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Especial Gilberto Araujo - 18 08 2009
Especial Gilberto Araujo - 18 08 2009
GILBERTO ARAÚJO
A UNIÃO “Paraíba democrática, terra amada”
JOÃO PESSOA, DOMINGO,
16 DE AGOSTO DE 2009
O desastre O mistério
Há 36 anos, a perícia do piloto No dia 30 de janeiro de 1979, o
Gilberto Araújo evitou que um comandante Gilberto Araújo
Boeing 707 da Varig caísse sobre decolou com outro Boeing 707 da
o aeroporto de Orly. Das 134 Varig do Japão para os EUA. O
pessoas a bordo, 11 sobreviveram. avião continua desaparecido.
GILBERTO ARAÚJO
G
ilberto Araújo da Silva é um dos pilotos
mais marcantes na história da aviação
brasileira. Nascido no município de
Santa Luzia, na região do Vale do Sabugi pa-
raibano, no início da década de 20, mais preci-
samente em 12 de novembro de 1923, o Co-
mandante Gilberto, como era mais conheci-
do, ficou mundialmente famoso por duas gran-
des tragédias: o "Desastre de Orly", em 1973,
na França, e o sumiço do voo prefixo PP-VLU,
em 1979, ambos com ele no comando de ae-
ronaves Boeing 707, da Varig.
Gilberto Araújo casou-se em primeiras núp-
cias com Eclair Freitas da Silva, e em segunda,
com Vilma Fogarolli Silva, de cujas uniões nas-
ceram os seguintes filhos: Maria Letícia, Cleuza,
Elizabeth, Leonardo e Gilberto, da primeira es-
posa, e Ana Cláudia e Eduardo, da segunda.
Comandante Gilberto nasceu predestinado
a obter sucesso na aviação brasileira. Em 1942
transferiu-se da Paraíba para a capital de Goiás,
tendo sido nomeado funcionário da Prefeitu-
ra Municipal de Goiânia. Neste mesmo ano
trabalhou como empregado do aeroclube da-
quela cidade, de que era instrutor o seu tio e o
grande exemplo para aviação, Filon Ferrer
Araújo, então sargento da Força Aérea Brasi-
leira - FAB. Através de uma bolsa concedida
pelo Estado, fez o curso de piloto naquela mes-
ma unidade, qualificando-se em 1943. Menino Lucas, de 5 anos, brinca com um avião de brinquedo em frente à casa onde nasceu o comandante Gilberto Araújo da Silva, em Santa Luzia
Um exemplo na aviação
piloto estarrecido e impotente,
T #
alvez o maior exemplo da
aviação para o jovem Gilber- diante daquela situação melan-
to Araújo tenha sido o seu O tenente Filon de Araújo também acumulou glórias e enfrentou adversidades cólica, dentro da cabina solitá-
tio, o tenente Filon Araújo. Irmão ria do monomotor, na imensi-
no comando de aeronaves. O maior transtorno de sua vida aconteceu dão dos ares.
de seu pai e um dos filhos de Chi-
co Pedro, Filon ingressou na Aero- quando foi obrigado a lidar com os instrumentos de bordo, enquanto tentava
náutica mediante rigorosa seleção PIONEIRO DO CORREIO AÉREO
para o curso de sargento, por pos-
salvar um companheiro acometido de mal súbito. O avião permaneceu "O Serviço Aéreo do Estado é
suir predicados e conhecimentos no curso certo; o amigo, no entanto, perdeu a vida em pleno ar. dirigido pelo tenente Filon Fer-
adequados para tal. rer de Araújo, que tem a seguinte
Na Aeronáutica, ele foi um dedi- folha de serviço: é piloto e me-
cado aluno, tendo concluído o seu cânico diplomado e, de 1934 a
curso sem maiores dificuldades, 1942, comandou todo o serviço
dentro do prazo mínimo estabele- morou muito a se integrar àquela so- "Recordo-me de um deles, em da FAB em Goiás. Nesse perío-
cido pela corporação. Coincidente- ciedade, em razão da sua grande ca- que o sargento Filon, enfrentan- do, dinamizou o aeroclube de
mente, ele recebeu seu diploma de pacidade de comunicação. do uma atmosfera de raios e tro- Goiânia criado em 1938, e fun-
sargento aviador e mecânico no dia Por muitos anos pilotou vários aviões vões em plena selva, com a visibi- dou os de Jataí, Rio Verde e Aná-
31 de dezembro de 1931, na mes- militares em trabalho difícil e perigo- lidade bastante prejudicada, em- polis, onde foi formada mais de
ma solenidade em que o cadete so, voando sobre a floresta amazôni- brenhou-se mata adentro, para, uma centena de pilotos. Em
também paraibano Adamastor ca, pousando e decolando em pistas em uma pequena pista improvi- 1945, recebeu menção honrosa
Cantalice recebia o seu diploma de improvisadas na selva, enfrentando sada em uma clareira, fazer um da Fundação Brasil Central, pela
oficial. Talvez tenham sido os dois maus tempos e tempestades, princi- perigoso pouso, no afã de resga- assistência mecânica que pres-
primeiros paraibanos a se tornarem palmente quando desempenhava tar para cuidados médicos um tou, como técnico, à expedição
pilotos de avião. funções no conhecido Correio Aéreo companheiro que fora acometido Roncador Xingu.
Nesta época, a família de Chico Pe- Nacional, do qual foi fundador e que de mal súbito", frisou. Em 1951, a Rádio Nacional do
dro tinha se mudado para Campina tanto serviço prestou à pátria. Ainda segundo ele, há poucos Rio de Janeiro lhe conferiu di-
Grande, e começava a se organizar "Não foram poucas as situações de minutos da viagem de volta, o co- ploma de Honra ao Mérito, pe-
naquela cidade. O neto Gilberto Araú- perigo enfrentadas pelo sargento Fi- mandante Filon, sozinho com seu los relevantes serviços prestados
jo continuava seus estudos, enquan- lon, no cumprimento do seu dever. companheiro em estado muito à FAB, também na qualidade de
to seu tio Filon prosseguia sua carrei- Tive a oportunidade de ler uma ma- grave, dividindo suas atenções técnico. Mais recentemente, o
ra cheia de méritos na Aeronáutica, téria publicada em uma revista espe- entre o amigo enfermo e os ins- tenente Filon foi agraciado com
onde dava sinais de uma trajetória cializada enviada ao meu pai (Abel trumentos de bordo, passou pelo a grande medalha de Fundador
brilhante na função de sargento avi- Coelho) em Santa Luzia pelo próprio maior constrangimento de sua e Pioneiro do Correio Aéreo Na-
ador e, posteriormente, tenente. Filon, onde eram narrados vários epi- vida, ao ser testemunha única da cional", diz trecho de matéria
Na Aeronáutica, Filon desempe- sódios enaltecendo a bravura do nos- passagem daquele companheiro publicada no jornal O Popular,
nhou importantes missões no Bra- so valente militar", diz Newton Mari- deste para o outro mundo. Nos em Goiânia, na sua edição de 25
sil central, onde era sediado. Resi- nho em um trecho da obra que es- últimos momentos o seu amigo de de agosto de 1965, em que rela-
dindo em Goiânia (GO) na década creve sobre o município de Santa forma desesperada pedia para não ta a atuação do santaluziense, te-
de 30, o piloto paraibano não de- Luzia e seus filhos ilustres. morrer, fato que deixou o velho nente Filon, no Estado de Goiás.
PRIMEIROS PASSOS
Descoberta da vocação
O tenente Filon foi também um
dos fundadores do Ministé-
rio da Aeronáutica. Sempre
preocupado com o destino dos seus
ficar na boa, era esse o pensamento
da maioria dos colegas. Nunca mais
haveria de vestir roupa suja de óleo e
tombar latas de gasolina, jamais", res-
parentes deixados em Campina saltou Marinho.
Grande, no ano de 1941, quando seu Gilberto tomou posse no emprego
sobrinho Gilberto Araújo havia com- e, na sua designação, foi ser chefiado
pletado dezoito anos, Filon o cha- por um senhor conhecido como Elias,
mou para a sua companhia a fim de pessoa que desempenhava a função
completar seus estudos e se definir de secretário do prefeito de Goiânia,
por uma profissão. professor Ventura.
"O jovem santaluziense embarcou Em pouco tempo, o novo funcioná-
em Recife em um avião militar tipo rio começou a dar conta das suas atri-
Beechraft, na companhia de um irmão buições e, como era de se esperar, o
mais novo, desconfiado e temeroso, moço logo conquistou a amizade dos
pois nunca tinha saído de casa para lu- seus colegas, pois era uma característi-
gar algum até aquela data. Na viagem, ca daquele sertanejo se comunicar fa-
que durou cerca de oito horas, enfren- cilmente com as pessoas. Desde crian-
tando o medo, sede, falta de comodi- ça sempre foi muito simpático.
dade do avião e, principalmente, a O ambiente do trabalho era outro,
fome, Gilberto finalmente chega a Goiâ- completamente diferente da oficina do
nia, após ter passado uma semana no O secretário Newton Marinho Coelho é um notório conhecedor da história de Gilberto Araújo hangar do aeroclube. Todos ali anda-
Rio de Janeiro como hóspede da Ae- vam bem vestidos, o cheiro da graxa e
ronáutica, aguardando outra carona já se sentia feliz bem próximo dos avi- to, na prefeitura da Capital, com di- da gasolina agora se substituía pelos
até seu destino final, tudo por inter- ões, ajudando os mecânicos em pe- reito a sala, birô e privilégio no expe- odores do nanquim, mofo e naftalina,
médio do seu tio graduado da Força quenos reparos, no cheiro que lhe era diente havendo até folga para conti- bem característicos das salas burocráti-
Aérea", relata Newton Marinho. agradável, da graxa e da gasolina. nuar estudando. cas. Muito satisfeito com o serviço, ali-
Quando da chegada de Gilberto a O sonho do paraibano durou mui- "Para quem havia chegado de Cam- ás, o seu primeiro emprego, contudo,
Goiânia, a primeira coisa que seu tio to pouco, pois o tenente Filon, usan- pina Grande sem possuir nada, esta- ele via passar o tempo numa monoto-
fez foi matriculá-lo no Liceu, para con- do da sua influência junto às autori- va ali estampada uma oportunidade nia que o estava deprimindo dia a dia,
tinuar seus estudos. Agregado no ae- dades locais, arranjou por intermédio ímpar. Era a grande chance. Os ou- semana após semana, mês após mês,
roclube onde seu tio dispunha de do Dr. Pimenta, secretário do Gover- tros operários do aeroclube lhes de- chegando finalmente à conclusão de
grande prestígio, o menino Gilberto no, um emprego público para Gilber- ram os parabéns. Gilberto acabava de que aquilo não era vida para ele.
H
á exatamente 36 anos, um
avião da Varig, com incêndio
a bordo, fez um pouso de
emergência pouco antes de atingir
o aeroporto de Orly. Ao todo, 123
pessoas morreram. Bombeiros reti-
raram os corpos dos destroços do
Boeing 707 da Varig, no vilarejo de
Saulx-les-Chartreux. O fogo come-
çou num banheiro.
Na tarde de 11 de julho de 1973,
aconteceu a primeira e um dos mais
marcantes episódios na carreira do co-
mandante Gilberto Araújo da Silva. No
Comando do Boeing 707 do voo RG
820 da Varig, ele foi o piloto que este-
ve à frente da aeronave do famoso "De-
sastre de Orly". O acidente na rota en-
tre o Rio de Janeiro e Paris chocou o
mundo. Quando faltava apenas um
minuto para atingir a pista do Aero-
porto de Orly, em Paris, na França,
Gilberto fez um pouso forçado sobre
uma plantação de cebolas, no vilarejo
de Saulx-les-Chartreux, ao sul da ca- Um incêndio provocou o pouso forçado do Boeing 707 da Varig em uma plantação no vilarejo de Saulx-les-Chartreux, ao sul de Paris
pital francesa. Das 134 pessoas que
haviam embarcado no Aeroporto In- REPRODUÇÃO
ternacional do Galeão, 11 sobrevive-
ram - dez tripulantes e um passageiro.
Entre os 123 mortos, encontravam-
se personalidades ilustres, como o en-
tão presidente do Senado, Filinto Mul-
ler, o cantor Agostinho dos Santos, a
atriz Regina Lécrery e o iatista Joerg
Bruder. Quem estuda os detalhes do
ocorrido com o voo 820 - narrados pelo
jornalista Ivan Sant'Anna em seu livro
Caixa-preta - não tem dificuldade para
entender por que até hoje o acidente é
considerado um dos mais dramáticos
da história da aviação comercial.
O voo 820 foi tranquilo até os ins-
tantes finais. Os passageiros, seguindo A notícia e as fotos do acidente com o Boeing da Varig chocaram o Brasil. Inicialmente houve questionamentos sobre a
as instruções da tripulação, já estavam necessidade do pouso forçado comandado por Gilberto Araújo. Posteriormente, o piloto foi aclamado herói pela ousadia
em seus assentos, com os cintos afive-
lados. Ninguém a bordo tinha perce-
bido que um incêndio estava em cur-
so na parte traseira do avião. Investi- nicação com a torre de comando do ção, para que o Boeing não caísse so- cação dos passageiros? O fato é que,
gações oficiais posteriores concluíram Aeroporto de Orly. A cerca de cinco qui- bre a cidade e deixasse mais mortos. diante das causas do acidente, autori-
que o fogo se iniciou numa cesta de lômetros do destino, foi tomada a deci- Ele disse: Já que vamos morrer, não dades do setor aeronáutico passaram
lixo de um dos banheiros, provavel- são de fazer um pouso forçado. Depois vamos matar mais pessoas lá embai- em 1974 a adotar novas medidas de
mente por causa de uma ponta de ci- de se arrastar por 600 metros, o Boeing xo. Só 11 pessoas se salvaram, lem- segurança, entre elas a proibição do
garro aceso ali deixado por um passa- estacionou. Dez dos 17 tripulantes que bra a filha do comandante, Elisabete fumo nos banheiros. Posteriormente,
geiro. Faltando poucos minutos para estavam na cabine de comando, ou Araújo, de 46 anos. "Nossa família es- o fumo seria banido nos aviões.
o pouso, o fundo do avião, na classe perto dela, conseguiram escapar. Um teve este ano na plantação, rezando e Na época, o comandante Gilberto
econômica, começou a ser invadido dos passageiros foi retirado com vida chorando pelos que morreram", diz. acabou ficando famoso e com imagem
por uma fumaça densa e tóxica. Rapi- pelos bombeiros. Como o fogo se alas- Passados quase 36 anos, a tragédia positiva perante a opinião pública por-
damente, ela tomou conta de toda a trou rapidamente, acabou matando os no voo 820 ainda é cercada por muita que, mesmo com a morte da maioria
cabine, inclusive o cockpit de coman- passageiros que haviam sobrevivido à polêmica. Será que os pilotos agiram dos passageiros, ele, ao lado do subco-
do, na parte dianteira. fumaça, mas estavam desmaiados em corretamente ao decidir fazer um pou- mandante Antônio Fuzimoto, tinha
Os passageiros começaram a desmai- seus assentos. so de emergência? Os tripulantes não evitado um desastre ainda maior, caso
ar e o pânico atingiu a tripulação. Os "Ele (o comandante Gilberto Araú- poderiam ter feito algo a mais para ten- a queda do avião da Varig não fosse
pilotos não conseguiam enxergar nem jo) avisou à torre de comando que o tar salvar os passageiros? O material desviado. Se não fosse a perícia da du-
mesmo o painel de instrumentos por avião estava em chamas e que ia fazer usado pela Varig no revestimento do pla, o avião poderia ter caído sobre ca-
causa da fumaça e perderam a comu- um pouso de emergência na planta- avião teria contribuído para a intoxi- sas nos arredores de Paris.
A UNIÃO
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GILBERTO ARAÚJO “Paraíba democrática, terra amada”
A Rede Globo levou ao ar uma simulação do trajeto do Boeing 707, prefixo PP-VLU, da Varig, desde a decolagem no Aeroporto de Narita, no Japão...
30 DE JANEIRO DE 1979
...até o desaparecimento da aeronave sobre o Oceano Pacífico. Os laudos técnicos não são conclusivos. Se o avião caiu ou não no mar, ninguém sabe
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A UNIÃO
“Paraíba democrática, terra amada” GILBERTO ARAÚJO JOÃO PESSOA, DOMINGO, 16 DE AGOSTO DE 2009 7
BOEING 707 PREFIXO PP-VLU
DRAMA
S
eja como for, o caso do PP-
VLU entrou para a história Familiares esperam
como o único jato comercial
desaparecido sem deixar vestígios.
notícias conclusivas
Além de misterioso, o drama do
Boeing 707 da Varig também traz
sobre o caso
uma carga emocional extremamen- A verdade é que há 30 anos os
te forte para os parentes dos seis tri- familiares dos seis tripulantes espe-
pulantes que estavam a bordo. So- ram até hoje ávidos por uma notí-
mente quem passou pela situação cia conclusiva, que nunca vem. "É
sabe o quão desesperador é não duro você perder um parente num
poder enterrar seus entes queridos. acidente como aquele e não ter ves-
A isso se soma o drama da família tígio nenhum", disse Adalberto
do comandante paraibano Gilber- Araújo, irmão do comandante Gil-
to Araújo da Silva. Herói no desas- berto Araújo. "Até hoje não obti-
tre de Orly, ele desapareceu no co- vemos nenhuma informação con-
mando do PP-VLU, um dos rarís- clusiva. Nenhum sinal. É um as-
simos casos da aviação em que um sunto muito polêmico e doloroso
mesmo piloto de aeronave comer- para a família", enfatizou.
cial se envolveu em dois acidentes "Notei isso agora: como isso ain-
fatais. da está cravado em nós", contou
"Não houve uma explicação ofi- Lia Myllius, irmã do subcoman-
cial e não foram localizados os des- dante desaparecido, Emy Peixoto
troços. Quando a gente não tem o Myllius.
corpo para enterrar, parece que o Pai de sete filhos, o comandante
ciclo vital não se fecha", diz a mé- Araújo deixou um sucessor na pro-
dica alergista Maria Letícia Cha- fissão: o filho caçula, Eduardo, que
varria, de 57 anos, uma das filhas é piloto da Gol e faz a rota Manaus-
do comandante que mora em Goi- Brasília, a mesma em que ocorreu
ânia (GO). um acidente com uma aeronave da
A tragédia do voo AF 447 da Air companhia aérea em 2006, deixan-
France fez a família do comandan- do 154 mortos.
te Gilberto Araújo da Silva reviver "Quando houve o acidente da Gol
o maior mistério da aviação inter- (um jato Legacy bateu no Boeing
nacional. Em 30 de janeiro de 1979, 737-800, que caiu na mata atlânti-
fazia frio e estava nublado quando ca), eu achei que ele podia estar pi-
Araújo decolou de Tóquio com um lotando naquele dia e fiquei deses-
Boeing da Varig. Apenas seis tripu- perada. Liguei para a minha irmã
lantes estavam na aeronave, que (Elisabete) e ela também não sabia
seguia com obras de arte para Los dele. Demoramos para encontrá-lo,
Angeles, nos Estados Unidos, e, de mas ele não estava voando naquele
lá, viajaria para o Rio de Janeiro. O dia," relembra Maria Letícia.
avião simplesmente desapareceu No caso do sumiço do Boeing
dos radares. Médica alergista Maria Letícia Chavarria, uma das filhas do comandante Gilberto Araújo 707, a investigação interna da Va-
Investigadores concluíram que rig não conseguiu até hoje resolver
uma despressurização provocou a no mar, Araújo havia sido consi- de combustível foram encontradas o enigma. Eis a palavra final do re-
queda do Boeing no Oceano Pací- derado herói nacional na França, a cerca de 5 km do suposto local latório: "Não foi possível encontrar
fico, 45 minutos após a decolagem. depois de um acidente aéreo que de sumiço do avião. A médica con- nenhum indício que lançasse qual-
Seis meses depois do acidente, vitimou fatalmente 123 pessoas. ta que a dúvida persiste em se o quer luz sobre as causas do desa-
como nada foi encontrado. A famí- Em 11 de julho de 1973, o Boeing cargueiro caiu no mar ou se foi des- parecimento da aeronave".
lia recebeu um atestado de óbito. da Varig que ele comandava caiu truído no ar: "A certeza que a fa- "Um dia alguém vai dizer alguma
"No início das buscas, eu acredi- em chamas numa plantação de mília tem é de que nenhum des- coisa, alguém que já sabia disso há
tava que ele havia entrado num cebolas em Orly, Paris, 11 horas troço ou vestígio do avião foi en- muito tempo", acredita Lia Myllius,
bote e conseguido ir até um arqui- após partir do Aeroporto Interna- contrado até hoje." irmã do subcomandante desapareci-
pélago. Há tantas ilhas perto... Me- cional do Rio de janeiro. Maria Letícia diz que a confirma- do. "Esperamos que um dia Deus aju-
ses depois, quando avisaram que Não há nada parecido na história ção da morte do pai aconteceu seis de a revelar esse mistério para nós",
não havia nenhum rastro, nem in- da aviação. Há 30 anos, um Boeing meses depois do acidente, quando disse Adalberto Araújo, irmão do pi-
sistimos para que continuassem a de uma companhia brasileira some o Ministério da Aeronáutica enviou loto desaparecido.
procurar. É uma coisa doida, você do mapa. E é neste mesmo perío- a certidão de óbito dele para a fa- Na verdade, o que se percebe, é
não entende onde ele possa estar, do anos que os familiares, amigos mília. "O nosso sentimento foi de que mesmo depois de 30 anos, as
imagina que ele sobreviveu. Mas e colegas dos seis tripulantes espe- perplexidade diante da situação. A famílias das vítimas mantém-se es-
meu pai morreu fazendo o que ram por uma explicação. É um tristeza da perda existe, mas a sau- perançosas, aguardando qualquer
mais gostava, que era pilotar", re- mistério que parece não ter fim. dade se mantém viva. O avião de- sinal que ajude a explicar os misté-
latou Maria Letícia. Uma matéria da revista Exame sapareceu com seis tripulantes a rios e a causa que envolve o acidente
Seis anos antes de desaparecer informou na época que manchas bordo", frisou. do Boeing 707.
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A UNIÃO
“Paraíba democrática, terra amada” GILBERTO ARAÚJO JOÃO PESSOA, DOMINGO, 16 DE AGOSTO DE 2009 9
OSWALDO PROFETA
E
x-rádio operador de áudio da For-
ça Aérea Brasileira - FAB acostu-
mado a enfrentar tempestades e
turbulências de todo o tipo, o escritor,
advogado e piloto aeronáutico, Oswaldo
Profeta, é obcecado pelo maior enigma da
aviação brasileira: o dia em que um
Boeing 707, prefixo PP-VLU, desapare-
ceu do mapa durante o voo Tóquio - Rio,
sem deixar qualquer vestígio. Amigo pes-
soal do comandante da aeronave, o co-
mandante paraibano Gilberto Araújo da
Silva, Profeta relata casos curiosos em
torno do "Desastre de Orly" - também vi-
vido pelo comandante -, e traça as coinci-
dências de ambos os casos com o número
sete.
Religioso por convicção, Oswaldo Pro-
feta é escritor de vários livros, poeta, ad-
vogado e fazendeiro. Foi jornalista, pro-
fessor universitário, delegado de polícia
na cidade de São Paulo, piloto aeronáuti-
co e rádio telegrafista.
Em 1947 começou a trabalhar para a
FAB, como piloto e como rádio telegrafis-
ta. Em 1953, Profeta deixou o órgão para
voar comercialmente, iniciando logo de-
pois a carreira na aviação privada, pelas
O escritor Oswaldo Profeta revelou que Gilberto Araújo teria visto um número sete em seus óculos, após o acidente com o Boeing em Paris
Aerovias Brasil, que mais tarde foi com-
prada pela Nacional Transportes Aére-
os, posteriormente vendida para a REAL 707, que desapareceu no Japão. "O sete
Transportes Aéreos. Essa, por sua vez, foi está implícito em todo esse acontecimen-
adquirida em 1961 pela Viação Aérea Rio to. Uma coincidência que pode ser uma
Grandense (Varig). Foi nesse período que mensagem de Deus para ele", enfatizou.
ele conheceu o amigo e comandante Gil- "O que eu acho mais estranho é que o
berto Araújo. Gilberto era um piloto experiente. Ele te-
Em 1955, durante alguns meses, ria feito contatos. Não fez contato ne-
Oswaldo Profeta voou para Juscelino Ku- As pesquisas de nhum? Depois silenciou. Simplesmente
bitscheck, governador de Minas Gerais, Oswaldo Profeta evaporou. Criaram muitas teorias absur-
durante a campanha deste para a Presi- das aí, até a de um disco voador. Um ob-
dência da República do Brasil. Durante o sobre o acidente jeto não-identificado teria derrubado o
período que voou para Juscelino Kubits- em Paris o levou a meu amigo Gilberto", conta Oswaldo.
check, ele trabalhou tanto como piloto, O ex-rádio-operador e ex-co-piloto che-
quanto como operador de voo. escrever um livro gou a escrever outro romance chamado
A carreira de escritor iniciou-se em "O mistério do 707" para dizer que o que
1958, escrevendo artigos e poemas, mais
sobre a tragédia houve não foi um acidente. Para ele, o
tarde publicando vários romances. Em com o Boeing Boeing pode ter, por algum motivo, pene-
1978, recebeu uma comenda da Acade- trado no espaço aéreo soviético, uma área
mia Brasileira de Letras pelo seu livro
pilotado por supervigiada. "É possível que o avião te-
Pouso Forçado. A obra baseou-se na his- Gilberto Araújo nha sido abatido", contou.
tória do acidente do Boeing 707 vôo 802 Ainda segundo Oswaldo Profeta, um
da Varig que teve um pouso de emergên- ex-colega do comandante Gilberto apos-
cia nas redondezas do aeroporto de Orly, ta que o que aconteceu foi uma despres-
em 1973, matando 123 passageiros. que ninguém mais soubesse", contou o Religioso, o rádio-operador disse ao co- surizarão da cabine. A tripulação perdeu
No comando da aeronave estava o co- aviador Oswaldo Profeta. mandante que o número sete estava no os sentidos. O avião teria voado no piloto
mandante Gilberto Araújo. Na época, ele Segundo ele, o comandante disse que Gênesis e no Apocalipse, o primeiro e o automático até cair em alto-mar, em um
ficou famoso porque, ao lado do subco- os arranhões que apareceram nas lentes último livro da Bíblia. ponto que jamais foi localizado.
mandante Antônio Fuzimoto evitaram dos óculos que usava a bordo do avião "A Bíblia fala o seguinte. Li Gênesis A verdade é que o desaparecimento
um desastre ainda, em julho de 1973. Se que caiu em Paris pareciam formar um para ele: Deus descansou no sétimo dia. do Boeing 707 da Varig em janeiro de
não fosse a perícia da dupla, possivel- número. O ex-rádio-operador, que na Agora veja o que diz o Apocalipse: 'E no 1979, 30 minutos após a decolagem
mente a queda do avião da Varig seria época era delegado da Polícia Civil de São meio do trono um cordeiro como que ti- em Tóquio é o tema intrigante que
em pleno Centro de Paris. Paulo, pediu, então, que o Departamento nha sido morto. Ele tinha sete chifres, bem persiste até os dias de hoje. O avião,
Após o incidente, e de volta ao Brasil, de Criminalística fizesse uma ampliação como tinha sete olhos, que são sete espíri- guiado pelo mesmo comandante do
depois de escapar por milagre do desas- dos arranhões da lente. O resultado? Pa- tos de Deus enviados por toda a terra'", voo 802 do acidente de Orly em 1973,
tre em Paris, o comandante Gilberto rece o número sete. "O sete apareceu na cita Oswaldo. O ciclo de coincidências com continha uma carga com 153 pinturas
Araújo fez uma confidência ao amigo vida dele, e ele ficou impressionadíssimo. o número sete se fechou. O mesmo co- do artista nipo-brasileiro Manabu Mabe,
Oswaldo. "Quando ele voltou, ele me Ele disse: 'Mas, Oswaldo, eu não entendo. mandante que escapara da morte em no valor de 1,24 milhão de dólares, e que
chamou só para me explicar e não quis Por que sete? '", disse o aviador. Paris embarcou tempos depois no Boeing desapareceu sem deixar vestígios.
A UNIÃO
10 JOÃO PESSOA, DOMINGO, 16 DE AGOSTO DE 2009
E S P E C I A L
GILBERTO ARAÚJO “Paraíba democrática, terra amada”
HISTÓRICO
Condecorado na França
comandante Gilberto
O nascimento
do mito
Desprovido de asas pela natureza, o homem criou o avião, a máquina de voar. Com ele singrou os
céus, levando mensagens, e transportando ora iguais, ora bombas de alto poder de destruição. A
história da aviação, no entanto, é uma história de heróis, de mártires; de homens que, em
momentos cruciais, por sua coragem e perícia, salvaram milhares de pessoas do desastre total. O
aviador paraibano Gilberto Araújo é um desses ases que a história não esquece, jamais. Primeiro,
impediu que a aeronave que pilotava caísse sobre Paris, causando a morte de todos os tripulantes
e passageiros e, possivelmente, de milhares de franceses. Depois, em outro voo, desapareceu para
sempre. O mistério permanece insondável, um desígnio divino, talvez, para a perpetuação do mito.