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Volupiaa

004

assanàra
ios
J i o s

tda
Gaitra

lauina

de
Pecado
A Volúpia do
Um titulo forte para um li-
Vro que é o espêlho de algo
profundo, de algo que diz e
lescreve a vida pelo prisma sen
sato da verdade. O amor, èsse
sentimento comp.exo que vibra
na alma das criaturas, martiri-
zando uns,
A VOLÚPIA DO PECADO
irreais;
livro são
firmas dêste
personagens e mera e despro-
Os
qualquer coincidência será, pois,
posital casualidade.
CASSANDA RIOS

A VOLUPIA
DO PECADO

RLE

REDE LATINA EDITÓRA LTDA.


SAO PAULO
CASSANDRA RIOS. escritora jovem, vivaz e intel1gente.
Conversei pessoalmente com a autora de "A
volúpia
do pecado". E deduzi que ela não se deixará vencer fac1l-
mente apesar dos obstáculos e a incompreensão em tórno
de sua obra de estréia.
Pelo que Cassandra me falou não pretende impor um
dogma a quem quer que seja. E nem que alguém Siga o
.

exemplo do conteúdo do seu livro. Mostrou a outra face da


alma humana, tristes conflitos de criaturas que vivem d mar-
gem da Uda normal e sadia. O enrêdo homossexual é
ousado e forte, quem ousa rega-lo. Mas êste livro deve
ser lido com objetivo rigorosamente cientifico, assim Freud
o enternderia.
E que a juventude não se entusiasme com que é um
espêlho de degradação e deve ser evitado.
Cassandra leu. estudou e ouviu êsses fatos no doloroso
drama intimo de determinadas criaturas e resolveu trans-
porta-lo do papel. Foi necessário muita coragem e persistência
para concluir a sua obra.
Equem não tiver um espirito forte ou a vontade débil
deverá evitar estas páginas. Por que êste livro descerrard a
cortina dum purgat ório, de séres infelizes e que vejetam no
oceano da vida levados por uma borrasca instável e que os
conduz infalivelmente ao precupicio. E desde que um fato
existe êle torna-se compreensível apesar de o repudiarmos.
Cassandra escreveu ëste lvro com apenas dezotto anos,
quando o surrão do entusiasmo tranbordava, sem preocupar-
se com a tor7a, apenas detxando a pena correr pelo papel.
sem pensar em quem iria ler seus escritos. Ela aperas retrata
um tema num estilo proprio e diferente

EVA FEGHALI
CAPITULO I

Há muito tempo, o amor que a aprisionara to estra-


nhamente, morrera. Dele recordava-se apenas como se föra
um sonho. Pensava quenunca mais seríia
capaz de amar al-
guém tão loucamente. Que ninguém poderia dar-1he todo o
carinho que recebera do amor que já
pertencia ao passado.
A desilusão, a vergonha e o mêdo nao mais a
navam e tampouco se
importu-
preocupava com amôres. Morrera todo
e qualquer sentimentalismo que outrora abrigara
ração de jovem. Nunca mais anmaria outra vez.em
seu co-
Vivia só.
Sem amor. Semn ilusões, sem ninguém. Nem
mesmo uma
amiga. Seu viver consistia em Viajar, acompanhada
por sua genitora. Esquecera-se quase por apenas
passado cruel. completo
de seu

Já não mais acordava durante a noite, sobressaltada


pelos pesadelos que a arremessavam exausta num
recordações mundo de
nem sempre agradáveis, para onde só a
sentimento triste guiava o
daquela imagem
a sorrir novamente. Os läbios
de amor findo. Começara
já no sangravam, feridos
mordiscar de seus dentes alvos, o que era nitida reflexãopelo
nervosismo de sua alma. Nervosismo êsse que ia do
em passos lentos mas pouco a pouco.
firmes,
dos do Dr. Fabiano, que via abrandando, graças aos cuida
caso de neurose
na
menina-moça abatida um
que só tempo poderia radicalmente curar.
Conhecia-a desde que ela nascera
nha e começou a pintar-se, a usar os Quando ficou moci-
salto alto e a namoriscar durante as aulasprimeiros sapatos de
no ginásio, deixou
de ser esquiva e já nao mais
fugia às suas
conversações. Fôra
o seu confidente.
Contava-Ihe seus segredinhos.
Segredinhos
CASSA NDRA RIOS
8

que só coração jovem de mulher que ama sabe ter. Tudo, ou


quase tudo Ihe contava, confiante na sua discreç o. E foi ele
também quem prometeu livra-la de suas tormentosas recor
dações.
a ralhar-lhe por viver assim tão reclusa. Ele a livraria. mas
seria necessário ajudá-lo. Sòmente ela com sua fôrça de von
tade, obediéncia e otimismo poderia ser o melhor remédio
para seu grande mal. Esse o seu regime de cura.
Obedecia-Ihe a principio com enfado, mais por um de-
sencargo de consciência que por desejo de ver-se 1livre dos
sentimentos com os quais, paulatinamente, ia deixando-se
prostrar. Mas eis que tão lento, quão rápida sua queda, foi
A VOL UPIA DO PECADO 9

Indignado, Mário arrancá-la dos braços que a


tentava
déle. Mas
envolviam, 'da böca que a beijava e que não era a
nao conseguia. Esse era seu amor. Seu
verdadeiro amor. Ex-
cada vez mais
pulsava-o com gestos nervosos, agarrando-se
ao corpo que a enloquecia.
Estava escuro e Mário não enxergava. Sentia-o dilatar
os olhos num esfôrçosobrenatural tentando vê-la nas trevas.
amara.
Com pavor tentava cobrir com o seu o corpo que antes
Nao queria que Mário visse que carne apertava nos braços

e então gritava.
"Não acenda a luz. . Não acenda a luz!"
iluminando todo o
Porém, um claráo se fêz derepente
quarto e Mário
CAS'S ANDRA RIOS
10

O castigo era a sua confirmação.


Talvez fôsse pecado. pecado
leviandade. N o. Não podia ser
Fôra o pecado da
Não. Nao podia ser castigo. Ela chorara
Ela sofrera tanto.
suficientes aquelas lágrimas dolo-
demais. Não haviam sido
rosas? Deus! Mário
amava-a
tanto. O casamento estava to
ela ia perdê-lo. Que seria a vida depois? Que
próximo. E naturalmente viriam do por-
resposta daria às perguntas que
N o poderia dar êsse desgôsto
quê de seu desenlace? Perde-lo! era tão bomn.
a Mário. Ela mesma não suportaria., Ele
Talvez compreendesse, porém. Com tanto ciúmes conse-
. .

Deus! Que fazer?


guiria ele compreender? Que horror! Meu
Ela precisava morrer. Queria morrer. Preferia a morte a viver
sem Mário. Desesperava-se:
Mário, meu amor, perdão! Oh! Como eu queria
morrer!
Com a m o cerrada, desferiu um golpe sôbre o fog o, c
mo se fôsse êle o culpado de seu sofrimento. Lágrimas cor
riam-lhe pelas faces. Um odor excêntrico entrou-Ihe pelas
narinas. Ouviu um estranho assobio. Interminável como seu

sofrimento, imperceptível como o esvair-se de .uma cmara


furada. Olhou ao redor. O heiro acre aumentava. Parecia
Parecia gás. Sim. Era gás do fogão. O gesto nervosoe brutal.
enraivecera-o e agora ele vingava-se com o seu chiar monó
tono que cansaya os ouvidos e secava o peito. Sem querer,
abrira o cano de escapamento com o resvalo de sua mao
sobre o botão do contrôle de gás.
Perdão, Mário, eu queria morrer. Eu mereço morrer
Murmurava exasperada.
Era ja o espéctro da morte que se apresen tava. Lento.
mas decididamente. Ficou com mêdo. Virou o botão. "Per
deria Mário". Viver sem êle? Tornou a virá-lo com ges
rapido para o lado oposto. Comprava finalmente uma
sagem para o outro mundo.
pa
Para onde iria ela?
Iria para mundo real das ilusões. Para
estra nho
o
pais
dos vultos brancos. Para a terra onde não existe amor, pois
o

não se ouve dizer que lá se sofre.


A VOLÚPIA DO PECADO 11

O gás continuava sua trajetória, cobrindo tudo, secando


tudo. Desta vez pedia-lhe silêncio-Psiu. Mamãe está
dormindo. A porta do quarto estava fechada e seu pai
ressonava quando ela passara pelo, corredor. A porta da

cozinha fechada também. Tentou lembrar-se. -Sim.


estava Sim.
Encostara-se a
ela antes de sentar-se perto do fogão. O fo-
gao amigo que ajudava sua mae a fazer tanta coisa gostosa.
Ela agora estava calma. Nem parecia que ia morrer.
Morrer sem Mário. Viver sem êle seria a mesma coisa. Estava
cada vez mais tonta. Pela primeira vez o passado pugnay
contra ela. E a êle, a êste passado/ que quanto mais esquecido
ela agora, ven-
mais förça fazia para ser lembrado, volta-se
cida, sucumbida.
Já agora o gás queimava-lhe as narinas. Sentia-se sufo-
car. Que cansaço! Estava
12 CASSA NDRA RIOS

e roliços e tomou-lhe as mäos pequeninas de dedos afilados


e unhas compridas. Mäos aveludadas. Mãos que lembravam
a maciez das areias praianas. Mos leves que esvoaçavamn no
ar. Toda ela movimentava-se, requebrando-se Suavemente.
Afastava-se e esvaia-se com aquele ruído estranho que lhe
pedia silêncio.

Surgia novamente cada vez mais perto. Inclinava-se sô-


bre ela. perguntando-lhe mais indignada; com os braços
estendidos e abertos como num movimento de abraço:
"Que fazes aí no chao?"
Os lábios carnudos movimentam-se perto dos seus. Eram
polpudos e sensuais. Estavam sempre entreabertos como à
espera de um desejado beijo. Por entre êles, um colar de
rolas, formado pelos alvos dentes 1guaizinhos, perfilando-
se num sorriso provocante e encantador. O nariz afilado. in
inuando-se por cima deles, como uma torrezinha. Os olhos
grandes e rasgados. Com cilios compridos e semicerrados cómo
cortinas de um lendário harem. Côr de madeira
pelo sol primaveril, belo e suave e por entre êles o queimada
fulgor de
um céu azul. As sobrancelhas
de quem anda sempre
arqueadas dando-Ihe um ar
indignada com alguma coisa.
Sumiu-se novamente, deixando atrás de si um
estranho, caracteristico das coisas raras. perfume
ridão que aumentava. Era uma
Algo reluziu na escu
fascinante cabeleira loira.
Fios, compridos e anelados
se sumiram no escuro.
repousavam sôbre os ombros que
Lyeth via apenas o sol dos cabelos ioiros
prësos àquela criatura diáfana de organza, evocando
balés de ninfas e faunos, numa suaves
orquestração florida e
juvenil
A vida
escapava-se -lhe e com ela ia fugindo como em
fuga as melodias se sucedem. Voltou-se
quase nativa e exotica
para sua figura
e
pensou:
"Nos cabelos tenho a
negra côr. Lembram a noite do
sado. Nos olhos o
fulgor de outros céus e no sangue pas
elervescëncia das terras nórdicas. trago d
entre sombras a Morena sou e
perdida ficare
perscrutar o indefinido. Que é a
verdade
A VOLUPIA DO PECADo 13

Que é a mentira?" Tivesse fôrças num último adeus grava


ria seus pensamentos. Os últimos pensamentos de sua vida
poética. A vida que se esfumava cheia de lamentos. Faltou-Ihe
a razão. Foi tudo tão rápido! Sentiu-se leve como um cisco
perdido. "Ela era tão jovem"! E ia morrer! a cabeça girava-
Ihe mais uma vez. Tentou em vão segurar-se em algo que
Ihe escorregou por entre as m os.
CAPITULO II

Andava des-
Lyeth Gimenez era impertinente e peralta.
vestia calças compridas
os cabelos em desalinho,
calça, com
bolsos cheios de bolinhas
arregaçadas à altura dos joelhos,
os
Também coimo não haveria
de gude e de pioes. Era orgulk:osa. chefe
de sê-lo? Era a campe de inúmeros jôgos infantís e
de bairro. Sem duvida
de tôda a garotada daquele finzinho
era feliz.
De manhâ acordava muito cedo para
ir à escola. A luta
levaria quase tôda a manh . Nao fôsse
para que se levantasse
uma hora antes.
sua mäe precavida, chamando-a quase que
A noite reunia-Se com as amiguinhas, e quando cança
vam de brincar de "amarelinha" "pegador ou "mâe-de-rua
do
afastava-se com elas, às escondidas, para lugares êrmos
bairro proletário, a, fim de espiarem os casais de namorados
da
que se refugiavam entre as árvores ou atrás dos paredões
grande "Casa de Saúde ali perto, na terceira ladeira depols
de sua casa.
Muitas vêzes presenciara cenas chocantes e vira tambem
policiais agarrarem com brutalidade rapazes e moças que ten-
tavam fugir. E mesmo depois de muitas súplicas iam dar a
rágica volta na "viúva-alegre", nome dado ao carro de de-
tençao dos romanticos transgressores da moralidade
puoinc
A caça à imoralidade era intensa. Näo só pela policia
como também pelos olhinhos vivos daquela garotada inex
periente que via nisso apenas motivos para risos e môfa.
Certo porém que as
freqüentes cenas teriam produzido
coraçoezZinhos ainda verdes, vazios de emoções, ansiedade de
A VOLÚPIA DO P ECADO 15

desenvolvimento. Ansiedade pelos dezoito anos. Desejos de


conhecer o amor.
Lyeth olhava-seno espélho com. atenção. Media sua
estatura. Passava as mãos pelo peito liso, onde ainda não des-
pontara mais que a forma de seus seios. Queria crescer, ficar
bonita. Aspirava ser alta e forte. Ter seios volumosos, ancas
largas e uma cintura bem fina. Sonhava ser cortejada por mui
tos homens. O seu ideal era um homem alto, com ombros
largos, rosto másculo, queixo quadrado. Nunca conseguiu
imaginá-lo bonito, porém o seu físico era uma "potência",
como dizia às amigas. Sentia-se atraída por homens feios e
muito másculos. Gostava de admirá-los e imaginar a fôrça
dos seus braços musculosos. Um tórax largo e desenvolto
inspirava-lhe confiança.
E um dia chegou em que lhe puseram vestidos mais
compridos, disseram que era feio brincar de roda e proibiram-
na andar descalça e também brincar com bonecas. Era o tem-
po que passava. Mas, ainda ås escondidas, como uma verda-
deira m ezinha muito preocupada com o chôro de seu nenê,
ela falava e brincava com as bonecas.- O cinema entusias-
mava-a. Ajudava-a a sonhar.
Seus pensamentos modificavam-se dia a dia. Tudo nela
começava a desenvolver-se.
Em tôdas as alegrias, contudo, seus olhos negros con-
servavam um estranho fixar que a muitos intrigava. Quem
os fitasse intensamente com intuito de ler seus pensamentos
sentir-se-ia enveredar por um labirinto escuro; uma caverna
lúgubre onde um mistério se tornava indecifrável. E o mais
estranho era que todos sentiam que Lyeth não se apercebia
disso. Era indiferente e seu riso sincero e espontâneo. Os olhos
tristes pareciam dois intrusos num semblante feliz.
Quando terminou o curso primårio, seu pai, com uma
expressäo de ansiedade e contentamento perguntou-lhe se
gostaria de continuar os estudos. Ao responder que sim, sen-
tiu-se prêsa em seus braços e cantarolando ele lhe disse:
Assim é que' eu gosto de voce. Eu sabia que uma de
nossa família haveria de ser inteligente. Só poderia ser você.
Não é à-tôa que a minha caçulinba... Parou de falar. Olhou-a
CASS ANDRA RIOSS
16
completou:- só me
dá prejuizos.
carranca e
com disfarçada ser? Para que quer
o que você gostaria de
Diga-me, Lyeth,
estudar? bonitas...
poetisa. Quero
escrever palavras
Quero ser
E eu não sabia disso. . Temos um
Vejam só.
familia. Pôs-se a rir, abraçando-a forte.
"Bilac" na
por
quanto ela
ansiosa
instante
Estava tão feliz nesse
ingressar no ginasio. e
teatro
Certa noite os pais de Lyeth tinham ido ao

então suas irm s,


A VOLUPIA DO PECADO 17

delicadas e
graciosas. Pensava em namorar e sonhava maais
assiduamente com os seus másculos
ideais.
Estava quinze
com
quando brincou em seus lábios
anos
o
primeiro beijo. Fôra a um casamento. Durante tôda a ceri1
mönia no conseguira desviar os olhos de um rapaz que a
fitava incessantemente, com um
quê de malícia ou
Quando o baile teve início, o rapaz, que naoadmiraçao.
mais vira
desde a lgreja, tornou
aparecer. Fitou-a com a mesma
a
insistënCia. Olhou-a por muito
tempo, porém no a convidou
para dansar.
Ela já nao mais lhe dava
atenção e conversava com
outros rapazes quando ele se acercou e
sorrindo, pediu-lhe
uma contradança. Ele
dançava divinamente e ela sabia acom-
panhá-lo. Formavam um belo par. Näo se separaram tôda a
noite. Quando quis despedir-se, êle ofereceu-se muito amàvel-
mente para acompanha-la e apesar de seus protestos não a
deixou ir só. Para Nadja bastaria a companhia do noivo.
Eu preciso acompanhá-la. Quero estar com você
mais um pouco... Alguém já Ihe disse que é muito bonita?
Veja. A sua mao cabe inteirinba dentro da minha é assim
que você está no meu coração.
As palavras um tanto atrevidas soaram aos seus ouvidos
com o encantamento das primeiras frases de amor que ouvi
ra embora talvez fôssem falsas. O rosto bonito do jovem
embrava-lhe o "sheik" da capa do romance que lera tan-
tas vezes.
Quando chegaram, pararam noportão. Disse-lhe boa
Toite e estendeu a mao para despedir-se. Ele ousadamente
prendeu-a entre as suas, aproxinmou-se e perguntou-lhe:
Quando nos encontraremos outra vez?
Antes porém que ela
respondesse, puxou-a ràpidamente
e apertando-a nos braços procurou beijá-la. Ela quis livrar-se,
fez. fôrça, porém foi subjugada e ele beijou-a em cheio na bôca.
Foi tão rápido, tão imprevisto que quase não sentiu os lábios
grossos apertados contra os seus.
Quando êle a soltou, voltou-se envergonhada. empurrou
o portão e caminhou a passOs largos em direção à porta. De
longe ainda ouviu-o dizer:
18 CASSANDR A RIOS

Amanha às oito horas


Entrou em casa, flutuava, parecia estar embriagada. Quan-
do a surprêsa passou, já esfregara a bôca com água e sabão
uma porção de vêzes. Não
gostara daquele beijo molhado!
Como o
beijo é nojento! --Pensou decepcionada. Estremeceu
ao acaso
pensar se por naquele instante a
"viúva-alegre" tivesse
passado. Que horror! Voltou a pensar no beijo. Não. Não
gostara mesmo!
Mas foi só durante essa noite. Na noite
janela escondida atrás da cortina, espiando seseguinte
na
ficou
êle iria mes-
mo encontrá-la.
Faltavam cinco para as oito
Porém ela não saiu. E como se no quanddo êle chegou.
bastasse o muito
que o fez esperar inutilmente,
abriu a janela de para humilhá-lo mais ainda,
par em par. Fitou-o atentamente quando
ele se aproximou mais, lhe
mostrou a
Vingasse a sua ousadia da noite anteriorlingua como se, assim
e bateu as
com fôrça. persianas
No minimo
pensara que ela estivesse
apaixonada por êle
eachara-se com direitos, o convencido! Atrevido!
com tanta vontade Se êele estava
de dar um
fôsse sòzinho. Com ela passeio na
"viúva-alegre", que
nao.
Arrependeu-se de sua atitude. Quando abriu a
nela novamente,
para chamá-lo, ele nao estava mais. Fö ja-
ra-se encabulado, talvez. Depois nunca
muito tempo não mais o viu. E por
conseguiu
primeira poesia de amor. Um esquecê-lo Dedicou a ele sua
pobres, que ficou simples rascunho de palavras
esboço simples de
esquecido em meio de um caderno. um
uma alma sentimental.
CAPITULO III|

Chovia torrencialmente. A rua para a qual dava os fun-


dos da casa de Lyeth era cortada por um rio. O riozinho de
aparência inofensiva, transbordou, alagando tôda a calçada
e as suas águas barrentas derrubaram uma ponte que l1gava
as margens e começaram a invadir as casas mais proximas.
Trepada em uma cadeira, Lyeth contemplava o cos-
tumeiro espetáculo do tempo das chuvas quando uma voz
desconhecida, de homem, vinda da casa vizinha, fê-la voltar-sse.
- Boa tarde!- Respondeu.
Um rapaz alto, loiro, era o dono da voz que a saudara.
Éle sorria para ela. Estava trepado na janela, numa pôse de-
sajeitada.
Você não vai me dar um biscoito? Dá?.
Pois não, mas só se você vier buscar,
Preciso pular o muro?
Creio que sim.
Será melhor você dar volta e encontrar-se comigo
no portão.
- Se não há outro jeito, já que você não quer pular
Assim
20 CASS ANDRA RIO SS

Vocé acreditou? Aceito sim. Mas o que eu quero mnes-


mo é convidá-la para ir ao cinema comigo. Você aceita a minha

desajeitada companhia?
- Por que não? Respondeu embora intrigada com
sua atituce prec1pitada.
Reparou que éle era muito alto e que seus olhos eram
de um azul forte, quase violeta. Concordou que era também
bastante desajeitado. Nos láábios, tinha um sorriso de con-
fiança.
Esairam juntos muitas vêzes. Era o seu primeiro namo-
rado. Compreendera afinal que não havia motivos para temer
a viúva-alegre". Era moça de família e sabia que não pre:
CIsava namorar no escuro, por trás dos muros, pois era
uma menina às direitas.
As vêzes ficava com êle no jardim e quando fazia uma
noite muito bonita iam. passear de bicicleta pelas ruas do
bairro deserto.
Em sua casa todos o acolhiam muito bem, achavam-no
bastante inteligente, porém tanto
um
"maluco".
Armando, êsse seu nome, estava sempre se
xando, dizia que ela quei-
o fazia de bôbo, que não gostava déle,
que nunca o esperava. No
nutos de atraso. Ela
era capaz de perdoar, cinco m1-
para ele era um verdadeiro demôni0.
Armando odiava-a tanto
quanto a amava.
Mas as tristezas eram
tôdas de Lyeth. Não
modificá-lo. As colegas apelidavam-no conseguia
amigos de "Piadinha" e os
chamavam-no de "Pato", por saberem de
por Lyeth. Ah! Se ela
sua paixao
Ja o teria não
mandado passear. Ele tornava-segostasse dele
pouquinho um
do
repetia as
anedotas sem graça
intragável quan-
A VOLÚ PIA DO PECADO 21

noites seguidas. Se, quando ele


saía às escondidas, pedindo a
chegava, estava ainda em casa,
Nadja que o entretesse.
Certa noite ele a surpreendeu.
Completamente indiferente conversou com ela, deixan-
do-a inquieta e quase que preocupada com sua frieza.
Armando nunca conseguira beijá-la. Resmungava
clamando direitos, porém ela só se deixaria
r
sentisse desejos de ser beijada. Qugria
beijar quando
que ele lutasse muito
pelo beijo. Um beijo roubado, um beijo muito cubiçado teria
mais sabor.
Nessa noite sentiu-se mais atraída
por ele. Ouviu suas
palavras de amor em silêncio, sem mandá-lo calar-se como .
sempre.
Era a mesma voz que lhe pedira um biscoito. Achou
graça na maneira dele pedir, comovia-se ante aquela "potência
apagada" que significava para ela um corpo grande e más-
culo com um cérebro infantil e tacanho. Ele pedia com tanto
jeito!
De-me um beijo. Lyetinha. . . de, amorzinho.
benzinho.
Prometo. Por tudo quanto é sagrado.
Então fecha os olhos.
Você promete que nunca mais pede outro?
Éle obedeceu. Ela aproximou os lábios de sua bôca.
Hesitando ainda, aproximou-se mais. Beijou-o por fimn.
Quando se afastou, ële continuou com os olhos fechados. E
se não os abrisse logo n o a veria mais,
porque ela se levantou
pretendendo fugir Ele puxou-a pelo braço, e fê-la sen-
tar-se novamente.

Até que enfim, malvada


Por que você não roubou?
Porque
nao saberia se você queria ser
eu
beijacda por
mim e afinal vocë é ou nao é minha namorada?
Sou Mas Eu nao queria
Queria sim, "espolêta". E depois diz que quer, ser
poetisa! Não sabe nem amar. O poeta precisa sentir, vibrar,
sofrer, ter a alma transbordando de amor. Precisa sentir de
22 CASS ANDR A RIOS

perto a magia désse sentimento. Seus lábios são frios. Você


não ama. Não sente o beijo. - Sim. le estava com tôda razão.
Ela não sentia o beijo. Não amava. Não encontrara ainda a
verdadeira inspiração. Porém assim mesmo seria capaz de escre-
ver muitas palavras doces e guardá-las ciosamente para o seu
ideal que viria um dia. O homem que ela amaría. Que lhe
completaria a vida, a sua felicidade.
Fêz de suas esperanças poemas cheios de espetativas, de
nuanças diversas que lhe transbordavam da alma.
Dedicou-se mais aos estudos e embora näo encontrasse
razão e interêsse em estudar geofrafia e matemática, esforça-
va-se o bastante para tirar boas notas. Nas vagas de aula
estudava português, lia livros de Bilac, os "Lusíadas" de
Camoes, tentava acertar metrificaço e acabava
era um verdaderio fracasso. Não tinha valor, sentido nenhum
aquelas palavras atravancadas, as rimas tão feias e tão pensadas
das poesias que queria escrever.
Certa manha sentiu-se indisposta, quando se levantou
muito depressa.
aguda que lhe constrangia o peito, passou. Foi para o gina
sio e durante a aula de ginástica a dor novamente volto
dessa vez tão mais forte que ela perdeu os sentidos. Quando
tornou a si, estava deitada no sofá da secretaria e seus pais
olhavam-na aflitos.
CAPITULO IV

Dezessete anos. Tudo alegria, tudo poesia. A ambição


apresentava-se-lhe nas rimas de cada verso que compunha,
ora fascinada pelo gorjear de um passarinho, ora pelo chôro
de uma alma triste.
Porém, nenhum dos rostos que se voltavam para ela,
nenhuma das juras de amor que Ihe faziam, preenchia o vácuo
que reinava em seu coração.
Nada inspirava-lhe o sentimento louco que a arrebataria
ao ápice das emoções para divinizar o amor e eternizá-lo em
poemas.
Seus dedos ficariam tolhidos se a vida continuasse assimn:
se o amor pasasse por ela e não entrasse em seu coração.
Que seria dela? De seus anseios de mulher?
Se fôsse perene o tolhimento de tôda sua alma, as emo
ções sucessivas, ainda que tristes e chocantes, no ar bailariam
sôltas. Porque ela era da poesia, do romance, da música e
sem eles impossivel The seria a vida, como impossível seria
entender o amor.
De volta do sonho ao real, desesperançava-se.
Nunca escreveria com perfeição, embora com fidelidadde.
E nisso estavam todos Os seus desejos. Bem ou não, escreveria
sempre, a própria vida galvanizaria em versos. Desse-lhe Deus
pena e papel. Desse-Ihe Deus o direito de conhecer o amor,
o verdadeiro e sublime amor. E no papel depositava as lá-
grimas que Ihe rolavam pelas faces. Eram como letras que
saltitando reclamavam a essëncia fervorosa que Ihe faltava
beber. A essência da poesia, nétar dos deuses: O Amor.
CASSANDRA RIOS

24
de Armando e nem
as ilusoes
almentava
Já não mais formulava de si para s1, Convencida

mesmo
sorria quando
do persistente rapaz
ante as galanterias oferecem? Por que
o amor que Ihe
"Lyeth, por que nega desses súditos do Amor
abandona tôda às súplicas
náo se respondia dan se
Psique? E ela
mesma

que em você veneram


nomes de perso-
por ter proferido
do-se um ar de importante Armando, lembrava-se
mitológicos. E pensando em
"Talvez revivesse Marguerite
nagens se

da Dama das Camélias Armando que vë em mim


amor de
correspondesse ao triste ilusões, ora o
ora alimenta suas
uma egoista caprichosa, que
encontrar um Ro-
despreza.Mas sou muito pouco Julieta para
eterna Colombina em folguedos
meu. Talvez eu seja uma
Pierrot e a audácia
de Momo. Brincando com o ardor de um

de um Arlequim. ate
-Não. Não sou Colombina. Mas há Arlequim e

um ciumento Pierrot
desconsolado".
mesmo
Lembrava-se dos dois rapazes que tudo faziam para
chamar sua atenção. Mas desperta dessa fantasia carnavalesca,
tirando a máscara do sonho êles desapareciam, envoltos na es

petativa de seu sarcástico fingimento. Esperando que ela tor-


nasse a velar o rosto com o sorriso malicioso de antigamente,
amava.
que assentiria de novo aos seus cortejos. Por que nao
Nao seria completo o sentimento que êles Ihe devotavam? Na0
Por isso dêles não emanava a fôrça que a faria vibrar tam
bém. Ela ainda era muito pouco amada. Para que vibrasse
todo seu ser, seria necessário encontrar uma alma igual à sua.
Muito igual à sua
Porem nao seria
possível viver assim. Esperando se
pre. Aguardando passivel a chegada do seu ideal. do Seu
homem.
Tinha realmente desejos de um
dizer sim, a
alguem
alguem que nao he inspirava
trário poesia, porém muitO ao
queria afastá-la dos sonhos, achando tolas suas ilusoes
mais
a
interessante a parte alegre da vida. AA parte
gente mesma constrói. parte rea!
rea que
Amarrotou o fracasso que acabara
alto, conmo de compor e d1sse e
se falasse com
alguém que protest ava dentro dr
A VOLÚPIA DO PECADO 25
Nunca mais escreverei. Para o
louca. E mais inferno essa amb1ço
interessante dizer
tinha mesmo dom para escrever.que
sim a Antônio. Ela nao
Quanto mais
irrequieto, que he föra apresentado por uma poesia.
O rapaz
sar tão diverso do seu, amiga, de pen-
talvez a livrasse daquele sonho tolo
que só he
trazia decepções.
A próxima vez que o encontrasse aceitaria a sua
posta. Seria sua namorada. pro-
CAPITULO V

Vizinho à casa de Lyeth, estava desalugado há bastante


tempo um sobrado que estivera em reforma. Uma noite po-
rém as janelas abriram-se e os aposentos, antes às escuras,
iluminaram-se anunciando a chegada dos novos inquilinos.
Lyeth não se preocupou em saber quem era o novo viZi-
nho. Observou apenas que a casa estava com um aspecto mais
atraente, menos sombrio que antes. Esquadrinhou de relance
as paredes recém-pintadas de branco, os degraus largos da
porta de entrada, as janelas envidraçadas, provàvelmente da
sala de visitas. O jardim também havia sido muito bem cuidado.
Voltou-se e olhou para a rua. Estava à espera de Antônio.
ele já se fazia tardar. Consultou o relógio de pulso. Era quase
oito horas.
Sentiu a insistência de um forte olhar sôbre si, olhou
os olhos
para tras; nao viu ninguèm. Como que atraída ergueu
para a janela do sobrado.
Reclinada no peitoril notou uma cabeleira loira de mu-
lher. Por instante seus olhos se cruzaram e então voltou-i
as cpstas num gesto irrefletido. Como se a insistência daquete
feia
olhar a tivesse importunado. Vista de longe, achou-a
Notou que o nariz da jovem era comprido. Ela devia tei se
alem
vintear e
poucos anos. Os cabelos longos davam-lhe,
um de maturidade, uma aparência vulgar.
Parecia a Desdémona à espera de Otelo. "Teria ela u
Otelo?"- Pensou e riu-se.
Antönio livrou-a cos fúteis pensamentos chegando lo8°
em seguida. Pouco depois Lyeth descia a rua, de braço
A VOLÚPIA DO PECADO 2.7

com o namorado, completamente esquecida que uma nova


vida se iniciava no sobrado grande.
Corria então o mês de fevereiro. Viajou em companhia
de sua m e. Nada de importante acontecia com ela além de
sua fidelidade para com Antônio, o que era de admirar.
Voltou em princípios de março. Uma vontade louca
de tocar castanholas apossara-se dela. Sempre tivera desejos
de aprender. E agora tivera inveja de uma jovem que o fazia
admiràvelmente. Quando chegou a São Paulo o primeiro
passo foi comprar o instrumento do qual pretendia arrancar
um som característico das músicas de Espanha. Terra onde
sua mãe nascera. Sentia todo o calor do sangue puramente
espanhol a percorrer-Ihe o corpo, com um ardor incontrolá-
vei, por sentir-se atraida por tudo que Ihe falasse da terra
longínqua que ambicionava conhecer um dia. Seus poemas
muito falavam dos "gitanos" de Andaluzia.
Quando regressava, contente com a compra que fizera,
e mais feliz ainda pela nova preocupaçao que arran jara, viu,
balouçando-se à sua frente, uma cabeleira loira. Pareceu re-
conhece-ia, porém não se lembrava onde a teria visto antes.
Os fios brilhantes exerceram um estranho fascínio sôbre si.
A custo conseguiuu desviar os olhos da cabeleira vulgar que
detestou encontrar em seu caminho. Aquela côr não era na-
tural. Náo podia ser. Parecia ouro puro. Reluzente e dourado.
A cabeleira seguia à sua frente, balouçando-se. Prendeu seu
olhar. Sentiu que a expressão de seu rosto mudara sem atinar
porque, rancorosamente. E de onde surgiu a voz rouca, estra-
nha que disse baixinho:
"Falsa como a côr dos cabelos"
De onde veio? Das entranhas subira até a garganta e
morrera em seus lábios. "Falsa como a côr dos cabelos".
Lyeth indignou-se. Como poderia estar julgando alguém
que nunca vira antes sòmente pela côr dos cabelos? Sorriu
"A gente pensa cada coisa e nem se sabe porque",
Como seria o rosto que se escondia sob a chuva de fios
dourados? Parecia conhece-la. Apertou o passo para ver-lhe
o semblnate, e num mais apressado alcançou-a. Desceu da
CASSANDRA RIOS
28

calçada. Nesse rápido instante agarraram-lhe o braçO. puxan-


do-a para trás. Ao mesmo tempo que uma voz gritava:
- Olhe o carro.
Sentiu apenas o zunir do auto que brecou ma1s adiante.
- Não vê o sinal, zébra?, perguntou-lhe o chofer,
brutalmente, com a cabeça para fora do automóvel.
desfaleceu de vergonha e
Quase que se por ali jurou
houvesse u m buraco desapareceria por éle a dentro.
Não fique c o m vergonha. Isso acontece.
A mão
Voltou-se para a causadora de sua abstraç o.
u m segundo. Lyeth des-
dela segurou-Ihe ainda o braço, por
onde brincava um Sorriso cordial.
ceu o olhar para o rosto
Obrigada, não fôsse você
rindo-se:
A loira interrompeu-a,
zêbra.
Não seria chamada de a trase
c o m que ela completou
Achou graça n a m a n e i r a
e retrucou:
dessas é bem melhor ser chamada de
Numa situação verdadeira lástima.
voz de quem sente
zêbra do que e com

coitada"
continuou
conversando como se fos
fós
Riram-se. Seguiram juntas,
caminho a loira perguntou
amigas. Em meio
ao
velhas
sem
Mostrou-se surprêsa quando Lyeth
The o nome e onde morava.
bairro.
no mesmo
moravam
nao saber que o
Fingiu fez
respondeu.
to ipróximas. Por sua vez, Lyeth
vizinhas
que eram
um
No me d1ga .
mesmo. E demonstrou alegria com
Que
ranheta comO a voz da sofisticada jovem.
e
exagerado nariz con
anos, näo tinha
o
mais de dezoito
não podia ter m a s sim
de uma
também no e r a feia,
prido como Julgara e
hav1a tivera
beleza fascinante. As primeiras impressões, que
última tão estranha e original?
eria
erradas, mas, e a
sido realmente a
fingindo näo reconhecê-la? Qu
ela con firmado o nome.

ter1a notado? Lembrou-se de perguntar-lhe


a letra.
úitima
que ela respondeu, apoiando-o na

Irez.
nome muild
Nao predomina a letra /? Já ouvi êsse t e rminaçao
de outra maneira.
vézes pronunciado porém
S tende a ser breve
A VOLUPIA D0 PEC ADO 29

Meu nome termina com Z e as palavras terminadas


com z sao oxitonas.
-Interessante. Não deixa de ser um
nome orignial.
O rosto ruborizado da jovem inclinou-se como para fugir
aos olhos de LLyeth
Voce, é daqui?
Não. Do Interior. Nasci em Bernardino de Campos,
morei pouco tempo là. Aliás, nunca fixamos residência, nunca
nos foi possível estabelecermo-nos em determinado lugar. Ago-
ra, finalmente, creio que ficaremos por aqui, mesmo. Não que
sejamos nômades, mas precisávamos viajar.
eu pai é Viajante. pelo que vejo
Era. Agora associou-se a uma fábrica de motores,
aqui em São Paulo, perto de casa. Sempre esperamos por esta
oportunidade. Você é paulista mesmo?
Sim. Da gema. Nasci e morrerei neste mesmo bairro,
nesta mesma rua. isto até já taz parte de minha vida. Se sair
daqui, creio que morrere., Sao Paulo está tão dentro de meu
coração que se um dia me visse obr1gada a deixá-lo, êle certa-
mente deixaria de pulsar. Meu bairro, minha rua, é o meu
mundo. Do portão de casa vejo tudo mais bonito. Até o sol
e a lua têm um brilho diferente e mesmo nos dias tristes
irradiam felicidade. Você não calcula como adoro o meu fin-
zinho de bairro. O meu destino caminha sôbre o seu asfalto,
e como já disse é lá que a morte irá buscar me.
Ora, voce é muito sensivel.
Extremamente.
Eu nunca pude ter a sensação. de apegar-me assim
ao que me rodeia.
Por quêe?
Náo tinha tempo. Tudo se me
fugia quando eu me-
nos esperava.

-Não
CASSANDRA RIOS
30

Tenho certeza que como eu


Um dià você amará.
encanto que reside na minha rua, aliás, na
ambém sentirá o
nossa. lrez sorriu.

finalmente que comprara as castanholas


Lyeth contou-lhe
Sabe tocar?
Aprenderei, respondeu com o orgulh0 que he era

bem próprio.
-
Se posso ensinar-lhe
quiser eu o pouco que sei. Co- Co
mecei a estudar, mas nao
terminei.

Quer dizer que você também gosta das músicas de


Espanha?
- Adoro. Eu estudo balé e aliás interess0-me muito mais

pela dansa folclórica e espanhola. Agora mesmo fui ao Tea-


o curso,
tro Municipal ver se conseguia inscrever-me, para
mas infelizmente as matriculas já se encerraram e as vagas

estão tôdas preenchidas.


- E uma pena; porém há muitos outros lugares onde

voce poderá estudar.


E assim conversaram distraidamente todo percurso. Ao
o

chegarem, quando se despediam, Irez perguntou e parecia


hesitar.
Vai sair amanha?
Vou. por que?
Passe então por aqui. Sairemos juntas.
As três horas, está bem?
Ótimo.
Então até amanhä. Foi um prazer conhecê-la.
E uma resposta cheia de etiqueta se fêz
ouvir
O prazer foi todo meu.
CAPITULO VI

Passaram-se dias. Lyeth esquecera-se completaimente do


entretida com as catsanholas. E
compromisso com a jovem,
viu novamente é que se lembrou. E para n o ter
só quando a
uma resposta que
que mentir e também nao ofendë-la com
pouco caso, fêz-se
de esquecida.
mais pareceria
Estava no portão à espera de Antônio quando ouviu
alguém chamá-la.
Ivete!!
lembro
Voltou-se. Era ela. "E essa agora, nao me
de seu nome Pensou ao mesmo tempo que respondia:
Meu não é Ivete, mas, sim, Ly. . .é. . .th.
nome
Perdoe-me, foi vocë quem estëve a tocar castanholas

hoje à tarde?
Sim. Aborrecia-a com o barulho?
Não. Nem um pouco. Pelo contrário, gostei de ouvir.
Toca muito bem.
Lyeth sorriu sarcastica quando as castanholas nas maos
dela retiniram.
Você também toca muito bem. - Z.. 2 Lem-
brava-se de um Z arrastado que não era de zêbra. Sabia que
o nome era fácil, mas não conseguia lembrar-se dêle e mur-
murou baixinho:- Ih! Meu Deus!. ah! sim. Ela cha-
mava-se Irez. A exclamaçáo "ih!" ajudara-a.
Conversaram o tempo suficiente para que Lyeth desejasse
que ela se despedisse. Alguém chamou-a para o jantar e então
Irez retirou-se. Pouco depois Antônio chegou. E como todas
as quintas-feiras, foram para o clube onde dançavam e jo-
gavam pingue-pongue.
CASS ANDRA RIOs
3

sentia dela embora


ciúme que
Antonio nao escondia
o
noite acabaram brigando pela
amava. Nessa
a
1negasse que
correspondido aos galanteios de u m rapaz
razão de ter Lyeth terminantemente de conversar.

havia sido proibida lei que


com quem
cedo. Antônio por töda
queria
retiraram-se
Por isso acabou por
suposições e quando Lyeth
ela confirmasse suas
momento de raiva,
outro num
flertara com o
consent1r que
voltou-lhe as costas e foi embora
ele
A VOLÚPIA DO P ECADO 33

O corpo esquentava! Sapateava! E expressava no rosto


o sentimento da música. O sangue cigano, corria-lhe nas
veias com um calor entorpecente. A ansia pelo amor afetava
seus sent1mentos. O amor que impera no ritmo das cançoes,
das dansas. O ódio também que é fogo que as alimenta.
Os seus cabelos jogavam-se para trás. Caiam-lhe sobre
O rostto. O corpo todo se agitava numa dança satänica. Os
tacões dos sapatos estalavam ritmicamente no assoalho de
madeira misturando-se ao som das castanholas,
plam, forte, vibrante. E os cabelos despenteados desprenderam
em alvorôço o cravo vermelho que os enegrecia mais ainda.
A mantilba resvalando-lhe pelo corpo suavemente seguiu-o
num farfalhar de rendas perfumadas. E foi cobrir o cravo
gue caira ao chão e lá ficara esmagado pelos seus pés, verme
Iho, rubro, como uma poça de sangue.
O corpete apertava-lhe os seios. Irritava-a.
vosa e jogou longe as outras tantas sêdas que lhe volteavam
O corpo. Jogou longe os sapatos. Nua! Dançava então o
fandango. Sinuosa, resvalando,
A ND RA RIOS
34 C ASS

E era nos sonhos que ela ia em


misteri10sas das quimeras.
busca de sua própria vida.
Uma voz despertou-a.
Pediu que repetisse. Não ouviu bem.
bondade de. fechar essa janela? Não estou
Quer ter a
me sentindo bem.
Pois nao- E unindo o gesto à palavra, Lyeth
sentada
voltando-se em seguida para a jovem
ergueu o Vidro,
a seu lado, que Ihe
fizera tal pedido.
Sente-se mal?
está frio o que faz
Um pouco gripada. O vento

doer-me a vista.

apresentaram-se. Lenita era uma jovem esbelta,


Depois
afrancesado. Cabelos curtos.
corpo bem feito. Um tipinho
acetinada. Dentes alvos e for
Olhos esverdeados, pele clara e
dando-lhe um ar de severidade
tes, lábios finos e cerrados,
e de otimismo, ao m e s m o tempo
promíscuo, de uma meiguice
de Lyeth foi sua
indistinta. O que mais chamou a atenção
maneira de olhar. As sobrancelhas
naturalmente arqueadas
altas. Cilios recurvados e grossos, pálpebras
eram longas e
não se cerravam,
longas que quase
A VOLUPIA DO PECADO 35

Convenceu-se. "Se aquela garôta não fôr falsa como


pensei é muito mentirosa e presumida, ou ent o gosta de mos-
trar-se diferente das demais. Se não,
qual o interêsse de mudar
o
próprio nome? Sim. E uma convencida. Nem o nome que
lhe deram a satisfez e teve que dar o seu
toque genial. Con-
tentou-se em apoiá-lo na letra "Z". E mais velha do que eu
e no entanto parece que nunca saiu dos
não deixarei de convidá-la
quinze anos. Bem,
para um passeio. "Enfim
nao aparece mesmo, e alguém ao menos, sei que não falará
Antônio
nêle".
n e l e . - A tristeza surgia em seus lábios quando pensava em
Antönio. Onde estaria ele? Estaria namorando? Tê-la-ia
esquecido tão depressa? Certamente que sim.
CAPÍTULO VII

tornavam-se boas amigas. In-


Dias depois, Irez e Lyeth de
a aprender com ela a arte
separáveis. Lyeth começou
Entretanto
o gôsto dela.
hipnotizar. Achou estravagante
almna
interessantissimo e dedicou-se de corpo e
acabou por achar
todos os livros que
ao estudo, devorando com atenção
secreto
os exercicios que ela
Ihe
Irez Ihe dava para ler. Fazia todos
serviu de cobaia. Irez
ensinava e um dia depois de protestar
queria hipnotizá-la.

Estendeu-se no sofá e fitou-a olhos atentamente co-


nos

como rez mandara. olhar firme fixou-se em seus olhos.


Ordenava-lhe algo que, Lyeth percebeu admirada, estava pres-

obedecer, mesmo sem saber o que fôsse. Irez


continuou
tes a
a fitá-la com insistência. As sobrancelhas erguiam-se de espaco
a espaço para que os olhos não se escondessem sôbre as pal
pebras, a fim de continuar a fitá-la num só olhar. O olhar
a
penetrante que a foi tomando tôda. Agora Irez já não mais
fitava nos olhos. Perscrutou, percorreu-lhe todo o corpo.
Lyeth envergonhou-se.
Estou exausta! Amanhá continuaremos, disse Irez,
levantando-se. Derepente pôs-se a pular para cima de uma
maneira excepcional. Abria e fechava as
pernas no ar. D
brava-as para dentro
VOLUPIA DO PECADO 37

Lyeth estava atônita. Sentou-se assustada. Ficou a olhá-


la de lado, admirada. Os olhos
numa expressão atoleimada.
aregalados, a bôca meio aberta
Você enloqueceu?
Ficou
com medo? Isto é
balé, o pulo-do-sapo, como
nós o chamamos, mas o certo é
"Sault du chat'", pulo-do-
gato. Veja. Não pareço um sapinho?-E continuou a
Pulava pular.
com uma destreza impressionante. Elevando o corpo
para o ar com uma leveza suave. Os pés nao faziam o menor
ruído quando tocavam o chão.
Lyeth achou feio os saltos e pediu-lhe que parasse.
Dança outra coisa. Nao gosto do sapo.
Ela riu-se. Encostou-se à parede. Estava calma. Nem
parecia que despendera qualquer esfórço. Dobrou a
pern
para dentro formando um clássico quatro. E
agarrando
o calcanhar ergueu-a em círculo antes
do corpo, quase tocando a
de colá-la ao longgo
cabeça com a ponta do pé. Parecia
incrível o que via. Depois ela foi dobrando-se lentamente
para
trás até que encostou a cabeça no chao e elàsticamente
foi
CASSANDRA RIOs
38
A VOLÚP IA DO PECADO 39

Então prove. Se está tão certa disso. prove .


E estendera os lábios em desafio.
Como?! Exclamara Lyeth.
-

Provando, ora. . .

Negara-se admirada. Estava com gripe. Poderia con-


taminá-la.
-

Quando eu melhorar provarei se o batom sai ou nao.


Ela respondera maliciosamente passando as mâos pelo
Seu rosto.
Os seus beijos podem ser quentes, mas não derrete-
rão o batom a ponto de manchar os seus lábios com o
carmim dos meus.
Essas palavras haviam-na envergonhado, mas sentira tam-
bém um prazer estranho ao ouvi-la e
queria mesmo beijá-la,
porém era um desejo absurdo que não tinha explicação. O
prazer da vitória. De vencer a aposta original. Depois disso
certa noite estavam conversando animadamente quando Irez
disse sùbitamente:
Sabe o que sonhei?
O que
Que o batom nao saiu. .
Credo! Você então sonhou que eu a beijei?.
Sim. Um sonho é um desejo da alma.
Fitou-a e os olhos dela fixaram-se nos seus numa expres-
são que lhe invadiu a alma,
CASSANDR ARIOS
40

Lyeth voltou a S1.


-Estava pensando.
Em quê? Quis saber, intrigada com a sua expressão.
vez.
No dia em que a vi pela primeira
- E dai? Diz como e quando fo1.
- Voce estava na janela. Achei-a tão diferente do que
nos falamos,' vi
voce é. Parecia mais velha. Depois quando
mesmo uma menininha.
que vocé é
Oh!. então já me conhecia?

Já!
me via pela primeira vez?
E por que fingiu que
lembrasse de tê-la
Não sei. Talvez porque não me
ironia declarou pausadamente
Visto antes. Com imperceptivel

E assim? Pois tique


A VOLÚPIA DO PECADO 41
ela, todas as noites, sempre. Só conversaria
caria mais na outra
com ela. Nao ti-
sala com Lenita e nem mesmo brincaria
com Tereza, a sua
empregada,
abria os braços e declamava. quando
que, via Lyeth chegar,
do-se sempre da Lyeth ouvia-a com atençao, i n -
entonação da voz. A gentil empregadinha
de Irez dizia-se a mais
Sincera admiradora de suas
Prometeu enfim o que Irez lhe fazia poesias.
colegial. jurar, como uma

Então jura.
Cruzou os dedos índicese levou-os aos lábios,
Juro. beijando-os
CAPÍTULO VIII

alta, fisio-
u m a mulher de
estatura
Matiide, tia de Irez, maneiras um
de gênio voluntarioso,
nomia simpática, porém foi
foi àa
com o semblante sempre catregado,
bruscas.
tanto
dormia calmo de tôdas as
o sono
casa de Lyeth que ainda Consuelo, m
dona Consuelo,
me
não consentiu que
manhas. Matilde ela fôsse à
acordasse. Deixou recado para que falar
de Lyeth, a
levantasse. Precisava
muitíssimo
se
sua casa assim que
Com ela. abrindo
espreguiçou-se,
manha estava calma. Lyeth u m robe que
um
A
A vestiu-se com
Levantou-se,
os braços docemente.
e abrindo a janela do quarto
pés da cama
olhar para aquele
aos
estava estendido
Tao distraída ficou a
olhou para a rua.
mundo, que nao
ouViu sud
era seu
bairro que insis
pedacinho de voz se repetiu com
o café. Quando a
mae chamá-la para
voltou-Se c o m passos vagarosos.
tência, Lyeth espregui-
o
corredor,
Percorreu
Abriu a porta e
saiu. cozinha, onde sua nd
cada passo. Entrou na
çando-se em
faces e sentou
cantarolando, cuidava do almôço. Bei jou-a n a s matinal. D
um canto da mesa, esperando pela refeição d- a
se a um sorriso,
olhou-a atentamente, e esboçando
Consuelo
moestou-a
levantar-se.
Minha filha, isto não é hora de

Fiquei
A VOLÚPIA DO PECADO 43
Você esta louca?! Você não pode tomar essas cotsas.
Como é que Irez pode
Ela nao esteve doente como vocë e por certo o
médico receitou.
D.a Consuelo continuou a falar, proibindo-a de aparecer
em
casa com o tal remédio. Coisas como essas só se tomavam
quando o médico receita. E lembrando-se, falou-lhe sôbre a
visita de Matilde.
Pouco depois Lyeth premia o botáo da campainha da
casa de Irez. Foi Matilde quem atendeu. Até parecia que esta-
va à sua
espera, pois nao se demorou para abrir a porta.
Deu uns passos pela sala e sentou-se a um convite de
Matilde.
Mame me disse que você queria falar comigo. De
que se trata?
Sim, realmente. Trata-se de Irez - E
-

uma breve pausa, ela continuou. Você näo


depois de
imagina quantos
desgostos essa menina nos da. Seu pai nao quer que ela estude
balé porque essa não é uma carreira para uma
jovem como
Irez seguir e ela insiste nisso. Tenho certeza,
Lyeth, que ela
já a convenceu a ajudá-la. E sei que Irez ainda planeja estu-
dar às escondidas. Espero que vocë saiba compreender
que isso aconteça.
e evitar
Realmente, Irez já fizera Lyeth percorrer
sos
consigo diver-
estabelecimentos de ensino de dança clássica,
que guardasse segrêdo. pedindo-lhe
E não é só isso
-

Matilde continuou a falar


Voce têm estudado hipnotismo? Não
negue pois Irez disse
que simn.
Eu não 1a negar.
Então é isso! Eu nem sei o que fazer com essa
me-
nina. Se eu fôsse vocë, no seria sua
está com essas manias na cabeça, e
amiga. Aposto que já
que também nao dorme
à noite. Lenita está por conta com vocês duas.
A pobrezinha
vem cansada do serviço, quer deitar-se e
dormir um bom sono
e não pode. Simplesmente porque Irezinha
a tem mêdo do
escuro e de fantasmas. Temos que unir nossas camas e assim
mesmo ela continua choramingando resto da
o noite. Ontem
C A S SA N D R A RI0S
44
no quar-
levantei e fui dormir
fiquei tão nervosa, que me
eu
Você vé? Isso nao pode
fundo do quintal.
tinho lá no

continuar.
só. Com uma entona-
Matilde falou tudo de um fôlego
andava sempre nervosa por alguma
ção cheia de rancor. Aliás, habito, sua
talvez por fôrça de
COisa. E mesmo quando ria,
expressao cont1nuava carrancuda.
deixando-a falar. Em todas as
Lyeth ficou silenciosa, pôr fim
absurdo pretexto para
palavras sentia desconfiada
um

a sua amizade com Irez.


acontece isso. Você
r e z nao pode ter amigas. Sempre
sei como a suporta.
está dominada por ela. Francamente, nao
já isso.
E eu n o sei porque você diz
descobre. . . ih!.
Digo para seu bem. Se o pai dela Meu irmão é
poderá acontecer!
nem quero imagi1nar o que
homem de revolucionar o mundo!
um
E ela arregalou os olhos, meneando a cabeça.
Francamente não vejo raz o para tanto!
Voce nao sabe nada, meu bem.
Bem, se ele não quer que ela estude balé, crei10 que
não será tão difícil fazê-la desistir.
Irez é teimosa, cabeçuda. Náo parece, nao é?, per-
guntou, desconfiada do olhar incrédulo que Lyeth lhe dir1
giu. As aparências enganam. Você não imagina que cobrinha
ela é. Quando quer uma coisa nao sossega enquanto nao con
segue. Náo mede obstáculos nem impossibilidades. O bale e
uma de suas mais impertinentes manias. Eu compreendo per-
feitamente que é um dom que ela tem. Uma arte que ela am
biciona. Mas, que fazer, se o pai não quer? A vida de uma
bailarina é tão incerta! quase nunca se sabe
para onde ira.
Tem sempre
que estar viajando, e carece de uma companhla
exclusivamente para êsse fim. E quem poderia seguí-la pard
odo lado? E certo
que ela quer estudar apenas por dileta
ismo, mas pense na frequencia dêsses
lugares.
Embora intrigada, Lyeth concordou.
De tudo isso, conclui que minha
vando amizade está agra
a
situação. Será melhor terminarmos, nao é 1SSO
A
A VOLÚPIA DO PECADDo 45

-Não, meu bem. Não seja precipitada. Quero apenas


que voces sejam mais comedidas. Que não fiquem sempre
Juntas, ass1m evitaremos que ela tenha tempo para continuar
com essas manias. E também possa estudar um pouco. Mesmo
quando está só é dificílimo fazê-la concentrar-se nos estudos.
Eu sempre a julguei tâo obediente!
Ante os olhos do pai, minha filha, o que é uma
grande coisa, pois tem-lhe mêdo. E acentuou: Não é obedien-
C1a, mas medo.
Não se convenceu. A idéia que fazia de Irez era sólida
e outra. Ela era meiga, obediente e sincera. Até a côr dos ca-
belos dela que a princípio julgara oxigenados, era natural.
Olhou para o retrato dependurado na parede. A pele
alva sobressaía-se sob a cascata de fios bronzeados. Bronzea-
dos? Como explicar o dourado vivo de agora? "Fôra um
êrro do fotógrafo pintor" --- Isso Irez lhe dissera. E ela acre-
ditara, cega pela argúcia da criatura manhosa com ar de inge-
nua que tão facilmente a convencia a satisfazer-lhe os desejos.
E então, ao olhar para o quadro de moldura antiga, arriscou
pergunta ao mesmo tempo que a duvida Ihe veio à cabeça.
Por que os cabelos de lrez têm outra côr nessa
fotografia?
Aquela era a côr natural. Até nisso ela é falsa.
Sem poder disfarçar um tremor na voz, Lyeth perguntou:
Ela os tingiu:
Sim um pouco antes de mudarmos para cá.
Ela porém acrescentou indignada procurando não acre-
ditar:
Mas seus cabelos são sedosos e brilhantes e disseram-
me que os cabelos uma vez tintos perdem o brilho.
É verdade. Mas isso depende da tintura que se usa.
Não restava dúvida. Algo em Irez devia ser falso e jus-
tamente a côr dos cabelos. O que mais Lyeth admirava.
Era uma cabeleira diferente. Fascinante. Que ela distin-
guiria entre todas as cabeças do mundo reunidas. Murmurou
para si: Mentirosa! -Porem perdoou a mentira, toman-
do em conta que se ela mesma tivesse tingido os cabelos, tam-
bém diria que a cor era natural. Nao. Irez náo era falsa e nem
CASSANDRA
RIOS

mulher. Se mentira,
vaidosa como töda
Era apenas a sua fulgurante
mentirosa. admirar mais
intenção de fazë-la disse com sin-
Levantou-se e
fora com
Matilde.
cabeleira. Olhou para a palavra:
com
propós1to de
cumprir Nao será
no pede.
que você
me
ceridade., farei o
Bem, Matilde, brincar de hipnotizar.
continuará a
irez tenha com-
comigo que que você
Não leve a mal, Lyeth. Espero que eu a estou
-

casa pensando
vá para manbas de
preendido que nao e
advertindo
contra as
a estou favor, nao Ihe
culpando. Apenas ela. E por
deixe dominar por
Irez. Nao se conversa.

nada sôbre a n o s s a
diga Nada direi.
tenha receio.
Não
-

profundamente magoada.
Sentia-se
Lyeth
retirou-se.
tal coisa? Quem diria
pensar
Quanta tolice! Quem poderia
difícil
solucionar o

acontecer? Não
lhe seria
iria necessidade ne-
que 1sso mais. Não via
Bastava nao procurá-la
caso.
o tolo colóquio.
tido, com Matilde,
nhuma em ter um
motivo
existir
deveria
Misteriosamente
sentiu que diretamente
lhe pedisse quase
Matilde seria
bem mais forte para que não
amizade com
Irez. O que
continuasse a
que nao inconveniente.
dificil muito menos
e
os livros de hipnotismo
devolver-lhe
Começaria por nao quer
sua mae
emprestara, alegando que
que ela Ihe
que ela os lesse. ficara abor
de fato Da Consuelo
Nao mentiria, pois casa co
andava pela
recida com as atitudes
de Lyeth, que ava

fixos na nuca do primeiro


que passa
OS olhos arregalados,
movimento das gro
Evitando piscar com um
pela sua frente. sentada em frene
vez encontrara-a
Sassobrancelhas. Uma
que fizera
sem mover-se, um pontinho que izet
guarda-roupa, fixando
COm tinta no centro do espelho.
Quando d" Consuelo cna
admoestando-a, Lyeth até se
exaltara contra ela,
Imou-a,
A VOLÚPIA DO PECADO 47

D. Consuelo não gostava nada das idéias que lrez andava


pondo na cabeça de sua filha, que agora andava
pulando
pela casa, de maneira que mais parecia um sapo. E murmu-
rava entre dentes:
Isso nuncafoi balé.
Um dia Lyeth aparecera em casa com um baralho na
mão,
CASSANDRA RIOs
48

VOz em tom lú-


engroSsava a
Ou entao punha-se séria,
declamava: \
gubre, e
treme dunque.
L a fonte oscila, geme,
tuava profundamente o "dunque
Lyeth chamava-lhe a atenção
AVOLÚPIA
A
DO PECA DO 49

Não insista, Lyeth. Eu estava lá.


Ouvi tudo.
Se você ouviu já sabe. Disse
Irez
visivelmente indignada.
envergonhada procurou desculpar-se.
Cheguei cedo do colegio e fui para o quarto. Ela
não tinha me visto.
ve-la,
Quando escutei a sua voz, desci para
porém nao pude continuar quando ouvi o que ela
estava
RIOS
CASS A NDRA
50
uma noite nada agradável.
causa ela passou chorando
Por sua estava
exagerada.Eu apenas
Ela é muito estava com mêdo.
dizer o motivo, fingi que
e porque
não quis a fez chorar?
E qual o
motivo que os olhos e mu-

saberá.
-

Irez desviou
Você nunca

dou de conversa,
A
VOL. UPIA DO PE CADO 51

Não. Quando fôr possível você vem aqui. Que mal


bá que assim seja?
Você náo gosta de mim!, disse amuada.
Mas que tolice! Gosto sim. Será que você não com-
preende ?
Eu prometo nunca mais falar em balé, assim êles
verao que voce me convenceu a desistir disso. Minha tia não
terá mais motivos para brigar. Também não aborrecerei Le-
nita à noite. Náo choro mais. Eu juro. Por favor
suplicou Tudo o mais não valia nada para ela, ante o
perigo de perder a amiga.
Tem tanto mêdo de perder minha amizade?, per-
guntou intrigada com a insistência da jovem. Você deve sen-
tir-se muito só, pelo que vejo.
Sim. Sabe bem que assim é. Você é minha única
amiga
Pois bem, fará isso?
Sim. Troco o balé por voce.
Só o balé?, inquiriu, convencidamente.
Tudo!
E pela primeira vez Lyeth sentiu uma sensação estranha
ao ver que alguém precisava tão imensamente de sua compa-
nhia. Ela insistira tanto que quase acreditou ter visto nos
olhos azuis duas lágrimas que não Ihe rolaram pelas faces.
CAPÍTULO IX

Apesar de interessar-se tanto pelas ciências ocultas, Irez


era terrivelmente medrosa e supersticiosa. Tinha mêdo de si
própria. Desde que a irmâ lhe contara que ela se levantava
durante a noite, punha os sapatinhos de bale e dançava pelo
quarto às escuras. Falando em francês os nomes dos passos
que executava. A pronúncia t o perfeita que assustava Lenita,
pois que na realidade conhecia ela tão pouco êsse idioma. A
irm ,
A VOLUPIA
DO PECADO
53
E cumpriu com a
palavra. lrez porém esquecia-se de vez
em quando punha-se
e a
dançar, tão logo ouvia os acordes
de uma música
qualquer.
Quando Lyeth por capricho lhe lembrava a promessa
que
havia feito, ela retrucava
logicamente:
Eu não estou falando em balé, e
não estou com os
sapatos nos pés. Estou dançando apenas um ritmo
E outra coisa. Isto não é dançar. "E popular.
mentava as ancas com mais
requebrar-se! -

veemência,
CAS S ANDRA R I OS
54
Sem-vergonha nada. Eu faço o que quero. E nin
guem tem nada com isso.
E eu também, por isso vou embora.
Levantou-se e caminhou em direção da porta. Quando
a olhava desafiadora-
tocou maçaneta, Irez que até ent o
na
mente, ao ver que ela estava mesmo decidida, a ir embora,
correu para ela e puxou-a. Encostou-se à porta e pediu emn
tom desesperado, que mais intrigou Lyeth.
Não vá. Eu juro que nunca mais me requebro. Nun-
ca mais. Eu fiz de propósito.. mas n o faço mais

Você não cumpre.


Eu juro. Fique. Cumpro sim.
Está bem. Que seja a última vez.
Voltou-se e sentou-se no sofá. Como sempre näo resis
tira à voz manhosa que se derretia em promessas que bem
sabia que ela não cumpriria.
Irez depois disso, durante todo o tempo em que estive-
ram juntas, permaneceu calada, com uma express o triste no
olhar. Fitava-a a miudo como se pretendesse dizer algo que
lhe afluía aos lábios, entreabria-os, mas logo os cerrava num

mutismo frio. Quando se despediam, ela por fim murmurou


tristemente:
Não briguemos mais. Dói-me tanto a alma. Sou
tão sensívvel. Tenho o coração tão fraco, bem o sabe. Nao
gosto que se zangue.
Essa atitude estranha, bem como outras, causou em

Lyeth uma vaga inquietação. E respondeu sem nem mesin


crer que sentia o que falava.
-Nem eu gosto! Sou muito nervosa. Náo sei o qu
se passa com1go, perdoe-me.
lrez talvez nem ouvira as palavras ditas tão baixinno
Lyeth sentiu as mãos dela agarrarem as suas de umo
maneira quase rude, anormal para mãos tão finas e delicaaa
Estremeceu-se toda. Um torpor esquisito, de vergonha e mdo
tomou-lhe o corpo quando ela lhe sussurou ao ouvido :
Oh! Lyeth. oh! Lyeth.
Fitou-a impressionada, como se algo de novo se
brotasse na alma. Assim como uma flor cujo
perfume embrios
A VOLÚPIA DO PECADO 55

irez apertou-lhe o rosto entre as mäos e por um instante


os olhos que lhe pareceram rasos dágua se aprofundaram nos
seus.
Oh! meu amoor! não sei por que me enamorei
de voce.
Depois largou-a. Cerrou a bôca com a palma da mao co-
mo se estivesse por demais surprêsa por dizer algo que não devia,
balbuciou um "oh!" cheio de admiração contra si mesmna
e envergonhada, entrou. fechando a porta atrás de si, râ-
pidamente. Aturdida, Lyeth continuou ali, sem mover-se.
Olhando para a porta que se fechara.
56 CASSANDRARIOOS

tos novos que me torturam. Isto nunca sent1. Nem


mesmo por um namorado. Entretanto para você não
sou mais que uma simples amiga, que você não se im-
portaria em perder. Ah! que amarga ind1ferença a sua.
O que sinto é impossivel de descrever-se e nem
eu mesma poderia fazê-lo. E um sentumento estranho
que jamais devotet a alguém. Algo que me rouba o
sono e a calma.
Stnto que não posso Uiver sem vocë.
Sim, meu amor, minha vida, eu a amo.
Irez
Lyeth não podia despregar olhos do papel que
os
gurava entre asmaos trêmulas. A confusão se
no cérebro era que lhe reinava
tremenda. Nao
naturalidade. Tinha vergonha conseguia tomar aquilo com
e algo mais
discernir, misturando-se dentro dela. que nao sabia
A VOL ÚPIA DO PECADO 57
mim. Ouça Irez: Quando você quiser dizer-se minha amiga,
diga apenas o que sente e não procure exaltar tanto a_sim um
sentimento. Sou muito tola e capaz de acreditar. Riu-se ento
do absurdo
pensamento que a assaltara de súbito.
Pois acredite.
Irez sorriu desajeitada. Lyeth silenciou e fitou-a atenta-
mente, como se quisesse ler o que se
Ela desviou passava em sua alma.
os olhos. Uma
inquietaçáo misteriosa pairava
no ar, assim como se ao redor
vibrasse uma corrente elétrica.
Uma fôrça de atração emanava do
corpo dela. Não, vinha dos
olhos. Ao seu coração sem
que quisesse. admitír, ecoava absur-
damente uma resposta. Ele pulsava diferente,
desordenado,
descontrolado. Um sentimento novo brotava em sua alma.
Não queria dizer, mas gritava dentro de si:
Eu a amo. . . eu a amo.
Não. Não era ela quem o dizia. Era Irez! Fôra
são! Fôra uma brincadeira de Irez! Mas agora
impres-
a voz dela
se parecja tanto com a sua, que não a
distinguia mais, Era
a voz do próprio coração.
"Não sei por que me enamorei qe você"
guearam-se-lhe as faces num beijo que nao recebeu.
Afo
fugir. Sentia-se febril, envergonhada. Era o inicio de umQuis
de-
sejo que agorà se afigurava em um nome. Era a
porquê do nervosismo ante os requebros do corporesposta
aao
fascinante
que a provocara tanto, sem que o percebesse realmente
E o nome era "Irez". Era "Dese jo".
Desejode apertá-la nos braços com
fôrça para imobili-
zá-la. Para evitar os movimentos
voluptuosos que a fazia mor-
der os lábios ressequidos. A lingua
veias latejando nas fontes. Era desejo.engrossando
na bôca, as
Nada mais que desejo.
Por mais absurdo que fösse.
CAPITULO X

ficando
Lyeth indignou-se contra si própria. Estaria Ten-
demônio certo!
louca Que seria aquilo? Obra do semelhanteporcoisa. Nunca
tação. Nunca imaginara possivel
ouvira comentários sôbre um caso idêntico. Súbito, como
um relâmpago, veio-Ihe à lembrança a noite em que discu-
tira com Irez acêrca do batom à prova de beijos. Sim. Irez
insistira porque queria ser beijada. Beijada por ela. Fremeu
e pavor ante tal suposiç o. Nada haveria demais nym beijo
desde que não houvesse aquela expressão no rosto dela. Des-
de que não fösse na bôca. Lembrava muito bem de suas
palavras. Nunca as esqueceria. Se bem que não tivesse levado
a mal. elas tinham-na impressionado bastante.
E essa outra contissão que ela fêz despertou em si umna
sensação confusa que The percorreu o corpo livremente, su-
bindo-lhe à cabeça. Atormentava-a. Trazia-lhe recordações.
Lembrava-se de Irez. De suas exçentricidades, de seus olhares.
O olhar de certa noite quando ela lhe dissera:
"Um dia faráá tudo que eu ordenar e a um leve aceno
deste dedinho". E Irez movimentou-o de uma maneira tôda
especial, tal qual um rapaz cheio de malicia convidando-a
para algo nada moral vocë virá
A vOLÚPIA DO PECADDO 59

diferentes. misteriosos. Caminhando vagarosamente foi ao


encontro dela. Os olhos atentos de Irez não se desviavam
dos seus. Os corpos se tocaram. Irez porém continuou a mo
vimentar o dedinho, chamando-a para mais perto. Sem nunca
deixar de fitá-la, com uma expressão insondável.
Lyeth esbarrou ent o na estante e um livro caiu ao chão
60 CASSANDRARIOs

Irez respondeu que sim como quem está muito cansada


e cheia de enfado. Ergueu-se lentamente e aproximou-se dela,
com os olhos cerrados, movimentando o corpo numa dança
lenta de sedução. Ergueu os braços suavemente e passou a mão
pelo seu rosto numa caricia leve. Aproximou os lábios entre
abetros dos seus. Afastou-se sorrindo, descerrando as pálpebras
preguiçosamente. Com olhar malicioso, murmurou apenas,
para explicar o que estava
AVOLUPIA DO PECADO 61

Tolices! Tolices que poderão agravar-se. Creio ser


melhor voce afastar-se o quanto antes dessa garöta Talvez
eu esteja
interpretando mal, mas
E d. Amália fêz perguntas embaraçosas. Mil e umna
coisas sõbre as maneiras de Irez.
O sentimento que julgara amistoso se tornou pouco a
pouco, durante a conversa, cheio de más intenções, ou mes-
mo digno de pena. E Lyeth ainda incrédula recorreu a d."
Margot. Uma senhora de reputação duvidosa, que entretan-
to era muito boa e amiga. Dava-Ihe sempre bons conselhos,
advertindo-a contra as más influências. Citando como exem-
plo o próprio infortúnio.
rez sempre a recriminara quando a via conversando
com d.a Margot. Ela não era digna de ter amigas, dizia.
Porém Lyeth não se importava e sempre a defendia como
podia.
Ninguém melhor que ela poderia dizer-lhe o verdadeiro
sentido das palavras ousadas que não sabia interpretar. Ex-
plicaria enfim o que lhe estava
RIOS
62 CASS A NDR A

coleguinha de quarto exigira. ingënuamente


tentara fugir-lhe.
descobrissem juntas na mesma
porém tinha medo que as
cama. No quarto cheio de meninas que faziam a mesma coisa.
Morreria de mêdo e seria capaz de se matar se a surpreendessem.
Por isso ficava passiva. Esforçando-se para não gritar, en-
quanto a outra a beijava de uma maneira da qual ela se enver-
gonhava e quase sentia nojo. Como nenhum homem jamais
a beijara e até então conseguira fazê-la sentir o que havia
provado naquele beijo.
Não tinha coragem para Ihe contar, direitinho, como
fôra. Porém acabou por fazê-lo sem que Lyeth nem mesmo
o pedisse.. E a jovem inquisidora ficou horrorizada. Mas
d. Margot explicou que aquela era a. ünica prova de amor
que existia. Era a única maneira de acalmar a
rôta. Era isso Irez
impetuosa ga-
que queria também. Não passava de uma
histérica.
E detalhadamente terminou
fizera com ela. por contar tudo que a outra
Lyeth envergonhou-se, porém continuou
fim. atenta até o
Quando terminou, d." Margot a advertiu:
Afaste-se dela
enquanto há tempo. "Um
faz cem louco

Mas na mente de
veis. Náo. Não era Lyeth tais absurdos eram
nao era nada possivel. Estavam todos inadmissi
daquilo. Era sim uma loucos.
pobre ingênua. O díabo
se
apoderara dela
A VOLÚPIA DO PECA DO 63

Os pensamentos confusos irritavam-na. Surpreendeu-se


na frente do espelho com a expressão rancorosa tal qual uma

pessoa que sentia asco, muito nojo.


Fugiu da miragem indignada. Irez não era ass1m. No
rosto dela nunca vira aquela expressäo.
extremos de que tudo nao
convencer-se
Chegaria a para
passava de um equívoco. Um tormentoso equivovco.
Durante todo o resto desse dia permaneceu trancada no

quarto evitando que a vissem.


E foi d." Consuelo que, entrando derepente, a salvou doo
torturante momento que se estenderia por tôda a noite.
Lyeth onde estêve você a tarde tôda?
Fui à casa de d.a Margot.
Irez estêve aqui à sua procura mais de dez vézes.
Fiquei preocupada, pois quando vocë saiu me disse que ia
à casa dela.
D.a Consuelo sentou-se aos pés da cama e continuou a
coser o pé de meia que trouxera nas m os.
Lyeth, nós vamos fazer uma viagem. .

Viajar? Para onde? Por que assim tão derepente?


O médico
CASS ANDR A RIOS
64

ianela. Os olhos fixos na casa de Irez. Era preciso provas.


Mas e agora? Não devia continuar saindo com ela. D." Mar-
got e d." Amália o que não pensariam? Não faria mal. De-
sejava loucamente saber a verdade. O estranho acontecimento
atraía-a. Estava prêsa, enredada num remoinho obscuro. Não
queria ficar em dúvidas. Poderia estar enganada. Irez talvez
não merecesse que assim fôsse julgada.
E nessa noite Lyeth náo saiu. Sabia que ela estava à
Sua espera e talvez por isso mesmo não foi. E fez-lhe bem.
Pareceu esquecer-se de tudo.
Na noite seguinte Irez foi à sua procura. Censurou-a
por Lyeth të-la feito esperar tanto.
Assim que a viu, Lyeth sentiu que todos os estranhos
ressentimentos retrocederam.
Toda a vez que a camnpainha tocava eu corria pen-
sando que fôsse voce. Sussurrou puxando-a pela m o.
Irez encolheu-se no sofá e Lyeth fez o mesmo.
Puxa! Que frio faz! O mês de abril está terrível,
parece que nao se passam os dias. Minhas mãos estão geladas.
Está com frio?
Virei sorvete.
De-me sua m o. Ponha-a aqui dentro do meu bõl-
SO, Junto com a minha. Fiquemos de
maos entrelaçadas.
Era assim que eu e Raul passeávamos nas noites de
frio. Eu
o amava EE Irez olhou para Lyeth, pegando a mão que
ela abandonara no regaço.
Está
A VOLÚPIA DO PECADO 65
Não olhou para ela.
olhos que estavam
Tinha mêdo de deparar com os
sempre à procura dos seus, indiscretos e
inquisidores.
Irez falara tão
de maliciosamente que Lyeth seria capaz
jurar ter ela já descoberto o que acontecia consigo, mesmo
em seu mais íntimo recanto
Atravessaram espiritual.
zinha de ferro, na
o
jardim caladas. Sentaram-se
na grade-
calçada.
Sentia ainda que Irez a fitava
lhe queimava. Trincou os intensamente. O rosto
dentes e nem pensou
ela perguntou crente de seu negar quando
ciúme:
Ficou com raiva?
E como Lyeth prosseguisse calada por muito
Continuou: tempo,
- E mentira, bobinha. Eu
ele que
nunca o amei. Não é a
eu amo. Foi só entusiasmo. Não
para mim. fique assim. Olhe
Lyeth levantou-se como se não ouvisse o que ela dizia.
Veja, Irez. Quanta gente na esquina. Que será?
Vamos ver?
Ela acompanhou-a. Num enorme caminhão exibiam-se
filmes, desenhos animados, para a garotada que fazia uma
algazarra tremenda expressando a sua alegria. Irez tomou-lhe
o braço. Distarçadamente, Lyeth desvencilhou-se.
Ela tornou a apertar-lhe o braço.
Não gosto de ficar assim.
Mas eu gosto e voce tem que gostar.
E ela apertou-o mais. Decididamente passou o braço ao
redor de sua cintura e ousadamente apertou-a,
66 CASS A NDR A RIOS

Estou. Quero que olhe para mim


Não posso.
Por quê?
Não sei por que, mas nao posso.
Ao virar-se, tentando livrar-se do braço que a rodeava,
deparou com d." Margot a olhá-las maliciosamente. Irez in-
sistia em fitá-la.
Não me olhe assim. O que pensar o de nós?
-Que sou seu namorado.
Credo! Não fale bobagens.
Não é bobagem.
Vamos embora. Estão olhando
para você. Aquele
homem está rindo de nós, por vê-la olhar-me
tanto. O que
será que êle está pensando?
Irez
repetiu
sorrindo intencionalmente:
-Que sou
seu namorado. Não
namorado carinhoso e apaixonado como gostaria de ter um
o homem balancear a
eu? Quando viu
cabeça, com malicia, puxou-a pelo bra-
çoe fë-la correr para a gradezinha de ferro
prêto, já descorada esmaltado de
pelo tempo.
-Qual, Irez! Você é
impossível!
Irez nao queria
guém já hipnotizado. hipnot1zá-la.
Seu olhar era sim de al-
Dessa Lyeth sustentou-o.
vez
E lentamente como
quisesse analisar, perscrutar sua alma e ver
se

Quinta-feira vou embora


a
reação disse:
Por instante, ela
empalideceu
pois calmamente perguntou-Ihe:
e ficou em silêncio. De
-
Para onde? Por
que?
Vou via jar. Vou ficar
muito tempo
-

Por favor, no longe daqui.


faça isso.
Que tristeza havia em sua voz e
parecia em seu rosto. quanta angústia trans
ansiedade: Perguntou ento, docemente, cheia
cheia de
Por que você
não quer que eu
Por que vá?
minha gosto de você
única amiga. . porque você é minha
A
A VOLÚPIA DO PECADO 67
A pausa
expressiva entre é e amiga, fêz Lyetb tremer
de súbito. Irez tivera a
reação
Irez tomou-lhe as mãos e que esperara.
levou-as ao
S e vocë för, ele deixará de bater. coração.
Eu escreverei. Trêmula
.

sabia sufocar a ternura por tanta emoção, já n o


que lhe ia na alma.
Eu quero voce. Não as suas
cartas.
Não quer ent o a
poesia que eu fiz vocë?
Quero. Claro que sim. Onde está? agora, para
Aqui. E Lyeth apontou o
coraço.
Nao escreveu ?
Não. Eu sei de cor.
Diga então. Recite-a.
E uma poesia de pé-quebrado.
Pé-quebrado? Tem cada uma! O que é isso?
E uma poesia mal feita, sem
incerta. Não devia ter dito metrificação, de rima
poesia, porém não sei que nome
deva empregar.
-
Não faz mal. Diga.
Pois bem.
E Lyeth murmurou baixinho, sem fitá-la:
"O romance de minha triste vida
são páginas que falam só de você.
A capa, seu nome, querida,
e o fim, o beijo que você me deu".

Ah! Mas isso nao é para mim, respondeu com ar


de desalento.
Esim.
Nunca pensei que chegasse a chamar-me de querida.
E apenas uma poesia. Uma poesia de pé-quebrado.
68 CASSANDRA RIOS

Lyeth enrubesceu. Irez desprendeu-se de suas mãose


voltou-lhe as costas, afastou-se ràpidamente sem despedir-se,
como o fizera na noite em que dissera: - "Não sei por que
me enamorei de você".
Deixou-a ir. Não esboçou sequer um gesto para retê-la.
Ficou parada no portão até vê-la sumir-se por entre os arbus-
tos do jardim. Quando ouviu a porta bater, caminhou len-
tamente e retirou-se também.
A palavra "beijo" que ela varria do íntimo para não
entregar-Se em divagações que lembravam as cenas de d."
Margot, menina ainda, nos braços da atrevida inglesinha,
atormentou-a tôda a noite.
E pela primeira vez adormeceu prendendo nos lábios
um beijo que era apenas uma palavra.
CAPÍTULO XI

Na noite
seguinte, quando a encontrou novamente, sen-
tiu-sefustigada pelo mais intenso desejo de comprovar os
pensamentos misteriosos que a atormentavam cada vez mais.
Comprimia no coração algo que nao queria converter em
sonho, que não queria deixar subir à
Irez
cabeça.
comprimentou-a com uma
expressäo triste no rosto.
Como nunca tivera antes.
Vai mesmo viajar?
Vou.
Por que? Será que vai mesmo? Creio
Está tão satisfeita. Nunca' a vi assim antes. que deseja i
tão alegre. Vai
.
.

livrar-se de mim.
Prosseguiu com insinuações, gaguejando como se quase
não pudesse falar.
Eu preciso ir com mamäe.
Irez insistia.
Vai ficar muito? Muito tempo?.
De súbito Lyeth tornou-se nervosa.
tantas
Exasperaram-na
perguntas. Quase nao podia conter-se
ante o olhar
sedutor e apaixonado que ela lhe lançava. Quis mudar de
conversa, porém ela parecia resolvida, como se duvidasse de
Suas palavras, a descobrir o verdadeiro motivo da
partida.
Você náo pode deixar de ir?
Não, não e näo. Por que faz tanta pergunta? Vou
eestá acabado. Que tanto você se
preocupa? explodiu ner-
-

Vosamente. Irez deu um passo para trás o rosto lívido de


espanto. Inclinou a cabeça, tornou a fitá-la. Por seus olhos
passou um lampejo doloroso.
A RIOS
70 CASS ANDR

por um pensou que


instante ela osse chorar.
Lyeth
para ela, arrependida de
sua estupidez e tomou-a
Avançou
nos braços.
Perdão, Irez. Eu ando muito nervosa. Não sei o
que tenho. Não sou a mesma.

Certamente não tivera intenção de magoá-la. Sentia-se


inquieta ante as perguntas que afluíam aos lábios dela tão
dolorosamente. Nela vibrava uma esperança secreta, que Lyeth
sentiu penetrar na alma. E procurou decifrar como se fôsse
um delicioso enigma que só Ihe traria prazer.
Por que se zangou comigo?
Você faz tanta pergunta! Por
que isto. Por que
aquilo Isso irrita.
Eu
Pretendeu dizer algo porém nao continuou.
funda tristeza brilhava ainda Uma pro-
em seus olhos.
Você o quê?
Eu apenas não
ficar mais zangada. Não queria que você fösse. Não precisa
direi nada mais. Pode ir.
que vá com meu
consentimento Prefiro
Era isso mesmo. Irez que sem ele.
vizá-la. Sempre fazia-se dona dela. Estava
a escra-
tônio, havia se viajara nunca ninguém, nem mesmo An-
e

expressado de tal maneira.


Não quero
volveu-a com um que você fique com raiva de
de ternura, de olhar onde
acabava de mim. En-
amor. nascer uma chamna
Raiva?
de você De
Lyeth. No
voce! Nunca!
Nunca
quanto mais raiva. Eu coração não há lugarficarei com raiva
meu

Eu também gosto tanto de para mais nada.


gosto de você voce
Que Mentirosa! Você
tenho um no gosta de
disse nariz mim. Acha-me
imprevistamente, comprido,
sazer-se em prantos. com a voz que sou uma bobona.Ield
bobona.
Irez! Que transtornada, quase a d s
Mas absurdo!
Como podiapensou, o que Eué a
nunca disse
isso! Nunca
meiro ela saber mesma
instante em o
que coisa.
que
lone?pensara
a
vira de
Lyeth realmente no
P
porém contestou ou
A VOLUPIA DO PECADO 71

E também nunca pensei, juro. Onde foi você buscar


tal idéia?
- 0 que pensou, ent o?, inquiriu passando a mãozi-
nha pelo seu rosto. Ao sentir leve roçar, fremeu, impres-
o
S1onada pela ternura e ansiedade com que ela falava, não soube
responder. Jamais imaginara um colóquio como ësse.
Nada.
Nada? Sòmente nada?
Eu nao pensei. Vi. Sinto que você é linda, mara
vilhosa, meiga.
Parou envergonhada da ênfase com que falava. Parecia
uma ridicula sentimental. Mas desejava mesmo dizer-lIhe coi-
sas mais doceis. Dessas que só dizia em sonhos e que usava
nas poesias.
Os olhos azuis pediam carinhos e por sentir-se to que-
rida náo encontrava palavras para expressar sev
agradeci-
mento. Nada fizera para que ela assim lhe devotasse tanta
afeição.
Sabe? - chamou baixinho- Lyeth.
não percebe nada?
O que?
Que estou abraçada a você desde quando se zangou
comigo?
Contemplou-a com uma express o cheia de ansiedade
e mais alguma coisa que se parecia tanto com amor que Lyeth,
emocionada, a apertou levemente. Segurou-a ainda por um
instante e afastou-se envergonhada, simulando um sorriso
E é verdade. O que tem isso?
Nada. Nada demais, maliciou, recompondo-se. Tôda
Sua meiguice esvaiu-se como por encanto. Afastou-se, mediu-a
num olhar demorado e disse pausadamen te, suspirando.
Então você vai embora
Lyeth ficou em silëncio,
CASSANDRA RIOS

fale assim do meu


Pobrezinha! Náo admito que
amor.
Sentiu raiva. Odio de si
O fugiu-lhe das faces.
riso
ela dizia a envergonhava. Por que
própria. Agora tudo que ela trisava a
estranho
malicioso e com que
seria? O tom
atrevido? Ela afas-
amor ou por causa do seu olhar
palavra voltou em seguida
da sala e
tou-se até a escrivaninha no canto
com um caderno na máó.
- Toma. Escreva ou melhor desenhe a perna-quebrada

aqui nesta fôlha.


e sentou-se no sofá,
Tomou o caderno das mãos dela
de revistas para junto de si.
puxando a mesinha apinhada
à sua frente. Cruzou as
Irez sentou-se n u m a poltrona
n u m m o v i m e n t o rítmico.
Ao deparar com o olhar de
pernas
sem querer, se fixou em suas cOxas agarradas
Lyeth, que,
ao vestido leve, que as torneava, descruzou-as e pigarreou:
_ Indiscreta! .
firmou as mãos em
Levantou-se, caminhou para ela,
ombros e fitou-a profundamente nos
olkos.
seus

Voce vai sentir saudades de mim?


Sim.
Muitas?
Demais.
Se eu lhe dar algo para ler, promete guardar segrëdo
Prometo.
leid
Nao mostra para ninguém? E será melhor que
em meio à viagem.
Lyeth vacilou. Sabia que não resistiria. Que abriria a
ria
carta tão logo ficasse sòzinha, porém quis crer que cumprit
a palaVra e jurou.

Lyeth virava-se na cama. O coração parecia querer fu-


gir-lbe pela bôca. Não conseguia dormir. Já estava aman
A VOLÚPIA DO P ECADo 73

"Lyeth querida:
Quantas vêzes
preciso dizer-lhe que a amo? Será
que nao sente
Não posso mat1s. loucura que
a
me invade,
que me tori ura?
Nao quero que se afaste
de m1m.
Parece-me às vézes que me ama, mas nunca d1z
nada.
Trata-me com
az uma amiga ou outra indiferença! Para vocé tanto
tanta
é a mesma coisa. Eu não.
só gosto de voce. Eu
to-me morrer.
Quando me fita
demoradamente. sin-
Lyeth, já sei. Você quer algo quente. algo
demonstre meu amor por vocé. que
Pois bem. ai está: Eu
a amo. Eu a amo.
Mesmo que se
vá, para muito
esquecere.
longe. jamais a

até breve, amor.


A Sua lrez".

Ainda não acreditava que lia. Não era possível. Essas


no
coisas não podiam acontecer. Com ela não. Não estava louca.
Ou talvez quem sabe . Os olhos se arregalaram
.

estaria ficandoo?
Sentou-se à beira da cama. O coração pulsava apressado.
faltava-lhe o ar. Que magia possuíam aquelas palavras
"Eu a amo Proferiu-as muitas vêzes.
Dobrou a carta e guardou-a junto. com a outra. Lá no
bôjo do vasinho de porcelana. O antigo vasinho, lustroso,
brilhando à luz da lua; böca largae recurvada, gargalo estrei-
to. E no bôjo esmaltado à rosa champanha, um par de ninfas
pintadas á ouro. Era a. única coisa bonita ali dentro. no seu
quarto.
Na manhá seguinte, para seu desespêro, misto de con-
tentamento, d." Consuelo comunicou-lhe que adiara a viagem
por mais dois dias. Teria então que enfrentar por mais êsse
tempo a jovem Irez.
Faria de conta que não lera a carta. Não acreditava nela.
Embora duvidasse mais profundamente dos próprios senti-
74 CASSANDRA RIOS

mentos. Achava absurdo e terrível o desejo que sentia de di-


zer-lhe as mesmas palavras, e chorar, chorar com ela.
Que imenso prazer provara quando Irez suplicara, qua-
se chorando:
"Não me deixe, eu morro". Quando uma vez dissera
que não queria ser mais sua amiga. Matilde continuava com
as estranhas advertências. Censurava-as por não fazerem nada,
por serem duas desocupadas. A sobrinha
A VOLÚPIA DO
PECADO
75
Vamos acabar com isso, Irez.
Não
sentimento ésser Explique-se. Eu não é possível. Oue
é
nosso compreender. compreendo. Não
voce escreve como se fôsse
como se estivesse apaixonada. Por favor,
um homem.
auer dizer tudo 1SSO. Vocë está explique-me o quue
me deixando
sei o que pensar e a ideia que faço de confusa, não
nada boa. Já disse que vocë, confesso, não é
essas coisas não
escrever o que sente. Vocë
se dizem. Näo deve
se
que o a
compromete. Já cheguei a pensar
hipnotismo estava deixando louca. Ainda bem quea
proibiram de ler tais livros e que deram
precisa ir ao médico. Creio sumiço a êles. Você
estáque muito doente. Afetou-a
essa mania.
Sim. Preciso de
temente,
um
psiquiatra -

choramingou tris-
76 CASS ANDR A RIOS

melhor. mentiras. Explique-se, Irez, por favor. Diga clara-


mente o que quer.
Eu não posso. Nao sei o que falar. Escrever é mais
ácil.
- Pois entao escreva pela última vez. Será melhor aca-
barmos com isso. Estou perturbada com tantos absurdos. Não
vale à pena ser sua amiga. Sabe por que também? Porque não
gosto nada das conversas incompreensíveis de sua tia Matilde.
Se fôsse só você. . não compreendo nada do que ela fala,
também. Diz que eu não devia ser sua amiga, a razão nunca
expôs. Que complicação, meu Deus! Chego a pensar que tudo
isSo é exclusivamente por minha causa, porém não encontro
um motivo. Não fiz nada para que alguém, assim sem mais
nem menos, faça mau juízo de mim. Estou ficando louca!
Este é mesmo um caso para psiquiatra!
Nos lábios desenhou-se-lhe um sorriso irônico. Agora,
absurdamente dava acôrdo por que Matilde agia assim. Ti-
nha ciúmes de Irez. Sabia quais os sentimentos da linda
so
brinha. Talvez fôsse ela a culpada disso.
Voce prometeu que não daria
ela falasse. Bem sabe como ela é.
importância ao que
Sei sim. Agora sei. Por diversas vêzes ela chamou-
me para
perguntar se você ainda pretende estudar balé às
escondidas. E disse também que eu tomasse muito cuidado
porque se seu pai descobrisse "as coisas", mataría todo O
mundo. Mas descobrir o quê?
Que coisas?
Minha tia está louca varrida: declarou
num acesso de raiva. gravemente
Lyeth
calou. Falara muito. Talvez mais
do que devia.
Irez estava tão
tremula! Os olhos azuis
se má, como negavam que ela ros
supunha. Irez, estava certa disso, nem sabia
que se passava. Sua elevada sensibilidade, as
Matilde, as
conversas com d."
insinuações a
mentos eram causa de tantas
Maagot, os seus próprios sent
dúvidas.
A principio
rejubilou-se por crer que Irez no
que parecia ser, Porém, de súbito, invadiu todo seu serera
uma
tristeza inf1nda, sentinido que
perdera. algo mais do que su
A VOLUPIA DO PECADOD 77

algo que nunca inspirara a alguém: "Amor". O mis-


le
desvendaria de maneira tão estranha.
tério que
Ouis falar mas a VOz estava presa na garganta,
78 CASSANDRA RIOSs

Não é, não. Bateu o pé raivosa expressando um


receio que fêz Lyeth rejubilar-se.
E sim.
Lenita nesse momento entrou na sala e perguntou, olhan-
do indignada para o rosto descomposto de lrez.
-
Que é isso? Que é isso, meninas? O que foi que
aconteceu?
Desafiando-a com um olhar cheio de dúvidas, Lyeth di-
rigiu-se para Lenita:
- S u a irm escreve cada bobagem. Leia.
Estendeu-lhe o papel que amarrotara na maO.
Irez levantou-se rápida e arrancou-o
furiosamente das
mãos de Lenita, num gesto brusco. Com voz chorosa
e trê-
mula ameaçou Lyeth que
ágil o reavera,
A VOLUPIA DO PECADO 79

Conseguindo agarrar Lenita pelo braço, Lyeth fê-la pa-


rar e entre risos e gritinhos nervosos agarraram-se numa luta
desenfreada.
Lenita erguia os braços sôbre a cabeça delas, exibindo
caderno.
na mao o
Num esiörço supremo, entretanto, Lyeth conseguiu
reave-lo.

Ofegante Lenita jOgou-se sôbre o sofá.


Riram-se da cara feia com que Irez as fitava. Aturdida,
não ousara aproximar-se delas.
-Voce suou um bocado, náo? - gracejou Lenita.
- Porém venci. - E assim
80 CASS A NDR A RIOS

E é assim? Só assim que se despede de. mim? Sem


um beijo? Sem nenhum abraço?
Sorrindo Lyeth abraçou-a e deu-lhe um beijo medroso nas
faces. Afastou-se com o coração pulsando como nunca. Sen-
tira uma louca emoção quando o corpo da outra se colara todo
ao seu num apertado abraço. Irez sorriu bem junto de sua
boca, e seus dentes perfilaram-se num sorriso fascinante, um
riso triste.
Sorria novamente, Irez, você fica tao linda quando
Sorri!
Não posso. Como poderia sorrir? Afastou-se lenta-
mente,
A VOLÚPIA DO PECADO 81
ilusoes. o amor
que fora apenas Sonho. O amor a
sagrara toda a existência. quem con-
Era necessário que Irez soubesse
que era correspondida,
que era amada também. E se não sabia
fazê-lo de outra for-
ma dedicou-lhe a sua
poesia. Agradeceu a inspiração
doce que ela lhe dera. agro-
Tinha receios porém,
de que a fantasia se
desfízesse. Irez
provàvelmente rir-se-ia dela. Era tão estranha! Nunca sabia
o que pensava realmente.
No tinha certeza de nada.
Sim,
provavelmente até risse de seu absurdo amor. Só The restava
c anseio infinito de
conhecer a
sua desde que föra ela interpretação
poesia, lhe
que ela faria de
do sentimento que de amizade
quem despertara a malícia
já não lembrava nada.
CAPÍTULO XII

recebia u m a carta. Era


Dois dias após a viagem Lyeth
de Irez. Ficou surprêsa. Chegou a indignar-se.
Que diria ela?
Irez lera. Estava com
Falaria da poesia? Não vira quando
despedir-se.
muita pressa. Quase nao tivera tempo para
con-
Irez não tão indignada como surprësa; ao
estava
acreditava também nas suas
trário pedia-lhe que voltasse. Não
sentimentoo
palavras. Enfim tudo n o passava de poesia. Seu
um fim a tudo, tudo
não passava de um pretexto para pôr
nada. Queria também que lhe explicasse melhor.
que ainda era
receio de estar interpretan-
Compreendera, sim! Porém tinha
do errôneamente palavras poéticas, dando-lhes um sen-
aquelas
tido que elas não tinham. Teimava que seria inútil fugir-lhe.
deixaria nunca.
pois nao a
Lyeth alucinada. já nao lia. Ouvia a voz suave e meiga.
Ficou trêmula, emocionada, pulsou-Ihe acelerado o coração.
Alertaram-se-lhe os sent1dos numa angústia, num dese jo de
te-la todinha a si. E a suave voz de Irez foi
A VOLUPIA DO
PECADO 83
temEo parou no dia de Sua
eu me lembro,
partida. Mesmo que não volte.
lembraret sempre de
me
voce".
Ninguém poderia mudar o sentido das
espontâneas, gravadas naquële papel. palavras, firmes,
dize-las, nem ela mesma, embora numaNinguém poderia des-
ainda se negasse a acreditar no que sentia.inquietação fremente
Leu. Releu. Passava por um
momento
emoções, cheio de apreensões, de um viver cheio de inéditas
deveria terminar tudo. A razão tinha desesperançado. Ai
que vencer o apêlo do
coração. Jamais voltaria a lhe falar. Não
do que já estava queria sofrer mais
CASSANDRARIO
84

"Meu anmor! Não sei por que me enamorei de você.


"Por que não prova que o batom sai?
Tudo ecoara em seu intimo de uma maneira diferente,
estranha, como o som de sua voz e a expressão do seu olhar,
tão esquivo na presença de outros. Quando falava baixinho
levava o dedo indice aos lábios, pedindo-lhe silêncio e que
também falasse às escondidas. Tinha muito mêdo do pai.
ouvir".
"Papai não gostava, papai era desconfiado, papai podia
Desconfiado de quê? -Nunca obtivera resposta às
perguntas cheias de indignação.
Tornou a chamá-la mentirosa. Foi ent o que percebeu
o quanto enganara a si própria.
ansiosa por revê-la,
A VOLÚPIA DO PECADO 85
Dizia-1he que assim mesmo nao a deixaria
que era dessa maneira que ela a nunca, por
queria, Seria inútil continuar
Jutando.
Jutando. E suplicava- Não me deixe.
por favor, senão
morro. Bem sabe que eu a
quero mats do que tudo que há
no mundo,
compreende? Sim.
ela bem sabia o que a atormentavaLyeth
-

bem a
compreendia,
pois era o mesmo
enlouquecia. Sentiu medo profundo pelo
um que a
tecer àquela jovem que poderia acon-
que ameaçava matar-se se a deixasse.
pranto gelou-se-lhe no rosto. Estava doida de O
Como era possivel uma
atração indignação.
mútua entre duas mulheres
que se conheciam há to
aquele que lhe trazia como destino tempo?!
pouco Que mundo era
um amor
Quanto pavor contra si própria. Que loucura tão misterioso?
ver-lhe aquela carta! Precisava cometera ao escre-
mais forte
reavê-la. O mêdo agora era
que tudo.
Procurou-a quase que
inconscientemente. Irez riu-se dela.
Lyeth quase chorou
gasse a carta,
suplicando vivamente que ela Ihe entre-
86 CASS A ND RA RIOS

Decepcionada procurou ainda justificar o riso sarcástico


de Irez. "Talvez ao tê-la visto voltar, tivesse pensado qque
ela, humilde, fósse dizer-lhe que a amasse livremente porque
não fugiria mais. Ao confirmar o contrário, vingara-se: Lem-
brava-se bem da expressão de sua face. Contraira-se quando
Lyeth Ihe pedira a carta, entristecera quando dissera que era
mentira.
Atirou-se sôbre a cama. Chorou deseperada. Lutando
ontra os pensamentos, num desesperado estado de confusas
apreensões.
Na manhä seguinte acordou febril. A cabeça pesada.
Doía-lhe o estômago. De vez em vez um soluço lhe convul-
s1onava o peito. Parecia ter levado uma surra tanto Ihe doía
o corpo. Levantou-se a custo. N o queria que se apercebes-
sem de seu mal-estar. Ficariam
preocupados e telegrafariam
para a me. Sofria os mesmos sintomas que quase a tinhamn
impedido de continuar os estudos. A mesma dorzinha aguda
picando-Ihe o peito, as costas,
A VOLUPIA DO PECADO 87

A mim pouco importa. Até logo.


Entrou e fechou a janela sem dar-lhe tempo para dizer
mais alguma coisa. Estava fel1z por ter feito o que
Não saiu mais Com receio de encontra-la novamente. pretendera.
À noite d." Amália foi visitá-la. Estavam
conversando
sobre os bilhetes de lrez. A gentil senhora advertia-a, acon-
selhava-a que voltasse para junto da me que deveria estar
aflita com a sua súbita partida. Uma batida leve na
deixou-a em
porta
suspenso como se adivinhasse quem fôsse. Era
Teresa, a empregada de Irez. Mandou-a entrar.
Vim apenas trazer êste bilhete da
parte de Irez.
- Não leia. D.a Amália arrancou-o de suas máose
desdobrou-o.
Não responda. Não deve responder.. Onde
já se viu?
De-mo. Devo saber o que ela quer. Pediu aflita.
Ansiosa devorou num segundo as poucas palavras que a
arremessaram num mundo de suplicios, congelando-a até à
medula dos ossos de tanto pavor:

"Lyeth querida.
Matilde leu a carta. Estou com mêdo. Ela proi-
biu-me de sair e de falar com vocé, se eu o fizer con-
tará tudo a papai. Que devo azer? Vão se esqueça:
-
Eu a amo.
Responda, por tavor
Irez".

Responder o que?! Que também estava com medo?


eo eu importância aos protestos de d. Amália. O que
reveu foi rude. Irrevogável. Proibiu Irez de dirigir-Ihe mais
a iaComo aquelas. Foi o grito rebelde do pavor contra
petuosidade da paixão depravante que estava a Consu-
mi-la.
"Não me aborreça. Não me procure mais, não tenha
O quanto às suas cartas, pois quardarei segreao, promeO.
eto-a. Não
quero mais ve-la."
88 CASSA NDRA RIOS

Na manhá seguinte sentia como se outra alma que não


a sua lhe houvera tomado o corpo. Desfilavam pela mente
todas as cenas imag1náveis. Indiferente, disposta a enfrentar
Irez como a um inimigo, ou como se nada houvesse aconte-
cido. Se Matilde Ihe falasse não daria importância às suas
conclusões que deveriam ser piores do que a própria realidade.
Não soube adiar o momento da afronta. E quando
encontrou com ela, provou o veneno de sua lingua viperina.
Rusticamente Matilde Ihe dirigiu palavras brutas:
Você não presta.. . é uma viciada. Irez é uma
pobre ingënua. Uma criança que não entende dessas coisas
sujas Sem-vergonha! Você é umna.
Nesse ponto o sangue afluiu ao rosto de Lyeth. Já não
conteve a revolta. Agarrou-a pelos braços e sacudiu-a violen
tamente.
Você vai provar o
que.está
A VOLUPIA DO PECADO 89

Tornou-se irrequieta. Nao


conseguia ficar parada, pa-
recia um passarinho perdido a esvoaçar sem
encontrar o rumo
certo. Caminhava pelas ruas, absorta. Sem
sentir o frio. AAs
calçadas molhadas pela garoa fina das noites paulistanas, os
telhados das casas refletindo-se no châo formando
a0s seus olhos também umedecidos. Tudo era fantasmas
recia estar cada vez mais longe, assustador. Pa-
ante a janela do sobrado. Nao
porém encontrar-se sempre
1a
compreendia os acenos de
Irez. No respondia. Deixava-a cansar-se.
Sentia a irradiação
do seu amor, repelia-o e embora os
olhos a procurassem
num impulso irresistivel no a deixava aperceber-se disso.
Não queria amar dessa maneira. Essa
rigoso, 1nseguro.
espécie de amor era pe-
Se Irez a amasse
realmente, como dizia, sacrificar-se-ia
por ela. Contaria a verdade, embora
taria de ingênua a sentisse mêdo. Não se
ponto de negar que lhe esrcevera. Matilde,
desconfiada das palavras que
damente, num momento de
Lyeth deixara escapar irrefleti
Irez desespêro, interpelara sobrinha.
a
fingira surpresa e
negara convictamente ter escrito qual-
guer palavra, uma letra sequer que
pudesse fazer alguém
duvidar.
Teresa he havia contado tudo.
Lyeth porém, novamen-
te arranjou uma desculpa paia a atitude de Irez. Ela mesma
navia negado o sentido da carta que escrevera, por have-
ria Irez de afirmar o'que fizera? Tinham ambas que o mesmo
receio.
Continuaria a evitá-la,
fazê-la sentir seu desprëso e
a
Yue seria
inútil insistir. Nada poderá existir entre elas, nem
ESmo amizade, nem um olhar demorado, nem uma espe-
rança.

chaerta manhä, ao passar pela casa de d." Margot, esta


S O-a da janela olhando para os lados como a temer que
alguém a
urpreendesse no ato do chama
a0 Stranhou a voz abafada que parecia segredar seu nome
convidá-la a
entrar.
90 CASSANDRARIoS
Lyeth, venha aqui! Preciso falar com você. Suba.
A porta está apenas encostada.
yeth empurrou a porta de madeira envernizada, atraves-
sou o "hall", subiu as escadas, alcançou o corredor no funddo
do qual era esperada.
O que a senhora quer?
ente-se. Tenho algo muito importante para lhe
contar.
Do que se trata? perguntou cada vez mais curiosa
e intrigada.
Lembra-se de quando a avisei para que se afastasse
daquela moça? -Lyeth assentiu, movimentando a
cabeça.
Agora pouco a mae dela esteve aqui, perguntando-me o
que sabia eu de sua vida .
Se vocë presta
O quê?!!!- Exclamou indignada. Debruçou-se
para ela, a face pálida, os lábios lívidos. A voz de
ressoou gravemente.
Margot
Pois é. Falou-me de você a três por dois. Que sua
amizade é nociva para a sua adorada
filhinha, tão ingênua
que até os anjos se envergonham por serem mais sabidos
ela. Acentuou com sarcasmo. que
Aborreceu-me com perguntas
tao imbecis
que quase a enxotei daqui. Admira-me muito
iSSO tenha que
acontecido, eu a adverti tanto. For que n o seguiu
meu conselho?
-Não sei, respondeu com voz rouca. D."
SOu a mao pelos seus cabelos e deu-lhe uma palmadinha Margot pas
no
ombro.
Francamente não posso
compreender como se
prometeu assim. Voce com
escreveu mesmo uma carta?
EScrevi. Não sabia o
que estava
A VOLÚPIA DO PECADO 91

rebuscar sua vida privada, mostre-ihes a carta, os bilhetes que


Irez escreveu. V era como tudo se arranja, como tudo se acal
ma. Como elas SOSsegam o rabo.
De pé, apoiada na porta, os lábios descorados e trêmu-
los, respiraçao arquejamte, dominada por intenso desânimo,
Lyeth pediu com voz abafada, tão baixa que quase não dis-
tinguiu as palavras.
-
Não diga nada para mam e.
Atertorizava-a pensar no que poderia acontecer se d.a
Consuelo ou alguém de sua família soubesse. Que desgôsto
maior poderia dar à sua me se lhe dissessem que sua filha
se tornara uma companhia nociva para alguém? Uma só pessoa
que fösse. Sentia-se desfalecer pouco a pouco, completamente
aniquilada, vencida pelo desespêro. Desde entäo passou a con-
tar os minutos, as horas, os dias que aprox1mavam o regresso
da sua mae. Reteve durante todo o tempo que a esperou, um
Soluço que por diversas vêzes lhe sacudia o corpo, sem que
vertesse uma lágr1ma sequer.
D. Consuelo chegou. Lyeth empalideceu quando ela per-
guntou
- Que tem? Está febril. Sente-se mal?

Não que sinto. Prorrompeu num chôro


sei. Não sei o
Convulsionado que assustou a todos. Fizeram-na deitar-se.
T'arde da noite chamaram o médico. A febre aumentara de
deixá-la inconsciente. Mur
uma maneira incrível, a ponto de
tava cOisas que ninguém compreendia.
Dois dias depois ainda estava de cama. Os olhos para-
ddos pela febre intensa que parecia të-los queimado.

Quando já se sentia bem melhor a me começou a in-


ter pe Tentou responder, mas nao conseguia coordenar
pensamentos. Doía-lhe a cabeça.
Afinal que história é essa de carta que Irez escreveu?
Ou foi você?
poesias. Crônicas. Mas como é
que a
Bobagens, mamae,
senhora sabe?
D " Amália contou-me. Será que vocë escreveu algu-
ma coisa obscena
92 CASSA NDRA RIOSs
Não é nada disso. Apenas bobagens, repetiu, boba-
gens
E era preciso ficar doente por causa disso?
Não foi por êsse motivo. Eu já estava sentindo-me
mal há bastante tempo, lembra-se?
DConsuelo guardou silêncio e retirou-se do quarto.
Lyeth cismava. O que faz a fôrça do mêdo! Quanto
mais a fazia sofrer aquela mulher. Mas assim mesmo em seus
de Irez que se infril-
devaneios ainda predominava a
tara em sua vida de maneira tão
silhueta
grotesca.
Lembrando-se das frases amorosas, sentiu um delicioso
torpor apoderar-se- hbe do corpo "Que estranho Como era
possivel uma mulher amar a outra mulher?"
T'ais pensamentos agravavam seu estado. Cansada por
fim, imergiu num sono profundo.
Anoitecia, d." Consuelo acordou-a para que tomasse o
remédio.
Lyeth sentia-se ainda imersa numa profunda lassidao.
A VOLUPIA DO PECADO 93
tau Os dedos iinos de sua mao, sen tiu -a
estremecer como
sC a houvesse atravessado uma corrente elétrica.
Sim, respondeu emocionada. ruzou os bracos sôbre
o peito com rece1o de erguë-los
para ela e que então ela se
fôsse, que desvanecesse como se föra
se
uma deliciosa visão.
Ali estava lrez, à sua frente como no sonho
tantas noites. E como se
que a embalara
esboçasse um beijo, deixou afluir
aos lábios o nome que tantas vëzes
Irez.
repetira baixinho:
Seguiu-se breve Silencio e junto dela uma voz vacilante
sussurrou num sopro:
- Que é?

Instintivamente imergiu a mo sob o travesseiro trazen-


do os bilhetes que ela escrevera e num fio de voz ofereceu:
Você os quer de volta?
Não. Guarde-os. Não dizem nada demais.
Era a resposta para tôdas as
dúvidas. Ecoou em sua alma
como efeito de um
veneno. Uma
gente, apertou-lhe o
angústia desconhecida, pun-
coração. Estrangulou um soluço na gar-
ganta contraída. Tentou sorrir.
Irez fitou-a com olhar aflito. Tôdas as linhas de seu
rosto
Se modificaram num desespêro recalcado. Parecia querer dizer-
he
algo, uma extraordinária revelação e sussurou apenasS:
Eu confio em vocë.
Lyeth sentiu-se tão emocionada quão desiludida momen-
antes. Como estava pálida! Como o rosto dela se revestira
Virmento e como tremiam seus lábios. O olhar que se des-
CAPÍTULO XIII

Os dias passaram velozes. Irez náo mais foi visitá-la.


Lyeth, porém, apesar de sentir falta de sua presença preferiu
que assim fôsse. Bem sabia que ela só Ihe traria desesperos.
Certa manhá estava sentada na varanda quando, ao olhar
sorrateiramente para a casa de Irez, surpreendeu-a a observá-la.
Irez escondeu-se ràpidamente. Lyeth fez o mesmo. 1rrefleti-
damente, quase que ao mesmo tempo que lrez, tornou a in-
clinar-se. Seus olhos se cruzaram num olhar tímido, cheio de
nervosismo. Cumprimentaram-se. Fitaram-se ainda por um
instante e fugiram sem dizer palavra, num mesmo impulso.
Nas diversas vêzes em que se encontraram novamente,
apenas se comprimentaram. Um reciproco receio impedia-as
de se aproximarem. Os olhares que lrez lhe enviava eram
comunicativos, porém Lyeth os evitava sempre.
Uma noite, sentindo-se tomada de uma indizível me-
lancolia e nao resistindo mais à saudade
que a tormentava.
desceu as escadas da varanda e foi sentar-na gradezinha do
jardim, onde tantas vêzes se encontrara com ela. Alimentava
a
esperança de e-la uma só vez. Não seria necessário
Ihe. Bastaria vê-la. Náo demorou falar
casa dela bater.
muito, ouviu a porta da
Pensou aflita: "Será ela?" Como
seus resposta a
pensamentos, Irez surgiu no portao. Ficou como
hipnotizada. O olhar prêso na exótica figurinha. Irez qe
a seu lado e passou
cumprimentou-a com um aceno.
Seguiu-a com os olhos até ve-la sumir-se ao
esquina, Pensou então em ir embora, dobrar a
a espera de porém parecia prësa ai
que ela voltasse. Os
passos de Irez ressoaram
A VOLÜPIA DO PECADo 95
calçada novamente. Sentiu-a
yOz dela repercutiu por todo
aproximar-se. E finalmente a
o seu ser.
Que frio faz! Não acha?
De fato, hoje está
96 CASS ANDR ARI OS

Eu nao menti. Foi você sòmente quem mentiu, paraa


rir de mim. E fique
A VOLjPIA DO PECADO 97
minha de cabeça erguida, passa cima de tudo, nada
derrubá-la. Isso quando se tempora consciencia pode
melhor não dar importância a coisas
é tranqüila. O
como essas.
crer que para se ser feliZ
nao se Acabei de
deve confiar em
Quanto
voce, Irez, será melhor deixar de
a ninguém.
Oh! Como eu detesto minha aborrecer-me.
tia. Ela é a
Uma intrometida. Pensa
que manda em mim. Por
culpada!
Lyeth. favor,
Não, Irez, será melhor você não falar
creia. mais comigo,
Não fale mais assim,
deixo. Prefiro morrer. Seria inútilporque nao adianta. Eu no
praa Lyeth negar. Não con-
seguiria ficar sem falar-lhe. Ouvi-la,
vras era um
suplicar por suas pala-
prazer que não cansava. Vencida,
concordou. por fim,
Chamou a
atenção dela para
ximava.
um homem que se
apro-
Está bem, mas vá
agora
do. Presumo que tem mêdo embora. Seu pai vem vin-
que êle nos veja conversando de-
pois do que se passou.
Sa
Vá depressa e lembre-se quem avi-
amigo é.
Os olhos dela
Sussurrou:
chisparam de raiva, mordeu os lábios e

Você é muito má. Ruim.


Eu sei disso.
Continuará falando comigo?
Eu disse que sim. Vá embora, antes que ele
mais perto. chegue
Como quiser, mas creia que nao há nada demais
que papai nos
veja.
E Irez afastou-se depois de fitá-la intensamente.
CAPITULO XIV

Todas as noites à mesma hora, Lyeth sentia-se impelida


a gradezinha do jardim à espera de
Irez. A luz do quarto
para
avisando-a
dela acendia-se, sua sombra refletia-se na janela,
o quarto tornava a ficar às
que Irez a espiava. Pouco depois
escuras. Um espaço de tempo para descer
as escadas, e então
a porta abria-se e ela saia. Enganavam-se mutuamente fingin-
com indiferen-
do surprësa ao se verem. Cumprimentavam-se
sa. Irez descia até a farmácia para tomar injeção e sómente
na volta parava a seu lado: Pouco falavam. Bastava seus olhos
encontrarem-se para que elas emudecessem. E uma noite Irez
demorou-se mais com ela. Contou-lhe que na próxima se-

mana, no dia nove, faria anos. Dezenove anos.


Muito bem. Sinal que o tempo está passando e que
você continua
A VO. ÚPIA DO PECADO 99

Ouem? O Antônio? Ele não volta mais. os


homens
não sabem amar. Eu gosto de vocë por muita gente. Mais
do que você pode imaginar, nao crêr Seus olhos
lampejavam.
Você é uma tola. Não sei por que fala ainda
-

Eu ouço sempre sua tia brigar por minha causa. comigo.


Ela me
detesta por muita gente..
Ela é uma idiota.
Eu é que o sou. Eu nao devia. eu nao devia
-
O que? Irez melancòlicamente
acercou-se dela.
-Falar com vocë.
Não fale assim, pelo amor de'Deus, não fale assim...
Você deveria ser mais orgulhosa. Se o fôsse não
cisaria estarmos nos ofendendo sempre. Por pre
que nao deixa de
falar comigo?
Você é mesmo muito má. Sarcástica! Sofro muito
quando você fala assim.
-Desculpe-me. Não ligue ao que digo. Sou assim,
. .
Não continuou.
A sombra de um sorriso passou pelos lábios de' Irez.
que completou:
assim mesmo que eu sou.
Riram juntas. A simples frase
aproximava-as novamen-
te. Tornaram a rir. Um riso recalcado com gôsto de lágrimas.
Despediram-se com menos ressentimento. Como se tudo de
mal estivesse
esquecido. E passaram tôdas as noites que se
Seguiram a encontrarem-se quase que premeditadamente.
Pelo
prazer de sentir-se espiada, muitas vêzes Lyeth encondia-se
0D a arvorezinha que pendia sôbre a grade do jardim. Comno

ao enxergasse o suficiente pelas frestas da veneziana lrez. abria


janela meio às escondidas, com muita precauço. Quando
dllnal a
divisava, provàvelmente envergonhada, demorava-se
un
pouco mais para sair, simulando indiferença.
erta noite Irez saiu em companhia de Matilde. Quando
Pdssou por Lyeth, olhou-a de soslaio, mas não a comprimentou.
yeth sentiu-se humilhada. A verdade, como se despertasse.
- l h e em sua inteireza. Que papel ridículo estava fazen-
a n t a s noites teria ficado ali, inconcientemente a espera
C Z , como se aguardasse a chegada de um namorado? Era
100 CASSANDRA RIO S

incrivel que só agora compreendesse o que lhe acontecia. Não


poderia haver meio têrmo. Era terminar com tudo antes que
a
situaço se agravasse. Nao deveria importar-se com as sú-
plicas de Irez. Condenava-se a si própria, falando com ela
quase que às escondidas, como se fösse cumplice de uma
criminosa.
Foi para casa. Há quanto tempo não dava
importância
para mais nada, ficando trancada no quarto para pensar em
Irez e saindo ao portão
para esperar lrez
Vida entre pensar e
esperar, o que era a mesma coisa, porque
estava
A VOLÚPIA DO PECADo 101

e Boa oportunidade para esclarecer -se


vidosa. Imediatamente Lyeth uma
situação du-
Não ponderou:
vá, nao. Eu
-

e 'Irez não
temos segrêdos. Não
creio que haja algo entre nós para se
conversar
Teresa porëm obedeceu à ordem brusca
em
particular.
troazinha.
da jovem pa-
-Não ouve? E minha
cia. Parecia-lhe dificultoso falar,empregada,
porém
deve-me obedien-
to de passado
meditação, perguntou-lhe magoada.
um momen-

Lyeth, por que procede assim comigo?


Mas assim como, criatura de Deus?
Evita-me. Finge. não me ver!
-

Hoje quem fingiu foi você.


Estava com Matilde, fiquei com mêdo.
Você
alguma culpa no cartório para sentir-se
tem
assim? Ouça, Irez. Eu no
preciso de permissão de ninguém
para falar com voce, porque
zade. quer sou eu quem não sua ami-
"Eu", compreende? A indignação vibrou num tom
promiscuo forte de desprêso e rancor.
e

Lyeth. . Foi como um soluço.


.

Não adianta insistir, desta vez estou resolvida. No


POSSO crer que minha amizade Ihe faça tanta falta.
Como me faz sofrer!
Pouco importa, mesmo porque nao acredito. Dei-
Xe-se de mentiras.
Como você está rancorosa! Pelo amor de Deus
nao fique assim.
Afinal, por que você se empenha tanto em querer
forçar-me a algo que não pode ser? Por que insiste tanto em
Ser
n a amiga mesmo depois de tudo o que já Ihe disse?
O
mesmo
Porque . . não sei. Ah! um dia ainda há de sofrer
que eu então me Vingarei,
Ah! Ah! Quando chegará êsse dia? O riso res-
D arcastico, mas um sarcasmo vibrante de desespêro, de
neurastenia.
Ao menos responderá aos meus cumprimentos?
Olhará para mim
Omente uma alma muito empedernida não se como-
102 CASSA NDRARIOS
veria ante a
pergunta enternecedora; para Lyeth, que sentia
transpassar os limites da sensibilidade, foi dificil, dificílimo
conter as lágrimas, continuar falando no mesmo tom, para
não trair-se.
--Faz tanta questo assim?
Mais do que imagi1na.
Irez, até hoje você ainda nao compreendeu
nao quero ser sua porque
amiga como antes. Não é por causa do
que aconteceu, mas creia que é para o seu bem. Eu gosto de
liberdade, de ir a lugares onde me sinta bem, onde não
uma pessoa
haja
que me queira mal. Em sua casa nunca se podia
falar alto, voce de tudo fazia mistério. De suas
viu o que surgiu? Eu gosto de voce, brincadeiras
muito mesmo. E por
1sso que me aborreço
quando ouço sua tia brigar por minha
causa. Até sua irmá Lenita se
está tornando antipática co
migo.
E
impressão. Ela gosta muito de vocé. Nunca deu
razão à Matilde. Não procure mais motivos.
Continuara
conversando comigo, um pouquinho só?
- -

Está bem, Irez. Está bem Assim sera.


CAPITULO XV

Doismeses se
passaram depois dessa noite. Os protestos
de Lyeth não eram convincentes. Nem ela
mesma sabia ex-
plicar a falta de domínio sôbre si. Eram desconcertantesas
palavras rancorosas que lhe continuava dirigindo. Reflexo
de uma revolta íntima em combate ao
estranho sentimento
que crescia dia a dia, sufocando o desejo de dizer-1he muitas
vêzes: Eu a amo. Eu a amo. A ansia de
sua voz era cada vez mais
vê-la, de ouvir
forte que a razão. A seu lado as
horas ficavam esquecidas. O
tempo não era tempo: A pró-
pria vida parava. Parecia uma môsca a debater-se nos fios
VISCOSOS de uma teia no centro da
Trez a
qual, como uma aranha,
esperava com os braços abertos para envolvê-la e
arrastá-la consigo para um inferno
um misticismo irreal.
que era o próprio paraiZo,
Não foi sem razão que sentiu
disse alegria quando Irez Ihe

Sabe? Titia foi embora. Não voltará mais e ama-


nha
começarão minhas férias.
E que tem isso?
Lyeth sempre dissimulando.
estou
Poderemos encontrar-nos mais vêzes. Passear .
cansada de ficar sempre aqui neste porta.
P o r isso, náo. Vamos dar um passeio por ai?
dubiram a rua com passos vagarosos. Quando se afas-
dram mais, para os lados da Casa de Saúde, Irez tomou-lhe
Oraço. Lyeth estremeceu ao seu contato. Há tanto tempo
n a mão. lhe tocava. Tinha certeza que Irez sentia as
Sas sensações que ela estava sentindo. Os olhos dela esta
an cheios da ternura que tanto a emocionava. Os olhos
104 CASS A ND R A R I O S

meigos que penetravam dentro dela com uma fôrça hipnó-


tica, amedrontando-a inexplicàvelmente. Foi Irez quem cor-
tou o silêncio.
Sabe, Lyeth, sonhei . sonhei
Fale. Sonhou o quê? A ansiedade pisava em suas
palavras.
Com voce. Que eu venci a aposta. O batom n o saiu.
Olhou-a bem nos olhos, nem percebeu quando disse:
mpossivel! Deve ter saido.
Pois nao saiu e nao sai.
Você continua insistindo, até parece que é pretexto.
Pretexto para que?
Para que . eu beije voce.
Irez ficou em silêncio. Lyeth nao procurou ver a ex-
pressão de seu rosto, envergonhada consigo mesma.
Esqueça o que eu disse. Estou ficando tonta. E
não toquemos mais no aSsunto. Faça de conta que vocë ga-
nhou mesmo.
Está com medo de perder?
Não me desafie, que eu provo
Você náo tem coragem.
Com o coração pulsando descontroladamente. os lábios
ressequidos por um desejo que a assaltou de súbito. as maos
trêmulas de Lyeth agarraram as dela. Puxou-a para a escuri
dão de um terreno baldio.
Venha. Vou beijá-la.
Irez seguiu-a. Soltou-Se de suas mãos e parou à sua
frente esp rando,
A VOLUPIA DO PECADO 105
Lveth. Sentaram-se na sala de visitas. Ainda
sem saber o que dizer. Ligaram o rádio. Não continuaram
cado palavra que explicasse a situaçao de ambas.haviam tro-
dançavam tão juntas, tão unidas que agora
O h ! Lyeth. Estou tão aborrecida .

SOu tao in-


feliz!
Por que?
E um segredo que tenho.
Gostaria de saber o
que é. Não quer confiá-lo
mim a

Já sabe do que se trata; há muito tempo


finge ignorá-lo. porém,
Quer
dizer que faço parte dêsse
Sim, fingida. Sabe muito bem segrêdo?
-

Palavra de honra que não que sim.


Como mentia! Mentia a si imag1no sequer que seja.
o

enchia-se de dúvidas. Fugia à própria. Fugia à verdade.


tro: "Ela me ama, é êsse o resposta, que lhe gritava den-
seu segrêdo!" Mas Irez não
da maneira falava
que ela queria ouvirI.
Sofre porque não querem que vocé fale comigo.
pois não?
Que absurdo! Isso não, juro.
Então o que é? Conte-me. Morro de curiosidade.
- Não posso.

I omou
para o
o
pente que ela segurava nas m os e
apontou
seu nome,
que Irez escrevera na borda.
Eu já sei. O segrêdo se resumne nesse nome que
Voce escreveu no
pente que lhe dei, no é?
E. Não .
nao é isso.
Afinal, é ou nao?
Não sei. Não me
pergunte mais.
Estå bem. Se prefere continuar com seus diiemas.
COntinue, não insisitirei. Agora será melhor vocé ir para
Casa, já é
tarde.
Não queria prolongar por mais temp0 a embaraçosa
conversa.
see ine. Tinha mêdo da resposta que ela daria a nergunta
insistisse em conhecer o segredo.
106 CASS A ND RA RIOS

Irez desceu as escadas lentamente, meditativa. Ficou na


porta, espiando-a. Subitamente voltou-se e chamou-a:
Lyeth! O meu segrêdo o meu segrêdo é você.

é você" Quantas vezes se negara


meu segrédo
a acreditar no que sentia, a crer em Irez, a decifrar as palavras
ditas a mêdo? Não sabia. De tôdas as maneiras ela já o
dissera, porém embora tudo se confirmasse cada vez mais.
Lyeth não queria, não podia acreditar. Seria por demais
divino o séntido daquelas palavras para ser realidade. Seria
por demais misterioso para ser normal. Estavam loucas as
duas para quererem-se tanto.
era admitido entre um homem e uma mulher. E como em
todas as outras, nesa noite não conseguiu dormir, prêsa aos
pensamentos estranhos em que se via nos braços de Irez,
A VOLÚPIA DO P ECADo 107

Sofro nuito, porm a amo, adoro-a muito, muito


mais,
compreende? Acredíta agora?"
Quase Ihe bateu. Arrancou as páginas do caderno, fez
um gesto para rasgá-las mas apenas as amassou. Ficou imó-
vel. Sentia o intenso rubor das faces. As
palavras ressoaram-
Ihe no íntimo com tamanha fôrça que a fêz cambalear. Irez
sussurrou-lhe ao ouvido:
E verdade, acredite! Abafou um
suspiro e deteve-se
derepente. Teresa chamava-a da cozinha. Houve uma longa
e expressiva
pausa e Irez deixou-a só entregue aos seus pen-
samentos. Como fôra oportuna a voz de Teresa.
Lyeth saiu
automaticamente a fugir como uma doida. O mundo era
no demais para conter seu
peque-
desespêro, as paredes do quarto muito
finas para que não ouvissem os soluços que lhe fugiam, e a
tarde mais longa ainda para
que não sentisse saudade dese-
jos de rever Irez. Forte demais a paixão que sentia para que
mais alto gritasse a voz da consciencia.
Os olhos de Irez exprimiam a ansiedade de uma
espe-
rada confissão. E nos olhos de
de dúvida, de
negros Lyeth uma sombra
descrença. Irez procurava abafar uma profun-
da emoção.
Você voce não compreende? Eu.. . Eu.
Ah! se você soubesse em que estou pensando. Se
Soubesse como interpreto suas palavras!
Nunca pensei que isso pudesse acontecer, é o pior
que pode pensar.
Está certa disso, Irez? Tem tôda a certeza?
Sim. E. amor. . . Você não crê.
Que loucura! Está louca! Não sabe o que diz. Vo-
ce está fora de si.
P o i s é verdade. Desviou o olhar, levando as maos
ao rosto.

Você me ama? Isso é incrível. Precisa mesmo de


um psiquiatra.

então que estava decidida afastá-la de


yeth sentiu a

sao queria amar, nem mesmo ser amada, porque era um


imento muito grande que acabaria por matá-la e desgra-
E toda sua família. Seria uma vergonha. O rosto transfi-
108 CASSA NDRA RI OS

um tom de desprezo,
gurou-se-lhe n u m riso indigno. Forçou assim à emoção
de ironia, de repulsa. Não devia entregar-se
febre Insultou-a. Ridicu-
assaltava como uma negra.
que a
larizou-a. Ela então quis defender-se, negar o que havia dito,
desdizer o amor que confessara.
diz? Convencida. Então voce pensa que a
Que me
mulheres? Louca é
homens amam as
amo assim como os

voce. Louca e hipócrita!


olhá-la mais
Lyeth segurou-a pelos braços, obrigando-a a

de perto.
todos dias. Não fuja à verdade
Não minta como os

atormento, porque não quero


acreditar. Diga
Sóporque me
a verdade.
-
Não vê? Você parece doida. Primeiro não acredita,
Oh! não sei! Porque é assim? Não vê? Não ve?
depois
Um brilho estranho passou-Ihe pelos olhos. Lyeth afastou-
se como se a tivessem empurrado.
Prendeu a palavra.
É éverdade? Você me.
- Não calcula o quanto sofro.
Tinha desejo de pedir-lhe que repetisse o que dissera
porque tudo lhe fugia, não ficava na mente.
Você não sabe o que diz. você não sabe o ue
diz. Extática, como em estado de choque, murmurara de-

lirante:
Tem razão. Mas já não posso ocultar. Ajude-mne.
Suplicou Irez. Seus olhos estavam cheios de lágrimas,
a voz apagada, sumida entre os lábios lividos, que tremiam
Que quer que eu faça?, perguntou irritada.
Nada que poderia fazer?
Isso mesmo. Que poderei fazer? Sinto muito. Va
esle
para casa. Eu me sufoco, não agüento. Veja. Sua irma
najanela, creio que vai chamá-la. Quer ver? Ouça: um
dois três.
Irez! A voz de Lenita soou forte.
Está ouvindo? Eu não disse? Vá. Vádepressa.
a faça esperar. Diga a ela que eu é que nâo quero vOce. ue
eu a desprezo. Que tôda a sua família me causa repugnan
A VOLÜPIA DO PECADo 109

Anda! Vá embora. O que está esperando? Que


mesmo
eu
diga o

Não Como me odeia


vou.
Irez desfalecia de má-
gua diante da indiferença de Lyeth.
Oh! Náo, Irez. Eu não a odeio. Se
fôsse ódio tal
vez tivesse um sabor diferente.
Vá Vá embora antes que eu
diga uma loucura. Amanhá tudo será diferente. Amanh nos
falaremos. Vá depressa, por favor. Já então, sua voz era
um lamento.
Até amanhá.
Lyeth não respondeu. Ficou a olhá-la em silêncio nos
olhos, onde transparecia um fulgor
-Não me olhe assim. Não me desesperado.
olhe assim, por favor!
Suplicou Irez comovida.
-Como quer que a olhe?
Que vontade tenho de chorar!
Vá para casa e terá um motivo.
está Veja já
sua irm,
no
portão, tôda nervosa. Não a deixe vir até
aqui. Tor-
nou-se fria novamente reagindo contra a
possuia. emoça0 que a
Irez voltou-se ligeira deu
ir-se, olhou-a ainda uma
e uns passos. Antes porém de
- Ajude-me.
vez
ajude-me a esquecê-la.
Lyeth ficou em silêncio, paralizada.

Um arrepio de terror agitou-a.


- Preciso livrar-me afirmou com apaixonada violen-
Cia.
Eu a amo! Amoa-! Oh. Isso nunca!-gritou num
protesto veemente.
dua alma desfêz-se numa vaga de amargura, desanimada,
Sufocada de indignação.
Nao me deixarei vencer pelas suas palavras. Ah! se
Pudesse decifrar essa mulher que vibra de impaciencia, de
amor. Pudesse
Congui adivinhar
porque ela se empenha
tanto em
Conquistar-me.
do, mas tal " A s suas manobras haviam dado resulta-
paixao he era inadmissível. Era to completa-
CASS A ND RA RIOS
110

mente diferente do amor que ela sempre imaginara. Queria


casar-se um dia. Ser feliz ao lado de um homem. "Um ho-
mem!" Pronunciou com voz trëmula essa palavra. Aper-
tou a cabeça num momento de desespêro. Pela primeira vez
na vida sentia algo estranho vibrar nesse nome. Algo que
Ihe pareceu desprëzo, rancor. E sem refletir porque, como
se repetisse o que alguém lhe ditava proferiu baixinh
Os homens nao sabem amar. lrez sabe. Irez me ama.

Há dez dias despedira-se dela


A VOLÚPIA DO PECADO 111

A noite o desejo ja a obsediara, era maior que


Foi à sua procura, pois sabia que a esperava. Sim Irez ainda
a razão.
estava na janela, a sua espera. Passou por ela e não conse-
guiu parar, nao conseguiu olhá-la. O corpo seguia-lhe a
elasticidade dos passos enquanto a alma se recurvava sob a
janela do sobrado, olhando-a,
CASSA NDRA RIOS
112

nunca a insana confissao e ninguém


O tempo nao apagaria desmenti-la.
poderia mudar-1he o sentido, nem
confessara, mas agora era
lhe
Quantas mil vêzes Irez já
diferente. As palavras porém eram as
O tempo lá fora mudava.
fora uma aragem perfumada
mesmasS, sempre as mesmas. Lá
refrescava o ambiente,
CAPÍTULO XVI

O meu diário fala só de meus


são sòmente seus. E um diário pensamentos. E eles
diferente porque fala de nós
duas. Porque no narra sòmente
tudo de minha alma. De um acontecimentos. Ele diz tudo,
segrêdo terrível. E você sabe.
meu segrêdo
é você
Começa assim: Foi no dia em que a
vi, no dia em
que lhe falei, no dia em que lhe confessei. O meu segrëè
do évocê.

28/4
São Paulo.
Querida Lyeth meu amor
Conhece música com estas palavras
uma
"Amar-te não devo, querer-te no
quero,
porem nao me atrevo a te esquecer.
Sao as mesmas
que eu lhe diria se pudesse falar-lhe
assim.
Sabe, meu amor, que tenho algo a dizer-lhe? Algo
ito divino que está ligado ao meu destino, que dele ja-
mais se
desprenderá? E você logo o saberá.
que a amo, meu bem, e queria tanto
que soubesse
amor. Mas não sei se você se alegrará. Tenho medo!
Amo-a tanto.
ue adorável seria se você me amasse! Ah! se soubesse
e u adoraria poder fitá-la nos olhos demoradamente
azem todos os namorados que se amam. As vêzes
Irib
olho-a urtivamente, sem que o perceba. Mas você não re-
Dui, não sente necessidade de fitar-me de olhar para mim.
114 CASSANDRA RIOs

meu amor, preciso ir-me daqui e nem sei quando


E agora,
voltarei. Nem sei se devo con fessar-Ihe ëste amor que sin-
to impossível. impossível .impossivel

4/7 trinta cinco mi:


Estou em Santos. São dez horas e e

nutos. Cedo ainda para dormir. E quanto tempo já passou


desde que fiz aquela louca confiss o .

Meu coração estremece todo quando penso na Sua

indiferença. Você conservou-se gélida. Em seus lábios, num

sorriso sarcástico se intensificava uma frieza apavorante. Fi


chorava que você sorria e com
quei trêmula. Enquanto eu triunfc
uma grande vitória, um
alegria. Que vitória! Sim é
Mais u m caso de
saber-se amada também por uma mulher.
Desta vez
entre os muitos outros que você já
teve.
amor
porém diferente. completamente diferente.

aceso de1xa uma réstea de luz nesta


O lampião pouco
fôlha. E
conciliar o sono. Sinto-me febril. uma
Não consegui louca
febre me provoca uma sensação
estranha. Que
que
deliciosa sinto inma-
me tortura. E que embriaguez
paixão lábios.macios colados aos meus. Estou perdi
ginando seus
êrro! Nao
E um
damente apaixonada. E uma alucinação!
devo alimentar assim está ilusão. De nada
o esquecimento.
De nada adianta procurar
dentro de mim,
adianta querer fugir do coração que palpita
vocë me
você, Só por você. Eu a desejo e
que pulsa por de a m o r e você me insulta
despreza. Eu Ihe dirijo palavras vez mals
ama-la cada vez mais, cada
coDtinuo a
entretanto,
tormenta. E para aumenta
Cada hora que passa é u m a
sua amarga indifereng
a minha dor, a lembrança cruel de
a sua incredulidade
quando Ihe diss
Aquele seu riso irônico
acreditar e conservou
não quis m e s m o
que a a m a v a . Você ou de pessoa
descrença
fronte um olhar frio, u m olhar de
insensível.
A VOLÜPIA DO PECADo 115
Quase me bateu, mandou-me embora transtornada
uma maldade cheia por
de prazer.Meu coração
numa angústia terrivel.
Meus
Quanto chorei naquela confrangeu-se
noite.
pensamentos pugnavam cheios de revolta.
Como a vida é
perversa!Por que hei de amar a
não devo? Nãoposso concordar que seja quem
dito que sejauma loucura. pecado,
Uma loucura volutuosa
mas acre-
voca que pro-
pensamentoS sombr1os e faz-me imaginar cenas
passam de sonhos irrealizáveis. que não
Você me disse mais de uma
vez:
-

"No vë que entre nós há


um eterno
Que existe outro ser, escolhido impossivel?
por Deus e que vigora nas
leis da sociedade?
vida".
Veja! Abra os olhos para a realidade da
Querida, meus olhos estão mais do que abertos e só
tinuo a vêr você. Você é con
uma realidade
sonho meu. O ideal mistificada de um
que se desfaz em sombras
pora, que me abraça e se afasta que se incor
não
pensamento o que procura lhe pois
é mais que um
dar forma. E
CASSANDRA RIOS
116

ouvir de sua boca palavras de amor, palavras apaixonadas


como as que eu tenho para d1zer-lhe. Oh! queria ainda afa
gar os seus lindos cabelos negros e deixa-los revoltos sôbre
a testa entre meus dedos. Roçar meus lábios pelas suas faces
cetinosas, passar meus dedos pelos seus lábios para sentir-lhes
a forma. Queria possuí-la enfim. Senti-la desfalecer entre
meus braços, cheia de desejo, na volupia do pecado mais alu-
cinante. Oh! que desespëro! Nada disso poderei fazer jamais.
E quão divino seria se você me quisesse. Então seriamos tão
felizes. Oh! que mentira. Não poderiamos ser felizes!

6/7
A noite vai madrugada adentro. Sorrio. Só.
Ouço o mar lá fora. As ondas barulhentas arrastam-se
pela praia num chuá interessante. Chocam-se contra os ro-
chedos. Os ventos sopram com fúria. isso me apavora. A
noite esfria. Parece que vai chover. Ouço o barulho esqui
Sito que fazem os sapos e os grilos que mais parece o de
uma orquestra dos anõesinhos da caverna.
Torno a enveredar pelo labirinto dos pensamentos absur
dos. Sinto um nó na garganta,. Uma vontade louca de chorar.
Como
a saudade é dolorosa! E uma dor intensa que aperta
o coração. A solidão conforta, da espansão á minha dor
Oculta. Eu a amo tanto. Repito e repetirei milhoes de vêzes.
sempre: Amo-a. Por que voce n2o quer o meu amor dim
Tem razão. Você já disse mais de
sivel"!
o uma vez: "E impos
ESsa sua maneira de
ainda resta una
explicar
tal razão faz-me crêr que
esperança. Se não houvesse uma afinidaue
de sentimentos entre
nós eu não vibraria com tanta inte
S1dade. A
emoção que sinto quando fito seus olhos nao S
tao eletrizante,
pois, não haveria uma comunhão de sent
nentos e a minha
emoção se neutralizaria, seria uma decepça
Lembro-me de uma tarde em que não podiamos nc
1alar, quando tudo nos separava, quando vocë me ru .

O pasSar por vocé, quase do ouiro lado da calçada, me5


olhos fitos no châo viram nossas sombras se unirem e
como
AVOLÜPIA DO PECADO
1
se tivesse sido seu
corpo que tocara o meu um
pecorreu-me o ser. frëmito intenso
Ah! Lyeth
que me disse ento:
Lyeth, querida! Se não crê em mim,
"O meu segrêdo é o seu!" por
dade por que nâo Se é ver
podemos nos unir? Que importa o resto?
Que importa o sexo!
Desejo-a. Que importa a sociedade!
Amo-a.
Já nao posso sufocar esta
tortura que me mata aos
cos.Quero viver para seu amor e morrer aos
pou-
gada nesta paixáo louca. poucos embria-

Releio suas poesias. Não. Não são


de mim. Já para mim. Não falam
meu nome, a
procurei nas entrelinhas
uma frase minha, o
minha sombra, mas não
minhas lágrimas desbotarem as encontrei. Vi apenas
apenas
letras quase
fiquei triste e nao chorei mais para
poder
apagando-as
le-las sempre. Aque-
las
poesias de pé quebrado que falam de tanta
alguém. Só isso que sou para você. gente
falam deste e no

que mais alguém. Nada mais


Quem a
inspirou
assim? Quem? Diz pelo amor de Deus.
Enbora nao seja Saberei sufocar a tristeza como
eu.
Se me quisesse saberia cuidar de você e dar-lhe tôda também
a felici-
dade da vida. Tudo que ninguém lhe dará
ESLe jamais. Todo
carinho que guardo em meu peito. Que angústia!
Olhei para o relógio asustada pois êle gritou tão alto
ue Ja são duas horas da madrugada. Queria dormir e ter
ovamente aquêle sonho.
Aquele sonho da noite que passou.
7/7
Farece incrível. O que tanto dese jo aconteceu em sonho
outra vez.
Onhei que juntas enveredamos por uma rua estreita
toescura. Lembra-se de quando na realidade passeamos
Subito sua mo deslizou pelo meu braço
CASS A NDRA RIOS
118

Senti o morno de seu corpo no meu. O sangue borbulhou em


minhas veias, subiu-me ás faces. Um calor inebriante tocou
meus lábios. Era sua bôca que se aproximava entreaberta,
úmida de E agarramo-nos então num beijo intermi-
desejo.
nável. Envolvia-a em meus braços furiosamente. E
sabe o
inacreditável, meu amor, mas eu possui vocë,
que fiz? E
Quando acordei, ainda sentia a morbidez erótica daquele
da
sonho. sensação deliciosa! Um sonho é um desejo
Que
alma.
E tenho sonhado coisas tão estranhas, tão absurdas
eu
este amor
que me amedrontam. E' o desejo provocado por
desnaturado. E' o delírio que canta nos lábios da matéria.
Estes lábios que anseiam por conbecer a doçura da sua bôca.
Oh! tenho mêdo dêste segredo que é seu, que é meu, que e

seu!
Só nosso. O meu segredo é voce! - O meu segrêdo é o
Benditas palavras que dizem tanta coisa e que não me con
fessam nada, porque vocë não quer dizer com êsses lábios
vermelhos, coim essa voz que tanto anseio ouvir: "Eu amo -

-Seria tão simples. Repetiria apenas o que eu Ja


voce
você"
Ihe disse tantas vêzes.
de
Mas voce não acredita. E por não acreditar zomba
mim. "Verá que quando
-
você voltar estará tudo mu-
dado"
dado" Guardo essas suas palavras.
Sim. T udo mudou porque eu a amo mais que antes
nao
e como nunca. isso uma 'mudança tão grande que
cabe em mim

8/7
Depois de caminhar por longo tempo pela praia, enve
redei por entre as rocas que com suas formas grotescas
além,
mam estranhas cavernas que se perdem. pela praia a
delineando o litoral. Gaivotas esvoaçam ao redor. 1or
Omeu pensamento enleva-me. O delírio deste a
provoca visagens fúnebres e eróticas. sombrio,

Distantes, os rochedos negros, num asp to ha


parecem formar vultos escuros, lembrando o acompan
mento do féretro de um monge.
A VOLÚPIA DO PECADO 119

Meus olhos empanaram de emoç o como se já esperasse


uma surprésa: o acontecimento de algo desejado. Meu co-
ração pulsou forte. Fiquei paralizada. Através do limpido
céu, através das brancas espumas do mar, em todo aguêle
recanto, nas próprias brumas sinistras que envolviam aquê-
les negros rochedos, foi você que eu vi. Você que vinha das
sombras de meu pensamento adornar a paisagem impressio-
nando-me. Que visão louca! Foi o áuge do delírio. Uma
brisa leve soprou. Que ciúme senti quando percebi a bruma
atrevida afagar seus cabelos e beijar tão suavemente suas
faces e todo seu corpo.
Sombras começaram a a envolver a terra,
ND A RIOS
120 CASS A

novamente. Sabe o que é? Sim. E Isso mesmo em que está


pensando. E isso mesmo. Que pecado! Não. Não é bem
Ah! se pudesse ser. Parece que eu nao sou
1SSO, é quase
mais eu. E para ser sincera há tanto tempo venho sentindo
ésta estranha metamorfose de todo meu ser, de minha alma.
Talvez eu já estivesse pressentindo a sua chegada.
insipida como um dia frio-
Ah a Vida sem vocë passa
rento e brumoso. Como a vida é complexa. Se vocë sou-
Se soubesse o que estou pensando. E uma loucura
besse
se reali
que me invade. Algo muito impossivel que jamais
zará e que só em sonho realizo. Se vocë ao menos imagi
nasse, ficaria com mêdo. Ah! mas parece que já sabe._Eu
estou desconfiando. Que confusão em meus pensamentos. Para
torná-los lúcidos direi apenas "Eu a desejo.. eu a desejo.

Fico durante horas sentada ao sol, pensando em voce,


sonhando com você. Tenho vontade de escrever tudo o que
penso, mas fico receosa. Pedro, meu cunhado, tem-me abor
recido tanto por ver-me com este caderno na mão o dia
inteiro. Discute comigo, diz que não tenho necessidade de
escrever, que só um grande escritor pode ter diário, assim
como
foi Humberto de Campos. Como é tolo êsse meu cunhado
Mal sabe êle que diário é o meu. Fragmentos de sonhos
irrealizados, de 1lusões funestas, de palavras sem sentido,
porque nao encontram éco, nao têm resposta, nao vibram

tambem £le diz que nada


escrever
no mavioso
de bom.
som
de sua voz. poss
E estas frases têm tanto valor para mi
Nem mesmo posso pôr os sapatos de balé. Tudoel
recrimina. Disse ainda que pega êste caderno e queima. Ah
se éle se atrevesse eu o mataria.
Isto está se tornando um inferno! Será que nao Da
asta
a saudade que sinto de você?
Oh! lá vem êle. Tinha ido à praia, acabou-se meu
sOSSEgo. Como ele é mordaz! Não mede palavras para ofe
der a gente.
VOLÚPIA DO PECADo
121

10/7
Se eu pudesse gravar esta
melancólica risada nesta fó-
lha de papel para que vocë soubesse
que até em meus
soluço. Nem mesmo assim deixo de pensar em vocé. sorrisos
Foi na
hora de jantar, abe? Minha
querida, hoje bebi de- uisque,
pois vermute e
cerveja. Ah! Ah! como fiquei zonza, nem
queira saber. Está decepcionada comigo? Não bebi por
zer. Foi Pedro pra-
que insistiu. Eu nunca faço isso.
Fiquei tão
embriagada! Mesmo assim, durante o jantar, fiquei com o
olharparado, pensando em vocé. Peguei o caderno e escrevi.
Senti que a desejava como
sempre. O desejo me quei
mava o corpo. Houve um
remoinho em minha cabeça e ela
esvaziou-se ficando
completamente oca.
imaginei seus braços em tôrno de meu pescoço. Seus
läbios a
beijar-me
então senti em minha bOca uma nudez
e
umida que foi colando por todo meu corpo como se föra
se
o contáto do seu, quente,
palpitante.
Ah! se eu pudesse escrever tudo que sinto agora, mas
mesmo assim, embriagada como estou sei perfeitamente o
que nao devo fazer. Isso seria uma loucura.

onsegui convencer Lenita de que devemos voltar para


dao Paulo. Hà dias venho provocando-a. Encontro-me agora
cu meio do caminho. Logo chegaremos a Santos. Aproveitei
Subita parada para escrever algumas palavras. O rádio
dd estaçãozinha, ligado quase no último volume, trouxe ate
mucno
nuns acordes de tango: Jurame que aunque passe
tiempot r e m vai dar saída novamente. Não podere1 continuar
122 CASSANDRA RIOs

11/7
São Paulo! Finalmente!
Oh! . oque vocë me fêz!.
Por que fingiu nao me vêr? Eu vinha täo cheia de
esperança!
Se você soubesse o que senti quando a vi. Senti um
choque em meu coração. Meu corpo amoleceu e minhas per-
nas bambearam. Foi como se tivesse recebido uma pancada
na cabeça.
Eu estava na janela quando vocë apareceu no portão.
Tive ímpetos de atirar-me de lá, de gritar bem alto seu
nome e perguntar:
Você não me vê, meu amor? Sou eu! Aquela que a
ama. que a está chamando!

Como você é má. Passa e repassa por mim e finge que


não me vë. Você faz sempre assim.Por quê? Gostaria que
me respondesse.
Por que continua
A
VOL ÚPIA DO PECADo 123

como em outros dias. onversava


comigo como se eu fôsse
uma outra qualquer, sem interêsse
algúm.
E meu coraçao batia tanto! Parecia querer saltar de
meu peito. A tentaçao de agarrá-la apoquentava-me.
hirta de pavor quase no Fiquei
CAPITULO XVI

Lyeth apertou emocionada o diário contra o coração.


Incredula, tentou num esfôrço supremo coordenar os eróticos
pensamentos. Como era amada por ela! Como se amavam!
Que alma aquela! Ela também desejava seu beijo. Também
beijava-a em sonhos. Também sofria a anormalidade do amor.
o seu desprëzo e o medo que a atormentava.
Mordeu os lábios polpudos. Tinha o coração oprimido.
"Não acredite. Nao seja tola, pensou. Não seja tào
r
dícula. Não acredite. Os olhos encheram-se-lhe de
lágrimas:
caminhou na escuridao do quarto; apoiou a fronte contra a
vidraça fria e suspirou profundamente como se o coração se
lhe quebrasse.
A chuva cessara. A noite estava anuviada. As cortinas
de filó creme, leves, esvoaçavam no ar refrescado. Tirou a
roupa lentamente. O ar úmido veio refrescar-lhe o corpo
ardente. Deitou-se tôda nua. Os olhos ainda empanados de
emoção, respirando pesadamente, com calafrios a percorrer
o corpo. O mistério tivera fim. Rendeu-se à evidência das
palavras, a todo desejo que a excitava. "Irez" ! Amo-a! Seus lá-
bios não podiam articular outras palavras. Como uma chama
ardente o nome dela estourava-lhe na cabeça com forte res
sonância. Apagou a luz. A luz da Iva continuou a iluminar
o quarto, num clarão muito límpido. dêsses que precedem
às chuvas de verão.
Repetiu o nome dela com um frêmito em todo o ser. E
durante tõda a longa noite continuou a murmurá-lo. Os olhos
longínqüos. os lábios ressequidos, beijando o diánio, o seu
A VOLUPIA DO PECADO 125
secreto e irrealizável amor desfeito em palavras Parecia de-
bater-se num cáos de sentimentos descontrolados.

E foi com os olhos razos d


agua que na noite seguinte
nao negou que estava à
espera. Assim que ela. surgiu na
janela, chamou-a acenando-lhe a m o. Perguntou se queria
de volta o diário ao que lrez
respondeu que nao, que o escre-
vera com a
intenção de Iho dar.
Irez, você deve ter percebido que nada neste
do poderá fazer-me crêr em uma só mun
nem nunca. Você não me
palavra sua, nem agora
convence
Porque nao sente necessidade disso. Quer outra prova?
Como provaria voce? De
que maneira? Que säo
palavras? Sonhos, mentiras. Meras fantasias que sua cabe-
cinha sonhou num instante de arrebatamento
sentimental.
Não, Lyeth. Vocë sabe bem que não é isso, mas
-

em parte tem razão. Você


arrebata-me ao sonho, à mais tris-
te ilusão. Dar-1he-ei uma
prova que confirmará tödas as
outras que já lhe dei. para iSso venha amanhá aqui.
Se é assim, vá você à minha casa.
A que horas?
Deixe-me ver às duas, está bem?
Náo há inconveniente. Amanhä às duas horas irei
a sua casa.

A noite prosseguiu fria e longa como um inverno e


assim continuou ate a tarde do dia.
novo Lyeth esperava-a
impaciente e ainda nem havia soado duas horas. Contou os
minutos e os segundos numa expetativa duvidosa.
Enfim, era ela
que surg1a,
como uma restea de
u m tunesto sonho de alegria a sua procura. Os cabelos loiros
luz, como
brilharam ofuscamente em contraste com a opaca cor verme-
lha de seu vestido. Irez subiu as escadas com passinho miúdo e
bateu à porta levemente como se tivesse mêdo de despertar
alguém, pressentindo talvez o quanto pulsava de ansiedade
coraço de Lyeth.
126 CASSA NDRA RIOS

Abriu a porta lentamente. Os olhos azuis pareceram


devorá-la no olhar demorado.
Mam e saiu, não há ninguém em casa, tenho que
ficar lá. Venha comigo, ficarei só se não vier venha. Su-
plicou Irez meio desajeitada.
Lyeth fechou a porta e sem dizer palavra acompanhou-a.
Estava contudo receosa. Há tanto tempo nao entrava em
sua casa. Seguiu o curso dos pensamentos. Sairia antes que a
mae dela chegasse. Lyeth procurava apenas a confirmaçãao
de algo. De algo inadmissível.
Entrou, relutante. Todos os cantos traziam sombras
e o fim inesperado de um sonho. Tudo estava como antes.
Omesmo sofá. As mesmas poltronas. A mesinha apinhada
de revistas, a estante de livros, uma rádio-vitróla e num vaso
algumas sempre-vivas sorriam tristemente. Tudo envolvido
num calor sombrio de afeto e carinho.
Sentaram-se no sofá. Ficaram caladas. Os olhos de Lyeth
continuaram a perscrutar a sala quase escurecida pela penum-
bra do dia frio que ameaçava chuva. Como o tempo mudavva
rápido. Seria Irez como o tempo? Não. Como o tempo, não.
Irez irrequieta fitava-a longamente com um olhar en-
volvente, expressivo. Sentiu-se escravizada ante aquele olhar.
Confusa, conseguiu ainda vagar ao redor procurando algo que
servisse para pôr fim ao irritante silëncio. Lá. estava também
emudecido, o radio.
Pediu-ihe entao que o ligasse.
Irez apenas estendeu o braço e girou dedos
com os fi
nos o comutador. Perceberam os ültimos acordes de um bolero.
Deixe ficar nessa estaço, gosto de boleros.
Soou forte a voz do espiquer, que anunciou a seqüênci1a
do programa "Ritmos tropicais. Lyeth levantou-se e ca
minhou até perto do rádio.
De costas para rez, sentia a insistëncia de seu
olhar.
Virou-se ansiosa por surpreendë-la, porém não esperava ve-l1a
assim com a mâo erguida quase a tocar-lhe os cabelos. Ela
então afastou-se envergonhada e muito mais que ela se sentiu
Lyeth. Simulou não Ihe ter percebido o gesto.
A músIca que tocava parecia ter sido ial-
composta especia
mente para elas, pois também dizia em versos tudo que
A VOLUPIA DO PECADO 127

Lyeth acreditava ter que lhe falar "Nosotros"


palavras As
ritmicas do bolero eram tâo expressivas! DeVia dizer
ela talvez estivesse ouvindo as batidas de seu algo.
Irez
coração.
voce ainda quer estudar balé?
Não. A resposta curta não deixava dúvidas.
Irez agora concentrava-se em
algo muito mais importante.
Estou admirada de sua resposta. Ela conservou
se calada. Nem mesmo gostaria de dançar ësse bolero?
Ela levantou-se e acercou-se timidamente.
Pensei que no quisesse dançar comigo
Sorriu. Concordou como se realmente a tivesse convidado
para dançar. Tomou-a nos braços desajeitadamente. O corpo
de Irez colou-se ao seu, e o braço dela deslisou suavemente
pelo seu ombro. Lyeth no lhe via o rosto. Sentia-lhe apenas o
roçar dos cabelos loiros na bôca. Aspirou-lhe o perfume. Irez
afastou-se um instante e fitou-a bem nos olhos. Os oihares
encontraram-se anciosos. Lyeth chegou a errar um passo
Irez desculpou-se:
Eu nao sei dançar.
Você?! Eu é que n o sei
Não faz mal. Erramos no fim. Separaram-se, Sor
rindo. Lyeth deu alguns passos. Olhou pela janela meio
aberta. A rua estava deserta e fria. Nem um raio de sol. Aos
seus ouvidos chegou novo acorde musical misturado ao som
cristalino da voz de Irez, formando uma só melodia. Vol
tou-se para ela.
O que foi que você disse?
Que gosto de dançar com você. Dança muito bem.
Ficou' desajeit ada, no gostara do convite, porém ela
estava táo perto,bastou estender o braço para lhe rodear a
cintura. Seus joelhos tocaram-se. Irez novamente desculpou-
se, parecia nao saber fazer outra coisa, estava tão enrube-

cida. Um sçbito calor queimou em seu corpo. Apertou-Ihe


mão timidamente. Irez chegou-se-lhe mais.
a

Lyeth sentiu entre os braços o corpo dela movimentando-


se numa cadëncia insinuante e volutuosa. Irez apertava-a sor-
rateiramente e afastava-se em seguida como se esboçasse um
gesto natural. Fitava-a mais sonhadora, de muito perto. seu
128 CASSANDRA RI OS

busto ofegava ansioso. Reconhecia nitidamente as batidas .


coração que pulsava junto ao seu.

Lyeth inclinou a cabeça levemente e seus olhos fixaram-se


no alvo colo. Por entre o decote percebeu a cårva rósea de um
seio que se escondia entre as rendas da f1na combinaçao. O
olhar atrevido, que deixara fugir a envergonhou. Mais fas-
cinada ainda ficou com a beleza dela. Desviou o olhar e ergueu
a cabeça pretendendo não olhar mais. Porem que fazer se
busto arfante estava bem sob seus olhos e se mesmo náo o
A VOLÚ PIA Do PECADO 129
mitiam todo o calor de
tadora. é
paixão. Oh! Ela
uma é uma
conquis-
. .

uma. .
Vamos dançar?
Levantou-se esquecida dos
vam a vencer a
luta
pensamentos desafia-
que a
contra os sentidos. Se continuasse ali
seria derradeira derrota.
sua

Preciso ir embora. Jja é tarde,


Não se vá ainda. Ficarei
um
sòzinha. Dancemos mais
pouco. Só esta. . Pediu Irez. .

Não pretendia ir-se. Falara


por falar. Talvez para crêr
que ao menos mais uma vez tentara
crescia cada afastar-se do perigo que
vez mais. Fôsse o
que tiniia que ser.
Abraçou-a
novamente desde que ela estendera os
o pescoço. braços para lhe rodear
Murmurou baixinho um trecho do bolero que
"Porque al mirarme en tus ojos, sueños tan
dançavam
haria mira, mirame, a
bellos mejor
mi y nada mas
Estremeceu ao som da
prôpria voz. Irez
mão. Parecià que todos os nervos se Ihe apertou-lhe a

dos macios tocaram-lhe de leve os


contrairam. Seus de-
rosto.
cabelos, afastando-os do
Lyeth apertou-a levemente contra si. Irez
fitava-a
va-a. Os olhos e fita-
O corpo
suplicando algo' que Lyeth não compreendia:
ao
chegando-se mais e mais junto ao seu insinuando-se
compasso do ritmo romantico. Os seios túmidos
de Irez
esmagavam-se contra os seus e tornavam a inflar-se
se afastava
por instante talVez envergonhada de seu
quando
desejo de provocá-la. Aproximou o rosto de sua facevisível
afo-
gueada acariciando-a com seu halito morno e
prefumado.
Lyeth estremecia respirando com dificuldade.
A mão dela continuaVa a acariciar-lhe os cabelos.
Os
dedos distraidos a tocar sua Iace.
Lyeth sentiu-se invadida
por ardor aflito. Afastou-a
um o
suficiente para ver-lhe todo o
semblante.
Meus cabelos a incomodam?
Sim. Entram na minha bôca.
enos meus olhos.
Era mentira. Os cabelos de Lyeth ligeiramente anelados
CASSA NDRA RIOS
130

sabe pensou Esta-


estavampresos para trás. Mas quem
mos tao juntas
Ficarei com a cabeça inclinada para o outro lado.
Na posição em que se pôs não lhe via o rosto. Porém
sentiu a aproximação que foi diminuindo e diminuiu até
Novamente a mão dela des-
que ficaram juntas outra vez.
1zou pelo seu ombro suavemente e foi subindo, subindo.
Tocou-he o pescoço, passou por seu rosto demoradamente
como se quisesse reter a caricia e prolongá-la por uma eter-
nidade. Tocou-lhe os lábios com a ponta dos dedos e deslizou
novamente para os cabelos.
enlevada. Ofegante sem dar conta do
Lyeth palpitou
muito que a apertava perguntou:
Ainda a incomodam meus cabelos
Ela respondeu que não com um simples meneio da ca-
beça que mais aproximou seu rosto do de Lyeth,
A VOLÜPIA DO PECADO
31
"En el mundo ya quedan seres que se quieram asy
no
asy asy
O corpo de lrez pesou em seus
braços. Susteve-a num
aperto apaixonado, sentindo-se desfalecer também.
os lábios continuavam Enquanto
a
queimarem na febre do beijo.
Afastou-se. lrez recompôs-se entre seus braços. Numa
contemplação muda ficaram presas á um só
olhar, penetran-
do-se até ás profundezas da alma.
Não fôra Lyeth que a
num impulso
beijara. Elas haviam se beijado
reciproco, estranho que não puderam reprimir.
Entretanto Lyeth murmurou num som
nheceu como sua voz. grotesco que mal reco
Não era isso que você
queria?
irez continuou a fitá-la. Pensou
que ela não fôsse res-
ponder e tornou a perguntar. Ela apertou os lábios, franziu
a testa, os
olhos piscaram, tentou falar mas não emitiu
ne-
nhum som. Assentiu num aceno
com a cabeça.
A
emoçáo emudecera-a ou fôra a surprêsa daquele beijo?
Perguntou novamente, como se não tivesse
Vimento que nao deixara de ser uma percebido o mo-
resposta afirmativa.
Nao era isso que você queria? Por que nao responde?
Trez deixou cair os braços ao longo do corpo. Sacudiu
a
cabeça num desespêro mudo e por fim gaguejou com a
VOZ
apagada e rouca.
S i m . E que não posso falar
Lyeth também não podia falar. Fôra movida por uma
rça misteriosa e indigna. Afastou-se nervosa, quase der-
rubando-a quando a largou.
Por que náo diz o que quer de mim? Por que nao
faz tudo que
tudo que deseja? Beija-me. Abraça-me. Náo me atormen-
te mais.
Faça o que deseja de uma vez.
Stava nervosíssima, porém a sua voz traia-a s0ando
cheia de ternura.
Tez aproximou-se. Passou os braços a volta de seu pes-
COço e nova
Vamente, dessa vez sequiosos, os lábios dela aper-
lar a haviam
beiia aos
de Lyeth arebatadoramente. "Nunca
beijado assim". Com a bôca aberta. Toda dentro da sua,
amélica de beijos.
132 CASSANDRA RI

Com os olhos muito abertos Lyeth fitava o rosto dela.


perscrutando-lhe a expressão desesperada que parecia dizer-lhe
que aquele beijo era o tudo perante o nada. O corpo palpi-
tando entre seus braços, que a premiam enrijecidos era todo
desejo. Cerrou os olhos e apertou-a mais, arqueando-a num
abraço dolorido. Dentro da bôca sentiu um gemido roufenho
ao mesmo tempo que o corpo dela insinuou-se contra o seu
AVOLÚPIA DO PECADO 133
cida, entregou-se aos
afagos das palavras que seus olhos de
sobedientes tantas vezes se haviam
-Eu a amo
segredado:
Como?
Lyeth Como posso ama-la tanto?
Oh! amo-a. amo-a também. E tanto
esqueço de mim. O que somos? que me
Que estamos
134 CASSA NDR A RIOS

chorar. ltez procurou-lhe a bôca. Sacudiu-a entào


nervos0
num abraco
como se
perguntasse novamente:
Por que? Por que? Que amor é êste?
Sonhamos
por certo
Um toque. de
campainha separou-as apavoradas, antes
que liez tivesse tempo para reclamar a rudeza de seu
Vá atender Lyeth, disse-Ihe nervosa. abraço.
- Vá voce. Eu estou manchada de batom.
J á não está mais. Fasse um pouco de pó.
Lyeth entrou no banheiro olhou-se
espelho. Deixando-a, atravessou
e
ràpidamente nno
A VOLUPIA DO PECADO 135
Que livro é êsse Lyeth?
Nao quis responder, mesmo
porque não tinha certeza
de conseguir falar. Nem ao menos se lembrava
que o apanhar
de sob a estante. A sobranceria de Irez
inspirou-lhe tal furor
que quase não o pôde ocultar. D. Eney subia as escadas, quei-
xando-se de cansaço. Lyeth levantou-se ent o e caminhou em
direção da porta.
Uma sombra passou pelas pupilas negras de Lyeth ene-
CAPITULO XVIII

Numa esquina qualquer Lyeth parou cansada. O corpo do-


lorido. Conspurcado por um pecado que talvez não tivesse
castigo, porque já doia tanto. Caminhou ás tontas e talvez
por fôrça de hábito foi para casa sem errar caminho.
Parecia uma sonâmbula. Uma autômata. Vasia ce tudo.
Sentia pesar no espirito uma coisa indecifrável. Um temor
tétrico de um porvenir ignoto.
Como estava escuro! Que horas seriam? Dez talvez
Que importava o tempo! Seguiu esperando. Esperando pelo
dia seguinte que era a promessa de mais loucuras ou de uma
desgraça. No negror daquele ceu misterioso uma lua quase
que apagada, por um pedacinho de nuvem, triste. solitária.
sem uma estrêla a brilhar por perto.

Espalhou pela cama as cartas de Irez. Leu-as ou recor


dou-as pois conhecia-as de cor. Era necessário esconde-las.
O vazinho já não inspirava con fiança; mesmo porque tam-
bém não poderia guardar ali o volumoso diário. Amarrou
as cartas com uma fita cor de rosa. Tirou da gaveta da
comoda, uma caixa de madeira e fechou-as à chave.
Exausta de desejos desfaleceu pouco a pouco nos braco
de Morfeu. Morfeu na figurinha de Irez. O ópio corr1a-1ne
da boca como
champanha e ela sorvia-o aos beijos, Sede
nta.

Na embriaguez escravizante dos braços roliços que a envol


Viam, Lyeth náo dormia. Sonhava, porque Irez se

apoderava de Morfeu. tamben

.
AVOL ÚPIA DO PECADO 137

Descrente via
aprox1mar-se a hora inarcada. No podia
crêr que lrez tivesse coragem para enfrentá-la novamente,
depois do que acontecera. Ela ao menos estava táo aturdida
que mal tinha geito para sair á janela e espiar se ela já vinha.
Viria ou nao? Estaria arrependida ou sentiria o mesmo
que
cstava sentindo? Vergonha, medo, desejo de seus beijos. Olhou
pela janela. Pressentira a sua vinda. A loira cabeleira surgiu,
ofuscando-lhe o olhar como um raio de sol. Admirou-a,
Aralizou pedacinho por pedacinho de seu corpo, antes
que
os dedos dela arrancassem um som da porta.A causa de tê-la
feito pensar que seu nariz era comprido, era devido á onda
que lhe cobria a testa larga. Ao vê-la de perto essa impressão
se desfazia. O queixo recurvado ligeiramente para cima osten-
tava uma profunda covinha que Lyeth admirava apaixonada-
mente.
Demorou-se propositaimente para abrir a porta. Não
queria que ela percebesse que estava a sua espera. Tentou ser
natural quando a cumprimentou. Que raiva sentiu quando
se traiu:
Pensei que nao viesse mais.
Mas eu não demorei! Ainda não são duas horas!...
la manda-la entrar quando d." Amália a chamou de lá
do jardim de sua casa. Esta pediu-lhe que fôsse ligar a sua
vitrola, pois não sabia. manej -la. Por mais que lhe expli-
cassem não conseguia guardar na cabeça, qual o botão que
deveria apertar. Era tão compiicado. Em seu tempo de jo-
vem não existiam tantos botoes. B, depois estava tudo escrito
em inglês! "Pause, reject, start, stop".
Riram-se de suas queixas. D." Amália tinha um geito
um tanto cômico de falar FIcaram la algum tempo ouvindo
núsica. Súbito a voz de d." Eney chegou até elas, num cha-
mado arrastado
"Irezinha". Como a irritava tal diminutivo. Lyeth
sentiu um sarcástico desprezo ante o apëlo dengoso. Se Irez fô-
Se uma criança, porém .Ja nao O era. Era mulher demais, ou
Se uma
criança, po t o pouco
quem sabe, pensou, muito mulher!. .
pouco mulher! Olhou-a en-
quanto caminhavam. Achou-a iragi. A tace acetinada parecia
Iransparente. Ela parecia ser toda leita de porcelana. Delicada
38 CASSANDRA RIOS

como o seu vaz1nho. Achou graça na comparaçao, mas fe-la


ebem. Irez era quase que proibida. Náo devia toca-la. Era
como o vazinho de porcelana que estava söbre o aparador,
quando ela ainda era pequenina. Batiam-lhe nas mãos, quando
engatinhando ainda, tentava pegá-lo.
"Não se meche nisso! Lyeth olhava para as pernas
que a rodeavam. Suas irmâs ficavam cuidando que ela não
tocasse no frágil adôrno. Era porcelana fina poderia quebrar-
se. Ela cresceu. Èle continuava a enfeitar o móvel que já
nao era o mesmo.
Por culpa dêle apanhara muito, mas o adorava porque
ele era tão bonito e ninguém mais lhe dava importância
desde que a sua mae lho dera.
Naquela noite ficara a olhá-lo fascinada. Finalmente
era seu. Somente ela poderia tocá-lo. E se alguém se atreves-
se, faria o mesmo que lhe haviam feito quando ainda era
criança. Dormira feliz no reinado que era o seu quarto co
mum de menina-moça, que de riqueza tinha apenas o vazinho
de porcelana. Irez agora era sua também. Porque a fascinara
mesma forma. Porque só poderia abraça-la ás escondidas.
Mas, também talvez chegasse o dia em que ela seria sòmente
Sua. Irez pousou a mão em seu ombro. Voltou-se. Só então
percebeu que d." Eney se afastara. Irez pareceu compreender
sua abstração.
Mamae precisou sair novamente. Teremos que ficar
la,e apontou sua residëncia, como que envergonbada. Es
tendeu-lhe a mão branca e fina, que Lyeth apertou
bada. Foram para a casa caminhando lentamente.
pertur
Entraram. Assim que a porta se fechou seus olhos
Se buscaram. Os olhos de
Irez estavam secos e inexpressiV
Lyeth apertou os lábios num sorriso irônico. "No palco
mundo encenava-se mais
capítulo de uma história
um
rente. Tinha inicio como a cena passada. Irez ligou o raa
A mesma hora do dia
anterior, o mesmo programa. aa l v e z
tocassem novamente o bolero que fizera o fundo musi
daquele beijo estonteante".
Principiaram a dançar. Porém foi um passo apenas
Segundo foi um beijo. Um apêgo tímido
dos lábios. OP
A VOLÚPIA DO PECADO 139

meiro acorde de uma harpa longinqua. E outros sons vibra-


ram, despértos ao toque de alvorada. Os lábios apertaram-se
com entusiasmo. Eram os sentidos que acordavam. 0 desejo
que cresCia.

Lyeth meu amor. eu a amo.


Bebeu as palavras. Fogosa sujou-lhes os lábios. As
mãos de Lyeth emaranharam-se nos cabelos dela. Abraçaram-se
fortemente. Assim permaneceram em silëncio por longo tempo.
As maos de Irez passaram por seu rosto numa deliciosa
carícia. Seus lábios formularam um beijo que Lyeth foi c0
Iher com a bôca trêmula. Ela entreabriu os lábios outra vez!
seus com
E sequiosos, escaldantes, estregaram-se contra os
de-
ansia voraz. Apertou-lhe a polpa dos lábios e chupou-os
aveludada que se entra-
Iirante acariciando-os com a lingua
nhou entre êles buscando dentro do beijo a sensação quue
ate ao apice de suas förças.
Lyeth prometia. Lyeth apertou-a
braços. Sufocava-a. Sentiu
crescer entre seus
Irez parecia
os labios e um filete de sangue
uma dor aguda rasgar-he
coroou o terrível beijo.
O gemido que espargiu, Irez sorveu
com uma carícia
violenta. Ela afastou-se trêmula, apertou-a
mais e choramingou:
amor. Machuquei-a com meu beijo? Per
Oh! meu

dão querida. . .
dedos em sua boca e murmurou:
ponta dos
Passou a

meus dedoS em seus lábios para


sentir-
Oueria passar cabelos negros e
aragar s e u s lindoS
Ihes a forma. Queria meus dedos. Acariciar
revoltos sôbre a testa, entre
deixa-los Sonhei tanto com isso!
Lembra-se?
seu lindo rosto.
carícias exer-
mansinho. As
de suas
os olhos
Irez cerrou
rez tornara-se tão meiga de-
um forte poaer.
ciam sôbre Lyeth ela que a beijara tao arrebatadora-
parecia
repente, nem
de leve sõbre os de Lyeth
mente. Os lábios dela pousaramflor: Adorou-a nêsse instante.
como u m a
borboleta sobre uma de dizer-lhe palavras
ae acarici -la e
louco
Teve um dese jo em sua almna
cantava
de amor. Do amor que
Lembra-se, querida?
140 CASSANDRA RIOS

Sim, lembro. Jamais esquecerei. Fiquei tão emocio-


nada! A medida que ia
A
A
VOL UPIA DO PECADOp 141
Sei sim. E uma loucura
que me fascina. Seu 'olhar
que me embriaga. Sua beleza

me perde.
que me escraviza. Seu anmor que
Estou
142 CASSANDRA RIOS

Lyeth transtornada pela violenta sensação que provara


deixou-a, cambaleando quase a correr. Uma aragem fria bateu
em seu rosto. Ao seu redor tudo girava. As arvores cresciam
epareciam murmurar baixinho, talvez comentando aquela
cena, o desenrolar dessa noite.
de cabeça baixa, apertando os lábios como se pudesse prender
por mais tempo o beijo que ainda queimava em sua bôca.
Olhou para trás. Irez sorriu, o rosto apertado nas barras de
ferro do póstigo da porta. Na esquina um ônibus apontou.
Talvez nële viesse d." Eney. Lyeth virou-se rápida. Não
soube como bateu com a cabeça na árvore. Achou graça ape-
sar da dôr que sentiu. Pudera! Estava tão tonta. Olhando
para uma senhora que presenciara o dolorido encontrão e
The perguntava quase nao
A VOL ÚPIA DO PECADO 143

mem passou por entre as barras de ferro, deslizando até o


trinco que rangeu ao girar da chave. A
porta abriu-se. Irez
levantou-se e correu. O pai
surpreendeu-a, porém nada disse.
Seus olhos entretanto correram de uma
para outra descon-
fiados e inquisidores. Um silêncio enervante,
prosseguiu.
Lyeth mais tarde a censurou. Ela retrucou raivosa:
Como você está com a consciência
tranqüila é claro
que nao se assusta. Fica entretida com êsse Iivro. Eu nao.
Só sei olhar para você. Amo-a. Tudo me
condena. Quando
papai entrou eu estava pronta para beija-la. Ele
boa hora. Nao chegos em
gastei meu carinho com quem no me ama.
Lyeth abraçou-a. Ela repeliu-a.
Você nao me ama.
Insistiu. Prendeu-a com förça. Ela fingiu
se e repetiu tristonha.
querer livrar.
Não me ama.
-
Não. Eu a adoro. Você nao disse que daria
tudo
em troca de amor? Pois sou
meu eu que Ihe dou
Vida por
a própria
um pedacinho de amor.
Um pedacinho só?
Não por tudo de voce. Nao me contentaria com tão
pouco.
Beijaram-se. Alguém se aproximava. Tiveram que se
eparar.
CAPITULO XIX

Era omês de agôsto. Lyeth sentia-se feliz. Irez con-


tinuava com suas assiduas Visitas. Pela manha, de
regresso
do colégio, antes de fazer qualquer coisa em sua casa,
Lyeth
esperava-a fingindo dormir ainda. Irez tratava-a com carinhho.
Perguntava delicadamente o que sonhara. Se ouvira durante
a noite a sua voz chamando por ela num lamento cheio de
saudade. A tarde juntas novamente, esperavam
pacientes que
as deixassem sós. Para 'viverem na realidade ou na ilusão.
Acabara-se a incerteza. Lyeth rendera-se a paixão.
Esquece-
ra-se do dever. E sentia-se tao leve e diferente como se no
tivesse mais a consciência. Agora era impossível renunciar
aquele amor alucinante. E como era feliz agora; mas era
apenas respingOS de uma telicidade que borbulhava sôbre o
mêdo e a vergonha de que um dia as surpreendessem. E à
noite, quantas reflexões lhe roubavam o sono. "Eu amo.
Amo uma mulher". E ao pronunciar baixinho essa
fremia ainda nao conformada
palavra,
a sua voz com o terrível pro-
blema. Sinistra, misteriosa a sombra de lrez avultava-se. in-
sinuava-se em seus pensamentos. Positivamente a idéia de
que de um dia para outro, teriam que se separar aterrorizava-a.
Ela se levantara e diante do espëlho arranjava com esme
ro os anelados cabelos, quando subitamente alguém chamou-a
baixinho.
A repentina apar1çao de lrez, ass1m, com uma tristeza
encantadora no olhar, os labios carmineos entreabertos, des
compostos num vínco de dor, apresentando no semblante
traços de pesar ou de inquietaçao, fë-la pensar que entre elas
iria passar-se algo de muito grave.
A VOLÜPIA DO PECADO 145
E enquanto Irez
nada
a
contemplava, Lyeth muito emocio-
aproximou-se para perguntar-lhe cheia de hesitações:
O que foi que aconteceu?
Vou. . tenho que viajar.
Como? Perguntou com um olhar incompreensível.
Aonde vai?
Pálida
sem graça,
e

pondeu melancolicamente:
com uma
expressão delirante, res-

-Será para poucos dias. Meu cunhado


e terei que fazer
eu precisa viajar
companhia à minha irmä.
Lyeth n ão contestou. Ficou em silêncio, os olhos absôrtos
como se estivesse com o
pensamento muito longe.
Abraçaram-se. Irez falava pausadamente, comn esfôrço,
146 CASS A NDRA RIOS

beça. O mar era barulhento, cansativo. O desalento crescia


poucoa poucoO.
O sol aquecia a areia e a brisa escaldante queimava-lhe
as faces morenas. A tarde passou monotona e vagarosamente.
Já era noite escura quando resolveu passear pela praia. A
atmostera tinha um cheiro forte de chuva. Pôs-se a caminhar
sem rumo. Andou ao longo da praia durante quase um
quarto de hora. A noite estava calma e silenciosa. Um silên-
do marulhar
cio quebrado pelo sussurro surdo subterräneo,
das ondas. Derepente notou que a seu lado surgira alguém,
inesperadamente. Sem erguer os olhos do chao se virou. A
hipótese de uma descoberta desagradável assaltou-a. A inquie-
tação pronta a explodir em pânico desfez-se ao som de uma
voz conhecida.
Assuste1-a?
Gilberto!..
Eu a vi quando atravessava a rua. Seguia-a todo o
tempo. Não Ihe falei antes, receoso de que voce èstivesse
esperando alguém. Mas, como vê, não resisti mais.
Oh! não espero ninguém, foi um prazer enontrá-lo.
Quando chegou?
Sábado.
Todo esse tempo sem me aVisar?
Não pensei que você se alegrasse. Que quisesse me
ver.
Já se esqueceu?
Seguiu-se um momento de silêncio absoluto.
respondeu Lyeth,
A
A VOLUPIA DO PECA DO i47
Ele mordeu oslábios finos. Seus vastos
lheram-se num ombros enCO
movimento desajeitado.
-
Nao precisa
insistindo. fingir Lyeth. Eu nao devia continuar
Não estou
Verdade ?
fingindo. Quero encontrar-me com vocë.
Ela apenas acenou
que sim.
Gilberto deu um chute na areia e
Oh! voce! tomou-lhe o braço.
Eles
puseram-se a caminhar, como
samentos de namorados. Os pen-
Lyeth porém vagavam longe, muito longe.

Seus passos
marcavam-se na areia.
e fina das praias
para ela a mais linda. ANaquela areia branca
O mar revolto num anoitecer praia do
muito brando como Guarujá.
rependido em soluços devolvia a terra o que ar
Olhou absôrta o céu estrelado. que dela tomara.
para o amor. Era uma noite feita
feita
Uma dúvida terrível
mente. "Estaria ficando
gemia em seu coração. Doia-lhe
louca"? Marcara encontro na
guém que nao era lrez. com al
há muito Alguem que se interessava
tempo. E agora sem saber por ela
espera-lo impaciente. Se ële a beijasse o porque, ali estava a
que sentiria? Não
desejava seus beijos. Queria .apenas anali1za-los,
ferença de seus sentimentos entre lrez e um sentir a di-
mente sentira entusiasmo homem. Antiga-
por ele. Quando o Via scu
chegava a pulsar descompassado. Nao coracão
que fizera a Irez, de nao sair com importava a
promessa
ausencia. Não importava realmente. ninguem durante sua
Continuou a vagar pela praia, como em busca
prio ser. Quem sabe, ia do pró-
pensando, talvez despertasse
pesadelo, daquêle amor degenerado sem razao de ser. daquêle
estava cada vez mais calma e tépida. A noite
Passos apressados ecoaram_atrâs dela. V
oltou-se
Reconheceu-o imediatamente. om um sorriso bom ansiosa
bios ele estendeu-lhe as duas maos. nos lá-
Erraram pelos
arredores
148 CASSANDRA RIOS

da praia em silèncio por algum tempo. De longe ouviam o


marulhar das ondas e nas águas esverdeadas do imenso mar
Viam o reflexo de uma lua cheia. Tudo estava deserto e
tranqüilo.
Sentemo-nos na areia.
Não. E perigoso.
Mas, antigamente sentávamos aqui
Porém hoje não. Vamos voltar. Tenho mêdo.
Mêdo? Mas de que? De mim?
Tenho medo do E
mar está to
escuro. o
furioso.
Ah, mas que mentirosa! Ele está tão calmo e to
longe! Vamos. Sente-se um pouquinho só. Eu preciso falar
com você. Por favor
Está bem. Um pouquinho só. Advertiu-o.
Gilberto tirou do bolso um
Sentaram-se lado a lado.
lenço que estendeu na areia.
Lyeth, notei em' você algo estranho que
cupa deveras. Assim como se você estiv
me
preo0
esse apaixonada por
alguém. Alguém que nao eu.
Ela estremeceu como
se elr tivesse
palavras o nome de lrez. Olhou-o em proerido entre as
nuou a falar. silêncio. Ele conti
Antigamente
de mim como
você era tao alegre. Não tinha rece10
hoje está me
A
VOLUPIA D0 PECADO
149
Não ninta.
Eu náo estou
vicção que chegou a
mentindo. Respondeu com
assustar-se. Gilberto tanta con-
com uma
expressao duvidosa. Passou o aproximou-se dela
sua cintura e
apertou-a num abraço braço ao redor de
abraçar sem opor tímido. Ela deixou-se
dade aumentava. resistência como deixou-se
antigamente.
Comprimiu-se ainda mais Sua curiosi-
Gilberto, por contra ële.
Não sei. Sinto que você me ama? O
voce. Vivo ansioso um vasio que sente?
enorme
não me ama. E por vê-la e sinto quando estou sem
por vocé e nem por isso que no
consigo medir
perfeitamente
que voce
Eu gostoesqucê-la.
de você.
meu amor
Mas nao me Muito mesmno.
Ficou ama. Eu a amo
confusa e .Essa é
ele o
sentimento que envergonhada.
há tanto Por que não
a
diferenca.
sentia por
Mas eu nâo fiz tempo pensara
Irez. nada. Disse-o, dedicar-lhe?
como
Nada, o quê?
se
falasse com
Para você
Ai é que gostar de mim.
porém está o "X" do
Sa
Seu parece que problema. Eu fiz
meceu nossuspiro quente acariciou-lhe
tudo
braços
XImaram-se e dêle. Os lábios
o
ouvido.
cerrados de Lyeth
beijaram-na delicadamente. estre-
Eu
-
Meu amor. Por
Gilberto apro-
sinto que que voce
nao. oh! tentação!nao me
ama? Por
mao Afastou-se reprimindo
e um
quê?
gesto audacioso. Ergueu
150 CASS ANDR A RIOS

Prolongou-se demais. Estou brincando. B que me


sinto humilhado
espetando-a sempre. Por que você está rindo?
Perdoe-me. Lembrei-me daquêle dia em
quis bancar o valente carregando-me nos braços à que você
canal, sôbre aquelas pedras viscosas. beira do
Nunca Que queda espetacular!
poderei esquecer. Você lembra, Gilberto?
se
Se me lembro! . Você quase me bateu.
tão furiosa. ficou
-Bandido! Fiquei tôda suja de lama.
Riu-se alto. Gilberto
Oh!
porém prosseguiu sério.
-

Perdoe-me, você estava


CAPITULO XX

Havia quietude em tudo.


A garôa continuava implacável e indiferente. O relógio
metódicamente marcava as horas que påssavam. E Lyeth
com a alma
152 CASSANDRA RIOS

"Veja meu amor, apesar de noSSOS corpos estarem


sepatados, nossas almas prosseguem juntas sem que o pos.
samos evitar. Nossos pensamentos se confundem, pondo fim
a0 espaço, a tudo que nos separa. Por isso Lyeth é inútil
continuar lutando. Entregue-se. Seja minha porque sou sua.
Sou quase você".
Mas onde? Onde estava ela? Por que tanta demora?
Eram três horas e ela nao vinha. Talvez se demorasse
para
fazê-la sofrer, ou quem sabe também estaria á sua
espera.
Teria compreendido mal seus sinais?
A porta abriu-se. Não pode conter o suspiro de júblo
que se lhe escapou dos lábios quando Irez apareceu. Ficaram
mudas. Devorando-se com um olhar chamejante. Irez atirou-
se em seus
braços com o rosto banhado em lágrimas. E num
amplexo sufocante, falaram ao mesmo tempo:
-Que saudade! Que saudade,
amor!
Beijaram-se. Ainda mais do que antes haviam
Sofregamente, ansiosas pelo beijo que por tanto tempobeijado.
se
ficara
Suspenso no sorriso que de longe se haviam trocado, durante
aqueles tormentosos dias de separação. Novamentë falaram
juntas, uma palavra apenas
Amor!. .
Longe de rir, suspiraram. Pareciam uma só, tão abra
çadasque estavam. As mesmas frases, ao mesmo tempo, nu-
ma comunho de idéias. Parecia que naquelas duas
não reinava mais do que um único pensamento. cabeças
Falavam
ao mesmo
tempo, movidas 'pelo mesmo anseio. Irez pos-l
a mão na bôca.
Fale primeiro.
Agora nem sei que dizer.
Peça perdão por ter-me feito sofrer tanto.
Era preciso. ue
Voce se
Quis tentar mais uma vez. 1 alvez
acostumasse a ficar longe de mim, a não me pro urar.

Não,Nunca mais faça isso. Se vocë me dei


-

amor.
xar novamente serei capaz de cometer uma loucura. Mato-t
Eu sei que você não acredita em nada do que porém

agingiu
fiquei mesmo doente. Fiquei muito doente quando voce
não me ver. Ate
Quando me olhou com tanto desprezo
A VOLÜPIA DO P ECAD0 153

fiquei com febre. Chorei. chorei. O adeus que você me


disse foi tão cruél! Veja, Sinta como estou febril. Ergueu
a mão de Lyeth e espalmou-a sóbre a sua testa.
Nunca mais deixarei você. Nunca mais, Nada me
importa a nao ser a certeza de seu amor. Não tenha mais
medo. Se você não viesse hoje, eu iria procura-la.
EOs dois coraçoes num mesmo compasso puisaram
ofegantes repletos de amor, dentro do peito.
"Ela me ama. Ela é minha". - E como se confirmasse
seus pensamentos lrez segredou-lhe ao ouvido:
E u a amo. . eu a amo. Sou tôda sua. tóda Sua..
Fechou os olhos, entreabriu os lábios e pediu-lhe um

beijo. Lyeth ficou a olha-la enbevecida. Os lábios dela ro-


çaram-lhe a bôca e muito levemente entrepuseram-se entre
os seus. Desprendeu-se de seus braços.
Correram para o espêlho.
-Alguém se aproximava.
Retocaram a maquilagem ràpidamente. Segundos
depois Nadja
entrou.
Lyeth, mamâe ainda nao veio?
distante.
Não. Respondeu com olhar
encontrei-me com sua mae ela vai sair. Quer
irez,
sua casa.
que vocë vá ficar
em
não continha
acompanhou-a até o portao. irez
Lyeth lhe proporcionara.
a noticia de Nadja
o prazer que
Completamente sós. Ninguém
para
-
Ficaremos sós.

tira-la de meus braços. Tenho mêdo.


nao vou.
eu
Não Irez,
- Medo de que?
E Tereza! volta mais. Estamos
embora hà dias. No
Ela foi ja lhe
contara.

pensei que
pena.
a
Sem empregada,
tenho medo,
nao vale
nao que
Eu ainda Ticaremos
sozinhas, quer
Vamos Lyeth,
coníormas.
a abrace M e s m o se Irez se
a beije, que
eu deixaria de ir.
Estava completamente dominada
dominada
Lyeth náo depois.
EStava completamente
procura-la
seus braços.
se ela iria estreitada
em
ser
de vocë primeiro.
pelo desejo mais tarde. Va
Irei
CASSANDR A RIOS
154
melhor, Mam e pensará que ficarei
Está bem, será
sim?
só. Mas não demore
Não demorarei.
Deixou-a convencida, por pro-
Lyeth voltou para casa. o
derrota.Queria aproveitar
pouco mais
sua
um
longar resistência.
último instante de sua frágil
velozes, discorreram rápidos pelo
Os minutos passaram
viu quando d." Eney desceu
mostrador do relógio. Da janela
Demorou-se mais, para
a ladeira. Irez estava esperando-a.
Abriu a porta e saiu. irez
Vingar-se do muito que a esperara.
chamou-a da varanda.
Você não vem?
coman-
Estou a caminho. Os passos apressaram-na
misteriosa.
dados por uma fôrça superior,
- Entre. A porta está aberta. Gritou Irez surgindo
na janela.
Lyeth entrou na sala. Esperou-a longos minutos. irezZ
não descia. Esperava-a no quarto em silêncio. Lyeth subiu
as escadas a dois e dois degraus. Abriu a porta com estrépido
e seus olhos buscaram-na sequiósobs.
Por que você está vestida assim, de penhoar?
- Mamãe não pensará que eu sai e depois. VOce

não gosta?
Provocadoramente acercou-se de Lyeth. Fêz-se abraçar
e a sua böca ignescente procurou desesperada a bôca de Lyeth.
Fela prirneira vez sentia todo o corpo dela em Slas
maos, quase desnuda, colando-se-lhe á carne num ampiexo
desnorteante. Pela bôca sentiu correr um laivo salível. Aper
tou-a mais. Seu corpo tremia num nervosismo tácito. Irez na
mais era a menina que temia tocar. Tornara-se uma m uIh ner

Uma mulher exótica que não podia ser daquêle munuo


Era um poder com máos invisíveis a manejai
jar-lhe os Cinco

ébrio de desejo. Irez


A
A VOL ÚPIA DO PECADO 155

Lyeth Voce esta en lou que.


156 CASSANDRA RIOS

receio de que Lyeth a repudiasse. Valia-se de sua beleza


fisica
para dominar a companheira e astuciosamente fazia-se
mais
sedutôra
AVOLÚPIA DO P ECADOo 157

E ela ajoelhava-se pés, rendida, humilhada, dominada


aos seus
por aquële sentimento que para Irez talvez náo
passasse de
desejo, de capricho. Náo. Nao era assim. Irez amava-a, tal-
vez muito maiS do
que era amada para nao poder resistir,
não ter fôrças para lutar. E via
naquele amor tôda a sua
ambição. Os olhos sonhadores fitavam-na com idolatria.
Estáticos, quase parados.
de dor corria-lhe pelo Marejados de lágrimas. Um vinco
canto da bôca. Apertou os lábiose
fêz um muxöxo como se fôsse chorar. Lyeth
pranto afagando-a impediu o

faze-la sofrer
com palavras carinhosas. Condenou-se por
e
suplicou beijando-Ihe o rosto:
Não chore. Não chore pelo amor de Deus. Não
chore. Nao
Você só me faz sofrer. Não vê que não
sar, nao quero quero pen-
preocupar-me com êste sentimento? Eu já
sofri muito, talvez mais que voce. Fui desprezada, humilhada.
Você quase me bateu quando-lhe confessei meu amor.
-

Não fale. Não fale nisso.


Eu preciso falar! Irez continuou entre lágrimas. A
cabeça apoiada em seu ombro. Apertando-a para que ela não
a
impedisse de continuar.
Ficou silenciosa ouvindo-a.
Você repudiou-me. Disse-me que nada poderia fa-
zer por mim. Ah! quando me lembro de tudo que me fez
tenho desejo de odia-la. Como ria Estava vingada. Vingada
de algo que no soube compreender que para mim foi tão
ruim. Eu queria o seu amor. Você chamou-me de covarde.
ae sem vergonha. Náo sei porque me taz sofrer tanto. Beija-me,.
abraça-me e depois torna a dizer que não pode ser, que não
Compreende porque me ama. Como se eu fosse um bicho, um
monstro. Você n ão me ama. Quer apenas gozar a minha in-
relicidade. Não vê que o meu sofrimento e igual ao seu, ou não
terei coração, orgulho e vergonha:
Não Irez, assim não. Nunca a chamei de covarde
Ou de sem vergonha.
Chamou sim.
Mas no foi por isso.
Por que então
158 CASSANDRA RIOS

Você sabia que eu nao resistia mais e continuava a


insistir neste absurdo. Agora porém nada importa, matemos
O passado. Perdoe-me. Sei que não devia falar sôbre isso.
Eu quero você. Quero seu amor. Näo aguento mais. Se Deus
assim quis assim será.
Chamou-a depois, num sussurro olhando ao redor.
- Que foi?

Escureceu e não percebemos. Como na primeira


tarde, lembra-se?
Como poderia esquecer. Só ao pensar sinto um ar-
repio percorrer-me todo o corpo.
-Será melhor que eu me vá agora. Disse Lyeth me
ditativa.
irez puxou-a enlevada abraçando-se a ela.
-.Lyeth, não desperdicemos mais o tempo. Ele passa
veloz, nada o détem. Façamos de cada minuto uma eterni-
dade para um beijo. Pensemos só em nós duas. Lutaremos
contra todos e contra tudo. Nunca mais me diga adeus.
Aproveitemos o máximo, que importa o resto? Farei tudo
que voce quiser.
E eu o que você mandar, creia.
Desceram as escadas trocando beijos em cada degráu.
Pararam na sala as escuras. Encostaram-se
a porta abraçadas
Todo o corpo de Irez, sinuosamente se colou ao seu. Mórno
e palpitante. Lyeth novamente abriu-Ihe o
penhoar enquan
apertava aquela bôca deliciosa contra seus lábios febris. Irez
nua
sob a fazenda fina que a envolvia premia-a mais agar
rando-se-Ihe á cintura. As coxas carnudas, entre as suas,
provocavam-lhe carícias demoradas, movimentando-se inten-
C1onalmente. Seu corpo insinuava-se lascivo empenhado na
obra de sedução, acordando os sentidos de Lyeth para um
desejo maior e irrefreável.
Você está me provocando. Não faça isso. Sussuro
Lyeth acercando-se da porta.
Irez nada dizia. Continuava a espreme-la contra
Tede como se quisesse entranhar-se em seu corpo. mcia
Cia
EStre
derepente
A VOLÚPIA DO PECADO 159

na espinha dorsal. Lyeth sacudiu-a pelos braços afastando-a


de Si. Ela transpirava. Sentiu nas maos as suas carnes ume-
decidas. Um nervosismo execrado contra o desejo latejava
em seu intimo, rebelou-se de
desespero.
Pare com isso. Enlouqueço.
rez dobrou-se
para trás colando-se a ela novamente,
com veemência. As mãos emaranhando-se-lhe nos cabelos.
E u quero que você me deseje. Quero que você enlou-
queça. Enlouqueça! Quero que fique louca! Bem louca! Com
os dentes cerrados assim falou e procurou a boca
que tremia
ao nível da sua. Abriu-lhe os lábios e
chupou-os ávidamente.
Parecia querer devora-la com aquêle beijo. A
impetuosidade
arrebatava-a do mundo arrastando Leyth consigo numa
mesma vibração para um louco destalecimento.
yeth deixou-a quase sem o perceber. Saiu da casa feito
sonâmbula. Quando despertou da enmbriagueZ, sentia ainda
omo a apertar-Ihe o corpo o calor dos braços sôfregos de
lrez. Estirada na cama revivia as sensaçoes que provara, Não
era mais só a sua alma que vibrava por Irez. O corpo clama
va-a com desespêro. Queria sentir na böca aquêles lábios ver-
melhos e sensuais. Aquela bôca que só sabia beijar e dizer-lhe
o quanto a amava.

Que estranha mulher. De onde viria ela? Do céu? Da


lua? Das nuvens ou das entranhas do solo? O que teria ela
em seu corpo morno e lascivo que a enfeitiçara? Parecia uma
serpente sinuosa a enrroScar-se-lhe ao corpo para devorá-la.
Fazia-a sentir delicias, fazia-a sentir medo. Haviam ihe dito
que ela era uma criança ingenua. Mas como haviam se enga-
nado. Não era santa, mas satanica e bela. Era tão diferente
das que conhecera tão banais. Eo Seu amor real e puro dera-lhe
todo para que ela assim o sugasse ate o ültimo êxtasse.
coração de há muito n o sentia pois dera-o com o primeiro

beijo. vida. Mas.


Dar-lhe a vida? Era dela a sua

se outra vez. Se não podiam seguir juntas por que haviam


de querer-se!
Nessa noite quase n a o dOIIu. Acordava
160 CASSANDRA RIOS

A manh veio encontra-la chorando em silêncio. Só.


Ninguém para explicar o porquê do terrível acontecimento.
Ninguém para livra-la das divagações. Sentia mêdo. Um
Um
medo terrível do desenrolar de sua vida com Irez. Chorou.
Chorou por muito tempo.

Dançar era sempre um pretexto para lrez provoca-la.


Esfregava-se ao seu corpo apertava-a, afastando-se depois
lentamente. Beijava-lhe o pescoço e respirava com a bôca
meio aberta, bem junto ao seu ouvido. Mordia-lhe os l16bulos
das orelhas. Passava os lábios pelo canto de sua bôca e não
se deixava beijar. Fustigava-a consciente do desespêro de
Lyeth que estremecia involuntàriamente. Agarrava-se a ela
com sofreguid o. Passava as m os pelo seu rosto. Fazia-a
fitar bem de perto seus olhos, entreabria os lábios e passava
por êles a lingua provocadoramente como para umedece-los.
Entregava-se. Cerrava os olhos, suplicava com os dentes
trincados, as mãos apertando-a contra si, as narinas frementes.
- Beije-mne beije-me Lyeth. Beije-me depressa que
eu morro.
Quando Lyeth ia beija-la afastava-se. E fugia. Subia
as escadas e trancava-se no quarto. Lyeth olhava ao redor, e
se não via ninguém por perto corria atrás dela. Quando abria
a porta, Irez jogava-se em seus braços e beijava-a como uma
louca quase sufocando-a. Seu erotismo era tal que chegava d

morder Lyeth que chorava baixinho.


Não chore bobinha. .
Voce me provoca e depois me morde e me repele.
E que eu a desejo tanto que enlouqueço. Quero inc
sabe o
ta-la. Você é to fria. . . eu a desejo. desejo.
que é 1Sso?
Você só me deseja?
Amo. Amor sem desejo não é amor. Você é mnnd
Sou. Su töda sua. E voce?
E u sou tão sua que náo me pertenço mais.
Prove, então.
A VOL ÚPIA DO PËC ADO 161
Como Lyeth? De que maneira?
Queria possuí-la.
Toma-me. Então êste corpo náo é seu? Já não lhe
dei há muito? Que espera
para
disso há tanto tempo.. . Sua. possuir-me?Sou sua, ja sabe
Lyeth apertou-a em desvario. Não sabia o
e nem que ia fazer
queria pensar. Irez fechou os olhos e insinuou o
contra o seu.
Lyeth afastou-se por um instante. Os corpoolhos
prenderam-se-lhe
do penhoir
aos seios desnudos
que surgiram pelo decote
entreaberto.. Não resistiu e pela primeira vez
deslizou a mão por sob as roupas dela e
Irez estremeceu e agarrou-lhe os seios.
apertou-a convulsivamente.
Ai amor, que loucura!.
Esmagou-os! Acariciou-os! Não
nervosismo. Respirava cansada como sepodia
ser carícia tanto
tivesse escalado uma
ingreme ladeira. Os lábios ressequidos, agarrada aquêle corpo
como se tivesse medo de cair e
de um
desaparecer na
profundidade
poço escuro. Queria possuí-la. Ela
como? Como poderia? Os entregava-se. Mas
pensamentos cortaram-se-Ihe. Lem-
brou-se do que d.a Margö lhe contara. E então como se
panhasse uma cena que se descartinava em sua menteacom des-
vairada foi deslizando medrosamente a mão
Irez livrando-a do penhoar aos poucos. pelo corpo de
Estremeceram juntas
quando lhe apertou a carne nua. Passou as mâos pelas coxas
que se separaram maliciOsamente. Desabotoou. as' calcinhas
e
alisou-lhe o ventre, timidamente. rez ficóu passiva
do que ela se decidisse. Lyeth porem mais uma esperan-
vez afastou-se
nervosa. A outra agarrou-a com força e
beijou-a na bôca co-
mo se assim ordenasse que ela
proseguisse.
A1.Ai... amor. .vocë està me
provocando. ..
I r e z , beije-me sem cessar. Sabe o que vou fazer?
Você que ser minha!
Ela respondeu com palavras evasivas, cerrando os olhos
e
beijando-a com furor.
S o u sua. . . tôda sua.
Lyeth atreveu-se mais. Desta vez decididamente. Irez
ofegava. Os biquinhos de seus seios estavam endurecidos.
Sentiu desejos de prende-los nos labios e chupá-los. Nêsse ins-
162 CASS AND RA RIOS

tante um tremor agitou-a, prosseguiu fitando-a curiosa, O


Tia ver o que ia acontecer. A pele dela estava tôda arreniad.
como se Irez estivesse com frio. De sübito ela
pôs-se a estro.
mecer,fortemente. retezou-se e trincando os dentes
exalou um
profundo suspiro.
Irez, meu amor. . o que foir O que
voce tem?
.

Perguntou Lyeth aflita.


Ela escondeu o rosto chorandO.
Lyeth tentou abraça-la.
Está me machucando. Não quero mais.
Perdão. Chega
perdão . eu
. .

nao queria. .

Lyeth chorou tambéme tentou levantar-se.


Não. Não vá. Puxou-a outra vez sôbre si
com a bôca umedecida por lágrimas.
e
beijou-a
Vá lavar a máo.
Eu vou embora.
Você tem direito é assim que eu a
Sou sua
quero,
Prometo que nunca mais farei isso. Nunca mais.
Lyeth,, olhe para mim.
Nao posso. Nunca mais terei
coragem de fita-la.
Não me torture. . Sem seu olhar não Vivo.
Eu quero ir embora. Deixa-me. Devo ir.
Não vai nao. Eu nâo deixo.
Choraram agarradas.
Serå melhor terminarmos antes que aconteça algo
pior. enho mëdo de que se passe coisa idêntica e eu nao
quero. Isso é sujo.
Não é não. Se você me ama, não é. Farei tudo que
ro-
quiser mas olhe para mim... Fui eu que a obriguei a pro
ceder Há muito
assim. tempo sonhava com isso.Eu q
ser sua. Vamos olhe para mim.
sol
Não posso. Não posso. Deixe-me ir por favor
te-me.
ba
Ouviram a porta da sala bater. Irez correu Pard
escada ada.

nheiro. Lyeth para o espelho. Passos ressoaram nacom


cama um
un
enita entrou no quarto. Lyeth sentara-se 11a can
livro aberto na mão simulando ler.
A VOLÚPIA DO PECADDO 163
Oh! Como vai Lyeth? Perguntou Lenita com a lín-
gua entre
os dentes, assoprando "THE"
última silaba de seu nome, como
um
inglesado na
sempre fazia.
Bem você? Trabalhou muito
e
Estou morta. Com todos os hoje?
sintomas de moléstia
grave.
Nossa! E o que vem a ser essa
doença tão grave
Cansaço!
E Lenita jogou-se sôbre a cama. Ao lado de Lyeth. Foi
assim que Irez as encontrou. Fitou Lyeth maliciosamente, com
um lampëjo de raiva, o mesmo olhar com que a fitava
falava de Antônio. quando
Conversaram as duas por algum tempo sôbre coisas
Sem importância,
enquanto Irez andava de um lado para outro.
Um difuso ressentimento apossara-se de Lyeth.
Lenita levantou-se e saiu do quarto cantarolando.
Lyeth baixou os olhos medrosos e levantou-se tamn-
bem. lrez segurou-a pelo cotovelo.
Vá lavar a mao.
Vou embora.
Lyeth, quer que eu chore mais ainda?
Não. Quero apenas que você me perdoe.
Perdoar o que?
O que eu fiz.
Eu não perdoo-o se você fôr embora.
Tentou ainda uma vez beij-la porém Lyeth recuou
Vivamente. Saiu do quarto. Hesitou um instante no patamar.
Lenita chamava-a. Irez seguia-a alguns passos.
- O que você quer Perguntou Lyeth à irm de Irez.
Avise sua irmäNadja que mais tarde, depois do
Jantar irei á sua casa. Prometi ajeitar-Ihe as sobrancelhas
mas nao tive tempo até agora.
Antes que transpusesse o limiar Irez ainda puxou Lyeth
contra si e conseguiu roubar um rápido beijo. Depois Ihe se-
gredou ao ouvidoO.
Eu também irei.
CAPITULO XXI

Lyeth estava febril. Jurou enèrgicamente que aquilo


não aconteceria outra vez, T 1nha agora mêdo porque tudo
entre elas seria diferente dessa noite em diante. Irez entre-
gara-se como se a pósse fóSse possivel. Depo1s repudiara-a.
Talvez a tivesse realmente machucado. Ficara tão nervosa.
Não sabia como continuar. Era tão estranho! Devia ter
doido. Devia ter doido muito. Irez a empurrara com bruta-
lidade e até chorara
A VOLUPIA DO PECADO 165
Hipócrita!
Olharam-nas com
indignação.
Os outros, atentos naa
conversa que mantinham no lado da mesa não tinham
outro
escutado as recriminaçoes que se faziam as duas
- O que foi que aconteceu?, jovens.
suelo curiosa. perguntou dona Con-
-
Lyeth está zangada comigo.
Lenita retrucou:
Irezinha, o que é isso? Essas
duas vivem brigando.
Qualquer dia apanharão de mim. Concluiu voltando-se para a
mae de Lyeth.
Irez afastou-se
166 CASSANDRA RIOS

Corria o mes de novembro. Dia dois. Finados.


brio e triste como em todos os
Som
anos.Pensou que seria pecado
ouvir músicas tão românticas, porém n o fëz .caso. Seu pe
cado era a "leviandade". Seu pecado era "rez", êsse outro
nao poderia aumentar mais o pëso de sua alma.
Quando Irez entrou não se moveu. uvira-a caminhar
pelo jardim. Não a fitou, nem respondeu quando ouviu
seu nome
proferido tão meigamente e de tão perto. Irez
continuou falando:
Sua maãe saiu?
Foi ao cemitério. Sairam todoos.
Por que você n o foi?
Preciso responder?
-Será possível Lyeth? Será
agir dessa maneira?
possivel que continue a
Você jurou judiar de mim? Por que
tanta indiferença?
Compreenda Irez, seria melhor se nós não nos tornas-
semos a encontrar.
Benditas palavras! Quantas vêzes
Não adianta! Não adianta! gritou
já me disse isso.
aos ouvidos. neurastênica, histérica,
Ficou louca?
com fôrça. perguntou segurando-a pelos braços
-
Será .que você não
Sofre tanto sarcasmo, tanta compreende que uma pessoa que
se á humilhação e desprêzo, dobrando
um
orgulho que chora dentro da alma,
A VOLUPIA DO PECADO 167

Querida! Tem razão.


Sim. Sempre tenho razão entretanto está sempre a
fugir-me concluiu rancorosa. Abraçou-a. Estendeu-se a seu
lado. O desejo envolveu-as com seu misterio nú num
xo desvairado. Rolaram
ample-
pela cama, sequiosas. Irez deixou-se
possuir, vertiginosamente, excitando-a. Gemia com a böca
apertada á sua, sufocando o desespêro que se apossava de
seu corpo. Lyeth sentia-a desfalecer
entre seus braços. Enxu-
gou-Ihe as lágrimas com beijos. O rosto dela estava úmido
porém as lágrimas eram de Lyeth que via naquele corpo o
suplício do resto de sua mísera existência. Irez agarrava-se
a ela e murmurava seu nome entre suspiros esparsos, entre-
cortadoS por um estremecimento que fazia a cama ranger.
O ruido envergonhava-a. O elástico da calcinha dela machu-
cava-lhe a mão. Quando afastou-se um sulco profundoe
vermelho cortava-lhe o pulso. Pelo quarto espalhava-se um
aroma diferente. O aroma do pecado cometido. Irez esten
dida a seu lado, os olhos cerrados, parecia dormir. Porém
no movimento lascivo de seus láb10s leu um nome uma
porção de vêzes.
- Lyeth.
Lyeth.
Que é, amor?
- Voce. Nada mais. Agora, eu quero você. Quero
possui-la á minha maneira.
Lyeth ergueu-se rápida
168 CASSANDRA RIOS

Irez levantou-se. Os olhos chispando indignação. Quase


não
CAPITULO XXII

Agora fitava-a sem receio. Sem pudor. Despida de ver-


gonha. Deixava transparecer nas pupilas todo o desejo que
lhe ia na alma. Entregava-se tôda aos
carinhos a outra
lhe dava. Parecia ter esquecido no último sono que
que dormira,
todo qualquer ressentimento contra o seu incomensurável
e
amor. Sorriam juntas. Procuravam-se. Fugiam ààs
des de um intruso. Excluiam-se do mundo.
proximida-
Viviam apenas
uma outra.
para a Lyeth sentia-se 'adorada por Irez que vivia
a vigiá-la, no perdoando quando ela saia sem tê-la avisado.
Proibiu-a de falar com os rapazes que paravam na esquina
e tão logo a viam iam ao seu encontro
170 CASS ANDRARI OS

Porém quase sempre repetia a mesma cena. Era


Ciúme doentio. ciúme.
E certa noite o inevitável aconteceu. Estavam na
A noite estava amena. Em marcha lenta um carro janela.
passou na
rua quase
parando em frente da casa de Lyeth. Irez reconheceu
Antônio e antes que Lyeth tivesse tempo de vê-lo,
puxou-a
para dentro a chorar.
Sem vergonha. Bandida!
O que foi, Irez?
Era por isso que você queria ir embora cedo. Por
isso insistiu em ficar na janela. Era por isso
-
Mas isso o que?
-Ele passou por ai. Voces marcaram encontro!
Mas êle quem? Perguntou ainda sem compreender a
súbita mudança de Irez.
- O Antônio, sua cínica! Hipócrita. Fingida!
Você está sonhando. Eu nem o vi. Estive todo o
dia com você de manhâ á noite. Como seria possível?
E acercando-se a sorrir tentou abraça-la. Irez empur-
rou-a com brutalidade.
Vá ter com êle.
Enraiveceu-se. Era demais. Náo poderia continuar assim.
E inútil. Você não acredita em mim. Que devo fa
zer para convencê-la de que só há uma pessoa no mundo que
me interessa? Você é um tormento, mas é o único sofrimen
to que eu gosto de ter.
E ainda sorrindo tornou a abraça-la.
Só darei crédito a você no dia em que fôr minha.
realmente.
Lyeth voltou-lhe as costas. Tornou a voltar-se. Passou
a mao pelo rosto e quase sem fôrças,'ainda vacilando consentiu.
- U m dia eu serei, espere! Tenha calma.
Irez abraçou-a arrebatadora, com uma expressão fell
a cana:
Hoje, Lyeth, agora. Tentou deita-la sôbre
Hoje não.
Que diferença faz hoje, amanh, depois, qualque
dia?
Nenhuma. Por isso saiba esperar.
A VOLUPIA DO
PECADO 171
Lenita aproximava-se. Lyeth já sabia diferenciar seus
passos, correram a
debruçar-se à janela.
E
sempre assim. Tôda vez que eu
quase consigo
possui-la essa idiota aparece.
Chego a odia-la.
Não fale assim de Lenita. Ela é tão boa.
"Bôa". E essa a erpressão justa! "Boa"!
mente, gosta tanto dela. Pensa
Natural-
que eu nao vejo a maneira
como vocë a
olha! E remedeando Lyeth pôs-se a falar. "Seu
corpo. é muito bonito Lenita. Você
parece um manequim
frances. Quantas curvas! Nunca vi um
corpo igual ao seu".
Ih! tenho até inveja.
Exagerada! E Lyeth tentou fechar-lhe a bôca com
a palma da mão. Correram pelo quarto. Irez chamava-a de
"hipócrita e sem vergonha" Essas eram suas palavras
preferidas.
Você está louca. Náo é cabível uma coisa dessas.
Acho sua irmá bonita. Ela pediu-me uma opinião, disse-lhe
o que penso, realmente. E por que não haveria de dizer o
que penso?
Ela está apaixonada por voce. Diga a verdade. Você
Vinha aqui por causa dela, quando nos conhecemos. Deixa-
va-me sòzinha na outra sala, feito boba.
- Mas Irez! Irez do_céu! Onde está a sua cabeça?
Que idéia você faz de mim? Desconfia de todos os meus ami
gos, sem exceção de um. Náão posso nem fingir alegria quando
OS encontro por acaso. Sempre ve alguma cO1sa no mais insig-
nificante sorriso. Você nao deve ser assim. Até Ramilia diz
que me desconhece, que ando esquiSita. Que não sou mais
a mesma, que sempre arranjo um pretexto para n o falar
Com ela que finjo nao vë-la, que estou virando freira e que
Sua casa é o convento.. E nao é só ela que diz isso. Todos
a que conheço. Chegam a perguntar descontiados o que é
Ah! Outra coisa, d.a Zaida, m e de Ra-
que nós fazemos.
milia perguntou-me o que acontecera naquela noite em que

Você me tão zangada da janela quando Antônio pas-


puxou
sou, novamente. Ela viu.
Presenciou
tudo da varanda. Quase
desmaiei. Disse-1he que estavamos brincando e sabe o que
ela respondeu? Que brincadeira estranha! E era por isso que
172 CASSA NDR A RIOS

hoje, eu queria ir embora cedo. Prometi a ela que iria em sua


casa jogar "canastra". Quando me convidou ela ainda
disse
sarcástica: "Isto é, se a sua amiguinha consentir". Já
é demais. Estou cansada. Está tudo acabado. Quer saber de
uma coisa? Eu não a amo. Nunca a amei
realmente. Eu a
odeio! Acabou
CAPITULO XXIII

Lyeth modificava-se dia a dia. Embora as


rassem com facilidade náoo mais escrevia. No palavras jor-
mais poesias de pés compunha
quebrados.
Cada vez mais adorava Irez. Náo
Não vivia, não poderia
comia, não dormia.
viver sem Irez. Era um obcessão.
Quando o nome dela lhe afagava o ouvido era o mesmo
que sentir uma corrente elétrica
era o de
percorrer-lhe o corpo. Irez
porque tôdas as coisas. Sem ela a vida seria vasia e
insipida. Irez. Só Irez. No existia mais nada,. E por sua vez
tornava-se temperamental, ciumenta.
Chegava a bater-lhe
quando ela lhe falava nas amigas que tivera e apanhava
do repetia o nome de um homem quan-
qualquer. O que mais
preocupava Lyeth era que lrez ticava mesmo febril a ponto
ae ir para a cama, chamando a atençao de seus pais quando,
deixava, só para Ihe fazer ciúmes, de ir á sua casa. Ou então
quando está a surpreendia conversando com Ramila, ou com
qualquer outra pessoa. Irez pareci1a odiar todos os seus ami-
gos e o demonstrava claramente, nao se importando com
o
que pudessem pensar de suas maneiras anti-sociais.
Tinha pavor das cenas de ciumes em que Irez ria e
chorava ao mesmo tempo. Agora porem, à medida que o
tempo passava sentia prazer em assisti-las. Sentia-se mais
amada. E como gostava quando rez a seguia de
saia
longe se
premeditadamente fingindo estar com
ntenço de falar
com alguém à escondidas. Drigavam muito, porém sempre
voltavam ás boas.
O pior é que não podiam ficar tão sós como há
Como se não bastasse a nova alguns
dias. empregada, desconfiada
174 CASSANDRA RIOS

de irritar um santo, d. Felicia a recente moradora do sobrado


vizinho, náo saia da casa de Irez. E Monica a
empregada
perseguia-as com insinuaçoes. A situaçao tornara-se de fato
perigossa.
Vocês não
enganam, dizia ela, pensam que não
me
vi pelo espêlho
do guarda-roupa? Cada beijo? Cada
tão. Vocês têm um fogo! . aper-
-Mentirosa! Você não viu nada. Retrucou
sentindo todo o sangue afluir-lhe ao rosto. Lyeth
-Não dë
importncia aoque ela diz.
Não precisam ficar mèdo. Eu prometo não
com
contar nada. Voces são formidaveis. E Monica
rir da raiva punha-se a
que se estampava no rosto das duas
transidas de mêdo. jovens
Agora vocês faro tudo que eu quiser. Eu
muito de vocês. Muito mesmo. O seu gosto
sarcásmo não tinha
limites. Vejam lá se vocês não se
esquecem de pôr uma toalha
no
espelho na próxima vez! Lyeth e Irez
procuravam trata
la o melhor possível temerosas do
que ela pudesse fazer.
Quase protestando, mas curiosas, ouviam tudo o
contava ensinando-as sõbre o que ela
que poderiam fazer duas mulhe
res.
apaixonadas. Lyeth uma vez chorou de raiva por sentir-se
prësa ás vontades daquela india
cabelos negros
queimada, de Qlhos puxados,
azeviche, bonita mas tão sem vergonha.
como
Vaidosa ao extremo. Sempre recendendo à
Nesse dia Monica reconheceu sua
perfume barato.
maldade e chegou a
arrepender-se.
Não chore Lyeth.
-

tecem. Desculpe-me. Essas coisas acon


Vocês são vítimas do destino.
Não chore mais. Eu
estava brincando não sou
tão má quanto pareço. Eu aju
darei vocês.
Que inferno! Já náo basta tudo
VOcë ainda nos
atormenta.
que sofremos
Eu nao aguento mais.
Mas Lyeth, Monica é nossa amiga. Vai ajudar-no
Nao ouviu o
que ela disse?, suplicou lrez
Ela diz isso todos sOSsegada
os dias. O que quer de nós, afi
nal? Que nos
tornemos suas escravas?
Quero apenas que sejam minhas
amigas.
A VOLÚPIA DO PECADO 175
Fizeram planos para se livrarem dela. Náo resultou nada
de bom. Acabaram por acostumarem-se com a incrível Monica.

Vinha-he à mente os nomes


proferidos por d." Margot,
agora lembrados por Monica atribuidos às mulheres que
se amavam como elas. Curiosas consultaram o dicionário
Homossexuais, Tribadas, Lesbianas! Seriam elas? Fitaram-
se curiosas. As curtas explicações nao as satisfez.
passar os dias alimentando o desejo de desvendar o tormen-
toso mistério com auxílio de melhores livros. Queriam saber
o porque de um amor tão desnatural.
Epara completar a curiosidade de Lyeth, Irez contou-
The um caso que acontecera na fazenda de seu tio anos atrás.
Indignada perguntou-lhe a[e ela já sabia tais coisas.
Irez negou.
-Fiquei
176 CASSANDRA RIOS

Se fôsse eu ficaria espiando. Mas, o que você está pensando?


Está com uma cara esquisita. .
Estou pensando que você me conhece há apenas
sete meses.
E o que tem isso? Para mim é tôda a vida.
Isso quer dizer que você já sabia dêsse caso, muito
antes de me conhecer. Você mentiu duas vêzes. Disse que .
foi sua tia que lhe contou. Eu quero saber porque você
mentiu.
Irez empalideceu. Não soube explicar-se. Fêz uma con-
fusão tremenda, mas acabou por convencer Lyeth que fôra
ela que se enganara, que entendera mal. Dois anos era apenas
um modo de expressar-se söbre o tempo que passara sem
ver Maria Laura.
De que adiantaria discutir com Irez? Ela sempre vencia,
pois nâo parava.de falar até que lhe dessem crédito. Lyeth
fingiu acreditar e acabou por esquecer-se. Em fim, estava
provado que elas nao eram o único caso no mundo.
Isso era o que realmente importava. Dêsde há muitóo
uma desconfiança estranha vinha apoquentando-a. Passou
a fazer-lhe perguntas às quais Irez respondia com naturali-
dade sem perceber seu interêsse.
Irez, como foi que você percebeu que me amava
E uma história muito comprida. Sabe, eu a conheço
há muitos anos. Você não crê?
Como assim? Conte-me.
Quando eu ainda era pequena, devia estar mais ou
menos com uns nove anos, tive um sonho que nunca mai
consegu1 esquecer. Sonhei que já era moça. E me vi ta
qual sou agora. Estava nua deitada num sofá. Derepen
senti pesar
söbre o calor,
meu o a nudêz estranha de u
corpo moreno. Era outra moça. Ela me beijou na boca
beijo so, interminável, que me fêz estremecer. Senti u
sensaçao violenta. Quando acordei ainda sentia a mesma Se
ueci.
saçao gue me dominara durante o sonho. Nunca mais esqu
a
Quando a vi pela primeira vez imediatamente reconhec
7ue
moça do sonho. Você era ela. Identica. Tão identicau
senti meu coraço pulsar acelerado. Dêsde então. eu nao on
A VOLUPIA DO PECADO 177
seguia deixar de pensar em voce. Quando passava por perto
de mim, sem olhar-me, sem me ver, eu quase não conseguia
conter a raiva. Chegava a xinga-la baixinho, porque você
não me v1a ali, prêsa á uma admiração, desejando-a louca-
mente. Fiz de tudo para conseguir sua amizade, e quanto
mais sofr1 para conseguir seu amor. Como você brigou cO-
migo! Passei tanto mëdo. Ah! quando finalmente voce con-
fessou que também me amava sabe? A primeira coisa que
pensei fazer foi vingar-me. Fazê-la sofrer o mesmo receio
que eu sofrer. E quase a perdi. Tive ent o que chorar, su-
plicar, humilhar-me para te-la de volta. Agora sei que nunca
mais me deixará.
Interessante! Muito interessante! Você não estra-
nhou esse sonho?
Como poderia estranhar se eu era ainda tão crian-
ça? Prêsa à tanta emoção nem siquer imaginei que fôsse
anormal. E depois nao passava de um sonho. Quando com-
preendi, fiquei com mêdo.
Lyeth fitava-a demoradamente. Em cada palavra des-
cobria coisas a respeito da amiga. l inha a impressáão
novas
de que quanto mais íntimas se tornavam menos a conhecia,
Irez sempre reservando surprèsas! Suas expressões mudavam
tao ràpidamente que Lyeth por vêzes ficava cismando se real
mente minutos antes ela lhe batera e se descabelara raivosa-
mente, tal a meiguice com que a beijava depois.

Agora mais uma vez Irez se desmentia. Ainda que se


mostrasse ingenua Irez nao 1gnorava ha muito tempo, que
existia aquela estranha possibilidade de duas mulheres se
amaremn.
Porém, quando Lyeth Ihe esternou sua desconfiança.
Irez negou, jurou, empenhou-se de tal maneira para que ela
acreditasse e discutiu tanto que Lyeth. se viu obrigada a calar-
Se e por fim á conversa, que certamente acabaria em bofetões
se fôsse prolongada. Irez porem nao se fartava de falar, exacer-
bando-se contra ela. Pediu-lhe desculpas aflita por acalma-la.
Nao gostava de vê-la assim nervosa. Seus olhos pareciam
irradiar chispas de verdadeiro odio. Nesses momentos Lyeth
CASSANDRA RIOS
178
sentia com angústia o quanto ela seria capaz de odiar. Náo

conseguindo acalmá-la voltou-lhe as costas enraivecida.


Ela náo consentiu que Lyeth se retirasse. Fechou a porta
com a chave e meteu-a no decote,
A VOLÚPIA DO PECADO 179
O corpo transpirava, transmitindo ao
1he tomava todo 0
seu a febre que
ser. O sangue
180 CASS ANDRA R IOS

Está latejando?
Sim. O sangue nas minhas veias borbulha eferves-
cente de desejo de voce.
Fechou os olhos. Os braços cairam-lhe ao
longo do corpo
numa prostação deliciosa. Lyeth ficou a olhá-la, embevecida
procurando no rosto sereno a loucura daquele momento. Ela
parecia imersa no maiS profundo sono. Contemplou-a fasci-
nada. Irez descerrou os olhos, tornou a
abraça-la, fitou-a
com adoração e carinho e
salpicou beijos pelo seu rosto. Os
lábios entumecidos pela violëncia dos beijos. As faces
das. Parecia que todo o sangue do corpo lhe afluira aos
páli-
lá-
bios arroxeados. Lyeth ticou pensando como a poderia amar
ainda mais. Irez era violenta e meiga nos momentos de amor.
Violenta de uma maneira quase selvagem. Seus
beijos eram
brutos. Suas mãos finas e delicadasS tornavam-se
enérgicas.
Meiga, de uma meiguice divina, deixando transparecer
em seus gestos uma ingenuidade pura. Ao senti-la assim o
coração surgia radiante de um sofrimento antigo sentindo o
vasio de sua impetuosidade violenta.
A calma voltou aos corpos. Ficaram entrelaçadas num
apêrto frágil que as prendia tanto. Era a calma que voltava
atravéz dos sentidos.
Mas, era sempre assim. Seria sempre assim. Provoca
tiva, com um trejeito de revolta nos lábios, Irez reclamou
seus direitos. Queria seduzi-la com beijos. As carícias demo
radas e precisas.
E u a quero. Você precisa ser minha. Quero-a agora.
Seja minha. Deixe-me possui-la. Eu quero vocë.
Recuperou a frieza do raciocínio. Ergueu-se com esto
O. Irez obrigou-a a deitar-se novamente e aconchegou-se a ela:

irez, o que você sente quando eu a


poSsuo
-Não sei. No me
pergunte.
Não se continha de curiosidade.
Diga, por favor. Por que você
sente? Se vocë disser serei
estremece?O que
sua.
Jura? Hoje? Agora? Parecia desfalecer de alegrd
Sim.
A VOLÚPIA Do PECADO 181

E uma coisa esquisita. Um calor que me percorre


o corpo, sinto um calido arrepio. Depois parece pare
ce que.
Parece o que? T ermina. Conclua.
Que levo um choquinho.
Um choquinho?!!!
Isso mesmo.
E dói?
Não sei. Mas que perguntas! Agora já lhe disse.
Ela enrubeceu e para fazê-la calar-se fechou-lhe a bôca comn
a sua. Lépida ergueu-lhe o vestido, agarrando-1hes as coxas
nuas. Lyeth desvencilhou-se dos braços que a prendiam e se
levantou.
Voce não me ama. Choramingou Irez.
Amo sim.
Então por que não quer ser minha?
Tenho mëdo. Tenho vergonha!. ..
Você prometeu e tem que cumprir.
Não posso. Lyeth explodiu encabulada. Náo
rez. posso

Näo pode mesmo? Pois então nunca mais serei sua.


Nem sequer tocará em minha mao. Desde
que n o sou dig-
na de voce.

Irez, você nao tem razão, nao faça assim


-

Não perderá nada por esperar. Irez afastou-se. comigo.


maos cóntra Apertou as
seios. Lyeth irritou-se contra ela que não
os
se
deixou abraçar, mas nao insistiu ficou em silèncio a
plá-la, enquanto ela abotoava a blusa lentamente. Irez contem-
fitava-a
desafiadora, imóvel, em pé á sua frente. Planejava algo. Sù
bitaménte põs-se a chorar e foi sentar-se a seu lado.
The o rosto entre as maose murmurou baiXinho Tomou-
ao seu ouvido:
Amorzinho. então você tem medo?
Medo de que?
De mimn?
Claro que nao, amor, 11otazinha. Náo
Não pense que.. chore mais.
Lyeth você não vai ser minha? Não?
182 CASSANDRARI

A voz dela amolecia-a. Tentou reagir. Nao


queria en-
tregar-se.
Um doce torpor invadia-a. As mãos leves de Irez
escor.
regaranm sob seu vestido subiam pelas suas cOxas
lentamente
conscientes de posse,
A VOLÚPIA DO PECADO 183

Lyeth com oscilações insinuantes. As mãos enérgicas a apal


Murmurou seu nome numa reson ncia amorosamente
pá-la.
exagerada.
- Lyeth. .. Lyeth diga que me ama.
Amo-a com ardor.
face, quase no
Irez estregou os lábios macios em sua

tentou beijá-la. Ela então


canto da boca. Excitou-a. Lyeth
Ihe provocara. Aumen-
esquivou-se confiante da sensação que
e mais as änsias.
tou-lhe mais
imobilizou-a segurando, com fôrça a loira cabeça
Lyeth num último
entre as mäos. E num desvario total tentou
Irez escapou
colar os lábios na bôca que lhe fugia.
esfôrço
se-lhe por entre os ligeira. Parou á sua frente pro-
braços. Fugiu
fascinando-a com os olhos cerrados, os lábios
vocadoramente,
estendidos, esperando o beijo. A res-

ligeiramente separados, fina que se de-


forte. Os seios arfando sob a blusa aos seus olhos
piração ofereciam
sabotoara. Aqueles
seios que se

com fúria.
indiscrétos. ela. Prendeu-a nos braços
voráz. Aper-
.

Avançou para vêzes num impeto


n a bôca repetidas Inclinou aa
Inclinou
Beijou-a Machucou-a com sua força subita.soutien
do trans-
tou-a mais. A r r e b e n t o u a alça
blusa.
cabeça.
Puxou-lhe a os biquinhos.endure-
Descobriu seus seios
tümidos, colo e apertou os
ma
seu
parente. böca pelo
Resvalou a Irez estremeceu,
e rosados.
àvidamente.
cidos
lábios
chupando-os
Apertou a cabeça de
milos entre os retezaram-se.
Os braços mais. seus
E de seus
enrijeceu o corpo. ela a desejasse
que
o coraçao para sensual e contagiante.
Lyeth ontra
débil gemido
um
escapar
lábios deixou mata.. . .

me
Você Sufocava-[e, com o
amor!.
Ai
. .

ansiedade.

eles. ntoxicada de
entre
rosto
apertado
184 CASSANDRA RIOS

Escondeu os seios. Lyeth ficou gelada de vergonha. Teve von-


tade de correr, correr sem
parar, por muito tempo até que
cansaço a vencesse e a prostrasse n0 chao duro. E al1 mesmo
dormiria um sono profundo, esquecida de S1, e então nâo a
desejaria mais.
-Sempre. E inevitável! Sempre alguém para atrapa-
lhar. Que ódio sinto! Disse Irez cerrando os
punhos e mor-
A VOLÚPIA Do PECA DO 185

tanto continuava viçosa. Cada vez mais bela. Parecia que


aquele amor Ihe dava mais fôrças.
Masculinizava-se quando tentava possui-la. Parecia um
rapazinho com tremenda fôrça
CAPITULO XXIv

Uma lágrima lhe correu pelo canto dos olhos.


poderia continuar a resistir-lhe? Que seria dela? IrezComo
uma
vez já a deixara só,
A VOLÚPIA DO PECADO 187
vibravam contudo cada vez com mais veemência as persis-
tentes palavras:
"Falsa como a côr dos cabelos"
Não. Irez no era falsa. Não era nada daquilo. Irez
amava-a. Era a febre que a fazia delirar. O mêdo de que ela
um dia mao a qusesse mais, que lhe trazia pensamentos maus.
Estava
CASSANDRA RIOs
188
Eu escutei amor. Eu choro choro porque não
sou falsa. Porque a amo. Sou sua. Jamais a deixarei. Aqui
estou. Toma-me.

Lyeth amanheceu febril. Tinha receio de perguntar quem


nao tinha certeza de que desmaiara
a pusera na cama. Quase
Doia-lhe o corpo. Porém sabia que não era causa da queda.
Talvez isso tivesse sido um pesadelo. A expressão de sua
mae, bem como a de suas irms, não revelavam nada de
anormal que pudesse ter acontecido. Lembrou-se de que quan-
do caira havia derrubado algo. Sentou-se aflita e olhou para
o chão à procura do vazinho. Fitou-o e fitou-o. Ali estava
sôbre o aparador. Intácto. Quase não acreditava. Parecia ter
sido tudo tão real. Mas, não. Fôra mesmo um pesadelo.
Lyeth não se levantou durante o resto desse dia. A fúria
alucinante dos pensamentos, enfraqueceram-na. Irez procu-
rava enlevá-la, sussurrando palavras entrecortadas por beijos
que Ihe dava.
Lyeth, meu amor por você nao acompanha o tem-
po que passa, êle se antecipa aos dias que virão, que serâo
mais nossos, sem uma chave na fechadura. Ninguém para
bater. E para abrir a porta, só você, para entrar; só eu.
Irez, quando você fala, sinto um nó na garganta,
que me prende todo o corpo, um mêdo assalta-me tenho
pavor da frustração que o destino poderá dar-me, privar-me
de estar perto de você não só amanhä ou depois, mas sempre.
Tsso nunca acontecerá serei capaz de dar um tiro na cabeça.
Bem que faz falta uma arma.
E bom avisa-la. Em casa temos dois revolveres. Nao
me deixe nunca, porque serei capaz de fazer algo muito grave
Eu dou cabo de você. Nunca
pratique essa tolice Lyetn por
Pe
que se arrependerá. N o pense em me deixar.
Depois de um longo beijo Irez fitou-a pensativa.
Sinto

Sabe Lyeth, quando voce me


perto de
-

estou
como um homem oró-
Franziu a testa intrigada com as pro
1SSO.

prias palavras, falara como se h' mnito se preocupasSe co


Credo! Que idéia!! Lenita.
E sim. Assustei-a? Eu até
já disse isso pard
PECADO
189
A VOLÚPIA DO
assustada.
Você o que?!, perguntou mudando de
desconfiava estar
Disse a ela que eu

sexo.
de dizer uma coisa dessas:
Como vocè teve coragem
Louca! Mil vezes louca! estou brin-
-E mentira, tolinha. Näo tenha medo. Eu
cando, foi só para ver o seu jeito.
êsse nome.
Que susto! E sabe? Proibo-a de falar
Qual nome?
Homem. Não gosto. Destôa tanto. Sinto vergonha.
Nenhuma de nós é homem. Nem eu. . . e . nem vocë.
Mas eu me sinto assim.
- Nao quero ouvir mais isso. Você é mulher. Bas-
tante feminina. Não há vestigio de. . .
Irez fechou-lhe a bôca com um beijo. O cobertor amon-
toado no chão, ficou esquecido: O calor do corpo de Irez
confundiu-se com o de Lyeth
190 CASSANDRA RIOS
rosto de uma "Madona". Tinha o efeito triste da
se entrepunha em seus lábios.
lágrima aue

Ësses seus olhos!. . . sempre chorando.


Ergueu as pálpebras pesadas. lrez reclamava. Não gos
tava de vê-la chorar.
Faz-me crer que sou uma assassina.
Não Irez. Você é uma Madona.
Irez riu. Não concordou. Enxugou-lhe o rosto
se
e
roçou os lábios pela sua face.
Você é morena, de um tom rosado. Sua pele é macia,
aveludada como um pëssego.
Repete o que já Ihe disse.
Eu sou clara. Tao pálida perto de você.
Pálida... da côr da lua, com laivos de um céu
azul. Sob a pele fina transparecem-Ihe as veias. Gostaria de
rasgá-las e beber todo ësse sangue que corre por elas com
tanto calor.
Vampira! Prefiro que me morda os lábios e me
arranque a alma com' um beijo. Morrer na sua böca, seria
viver dentro de vocë.
Quando eu morrer prometo prende-la em meus la-
bios. Seu nome será você na minha bôca
CAPÍTULO XXKv
A sombra de lrez
vagava por todos os cantos da casa.
E agora sentia tambem em
seu leito o
Assim que se deitava poder e o perfume dela.
e como uma
parecia ouvi-la caminhar pelo quarto
sombra esvoaçar leve e sem
a vida causando-lhe
impressao torturante das c01sas
que se deseja e nao se pode
obter. Era como o calmo
falar de amor. sôpro da noite, fremente por ouvir
As horas decorriam
lentas e o sôno não vencia sua
excitação.
A noite passou longa como
uma eternidade. O
que dormiu depois foi um sôno pouco
ça dela. atribulado, cheio da presen-
Era cedo ainda, não se
levantara e lrez
seu lado.
Chegou contente deitou-se com ela e já estavade-a
monstrando regozijo insopitável.
um abraçou-a
Por que tôda
essa
alegria?
Veja você, vamos passar tres Perguntou
dias
Lyeth.
em casa de
irmä Atila lá em minha
Campinas. Livres de todo mundo.
papai. Oh! que bom. Nao calcula como estou Longe de
Por contente.
-

que? Há
algum motivo especial para irmos?
Sábado haverá uma festa
Marcia nao quercomemorativa
do Tenis Clube e da
fundação
mos. Será o melhor baile do
ano.
deixar de ir, já
combina-
noites Imagine só, Lyeth, três
dormindo juntas e
num quarto sózinhas.
Seria muito divino. Muito mesmo
Ih! mas como vocë é pessimista. para dar certo.
-
Iremos também ao
Dailer
mada. Na de VOce está tão entusias-
Vidade.
voz Lyeth ecoava a notinha
egoista da exclusi-
Claro! Mas se voce
-

pensa
enganada. Nem sei o que fare.. que vai
dançar está muito
192 CASSANDRARIOs

Ainda bem que você diz issO, porque eu também


não quero que você danse. Estremeço de Ciumes sO em pensar.
Não dansarei, nao falarei com ninguém. Como
poderia dançar com outra pessoa? Tenho nöjo das mãos de
um homem. So tão grosseiras. Ah! quero que você fique
À VOLÚPIA DO PECADO 193
Pouco falaram durante a trajeto. O taxi que tomaram
à saida da estaçao corria veloz. Pouco depois o auto esta
cionou em frente à uma casa. Lyeth entrou relutante e olhou
ao redor timidamente. A sala de visitas era confortavel. Em
tudo notou o bom gôsto e a higiene daquela gente. Um chei1
rinho gostoso e um aspécto de limpeza reinava em todos os
aposentos.
Mais tarde, depois de ter mantido uma agradavel con-
versa com Atila, Lyeth em frente do espelho acabava de
dar o ultimo retoque na maquilagem. Irez entrou no
e parou para olhá-la embevecida, ao. vê-la com o seu vestido quarto
de tule branco. Lyeth envergonhou-se do olhar que ela lhe
lançava. Era o mesmo com que lrez a fitara no dia em que
a possuira pela primeira vez. Um olhar que despia, que pro-
vOcava sensaçoes.
Voce... Você está linda!
Nao retribuiu o elogio. Deixou-o prêso nos lábios. Irez
estava fascinante de azul. Os ombros nús. Os cabelos cain-
do sôltos sôbre as costas, como cascatas de luar. Caminhou
para ela. Passou. a maos pelos loiros cabelos. Reteve o de
sejo de apertá-la, de escondé-la num abraço para que nin-
guém mais visse a sua beleza e a desejasse como a desejava.
Estou fascinada! Vocë parece um raio de lua pur
púreo que veio ofuscar-me a vista. Roçou a face na dela
e beijou-a de leve.
Exagerada! - Riu-se
194 CASSANDRA RIOS

Lyeth sentiu um lampejo de raiva. A alegria


se instantaneamente. Pediu icença e se aiastou
estingüiu-
A VOLÚPIA DO PECADO 195
Vocë se parece com uma "Carmencita" .

Enfim
é uma espanholinha que caiu do planeta Marte.
Do planeta Marte!? Por
Para me "martirizar".
que?
Que idéia! Aposto que diz isso para tôdas.
Juro que é a
primeira vez.
Fingire1 que acredito. E você como se chama? Não
será Joseito?"
-
Não. Meu nome é Raul de Castro.
Mas quanta
morado de Irez! E
coincidencia!- pensou Lyeth, o ex-na-
196 CASS A NDRA RIOS

Sabe com quem dansei? Perguntou-lhe então


Lyeth, quase Vociferando.
Nao imagino.
-Com Raul! Raul de Castro. O tal orelhudo. Cada
Vez que nós nos viravamos suas vastas orelhas me davam
cada bofetada! Parecia um "burrico.
Palavras torpes, soaram num tom estranho 'como se
acordasse dentro dela um pifio sentimento. Riu-se. Quase
gargalhou, sufocada por um prazer diabólico, de faze-la so-
frer. Irez riu-se também. O seu fingimento era visível. A
exjpressão desesperada, o riso sem gösto e nervoso. As nari
nas dilataram-se-Ihe. Voltou-se subitamente, soltou um ge-
mido de intensa dor e balbuciou.

-Hipócrita!
Lyeth arrependeu-se. Olhou-a sufocando uma súplica
fervorosa.
Sem vergonha! Cinica! Você me paga! Ainda lhe
disse ela.
E durante todo o caminho de regresso Irez prosseguiu
vociferando histéricamente. Marcia indignada não compreen-
dia. não poderia compreender a, atitude ignobil da irm a
quem se acostumava a chamar "dengosa".
Não sei como pode existir gente tâo baixa, tão hi
pócrita, fingida e desclassificada.
Que é isso Irezinha? A quem você diz isso? A que
se refere?
A pessoa mais cinica do mundo. Å alguém que se
eu pudesse mataria, queimaria com o ódio que queima dentro
de mim nesta hora. Ah! se ódio matasse!. .. ah!. .
Lyeth apertou os braços contra o peito. Cravou as unnao
na palma da mão, reteve um gesto violento. Com sarcasnio
retrucou
Ela está assim não lhe deu
nervosa porque Raul
importância. os
Mentira! Se eu o quisesse tê-lo-ia em minhas ma
omo um escravo. Isso, se eu o quisesse. Náo se preocuP
cupe.

Se ele dansou com outra, devia ser qualquer uma conilada.


A VOL ÚPIA DO PECADO 197

Se cle chegou ao ponto de trocá-la por qualquer uma,


é porque não lhe dá muito valor. Não a ama. Você para êle
deve valer menos que. . . "a outra
- O homem é como o cão. Não despreza ôsso. Vocë
ainda nao ouviu dizer isso?
Lyeth quase explodiu. Sua revolta porém foi muda co-
mo o soluço que se arrebentou em seu coração. Irez continuava
a falar cada vez mais arrebatada. Apontou pela janela do
carro para uma casa.
- Veja Lyeth. É aí que Raul mora. Dansei tanto cobm
ele naquêle canto onde a penumbra é mais cerrada. Só eu
e ele, não havia nínguém por perto. Estavamos täo agar
radinhos! Ele sabe gostar. Estava táo açanhado.
Marcia interrompeu-a estupefata.
Irez! Você está ficande, louca? Perdeu o juízo?
Se Lyeth nao a conhecesse acreditaria. Onde já se viu dizer
semelhante coisa. Você nunca ficou a sós com rapaz nenhum.
Não acredite no que ela diz Lyeth.
Claro que nao acredito. Eu a conheço muito bem.
- Pois fiquem
198 CASS ANDR A RIOS

seu pudor, extorquiu-se o receio. Esqueceu-se de Marcia e


também do rancor. Desejou-a.
O silêncio de uma noite calma espalhava-se
os recantos. por todos
Entraram no quarto.
Dormiremos as três nêste colchão. N o
com visita de Maria Laura. E eu
a contavamos
que estou quebrada can-
sadérrima. Era só o que faltava, disse Marcia
para o banheiro, já enfiada num retirando-se
camisolão branco. Irez
avançou para Lyeth, tão logo ouviu
bater. Esbofetiou-a sem
a
porta do banheiro
réplica. Bateram-se furiosas. Irez
subjugou-a num abraço retezado. Enclinou-lhe
beijou-a apertando-lhe os lábios com umacabeça
a
trás e para
sádica. Lyeth gemeu violência
roucamente, algumas lágrimas
lhe o rosto. Rodeou-a num salpicaram
deu-a Vingativa. aprto tumultuoso. rez mor-
Lyeth eñpurrou-a levando as mâos aos
lábios doloridos.
Irez, paremos com isso. Não
posso mais! Eu a de-
sejo! Quero que você me perdoe.
Você só me faz sofrer. Você é
um demonio!
Não fale assim. Eu pedi
Eu sofro muito. perdão. Não chore mais.
Quando Marcia voltou encontrou-as em _ilêncio.
No escuro, deitadas lado a
lado, as duas böcas
raram-se ardentes. As
pernas procu
esguias de lrez juntaram-se com
de Lyeth calorosamente. as
Marcia reclamou:
Irezinha, por favor! Pare de mecher-se. Parece
vOce está com o diabo no corpo. Quase me derruba da que
Sua. sua cama.
. .

formiga
"Centopéia".
Por fim se levantou e foi deitar-se
Assim mesmo, adormeceu aos pés das duas.
entre resmungos.
As duas
possuiram-se sobressaltando-se com qualquer
movimento de Marcia. O
sono venceu-as e, numa ültima
carícia adormeceram abraçadas.

A tarde estava
calorenta. Convidava a passeios.
quis sair a fim de conhecer a cidade e
Lye
rez porm, no concordou. distrair-se um pou
Estava cansada. Queria ir dorI
VOLÚPIA DO PECADO 199

A noite passada fôra muito atribulada. Quase náo dormira.


Lyeth insistiu, mas Irez deixou-a
200 CASSANDRA RIOS

do a consumação de seus desejos. Fazia Lyeth masculinizar-se


ao o.erecer-lhe o corpo num indiscritivel anceio de ser ferida
por um espasmo louco que só ela poderia causar-lhe. E Lveth
enlouquecia tanto que se perdia no turbilhäo dos dese jos.
Beijava-a na bôca
CAPITULO XXVI

Aproximava-se a época dos exames finais. lrez estava


temerosa. Nada estudara durante todo o ano. Não se sur-
se fösse demasiado às aulas.
reprovada. Faltara
preenceria pois,
invéz
sso, na ura!mente, sem o conhecimento dos pais. Ao
de ir ao colézio, encontrava-se com Lye:h e 1am passear
no

metros de suas casas.


parque da avenida que distava poucos
entre as
Percorriam abraçadas as alamedas, refugiavam-se
e se dizerem
árvorese n o undo do ca'ezal para trocarem beijos
de amor. As vezes
ir.cansavelmente as suas eternas palavras
do perigo que as cercava
exaltavam-se que se esqueciam
tanto
de volta se separa
ese tornavam mais audaciosas.. Quando
nao as ViSsem chegar juntas.
que
Vam na esquina para
lrez queixava-se agora
acreditando que Lyeth pouco se

estava lhe
importava com o que
CASSANDRA RIOS
202
ram-se-Ihe de lágrimas. Emudecida, Irez fitou-a com seu olhar
enigmático e triste. Com um soluço, mal deu-lhe a perceber
um por que?" escondido entre seus lábios.
Porque eu quero. Respondeu Lyeth. Estava mes-
mes-
mo decidida. Mais uma vez sentia que deveria tomar a iniciativa
para afastar-se dela, pois do contrario pressentia que algo muito
ruim iria acontecer.
Você me paga! Ameaçou Irez:
Não lhe deu importância. Foi embora. Estava farta de
tudo. Estava crente que seria capaz de por fim á sua vida
cm comum com Irez. Porém tão logo sentiu a sua ausência,
como outrora, como pretexto para voltar, mil pensamentos
apossaram-se-Ihe da mente. "O revolver"! Teria Irez cora-
sem? Seria verdade? Não esperou mais. Saiu. Correu. Não
Iu uma só luz acësa na casa dela. Lenita abriu a porta.
Ué.. pensei que fôsse gente, disse-lhe, brincando
ao mesmo tempo que a censurava:- Você sabe muito bem
que o post1go está aberto. Por que não entrou? Só para dar
trabalho a gente
Entrou estugando os passos em direção da sala de jan-
tar. Suspirou com alivio ao vê-la
A VOLÚPIA DO PECADO 203

Lenita descia escadas apressadamente e chamou por


as
Lyeth. Separaram-se.. Lenita convidou-a, se queria ir consigo
até a costureira.
-Não vá. Não vá por favor. Pediu Irez.
Voltarei logo. Ela desconfiará se eu negar. Temos
que agir com prudencia.
Ela nao disse mais nada voltou a sentar-se e continuou
a escrever.
Irez ficou só. Seus pais e Marcia tinham ido ao cinema.
Pelo caminho apesar de conversar animadamente com
Lenita,
Lyeth procurava pretestos para apressá-la.
Quando regressaram, desde a porta chamou por Irez.
Não obteve resposta. Nervosamente,
a sala de
Lyeth precipitou-se para
jantar. Estava vasia. Chamou-a novamente. Prin-
Cipiava a subir as escadas quando ela surgiu no patamar. Os
olhos vermelhos, um lencinho nas mos, muito pálida. Pa-
recia uma alma do outro mundo. Não
quis olhá-la mais.
Foi para a sala. Lenita folheava uma revista,
despreocupada.
Queria dizer-lhe algo, consolá-la, porém como se a
palavra era tão pobre diante de tanto sentimento? Por isso
nao conseguira fitá-la.
Tinha vontade de chorar. Irez cha-
mou-a. Caminhou lentamente até a soleira da porta onde
ela a esperava.
Veja. Se você e Len1ta se demorassem mais um
pouco, se chegassem um segundo mais tarde
Teve tonteira. Apoiou-se na parede .Levou a mão
uma
trêmula aos lábios, para sufocar um débil sussurro. Um
filête de sangue corria pelo colo dela. Uma
parecia uma lágrima a correr-Ihe
gôta rubra que
por entre os seios.
Teria
se dado um
tiro? Os olhos arregalaram-se-Ihe. Ficou sem
fala. Um intenso frio umedeceu-lhe o
corpo. Mal teve fôr-
ças para perguntar:
Louca. . louca. .. o que você fêz?
-Cortei-me com esta faquinha.
Não desmaiou. Não disse nada mais. Nem sequer sus-
pirou. Tampouco sentiu raiva. Afastou-se dalí. Irez queria
impressioná-la. Voltou novamente. Olhou-a com lástima.
204 CASSANDRA RIOS

Você quer que eu morra de desespêro? Quer' que


eu acabe
A VOLÚPIA DO PECADO 205
de Casanova. Sou, fez uma pausa procurando lembrar-se,
qual é o nóme daquela poetiza mesmo? Ah! Sim. Sou Safo
de Mitilene. A amante de tôdas as mulheres da mais velha
à mais nova, tödas me adoram. Há alguns homens tam-
bém. Soú a rainha das.
Uma forte bofetada jogou-a contra a
parede.
-Mentira! Mentira! Você não é nada disso. Você
não é nada disso! Não pertence a
beijou! Você é minha. Minha! Minha!
ninguém. Ela no a
Parecia uma doida esbofeteando-a. Lyeth encolheu-se
num canto do quarto fitando-a apavorada e continuou a
apanhar tentando refugiar-se. Recuperou as fôrças e passada
a
surprësa segurou-a pelos pulsos fortemente.
-
Você está
206 CASS A NDRA RIOS

Vociferou Irez empur.


rando-a e levantou-se. Em seguida subiu as escadas
A VOLÚPIA DO PËCADO 207
recia inchar. Avançou para ela e deu-lhe com tôdas
Irez caiu contra a porta, chorando de dor.
as fôrças.
Lyeth sentou-se aos pés da
olhá-la ar- cama e ficou a
rependida. Esboçou um
gesto para abraçá-la. Irez transtor-
nada jogou-a na cama e
pondo-se em cima dela agarrou-a
pelos ombros e esbofeteou-a com fúria.
-Bandida. Tome, tome e tome.
Sentiu um estampido nos
zoada interminável. Um ouvidos seguido de uma
bôca. A cabeça gôsto de sangue correu-lhe pela
Com grande
parecia estourar de dor. As
pálpebras pesaram.
esfôrço pôs-se de bruços, para chorar. As lá-
grimas corriam-lhe pelas faces
machucados escorreu um filete de instintivamente. Dos lábios
urso de suas mos. sangue, Irez arrancou
arrancou o o
Por causa dêsse
matá-lo. "porqueira". Tenho vontade de
Você quase me matou.
Trez
abraçou-a. Parec1a nao saber
Assassina
o que fazia.
completamente fora de si. Estava
-
Vá embora.
Não quero tornar Desapareça de
minha vista.
a vê-la. Vá Irez. Vá. Suma-se.
Irez sacudiu-a e
chamou-a num débil
dimento. grito de arrepen
Não vou. Não
Sem
vou.
Perdoe-me.
garam
resistência Lyeth se
abandonou nos
vigorosamente. A dor que sentia braços que a ver-
era
erguer a
cabeça quando Lenita tanta que mal
chegar. Irez
falou com ela. pôde
afastara-se Nem a sentira
percebido que a subitamente.
outra chegara.
Nao fôra
isso, não teria
Irez contou
desfazer-se dela. lacõnicamente o
que se passara
sistia Lyeth tremia. A zoada
e
procurou
como também
em seus
ouvidos. interminável per-
cabeça, mas Sacuaiu a
náo adiantou não
rependimento, po1s, quea
a suplica que Irez fêz adiantou.
e seu
gos dias. dor ar-
continuou durante três lon-
CASSA NDRA RIOS
208
derrotada. ILveth
Triste e enfraquecida, completamente
atitude brutal de lrez. Parecia
nunca se esqueceria daquela
Uma verdadeira selvagem agolpes.
desferir
uma assassina.
transtornada. Os olhos desmesurada-
Ficara completamente
mente abertos. Arregalados, numa expressão lunática. Os
desalinho sõbre a testa. As mäos ágeis
cabelos revoltos em
disso se tornou
e pespegár-lhe o rosto. lrez depO1s
rudes a
muito meiga. Pedia-Ihe perdao, acariciava-a, beijava-a de
leve pois quando lhe apertàva a bôca, Lyeth gemia de. dor
e os seus lábios feridos começavam a sangrar novamente.
A h ! meu amor, é a segunda vez que sinto seu san-,

gue em minha bôca. Ele é tão dôce.


E foi você que me chamou de vampira.
Vocë
Você é mesmo. Hipócrita!
Irez mudou de tom. E outra vez seus olhos ficara
cheios de rancor. Assim por um nada Irez se transformava.
Não Irez. Não comece a ficar com raiva novamen-
te. Eu já sei o que você vai falar.
1 5 s o mesmo. Nao quero que voce fale com Marcia
e muito menos com Antonio, isto é uma advertência. Eu
mato voce.
Entretanto voce pode conversar com quem bem
quer, não? E se eu vêr você falando com êsse "Barnabe
mimado, filho de d.a Felicia, arranco-lhe as orelhas.
Com quem? Virgem Santa.
Sim com èsse .
. Com êsse .

Imagine só. Sentir ciúmes de 'quem!


OT voce que tem ciúme até do meu ursinho.
N ã o me fale nêle. Acho bom você tirá-lo
de sua cama de c
porque qualquer dia eu dou sumiço naquele D
era assim que a vida entre elas transcorria, uma

Sucessao de cenas chocantes e cansativas. Lyeth odia

deixar escapar dos lábios um nome na0 P


engulia com um tabefe. qualquer Pols
E ainda
.
das
nessa mesma Vara a mai
tarde Irez Ihe reservara a t-se.
surpressas. Ameaçou-a furiosamente quando ela quis
Se voce fôreu
eu a
a mato. Se você der um pas*
sso
mato!
A VOLÚPIA DO PECADO 209
Ah! Ah! Ah! "cadê"
coragem minha "nega?"
inquiriu modulando a voz em tom musical.
Irez saiu do quarto e voltou em seguida
210 CASSANDRA RIOS

- Eu já Ihe pedi que não repetisse isso, disse ela cer-


rando Os punhos.
Eu gosto quando vocë fica Zangada. Parece um
"burrinho chucro".
- E voce? Parece um cavalo com essas narinas ar
fando.
Obrigada! Enfim, um cavalo é sempre mais dis-
tinto que umburrico chucro".
D." Eney interveio ind1gnada.
Meninas! Parem com isso. Por que estão
CAPITULO XXVII

O vento varria as ruas. Uma garoa fininha salpicava


levemente a terra fôfa. E as florzinhas multicores do jardim
entregavam-se com prazer àquele afago matinal. Balouça-
vam-se de cá para lá como a mendigar carícias, esperando
por certo a visita cotidiana do amigo beija flor, que a sal-
titar entre elas parecia cochichar ora para uma ora para outra
Sussurros de brejeira galanteria.
E assim correu a manh como tocada pela varinha má-
gica da.fada natureza. Lyeth porém nao presenciara aquêle
espetáculo. Nem fôra assistir missa nësse domingo. Dormira
toda a manha. A tarde como sempre foi para casa de Irez.
seguinte começariam Os exames. Seria então ne-
Na manh
cessário deixarem de lado o amor, para poderem estudar.
Mas, não. Não foi possivel. E Trez se desesperava.
farei, que farei, meu bem?
Lyeth, que
Não se desespere, querida. Qual será o primeiro
exame ?
não sei Minhas
nada. notas ajudam um
Inglês,
traduções que você fêz.
pouco, graças às
-
Náo tenha medo.
Eu a ajudarei.
nao consigo concentrar-me em
-
O caso amor
e que
VOce. TNao posSO pensar em outra coisa.
nada a náo ser em 1he
atormenta, VOcë se lembra do que eu
Há algo que me ?
disse Isso m e c o n s o m e , lembra-se
ontem?
Lembro-me. Respondeu Lyeth
212 CASSANDRA RIOS

Ah, meu amor! Eu quero possui-la. Quero ser um


homem para você. Quero possui-la como um homem possue
uma mulher, você deixa?
Lyeth ficara to surprësa como quando descobrira que
a amava.

Voce pensa que eu nâo sou capaz? Queria desnu-


dá-la e colar seu corpo ao meu, penetrá-la e senti-la desfalecer
num êxtase junto comigo. Possui-la assim seria ficar dentro
de voce. Tão agarradas que entre nós não existisse
espaço
para um suspiro.
Essa conversa ficara esteriotipada em seu pensamento
e em sua
imaginação.
Voce quer ser minha assim? Irez, tornou a per-
guntar-lhe.
Assim como?
Como se eu fôsse homem? Assim me sinto quando
a beijo.
Mas como? Você náo pode ter coragem. Isso não
é possivel..
- Amanhá quando todos forem dormir, ficaremos
estudando e entâo você verá se é possível ou não.
Lyeth náo vencia a curiosidade. Como poderia ela? Co
mo? Um vago receio deixava-a trêmula diante de Irez que
insistia em querer fazer-se homem. Será que ela não se dava
conta de que sua silhueta feminina causava inveja a mu
mulheres, e muito embora fôsse tão diferente das outrad
Tomou-a pela mão e levou-a em frente do espêlho.
Veja. Essa imagem que se reflete no espêlho cau
admiraçao à muita gente. Você é uma mulher. Bastante fe
enho
minina, você é tão meiga, tão delicada que às vêzes te
medo de tocá-la. Em todo seu corpo vibra a expressao ma
Xima da beleza feminina. Você é mulher, ponderou cou fir
meza.
com
ISso que vocë diz nao
o
me convence. Conco
que o
espëlho reflete, mas e o que ele nao desnuda
-Eu já conheço. Já desnudei. que

Nao consigo convencê-la, mas conseguirei


desejo. Verá do que Irez é capaz, você deixaf
A
VOLÚPIA DO PECADO 213
Não sei. Creio
voce é capaz que sim. Interessa-me saber o que
defazer.
O tempo está
temporal. Adoro noite propício. Parece que vai
de chuvarada. desabar um
Sinto mais desejo de ficar Fico mais romantica.
bastante. Quero que agarrada a você. Vou
deseje.
me
Que sinta necessidadeprovocá-la
de mim.
Não é preciso
Ainda ontem, enquanto provocar-me. Eu a
desejo sempre.
sava-se de mim. dansavamos, uma dôce loucura apoS-
Quanto você
acariciando-me comprovocou!
me
em meu rosto,. Suas maozinhas
delicadamente aconchegado ao meu, meiguice. Seu corpo to
sentimento tornou mais intenso o
afetivo que vibra de mim
tive tao para você. Nunca a
meiga. Nunca seu amor me
verdadeiro. E por isso pareceu tão sincero. Taio
louca de dansar. De querida, que eu sinto uma vontade
passar a minha vida inteira dansando
com voce. Os seus
olhinhos
que em minha bôca queima azuis espalhavam tal doçura
ainda o desejo de colar
labios nas cetinosas os
pétalas
minha amada! Como eu a amo! Não
que são as pálpebras de você,
acredita?
Não sei! Oh! quando você me abraça me sinto
falecer! Quando você fala assim no meu ouvido, des-
de vontade de estremeço
apertá-la em meus braços e devorá-la comn
beijos. Seria tâo bom despir voce. . Seria tão bom. . .
.

Lyeth!
Lyeth aconchegou-se a ela e ficaram as duas em silêncio.
Os olhos cerrados.

A noite deceu. Chovia.


-Que horas são? Perguntou Irez.
Onze e meia. Está cansada de estudar?
Não, ainda nao. Só ficarei cansada quando ficar
mos sozinhas - sussurrou Irez.
D." Eney despediu-se advertindo-as de que não ficas-
Sem estudando até muito tarde. Pouco depois seu Adriano
Se retirou tambem.

Agora não precisamos cochichar.


Irez, será melhor voce continuar estudando. Ama
nhá talvez se arrependa.
214 CASSA NDRA RIOS

Estudarei só mais um pouco. E depois. . Vo:e


jsate.
Estude. Não olhe assim para mim. O que estaria
Irez plane,anco? Enclinou a cabeça sôbre a mesa. Estava comn
sono. A noite parsada, mal dormira.
Acertara quardo tivera impressão de que se passasse uma
noite com ela. poderia dormir sossegada um sono fausto e
recuperador. Perto dela se sentia segura, sem temer pelo des-
pertar. A confirmação de seu pensamento era o cansaço.
Lyeth, querida, você deve estar com sono. Vá dei-
tar-se no sofá, disse ela intencionalmente, para depois
Ande, vá trocar-se.
Lyeh obedeceu-a. Foi trocar-se na cozinha. Nao queria
fazer barulho ao subir as escadas. Com o mais leve passo os
degraus de madeira rangiam.
Trocar-me-ei aqui mesmo. Você jura que no espiará?
Eu não farei isso. Não tenha medo.
Porém temerosa de que ela não cumprisse. com a pala-
vra, transpôz a soleira da porta da cozinha e foi para o
quintal. Entrou no banheiro da empregada e se trancou.
Pouco depois, lrez tentava abrir a porta. Riu-se de seu es-
fõrço inútil e disse:
Cínica! Eu sabia que você me enganaria.
Não faz mal.. . Depois você vai ser minha
Toda nua
A porta se abriu de vagar. Lyeth saiu timidamente
apertando as mãos contra os seios. Um sorriso envergonhado
desenhava-se-lhe nos lábios vermelhos.
-Você.. . Oh! Você. .
Irez deu um passo
para ela.
-

Não vá dizer tolices.


rez abraçou-a. O coração pulsando num tefe-tefe des
Controlado.
Tudo isto é meu. - Acompanhou-a até o sofá.
e-la deitar-se curvando-a num beijo. Lyeth empurrou-ar
levemente.
Vá estudar,
A VOLÜPIA DO PECADO 215

hora em ponto voce


Sim. Mas quando bater uma

será minba. Nao serei mais mulher.


bõca quente
E Irez sce afastou minutos depois, com a

de beijos.
A penumbra. O ruido da chuva e o entorpecimento
causaram, lhe pesou nas pálpe-
que as carícias, de Irez lhe
demoradas. E
bras, que foram fechando-se entre piscadas
Lyeth adormeceu quase sem sentir.
Os lábios de Irez eram quentes, macios e carnudos.

de sazonadas. Empolgavam-se entre


Tinham gôsto cerejas
úmidos e febris. Correu-lhe na bôca uma essência
os seus,
licorosa que a embebedou, Lyeth sorveu-a sedenta. Algo enrige-
Cido, entranhou-se em sua böca, se apertou entre seus den-
tes. As maos dela correram por seu corpo desenfreadas ten-

tando arrancar-lhe a. camisola.


Irez! Ainda náo é uma hora.
Vai bater.
O som tétrico das pancadas do relógio resoou pela casa.
Tire a roupa.
Não. Não quero.
Lyeth Irez estendeu-se em cima dela. Pren-
sentou-se.
deu-lhe os lábios com umybeijo e arrancou-lhe a fina vestimenta
de jérsei côr de rosa. Arrancou-lhe as calcinhas e se despiu
também. Os corpos n us em comum acördo se entenderam.
lrez espremia-a mais e mais com seu pêso.
Apertava-a num vae e vem rápido. Forcejava em cima
dela feito um macho. Estregava-se num desespêro lancinante.
O corpo úmido. Os nervos enrigecidos, endureciam-lhe as
carnes aveludadas que estavam arrepiadas. Respirava com a
boca aberta, colada à sua orelha e soltava suspiros que lhe
penetravam a alma. Penetrou a lingua no ouvido dela como se
assim a possuisse. Foi eletrizante. Lyeth suspirou numa en-
trega total. Um cálido arrepio, interminável pregou-se-lhe
ao corpo. O corpo de lrez fremia de prazer em suas mãos.
Mordeu-1he os ombros nus. Irez gemeu, ergueu a cabeca e
aproximou a bôca.
beija-me com loucura. . com bastante
Beija-mne.
desejo. . . ajuda-me a possuir voce. Você não se entrega
desejo.
CASSANDRA RIOs
216
nunca. Aperta-1me mais. Ass1m assim isso amor, pro-
cura minha bôca. . força-me a beijá-la e me bei
E o beijo gemeu entre seus läbios. Desorava-se toda
num suplício extático. Enfiltrava as coxas grosas e molha-
das de suór entre as coxas de Lyeth que sumida sob Seu
corpo sufocava-se com seus cabelos que ihe cobriam o rosto.
Irez soergueu a cabeça, abraçou-lhe o seio diminuto nas mãos
ágeis e aproximou os lábios de seus mamilos. Prendeu-os
ávida de gôzo e sugou-os. Sugou apenas o desejo que os entu-
mecia. Lyeth cravou as unhas nos ombros que minutos antes
empurrara, num momento de vergonha. Nunca se deixara
empolgar como dessa vez.
- Lyeth, diz...
. diz que você é minha. Diz:
Diz:
"Eu quero ser sua".
Estou ficando louca!
Enlouqueça amor. Por que não enlouquece de uma
vez? Eu quero que você enlouqueça.
Arquearam-se num apêrto selvagem. Lyeth sentia ape-
nas a pressão daquêle corpo. Do ventre enfunado, copioso a
machucar-Ihe as carnes. Irez desesperadamente procurava sa-
ciar a sêde, a febre que a queimava. As pernas retezadas.
Batiam-lhe os joelhos. Agitava-se num delírio extremos0,
söfrega, rorejando-a com gotinhas perfumosas que corriam de
tõda desorava-se gôzo
Seu
corpo. Ela num
degenerado.
Sacudida por um estremecimento rígido, recurvou-se.
retezou-se desvairadamente. Algo viscoso correu por suas

cOxas machucadas, espalhando pela sala, um aroma estranho,


quente que Ihe entrou pelas narinas.
Relampagos iluminaram a sala. Clarões! Luzes! Iluminando
aguele rosto desfigurado pela fúria do desejo, a fisionom3
de Irez se
se tornara diabólica. Os dentes trincados, como
prendesse um gemido que lhe gritava no peito, o gemiao
Se escapava de seus lábi0s sem que o pudesse evitar.
Delos em desalinho caiam-lhe no rosto. Lyeth sofreu
Com

essa cena. Uma sensação de frio e calor estremeceu-a


e
lanto

rez a acariciava um

com suas mos finas. Sentiu-se agitada por


estertorante espasmo. Lá fora uivavam os ventos, entrechoca
Vam-se. Gritava a natureza IStu-

tÙda. A chuva, os trovoes e


A VOLÚPIA DO PECADO 217

ra aos gemidos furiosos daquele instante supremo. Era o êxtase.


O ápice de todos os êxtases. Um aroma estranho e quente espa-
lhava-se pelo aposento. Era o perfume da vida que se fazia
sentir, em mistura ao ar úmido que vinha tão sorrateira-
mente, refrescar-lhes os corpos nús.
As pernas umedecidas se apertavam. De súbito, após
uma faisca cintilante um ruido diferente gemeu num estalo
de madeira do assoalho. Levantaram-se surpreendidas pelo
barulho de passos abafados. Irez embrulhou-se no "negligée"
e correu para o corredor. Não se enganara. Seu Adriano,
descalço subia as escadas. Inclinou a cabeça para ela. Pareceu
examiná-la com profundo interêsse.
Vim buscar o despertador. Pode continuar estu
dando.
Furtivamente lrez lançou a Lyeth um olhar de teme-
rosa gravidade. E durante um momento ficou parada a
olhá-lo na semi escuridão do "hall".
Minutos passaram pesados de silêncio, antes que Irez
inconsciência.
Voltasse para a sala. Ficaram as duas numa quase
fechou-se. Ouviram um ruido de
Lá em cima uma porta
VOzes e depois um silencio profundo.
Que importava
Arrancando o "negligée" Irez
Ficou em silên-
atirou-se no sofá. Lyeth ajoelhada esperava-a.
mörno e ancioso.
Cio sentindo a aproximaçao daquele corpo
novamente. Esqueceram-se n u m abraco
do pe-
Agarraram-se levantara
passado. Quando Irez se
rigo pelo qual haviam
toda nua,
CASS A N D R A RIOS
218

Aí não
novamente n u m gôzo lancinente.
Lyeth desfalecia Arrancava-lhe a vida
Irez possuia-a vertiginOsamente.
verdadeiro
Assaltava-a como se fösse um homem.
pelo ventre.
feitas só para carícias marca-
Firme no ato. E as suas maos
carnes, ferindo-a.
vam-se-Ihe nas

Lyeth deixou escapar um gemido. Envergonhou-se. Era


sua voz. Esperara tanto por êsse mo-
o desejo que gritava
mento e agora queria fugir dali. "Irez e Lyeth". Duas mu-

se a m a v a m . Com que loucura


lheres. E com que loucura só por entregar-
Irez a beijava, tomando-a tôda. E Lyeth
se arrebatava-a mais ainda.
Irez esquecida do próprio sexo. Masculinizada. Lyeth

su missa, entregue às ordens do corpo.


A VOLUPIA DO PECADO 219

Isso passa amo zinho. Apoie-se em mim. Tente


anar. Faça förça. Levante-se.
Leth apoiou-se em seu ombro. Tentou erguer-se e
caiu novamen e sôbre o sofá
-

Parece que es.á passando. Sinto


ormigar meu pe.
Pi:a tan o! Nio posso nem tocá-lo de leve.
E má circulaço do sangue. Deve estar passando.
Que susto! Tornou a abraçá-la. O.ereceu-se .Quis ser sua
novamente.
Cinco pancadas do relógio velho retiniram sonórica-
mente.
Cinco horas!
Que bata seis.
Mal ouviu a evasiva voz de Irez, sonolenta, a cabeça
inclinada em seu ombro. Um braço cingindo-lhe a cintura,
uma das mãos afagando-lhe os cabelos.
Vamos subir, amor. E tarde. Você precisa dormir
ao menos erta hora.
Não quero. Prefiro ficar aqui em seus braços. Aca-
ricianco-a. Sabe, eu já estava quase dormindo. Lá em cima
teremos que ficar separadas. Lenita entre nós.
Sei benzinho, mas amanhä vocë terá exame as oito
horas. Frecisa descansar um pouco.
Que adiantará? Fiquemos aqui. As seis horas toma-
rei um banho e irei para o colégio.
Assim você acaba ficando doente.
Doente de amor? Já no posso ficar, porque estou
220 CASSA NDRA RIOS

Subiram as escadas evitando fazer ruido. Foram até o


banheiro e lavaram-se ràpidamente. Lyeth já ia para o quar-
to, quando no meio do corredor se voltou. Irez chamava-a,
com aquêle gesto malicioso e convidativo do dedinho índice.
Encaminhou-se para ela. Irez apertou-a contra a parede de
azulejos brancos e como muitas vezes já haviam feito, pos-
suiu-a ali mesmo. De pé, amparando-a nos braços para que
ela nao caisse.

Irez voltava do colégio. Lyeth nem abrira os olhos e


já se sentia beijada, desnudada por tépidas mãos.
Imergiam de um êxtase quando d.a Eney horas mais
tarde pensou despertá-las.
Irez deixou-a. Levantou-se e vestiu-se às pressas. Saiu
do quarto jogando-lhe um beijo com a ponta dos dedos.
Lyeth ficou na cama. Pesava-lhe a cabeça. O corpo estava
quebrado de cansaço. Ergueu-se com esfôrço, deu um passo
vacilante e quase caiu. Apertou os olhostornou a arregala
los. Tudo girava ao seu redor. As pálpebras amortecidas ter-
mavam em ficar cerradas. Caminhou para o banheiro espre
guiçando-se dolorosamente. Latejavam-lhe as têmporas
veias nos pulsos. Nas pernas percebeu nódoas arroxeadas. Mo
lhou o rosto com água fria, procurando assim espantar *
ressaca da aventura daquele noite tempestuosa. lrez cha-
mou-a. Tartamudeou uma resposta. Como podia ela se
tir-se disposta? Ouviu-a cantarolando. Gostou da musica.
"Jurame. . .
que aunq pase mucho tiempo os
Lyeth estava fatigada. Não conseguia nem descerrar
lábios para umedecer a bôca. Sentiu náuseas dolorosas co
orcer-Ihe o estömago vasio. Tôda ela cheirava a pecado. D
Seu volatizava o aroma do corpo de Irez. O enjoo apertoOu
ex-
Se-Ihe na garganta. Debruçou-se sôbre a pia. Quase naor
peliu. Irez chamava-a novamente. Refez-se antes de aeuahe
sabe

Nao queria que ela desconfiasse. Talvez se risse ou quem da


ficaria como nõjo.
A VOLÚPIA Do PECADO 221
Irez requebrava-se na sua frente como se a noite paSsada
fôra um pesadêlo. ou um sonho. Tentava ainda seduzí-la.
Queria excitá-la. Reavivar-lhe os desejos. Reascender o fôgo
das volúpias eletrizantes que volatizavam de
seu,corpo.
Lyeth contudo não vencia sua, fraqueza. Os pratos giravam.
Não conseguia siquer erguer o garfo. A comida sabia-lhe mal.
Tinha náuseas. Quase não enxergava nada, estava mesmo
indisposta, sofria dores de_conhecidas. Não suportou mais.
Gemeu de dôr. contorceu-se numa cólica mais aguda e dei-
Xou-a por fim cambaleando. Não podia respirar. Estava
abafada. O coração judiava-lhe do corpo. Irez alcançou-a na
rua. Acompanhou-a
222 CASSA NDRA RIO
fisionomia na presença de Irez, que não a deixava por mo.
mento.
Papai perguntou por você uma porção de vezes.
Lyeth esperou que ela continuasse.
- Ah! se éle soubesse que vocë está doente por mi-
nha causa
Irez, eu estou desconfiada de que èle nos viu.
-
Tonta! Se ele tivesse visto teria feito qualquer
coisa. Aliás, êle vive a recriminar-nos, o que não seria de
estranhar. Èle está desconfiado há muito tempo, mas tenho
certeza de que nao viu nada. l enho plena certeza disso.
Viu sim.
Ah! deixe de ser bôba. Ble não ficaria assim sem
fazer nada. Não perguntaria por você com tanto interèsse.
Você bem sabe que êle é.
- Eu sei: "Um homem de revolucionar o mundo"
concluiu. O caso Irez é que se êle nos viu, achou melhor
porque vocë. Oh! Meu
ficar calado e não fazer revolução . .

Deus! Se êle viu! Que vergonha


- Nao se preocupe. Azar dele. Quem manda "ban-
embora.
car espiao nazista. Bem feito. Bem, precisoir
eu sal.
antes de papai. Não sabem que
Quero chegar em casa
Mais tarde voltarei. Fique pensando em mim.

Seu
Os olhos de Lyeth desviaram-se arredios quando
Adriano lhe perguntou porque ficara doente. Fi
estou acostumada a
claro,4passar noites
em
Nao talvez por ter tomado um copo de água gela
quei gripada, Está
Esta
cuidado.
ter mais
Mau, mau, você precisa
fazer
mesmo abatida.
Porém Lyeth que jurara a si mesma nunca mai Irez
ter
ao
resistiu os
aquela, nao
Outra estravagância como
ve-la
com

novamente nos braços, desejou


töda nua. E ichu-

cabelos em desalinho, queimando-a com seu olnal com Suas


cando-a com o pêso de seu corpo. Desnudando e n t e . A d o r a v a - a .

maos ágeis e brutais. Possuindo-a selvagemente.


A VOLÚPIA D0 PECADO 223
Desejava-a! Quis sentí-la outra vez como
despertar outra vez naquela noite.
Quis
suas mãos
prêsa em seus
braços acolhedores. Sentir
delicadas, cansadas de
mente por seu rosto. E apertá-la, passarem suave-
Ihes nos cabelos, dedos finos emaranharem-se-
seus
deixando-os revôltos. Os läbios vermelhos,
polpudos e úmidos roçarem em sua face
levemente em sua boca e num e
depois pousar
vez. Então, quantas loucuras sebeijo adormecerem juntas outra
se
entregaram ao sabôr delicioso seguiram. Quantas noites mais
tempo o máximo. Não do pecado.
Tiravam do
um beijo. desperdiçaram minuto onde coubesse
Agora Irez também
cesso das
noites de orgia. trazia
A
olheiras profundas. O
ex-
ficar também preocupação
esgotada. Seu apetite sexual dos exames fe-la
crescer dia a dia.
Por mais uma entretanto
tremos dos mais noite arrastaram-se parecia
absurdos
desfalecidas num último dese jos. A manh aos ex-

descerrou as espasmo. Eram sete horas.encontrou-as


Seu ombro: pálpebras. Olhou para Irez Lyeth
dormitava em
que
"Pobre amor! Precisa ir ao
tinuarei aqui, dormindo e colégio enquanto eu con-
rezar. Pedir a tão cansada.
Deus que a Sem änimo nem
adiantará rezar? Ele ajude nos exames. Mas para
vertida. Uma jamais me ouvirà. Sou uma do que
pecadora. Algo desprezível
o querer, ao amor pobre
desta estranha que se prende per-
menininha. E eu? O criatura. Náo
que sou? Nao
sem
me chamo de sei mais. passa de uma
sou. degenerada,
Deitada nesta cama
Quantas vezess
hipocrita, dessimulada.
imaginar o enquanto dona Isso que
à sua
que se Eney confiante sem
filha que andapassa, agradece-me por fazer
noites sem tão abatida de tanto companhia
isto? Quem?dormir. Quanta perversidade! E estudar. Passando
Não sei o Estou enfeitiçada. Presa quem me fórça a
que é isto. Morro aos dêste amor. Não
explicar-me
reria de poucos. E ninguém sei.
porquê. Se mamâe soubesse!
desgôsto!
Lenita, porém Já tentei Pobrezinha. parta
contar tudo Mor-
tantas vezes
sempre me íalta
Realmente coragem. para
gredo, fazê-la uma noite, tentara
compreender o que secontar a
Lenita, seu se-
passava, o que existia
CASSANDRA RIOS
224
entre ela e Irez. Porém quando quis pronunciar a primeira
saber como, acabou por inventar uma série de
palavra, sem
bem em casa, que as brigas de suas
mentiras:Que não vivia
irmas a desnorteavam. Quando parara de falar e o silêncio se
fizera no quarto ouviu apenas um Suspiro que se escapou

dos lábios de Irez. Lyeth continuava a torturar-se com maus

debater-se contra a consciência.


presságios, a
Para onde caminhavam elas? Onde pretendiam chegar?
Se fôssem livres poderiam fugir do mundo, viverem juntas,
pois nao teriam onde. encontrar apoio. Não teriam um peito
vive-
amigo para chorar a dor cruél da separação. E então
riam contra tudo e contra todos. Esquecidas das leis e da
sociedade. Porém tinham familia e tudo estava contra elas.
Ela mesma lutava contra si própria. Desprezava-sé. Preferia
morrer. Não poderia continuar com aquela Vida 1gnota.
Seria horrível o capítulo final daquêle romance proibido.
Pareciam poucos os minutos que se haviam passado desde
receio de acordá-la e
que Irez se levantara cautelosamente com
saira depois de dar um furtivo beijo em seus lábios. Tinha-a
agora imóvel diante de si.
- Lyeth. .
Olharam-se longamente. Irez sentou-se a seu lado.
Perdi a hora. Não pude fazer exame.
Eagora?
Farei segunda chamada em fevereiro. Graças a Deus
stou tão cansada.
Seus pais já sabem?
Ja.
Oque foi que êles disseram? Ficaram muito za
gados?
Não. Um pouquinho só. Eles já esperavam por
1SSO
Estou muito triste. A culpa é minha.
-Não diga isso Lyeth. i n d i f e r e n t e

Ficaram caladas. Lyeth examinou-a. Tao


ali, sentada na beirada da visível can
cama. Tôda caida
Saço. Enfim, parecia que ela
nui mO torp
esmo
torpôr

se entregara nco
ao Se
que a dominava. Ficou estirada sôbre a cama sem i
A VOLÚPIA Do PECADO 225

quer para erguer um braço. Esboçou o gesto e deixou-o cair

pesadamente sôbre as cobertas.


Estou com sono.
u também. Vou deitar-me um pouco, disse lrez.
Vá. Deite-se." Você não dormiu nada.
Primeiro dá um beijo.
me
Venha buscá-lo em minha bôca.
Cada vez que eu penso em beijá-la, minha bôca
treme. Irez debruçou-se e prendeu-!he a boca entre os labios
carnudos. Foi um beijo demorado. Quando se afastou cha-
mou-a baixinho, porém Lyeth nao respondeu. Ela deitou-se
a seu lado e adormeceu também.
Lyeth demorou para levantar. Irez pulou rápida a
seu lado.
Ai amor, como a amo
Os braços roliços rodearam-lhe o pescoço. Colou-se a
ela. Seu corpo estava morno. Passou o
braço ao redor de
sua cintura.
Voce é tão quente. Parece um
forninho.
E voce que me esquenta. O fogo que me abrasa.
Queria despir voce.
Um dia voce fará isso. Agora é perigoso.
Quando?
Papai disse que iremos passar as férias em Cibratél.
Temos uma casa bem na beira da praia. Não há luz
nem casa por perto. E um
elétrica,
lugarejo quase que escondido, além
de Itanhaém. Voce irá conosco. Não irei
sem levá-la.
Que bom seria!
Dormiremos num quarto sòzinhas. Você será mi-
nha, bem núa. Como eu a desejo! Poderemos
praia, á noite. Là e ta0 escuro. Passearemos beijar-nos
na

Entre êles há uma especie de gruta. pelos rochedos.


Esconderemo-nos lá. Que
delicia, amor! Vocë quer Lyeth? Você irá?
Claro que Estou anciosa
sim.
por conhecer o lugar
que tanto fala de nós, porque foi.la que você
escreveu o diário,
disse-lhe apertando-a num amplexo mais forte e
E a sua bôca encontrou Os labiOS de arrebatador.
irez entreabertos
espera do beijo.
à já
CAPITULO XXVIII

belas que
murmuravam as m e s m a s palavras
Seus lábios no
de escrever. Náo mais precisava gravá-las
antes gostava muito
mais. Porque a palavra era pobre
escrevia
papel. Não tanto s e n t i m e n t o . Ali,
estavam empi-
pobre para expressar cadernos. Poesias, crö-
u m a porção de
lhados n a sua frente fala-
sem valor, frio, sem express o
porque n o
nicas, tudo
descrevia Só rostoOS
vam de Irez. Ali
só falava de suas ilusões,
Homens
masculinos, e braços fortes.
Só falava de homens.
desconhecidos frutos de uma imag1naçao
precoce. E eis que
Sua expectativa ultra-
o destino lhe trouxera, o imprevisto.
Uma mulher satanicamente bela que
jada. Uma mulher. furiosamente a seu destino e à sua vida,
cruzara e se prendera
Estava ligada a ela ent o, de corpo e alma, mais tarde, talvez,
na lembrança e na sua própria carne.

Tomou a fotografia dela entre as m os. Apertou-a


contra o coraçao. Fechou os olhos e continuou a. vê-la com
o vestidinho de "tule" branco. Os sapatinhos de "balé". Os ca
belos soltos caindo sôbre os ombros. E em seus pensamentoOS
foram descerrando-se cortinas azuis da côr dos olhos de lrez.
"Sault du chat" "O pulo do gato". Não! "Do sapo". Não.
Também não! Nada disso!, Era um cisne que dansava.
Que singrava as águas de um lago azul e tranqüilo, escondl
do entre ipés dourados. Flutuava com uma levesa sutíl, sõbre
um floco de espuma. Executava uma dansa triste e sinuosa.
A poesia gemeu dentro dela. Tomou à silhueta de lrez.
E reclamou:
-
Eu sou a poesia. Sou a musa poesia. A sua Irez. A
Sua inspiração. Não quer escrever? Já não mais lhe agrada
A VOLÚPIA DO PECADO 227
minha voz? Não gosta mais das rimas de pé
elas mancam täo bem.
quebrado? Agora
Repito-as tôdas as noites, movida
pelo mesmo anseio. Voce já nåo me ama, talvez.
-
Não. Não quero ser assim. No
sivel. Não quero amar. Não quero ser tao sen
quero sentír loucura. "Talvez
esta
seja esta mania de querer ser poetiza faz
tudo por um prisma dierente.
que me sofrer, e ver
mento. Esta obsessão.
Que me provoca ëste senti-
Lyeth quase
Eu Vigoro seu sofr1mento,gritava.
mas que importa se
todo amor que você sente fui
eu que lhe ofereci? Eu! Esta
Irez, de quem voce quer ainda
fugir, queimei seus lábios com
o
fogo de meus beijos, esquentei seu corpo com o calôr do
meu, com a
ignescencia de meus desejos. Se você
sofre.
o meu
próprio sofrimento. Escreva Lyeth. Escreva o chora
passa em sua alma. que se
Sabe bem, que
Transforme-as pois num rosario de amenizará E
suas dores.

ção que o pede. A sua poesia. Eu! Apoemas. sua inspira-


a
sua Irez!
Que quer? Nada tenho que escrever. E
mesma cOisa.
Tristeza, amor e desejo. Sinto-me sempre aa
Oh! porque me deixo extasiar confusa.
nos sonhos desta iluso? Absor-
vo-me por completo nas loucuras desta paixão
E, êste amor, täo sublime desnatural!
quão desgraçado! Mas, afinal o'
que é amor?. E querer tanto assim? E sofrer? Procurar
felicidade que nos foge na
presênça de tudo que
a
e não podemoster? Dizem que é o desejamos
êste sofrimento que me porquê da vida. Será
obseca? Este soluço prêso na
ta, êste ai que me gargan-
quer fugir!. Esta loucura de
única e exclusivamente para irez.! Esta querer viver
änsia de prender nos
lábios, aquêles lábios que se me oferecem
jos? Esta obsesso sequiosos por bei
que me
persegue ate
em sonhos? Viver
sempre às escondidas, fugindo de todos? Se
odeio êste sentimento que me dilacera a isto é amor. Eu
alma de sofrimento.
Meus olhos estáo cançados de chorar. Meus
dos. Náo sou mais a ingenua lábios ressegui
criança que era. Tornei-me
mulher. Não tenho lido mais e nem escutado
dos livros que música! Mas
aprendi? Que aos coraçoes magoados confôrto
e silêncio deve ser ministrado. E da música?
encerra Que tôda ela
um pedacinho de nossa vida. Um gemido. Um ai
228 CASSANDRARIOS
que se solta ás escondidas. Um sorriso, uma lagrima, uma
dor, ou tôda uma vida. Tudo é amor! Seja qual seja sua
especie.
Semi-cerrou os olhos e fez de um segundo a eternidade
de um beijo.
Um galo cantou. Eram duas da madrugada. Parecia
um grito de medo, um gemido vindo das trevas de um
ce
mitério oculto entre cipréstes. Le seus lábios num sussurro
de prece um nome vibrou ardente fugindo-Ihe a alma à
pro-
cura de alguém. Mas o nome morreu dentro dela,
porque
ninguém o respondeu. E em mei0 de tanta alucinação, de
tanta ansiedade, restou
apenas bailando entre seus lábios, na
forma de um beijo, belo e provocante, aquële nome de mu-
Ther: "Irez"!

Vestiu-se com todo esmêro. Finalmente ia ao cinema


a sós com lrez. Eram tão raras as vêzes
que saiam, .ainda
assim, em companhia de Lenita e nao
mão dadas. podiam nem ficar de
Retocou o batom torneando com
lábios. Passou um pouco de capricho a curva dos
pó de arroz nas faces. Abriu um
frasco de perfume e
tinhas. Ageitou as
salpicou por trás das orelhas umas go
espêssas sobrancelhas, com uma escov1-
nha. Calçou por último os
mais unma vez no
sapátos e saiu depois de olhar-se
espelho. Irez tardou-se mais.
Demorava-se sempre em frente do
cabelos incansavelmente numa espelho, penteava OS
lentido exasperante. Lyeth
chamou-a com impaciência.
Finalmente sairam.
O cinema estava quase vazio. Na sala de projeção as
luzes se
apagaram. Suas mãos
Olharam para os lados. Um procuraram-se e se apertaral
jOs. Um outro mais adiante casal lá no fundo, trocava bel
fazia o mesmo.
O perigo do olhar que se cruzou, o
Sentindo bater nos lábios rosto tao pert
e fe-las
estremecerem juntas.
a
respiração ofegante enervou-a
A VOLÚPIA Do PECADO 229

Como sempre suas vozes se misturaram com as mesmas


palavras
-Que desejo de beijar sua bôca.
Sorriram. Um sorriso afogueado pela febre que as que1-
mava. Lyeth inclinou a cabeça e ofereceu-lhe a bôca.
Beije-me.
Seus lábios se encontraram apenas. Foi
pido. Afastaram-se medrosas e aflitas pela apëgo um rä-

provocara. Ali, onde o perigo reinava, o


sensaço que as
teando-as. Mais uma vez olharam ao desejo crescia eston-
se e. levou-a
redor. Lyeth levantouu-
pela mao.
Vamos sentar naquêle canto. Lá
Mal se sentaram suas bôcas
ninguém verá.
beijo arrebatador. Aquêle contácto uniram, anciosas pelo
se

2os pés. percorreu-as da cabeca


Provocou-lhes vertigens volutuosas.
se Nunca seus olhos
penetraram tao profundamente.
cortadas por arrepios. Suspiraram frases entre
A mao de Irez
vestido. Resvalou por pousou
em seu
suas pernas.
joelho. Ergueu-lhe o
Alguém passou por perto e se sentou Apalpou-lhe
mais
as coxas.
tante ela refreou o adiante. Por ins-
gesto.
Continuaram a fitarem-se. Ninguém se
voltou para olhá-las.
Atreveram-se
Lyeth enfiou a mao por seu decotemais.
rou-lhe o seio. a dentro e
agar-
lrez gemeu.
-
Ai amor!. nao
cura!
. .

agüento mais!.. Que lou-


Beije-me por favor.
-

Tenho mêdo. Entra mais


Não faz mal. Eu morro dealguémn.
Minha bôca está to desejo!
de sua bôca. Vamos para sêca. Tenho
casa. Ja, nao
sêde! Tenho fome
possuí-la. Èsses seus dedinhos indiScretos. suporto mais. Quero
morrerei de extases. Vamos continuar
Se você
para casa,
Lyeth...
-Não.
sentir em todo Quero possuir
lado o poder você aqui. Longe de casa.
rarmo-nos, onde você
de seu
desejo. Se um dia Quero
fôr
sagem do nosso amor.
se lembrará de mim. De uma sepa-
pas-
230 CASSANDRA RIOS

Não. Não fale assim.


Voce jura que nunca sentirá rancor, ou raiva de
mim?
Porque me pergunta isso? Pretende, deixar-me? Já
estou chorando, ve? Não quero que me fale mais assim.
Eu sofro.
Irez beijou-lhe o rosto. Tôda reclinada para o lado,
numa posição desajeitada. O braço quase num esfôrço ro-
deando-lhe a cintura.
-Ah! seus lábios. Como são vermelhos!. Que ten-
tação!
Talvez alguém as visse naquêles arrebatamentos. A bei-
jarem-se tão demoradamnete. A penetrarem-se com o olhar
iá viciado por se verem somente.
Certo, que dias depois aconteceu o mesmo em outro
cinema. Alguém as surpreendeu quase a se beijarem. Um
centimetro separava seus lábios quando um fóco de luz
pro-
jetou-se em seus rostos. O "lanterninha", olhou-as descon-
fiado. Parou alguns momentos em frente delas. Depois se
afastou voltando a cabeça para trás em cada
Pouco depois voltou acompanhado passo que dava.
por um homem que foi
sentar-se atrás delas e lhes
dirigiu gracejos.
E u creio que vocês estão
precisando de uma "boa"
companhia. Será que eu não sirvo? Duas jovens
tão boni-
tas... hummm. Que pena! Mau, mau, mau.
Levantaram-se sem dizer
homem seguiu-as. Entraram palavra e fugiram dalí. O
dele.
no "toilete" para se livrarem
Que horror! Exclamou Lyeth abanando-se com as
maos, como se estivesse com muito calor.
Eu v1.
Ele estava
Então não foi você conversando com o "lanterninha.
que os viu. Foram eles
viram. que nos
Que faremos? Vamos minha casa.
para
Eu nao gosto de ir em sua casa.
Não gosto
de Lenita, e na verdade mesmo.
Você tem ciúmes de
Marcia, eu na0
gosto de nenhuma delas, detesto-as.
A VOLÚPIA DO PECADO 231
Mentirosa! Mas, eu
prometo que não fico
Por favor com ciúme.
Lyeth, só não fale muito com Marcia.
Eu não gosto dela! Já
disse que nao gosto de nin-
guem.
Nem de mim?
Só de você. E por isso
que odeio todo mundo.
Voce no se conforma nunca?
Não posso me conformar.
Nunca?
E os livros que lemos?
As coisas que ficamos sa-
232 CASSANDRA RIOS

desprecavida. Estava sempre


CAPÍTULO XXIX

O Natal estava próximo. Pela cidade, por tôdas as ruas,


em todas as casas um vae e vem incessante de preparativos.
Irez falou-lhe de seu desejo desde quando pequena de
armar um presépio.
Porém nunca lhe föra possível.
Lyeth nada comentou contudo, dias depois, entrou no
quarto dela com uma porção de caixas nos braços, Ela abriu-
as curiosa.
-
Oh! que maravilha!
Guardei sempre com muito cuidado. Agora sei
porque
nunca dar aquis ninguém até o dia de hoje.
-
Oh! Lyeth. Não sei, no sei como
Por tâo agradecer.
pouco? Um beijo e seu amor é tudo que
eu desejo.
Irez abraçou-a. Os olhos cheios de
na com ternura.
lágrimas olharam-
Veja. Até lampadazinhas tem. Tôdas coloridas.
E nosso,
Continua amor.
ser seu. Nós a
truiremos juntas. Venha. Vou mostrar para mame. o cons-
ficar täo contente!. .
Ela vai
Depois se trancaram no quarto e ficaram abraçadas emn
silêncio sentadas no
fundo da cama. Irez acariciava-a suave
mente. De súbito falou-lhe baixinho ao ouvido:
Quer casar-se comigo?
-

O coração confrangeu-se-Ihe
mais absurdo ápice da emoçao.
Lyeth sentiu-se elevar ao
Respondeu a pergunta
aue lhe faziam os
grandes olhos azuis. triste, muitoinquieta
Esperancada e acreditando na possibilidade de uma triste.
tização se desse uma resposta afirmativa. concre-
CASSANDRA RIOs
234

Quero. Quando?
Qualquer dia. Hoje possível fôsse.
Ah! Se pudessemos! Deve haver uma maneira
Levada por um impulso instintivo
A
A VOLÜPIA DO PECADO 235
-
Você é uma peste. Ai é que está. Quem é que deve
sempre pedir desculpas ou tomar qualquer iniciativa, quando
há uma briga entre um homem e uma mulher?
Quem não está com a razão.
Não senhora.
O homem é quem deve procurar a
mulher.
Ah! Mas que tolice. E
depois você não é homemn.
-

Faço de conta que sou. Quem manda sou eu.


Não gosto dessa conversa, Irez. Não fale
mais isso.
Sinto vergonha. Continuemos como até
agora.
Oque? Se você pensa que vai continuar como até
hoje está muito enganada. Le agora em diante você n o
conversa com mais
ninguém a nao ser eu e os que estão den-
tro desta casa, e com muito
cuidado. Que a Lenita nunca
mais invente de ajeitar as suas
sobrancelhas. Ficam as duas
quase beijando-se. Você deitada com
Ah! Eu fico a cabeça no colo dela.
CASSA N D R A RIOS

236
usa cuida". Eu bem
você dizia: "Quem
acabado. Bem que
que desconfiava.
gritou apavorada
- E mentira Lyeth. E mentira.
rosto dela.
se estampava no
expressao que
ante a
s i - L y e t h deu-lhe
puxou-a para
Agarrou-se a ela e cambaleou e caiu. Ca-
to violenta que lrez
uma bofetada
movimento de cólera. Irez estendida no
minhou pela sala num arrastando-se com
redor de suas pernas
chão cruzou os braços ao
passos. Lyeth
e
arrastou-a sem piedade
ela, impedindo-lhe os

tentava livrar as braços empurrando-a sem pie-


pernas de seus
os lábios.
dade. Um vinco de desprêzo profundo crispava-lhe,
Vociferou palavras violentas. Uma ira gàrrula e brutal espo
cava nela.
Sedutôra de
Deixe-me. Cínica. Insaciável. Cadela!
vício. Nada
mulheres. Viciada! Isso que é seu amor. Apenas
Descobrí tarde
mais. Procura sensações. Ah! Mas comigo não.
mas ainda em tempo. Sempre desconfiei. Largue-me! Réptil
nojento!
mais violen
Estugou os passos com fôrça arrastando-a
tamente. Irez nao a soltava. Sentada no chão continuava agar
as
rada em suas pernas. Chorava numa agitação desesperada, raiva.
làgrimas corriam-lhe pelas faces. De súbito puxou-a com
Lyeth caiu no chão a seu lado. Irez segurou-a com fõrça
Se deitou em cima dela. Os olhos brilhantes, os cabelos re
beldes e alvoroçados. O rosto vermelho e úmido de pran
Você náo vê que é mentira?- Inclinou a cabeça
instintivamente.
essa
N ã o me beije. Não quero que me beije com
bôca nojenta.
Lrez por fim Ihe bateu. Tentou beijá-la na bôca nov
mente, desesperada completamente fora de S1.
-Por favor Lyeth. Eu suplico de joelhos. de
joelhos. E Irez ajoelhou-se aos seus
Não faça isso. Disse pes. se
.
-
rancor
autoritária. O
esvaia. Ergueu-se
A VOLUPIA DO PECADOb 237
Assim você não dirá que outros lábios a
com mais furor. Nunca. Nunca sentirá o
beijaram
que sente agora.
Nunca mais, cadelinha adorada.
Eu a amo, "bicho ruim" . vaquinha.
Para voltar às boas nada como o beijo. E pedois de
uma luta para consegui-lo convenceram-se de que o beijo era
mais saborôso.
-Eu'gosto quando você me beija assim. E alucinan-
te! Quando você vai embora meus lábios continuam
CAPITULO XXX

Nessa noite Lyeth deixara-a indizivelmente triste.


Deixou cair o papel das mãos. Seria verdade? Ficou em
dúvida por alguns momentos. Precisava saber a verdade.
Guardou o papel junto com o diário.
Na manh seguinte se desfizeram as dúvidas. Irez pro-
curou-a logo cedo para dar-lhe um beijo e certi icá-la com
suas eternas cartas que sòmente "Lyeth" existia para ela. Fa-
lou-lhe incansavelmente de seu incomensuravel amor.
Lyeth depois que ela se foi, olhou-se no espëlho.
Estava realmente mudada, como sua máe entre
gos lhe dissera. Emagrecera demais. O
resmun
rosto estava encovado
metamorfoseado por indisível melancolia. Olheiras
das sob os olhos. profun
Alguém abriu a porta arrebatando-a das reflexões. Vol-
tou-se. Era Irez.

Lyeth meu amor.


Que aconteceu, Irez? Por que está tão triste? Tao
desesperada assim?
-Meu bem, que horror!
Todos sabem.
Icou branca como cera. O semblante alterado. A
rev
laçao despertou nela uma
De nós duas? Diz. sensação horrivel.
Fale depressa.
Irez meneou a cabeça
chorando. afirmativamente e abraçou-a
verdade? Como? Como Deixou-
se arrebatar por um descobriramn?
mêdo atróz.. Com vontade de
irez, da de rus"
desgraça que se
aprontava.
A VOLUPIA DO PECADO 239
Lenita avisou-me que papai anda muito desconfiado
de nossa am1zade. Aconselhou-nos a sermos mais comedidas.
- E isso? Foi só isso? Já lhe dis:e tantas vzes, já a
preveni De nada adiantou. É absurdo, mas eu também nao
consig ficar sem ve-la uma hora sequer.
E horrível! Que faremos?
De súbito no cáos em que se encontrava, uma idéia bri-
hou em seu espírito. E seguida de súbita alegria uma triste-
za imensa sossobrou de sua vOz.
J a sei. Já sei quem poderá nos ajudar.
Quem?
Dr. Fabiano. E o pensamento se desfêz sem
sentido. LDesconéxo. Por que pensa:a nele? Seria a separação
e ela nao queria afastar-se de Irez. Dr. Fabiano. Sim. Dr.
Fabiano! Sentiu aproximar-se apressadamente, o capítulo final
do romance proibido. O coraçao bateu tao fortemente que,
teve impressão de que Irez ouvia tôdas as pulsações.
- Não. Seria inutil. Seria pior.
A voz soou-Ihe tão esquisita que Irez receando que ela
quisesse fugir-lhe, fe-la jurar, que nao era isso que planejava.
Mil pensamentos torturantes afluiam a mente de Lyeth.
Havia dias já que ela pressentia. Agora esperava que Irez
confirmasse mais detalhadamente.
Não posso mais. Nao posso mais com tanto sofri-
mento Um soluço despedaçou-lhe a voz. Irez apertou
suas mos, nervosa e carinhosamente.

- Não fique assim. E mentira. Quis fazê-la sofrer.. .


Lyeth ergueu para ela um olhar cintilante.
Oh! mas.. . que perversa. Como pode ser tão fin-

gida? Como consegue. mentir tao cinicamente?? Virou o


rosto e encaminhou-se para a porta. dentiu verdadeiro horror
Como se comprazia em vê-la sofrer.
por Irez. Que coragem!
Mas, por que? Por que você é to fingida assim?
Voce tem estado
Eu nao sou perversa e nem fingida.
T'enho sempre que pedir-lhe
tão indiferente. Não me beija.
Ja nao me ama. Voce
carinhos. Quase a fórço a beijar-me.
nao tivesse medo ficaria contente
tem mêdo. Náo sofre. Se
quando desmenti. Pois fique
CASSANDRA RIOps
240
vë-la sofrer, e vocë. Oh! como estou
menti para n o
. .

Vocë nao me ama.


triste.
-Proibo-a de falar assim. Söfro! Sôfro sim. E muito!
Tenho mêdo, como nao! Medo de perder voce. Não vê?
Eu a amo Exclamou com eloquencia.
-Lyeth, diga que quer ser minha. Diga: "Eu quero
ser sua, e ela estremeceu dos pés a cabeça.
Não desejo ser mais outra coisa do que sua.
Abraçaram-se desvairadamente e precipitaram-se para a
cama. Tentavam com amargor dissipar a' sombra dolorosa
que as rodeava. E planejaram morrer no dia em que tives
sem que se separar.

A noite descia. O quarto enchia se de uma penumbra,


triste. Lyeth caminhou ao acaso
A VOLÚPIA DO PECADO
241
de alguém. Chegou ouvir
a
música que Irez dansava. C
a
tango que ela vivia cantando. "Jurame" Como a música
pareceu-Ihe
.

dolorosa. T apou os ouvidos


padas. com as maoS cris-

Jura. Jura
fará outra coisa a não que você não irá ao baile? Que não
ser pensar em
mim. Jura-me.
Claro que não irei
amor.
sem timbre. -

Respondeu com voz


E Irez
chamou-a
insistiu. Lyeth estava para que se sentasse a seu lado.
tão nervosa. Não
numa luta
Respeitou
suprema para nao levantar-se sua desventura
çOs, novamente. e toma-la
nos bra-
Irez se
despediu. O
sofrimento. Quando rosto
transtornado
se por um visível
mãos. "Não se despediram,
esqueça. Você jurou.
Irez Ihe
estendeu as duas
Vá. Vá depressa
chore. murmurou, Vá
eu
antes que
Enquanto ela entrava
prendendo seu nome nos lábios. no
automóvel
apagado triste, Sufocou um Irez olhou-a ficou
e
com um
a
olhá-la
Afinal ela foi
embora. soluço quando o auto sorriso
no
terrível isolamento Lutou para não partiu.
sem ela. que sentira cair
Tinha que
esconder o tormento aparentar um quando já uma novamente
vez ficara
que lhe 1a na semblante calmo, afim de
amargo, forçado acercou-Se alma..
de sua Com um
Vai sair mame? mâe. sorriso
eo noivo?
Não. E você? No
quer ir ao
com sua baile
Não. Ficarei com a irmä
-
Você anda tão senhora. Nao me
assim. O
que tem? esquisita Lyeth. Vocêsintonunca
bem.
Não Conte-me. nunca foi
respondeu.
gueixa misteriosa Novamente sua me
foi
alegria? como dias
Näo se interessava antes.-Que
D Consuelo Que
fazia-lhe
era feito aquela
Va.
Ficou falava com opor nada mais a não ser de sua
silenciosa por amargor que tanto a Irez-
momentos e depois com inquieta- estörço disse:
CASSANDRA RIOS
242
- Será melhor não falarmos nisso. Se quer não falo
mais com Irez.
Que quer dizer? Que há?
De novo ficou em silëncio. Nésse instante sofria tanto
como nos piores dias
de sua vida.
Oh! nada! - Exclamou de súbito com uma con-

da böca trêmula e revoltada.


tração
diga-me a está transtor-
Lyeth, por favor o que
nando ass1m.
Não é nada mam e. E que eu e lrez br1gamos
muito e... bem. . . nada, nada.
lentamente e deu alguns passos pela sala.
Ergueu-se
Tornou a sentar-se. Teria sua me percebido o que se pas-

centezima vez surgia-lhe na mente


sava com ela? Pela
tal idéia. Ah! Precisava inventar qualquer cOisa para
feminina cortou o silëncio
que ela não desconfiasse. Uma
voz

perigoso.
Está pronta Lyeth?
sala com um lindo ves-
Era sua irm que entrava na
tido branco.
mam e.
Eu não vou Nadja. Ficarei com

- Hummmm.. . estou estranhando voce!


deitar-me um
Estou com muita dôr de cabeça. Vou
pouco.

Na soli
O
relógio bateu dez horas. Dez horas apenas. onze h o
As
dão querida de seu quarto Lyeth pensava em Irez. ee re
re-
no quarto
rasem ponto principiaria a escrever. Trancou-se no quat
petiu o nome dela uma porção de vêzes.
Oh! Deus! Náo quero mais pensar! Como e t r i ss
tãeo
!

que sa
Não quer
uero amar assim. Quero ser como as
outras

es e podem amar livremente. Que fazer pa e? Pen-


brar-me mais de você? Para näo sofrer anta saudad
de mim.

sarel Sim, Pensarei tanto em você que esquecerC


A VOLÚPIA DO PECADO 243
Farei fôrças para ouvir sua v0z, como prometi. Sabe, näo
resisti. As nove horas escrevi muitas vêzes que a amo.
estou esperando que.
Agora
o
relógio marque onze horas e entao
escreveremos juntas. Será que você não
nao me trairá?,
esqueceu? Será que

O olhar turvou-se súbitamente. Um torpôr horrível


atravessou seu corpo.
Ah! Náo posso mais!- Jogou-se sôbre a cama
murmurando o nome dela em delirio.
-

"Lyeth querida. Está ouvindo-me? Eu a


amo..
eu a amo"

Oh! aquela voz. Aquela voz! Estava delirando.


irez que ela ouvia. Chegavam aos seus ouvidos Era
suas pala-
vras de amor. Irez falava com ela. Fensava
nela. Sentia-0.
Escutava sua voz. Olhou sem refletir para os lados. Não!
Ela nâo alí. Fôra ilusão. Porém, continuou a ouví-
estava
la falar. Falava baixinho. Ouvia vagamente os seus
pró-
prios suspiros. A cabeça meio erguida. Captando, vencida,
por estranho êxtase, as palavras quue lrez The transmitia.
"Pegue o caderno. Escreva amor. Vai bater onze horas.
E ao som de sua voZ, ao mesmo tempo gque seus dedos trê
mulos abriam o caderno, fremeu de emoção, o som das bati-
das do relógio repercutiu por seus ouvidos.

Sentiu-se infinitamente amada. Escreveu, tudo ou


tudo, que a alma lhe ditava. quase

D.a Consuelo bateu na porta chamando-a. Ia bater


meia noite. Saiu do quarto pesando nos passos.
Quando as
máquinas começaram a apitar pelo "Ano novo, correu de volta
automáticamente e se trancou no quarto novamente. Encos-
tou-se na parede. Sentiu uma apreensão terrivel
tolher-lhhe
o s movimentos. Os labios entreabriram-se febrís e
por êles
passou um calor úmido, como o roçar dos lábios que tantas
vêzes beijara. Aquéle beijo deixou-a ali, quase sem
vida,
perpléxa. Não soube quanto tempo esteve assim paralizada
sentindo o calor daquêle corpo colado ao seu.
244 CASSA NDRA RIOS
Quando sua mae
chamou outra vez,
a
se tivesse asustou-se como
despertado de um sono
proiundo. Como por en-
canto, o torpôr delicioso e
ficou apenas uma zoada. As pesado desapareceu. Em seu ouvido
vam a maquinas das
apitar. Saiu do quarto e reuniu-se fabricas continua-
de jantar se aOS
que na sala
cumprimentavam
com
abiaços etusivos.
Nunca o
cansaço foi tanto. O Sono
palpebras. pesava-he nas
À uma hora da
torrencialmente. E
madrugada foi
deitar-se. Lá fora chovia
durante tôda' a tarde
a chover. A noitinha o seguinte
não voltaria ainda tempo limpou-se. Crente decontinuot
nesse dia, que Irez
aprontou para ir ao inema. aceitou o convite de Nadja e se
Do onibus
nha. Na pressentiu que ela
porta da casa de lrez umchegara. Olhou pela janeli-
deceu e
onibus
dirigiu-se logo em seguida automóvel parava e ela
apressada antes que èste se para sua casa. Saltou do
Nadja olhou-a com um pusesse em movimento.
olhar
Não vou mais.
-
inquisidor.
Voltou para casa; Explicou decidida.
quarto sem fazer ruido. passou pelo
Na sala Irezcorredor e entrou no
Quando ouviu
a
perguntava por ela.
escondida atrás dadecer as escadas da varanda
porta meio aberta. Lyeth chamou-a
Correram uma ao
Beijaram-se demoradamente. encontro da outra e
-Que saudade. qué abracaram-se.
Olharam-se longamente. saudade querida.
-

Você escreveu?
O que fêz? Não foi
Pensou em mim? dansar? Na me traiu?
OuviuUma
Sentiu?
minha pergunta
voz?
de cada
Sentiu meu vez, Irez. E
você? Escreveu
a
Senti.
senti. Senti Estou tão
beijo?
cOIsa senao sim. Aqui emocionada. Nao
meus pensar em
está a
voce. prova de que não
f1z
eu compreendo,
pensamentos. De
de voce. Fiz um
todos os
outra verdadeiro diário de
instantes que passe! long
A vOLÚPIA DO PECADO 245
Será que foi sonho amor?
Será que eu sonhei que
beijei voce ontem à mei1a noite? Que ouvi sua voz? Fiquei
até com medo.
-

Você ouviu? Diz o


que amor.
Lyeth repetiu tudo que se passara na
Concordaram que haviam se comunicado. noite anterior.
ambas haviam escrito eram As palavras
que
respostas precisas às
palavras que narravam perguntas
que se haviam feito. Eram
missão perfeita de a trans
pensamento, entre elas.
Quando Irez foi
fôlhas que ela lhe dera embora leu tantas vêzes as diversas
que acabou como sempre
por decorá-las.
CAPITULO XXXI
Evidentemente todos sabiam o
desesperada nao sabia o que fazer. Sentia
que se
passava. Lyeth
ginar o desfecho de tudo. Estava pavor só ao ima-
A VOLÚPIA DO PECA DO 247
pretendente? Oh! Lyeth, Lyeth, meu amor. Não agüento
mais!
Acalme-se lrez, quando você fica assim eu
248 CASS AND RA RIOS

outros meios. Èles nunca conseguirão separar-nos Disse


pensativa como se já tivesse engendrado um plano.
- De que maneira? Que meios?
A VOLÚPIA DO PECADO 249
O que você dirá?
Que a amo. Que me mato
Pedirei que me faça tentarem separar-nos.
se

fizer cime. esquece-la se voce não me


quiser, se me
Você vai dizer
Claro. E mais do
meu nome? Quem sou?
eu
diga? Tem medo? que lógico. V ocë nao
quer que
-

Não amor. Você


também sabe que náão. Pode
a amo. Que
adoro. Que não
a dizer que eu
derei nunca
viver sem vocè. posso, que nao po-
Ele Quero que Ihe conte tudo.
compreenderá
Para que é êle um Lyeth? Será?
Mas nós nao
somos loucas!
psiquiatra?
Isso é o
sim. Sou eu que quero saber.
cura?
louca, mas louca por voce. Sabe, eu sou louca,
No é isso uma lou-
Um sorriso
Que mexida! iluminou-lhe
Que
o rosto.

louquinha! Quanta loucuraconfusão! Mas que louca mais


Loucura. Ela é to junta. Gosto dessa palavra
E os lábios, voluptuosa.
pela ânsia do beijo.sequiosos se aproximaram
já empolgados
Beije-me. Faça-me
tristezas. O
que nunca.
tempo agora enlouquecer.
para nós seráEsquecer tôdas essas
Beije-me Lyeth.
Entre elas
mais precioso do
precioso do
se
erguera a
.
.

sombra
enlouqueça.
Agarraram-se com
jos que trocarame embriaguez, sufocaram
um mêdo de
terrível.
Até parecia estremeceram juntas de
soluços nos
nos bei-
bei-
que já viviam só de pavor.
recordações.

meu pai?
Lyeth, você se lembra quando fômos na
fábrica
-

Sim. Fiquei de
com tanto medo
Voce ficou foi
guinas que estavam com medo de daquelas máquinas..
mim e nao das má-
tava tão escuroparadas. Eu estava tao
täo
lembra-se fogosa.
fogosa. Es-
CASSANDRA RIOS
250
o fundo da fábrica, atrás
Irez levara-a pela mão para
muito yelha e mal feita. Nos
de uma construção de tijolos, estavam empi-
semi-construidas,
cantos das quatro paredes
inutil1zadoS que seriam naturalmente fundi-
lhados, ferros
reparação de peças ou de qualquer maquinaria.
dos para a
mitórios do lado es-
Um cheiro ácido emanava dos
infestando tudo.
querdo fora da construção, levou a mao em concha ao
e
Lyeth franziu as narinas abafada:
carêta e reclamou com voz
rosto. Fêz uma
Que cheiro horrível!.
Vamos oficina de fundição.
a
Venha. para
A
esta hora já deve ter esfriado.
calor lá é estafante mas a
noite está fresca e o mau cheiro n o chega até lá. Já que
aqui você não pode beijar-me.
Posso sim. E unindo -
o gesto à palavra abra-
cortou o silëncio.
çou-a. O sussurro de um beijo
estreita. Pararam nova-
Seguiram por uma passagem
centro
mente atrás parede de tijolos. Em cada
de outra
fei-
tinha uma abertura redonda as quais pareciam janelas
um tambor de piche
tas de improviso. Em um dos cantos
derretido ainda fumegava.
Que calor faz aqui!
E aqui que se derrete piche e. .

E é aqui que eu vou me derreter, interrompeu-a


Asustou-se
ao mesmo tempo que olhava ao redor curi0sa.
Sentiu um forte
quando irez a apertou contra a parede.
calor queimar nas costas. Afastou-se rápida e empurrando-a
eu e
Ai! A parede está quente! Eu não disse que
que iria me derreter?
Irez riu-se mas resmungou.
-Nem tanto assim. Você está
A
A VOLÚPIA DO PECADO 251
escritório as chamou. Elas voltaram
252 CASSANDRARIOS

Mordiscou-a táo violentamente no ombro que Lyeth


caiu desfalecida. Estonteou-a, quase
enlouqueceu-a. Cheia de dores
Lyeth quis impedir e defender-se mas foi inutíl a sua resis-
tëncia porque a eloqüência nunca a abandonava. Os
olhos
de Irez velavam-se com a mesma
expressão selvagem. Sua
sede não estancava nunca. Deixou-se possuir também e pros-
seguiu com seu erotísmo selvagem, machucando-a com a
seguiu
impetuosidade de suas carícias. Alguém subia as escadas. Irez
não a soltou por segundo. Prendeu-a mais num
espas- ëxtase
módico retezando-se sob o corpo de Lyeth que
segurou-a
com förça empolgando-lhe a böca úmida com um beijo ver-
tiginoso. Lyeth estacou receosa.
-

Não. Não pare amor


As mäos de Lyeth umedeceram-se e
como
salivel algo viscoso escorreu-lhe
na
pelos dedos. Alguém mecheu
maçaneta empurrando a porta que não se abriu. O ruido
de passos que se afastavam
misturou-se com os sussurros do
extase final. Irez apertou os
dentes, crispou as mao enter
rando as afiladas unhas nos
ombros doloridos de Lyeth, já
cheios de vergões que
começaram a arder novamente. Irez
arranhava-a tôda, suspirando,
A VOLÚPIA DO
PECADO 253

A noite quando se
aprontava para deitar-se suas irmas
lhe perguntaram bastante
indignadas.
Credo Lyeth! Que foi
isso?Você está töda ar
ranhada! Seus ombros como estâo! Será que vocë br1gou
com algum gato?
Nao repondeu. Virou-se
ro. Nunca soube o que elas
rápidamente e saiu do banhei-
pensaram e o
baixinho. Nao mais se falaram nessa noiteque resmungaram
e na manh se-
guinte elas já haviam se esquecido do que tinham visto ou
talvez não tinham dado
importância, como Lyeth temera.
Monica porém náo se fartava de
redores da casa de lrez, resmungar pelos cor
254 CASSANDRA RIOS

Largue-a, sem vergonha.


-Não largo! E sem vergonha é a vovózinha do seu
pai está ouvindo?
Se você não soltar Lyeth, imediatamente, eu lhe
bato com êste cinto.
-
Bate. Pode bater. Eu a mato primeiro.
Monica deu-lhe uma cintada. Lyeth arregalou os olhos:
"Assim também não"! Voltou-se contra Monica. Isso ela
não admitia! E a algazarra aumentou. Irez chorava enquanto
Lyeth brigava com a criada, que a olhava admirada. DDa
Eney subiu as escadas
A VOLUPIA DO PECADO 255
fortemente pelo braço e falou tom
se tudo nao tivesse
em
despreocupado como
passado, realmente, de uma simples im-
plicancia de Monica.
Em vocês náo passam de umas "tontas",
resumo
disse d."Eney. Vamos acabar com isso de uma vez.
duas fiquem aí em baixo e VoCeso
não venham mais atrapalhar
serviço de Monica. Parecem dois namorados, "molécas",
Acrescentou d.a Eney enquanto decia as escadas. Irez
um olhar dirigiu
carregado de ódio para a empregada que se desviou
para o banheiro, murmurando entre dentes palavras obcenas.
Mais tarde, à noitinha, apesar de tudo
que Lyeth tizera
para impedir que ela saisse, lrez se aprontava em frente do
espelho, enumerando com quantos rapazes dançaria e comO
se deixaria
apertar nos braços déles. Só pelo prazer inexpli-
cavel de feri-la sempre, de uma maneira ou de outra: Fisica
ou moralmente.
Mas por que você faz assim comigo? Por que se
empenha tanto em fazer-me sofrer, Nos olhos e na voz de
Lyeth transparecia imensa dor.
Por nada. Porque quero. Ah! como vou dançar!.
Olharei para moças bonitas!
Eu sei que vocë nao presta mesmo.
Como ousa dizer-me isso?
O que pensar dessa sua atitude se nao isso? E quer
saber de uma coisa? Vocë não vai.
Vou. Quem impedirá?
Eu.
E Lveth aproximando-se dela inadvertidamente agar-
rou-a com furia pelos braços. Despiu-a ate a cintura e antes
feriu cOm as unhas ailadas
que ela pudesse escapulir-Ihe
seus ombros nús.
Arranhou-a nas costas, feriu-lhe os
os
enraivecida, irez encolheu-se de dor.
braços como uma gata
inflaram em suas carnes dolorosamen e.
Grossos vergões se

a arranha-la. Irez ug1a amedrontada ten-


Lyeth continuou
furia. As maos de Lyeth feito garras
tando livrar-se de sua

persegu1am-na.
disse que vocë nao ira: Seus vestidos de
Eu não
vai querer que vejam
-

nada e vOce n a o
baile não escondem
256 CASSA NDRA RIOS
Csses arranhoes, suponho, Eu é quem marco você. Está
AVOLUPIA DO PECADO 257
há baile nenhum e mesmo que houvesse bem sabe que eu
no iria sem você? Eu nunca fui. Fui?
Não. Aliás, isso é
que eu nao sei. Mas, enfim por
que tudo 1sso? Por que mentiu?
Já ihe disse milhóes de
vêzes que de vez em
preciso certificar-me de que quando
me ama ainda.
E issO que prova!
Ciúme é a maior prova de amor, todo
mundo diz.
Tonta. Agora vá passar álcool nas costas.
eu estou venenosa.
Hoje
Não faz mal. Seria bom
voce? Se morrer envenenada por
me der um
beijo a dor
Ou voce ficará mais passará.
O meu veneno é um
envenenada
antidoto para o seu,
E como duas sadistas excitadas cobrinha.
ram-se como
pelo
loucas às mais deliciosas nervosismo, entrega-
voluptuosidades.
CAPITULO XXXII

Davam cinco horas no consultório de dr. Fabiano.


Rodeando com o braço os ombros de Irez levou-a com
em
poucas passadas da porta que se abrira e por onde
direção
a enfermeira avisava.
- Senhorita Irez Minelli. Sua vez tenha a bondade
de entrar. .
Com passo febríl e vacilante transpuseram seguidas por
d.a Eney o umbral da porta.
Lyeth que surprêsa! O risonho de dr.
rosto
Fabiano nublou-se de. curiosidade ao ver a expressão con
traída de Lyeth. Com um gesto pediu-lhes que se sentassem.
E interpelou Lyeth enquanto a abraçava com um cumpri
mento afetuöso.
Que a traz aquí? Está doente?
Não. É ela. .. Apontou para Irez limitando-se
com essa resposta.
Bem, pela expressão, a enferma pareceu-me voce
Ela está bem mais disposta. Algo porém está é aligindo
voce. O que há?
Nada. Comigo não há nada.
Vejamos d.a Irez. O que a traz aqui? Que mal a afll
ge? Nao me parece doente, está tão disposta. Ble olhava
para ela com
para atenção. Os olhos fixos nos olhos q
que
ue se

desviavam.
Trez continuou em silêncio e como não se resolvesse
falar êle a interpelou novamente.
Nao quer dizer-me o
que há?, sorriu e pergun
para d." Eney:
A VOLÚPIÅ DO PECADO 259

A senhora é mãe dela?


Sim. Eu nao sei o que tem essa menina. Anda tao

esquisita, sempre febríl e a chorar. Lyeth insistiu que o se-


nbor poderia recolver o problema e eu a trouxe aqui. Fran-
camente, nao compreendo. Não sei o que dizer. Irez foi
sempre assim esquisita, porém agora é demais.
lrez apressou-se
Quero falar com o senhor em particular.
D. Eney fitou-a com um olhar interrogativo e repro-
vador. Olhou depois para Lyeth que encolheu os ombros
como a dizer-lhe que ignorava o porque do procedimento
de Irez.
Dr. Fabiano como se já tivesse esperado por isso, pediu-
lhes que se retirassem. Não opondo qualquer objecão à exi-
gencia da filha, d.a Eney saiu do consultório para uma sala
ao lado. Sua curiosidade ardia com intensidade. Uma chuva
de perguntas caiu söbre Lyeth que ja nao sabia o que res-
ponder-lhe.
Como nao sabe o que ela tem, se voce é sua única
amiga. Se tudo ela lhe conta. E impossivel que voce não saiba.
Onde já se viu? Minha filha agindo como se fosse uma cri
minosa! Como se encondesse o mais terrível segredo. Eu não
compreendo! Não posso compreender!
A luta prosseguia aguda na mente de Lyeth que se
afundava na poltrona, tinha aspécto fatigado. Um vinco de
sofrimento crispava-lhe os lab10S.Continuou silenciosa sem
nem mesmo ouvir d. Eney que falava sem interrupcão. In-
dignada com a atitude da filbha. Lyeth quase não podia sufo
car a tempestade que lbe 1a na mente.Que estaria Irez fa-
lando? Que estaria
260 CASSA NDRA RIOS

sofrer. Tinha que sacrificar-se por sua felicidade. Faria tudo


que dr. Fabiano mandasse. Mesmo que lhe custasse a vida.
E renunciar a vida seria viver sem Irez.
D.a Eney atendeu ao chamado de dr. Fabiano deixan-
do-a sòzinha. Lyeth não quis acompanhá-la. Levantou-se e
foi até a janela.
Pouco depois Irez se aproximou sem ruído e por detrás
dela colocou docemente as mãos em seus olhos. Lyeth estre-
meceu voltan do-se rápida. Ela sorriu e apertou-lhe o braço.
Uma pergunta saiu dos lábios de Lyeth depressa, depressa
como se ihe tivesse fugido. E curvando-se para muito perto
dela perguntou.
Você falou?
Com um, sorriso amargo ela respon deu:
Sim. Ah! queria chorar livremente.
Lágrimas pareciam querer saltar-lhe dos olhos, porém vol
tou-se com calma
A VOLÚPIÀ DO PECADO 261

Poucos minutos depois chegaram. A fúria do


incumb1u-se de arrebatar a indignada senhora de seu cismar.
temporal
De pé junto da janela olhando
para fora aguardava preocu-
pada a chegada do seu espôso e de Lenita. Recuava de vez
em quando asustada com os grossos pingos de chuva que batiam
pesadanente contra a Vidraça num tique-taque assustador.
Lyeth e lrez, porém com isso não se preocupavam. A
tormenta que Ihes corroia a alma e o cérebro era bem mais
dolorosa. E fechadas no quarto vizinho ficavam absôrtas em
confidencias. Lyeth anciosa perguntava-lhe
contra
comprimindo-a
o coraçao ind1zivel angústia.
com
Que foi que acon teceu ? Que 1he disse? Conte-me
tudo, tim-tim por tim-tim.
Com a mesma anciedade de fazê-la sabedora do que se
passara lrez começou:
Eu não tinha coragem para falar, e então ele se
pos a fazer-nme uma porça0 de perguntasS.
O que foi que ele perguntou?
Tanta coisa. Quando afinal êle disse:
vocêe ama uma moça, cobri o rosto com as mãos e pror
rompí em soluços
262 CASSANDRA RIOs

amava e ainda nem mesmo nos falaramos. Ele quis saber


quais eram suas atitudes em relaçao ao no:so amor. E sabe
o que eu disse? Que voce vive ameaçando deixar-me. Oue
não me quer. Ai amor. . . quase morri de vergonha quando
cle con testou: "Você não compreendeu. Eu quero saber
se voces mantém relação sexual!" Sempre com aquêle
sorriso nos iábios. Meu Deus! Que vergonha passei!
O que vocé respondeu?
Que' não. Que apenas nos beijavamos. E ele imagine
amor, ainda quis saber como. Eu é que nao sei "como" sai
de lá. Mas, êle é to simples. Fala tudo de uma maneira tão
natural. Parece um pai. Melhor ainda. E mais compreensivo.
Voce se esqueceu de que ele é um médico?
em razao. Mas nem todos são assim. Ele é tão
bonzinho. Prometeu ajudar-nos.
Você disse-lhe meu nome?
Não. Apesar de sua insistência, guardei segrêdo.
Que bom, não? Acentuou desconliada.
-Nao sei porque. Quando voce falar com ele nova-
mente, quero que lhe diga quem sou.
remos sòzinhas segunda -feira, prometi ële que
levaria comigo. Vocë tem mëdo?
a
a
Não, pois não fui eu quem teve essa idéia? E depo1s
nao foi isso que lhe
pedi que fizesse?
Os olhos de Irez fitavam-na com
descon '1ança. Com
a mesma expressão que Lyeth a fitava. Porém em seus olhos
transparecia uma profunda inquietação.
Meu Deus! A jvdai-nos. Um sorriso passou pe
los labios
pálidos de Lyeth quando ao seu ouvido soou d
VOz terna de Irez
que ihe pediu:
Nao iique triste, amor. E não
me olhe assim com
descontiança. Ninguém
Seu lad0.
mais poderá impedir-me de seguir
Eles ficarão
A VOLÚPIA DO PECADO 263

pensará em nada que possa fazê-la desconfiar de mim. E


seus olhos aprofundaram-se nas pupílas de Lyeth com uma
expressão estranha como se fösse fazer-lhe uma terrível re-
velação.
Lyeth fitava-a detidamente.
dela estavam tremulas e úmidas. Sua boca fremia. quase ro-
çando a deia, os lábios semiabertos onde choravam beijos.
Jurou quase 1nconscientemente. t Absorta a contempl -la

Alheia a tudo que nao fôsse a magía do desejo que gemia


no corpo tao colado ao seu.
264 CASSA NDRA RIOS

vam passando as mãos uma na perna da outra. Quanto a si


própria, para espanto de Lyeth que passiva entre seus braços
ouvia-a calada, sem poder articular uma só palavra, protes-

tar como queria fazer e chama-la de do1da, que perdera o


juízo, falou num tom long1nqüo, como se nada fôsse aquêle
sentimento tão anormal.
Se eu fôsse homem apaixonar-me-ia por Lenita,
isto é, se não conhecesse voce. Se você não surgisse em mi-
nha vida. Jásonhei que nos beijavamos. Estavamos dansando
e então sem que eu esperasse ela me beijava na bôca arrebata-
doramente e acabava por possuir-me. Que horror senti quan-
dosonhei isso pela primeira vez!
Lyeth afastou-se estupefata sem saber que pensar. Des-
A VOLÚPIA DO PECADO 265
do nos conhecemos
eu já
plane jará tudo que iria acontecer
conosco? E quando dansavamos
naquela primeira tarde eu
já sabia que haveriamos de beijar-nos? E meu
grande que acabei por provocá-la.
desejo foi tão
Por que você fala assim?
Fico confusa. Não sei em
que pensar.
Pense apenas que será inútil
tentarem separar-nos.
Que ninguém poderá culpa-la de nada.
Ninguém poderá dizer
que vOce me perverteu porque eu já nasci
assim. Nao pervertida. Nasci
poderao julgar-me mal. Não tenho culpa. Sou
uma
desgraçada. uma perdida.
. .

uma p.
-Irez! Não fale assim! Cale-se por Deus!
Então responda-me.
LDiga-me porque voce me bei-
Jou naquela tarde.
Não sei. Perdi
-

a cabeça. Porque quis. Eu


.

quis
beijá-la!
Porém até aquêle momento você me evitára, resis-
tira. Eu a fôrcei. levei-a em casa premeditadamente. Passei
a mao pelo seu rosto, prOvoquei-2 0 mais do que
poderia
provocar. isso me consome dia e noite. Quanto deve despre-
zar-me. Oh! quisera ter sido forte como vocé. Isso me revolta.
quase supliquei de joelhos por seu amor. Oh! tenho mêdo!
Não compreende querida, que se eu nao amassee
vo:e de nada adiantariam suas cariciasEu sei que você tem
mêdo. Sei que é apenas o medo que a faz dizer coisas como
essas. Eu já disse mais do que uma vez e torno a repetir. "Não
deixarei que ninguém a faça sofrer. Serei capaz de morrer por
voce. Não tenha ma1s medo, amor.

E o meu diârio? Perguntou-lhe de sopetão.


É seu. Desconlia de mim Pode ir bus:á-lo. Sabe
bem onde o guardo. Suas cartas tambem se quiser.
Não. Não é isso. ucro apenas que jure que nunca
O entre:zará a n1nguem a nao ser eu E se algum dia você

O deVolver morrerei.
Isso quererà dizer que vo.e já nao

me ama.
No me faça jurar, poiS na0 Sera um juramento

a ce m e u silencio. Jama1s
cons. nliria, que me servis e
caua
ivrar-n1e da desventura da
Cie suas palavras de a m o r para
CASSA NDRA RIOS
266
acontecer. E mais: Nunca
o que
minha paixão. Aconteçao diario é o élo
mais forte que existo
e
de volta, porque não nos
peça do lutei para que
quanto
em nosso amor. E a prova Irez, ninguem precisará
saber
perdessemos asSim.
E depois
c o m o fiz até ho ie.
Guardarei segredo
que existe o seu diário. a obri
única culpada de tudo. Que
Pode dizer que eu sou a
guei a esta situação.
Não! Nunca!
1alvez que se eu consinta na
Deixe que assim seja. muito, e que
evite dessa maneira que nos interroguem
culpa, Apenas nos
comentários. E assim tudo se apaziguará.
haja sao Os preconceitos
de nosso tormento
separaräo. A causa como nós. Amor!
servem para martirizar criaturas
que so sociedade quando duas
almas se
a
Que importa o sexo
e
nos-
quando dois corações iguais ao
cruzam, se confundem,
Preconceitos! Sociedade!
pulsam no mesmo compasso?
so
Faça o que lhe digo. Protestara mas pareci1a aceitar
Irez continuou calada
se tivesse acalmado.
De sú-
Parecia que sua agitação
a 1déia. fixaram-na pen-
pupilas azuis ergueram-se para ela e
bito as momento observou-a, estudando
sativa. Durante um curto da cabeça, dec
c o m um movimento
Sua expressao. Por fim
dida afirmou com pueril orgulho.
Conhecemo-nos a uns
Isso nunca! Sei que faremos.
quatro anos, compreende?
conheci? Que quer com 15SO
Mas como? Onde a
Já verá Conhecemo-nos durante uma Viagem que
can tar e
i1Z uma vez com o colégio onde estudava, para pard
s

uma estaçao de Rádio num programa patrocinado


escrever-lhe un
estudan:es ornamo-nos amigas. E Prometi
assim comunicando-nos
carta. Cedo vore respondeu-me. r

apenas por cartas foi que nasceu nosso amor. Por fim,
Uma incrivel coincidencia vim morar aqui em São Paulo
perto Ce sua casa. Fo1 entao que con essamos que nos a na

var o. conto de
Muito bonita essa história. Parece um
lada Vo:ê tem idéias que merecem aplausos. Nao tem ló
A VOLÚPIA DO PECADO 267
gica! Não tem sentido o você
Você é mesmo do outro mundo! pretende com 1sso. Qual!
que
disse sarcásticamente.
Tonta! A vida é cheia de
uma c01ncidencia o coincidências. Pois náo é
nosso mútuo amor?
Não fale tanta
bobagem, Irez. E se nos pedissem
que moOstrassemos as cartas de
que adiantaria? Nem que nos
algemassemos.
E Voce crê que não
pensei nisso? Dará certo sim.
Voce escreve as cartas e eu arranjo os
creva as minhas também. Passa-las-ei envelopes selados. Es
terá um ótimo resultado. a
limpo. Verá Como
comno

Nao creio. Já estamos com a cabeça na bOca do


lobo será inútil. Você fala cada
Tentemos amor. Ou disparate. Quanta
nao quer mais? ingenuidade.
Está bem, concordo até que
uma apareça idéia melhor.
CAPITULO XXXIII

As quatro horas da tarde, Lyeth e Irez entravam no


consultório de dr. Fabiano. Lyeth ficou na sala de espera.
O calor abafado e o ruído surdo de vozes estranhas parecia
aumentar mai1S sua obsessaO.
Ao ver aparecer subitamente na porta o dr. Fabiano
com um olhar insustentavel, visivelmente surprêso. dissimu-
louum gesto de naturalidade
A VOLÚPIA DO PECADO 269
Por que a mandou procurar-me? Por que a trouxe
aquir Que quer que eu faça?
O que för possivel. O que o senhor como medico
achar melhor.
Medico e mais amigo do que nunca, retrucou ele
Comovido.
Irez levantou-se e deu três passos hesitantes. Parou à frente
dos dois bruscamente como se pretendesse dizer algo, porem
prosseguiu calada. Lyeth cujo desespêro crescia de momento a
momento continuou, depois de fitar Irez demoradamente:
Contanto que nenhuma de nós duas sofra.
O olhar suplicante e duvidoso que Irez lhe relanceava,
pálida e assustada fe-la pegar-lhe no braço fóra de S1:
Pelo amor de Deus! Não me olhe assim!suplicou aflita
contristada. Dr. Fabiano colocou-se entre as duas abraçan
do-as carinhosamente.
V o c ë s sao duas jovens inteligentes e compreensivas. Sei
que me atenderao e voltando-se para Lyeth Gostei de sua
atitude. E assim que se deve agir Bu conto com você. Fez
bem em procurar-me. u d o se arranjará. Até certo ponto o
que vocês sentem uma pela outra é normal, porém não é
possível de maneira que o interpretam. Voces não podem
continuar assim. Alinal sao duas moças distintas, perfei-
tas, bonitas e nao e Justo que se esqueçam da vida só
porque nao podem ficar uma sem a Outra. Voces compreen-
dem? Não acham que eu tenho razao Voces deturparam
um sentimento e deixaram-se exaltar pela intimidade que as
verdade?
unia. Não é
Lyeth acenou que sim. Olhou para lrez medrosamente
responder dessa vez que não.
e tornou a
Não quero separar-me
dela. Eu me mato. Disse
sufocada por soluços.
Irez.recaindo na cadeira
disse ele lentamente Está bem
bem
Está
continuou,
e olhando para Lyeth
CASSA NDRA RIOS
270
separá-1as completamente. Continuarao
A VOLÚPIA DO PECADO 271
Nao me era
possível evitar. E confesse
mo voce
Lyeth
que nem mes
conseguia simular
o que seus olhos diZiam.
Sim. Ela tem razão. A única coisa
podia conseguir fazer era dizer-lhe que eu ainda
palavras bruscas, eu estava
indignada. Não com ela. Comigo mesma. Oh! ainda hoje naao
compreendo. Nao sei o que sinto. Sôfro horrivelmente. Nao
quero ser assim, náo quero!
Dr. Fabiano fitava-as com um
mou-as com sua maneira
olhar perscrutador. Acal-
convincente de falar, bondoso e cal-
mo. Suas atitudes indiferentes escondiam algo.
Pois bem disse Lyeth, fez
a cabeça ligeiramente e uniu máos sobre os
as
uma pausa,
inclinouu
laremos com nossas mäes. Farei tudo para joelhos fa-
sepassa, se eu tiver contar-lhes o que
do resto. Sei que serácoragem. Então, o senhor se incumbirá
melhor assim.
Nao poderia existir ma1or
Lyeth falava. Quando as duas desespero o no tom em que
minhando lado a lado, alimentavamdeixaram consultório, ca-
uma tenue
que ainda poderiam ser felizes. esperança de

Lveth sentia-se de uma lucidez normal


medrosa. Irez parecia-lhe estranha como porém um tanto
como quem estáa com receio de
ouvir
nunca. Olhava-a
pondê-las. Mas depois de meditar porperguntas e ter
que res-
breve espaço de
po, achou natural aquele tem-
em que se encontravam so
olhar. Na tormentosa
expetativa
podiam prosseguir nervosas.
Sou no grande amor que ela ine dava e
a
Pen-
Revoltava-a a 1deia de saber-se sensação se
esvaneceu.
tao amada e ser
causa do so rimento dela. Nao por isso a
encontrava no
mundo
Só coisa, só ato que satisisesse o enorme
um uma
monstrar a Irez a in en sidade de seu
dese o de de-
amor. O
esquisito, dela se apoderava novamente. E se Irez anti o receio
mente fal a? Che aria um dia em que teria fôs e real
menda dúvida que, por uma força estranha respost a à tre-
Sua vontade e repetia-se sinistramente dentro subxistia à
do pei:o as
misteriosas palavras: "Falsa como a côr dos cabelos".
CASSA NDRA RIOS
272
tinha coragem de fitar demoradamenfe
Lyeth já não
Marcia e nem Lenita. Estas, sempre Ihe sor
d.a Eney, nem E gostavam
riam, ora com meiguice ora com reprovaçaO.
muito dela, Lyeth bem sentia. Olhou para lrez que acer
cou-se e beijou-a. Lyeth tambem a abraçou e deixou-se ficar
e azuladas conserva-
presa do beijo. As palpebras dela, largas
vam a pureza de uma criança que ainda não abrira os olhos
para a vida. Quantas vëzes beijara aquelas pálpebras que
escondiam o mais doce olhar que seus olhos a|uis lhe enviava.
"E se fôsse a última noite que passavam juntas? Dr. Fa
biano iria fazer algo. T alvez já o tivesse feito. Nessa noite
o pai de lrez saira tão nervoso e as olhara de uma maneira
indecifrável, com um olhar insondável e recriminante. Tam
bém notara que sua mãe, quando voltara da cidade estava
nervosa, sentira-se quase evitada por ela. D.a Eney não lhe
sorrira como antes e nos olhos de Lenita nao Vira o fixar
brejeiro de outros dias. Lenita tão cheia depreconceitos.
que pensaria ela quando soubesse de tudo? Como iria anali-
zá-la? Certo seria que as desprezaria. Estremeceu involunta-
riamente, imaginando o frio olhar de desprêzo e de revolta
que ela Ihe lançaria. Seria como se lhe jorassem ácido sóbre
o corpo. E Marcia? Absteve-se de pensar nela. Seu sofrimen-
to seria nmaior em relação aos dos outros. Apert ou a b o
que beijava, sacudiu a cabeça: Que importava os outros
lrez a amava.
Trez se afastou:
Oque foi? Eu mordi sua bôca? Perdão, querida.
Nao, amor. Você não me mordeu. A calma de seu
beijo me sufoca. Eu queto que você me beije com mais inteu
sidade, com mais calor.
Um centime ro apenas separava-lhes os lábios quanuo
O Soar da campainha as êz correr escada acima, para r-

to. Mônica oi atender em


Irezinha
seguida.
a sua prima Lorita. Avisou com sua
voz estridente.
Ih! que"caceteação"! Irez enraivecen-Se.
Não acho. Disse-lhe Lyeth com intençoes a
feri-la com ciúme.
CASSANDRA RIOS
28

Os soluços de Irez fizeram Lyeth sentir uma dolorosa

mágua. Espantou os temores. Nao con seguia compreender


maneira. D." Consuelo chamou-a,
porque ela agira de tal
se levantava,
para se retiraren. Ao mesmo tempo que Lyeth
um forte rebombear de trov o estremeceu a casa toda e uma

chuva certada desabou.


Estão
AVOLUPIA DO PECA DO 299

ntrega-lo. Só o daria pessoalmente. Lenita disse-lhe então


que esperasse. Da janela Irez iria pedí-lo.
caderno e Lyeth
foi buscar o
de filó. impaciente. Irez
esperou surgiu entre as cortinas
Lyeth perguntou-lhe se ela queria o diário.
-Não. Já disse
que no.
Lenita disse-lhe algo em voz baixa. A
mudou. Cerrou os
punhos e gritou: expressão dela
Quero sim. Você não presta!.
Seu
grito de assombro misturou-se com cinica! hipócrita
a voz de Lenita.
Irez!
A irm dela puxou-a para dentro e
se fechasse
ouviu-a gritar enraivecida a antes que a
janela
compreendeu. Nem mesmo tinha certeza de chorar algo que no
-
Cinica! Hipócrita! ouvi-la repetir
não prestava mesmo Provavelmente haviam lhe dito
e Irez ciumenta como que ela
ser, acreditara. só ela
Ihe dito.
Enfim, não
importava o que poderia
pudessem ter
Caminhou vagarosamente para casa. Os seus
taram-se ecoando dentro da noite. passos afas-
Queria morrer porém era tao dificil
mais ainda -

Seria tao mais difícil morrer. Chorou


viver
Caminhando
lentas.
no escuro toi deitar-se. As horas
Horas eternas, pesadas
que uma hora da manha.
de
sofrimento. Era já passavam
mais de
Lveth não estava
saida para aquela inquieta. Possivelmente haveria
motivo de catastrofe
tanto rancor, inesSperada. uma
Era necessário
Nao. O saber
se haviam
jurado amar sempre, era melhor
o
era
ignorar, Elas
Durante a semana que importava.
aionomia alterada. Lyeth viram-na errar silenciosa com a fi-
Cne os outros nao o nao Podia suportar tanta
Trasse Irez, não lhe percedesSem. Porem mesmo quedor sem
perguntaria nada. Não
encon
diria nada.
.

Tudo terminàra por rim.


adeus triste e furtivo. Om hegara tinalmente dia do
rápido e não se viram mais.aceno de
longe escondido,
o

um olhar
300 CASSANDRA RIOS

O carnaval passou. Soube que lrez viajàra para o Rio


de Janeiro.
Quando voltou, já não era mais a Irez de outros dias.
Mudara em tudo. Completamente. Fisica e moralmente. A
pele queimada por um sol ardente, ficara morena e crestada,
CAPITULO XXXVII
O qve Irez deixara fôra
compreender veneno. E
porque ela sentia tanto Lyeth não conseguia
espezinhando-a com comentários bárbaros
buscando
prazer em proSseguir
motivos para a seu
respeito, re-
Foi então, recriminá-la.
cavam comentários tempos depois, enquanto ela e
sôbre os d.? Ilma tro-
pouco a pouco tomando acontecimentos, que Lyeth foi
sas coléricas
de
Irez. Irez
conhecimento
queria
do motivo das
ofen-
ou outra
maneira Lyeth a provoc-la para que de uma
diário. procurasse. Para isso insistia tam
bém em reaver seu
Enqvanto Lyeth o conservasse, Irez
para manter com teria um
Lyeth traiu-aela.
pela
uma fraca mas
inflexivel motivvo
aue da Ilma lêsse.
D."
primeira vez. Mostrou ocomunicação.
se sentisse repunäncia llma fëz um comentário tôrpe diário para
ziu a testa pelas palavras que Irez como
arregalou
oS Olhos e
por fim escrevera. Fran-
Por que você não o
devolve. perguntou-1lhe.
Porqueúnicaé a
aue ele diz tudo que eu naoprova de que nunca
posso e nao menti.
Que Irez é a culpada? consigo dizer Por-
Não sei. Talvez. Prefiro
Eu iá notei que não responder.
que
ela da muito mais
você faz ou deixa de fazer do
Do que eu ao que ela
que. importância ao
faz? Quem
importo com nada.
Quero sabe. Já não
ginou fôsse pedir apenas sossego. A senhora me
tudo que ela iá
se eu
mim, o que aconteceriaf
satisiagoes
m sou
de
d
eu
para ter tido
amantes
302 CASS ANDR A RIOS

como eia diz? Ela se cançará um dia. A verdade surge quan-


do menos se espera.
Ela fala mal de vocé porque nao pode falar bem
Nao deixam. Só assim cla pode repetir seu nome quantas
vezes quiser que ninguém reciama. Ela näo sufoca, não sabe
esconder que só pensa em você. Tem ciúme. Ela sofre muito.
Ela tem um plano bem engendrado na cabeça, pode crêr.
Lyeth caiu num cáos de sentimentos desencontrados.
Odiava-a. Amava-a. Sentia saudade. não queria vê-la. Essa
confusão de sentimentos era pior do que ódio, pior que amor.
Semanas mais tarde soube que Irez partira novamente.
Fora continuar os estudos numa cidade do interior de São
Paulo.
Nada mais poderia demovê-la entáo do silêncio a que
se entregou. Tudo que faziam era inútil. Pálida e emagrecida,
com olheiras profundas circundando-lhe .os olhos fixos num
ponto etéreo Lyeth náo deixava escapar dos lábios um sinal
de vida. O corp0 inérte sóbre a cama quase não Se movia.
A respiração quase apagada. Ao redor da bôca um vinco de
tristeza, de dor.
Dr. Fabiano porém não se desanimava. Durante vinte
e três dias
consecutivos teve-a sob sua vigilia, analizando tõ
das
as suas expressões. Tratando-a com todo carinho. Lyeth
contudo fazia crêr que a sua vida, parara no dia em que irez
partira. Por vezes ouvia a voz dela chamando-a baixinho. de
uma maneira que só ela sabia entoar quando murmurava
seu nome. Trazia-a consigo em todo. seu ser, em tôda sua
alma em todos os pensamentos. Ouvia-a sempre a dizer:

Lyeth adorada, n2o creia em ninguém. Só em mim.


Ementira Lyeth, nunca a desprezei. Nunca amei ou amare
alguém senão voce. Nunca falei mal de você. Minha vida,
minha alma, meus
pensamentos todo meu ser lhe pertence
porque è sömente seu meu coração. Ele pulsa desconpassado e
atrevidamente, confessando a loucura que me invade quando a
sinto, quando penso vê-la".
o
tempo correu célere deixando para irás aqueles dias
frios de sofrimento.
AVOLÚ PIA DO PECA 1DO 303

No consultório de dr. Fabiano, d." Consuelo muito


atenta ouvia o que êle lhe dizia. Procurava
compreendero
tragico drama que se desenrolara em sua casa, perturbando
toda a família, modificando completamente o rumo de suas
Vidas. Ela, tão apegada ao lar só pensava em viagens longas,
distantes, para fugir do bairro que antes lhe era tão querido
e agora fervia em comentários graças á lingua viperina de
d." Eney e de d." Ilma que n o se cançavam de falar söbre
o caso, sem dar conta sequer do quanto comprometiam, as
duas jovens.
Enquanto Irez concluia os estudos no Interior, Lyeth
por insistência de sua mâe submetia-se à um rigoroso tra-
tamento pela psicanàlise.
"Só o tempo poderia restabelecer o equilibrio no sis-
tema nervoso de Lyeth". Assim confirmou dr. Cristian o
médico psicanalista recomendado por dr. Fabiano. Era neces-
sário agora. que ela tivesse um descanço longo e recuperador.
Estava exausta. Forçara a mente rebuscando o passado desde
Os tempos de criança, contando e recontando tudo. Repetin
do frases, minusciando cenas, falando de Irez ora bem ora
mal.
Duas ou trés vezes por semana durante_duas horas, às
vêzes mais, submetia-se ás perguntas de dr. Cristian. A prin
cípio tudo lhe parecera dificil, mas pouco a pouco ela mes-
ma se punha a contar-lhe de sua vida, do que gostava e do
que não a agradava. E chegara finalmente o dia em que ela
não precisaria mais submeter-se aquele torturante retrospécto.
E então quase desfeito o grande mal dr. Fabiano com
muita calma explicava para d." Consuelo o estranho acon
tecimento e apresentou-lhe seu diagnostico. Procurando fa
zê-la compreender,
304 CASS ANDRA RIOS

1nseparável, a conselheira. Influenciou-a com suas manias de


hipnotismo e fê-la ver através de seus olhos, a sua alma e
os seus desejos. Acordou ncla a malícia e talvez não o fizesse
premecitadamente. Apesar de lutar contra os sentimentos que
Se arraigaram em seu coração e em seu cérebro êsse desfecho
passional se tornou inevitável. Para Lyeth tudo não passou
ce uma forte sugestão uma
quase que, espécie de hipnotis-
mo. O sentimento que ela devotava a lrez nao passava de um
amor forçado, provocado por seu constante estado de apreensão,
devido às estranhas maneiras da amiga. Do que resultou uma
tiemenda confusão de sentimentos. Ela mesma se atormen-
tava pOr nao querer submeter-se ao sentimento mais for-
te que sua razão que
protestava. O sensual1smo cia outra
avivou-ihe os sentidos, apeteceu-lhe o sexo. Ao saber-se ama-
da, embora indignada acreditou que também a
a causa de
desejava, dai
sua
aparente perversao.
Mais tarde por si mesma Lyeth perceberá que o amor
que sentiu por irez nao passou de um aféto artificiai, exal-
tado pela frazilidade do sexo.
O caso de Irez talvez seja mais difícil, pois
toLyeih curar-se-á quando a ação sugestiva que, enquan-
sofreu
esvair-s2 que
completamente, Irez ao contrário precisaria sotrer
uma
açao de auto-sugestao o
que se toIna di.1cu.toso por-
quanto estado neurótico seja mais
seu
grave e date de mais
ongo tempo. Entre o amor de uma e outra há uma
diferença. O amor de Irez foi espontâneo ao passo enorme
Lyeth oi provocado. Dr.. Fabiano fêz que o de
para tomar iolégo, e continuou: uma pausa como

Esses casos de psicopatia adquiridos


in
umeros, indefinidos por sugestão sao
atento da mente do doente
e
misteriosos. E necessário
um estudo
e isso leva
a Vica tôda, para des:obrir-se a causa meses, anos, as vezes
Im. Lyeth loi
um dos casos
perversa de tão grande
mais faceis que tivemos. rez
1ntercssar-me-ia muito mais.
peutica sugestiva é o único Requer mais atenção. A tera-
Ver um meio indicado para ela. Deve ha-
motivo muito iorte
na
memória o para que ela guardasse tao
sonho original que teve quando
ViVO
Uma espécie de neurose, criança.
algo que ela sofreu ou
presenciou,
A vOLÚPIA Do PECADO 305

na primeira idade
que a fêz sentir um mêdo perturbador
o
e
procurou sufocar para não lembrar-se mais.
Depois ficou
o passar do tempo se esqueceu, porém a cena emotiva
com

gravada no seu sub-consciente, manifestando-se mais tarde


em sonhos. Perverteu-lhe
assim o seu desejo
imagem psiquica que a acompanhou em sonhos,sexual.
Essa

em seu cérebro
arraigou-se
dominando-a por sugesto. A imagem
erótica
associou-se com Lyeth, pareceu-lhe ver nela a jovem de seu
sonho, dai a causa de uma
ação sugestiva. Se lhe voltasse a
mente aquela cena emotiva,
pela psicanalise, talvez, com
obstinação, conseguissemos, ela poderia curar-se e possível
mesmo, espontaneamente.
Ela porquanto vai procurar livrar-se do amor que nutre
por Lyeth, forçando atenção por um homem qualquer que
lhe pareça frágil, mais jovem que ela, a quem possa gover-
nar á sua maneira. Buscará novas amizades e divertimentos.
Enfim, não matará o sentimento rebelde, apenas o sufocará.
O mais indicado e certo seria rebuscar a consciência, fôrçar
a memória. Falar do passado até fazer vir a mente o motívo
emocional. Ai então a cura seria certa e inevitável. Oh! como
eu gostaria de manter contácto com aquela pobre menina. . .
Dr. Fabiano juntou as mos apoiando nelas o queixo
e ficou por instantes calado, muito pensativo. Depois tornou
a falar, olhando para d.a Consuelo que o ouvia atenciosa.
Esses pais que se Julgam sabios, que procuram com
o domínio que têm sôbre os filhos afastá-los apenas do obje
to de sua aparente queda, fugindo aos médicos, fugindo a
não
306 CASS A NDR A R I O S

a separação. Não
certo provirá
de seu espôso, do que por
caso de Irez. Estou
posso afirmar que êste seja o
CAPITULO XXXVIII

Passaram-se anos após o dia em que Lyeth e Irezse


haviam separado, definitivamente.
.No semblante de Lycth não restava sombra do antigo
desânimo. Mais freqüentemente saia em companhia das ir-
ms. Dr. Fabiano muito embora não mais como médico,
não deixava de observá-la. Lyeth fôra forte e soubera resis-
tir, porém só ële sabia que em sua alma soluçava baixinho
a lembrança inesquecível da paixão ardente que se fizera
em cinzas.
Em meados de fevereiro.
Rodelinhas de confete atapetavam as ruas com suas diver-
sas côres. Serpentinas! Lança perfume! Música! Gritaria! Inten-
sa alegria por töda São Paulo. Por todo o Brasil. Talvez
em quase todos os corações. Enfim, "Carnaval"
Lyeth afastada de todos olhava "distraida para o esté-
tico sobrado ao lado do "Clube Homs" onde se encontrava.
Fôra ali mesmo que uma vez Irez e ela haviam-se
beijado com tanta loucura e muito mëdo. Sentiu sua pre-
sença no sôpro perfumado da noite. Uma brisa frêsca afagou
seu rosto e brincou com seus cabelos. Ao redor tudo era la-
mento! Uma noite tão triste! Tão vasia para ela. Lyeth
sorriu. Sorriu porque de. .novo sonhava. Inclinou a cabeça
e ao entreabrir. os lábios um sabor fantasmagórico. num sus
surro feérico, de beijos suaves. prendeu-se em sua bôca.
Quc lindo quadro!
Voltou-se asustada. Surpreendida em pleno beijo. A
VOz rouca repetiu:
Sonhando talvez!
CASS
ANDRAR I OS
308
Da sacada ao lado um
Estava escuro.
Tentou vê-lo. de seu olhar
nevoas
envolto nas
vulto masculino surgiu lentos. Apenas
dela com passos
extasiado. Aproximou-se sorriam, brill.avam
os separava. Os olhos dêle
um murinho

voluptuosamente.
comigo.
Não negue. Venha dançar
toucador e saiu para
convite. Atravessou o
Ela aceitou o

o salão. seus corpos, ao


envolveram e
Logo, os braços dele a
levar
imiscuiram deixando-se
da dansa satânica se inebriante
compasso
na inquietação
tantos outros que se agitavam
pelos
do carnaval.
delicadamente
cintura fina,
cingiam-lhe a
Os braços dêle
A VOLUPIA DO PECADO 309
de confundiram-se com outro sentimento. A
cimento assaltou-a de uma vez. alegria ou ecque-
O tempo passou
rápido e nem o sentiram. Quando a
orquestra "bagunça" deu os acordes finais,
olhares se buscaram no mesmo anceio. surpreendidos seus
No mesmo receio de
se perderem no silêncio da
distância. Os braços vigorosos
apertaram-na com um calor tal.que se não fôsse a
teriam por certo escutado um gritaria,
dos lábios dela.
suspiro ou um
gemido fugir
-

Amanh esperarei você aqui.


Ela acenou que sim êle se foi como viera. Olhando-a
e
com a mesma expressão delicada e calma, que prometia. tudo
e nao prometia nada.

Ficou ali, até que a


esvair-se com èle sua única
despertaram dos sonhos. Sentiu
inédita esperança. Sua alma e
e
seu coração. Ele era algo de promissor que a arrebataria do
passado. Não poderia perdê-lo. Precisava encontrá-lo nova-
mente e não deixá-lo ir-se nunca mais.

Com anciedade seus olhos


nao aparecia..
o
procuravam porém Mario
Qvantos braços sentiu ao redor de seu corpo
C A S SA N D R A R I O S
310

pular bastante. Viver éstes m0


Último dia. Vamos
töda uma alegria.
111entos e estas horas com
Ele pretendia
Sofreu ouvi-lo. Sua esperança fugia.
ao
dia. Ela não podia ter espe-
não encontrá-la mais após aquêle Já se esquecera.
rança. Ihe traria ele? O esquecimento?
QQue
lembrar.
Náo se permitia muito agarrados se mistu-
num abraço e
Ele envolveu-a coloridas fantasias.
raram naquela
confusão de fantásticas e
se passava no íntimo
de Lyeth.
Impossível divulgar o que cantava:
mesmo ritmo o que ële
Sua voz acompanhava no
"Se você não me queria.
não, devia me procurar
anciava por sen-
Quantas caricias quantos beijos. Ela
e

bôca. Estava excitada impressionada


consigo, com
ti-los na
tentou livrar-se uma vêz
dos braços dêle,
a fragilidade
sua
atra-
Mario porém apertou-a mais.
Não falaram. Conversaram
cantavam. Já não sorriam.
vés dos olhos e das canções que
ter mêdo de
Ele parecia absörto. Apenas enlaçava-a, parecia
todos para-
multidao esfusiante. Quando
perde-la entre a
as maos déle agar-
ram e o silêncio começou a reinar no salo,
ram as dela e êle lhe disse
vem nos encontraremos aqui. Você é
O ano que
um perigo garôta. .
nem ela o
Soltou-a e foi embora. Ele não a retivera,
havia
reteve. Ele não sorrira e nem ela sorriu. Quanta doçura
encontraria nunca mais,
em sua voz! Ela quase chorou! Não
ainda restava uma
alguém como êle, que a fizesse sentir, que
ser muito feliz. Feli1z
tenue esperança de que um dia poderia
as mulheres o ambi-
Como sempre sonhara ser. Como tôdas
se entregaria. AsSim
C1onam. Ele seria oúnico homem a quem
decidiu num, cálculo de previsão.
como se fortes
Derepente teve um apêrto no coraçao,
êle que voltava. Com
naos de aço o tivessem envolvido. Era
ela que falava. Porém, oh! que desilusão he deu:
fita dessa serpentina para lembrar-mne
Quero uma
de voce até o próximo ano. E quando nos encontrarmos eu
a mostrarei a você. Quero uma flor. Uma flôr dêsse colar
sonbadora linda. Você não esquecerá de mim?
A VOLUPIA DO PECADo
31

Ela lhe deu a mais vermelha. Rubra como seus lábios.


Um vermelho exCitante como seu sangue.
N o mesmo lugar. No ano que vem.
Ble foi embora. Perdia-o. Ele levara consigo sua única ilusão,
sua única esperança. Não sabia porque se sentia assim. Nunca
o vira antes. Ele não era como Antonio, nem como os outros.
E também
estaria
312 AS'SANDRA RIOS

Os salões estavam repletos. A noite tépida. O céu esplen


didamente belo. No ar uma quietude mansa impregnava-se
de melodias suaves. Sentiu-se estranhamente impelida para o
balcão onde conhecera Mario.
Céus! Que surprêsa! Que alegria! Elevou-se num êxtase
tão. grande que pensou desfalecer. Aquele vulto era o mesmo.
A anciedade que brilhou nos olhos dele a queimaram. E com
rapidez chegaram ao salão.
Não trocaram uma só palavra. Ele tomou-a nos braços
ancioso. Estava trêmulo. Tremia de emoção. Seria por vê-la?
Dansaram muito unidos. Um fox lento, tio perigoco
e inebriante quanto aquele samba que ela quase não sentira
no carnaval.
Foi o destino! le encurtou o caminho do nosso
encontro, minha sonhadora linda! Sofri por tê-la perdido. Eu
não devia tê-la deixado ir-se. Sinta quanta saudade eu pa
deço de você! Veja. A mesma barba mal feita. o mesmo
beijo que eu dei no seu rostinho encantador. Como foi que
eu deixei que você se fôsse? Como?-Apertou-a com ta
fôrça que ela, sentiu-se elevar ro ar. Pare:ia que todos sentiam
sua alegria, que todos notavam o seu contentamento. Encon
trará-o finalmente. Estava em seus braços. Presa a ele, acor
Tentada ao seu amor. E veio dos olhos e não da böca o
primeiro beijo.
Você se lembrou de mim? Por isso que foi para o
terraço? Foi procurar-me? Para ver se eu também estava a
sua procura.

Inebriada como estava não soube responder. Ele beijou-a


no rosto, furtivamente como
outrora.
E tarde da noite se
despediram. Porém não como aa i
outra vez. Encontrar-se-1am
novamente na noite sezuinte
e em todas as noites. E
sempre!
Durante meces Viveram um
para o outro. Mario sempl
alegre ao seu laclo. Sempre procurando fazê-la sintir-se
em sua companhia. rel
Pouco a pouco, contudo, como todos os apaixonado
sua alegria foi transformando-se em uma expressão insegurd,
A
VOLÜPIA DO PECADO 313
anciosa, como se
quisesse fazer-Ihe uma confissão
ou um
aue pedido
RIOS
CASSANDRA
314
ela na realidade.
antes, nada sentia por
desprezava-a! Ou a encontrava por acaso
mais, Quando
Não queria vê-la n u n c a mesmo se importava com a in-
olhava. Nem
nem sequer a nao fo1 preciso esfôrços,
de seuolhar. Nunca, e Mario. E
sistêncía ela pertencia a
olhar para ela. Agora maneira.
ergueu o homens, à sua
a m a v a . Como a m a m os
Mario a suas von-
mas nao desprezava
Dominava-a com seus göstos,
Carinhoso não exces-
satisfazê-las.
a
tades, sempre dispôsto momentos de amor. Opiniático
nos seus
SIvamente, apenas
não
CAPÍTULO XXXIX

Fins de janeiro. Tudo corria normalmente. Mario fazia


planos. A casa que êle tanto desejara mobiliar um dia,
para
aquela que seria sua companheira já fôra reformada e decora-
da. Lyeth foi com êle uma tarde conhecer o seu futuro lar.
Chamou-o de exagerado. "Para que
se vamos viver taoE ele respondeu abraçando-a.
sós?
uma
casa to grande
Meu amor por vocé é tão grande que nao sei se esta
casa bastará para abrigá-lo.
E pela primeira vez MMario fêz uma pergunta
embara
gosa Lyeth enrubeceu ao ouvila, Gaguejou e para rom-
per seu embaraço beijou-o. Mario afastou-se e insistiu:
Você nunca teve: outro amor?
Não. Nunca só você. Acredita?
-N o sel, acredito, acrescentou depressa ao senti-la
tão junto a si; e tão amorosa. Não sei que faria se soubes-
se que você já teve outro amor. Que amava outro quando me
conheceu. Oue se lembra dele. Oh! nem quero pensar. Eu
seria in justo. Ninguem governa o coraçao e muito menos eu.
Tenho tanto ciúme de voce. Nao quero crêr que esta bôca
com desejo bÔca.
outra
já beijou
Lveth iá sabia que Mario era ciumento apesar de que
demonstrara com cenas desagradaveis: Sufocava-o
ele nunca o
pois não tinha razoes para Sentir-se assim, ou talvez tivesse
amava-a tanto.
muitas, pois
Tentou espantar os pensamentos que tao perversamen-
mais alto numa que ela n o
VOZ reconbecen cO-
te gritavam
de s u a
a
consciencia. Continuaria ela adormecida? Bei
mo
muito. Foi quase sua!
jou-o. Beijou-o
RIOS
316 CASS A NDR A

tornou-se mais impe-


A noite quando se despediram,
Beijou-o mais ainda,
com maiIS intensidade. Mario
tuOsa.
Afastou-se em seguida. Seus lábios
apertou-a nos braços. os dois. Com um
estavam manchadosde batom. Riram-se
ela fo1 remover a marca
do beijo.
lencinho que éle lhe dera,
seus olhos relancearam pela
Ao erguer a cabeça, forçOsamente calada quanco a
casa de Irez.
Teve u m a reação
janela da Não se
lrez teria visto o beijo?
viu debruçada, espiando-a. vingada,
momento sentiu-se feliz quase que
importava. Por
mesmo não
A VOL ÚPIA DO PECADO 317
Não teve fôrças para abrir os olhos. Quis respirar e não
pode. Deram-lhe palmadinhas no rosto. Alguém gritou ao
telefonc.
Uma rajada de ar frio bateu em seu
rosto. E ela cain-
do... caindo
sempre. Cada vez mais. Passaram-se longos
minutos. Bateram na
porta. O quarto encheu-se de homens
formando uma miscelânia de vultos brancos
por entre os cilios semi-descerrados. que percebeu
Ergueram-na
novamen-
te, Tornaram a deitá-la. Percebeu pelos
movimentos. que a
tinham pösto sôbre uma padióla. Tudo escureceu novamenn-
te, quando, sentiu a velocidade de um veículo que
a Deveria ser uma ambulância.
correr. principiou
Como se o sôno chegasse, a vida deixava-a
lentamente,
318 CASSANDRARIOS

Lembrou-se da promessa que fizera: Quando eu mor


fer, prometo prendé-la lábios".
em meus

Uma lágrima rolou por sua face. Mario chamava-a aper-


tando-a nos braços.
Entreabriu os olhos. Foi Irez que ela viu. Era ela que
estava ali, suplicando na própria voz de Mario.
Não me deixe. .'não me deixe.
Não. Não a deixaria nunca- Levá-la-ia consigo, présa
entre seus lábios, que sorriam pela última vez e que chama-
vam por ela num grito desesperado.
Um beijo pousou de leve em seu rosto e outros mais
ardentes em sua bôca. Teria sido Irez? Sim. Fóra ela que a
beijara com lábios quentes e enfebrecidos de desejo.
Mario chorava como uma criança. Não se continha.
- Não me deixe. . não me deixe.
Lyeth desfaleceu. Os olhos vitreos e parados fixaram-se
num ponto distante e inatingível. De sua bôca entreaberta
afluiu um último suspiro. Sua cabeça pendeu para o lado.
Parecia ter desfalecido num söno profundo.
No ar pesado e esquisito ficou vibrando cavernoso e
abafado, como se tivesse saido do fundo de um poço. o
nome que ela murmurara.
Uma cortina esvoaçou e uma janela abriu-se ruidosa-
mente. Alguém correu para fecha-la.
Fóra, as, árvores gemeram açoitadas pelo vento.
Após um silêncio estarrecedor, novamente a janela abriu-
Se. E
na rajada de vento frio
que entrou na sala, acreditaranm
Ouvir ainda o débil chamado de Lyeth, ecoando pelo espaço
a fora e sumindo-se pelos seus lábios adentro.
IREZ

FIM
Composto iapresse
nas oficinas Gráficas da
Editora Cupolo Ltda.
R. Seminário.
187 S. Paulo
CASSANDRA RIOS, a mais jovem escri1
tora brasileira, em pleno apogeu de su1a exu-

berante mocidade, co11 seu primeiro livro no


prelio, surgirá 1n0vamente muito em breve comn
seu novo romance, pleno de emoções inéditas,
onde o realismo é descrito cr12mente, num de-
senrolar de cenas absorventes, em paginas
repassadas de um romantismo quase lirico
Emaranhando-se entre as letras como a dar-
lhes vida,

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