito à
concessão do benefício de aposentadoria por invalidez. 4. É imprescindível
considerar, além do estado de saúde, as condições pessoais da parte segurada,
como a sua idade, a ausência de instrução, o tipo de labor desenvolvido e, por
fim, a realidade do mercado de trabalho atual, já exíguo até para pessoas
jovens e que estão em perfeitas condições de saúde. Nesse compasso, ordenar
que a parte postulante, com tais limitações, recomponha sua vida profissional,
negando-lhe o benefício no momento em que dele necessita, é contrariar o
basilar princípio da dignidade da pessoa. 5. Em relação ao termo inicial, o
entendimento que vem sendo adotado é no sentido de que, evidenciado que a
incapacidade laboral jáestava presente quando do
requerimento/cessação do benefício na via administrativa, mostra- se
correto o estabelecimento do termo inicial do benefício
previdenciário em tal data. Hipótese em que devidamente comprovado que a
incapacidade do autor estava caracterizada na data da realização da perícia
judicial. 6. Critérios de correção monetária e juros
1

de mora conforme decisão do STF no RE nº 870.947/SE (Tema 810) e do


STJ no REsp nº 1.492.221/PR (Tema 905). 7. Mantida a antecipação de
tutela, pois presentes os requisitos exigidos para o deferimento da tutela de
urgência seja na forma do CPC/73 ou no CPC/15. (TRF4, AC 5005926-
34.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO
PR, Relator MARCELO MALUCELLI, juntado aos autos em 20/02/2020)

A renomada Turma Nacional de Uniformização, em sua articulada Súmula 47,


assevera que quando identificada a incapacidade parcial para o labor, cabe ao
magistrado ponderar as circunstâncias pessoais e sociais do segurado visando à
concessão de aposentadoria por invalidez (RODRIGUES, 2020).
Nesse panorama, sublinha-se a imperatividade de uma avaliação criteriosa e
individualizada, considerando todos os fatores que possam restringir o trabalhador no
desempenho de suas funções profissionais.
Deste modo, torna-se evidente que não se deve confundir os conceitos de
deficiência e incapacidade laboral. A primeira concerne à avaliação do grau de
impedimento, ponderando o diagnóstico clínico do trabalhador e sua potencial
integração ao mercado de trabalho. A segunda, por sua vez, enfoca a habilidade
intrínseca do segurado em realizar suas atividades profissionais de forma contínua e
eficaz.
2

4 ABORDAGENS PERICIAIS EM BENEFÍCIOS


ASSOCIADOS À INCAPACIDADE

A avaliação pericial médica, operacionalizada pelo INSS, serve como um


instrumento de autenticação da alegada incapacidade. Esta avaliação é conduzida por
médicos peritos capacitados para validar o estado de impedimento do requerente,
independentemente de ser portador de deficiência. A essência da perícia reside em
estabelecer uma conexão entre a enfermidade e a consequente incapacidade. Ao
discernir esta relação, o perito estará apto a determinar se o segurado possui, de fato,
uma afecção, se há sequelas resultantes e se existe a possibilidade de retomada de suas
atividades laborais. Esta avaliação é meticulosamente embasada em evidências e
compreensões de caráter técnico-científico, culminando na elaboração de um laudo
pericial.
Qualquer concessão de benefício, seja ela oriunda de incapacidade temporária ou
aposentadoria por invalidez, necessita do aval de um perito, que emitirá um parecer
corroborando a alegada enfermidade. Este laudo, ancorado nos exames e relatórios
apresentados, deve ser elaborado em consonância com os princípios éticos e técnicos
estipulados na legislação vigente.
O solicitante de benefícios previdenciários por incapacidade é submetido a uma
rigorosa perícia médica administrativa. Seu intuito principal é validar a alegada
incapacidade, bem como avaliar a comprometimento de funções corpóreas, como
mobilidade e articulações, que possam influenciar a aptidão laboral do indivíduo. A
implementação da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) trouxe inovações
consideráveis na percepção de incapacidade e deficiência. A CIF visa estabelecer um
padrão no sistema de saúde, classificando, por intermédio do CID-10, enfermidades,
transtornos e lesões, ao mesmo tempo em que investiga as causas destes e determina
critérios avaliativos alinhados à anatomia humana e às atividades desenvolvidas.
No contexto das mudanças introduzidas pela Classificação Internacional de
Funcionalidade (CIF), é imperativo que a perícia avalie cada sujeito de maneira
individualizada, diferenciando entre incapacidade e deficiência. A complexidade de cada
situação exige uma abordagem multifacetada, considerando as variações nas
capacidades e estados de saúde de cada
2

indivíduo. Esta avaliação não se restringe apenas às funções fisiológicas do ser humano,
mas também engloba a estrutura anatômica, capacidade de realização de atividades
cotidianas e fatores ambientais, como as condições físicas e sociais do entorno.
Para a solicitação de um benefício não programado, relacionado à incapacidade,
o requerente deve agendar uma perícia médica em uma agência da previdência social.
Nesta avaliação, um perito médico do INSS irá determinar a presença ou ausência de
incapacidade, decidindo pela concessão ou negação do benefício solicitado. Esse
processo é conhecido como perícia administrativa. Se o resultado for desfavorável ao
solicitante, ele tem a opção de requerer uma avaliação por meio da perícia judicial.
Neste cenário, a decisão acerca do benefício emerge de uma sentença proferida por um
juiz de direito. Devido à possível ausência de expertise técnica do magistrado na
avaliação da incapacidade, é permitida a nomeação de um perito médico judicial. Tal
nomeação é particularmente relevante quando as evidências documentais não são
conclusivas, possibilitando ao perito realizar uma avaliação mais detalhada e informada.
O exame que identifica a enfermidade e avalia a incapacidade é conduzido por
um profissional especializado, o médico perito. Esse especialista, ao analisar as
evidências apresentadas pelo requerente, formula um diagnóstico com base em seu
conhecimento e expertise, decidindo objetivamente sobre a concessão do benefício, seja
em âmbito judicial ou administrativo.
O Código de Processo Civil de 2015 delimita com precisão os critérios a serem
considerados na perícia judicial. De acordo com o referido código, o perito deve possuir
expertise específica na área da avaliação e o laudo pericial deve incluir: descrição do
objeto da perícia, análise técnica/científica, metodologia empregada e resposta a todos
os quesitos propostos. Ademais, o laudo deve ser articulado de forma clara, lógica e em
linguagem acessível, elucidando os raciocínios que conduziram às conclusões
apresentadas. Conforme já salientado, a decisão final no contexto judicial repousa nas
mãos do juiz, que se embasa no laudo fornecido pelo médico perito.
2

4.1 SUBSÍDIO PREVIDENCIÁRIO EM FACE DA


INCAPACIDADE LABORAL TEMPORÁRIA

O estudo meticuloso dos matizes diferenciadores entre o subsídio por


incapacidade laboral temporária (anteriormente designado como auxílio-doença) e a
aposentadoria por invalidez revela-se de vital importância no universo previdenciário. O
mencionado subsídio, tal como preconizado pelo art. 59 da Lei 8.213/91, atua como uma
salvaguarda financeira àquele trabalhador que, por circunstâncias adversas, encontra-se
impedido, de forma temporária, de desempenhar sua atividade laboral, seja essa
incapacidade de caráter integral ou parcial.
Dentro da esfera pericial, é estabelecido, com base em minuciosa análise e
subsequente laudo, o período estimado de convalescença durante o qual o segurado
estará alijado de suas plenas capacidades laborais. A este mecanismo designa-se "alta
programada", conceito introduzido pela Portaria nº 152, datada de 25 de agosto de 2016,
emanada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Tal procedimento
almeja, por sua vez, eliminar a necessidade de submissão a uma nova perícia após o
período estabelecido para a recuperação. Contudo, em situações nas quais o segurado
confronta-se com uma incapacidade irreversível de retomar as atividades que outrora
desempenhava, instaura-se um meticuloso processo de reabilitação profissional,
buscando sua reinserção em outro nicho laboral, adequado às restrições impostas pela
enfermidade. Durante esta transição, o beneficiário mantém o recebimento do subsídio
por incapacidade laboral temporária, assegurando, assim, sua
manutenção econômica até que possa efetivamente reintegrar-se ao mercado
de trabalho.

4.2 CONCESSÃO PREVIDENCIÁRIA EM FACE DA


INCAPACIDADE LABORAL PERMANENTE

A Concessão Previdenciária em Face da Incapacidade Laboral Permanente,


elencada no art. 42 da Lei nº 8213/91, destina-se ao trabalhador que se encontra em uma
condição de incapacidade absoluta para o desempenho
2

de quaisquer atividades laborais, de maneira irrevogável e definitiva. Tal benefício é


atribuído àquelas cujas restrições os precluem de serem reabilitados em qualquer
especialidade profissional. Representa, assim, uma manifestação do compromisso estatal
em prover sustento àqueles que, por circunstâncias de saúde, encontram-se
impossibilitados de participar ativamente do mercado de trabalho.
O direito à mencionada aposentadoria é acionado quando a incapacidade é
evidenciada como resultante da evolução ou agravamento de uma afecção, sendo a
avaliação focada no momento de instauração da incapacidade e não necessariamente na
detecção inicial da patologia.
Sob a égide do Estatuto da Pessoa com Deficiência e da Lei nº 13.457/17, o
beneficiário desta modalidade de aposentadoria pode ser convocado para uma
reavaliação pericial administrativa. Esse procedimento visa analisar a atualidade da
condição incapacitante e as circunstâncias que embasaram a concessão do benefício,
podendo, inclusive, resultar na cessação do provimento, mesmo diante de decisão
judicial transitada em julgado.
É imperativo destacar que o cenário laboral contemporâneo se apresenta
crescentemente rigoroso, impondo demandas elevadas ao trabalhador. Em um ambiente
permeado por cobranças intensas e expectativas de produtividade máxima, observa-se
uma ampliação notável nos casos de patologias psíquicas, tais como síndrome do pânico
e síndrome de burnout (NEMEZIO; GOUVEIA, 2017).
Dentro do atual cenário produtivo, que prioriza rendimentos elevados, observa-se
uma crescente propensão à manifestação da chamada "invalidez social". A escassez de
momentos de lazer, aliada à sobrecarga laboral, pode evoluir síndromes contemporâneas
para distúrbios mentais profundos, possivelmente correlacionados a quadros
psicossomáticos. Desse modo, o entendimento acerca da invalidez social demanda uma
abordagem multifacetada, que considere aspectos socioeconômicos e as intrincadas
desafios enfrentados pela pessoa com deficiência, seja na inserção ou reinserção no
âmbito profissional.
É imperativo discernir entre incapacidade e deficiência, sejam estas temporárias,
totais ou parciais. O ambiente em que o indivíduo está inserido desempenha papel
crucial nessa diferenciação. Ilustrativamente, um indivíduo
2

com deficiência visual poderia, em uma primeira análise, ser considerado incapaz de
operar um computador. Contudo, à luz das atuais tecnologias, como softwares de leitura
de tela, tal incapacidade pode ser revertida. Analogamente, um indivíduo paraplégico,
que apresenta uma deficiência física parcial, pode enfrentar restrições quanto ao acesso
a determinados locais.
Reitera-se, assim, a essencialidade de uma avaliação pormenorizada e
individualizada. A incapacidade, frequentemente oriunda de uma condição patológica,
exige uma apreciação que abarque aspectos sociais, pessoais e ambientais. A interseção
desses três vetores culmina na determinação da incapacidade de um indivíduo em
reintegrar-se ao ambiente laboral. Retomando o exemplo do indivíduo com visão
monocular, diversos fatores – tais como a natureza de sua ocupação, sua idade e sua
trajetória profissional – podem influenciar a conclusão acerca de sua capacidade ou
incapacidade laboral.
Quando um indivíduo se encontra em afastamento laboral devido a uma condição
patológica, ele pode ser contemplado com o benefício denominado "auxílio por
incapacidade temporária". Durante tal interstício, o beneficiário tem a prerrogativa de
submeter-se a tratamentos médicos visando seu restabelecimento e posterior retorno às
atividades profissionais. Alternativamente, pode-se avaliar a possibilidade de
reabilitação para uma nova função. Contudo, em circunstâncias específicas, como a
presença de limitada formação educacional ou idade avançada, pode emergir a
inviabilidade de reinserção no mercado laboral ou reabilitação ocupacional, culminando
na concessão da aposentadoria por incapacidade permanente.
Dada a intricada tarefa de avaliar a incapacidade de uma pessoa com deficiência,
o Brasil optou pela adoção do paradigma Biopsicossocial, que integra uma análise
holística envolvendo dimensões biológicas, psicológicas e sociais.

4.3 CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE INCAPACIDADE E


DEFICIÊNCIA

A incapacidade pode ser caracterizada como uma restrição ou ausência de


determinada função ou estrutura do indivíduo, seja ela de origem física, psicológica,
sensorial ou intelectual. Esta restrição surge em face de barreiras
2

que impedem o sujeito de realizar uma atividade em pé de igualdade com outros, tendo
em vista o contexto ambiental no qual está inserido. Nesse escopo, a incapacidade pode
ser conceituada como uma restrição, seja ela parcial ou integral, que limita o indivíduo
em suas atividades laborais ou cotidianas.
Caso o segurado demonstre uma Incapacidade Parcial e Transitória, este deverá
ser contemplado com o auxílio por incapacidade temporária. A este propósito, é
relevante citar a Súmula nº 25 da Advocacia-Geral da União, que estabelece o auxílio-
doença ao segurado considerado temporariamente inapto para sua atividade laboral ou
habitual, de maneira total ou parcial, desde que cumpridos os requisitos legais. A
incapacidade parcial é entendida como aquela que possibilita sua reabilitação para
outras atividades laborais (ALBUQUERQUE, 2016).
Se o segurado demonstrar uma Incapacidade Parcial e Permanente ou Definitiva,
em princípio, receberá auxílio por incapacidade temporária, até que seja viável sua
reabilitação para outra função que assegure seu sustento. Caso a reabilitação se mostre
inviável, o benefício deverá ser transmutado em aposentadoria por invalidez, em
consonância com o entendimento sumulado da TNU:

Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o


trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para
a concessão de aposentadoria por invalidez. (ALBUQUERQUE, 2016,
online)

Caso o segurado demonstre uma Incapacidade Total e Transitória, o


entendimento predominante na jurisprudência é de que ele será contemplado com o
auxílio por incapacidade temporária. Em relação à concessão da aposentadoria por
invalidez, é crucial ressaltar que esta não ostenta uma natureza perpétua. Portanto, o
benefício pode ser revogado assim que se evidencie a recuperação da capacidade
funcional do segurado.

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso,
a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o
exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga
enquanto permanecer nesta condição.

[…]
2

Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade


terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do
retorno.

Art. 47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado


por invalidez, será observado o seguinte procedimento:

I – quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data


do início da aposentadoria por invalidez ou do auxíliodoença que a antecedeu
sem interrupção, o benefício cessará:

a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à


função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da
legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de
capacidade fornecido pela Previdência Social; ou

b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-


doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;

II – quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I,


ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho
diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem
prejuízo da volta à atividade:

a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que


for verificada a recuperação da capacidade;

b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período seguinte de 6


(seis) meses;

c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual
período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.
(ALBUQUERQUE, 2016, online)

A deficiência, por outro lado, está intrinsecamente associada a impedimentos de


longa duração de caráter físico, mental, intelectual ou sensorial. Nestas circunstâncias, o
indivíduo enfrenta desafios para atuar de forma plena e eficaz no contexto social, tendo
em vista as barreiras que obstaculizam a competição em um patamar de igualdade com
outros indivíduos.

5 CONSIDERAÇÃO FINAL

A motivação primordial desta pesquisa reside na observação crítica do benefício


da aposentadoria destinado à pessoa com deficiência, um direito
2

intrinsecamente ligado à dignidade humana e consagrado pela Constituição Federal.


Contudo, persistem indagações quanto à efetividade dos critérios estabelecidos para a
sua concessão. Assim, torna-se imperativo refletir acerca das normativas e seu
alinhamento com o cenário jurídico que circunscreve tal benefício aos indivíduos com
deficiência.
É imperioso reconhecer que indivíduos com deficiência confrontam-se,
frequentemente, com um leque de adversidades em sua trajetória. Estas dificuldades
emanam de uma sociedade frequentemente refratária à plena inclusão, seja ela de caráter
infraestrutural, social, cultural ou laboral. Em um Estado que se diz Social de Direito,
comprometido com a elevação e proteção daqueles em situação de vulnerabilidade, a
concretização dos direitos fundamentais não deve ser mera retórica, mas sim uma
prática intransigente.
Este estudo se propõe a conduzir uma profunda reflexão sobre a essencialidade
desse benefício àqueles que, em razão da severidade de suas deficiências, encontram-se
impossibilitados de engajar-se plenamente no universo laboral. Questiona-se, ainda, o
comprometimento estatal em auxiliar esses cidadãos, assegurando-lhes participação
equitativa na tessitura social.
A investigação também se reveste de uma conotação pessoal, uma vez que me
insiro na esfera dos indivíduos com deficiência. A vivência direta das barreiras
enfrentadas por esta coletividade, bem como a convivência com aqueles que dependem
desse benefício para garantir uma existência pautada na dignidade, enriquece e instiga
ainda mais a presente análise.
A meticulosa análise das normativas brasileiras, que delineiam os critérios para a
garantia deste direito fundamental aos indivíduos com deficiência, emerge como
imperativa. Tal escrutínio não só propicia um entendimento aprofundado do arcabouço
legal, mas também capacita-nos a identificar e intervir nas lacunas e insuficiências do
Regime Geral de Previdência Social, evitando assim a injusta marginalização daqueles
que, por contingências do sistema, veem-se privados de seus direitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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