Está en la página 1de 52

1

SUMÁRIO

2 INTRODUÇÃO..................................................................................... 3

3 JOHN BOWLBY, O PAI DA TEORIA DO APEGO ............................... 4

4 OS FUNDAMENTOS DA TEORIA DO APEGO................................... 9

4.1 Pressupostos Psicanalíticos........................................................ 10

4.2 Pressupostos Biológicos ............................................................. 12

4.3 Modelos Operacionais ................................................................ 16

5 AS REPRESENTAÇÕES MENTAIS DO APEGO .............................. 16

6 TEORIA DO APEGO: AS TRÊS FASES ........................................... 19

6.1 Primeira Fase da Teoria do Apego ............................................. 19

6.2 Segunda Fase da Teoria do Apego ............................................ 23

6.3 A Situação Estranha ................................................................... 25

6.4 Terceira Fase da Teoria do Apego .............................................. 29

6.5 A Entrevista de Apego do Adulto ................................................ 30

7 O DESENVOLVIMENTO DO APEGO AO LONGO DA VIDA ............ 36

8 TEORIA DO APEGO: IMPLICAÇÕES PARA A CLÍNICA


PSICOLÓGICA, PARA A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO .................... 42

9 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ....................................................... 49

2
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão
a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

3
2 JOHN BOWLBY, O PAI DA TEORIA DO APEGO

Fonte: https://www.thescienceofpsychotherapy.com

John Bowlby nasceu em 1907, na Inglaterra, em uma família de classe


média alta inglesa. Seu avô, um correspondente do Times durante a
Guerra do Ópio, foi capturado, torturado e brutalmente assassinado. Seu
pai, Sir Anthony, foi um importante cirurgião militar da época, conhecido
por arriscar-se enquanto cuidava de soldados feridos no front durante a
Primeira Guerra Mundial. Anthony cuidou de sua mãe viúva, só casando-
se depois do seu falecimento. (ASSIS, 2006, p.3).

Conforme nos informa Coates (2004), John foi o quarto de seis filhos e foi
criado por uma babá, dentro da tradição britânica. Tony, o irmão mais velho (apenas
13 meses de diferença), e John eram tratados como gêmeos, estudando na mesma
sala de aula e sendo muito competitivos, apesar da amizade entre os dois. A família
vivia em Londres e passava as férias de verão na Ilha de Skye na Escócia. Em
Londres, as crianças tinham contato com sua mãe somente durante uma hora
depois do chá da tarde, em que ela lia para os filhos. Nas férias, o acesso à mãe
era bem mais longo, quando saíam todos para caminhadas ao ar livre. Quando John
fez quatro anos, sua babá largou o emprego, deixando-o desolado. Anos mais tarde,
escreveria que a perda tão abrupta de um cuidador nesta idade é como perder a
própria mãe. Bowlby descreveu sua mãe, ao longo de suas biografias, como uma
mulher preocupada em não mimar seus filhos, respondendo de maneira seca aos
clamores de atenção e afeto que os filhos faziam.

4
Aos sete anos de idade, como era comum na educação tradicional inglesa,
foi mandado a um colégio interno “para sua própria segurança”, segundo os motivos
dados pela família, passando depois para a escola naval Dartnorth antes de
prosseguir seus estudos na faculdade.

Em 1925, iniciou sua carreira acadêmica em Trinity College, Cambridge,


seguindo os conselhos de seu pai, cirurgião. Nos primeiros anos neste
college, estudou as ciências naturais, depois as ciências morais, com
especial interesse na psicologia do desenvolvimento. Durante o período da
faculdade, ganhou muitos prêmios pelo seu desempenho intelectual.
(ASSIS, 2006, p.3).

Como descrito por Assis (2006), depois da graduação, em 1928, realizou


trabalhos voluntários em duas escolas progressistas, sendo uma delas uma
instituição para crianças desajustadas (Priory Gate). Enquanto lecionava, Bowlby
ficou impressionado pela quantidade de crianças que haviam perdido sua mãe
precocemente. Com o fim destes dois trabalhos, Bowlby foi persuadido por John
Alford, um membro da equipe de Priory Gate, que se tornaria grande amigo e
conselheiro de Bowlby, a fazer seu curso de medicina para que pudesse treinar na
área de psiquiatria infantil. Assim, em 1929, com vinte e dois anos de idade, Bowlby
entrou para University College Hospital in London (em 1933, ele se formaria em
medicina).
Ao mesmo tempo, Bowlby foi aceito na British Psychoanalytical Association
(BPS), sendo analisado por Joan Riviere (que era fortemente influenciada pelo
trabalho desenvolvido por Melanie Klein) e supervisionado por Nina Searl e,
posteriormente, por Ella Sharpe. Nesta época, a BPS tinha três grupos de influência:
Grupo A, que se aproximava de Freud, o Grupo B, que se aproximava de Klein e o
Grupo do Meio. Em 1937, ele se formou como analista (ASSIS, 2006).
Sua primeira análise de criança foi supervisionada por Melanie Klein. No
entanto, a influência de Klein sobre seu trabalho seria paradoxal. Klein proibia
Bowlby de conversar com os cuidadores de seus analisandos. Bowlby, porém,
interessava-se pela transmissão transgeracional das dificuldades no apego e pelo
entendimento de como um problema não resolvido em uma geração surgiria na
geração seguinte. Bowlby empenhou-se em mostrar que as experiências reais das

5
crianças, e não somente as fantasias, tinham efeitos significativos em muitos
aspectos do desenvolvimento. Ele também desejava apoiar-se nos
comportamentos como indicadores de representações internas, tanto da criança,
quanto da mãe. A Escola Húngara teria, assim, grande influência para o trabalho de
Bowlby, principalmente os textos de Ferenczi, Benedek e Hermann, uma vez que
essa escola enfatizava a importância do laço entre o objeto primário e a mãe. Outras
influências importantes em sua obra foram os trabalhos de Spitz e de Fairbairn e
Suttie. Bowlby preocupava-se, sempre, que suas teorias psicanalíticas fossem
consistentes com os achados científicos de outras áreas vizinhas, sendo muito
interessado no estudo de etologia e evolução humana (WATERS, HAMILTON &
WEINFIELD, 2000).
Ao fim do curso de medicina, Bowlby trabalhou no Maudsley Hospital, na
área de psiquiatria de adultos. Depois deste trabalho, ele foi aceito no Child
Guidance Clinic in London, onde foi apresentado à idéia de transgeracionalidade na
transferência de neuroses, tema que marcaria sua obra.

Em 1938, Bowlby se casa depois de ter conhecido sua esposa quando em


férias na Irlanda. Os dois serão pais de quatro filhos. Uma influência
importante para Bowlby, nesta época, foi a do amigo Evan Durbin,
apresentado pelo irmão Tony durante os anos em Cambridge. Durbin iria
se tornar, mais tarde, um político do Partido Trabalhista e, assim como
Bowlby, preocupava-se com a necessidade de ações concernentes ao
bem-estar social. Bowlby percebia a psicoterapia infantil como uma forma
de medicina preventiva que mudaria não só os indivíduos, mas a
sociedade. A colaboração mútua com Evan resultou, em 1938, no livro
Personal Aggressiveness and War. Evan morreria logo depois da Segunda
Guerra 5 Mundial, deixando Bowlby muito consternado, mas
intelectualmente mais interessado no processo de tristeza e luto. (ASSIS,
2006, p.4).

Ao começar a Segunda Guerra Mundial, Bowlby tornou-se crescentemente


preocupado com a retirada das crianças para o interior do país e com o impacto
desta separação precoce (antes da idade de cinco anos) de suas mães. Junto com
a psicanalista de linha kleiniana Susan Isaacs, dirigiu um programa para retirar as
crianças de Londres, o que o confrontou, novamente, com as questões acerca de
perdas, lutos, separações (ASSIS, 2006)
Na década de 40, começou a publicar seus primeiros textos sobre a criança,
sua mãe e seu ambiente. A preocupação de Bowlby girava em torno, não só do
6
psiquismo infantil, mas também da realidade social que cercava a criança, dando
grande importância à maneira como a criança havia sido educada. Esta
preocupação também reflete a influência de seu tempo passado na London Child
Guidance Clinic, onde fez treinamento médico em psiquiatria infantil. Lá conheceu
dois assistentes sociais com formação psicanalítica, Christoph Heinecke e James
Robertson, que, com ele, partilhavam ideias acerca da importância de um ambiente
saudável nas primeiras experiências do desenvolvimento infantil. Nesta época,
Bowlby sentia que a psicanálise enfatizava o mundo intrapsíquico das crianças, em
detrimento dos eventos atuais. Assim, escreveu o artigo The Influence of Early
Environment in the development of neurosis and neurotic character; 1940; Int.
Journal of Psychoanal., XXI, 1-25. Assis (2006), nos informa que neste texto, foram
desenvolvidas algumas idéias que, posteriormente, norteariam a Teoria do Apego.
Em 1944, publicou o artigo Forty-Four Juvenile Thieves, their characters and home
live, em que associa o fenômeno de delinqüência a um histórico de privação e
separação materna. Segundo Bowlby, o período de seis meses em que esteve com
esses jovens foi um dos mais ricos para sua teoria. O autor impressionou-se com a
privação emocional e com a quantidade de perdas reais vividas por estes pacientes.
Este artigo rendeu-lhe a indicação, em 1949, para trabalhar na Organização Mundial
da Saúde.

Depois da Segunda Guerra Mundial, Bowlby tornou-se chefe do


Departamento Infantil da Clínica Tavistock em Londres. E para salientar a
importância das relações parentais, renomeou este departamento para
Departamento para Crianças e Pais (The Department for Children and
Parents). Em colaboração com Esther Bick, montou um programa de
treinamento em psicoterapia infantil. (ASSIS, 2006, p.5).

Os estudos de Bowlby estavam cada vez mais voltados para o


entendimento de padrões familiares de interação que ocorriam tanto em situações
de desenvolvimento saudável, quanto de desenvolvimento patológico. No entanto,
esta clínica ainda estava sob forte influência do pensamento kleiniano, e Bowlby
precisou 6 montar sua própria equipe de pesquisa para poder realizar estudos com
novo enfoque nas interações familiares.

7
Em 1948, depois de conseguir fundos para realizar suas pesquisas,
Bowlby contratou James Robertson para realizar uma observação de
crianças hospitalizadas, institucionalizadas ou separadas de alguma
maneira dos pais, principalmente da mãe. Depois de dois anos de trabalho
nos hospitais, Robertson e Bowlby realizaram o filme A two-year-old goes
to hospital (1952). Este documentário mostra o impacto da perda e o
sofrimento vivido por crianças pequenas diante da separação de seus
cuidadores. O filme desempenhou um papel fundamental para o
desenvolvimento da Teoria do Apego e também para que houvesse
mudanças no tratamento dado às crianças hospitalizadas, permitindo a
estada dos pais nos hospitais durante o período de internação dos filhos.
(ASSIS, 2006, p.6).

Em 1949, tornou-se assessor da Organização Mundial de Saúde (OMS) e,


nesta posição, pôde pesquisar o impacto das perdas para as crianças em uma
Europa assolada pela desintegração familiar do pós-guerra. Sua pesquisa resultou,
em 1951, na publicação do livro Maternal Care and Mental Health (publicado em
formato popular sob o nome Child Care and the Growth of Love), em que defendia
a importância de uma relação afetiva constante para a saúde psíquica da criança.
Para o autor, não seriam as privações nutricional, econômica ou médica, e, sim, a
psicológica a que mais causaria problemas às crianças.
A partir de 1950, Bowlby deu um fundamento cada vez mais biológico à sua
teoria, fruto de seu interesse pela biologia darwiniana e pela etologia. Esta área de
conhecimento, fortemente influenciada pelo seu encontro com Robert Hinde, teria o
papel de esclarecer a natureza dos laços entre mães e filhos. Hinde mostraria para
Bowlby a importância do trabalho desenvolvido por Harlow com macacos rhesus.
Depois de ver as fitas gravadas por Harlow, Bowlby convenceu-se de que entender
o sistema de apego à luz da biologia evolucionária era o caminho certo a ser
tomado. Suas primeiras teorizações sobre apego baseavam-se, também, nos
conhecimentos adquiridos nestas duas áreas. Sua intenção era criar uma teoria
psicanalítica sobre relação objetal e motivação em bases firmemente científicas
(ASSIS, 2006).
A primeira apresentação formal da Teoria do Apego seria feita a partir de
1957, quando Bowlby leu seus três clássicos artigos na British Psychoanalytic
Society: The Nature of the Child's Tie to his Mother (1957), em que ele revisa as
explicações da teoria psicanalítica vigente para o investimento libidinal do bebê em
sua mãe; Separation Anxiety (1959), em que Bowlby questiona a teoria tradicional,

8
pois esta não consegue explicar o apego à figura materna e as respostas dramáticas
das crianças à separação; e o terceiro artigo seria Grief and Mourning in infancy and
early childhood (1959). Neste texto, Bowlby questiona a visão de que o narcisismo
infantil seria um obstáculo para o luto pela perda de um objeto de amor (Anna Freud
postulava que um ego parcamente desenvolvido não seria capaz de realizar um
luto).

Bowlby via o comportamento de apego como uma estratégia de


sobrevivência criada durante o processo evolucionário. O objetivo do
comportamento de apego (sugar, sorrir, chorar, abraçar, seguir) seria
tornar a criança mais próxima de sua mãe. Para ele, a não ser que
houvesse um sistema de comportamentos que realizasse uma ativação
dos cuidados maternos, a criança morreria. Além disso, por acreditar que
o instinto de apego seria o principal responsável pela sobrevivência
humana, ele o punha acima, na escala de importância, do instinto sexual
ou do instinto alimentar (ASSIS, 2006, p.7)

Na próxima seção, serão apresentadas, brevemente, as bases da Teoria do


Apego, como foram propostas por Bowlby.

3 OS FUNDAMENTOS DA TEORIA DO APEGO

Como já citado, J. Bowlby (1989) considerou o apego como um mecanismo


básico dos seres humanos. Ou seja, é um comportamento biologicamente
programado, como o mecanismo de alimentação e da sexualidade, e é considerado
como um sistema de controle homeostático, que funciona dentro de um contexto de
outros sistemas de controle comportamentais. O papel do apego na vida dos seres
humanos envolve o conhecimento de que uma figura de apego está disponível e
oferece respostas, proporcionando um sentimento de segurança que é fortificador
da relação (CASSIDY, 1999). De acordo com J. Bowlby (1973/1984), o
relacionamento da criança com os pais é instaurado por um conjunto de sinais
inatos do bebê, que demandam proximidade. Com o passar do tempo, um
verdadeiro vínculo afetivo se desenvolve, garantido pelas capacidades cognitivas e
emocionais da criança, assim como pela consistência dos procedimentos de

9
cuidado, pela sensibilidade e responsividade dos cuidadores. Por isso, um dos
pressupostos básicos da TA é de que as primeiras relações de apego, estabelecidas
na infância, afetam o estilo de apego do indivíduo ao longo de sua vida (BOWLBY,
1989).
Os estudos iniciais de J. Bowlby (1940; 1944), além dos trabalhos de outros
pesquisadores proeminentes que o influenciaram, deram origem às primeiras
formulações e aos pressupostos formais da Teoria do Apego (TA). Os conceitos de
Bowlby foram construídos com base nos campos da psicanálise, biologia
evolucionária, etologia, psicologia do desenvolvimento, ciências cognitivas e teoria
dos sistemas de controle (BOWLBY, 1989; BRETHERTON, 1992). Bowlby buscou
alternativas embasadas cientificamente para se defender dos reducionismos
teóricos, dando ênfase aos mecanismos de adaptação ao mundo real, assim como
às competências humanas e à ação do indivíduo em seu ambiente (WATERS,
HAMILTON & WEINFIELD, 2000).

3.1 Pressupostos Psicanalíticos

O mais importante pressuposto psicanalítico da Teoria do Apego


desenvolvida por Bowlby é que o significado do apego não pode ser
reduzido a uma pulsão secundária, constituída a partir da satisfação das
necessidades orais. Para Bowlby, o apego é primário e possui estatuto
próprio. (ASSIS, 2006, p. 8)

Bowlby usou o resultado de pesquisas de etólogos (Harry Harlow, Douglas


Cairns e Konrad Lorenz) para explicar a ontogenia do vínculo afetivo. Segundo
Bowlby, o apego existiria porque haveria uma predisposição do bebê para participar
de interações sociais; e a função do apego seria proteger o bebê de possíveis
predadores por meio da manutenção de um laço afetivo. Assim, o comportamento
de apego é considerado uma classe distinta do comportamento de alimentação ou
do comportamento sexual, dotado de dinâmica própria. Para caracterizar, desta
forma, essa nova classe de comportamento instintivo, Bowlby elaborou uma nova
teoria do instinto, baseada na teoria de sistemas (cibernética) e não no modelo de
energia psíquica proposto por Freud (GOMES & MELCHIORI, 2012)

10
Apesar da influência das teorias de relação objetal na obra de Bowlby, este
autor afasta-se dos demais teóricos psicanalíticos porque se baseia em uma nova
teoria do instinto. Busca, em autores que estudam sistemas de controle, uma
explicação mais ampla para o comportamento instintivo. Assim, neste modelo, a
conduta pulsional é ativada tanto por condições internas como externas, quando a
função que cumpre torna-se necessária. Em seu livro primeiro da trilogia, o autor
discute o modelo de energia psíquica proposto por Freud, considerando-o
insatisfatório. Isso porque este modelo define o início de uma ação a partir de uma
acumulação de energia e o término, à sua exaustão. No entanto, Bowlby acreditava
que grande parte do comportamento não seria explicável desse modo. Outra falha
deste modelo, segundo o autor, seria seu grau de instabilidade e sua não-
testabilidade, indicando um desejo, presente na obra de Bowlby, de aproximação
do método psicanalítico ao método científico. Uma terceira deficiência do modelo,
para Bowlby, seria a própria distinção entre energia psíquica e energia física.
Bowlby baseia-se em duas hipóteses para afastar-se deste modelo, sem
afastar-se da psicanálise:

“(1) o modelo de energia psíquica de Freud originou-se fora da psicanálise;


e (2) um dos motivos principais para a introdução desse modelo (de
energia psíquica) em sua teoria psicológica foi assegurar que ela se
harmonizasse com o que ele acreditava serem as melhores idéias
científicas da época” (BOWLBY, pág. 16).

Como Freud, ele sentia-se livre para escolher hipóteses mais condizentes
com o desenvolvimento científico de seu tempo para construir um modelo teórico
psicanalítico.
Assim, Bowlby questiona a existência de um modelo alternativo mais
adequado. Para tentar solucionar estas falhas, o autor usará o modelo de sistemas
de controle, percebendo que, deste modo, iria dar atenção tanto às condições que
finalizam um ato, quanto às que o iniciam. Ou seja, na sua teoria do instinto, “no
lugar de energia psíquica e sua descarga, os conceitos centrais são os sistemas de
comportamento e seu controle, de informação, feedback negativo e forma
comportamental de homeostase” (BOWLBY, pág.18, 1990a). Desta maneira, a
energia postulada é apenas a energia física e os sistemas mediadores do

11
comportamento de apego são ativados por certas condições e só são finalizados
por certas outras condições, de acordo com um sistema de feedback.
De acordo com Assis (2006), neste modelo, a criança está, desde o
princípio, em um contexto intersubjetivo, e não em um narcisismo primário, fechado
em relação aos estímulos do mundo. Esta teoria reconhece que a interação entre o
bebê e os cuidadores possibilita a formação de uma estrutura de representação
interna. Os modelos representacionais se constroem na experiência de “estar com”
os cuidadores em tenra idade e ao longo da infância e da adolescência. Para
Bowlby, haveria uma forte evidência de que a maneira como as crianças adquiririam
estes modelos representacionais baseava-se em suas experiências reais do
cotidiano, nas interações com seus pais. Neste sentido, não haveria uma divisão
cartesiana entre mundo interno e mundo externo. Aqui, o objeto de estudo seria o
vínculo interpessoal porque o fundamental é a realidade social: toda referência
(interna ou externa) deveria estar submetida a uma contextualização interpessoal.

3.2 Pressupostos Biológicos

Comportamento Instintivo. O comportamento dos seres humanos varia


de acordo com diferentes períodos do seu desenvolvimento, com seu ambiente,
com o tempo. No entanto, alguns comportamentos mantêm-se mais estáveis,
merecendo a designação de comportamento instintivo. Esse tipo de comportamento
possui quatro características principais:

“a) obedece a um padrão reconhecivelmente similar e previsível em quase


todos os membros de uma espécie (ou todos os membros de um sexo); b)
não é uma resposta simples a um único estímulo, mas uma sequência
comportamental que usualmente segue um curso previsível; c) algumas de
suas conseqüências usuais são de óbvio valor como contribuição para a
preservação de um indivíduo ou a continuidade de uma espécie; d) muitos
exemplos de tal comportamento desenvolvem-se mesmo quando todas as
oportunidades comuns de aprendizagem são exíguas ou ausentes.”
(BOWLBY, 1990a).

Ao longo do primeiro livro de sua trilogia, Bowlby desenvolve o conceito de


comportamento instintivo. Para Bowlby, apesar do ser humano possuir
comportamentos extremamente variáveis, que se modificam com os ambientes

12
(cultura), a variabilidade dos comportamentos não seria infinita, sendo encontrados
certos padrões como acasalamento, cuidado e proteção aos filhos pequenos, apego
dos jovens aos cuidadores, entre outros. Para o autor, o comportamento instintivo
não é um movimento estereotipado, mas um desempenho idiossincrático de um
determinado indivíduo num determinado meio ambiente” (BOWLBY, 1990a), que
obedece a um padrão reconhecível e conduz a resultados também previsíveis e
benéficos para o indivíduo. Além disso, haveria uma estrutura básica prototípica
comum a outras espécies. No entanto, no ser humano, esta estrutura teria sido
aumentada e elaborada em outras direções, sendo também muito instável, ou seja,
muito aberta à influência do meio ambiente (ASSIS, 2006).
Também se deve considerar que o comportamento instintivo não é herdado.
O que se herda é um potencial para se desenvolver certos tipos de sistemas
comportamentais, com nuances de acordo com o meio ambiente em que o indivíduo
se desenvolve (ASSIS, 2006).
Outro fator importante a ser observado é a existência de períodos sensíveis
nos primeiros anos de vida, em que o comportamento instintivo do bebê está
fortemente relacionado ao comportamento instintivo de um adulto cuidador
(estímulos familiares) e ao seu ambiente. Poderíamos, aqui, enunciar a importância
do processo de estampagem: “processo que leva (algumas) formas de
comportamento a dirigirem-se preferencialmente para determinados objetos”
(BOWLBY, 1990a).

Ou seja, durante os primeiros anos de vida, o bebê estaria mais suscetível


a estabelecer um forte vínculo com seus cuidadores. Isso porque a
estampagem tem algumas características peculiares: a) uma preferência
claramente definida, b) uma preferência que se desenvolve com rapidez e
dentro de um período limitado do ciclo vital, c) uma preferência que se
mantém muito estável no tempo.

O comportamento de apego está presente em variadas intensidades e


formas, ao longo de todo ciclo da vida. Pode ter formas ativas, como procurar ou
seguir o cuidador; formas aversivas, como chorar; ou pode ainda aparecer sob
forma e sinais comportamentais que alertam o cuidador para o interesse de
interação da criança, como sorrir e verbalizar de modos diversos. Todas essas

13
formas são observadas em crianças, adolescentes e adultos ao buscarem a
aproximação com outras pessoas. É o padrão desses comportamentos, e não sua
freqUência, que revela algo acerca da força ou qualidade do apego (AINSWORTH,
1989).
J. Bowlby (1969/1990) distinguiu dois tipos de fatores que podem interferir
na ativação do sistema de comportamento do apego: aqueles relacionados às
condições físicas e temperamentais da criança, e os relacionados às condições do
ambiente. A interação desses dois fatores é complexa e depende, de certa forma,
da estimulação do sistema de apego. Além disso, esse sistema tem função direta
nas respostas afetivas e no desenvolvimento cognitivo, já que envolve uma
representação mental das figuras de apego, de si mesmo e do ambiente, sendo
estas baseadas na experiência (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005).
Uma diferença importante entre “apego” e “comportamento de apego” é que
se o “comportamento de apego pode, em circunstâncias diferentes, ser mostrado a
uma variedade de indivíduos, um apego duradouro ou laço de apego é restrito a muito
poucos” (Bowlby, 1988/1989, p. 40). A teoria do apego ocupa-se de ambos. Um
conceito-chave dessa teoria, para o autor, é o de sistema comportamental
(DALBEM; DELL’AGLIO, 2005).

Sistemas de controle. O conceito de sistemas de controle, tomado


emprestado da cibernética, serve ao embasamento da teoria de instinto de Bowlby
como um sistema de monitoração e correção dos comportamentos. Os
comportamentos regulados pelos sistemas de controle não seriam rígidos, variando
de organismo para organismo, adaptando-se aos diferentes ambientes e mudanças
ambientais, dentro da capacidade evolutiva do organismo, corrigindo-se para a
meta. Ou seja, “esses mecanismos devem levar em conta a discrepância entre a
instrução inicial e os efeitos do desempenho atual, sendo possível uma comparação
por meio do feedback” (BOWLBY, 1990a).

Um sistema de comportamento corrigido para a meta utiliza- se de um


vasto repertório de movimentos estereotipados ou variáveis para
selecionar movimentos não casuais cada vez mais próximos da meta
fixada. Quanto mais desenvolvido for o processo, mais econômico será o
comportamento. Para que esse processo ocorra da maneira mais eficiente,

14
é necessário que haja: (a) um meio de receber e armazenar instruções
referentes à meta; (b) um meio de comparação dos efeitos entre o
desempenho com a instrução dada e as alterações do desempenho para
ajustar-se à instrução (ASSIS, 2006, p. 12)

Sistemas comportamentais. Bowlby considerava que os animais de


ordens superiores possuíam a maior parte de seus sistemas comportamentais
inicialmente primitivos, a serem desenvolvidos ao longo do amadurecimento. Estes
comportamentos estariam organizados segundo um plano, “uma estrutura
globalmente corrigida para a meta composta de uma hierarquia de estruturas
subordinadas” (BOWLBY 1990a). Num sistema deste tipo, cada plano e subplano
deve considerar um conjunto de instruções para as ações e podem variar. A
vantagem de uma organização deste tipo seria a possibilidade de adaptação a
diversos ambientes, tornando o indivíduo mais flexível.
O sistema comportamental seria um sistema básico de comportamento,
enraizado biologicamente e característico da espécie. O sistema subjacente ao
comportamento de apego é tão fundamental como parte do equipamento de muitas
espécies quanto os sistemas subjacentes ao comportamento reprodutivo, o
comportamento parental, o comportamento de alimentação, o comportamento
exploratório, e ele não deriva de nenhum destes. Como outros sistemas básicos, o
de apego é supostamente pertencente a um processo de seleção natural, pois
oferece uma vantagem em termos de sobrevivência, pelas chances de proteção
obtidas pela proximidade das figuras de apego. Os sistemas comportamentais
incluem não somente manifestações externas, mas também uma organização
interna, a qual presume-se que tenha raízes nos processos neurofisiológicos. Essa
organização interna é objeto de mudança desenvolvimental, não apenas sob orien
tação genética, mas também pelas influências do ambiente (Ainsworth, 1989;
Bowlby, 1969/1990).
Os sistemas comportamentais transcendem o que é chamado de
comportamento “instintivo”, seja qual for a acepção do termo. Bowlby (1969/1990)
levanta esse argumento ao destacar o papel da linguagem, característica singular
que traz como benefício a possibilidade, para o ser humano, ao construir seus
modelos representacionais, de apoiar-se nos modelos construídos pelos outros. Os

15
sistemas comportamentais são organizados hierarquicamente por meio da
linguagem, apoiando-se em modelos representacionais refinados do organismo e
do ambiente (RAMIRES; SCHNEIDER, 2010).

3.3 Modelos Operacionais

Os modelos operacionais seriam mapas cognitivos do meio ambiente


(modelo ambiental), de outros indivíduos e dos próprios indivíduos (modelo
orgânico) – conhecimento introspectivo dos processos mentais, das
aptidões e potencialidades comportamentais para que estes possam
realizar planos eficientes para alcançar a meta (ASSIS, 2006, p.12).

Para que um modelo operacional possa ser bem utilizado é necessário: a)


o modelo ser construído a partir de dados existentes ou que se tornem disponíveis;
b) o modelo deve ser ampliado para alcançar tanto a realidade experimentada,
como realidades potenciais; c) o modelo deve ser coerente, no sentido de que suas
previsões devem ser acuradas e capazes de abarcar uma ampla gama de
situações.

Quando há uma mudança significativa no ambiente ou organismo, é


necessária uma mudança no modelo ambiental ou no modelo orgânico
respectivamente. Nem sempre estas mudanças são facilmente realizadas.
A psicopatologia seria o resultado de modelos inadequados ou incorretos.
Para Bowlby, estes modelos equivaleriam ao mundo interno da teoria
psicanalítica tradicional sob um novo ponto de vista (ASSIS, 2006, p.12).

O estudo de modelos operativos seria muito aprofundado na terceira fase


da teoria, com as pesquisas desenvolvidas por Inge Bretherton (MAIN, 2001).

4 AS REPRESENTAÇÕES MENTAIS DO APEGO

O sistema de comportamento de apego é complexo e, com o


desenvolvimento da criança, passa a envolver uma habilidade de representação
mental, denominada modelo interno de funcionamento, que se refere a
representações das experiências da infância relacionadas às percepções do
ambiente, de si mesmo e das figuras de apego (BOWLBY, 1969/1990; 1973/1980).
16
De acordo com J. Bowlby (1989), as experiências precoces com o cuidador primário
iniciam o que depois se generalizará nas expectativas sobre si mesmo, dos outros
e do mundo em geral, com implicações importantes na personalidade em
desenvolvimento. H. Waters, C. Hamilton & N. Weinfield (2000) apontam que, com
a idade e o desenvolvimento cognitivo, as representações sensório-motoras das
experiências de uma base segura na infância é que dão origem à representação
mental, por meio de um processo no qual a criança constrói representações cada
vez mais complexas.
W. Furman et al. (2002) apontam que o termo working models (modelo de
funcionamento) foi usado por Bowlby para descrever as representações ou
expectativas que guiam o comportamento próprio, e que servem como uma base
de predição e interpretação do comportamento de outras pessoas às quais se é
apegado. Os working models estão relacionados com os sentimentos de
disponibilidade das figuras de apego, com a probabilidade de recebimento de
suporte emocional em momentos de estresse e, de maneira geral, com a forma de
interação com essas figuras (BOWLBY, 1989). Outros autores (BRETHERTON &
MUNHOLLAND, 1999; COLLINS& READ, 1994; FONAGY & TARGET, 1997) têm
descrito este conceito de forma similar, usando os termos esquemas, scripts,
protótipos, representação mental, modelo funcional ou estado mental.
J. Bowlby (1989) descreveu o processo de construção dos modelos internos
de funcionamento em termos de modelo de apego. A criança constrói um modelo
representacional interno de si mesma, dependendo de como foi cuidada. Mais tarde,
em sua vida, esse modelo internalizado permite à criança, quando o sentimento é
de segurança em relação aos cuidadores, acreditar em si própria, tornar-se
independente e explorar sua liberdade.

Desse modo, cada indivíduo forma um "projeto" interno a partir das


primeiras experiências com as figuras de apego. Embora essas
representações tenham sua origem cedo no desenvolvimento, elas
continuam em uma lenta evolução, sob o domínio sutil das experiências
relacionadas ao apego da infância (DALBEM, DELLl'AGLIO,2005).

17
A imagem interna, instaurada com os cuidadores primários, é considerada a
base para todos os relacionamentos íntimos futuros. Sua influência aparece já nas
primeiras interações com outras pessoas, afora as figuras de apego, e expressa-se
nos padrões de apego e de vinculação que o indivíduo apresentará em suas
interações interpessoais significativas (BRETHERTON & MUNHOLLAND, 1999).
As primeiras representações que formam o modelo interno de funcionamento
são formadas e esquematizadas pela organização da memória em termos do que a
criança demanda e é correspondida em obter segurança e conforto, sendo que o
reflexo disso será posto na experiência social real, futuramente (COLLINS & READ,
1994). Além disso, por meio dos modelos internos de funcionamento, ocorre uma
tendência de recriação, nas relações atuais do indivíduo, do padrão de modelo
interno de apego primário. Assim, os padrões de apego estabelecidos na infância
são vistos como duradouros por intermédio das diversas fases do ciclo vital, embora
sejam menos evidentes em adolescentes e adultos (BOWLBY, 1973/1980). Estudos
longitudinais diversos (FONAGY, 1999) têm demonstrado a estabilidade do apego,
sendo que as relações parentais e rupturas de vínculos primários por perda ou
abandono têm um impacto transcendente ao desenvolvimento individual.

Em relação ao papel das figuras de apego na formação dos working


models, há uma estreita relação com a forma pela qual essas figuras
percebem as indicações precoces de intencionalidade de suas crianças e
o estado mental delas, de modo a agirem de acordo com a demanda
infantil. Algumas figuras de apego podem ser extremamente desatentas ao
estado mental da criança, cujo senso de si mesma, ainda em
desenvolvimento, pode sofrer deformações (DALBEM,
DELLl'AGLIO,2005).

Nos casos de famílias abusivas, a construção da representação mental


infantil tende a se dar de forma rígida, mal adaptada, inapropriada e, como
consequência, o desenvolvimento da função de mentalização poderá ser pobre ou
aniquilado. Nesses casos, a confiança da criança de que outras pessoas podem
compreender os outros por meio dos seus próprios sentimentos é destruída.
Aumentam, também nesses casos, as possibilidades de que a criança iniba sua
capacidade de se envolver em relacionamentos de apego intensos (FONAGY &
TARGET, 1997). Desta forma, o papel dos modelos internos de funcionamento é de

18
grande importância na modelagem do comportamento ao longo do ciclo vital, em
uma ampla variedade de situações, incluindo a seleção de um parceiro, a formação
de relacionamentos de amizade, a escolha ocupacional, a parentalidade, a
formação de expectativas e a imagem do self (PIETROMONACO & BARRETT,
1997).

5 TEORIA DO APEGO: AS TRÊS FASES

Aqui será importante considerar as três fases da Teoria do Apego,


enfatizando-se os trabalhos desenvolvidos por John Bowlby, Mary Ainsworth e Mary
Main. Vejamos as principais características de cada fase e suas contribuições para
a construção desta teoria.

5.1 Primeira Fase da Teoria do Apego

Na primeira fase da teoria, o objeto de estudo é “a perda da figura materna


durante o período entre cerca de seis meses a seis anos de idade” como
agente patogênico. Seu objetivo era descrever certos padrões de
respostas que ocorreriam na primeira infância a partir de dados
observacionais em situações definidas (perda da mãe na primeira
infância). Assim, seria possível descrever algumas fases iniciais do
funcionamento da personalidade, realizando extrapolações para fases
subsequentes (ASSIS, 2006, p.13)

Como já descrito na seção anterior, Bowlby criticava a teoria do impulso


secundário.
Esta defendia que o desejo do bebê de estar com seus cuidadores era
resultado de ter sido alimentado por eles. Para Bowlby, esta teoria baseava-se em
uma suposição, e não em uma observação ou experimento.
Como opção a esta teoria, Bowlby lançou mão dos trabalhos sobre
estampagem, realizados por Lorenz, para poder estudar o comportamento de apego
no homem. Segundo o conceito de estampagem, o comportamento de apego pode
se desenvolver sem que os filhotes de uma dada espécie tenham recebido alimento
ou qualquer outra recompensa. Os filhotes apenas aprendem as características do
19
objeto que deverão monitorar. No caso dos humanos, as características da mãe ou
de um cuidador. Assim, serão listadas as características de um processo de
estampagem nos humanos:

Em bebês humanos, respostas sociais de todos os tipos são eliciadas no


início por uma vasta gama de estímulos e, mais tarde, por uma gama muito
mais limitada, a qual ficará confinada, após alguns meses, a estímulos
provenientes de um número restrito de indivíduos.
Há provas de uma acentuada tendência para responder socialmente a
certos tipos de estímulos e não a outros.
Quanto mais experiência de interação social um bebê tiver com uma
pessoa, mais forte se tornará o seu apego a essa pessoa.
O fato de que aprender a discriminar diferentes rostos segue-se
comumente a períodos de atenta observação visual e escuta sugere que a
aprendizagem por exposição pode desempenhar um importante papel.
Na maioria dos bebês, o comportamento de apego dirigido a uma figura
preferida desenvolve-se durante o primeiro ano de vida. Parece provável a
existência de um período sensível nesse ano, durante o qual o
comportamento de apego se desenvolve mais prontamente.
É improvável que qualquer fase sensível comece antes das seis semanas
e pode ser que ocorra algumas semanas mais tarde1.
Após seis meses, aproximadamente, e de um modo mais acentuado após
os oito ou nove meses, é maior a probabilidade de que os bebês reajam a
figuras estranhas com respostas de medo, e também mais provável que
reajam com respostas mais vigorosas do que quando eram mais jovens.
Por causa da crescente freqüência e força de tais reações de medo, o
desenvolvimento do apego a uma nova figura torna-se cada vez mais difícil
no final do primeiro ano de vida e subseqüentemente.
Desde que uma criança tenha ficado fortemente apegada a uma
determinada figura, ela tende a preferir essa figura a todas as outras, e tal
preferência tende a persistir apesar da separação (BOWLBY, 1990a).

Bowlby observa que o ser humano possui capacidades inatas para realizar
o comportamento de apego: capacidade de preensão; capacidade de interação (os
bebês desfrutam da companhia humana e são capazes de invocar a atenção de um
adulto com balbucios e sorrisos). Não só os bebês possuem capacidade de se
apegar a uma figura de cuidado, como também a outros bebês e crianças,
protestando quando se afastam e recebendo-as efusivamente quando retornam.
Fica claro, neste último caso, que não há satisfação de uma necessidade fisiológica
no apego a bebês da mesma idade (ASSIS, 2006).
Assim, o comportamento de apego seria um produto da atividade de um
certo número de sistemas comportamentais que resultam na aproximação da mãe
(ou outro cuidador) e na manutenção desta aproximação. No ser humano, a criação

20
desses sistemas é lenta e muito complexa, variando de criança para criança. Este
sistema de comportamentos (a sucção, o abraçar, o choro, o riso e o
acompanhamento) é ativado quando pela partida da mãe ou pela presença de algo
assustador para a criança e os estímulos que finalizam este comportamento são o
som, a visão e o contato com a mãe. Este sistema é intensamente ativado na criança
até ela atingir os três anos de idade, quando se torna menos urgente a proximidade
com a mãe (RAMIRES & SCHNEIDER, 2010).
Para Bowlby, este comportamento seria fruto de um processo evolutivo.
Bowlby imaginava que a função mais provável para o comportamento de apego
seria a de proteção contra os predadores. Atualmente, a função de apego está
associada à proteção de elementos perigosos para o bebê, à defesa contra-ataques
iniciados por membros da mesma espécie e à capacidade de seguir os movimentos
da tribo (MAIN, 2001).

Também os pais possuem um comportamento complementar ao


comportamento de apego dos bebês, chamado comportamento de cuidar.
O comportamento de recuperação consiste em recolher o bebê nos braços
e assim conservá-lo, mantendo a proximidade com o bebê. Este
comportamento só irá cessar quando a mãe perceber que o bebê está a
salvo. Assim como o comportamento do bebê se dirige para uma figura
materna, também o comportamento da mãe se dirige para um determinado
bebê (ASSIS, 2006, p.15).

Em Assis (2006) vamos encontrar ainda o seguinte esclarecimento: “existe


um equilíbrio dinâmico na interação entre mãe e filho, havendo um limite mais ou
menos estável para a distância entre os dois”. E está interação, segunda a autora,
é realizada dentro de quatro classes de comportamento:
• comportamento de apego da criança;
• comportamento exploratório e atividade lúdica da criança;
• comportamento de cuidado da mãe;
• comportamento da mãe que seja antítese dos cuidados maternos
(atividades que excluam o cuidado com o bebê).
É possível perceber que o comportamento de apego é apenas um dos
comportamentos constituintes da interação mãe-bebê. No desenvolvimento do
bebê, a responsabilidade pela aproximação do par mãe-bebê vai, aos poucos, se

21
transferindo da mãe para o bebê, assim que o bebê possa agarrar-se à mãe ou
locomover-se para encontrá-la (ASSIS, 2006).
É importante salientar que a criança usa a mãe para realizar suas atividades
exploratórias. Um bebê, tão logo possa engatinhar, não permanece constantemente
ao lado de sua mãe. Ele realiza pequenas excursões exploratórias a partir dela,
estudando outros objetos e pessoas, podendo ficar fora da presença da mãe
(presença sonora, visual). Porém, de tempos em tempos, o bebê busca a mãe,
certificando-se de sua presença. Esta exploração, no entanto, termina se o bebê
assustar-se ou machucar-se ou se a mãe se afastar. Caso uma dessas condições
ocorra, o bebê buscará a aproximação com sua mãe. Bowlby (2001), salienta em
seu trabalho que, enquanto uma criança está na presença de uma figura inconteste
de apego, sente-se segura e tranquila. Contudo, uma ameaça de perda gera
ansiedade e uma perda real, tristeza profunda. Ambas as situações podem,
também, gerar cólera.

Dessa forma, no caso em que uma criança entre 1-2 anos seja separada
de seu cuidador e posta em lugar desconhecido sem cuidadores
substitutos estáveis, a criança atravessará três etapas de respostas ante a
separação: protesto, desespero e desapego. Na primeira etapa, de
protesto, a criança apresentará uma preocupação forte e aberta acerca da
localização de sua figura de apego, expressa em chamadas esperançosas
e choros. Depois de alguns dias, a fase de desespero se instala, a criança
aparenta ainda estar preocupada com o paradeiro de seu cuidador,
apresenta choros desesperançados e débeis, torna-se apática e
desinteressada do seu entorno (ASSIS, 2006, p.15 e 16).

Na última etapa, de desapego, a criança se fixa no seu entorno imediato,


evitando e ignorando ativamente a figura de apego primária em um momento de
reencontro, podendo até se esquecer dela. No entanto, pessoas menos importantes
para a criança, como vizinhos e outros familiares, podem ser mais facilmente
recordados. Bowlby comparou o começo do desapego ao começo do processo de
repressão e defesa (ASSIS, 2006).
Bowlby desenvolveu em sua teoria um critério para descrever diferentes
tipos de interação mãe-bebê. Os padrões de apego descritos por Bowlby seriam
estudados inicialmente por Mary Ainsworth, que realizaria observações nestas
relações mãe-bebê em Uganda e em Baltimore. Os padrões de apego e a segunda

22
fase da Teoria do Apego desenvolvida por Ainsworth serão apresentados na
próxima seção (ASSIS, 2006).
Assim, nesta primeira fase do desenvolvimento da Teoria do Apego, Bowlby
fixou sua atenção sobre o conceito de comportamento de apego que funcionaria
para regular a relação entre o bebê e sua mãe, baseando-se em observações tanto
em primatas, quanto em humanos. Bowlby escolheu como ponto de partida as
respostas dadas por crianças a separações de figuras de cuidado. Crianças que
eram submetidas à separação passariam por três etapas de resposta frente à
separação: protesto, desespero e desapego. Bowlby acreditava ser fundamental ao
cuidador reconhecer e suportar o protesto de crianças frente a um processo de
separação para que não se estabelecesse um quadro patológico na criança. Ou
seja, não é a separação ou a perda em si que será responsável pela gênese da
patologia, mas a forma como os cuidadores lidam com uma situação de separação
e de perda (ASSIS, 2006).
É importante salientar, também, que, para Bowlby, as relações dos adultos
podem ser compreendidas a partir dos conceitos de apego.

5.2 Segunda Fase da Teoria do Apego

Mary Ainsworth é considerada cofundadora da Teoria do Apego, tamanha


a importância de suas pesquisas para a reformulação desta teoria. Sua metodologia
inovadora permitiu não somente testar empiricamente as ideias por trás da Teoria
do Apego, como também expandir a teoria e dar-lhe novos direcionamentos
(AINSWORTH & BOWLBY, 1991). Assis (2006), nos informa como Mary Ainswordth
teve contato com a Teoria do Apego:

Mary Ainsworth, formada na Universidade de Toronto, travou


conhecimento com a Teoria do Apego quando se mudou com o marido
para Londres. Lá participou do grupo de pesquisa de John Bowlby sobre
os efeitos da separação entre mãe e bebê para o desenvolvimento da
personalidade infantil na Clínica Tavistock (ASSIS, 2006).

Em 1953, seu marido foi transferido para Uganda a trabalho. Mary


Ainsworth iniciaria, então, neste país, seu primeiro estudo observacional que

23
pretendia gerar uma validação empírica das noções etiológicas presentes na teoria
de Bowlby. Em um primeiro momento, Mary Ainsworth tentou fazer sua pesquisa
tendo como tema o desmame, mas depois desistiu, realizando uma longa pesquisa
de observação do desenvolvimento do apego entre mãe e bebê (ASSIS, 2006).
Em 1955, Mary Ainsworth mudou-se com seu marido para Baltimore, onde
realizaria novas e importantes pesquisas para a Teoria do Apego.

Para a realização desta pesquisa, Ainsworth recrutou 26 famílias com


bebês entre 1 e 24 meses. Suas observações duraram até 9 meses. Essas
famílias eram visitadas duas vezes por semana durante duas horas.
Ainsworth ficava na sala de visitas com as mães e os filhos, observando,
principalmente, os sinais e os comportamentos de aproximação das
crianças e quando esses sinais eram preferencialmente dirigidos para a
mãe (ASSIS, 2006, p. 17).

As longas observações e as entrevistas de Ainsworth deixaram clara a


importância da sensibilidade das mães aos sinais infantis (as mães consideradas
mais sensíveis eram aquelas que podiam fornecer informações sobre seu bebê com
muita riqueza de detalhe e de forma espontânea). Três padrões de apego foram
observados:
1. Crianças com apego seguro: choravam pouco e pareciam satisfeitas
em explorar o ambiente na presença de suas mães.
2. Crianças com apego inseguro: choravam frequentemente, mesmo
quando no colo de suas mães, e exploravam pouco o ambiente.
3. Crianças ainda não apegadas: não manifestavam nenhum
comportamento diferencial em relação à mãe.
Ainsworth concluiria, então, que a qualidade do apego estaria altamente
relacionada à sensibilidade da mãe em relação ao seu bebê.
Em 1963, Ainsworth iniciou seu segundo projeto de pesquisa observacional,
com o intuito de replicar os achados do Projeto Uganda. Porém, neste projeto, as
entrevistas teriam um papel muito diminuído, em relação ao projeto realizado em
Uganda (ASSIS, 2006).
Novamente, 26 famílias foram recrutadas, mas, desta vez, antes dos bebês
nascerem. Foram feitas 18 visitas entre o primeiro mês de vida do bebê e o décimo
quarto mês. Cada visita durava quatro horas, o que resultou em 72 horas de

24
observação por família. Mary Ainsworth preocupou-se com comportamentos
significativos, e não com a contagem de frequência de um dado comportamento. O
material era organizado como se fosse um relatório em narrativa. O exame dessas
narrativas indicava padrões de interação entre a mãe e a criança durante os três
primeiros meses. As situações a serem observadas cobriam: situação de
alimentação; interação face a face entre mãe e bebê; choro; a saudação e o
acompanhamento feito pelo bebê; o equilíbrio entre a exploração do ambiente e o
apego; obediência; contato corporal de proximidade; comportamento de
aproximação; contato afetuoso (ASSIS, 2006)
Grande diversidade foi encontrada quanto à sensibilidade, adequação e
prontidão com que as mães respondiam aos sinais dos seus bebês. Algumas mães
podiam se adequar bem a uma situação de alimentação, mas não à de saudação
ou à de obediência. Também, a forma como as mães iniciavam o contato com seu
bebê (alegremente ou silenciosamente) iria caracterizar a interação.
De uma maneira geral, mães que eram mais sensíveis durante o primeiro
trimestre de vida do bebê, tendiam a ter uma relação mais harmoniosa com seus
filhos no quarto trimestre de vida de suas crianças. Bebês que tinham tido uma mãe
altamente responsiva durante seus primeiros meses de vida, possuíam uma
capacidade maior para se consolar, confiando na capacidade de comunicação
facial, corporal e verbal (ASSIS, 2006).

5.3 A Situação Estranha

Situação Estranha é o nome dado a um procedimento desenvolvido para


compreender o equilíbrio entre o comportamento de apego e o comportamento
exploratório sob condições de baixo e de alto estresse.
Como escrito por Assis (2006), o procedimento acontece da seguinte
maneira: A mãe e a criança (em torno de um ano de idade) são apresentadas a uma
sala de brinquedos (laboratório). Posteriormente, uma mulher desconhecida irá
entrar nesta mesma sala.

25
Enquanto a estranha brinca com o bebê, a mãe deixa a sala por um breve
período de tempo e depois retorna. Uma segunda separação ocorre, em que o bebê
é deixado sozinho na sala (ASSIS, 2006).
Finalmente, a mãe e a estranha retornam à sala.

Como esperado, este teste mostrou que as crianças exploram a sala e os


brinquedos com mais energia quando estão na presença de suas mães.
Mais importante, porém, foram os diferentes padrões de respostas das
crianças no momento de reunião com suas mães. Mary Ainsworth pôde
encontrar três padrões de resposta referentes a este comportamento. Além
disso, Ainsworth percebeu, por meio de sua pesquisa, que não apenas
crianças de dois a três anos de idade possuíam estes padrões de
respostas, mas também crianças de apenas um ano de idade, como foi
observado na Situação Estranha. Os padrões seriam fruto de uma relação
primeira com a mãe, que poderia ter uma grande sensibilidade para
responder aos apelos de seu bebê (como no caso de bebês com apego
seguro) ou que poderia ter capacidade limitada para responder a estes
apelos (bebês com apego evitativo) ou respondê-los de maneira
imprevisível (bebês com apego ambivalente) (ASSIS, 2006, p.19).

Segundo Ainsworth (1967), estes padrões foram sistematizados como


Sistema de Classificação da Situação Estranha:

1. Apego seguro (B): Os bebês com apego seguro são ativos em suas
brincadeiras e estão prontos para buscarem contato quando aflitos por uma
separação breve. São capazes, também, de serem prontamente confortados,
voltando-se novamente para suas atividades lúdicas e exploratórias. Aqui há uma
modulação na emoção, no sentido de que se pode perceber um momento de crise,
gerado pela separação, seguido por um momento de tranquilidade, fruto da reunião
com a mãe. (Este tipo de apego foi associado com uma relação entre a mãe e o
bebê em que a mãe é sensível aos apelos do bebê e responde de maneira
adequada).

2. Apego ansioso e esquivo (evitativo) (A): Estes bebês evitam a mãe


no momento de reunião após a separação, especialmente após uma segunda
ausência breve. Muitos tratam um estranho de modo mais amistoso do que a própria
mãe. Pareciam, assim, reprimir durante o experimento expressões de ansiedade e
angústia. Neste tipo de apego, não há uma mudança de emoção drástica. Não há

26
uma crise seguida por um final feliz. Tudo se passa como se nada tivesse
acontecido. Estudos posteriores, realizados por Spangler e Grossmann, de 1993 e
1999, mostraram que estas crianças experimentavam uma angústia e um estresse
consideráveis, do ponto de vista fisiológico, corroborando a hipótese de repressão
proposta por Ainsworth. (Este tipo de apego foi associado a mães que costumam
rejeitar seus bebês) (ASSIS, 2006).

3. Apego ansioso e resistente (ambivalente) (C): Estes bebês, ao


mesmo tempo em que buscam contato com a mãe após a situação de separação,
são resistentes à interação e não são facilmente consolados, como no caso de
bebês com apego seguro. Alguns bebês são muito coléricos; outros, passivos.
Ficam, durante todo o teste, preocupados com suas mães e demasiadamente
angustiados para se confortarem com o retorno delas. (Este tipo de apego foi
associado a mães que respondem de maneira inadequada aos apelos de seus
bebês, porém sem rejeitá-los) (ASSIS, 2006).

Segundo Assis (2006):

Mary Ainsworth buscou em seus dados do Projeto Baltimore as


características das interações mãe-bebê que pudessem revelar a
existência de padrões de cuidado e percebeu que havia uma correlação
entre o padrão de comportamento de apego do bebê na Situação Estranha
e o padrão de cuidado da mãe que ela observou enquanto fez suas longas
observações para este projeto.

Uma criança que apresenta apego seguro possui uma mãe com alta
sensibilidade para perceber e responder de maneira coerente aos sinais e
comunicações do seu filho, com uma tendência a ser rápida e reconfortante para
responder ao mal-estar. A segurança também estava associada a uma forma terna
e cuidadosa de carregar o bebê nos braços e com uma sincronização nas interações
face a face com o bebê (ASSIS, 2006).
De acordo com as observações de Ainsworth (1978), a criança que possuía
um padrão evitativo, geralmente convivia em casa com uma mãe que rejeitava o
comportamento de apego do filho, tanto por comentários verbais (aborrecimento de

27
haver tido o filho), como indiretamente, por sua aversão a um contato corporal
(algumas mães sentavam-se em posições que impediam uma aproximação da
criança ou esquivavam-se quando a criança aproximava-se). Crianças com este
padrão de apego mostravam-se ansiosas e com mal-estar, mesmo quando suas
mães estavam em casa, e muitas vezes tinham acessos de raiva com a mãe e
tendiam a perseguir e maltratar seus colegas de escola.

O comportamento ambivalente foi associado a uma insensibilidade


materna para perceber os sinais da criança, particularmente, com uma
imprevisibilidade nas respostas maternas, mas não com uma rejeição da
mãe. As mães destas crianças pareciam pouco habilidosas para pôr os
bebês em seus braços e incapazes de acompanhar interações face a face.
Estas mães pareciam também desestimular a autonomia. Assim, em
outros adultos, essas crianças pareciam despertar a sensação de que elas
eram mais novas e dependentes do que, de fato, eram (ASSIS, 2006, p.21)

Os padrões de comportamento de apego vistos na Situação Estranha


seriam, assim, facilmente observáveis nos lares das crianças. A organização do
comportamento de apego variaria conforme a capacidade da mãe de atender aos
sinais e às comunicações de seu filho durante o primeiro ano de vida.
Atualmente, como podemos observar na obra de Assis (2006), existem três
padrões de apego inseguro. São eles:

1. Inseguro evitativo (A): como já mencionado, a criança protesta


pouco na separação e parece não conseguir consolar-se na reunião com seu
cuidador, ficando nervosa, mas a uma certa distância, fingindo não perceber os
movimentos de idas e vindas de sua mãe.

2. Inseguro ambivalente (C): a criança protesta e não consegue ser


consolada na reunião com seu cuidador, enterrando-se em seu colo ou pendurando-
se fortemente ao cuidador e chorando sem parar.

3. Inseguro desorganizado (D): este padrão foi sistematizado depois


de se observar novamente os tapes gravados durante a pesquisa de Situação
Estranha. Muitas crianças não se enquadravam no padrão de comportamento de

28
apego inseguro evitativo ou inseguro ambivalente. Essas crianças não
apresentavam nenhum padrão coerente de resposta, elas poderiam paralisar-se,
jogar-se ao chão, andar em círculos, ou encostar-se junto à parede durante a
situação. A criança não pode usar seu cuidador como fonte de desvelo porque ele
é a fonte do medo e da desorientação.
De acordo com a autora, os padrões de comportamento de apego inseguro
seriam uma estratégia de defesa das crianças para se relacionarem com pais
inconsistentes ou pais que rejeitam a criança (ASSIS, 2006).

5.4 Terceira Fase da Teoria do Apego

Os trabalhos de Mary Ainsworth caminharam no sentido de reforçar a


relação entre o apego e o uso da linguagem. Ainsworth considerava as condutas
relacionadas ao apego como um fenômeno que estaria representando algo mais
profundo:

“O apego se manifesta por meio de padrões de conduta (específicos), mas


estes padrões em si não constituem o apego. O apego é interno (...) Este
algo internalizado que chamamos apego tem aspectos de sentimento, de
memórias, de desejos, de expectativas e de intenções, todos os quais (...)
servem como uma espécie de filtro para a recepção e a interpretação da
experiência interpessoal, como um tipo de molde que configura a natureza
de uma resposta externamente observável”. (AINSWORTH, 1967).

Por volta dos anos 80, a terceira fase da Teoria do Apego será marcada por
uma pesquisa voltada para a ampliação do estudo dos modelos operativos internos
teorizados por Bowlby. A metodologia empírica, pedra angular desta teoria, irá
buscar novos temas, como os aspectos psicológicos, internos e representacionais
do apego. Desta maneira, haverá uma maior preocupação em torno da narratividade
e da transgeracionalidade de padrões de apego entre pais e filhos, além de um
aprofundamento nos estudos sobre os modelos operacionais, que estão
intimamente relacionados à linguagem (ASSIS, 2006).
Um dos principais estudos desenvolvidos, nesta fase, é a Entrevista de
Apego do Adulto, elaborada por Mary Main e Ruth Goldwyn. Além deste
instrumento, foram desenvolvidos testes com figuras para adolescentes a fim de se

29
avaliar a ansiedade frente à separação por Haansburg, o Teste de Angústia de
Separação (1972), adaptado, posteriormente, para crianças por Klagsbrun e Bowlby
(1976), e revalidado por Kaplan (1984). Foi elaborado, também, um teste para
avaliar o apego em pré-escolares. Este teste se estruturava com estórias de
bonecos a serem completadas. Os autores foram Inge Bretherton, Doreen
Ridgeway e Jude Cassidy (1990).
Nesta terceira fase, estudos foram feitos mostrando que não só o
comportamento de uma criança na Situação Estranha predizia seu comportamento
em entrevistas futuras, como em entrevistas com estas crianças aos seis anos de
idade (MAIN e CASSIDY, 1988), mas também que os comportamentos dos pais nas
entrevistas de apego adulto tinham uma forte correlação com as reações de seus
filhos na Situação Estranha (MAIN, KAPLAN, CASSIDY,1985). Indicava-se, assim,
uma nova área de pesquisa já delineada por Bowlby, a importância da
transgeracionalidade nas relações pai-filho.

5.5 A Entrevista de Apego do Adulto

Seguindo o movimento da terceira fase da Teoria do Apego em direção à


narratividade, a entrevista de Apego do Adulto é um teste que busca avaliar o nível
de representação do indivíduo. Em um primeiro momento, Mary Main, Nancy Kaplan
e Carol George (as duas últimas alunas de Main) perguntaram aos pais de crianças
sob teste da Situação Estranha como foram suas experiências pessoais na infância.
O que fora encontrado foi uma grande correlação entre a forma como os pais
narravam suas histórias de relações na primeira infância e as respostas dadas por
seus filhos na Situação Estranha. A partir dessa correlação, Mary Main e Ruth
Goldwyn desenvolveram um instrumento de avaliação chamado Entrevista de
Apego do Adulto (Adult Attachment Interview – AAI). Este instrumento tem a
finalidade de perceber estados mentais associados ao apego de um adulto durante
a entrevista, privilegiando a estrutura narrativa do entrevistado (ASSIS, 2006).
A Entrevista de Apego do Adulto é uma narrativa autobiográfica
semiestruturada em que o adulto (ou o adolescente) é perguntado sobre sua própria

30
infância. Este método de entrevista examina as experiências lembradas e inferidas
com os pais, e com cada pai e mãe individualmente. (É provável que nos casos em
que o entrevistado tenha diferentes padrões de apego com o pai ou a mãe, o padrão
adulto será aquele que se estabeleceu a relação dominante, com o pai ou com a
mãe). O mais importante, no entanto, é a forma como o entrevistado apresenta e
avalia sua história. A entrevista é classificada dentro de quatro grupos de apego
(autônomo-seguro, desentendido, preocupado e desorganizado), de acordo com os
padrões de comunicação entre o entrevistado e o entrevistador, além das
experiências passadas. Assim, deseja-se revelar “os estados da mente em relação
ao apego” (SIEGEL, 1999, pág 79).
É importante salientar que existe uma distinção importante entre o apego
da criança e o apego do adulto. O apego da criança está dirigido para algumas
pessoas, mais comumente, aos cuidadores, enquanto o apego do adulto não se
dirige para nenhuma relação em particular. O que se analisa no apego de um adulto
são as idiossincrasias nos estados da mente com respeito à história global de
apego, tal como se manifesta no contexto da entrevista (ASSIS, 2006).
A função reflexiva é considerada, nesta fase da teoria, como um marco que
geralmente surge em relações de apego seguras. Pais com mais capacidade
reflexiva podem prover apego seguro por três razões básicas:

“Ao compreender seus estados emocionais, estes pais são mais capazes
de regular suas próprias reações e as relações com seus filhos; podem
promover um diálogo reflexivo com os filhos e com todo o grupo familiar;
suas comunicações não têm distorções sérias.” (CHINCHILLA, 2002)

Existem quatro categorias de estados mentais associados ao apego no


adulto: autônomo-seguro, desentendido, preocupado e desorganizado. O discurso
é sempre avaliado dentro das máximas de Grice, a saber, quantidade, qualidade,
relação e modo. As características das categorias, apresentadas a seguir, foram
apresentadas por ASSIS (2006) em sua obra:

Apego Adulto Seguro-Autônomo (F): Há facilidade de acesso às


informações gerais e aos detalhes autobiográficos e é possível explorar estes dados
de uma forma cooperativa, coerente e reflexiva. Ou seja, existe conhecimento sobre
31
o que ocorreu e é possível lembrar de dados que corroborem uma lembrança, uma
sensação. O entrevistado sente-se tranqüilo em descrever episódios do seu
passado. As memórias tendem a ser vistas de uma maneira equilibrada, sem
idealizações. Caso as memórias sejam difíceis, mas sejam tratadas de maneira
reflexiva e sem distorções defensivas como a idealização, o denegrecimento ou a
cisão, também o discurso é considerado de apego autônomo-seguro.

O discurso não viola as máximas de Grice. Além disso, e mais importante,


o adulto consegue refletir sobre seus processos mentais enquanto faz a
narrativa. É capaz, também, de imaginar os estados da mente de outras
pessoas presentes durante o episódio ocorrido. Para estas pessoas, é
possível pensar sobre a influência dos estados mentais de seus pais sobre
o seu desenvolvimento durante sua infância. Estes adultos conseguem
modular altos níveis de intensidade emocional e aproveitar este sentimento
de uma maneira positiva e viver relações emocionais gratificantes com
outras pessoas (ASSIS, 2006, p.25).

Segundo Siegel (1999), pessoas com apego autônomo-seguro percebem a


importância de relações de apego e são livres para viver no presente.
Deve-se salientar que indivíduos com tipo de apego seguro-autônomo
serão, mais provavelmente, pais de crianças que tenham apego seguro.

Apego Adulto Desentendido (Ds): Pessoas com este tipo de apego


possuem muita dificuldade em se lembrar de eventos de sua autobiografia, em se
lembrar de suas infâncias. Parecem minimizar o significado das relações íntimas
durante o desenvolvimento infantil e falam sobre estas em termos racionalizantes.
O discurso desses adultos não é coerente porque a descrição geral não é
confirmada por memórias específicas. Além disso, dão pouca informação sobre sua
história pessoal ou contam situações difíceis com pouca emoção ou sem atribuir
importância. A narrativa tende a ser extremamente curta, violando a máxima de
Grice em relação à quantidade. Muitas vezes, as histórias são contraditórias, sendo
recontadas de diferentes maneiras. Ao referirem-se às figuras de apego, podem
mostrar idealização, desprezo ou desvalorização. O discurso pode estar tomado por
banalidades e informações triviais. Segundo SIEGEL (1999), o modelo operacional
de apego de um adulto desentendido (Ds) é muito semelhante ao de uma criança
com apego evitativo. Parece haver uma baixa carga emocional no comportamento

32
das crianças e no discurso dos adultos. Isso seria decorrente da distância emocional
e da rejeição nas relações de primeira infância tanto na criança, quanto no adulto
(ASSIS, 2006).
A falta de memória de episódios da infância, neste caso, não se refere a um
bloqueio causado por trauma, mas aos padrões de relação mãe-bebê que eram
desprovidos de emoção e à rejeição parental. No caso de indivíduos com apego
adulto desentendido, há uma grande probabilidade de que seus filhos tenham apego
evitativo devido à maneira como os adultos modulam a comunicação (baixa carga
emocional, rejeição parental que pode ser reavivada durante a parentalidade)
(ASSIS, 2006).

Apego Adulto Preocupado (E4): Adultos com este tipo de apego parecem
intensamente preocupados com as relações do passado, com a autoestima e com
a aparência física ou com lutos não resolvidos. O passado volta com muita
intensidade para o momento presente.
Os indivíduos parecem incapazes de aplicar critérios objetivos para a
compreensão das relações interpessoais, misturando relações de primeira infância
com as relações atuais, e o discurso é emocionalmente lábil. A entrevista pode ser
longa e trabalhosa, com entendimento muito difícil por conter frases
gramaticalmente tortuosas. Há violação das máximas de Grice tanto em relação à
quantidade, como ao modo e à relevância. O entrevistado pode omitir informação
essencial e carregar em detalhes secundários. As lembranças impressionam como
sendo confusas ou fragmentadas e o discurso acaba sendo incoerente. As
respostas não são sucintas e não informam o que o entrevistador perguntou. O
acesso às lembranças de infância é fácil, porém estas vão se confundindo com a
realidade presente. Adultos com apego preocupado possuem modelos de apego
contraditórios e tornam-se preocupados porque não sabem qual modelo de apego
prevalecerá: o do cuidador que consegue ou o do cuidador que não consegue dar
conta de suas demandas. Existe também um grande desejo de proximidade e um
grande medo de perda desta proximidade (ASSIS, 2006).

33
Essa preocupação excessiva com o passado pode levar o adulto a tratar
seu filho como se fosse um espelho de sua infância. Claro está que uma percepção
tão distorcida do próprio filho gerará muitas falhas na comunicação entre cuidador
e bebê.
De acordo com Siegel (1999), “Em adultos preocupados (E) e suas crianças
ambivalentes (C), os modelos mentais de si mesmos com outras pessoas é cheio
de fronteiras fendidas entre o passado e o presente”. Os relacionamentos são
experimentados como sendo cheios de incerteza e inconsistência. Os filhos de pais
preocupados acabam por reativar sentimentos de abandono, rejeição, medo,
desapontamento e raiva em seus pais, visto que estes pais podem entrar em um
estado mental antigo, de suas próprias infâncias.
O autor acima citado afirma que isto acontece pelo seguinte motivo: os pais
são convocados a se lembrar de suas memórias de infância por conta do contexto
de parentalidade. Dessa maneira, quando um pai percebe em seu filho
características similares a ele mesmo quando era criança, cria-se uma situação em
que o pai deve lidar com problemas de sua própria infância. No caso de pais
preocupados, “a intrusão de informação (memória) do passado em situações do
presente impossibilita aos pais ter uma comunicação contingente e colaborativa
com seus filhos” (SIEGEL, 1999).
Indivíduos com apego preocupado estão mais propensos a terem filhos com
apego ambivalente, que ficam demasiadamente preocupados com seus pais para
poderem explorar o ambiente na Situação Estranha e não conseguem se consolar
na reunião com seus cuidadores (ASSIS, 2006).

Apego Adulto Irresoluto/Desorganizado (U/d5): Como nos casos das


crianças com apego desorganizado/desorientado, os adultos que estão nesta
categoria recebem uma outra categoria principal Ds, E ou F, de acordo com a
estrutura de suas narrativas.

Nestes adultos, a narrativa torna-se contraditória e fragmentada quando se


aborda temas relacionados ao manejo dos lutos ou à descrição de
episódios traumáticos. Ao referir-se a estas situações, podem perder o
curso do pensamento até o ponto de não poder recordar o que estavam

34
dizendo ou podem introduzir uma perspectiva incoerente com a que
começaram a narrativa. Parece haver uma falta de integração entre os
elementos da narrativa: sentimento, memória, capacidade de manter uma
comunicação colaborativa e capacidade de manter um fluxo de
consciência que permita um discurso coerente. É comum, nestes casos, o
uso de verbos no tempo presente para descrever episódios do passado,
as frases são muitas vezes incompletas, há longas pausas (ASSIS, 2006,
p.26).

Ao falar de acontecimentos traumáticos, pode haver mudanças bruscas e


intensas do tom emocional. Supõe-se que estas pessoas tenham passado por
episódios traumáticos severos na infância: mortes, abuso sexual ou físico, violência
familiar etc. Esses indivíduos possivelmente terão filhos com apego
desorganizado/desorientado, refletindo o colapso da capacidade de modulação
emocional e de comunicação de seus pais. Por intermédio dos estudos realizados
por Main na entrevista de adultos e de tantos outros autores desta terceira fase da
Teoria do Apego, tem-se um aprofundamento de questões referentes aos padrões
de relação interpessoal (ASSIS, 2006).
O apego, na sua essência, seria baseado na sensibilidade e na
responsividade dos cuidadores aos sinais do bebê. Agora não mais se fala de
comportamentos sintonizados, mas de estados mentais em sintonia. Uma
comunicação contingente permite aflorar um apego seguro no bebê e é
acompanhada por sinais entendidos e respondidos de forma coerente e consistente
dentro da díade. A saúde do indivíduo funda-se, assim, na capacidade de se dividir
estados mentais e de se influenciar continuamente um ao outro (pai e filho) com
sintonia emocional (ASSIS, 2006).

35
6 O DESENVOLVIMENTO DO APEGO AO LONGO DA VIDA

Fonte: https://www.budavirtual.com.br

Como vimos até aqui, a Entrevista de Apego do Adulto (em inglês, Adult
Attachment Interview - AAI) tem como finalidade analisar as representações dos
modelos internos de apego nos adultos. Essa entrevista explora de maneira
minuciosa, por intermédio de questões estruturadas, a relação do indivíduo com os
pais durante a infância e os efeitos dessas experiências em seu funcionamento
atual.
De acordo com GEORGE, KAPLAN & MAIN (1985), a AAI tem sido muito
importante nos estudos da TA, sendo uma das técnicas de auto-relato mais usadas
nessa abordagem. Contudo, sua utilização é restrita pela necessidade de
treinamento adequado para o levantamento dos escores e da codificação de suas
escalas de avaliação dos relatos. Além disso, o protocolo da entrevista não está
publicado, assim como o sistema de escore e de codificação, sendo disponibilizado
parcialmente para utilização em pesquisas. Por intermédio da descrição dos
entrevistados de suas relações com seus cuidadores primários, perdas
significativas e relações atuais com os cuidadores primários, o escore é focado na

36
fluidez da fala dos indivíduos sobre suas experiências primárias e na coerência e
plausibilidade de suas narrativas (CROWELL et al., 1996). Vários estudos
(BARTHOLOMEW & MORETTI, 2002; HUGHES, HARDY & KENDRICK, 2000;
JACOBVITZ, CURRAN & MOLLER, 2002;) utilizaram a AAI como instrumento,
demonstrando que esse é um método de acesso significativo para a organização
do apego, adaptando- se a diversas culturas, e que pode ser correlacionado com
níveis de inteligência, ajustamento social e adaptação individual (CROWELL et al.,
1996).
Em relação ao apego do adulto, M. Main (2001) distingue-o em
contraposição ao da criança. Durante a primeira infância, o apego caracteriza-se
como um interesse insistente em manter proximidade com uma ou algumas pessoas
selecionadas; uma tendência a usar esses indivíduos como base segura de
referência para a exploração do desconhecido; e refúgio, na figura de apego, para
busca de segurança em momentos de medo. Assim, na infância, o apego é
considerado seguro ou inseguro com relação à figura de apego. Já a segurança em
adolescentes e adultos não se identifica com nenhuma relação em particular, ou
seja, com nenhuma figura de apego específica, nem do passado, nem do presente.
A categoria segura/autônoma faz um paralelo com o grupo de crianças de apego
seguro. Nos adultos, esse grupo apresenta um relato espontâneo e vívido das
experiências de infância, com lembranças positivas e uma descrição equilibrada de
ocorrências infantis difíceis. Os adultos que se enquadram na categoria de apego
evitativo ou desapegado apresentam um relato idealizado da infância, falha na
reconstrução das memórias infantis e, se dificuldades nessas experiências são
relatadas, seus efeitos são negados ou minimizados. A categoria
preocupado/ansioso caracteriza-se por um relato que envolve experiências que
podem ter sido confusas, vagas ou tempestuosas e conflitantes, apresentando
inabilidade para se colocar nas situações infantis e apresentar um roteiro coerente
dessas experiências. Isso também acontece no relato de experiências difíceis da
infância, o que demonstra dificuldade de compreender as origens de suas emoções
preocupantes. A categoria de apego adulto desorganizado/desorientado está
relacionada a relatos com sinais graves de desorientação e desorganização,

37
principalmente quando os entrevistados são questionados sobre eventos
traumáticos ou perdas importantes (CORTINA & MARRONE, 2003).
DALBEM & DELL’AGLIO (2005), em sua obra, nos traz importante
contribuição acerca do assunto. Segundo as autoras:

Como os padrões de interação na adolescência têm sido


identificados pelo modelo de categorização do apego em adultos, proposto
por M. Main, N. Kaplan & J. Cassidy (1985), alguns pesquisadores
aprimoraram esse modelo, adequando os métodos de avaliação do apego
ao uso com adolescentes. M. Ammaniti et al. (2000) basearam-se na AAI
para criarem uma entrevista de medida da representação do apego na
adolescência inicial e adolescência propriamente dita - Attachment
Interview for Childhood and Adolescence. A intenção inicial desses autores
era verificar a estabilidade do padrão de apego e os processos de
mudança ocorridos no período da adolescência. Foi observada uma
tendência dos adolescentes para demonstrar maior rejeição aos pais, nos
primeiros quatro anos iniciais da adolescência, dos 12 aos 15 anos, o que
sugere um maior uso de estratégias de apego evitativo/desapegado em
relação às figuras de apego primário, nessa fase. Isso foi compreendido
como uma necessidade de manter distância das figuras parentais, para
que a aquisição de uma identidade pessoal seja alcançada. As medidas
de avaliação do apego em adolescentes, de maneira geral, são utilizadas
de forma eficiente para identificar as estratégias mais utilizadas diante das
circunstâncias que os sujeitos vivem ou viveram, além de identificar a
maneira como lidam consigo mesmos e com as pessoas significativas em
suas vidas (CRITTENDEN, 2001). Entre os instrumentos mais utilizados,
P. Crittenden (2001) cita a AAI (GEORGE, KAPLAN & MAIN, 1985), que
permite uma compreensão da forma como o adolescente pensa sobre suas
experiências de apego, de maneira integrada e colaborativa. Entretanto,
essa entrevista tem sido utilizada com adolescentes mais velhos, já que o
método de avaliação do relato foi construído a partir das experiências
descritas por adultos. Por isso, os métodos de avaliação do apego em
adolescentes têm sido objeto de estudo de diversos pesquisadores, dada
a necessidade de medidas confiáveis e adequadas a essa etapa do ciclo
vital.

Na fase da adolescência, as relações com as figuras de apego sofrem


mudanças que habilitam o adolescente para relacionamentos fora do seu círculo
familiar, sendo que todos os novos movimentos interpessoais são influenciados pela
forma de interação moldada com os cuidadores na infância (CRITTENDEN, 2001).
Dessa feita, o relacionamento com os cuidadores pode ser contingente de todas as
ansiedades provenientes dessas modificações, ou ser um fator de complicação para
o desenvolvimento dessas mudanças. Como descrito por J. Allen & D. Land (1999),
na percepção de adolescentes, o apego aos cuidadores primários é tratado como
um vínculo de contenção e moderação, e não exatamente como uma base de apoio

38
e segurança, já que a tarefa principal da adolescência é o desenvolvimento da
autonomia. Como as atividades dos adolescentes, geralmente, são distantes das
figuras de apego, há uma necessidade menor de dependência e respaldo dos
cuidadores, no que se refere à formação de uma concepção própria do mundo.
Nesse sentido, o sistema de apego passa a ter um papel integrador para os desafios
dessa fase, havendo, ainda, uma chance de reformulações sobre a organização
primária do apego (DALBEM, DELL’AGLIO, 2005).
Embora os adolescentes não consigam distinguir e reconhecer, claramente,
as qualidades e defeitos implícitos nas suas relações primárias de apego, esses
aspectos parecem ser elucidados e moldados na adolescência (ALLEN & LAND,
1999). Considerando-se que as relações de apego são o resultado da interação
entre uma base genética, processos inatos e experiência, modificados ao longo do
tempo, essas relações também se modificam. Ou seja, pessoas mais velhas formam
relações mais complexas do que as da infância. Por essa razão, as relações na
adolescência marcam um período de transição para a idade adulta, quando as
relações com os melhores amigos e as primeiras relações românticas, por exemplo,
serão preditivas dos estilos de relacionamentos na idade adulta (CRITTENDEN,
2001).
Em DALBEM & DELL’AGLIO (2005), vamos encontrar o seguinte
esclarecimento:

J. Crowell & D. Treboux (1995) referem que a autonomia e a afinidade nas


interações familiares de adolescentes de 14 anos de idade predizem o
padrão de apego e/ou a coerência em seus discursos entre as idades de
24 e 25 anos. Os adolescentes mais velhos classificados no padrão
desorganizado são mais hostis em relação à figura materna do que os
adolescentes classificados no padrão seguro. Já os padrões preocupado
e desorganizado, em adolescentes, são relacionados a inter-relações
confusas e restrições na autonomia na interação com a figura materna.

Segundo ressaltado por W. Collins & L. A. Sroufe (1999), na adolescência


as experiências se caracterizam em uma rede social mais ampla que na infância.
Habitualmente, os indivíduos, nessa fase, demonstram tendência a aumentar e
estabilizar suas relações íntimas, sendo a relação entre e com amigos um dos
melhores exemplos de desenvolvimento continuado. A continuidade nessas

39
relações tem sido ligada às experiências precoces e relações correspondentes,
sugerindo que as competências sociais transcendem relacionamentos específicos
(SROUFE & FLEESON, 1986). Assim, tanto as relações familiares primárias como
as experiências entre pares são preditoras de diferenças individuais na
adolescência (COLLINS & SROUFE, 1999).
Os estudos realizados por Harvey (2000), acrescentam que a relação entre
os padrões de apego em adolescentes e o funcionamento familiar, apontando que
adolescentes que percebem a si mesmos como integrantes de relações familiares
coesas são considerados com um padrão de apego seguro, sendo que os valores
intelectuais e culturais familiares são adotados para si mesmos. Kobak (1993), por
sua vez, constatou que adolescentes caracterizados pelo padrão de apego seguro
são confiantes em seus relacionamentos, generosos e tolerantes em relação a si
mesmos e às suas figuras de apego, e considerados como mais estáveis em suas
relações românticas. As relações com as figuras de apego são marcadas por uma
interação de confiança e poucas dificuldades para o estabelecimento de autonomia
emocional.
Quanto aos adolescentes caracterizados como do estilo
desapegado/evitativo, estes demonstram não ter necessidade de confiar em outras
pessoas e parecem realmente desapegados ou não influenciados pelas
experiências de apego precoces. Segundo Kobak & Cole (1994), há uma forte
associação da predominância desse estilo de apego com índices elevados de
transtornos alimentares. Harvey (2000), apresenta dados que revelam que o padrão
evitativo de adolescentes referem-se àqueles que se consideram pouco
interessados nas relações familiares e apresentam sentimentos negativos em
relação à família e ao seu funcionamento.
Já o padrão preocupado/ansioso é caracterizado por adolescentes que têm,
geralmente, relacionamentos frustrantes ou insatisfatórios, além de demonstrarem-
se angustiados ou confusos quanto a essas relações. Segundo Kobak (1993), esse
padrão é fortemente associado à depressão, principalmente em mulheres. Sobre o
padrão ansioso/ambivalente ou preocupado/ansioso, Harvey (2000), aponta que em
adolescentes, está relacionado a relatos de conflitos familiares, alto grau de controle

40
entre os membros da família e falta de compreensão da dinâmica do funcionamento
familiar. Além disso, esses adolescentes sentem que a independência é
desencorajada e evitam confrontos, mantendo estratégias de coping passivas
(DALBEM, DELL’AGLIO, 2005).
Apesar de existirem controvérsias sobre o aspecto da generalização dos
padrões de interação primários para relações futuras, durante o ciclo vital, estudos
longitudinais diversos (FONAGY, 1999) têm demonstrado a estabilidade do apego,
tanto na adolescência como na vida adulta. E. Waters et al. (1991) enfatizam que a
organização do apego ao longo da infância tem um papel direto no desenvolvimento
da consciência pessoal, na auto-observação, na consistência do self em relações
de apego, assim como nos resultados sociais. No entanto, todas as pessoas são
suscetíveis às influências variadas de experiências favoráveis ou desfavoráveis que
podem alterar o desenvolvimento evolutivo e, portanto, os estados mentais ligados
ao apego (DAVILA, BURGE & HAMMEN, 1997). Alguns dos fatores que influenciam
a qualidade de cuidados e o padrão de apego em desenvolvimento nas relações
primárias são: a relação marital, o contexto social, o acesso a recursos, a incidência
de patologias mentais, o divórcio, as separações temporárias em períodos críticos,
como na primeira infância. Todos estes têm relação direta com os padrões de apego
e fazem parte do que se entende por fatores de risco social (HALPERN, 1990).
Existe uma suposição geral de que crianças que experienciam separação
da figura principal de apego se tornam mais sensíveis a outras experiências de
separação, as quais são vivenciadas de modo traumático. Contudo, não existem
evidências seguras sobre este apontamento (AINSWORTH, 1967). O que se sabe
é que a forma como é vivenciada essa primeira experiência vai influenciar as
expectativas e a ação da criança em outros momentos de separação. Fatores como
idade, tempo de separação, temperamento, tipo de interação estabelecida antes da
separação, ambiente onde a separação é vivida e quem está presente depois que
esta acontece, assim como a natureza das circunstâncias durante a separação são
fatores influentes e modificadores na resposta da criança à separação e no
significado e consequências desta em sua vida (RUTTER, 1972).

41
Conclui-se então que as relações de apego têm uma função-chave na
transmissão de características transgeneracionais em relacionamentos entre
cuidadores e suas crianças. Nesse sentido, as relações parentais e rupturas de
vínculos primários por perda ou abandono têm um impacto transcendente ao
desenvolvimento individual, pelo fato de que instauram um padrão internalizado de
funcionamento e de interação (FONAGY, 1999). Nesses processos, as rupturas de
vínculos são inevitáveis, mas, a possibilidade de crescimento e a formação de novos
laços afetivos dependerão de como essas experiências de ruptura foram
vivenciadas e elaboradas.

7 TEORIA DO APEGO: IMPLICAÇÕES PARA A CLÍNICA PSICOLÓGICA,


PARA A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A literatura e a pesquisa sobre o apego têm focalizado em grande parte a


avaliação e a classificação do apego dos indivíduos pesquisados. Nas
últimas décadas, grande parte da pesquisa também tem sido dedicada a
estender o estudo do apego ao desenvolvimento posterior, para além da
infância, porém o foco ainda se concentra na medição das representações
ou do comportamento do apego. Identifica- se o padrão de apego, em
crianças, adolescentes e adultos, em geral em amostras não clínicas.
Busca-se correlacionar o apego de crianças e seus pais ou predizer o
apego futuro (RAMIRES, SCHNEIDER 2010, p. 29).

Os instrumentos utilizados costumam ser a Situação Estranha de Ainsworth,


ou a Entrevista de Apego Adulto de Main, ou, ainda, instrumentos que em sua
maioria derivam destes. Por outro lado, Main (1999, 2000) assinala que, embora
tendo sido importante e necessário descrever, classificar e predizer as condutas
de apego, uma nova fase no desenvolvimento deste campo deverá colocar à prova
nossa compreensão acerca desses fenômenos, tentando controlá-los e alterá-los.
Nessa tarefa, a autora acredita que os clínicos podem contribuir, por exemplo, para
aumentar a compreensão acerca do apego inseguro, explorando a possibilidade de
intervir para ajudar os indivíduos inseguros a alcançar estados de segurança.
Uma nova direção para pesquisas neste tópico, para Main (1999, 2000), está
relacionada ao desenvolvimento do campo da neurociência, sendo interessante a

42
realização de pesquisas que combinem a avaliação de diferenças no status do apego
com avaliações de fisiologia, imagens do cérebro e genética. Para a autora, esses
estudos serão tanto mais profícuos quanto puderem incluir avaliações do status
neurológico e/ou fisiológico, realizadas antes de uma intervenção clínica exitosa, não
se limitando a identificar o cérebro ou seus correlatos fisiológicos de apego seguro
frente ao inseguro.
Embora haja certa concordância a respeito de que as crianças e os adultos
tenham somente poucas figuras de apego, muitos teóricos e pesquisadores
acreditam que os bebês formam “hierarquias de apego”, nas quais algumas figuras
são primárias, outras são secundárias, e assim por diante (Main, 1999). Para
Cassidy (1999), uma figura tenderia a ocupar uma primazia sobre as outras figuras
de apego, o que essa autora chamou de “monotropia”. No entanto, para Main (1999),
questões em torno de quão rapidamente um bebê pode substituir figuras de apego
primário, da monotropia e das hierarquias de apego permanecem incertas e vagas.
Igualmente com relação à questão da formação de novos apegos na vida adulta, já
que o apego é um fenômeno que perpassa todo o ciclo vital.

Bowlby (1969/1990) assinalou a possibilidade de múltiplos apegos na


infância, embora esse número potencial não seja ilimitado. Cassidy (1999)
questiona o curso do desenvolvimento desses múltiplos apegos ao longo
do ciclo vital e as similaridades e diferenças na qualidade entre diferentes
apegos (RAMIRES, SCHNEIDER 2010, p. 30).

Os estudos que exploraram a questão da concordância do apego relativo a


diferentes figuras não são conclusivos. Enquanto alguns estudiosos indicam
independência do apego entre diferentes cuidadores (Belsky & Rovine, 1987),
outros identificaram similaridades (Berlin & Cassidy, 1999). Cassidy (1999) levanta
a questão acerca da organização dos modelos representacionais diante da
experiência com figuras de apego que contribuem para modelos conflitantes.
Bretherton e Munhollan (1999) discutem a possibilidade de um bebê
seguramente apegado não se tornar uma criança segura. Uma mudança na
qualidade afetiva do modelo representacional poderia ocorrer se um cuidador
empático e suportivo se tornasse altamente estressado ou profundamente deprimido

43
em decorrência de eventos como desemprego, doença crônica ou perda de suporte
social. Segundo as autoras, se esse cuidador ameaça abandonar a criança ou
cometer suicídio, a confiança da criança nessa figura se vê abalada, o que pode
conduzir a uma reconstrução do modelo representacional do cuidador e do self. Por
outro lado, quando as circunstâncias de vida melhoram, ou um suporte efetivo por
parte dos outros se torna disponível, um cuidador pode se tornar capacitado a
responder mais sensivelmente às necessidades de apego de sua criança, levando-
a a revisar seus modelos representacionais do self como digno e valoroso e do
cuidador como cuidadoso e receptivo. Todavia, os aspectos defensivos da
organização dos modelos representacionais nas relações de apego inseguro
implicam em mais dificuldades para tais reconstruções.
Main e cols. (1985) afirmam, da mesma forma que Bowlby acreditava, que
tais modelos “são construções ativas e podem ser reestruturados”. Na infância, é
possível que os modelos funcionais internos possam ser alterados somente em
resposta a mudanças nas experiências concretas. Mas, uma vez atingido o estágio
das operações formais do pensamento, é possível que tais modelos possam ser
altera- dos. Essas operações permitem que o indivíduo pense sobre o pensamento,
colocando-se de fora de um dado sistema de relacionamento e analisando seu
funcionamento. Os autores afirmam ainda que, mais do que modelos propriamente
ditos, os modelos funcionais internos são melhor concebidos como processos
estruturados que servem para obter ou limitar o acesso à informação. Em 2000,
Main utilizou o termo estado mentais para as representações ligadas ao apego,
referindo-se aos adultos avaliados por meio da AAI. Postulou que os estados
mentais inseguros são indicadores da presença de um processo e não de uma
estrutura imutável. Esse processo é muito ativo para essa autora, e isso é atestado
pelas distorções no uso da linguagem dos adultos aos quais se solicita que
descrevam e avaliem sua história de apego, na AAI.
Processos defensivos podem ser mobilizados, no intuito de proteger os
modelos representacionais internos (Bretherton & Munholland, 1999).

44
Eventos da vida cotidiana podem ser interpretados de maneira distorcida
ou até mesmo excluídos defensivamente, na medida em que confrontarem
os modelos estabelecidos. Em alguns casos, o termo “defensivo” pode nem
ser o mais adequado, na medida em que o que poderá estar em jogo é uma
atribuição otimista baseada na esperança acerca de algum comportamento
do cuidador. Articulando os processos defensivos com a função reguladora de
emoções dos relacionamentos e das representações do apego, Bretherton
e Munholland sublinham que é importante buscar uma compreensão mais
profunda do seu lado positivo, ao invés de se enfatizar apenas o lado
negativo e defensivo. (RAMIRES, SCHNEIDER 2010, p. 30).

Essas autoras defendem uma abordagem mais orientada para o processo


no estudo dos modelos representacionais, em consonância com Main (2000), e em
como esses modelos são construídos, desenvolvidos e revisados por meio do
envolvimento nos relacionamentos de apego.

Considera-se que tais concepções tenham implicações significativas para


a Psicologia Clínica, assim como para a Psicologia do Desenvolvimento.
Em grande parte, essas implicações estão alicerçadas na discussão acerca
da especificidade dos modelos representacionais, e na sua estabilidade ou
mudança (RAMIRES, SCHNEIDER 2010, p. 30).

Alguns autores, como Baldwin, Keelan, Fehr, Enns e Koh-Rangarajoo


(1996), questionam a fixidez com a qual os modelos representacionais relativos às
primeiras figuras de apego moldariam os relacionamentos posteriores. Baseados
em pesquisas que realizaram, acreditam que a segurança do apego adulto diz
respeito a relacionamentos específicos. Assinalam a influência e importância da
cognição para essa variabilidade e flexibilidade em relação aos modelos anteriores
da infância. Assim, o estilo de apego elaborado na infância não seria generalizável
para todos os demais relacionamentos. Haveria variações que dependem de cada
relação em particular, das características do parceiro, das experiências que se
sucedem, da reciprocidade presente ou não em cada relação.
Para as autoras DALBEM & DELL’AGLIO (2005), essas assertivas trazem a
possibilidade de pensar em ações voltadas para a intervenção, no campo da
Psicologia Clínica, e para a prevenção de apegos inseguros na infância e na
adolescência, e de estados mentais inseguros na vida adulta. Para Main (2000),
mesmo que o apego inseguro não ofereça uma explicação completa do surgimento
de dificuldades clínicas ou de tendências antissociais, a possibilidade de auxiliar os

45
indivíduos a desenvolver um estado mental seguro em relação às suas histórias de
apego poderia atuar como um fator protetor e favorecer mudanças positivas. Uma vez
que o apego seguro ou inseguro tem sido associado a determinadas características
da interação cuidador-criança, e a determinadas características contextuais (rede de
apoio e suporte para os cuidadores, por exemplo), a detecção precoce de tais
dificuldades poderia permitir que fossem mobilizados os recursos necessários para
sua modificação. O âmbito da educação infantil seria um espaço possível para
isso. A atuação das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), vinculado ao
Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, também poderia contemplar esse olhar
sobre os vínculos familiares, identificando eventuais dificuldades e promovendo a
sua qualidade e fortalecimento (RAMIRES; SCHNEIDER, 2010)
As implicações dos achados da teoria do apego para a clínica psicológica
não são menos significativas. Bowlby (1979/1997) demonstrou que a tarefa do
psicoterapeuta consiste em ajudar o paciente a reexaminar os modelos
representacionais das figuras de apego e dele mesmo, analisar como tais modelos
dirigem suas percepções e ações, como se desenvolveram durante sua infância e
adolescência e, caso o paciente julgue conveniente, auxiliá-lo a modificar tais
modelos.
Constata-se que, além de Bowlby (1979/1997) considerar que modelos
representacionais inadequados, mas persistentes, poderiam coexistir com outros
mais apropriados, ele também reconhecia o caráter dinâmico de tais modelos e
potencialmente transformável.

Pode-se levar em conta, consequentemente, que conflitos e traumas, em


maior ou menor grau, assim como experiências favoráveis ou
desfavoráveis em graus diversos no que diz respeito às necessidades de
proximidade física e afetiva desde a infância mais precoce, fazem parte da
vida mental de todo ser humano. Mudam apenas as respostas do ambiente
e das principais figuras de apego e a forma e o “equipamento psíquico”
com o qual se lida com eles. Tais experiências podem conduzir a
representações mais ou menos seguras. Quando esse enfrentamento se
der em condições desfavoráveis ou de vulnerabilidade, dada a história e o
contexto do indivíduo, devemos intervir sobre as mesmas, possibilitando
uma reescrita dessa história, uma reorganização de tais modelos e uma
modificação desse contexto (RAMIRES, SCHNEIDER 2010, p.31).

46
Dessa forma, cumpre destacar que o crescente reconhecimento da
importância da dimensão representacional do apego abre perspectivas da maior
importância para a Psicologia Clínica e para a clínica psicanalítica, atraindo o
interesse de importantes representantes desse campo, como já foi visto. SLADE
(1996) defende que a qualidade da regulação dos impulsos e do afeto de uma
criança, assim como sua capacidade de manejo da angústia e comportamento de
exploração estão relacionadas à capacidade da mãe de simbolizar e integrar
memórias e afetos emocionalmente carregados, ligados aos seus relacionamentos
mais significativos.
Em Fonagy (2000), encontramos o entendimento de que a psicoterapia,
qualquer que seja sua forma, trata da reativação da mentalização, uma vez que ela
busca estabelecer uma relação de apego seguro com o paciente, criando um contexto
interpessoal onde a compreensão dos estados mentais e o reconhecimento do self se
converta em um foco.

Sendo assim, quando o desenvolvimento da função reflexiva e do apego


seguro experimentou uma falha no desenvolvimento da criança, esse
desenvolvimento terá que ser resgatado, ou originado, no seio de uma nova
relação de “apego-cuidado”, incluindo-se aqui a relação terapêutica
(RAMIRES, SCHNEIDER 2010, p.31).

De acordo com DALBEM & DELL’AGLIO (2005), a experiência clínica e as


pesquisas no campo da psicanálise vêm sugerindo que, embora historicamente
a psicopatologia psicanalítica tenha sido vista como enraizada na falha em resolver
determinados conflitos ligados ao desenvolvimento libidinal, em adição a essas
falhas deve-se considerar o modo de regulação do afeto e sua determinação da
forma e qualidade do desenvolvimento emocional individual. Slade (1996), defende
que a forma como a criança entra nas fases de Treinamento e Reaproximação de
Mahler, bem como o modo de abordar os estágios psicossexuais, deriva da
habilidade do cuidador de modular sua experiência emocional no curso do seu
primeiro ano.
Como consequência, no âmbito da intervenção psicoterapêutica, torna-se
decisiva a capacidade do psicoterapeuta de regular e reconhecer as emoções e os
estados mentais, aquilo que para o paciente é desconhecido e irreconhecível até

47
então, trazendo conteúdos intoleráveis para o domínio simbólico (Slade, 1996, 1999,
2000).
As contribuições de Main relativas à linguagem e à narrativa, decorrentes da
AAI, também são importantes: a linguagem reflete como o outro foi internalizado, e
como respondeu às necessidades e busca de proximidade da criança (Slade, 2000).
Em síntese, a pesquisa mais recente sobre o apego, na vertente psicanalítica
do campo, sinaliza para uma reformulação crucial dessa teoria, no sentido de
considerar que a maior meta do apego seria produzir um sistema representacional
para os estados e a organização do self (Fonagy & cols., 2002).
Concluímos com uma contribuição de Ramires & Schneider (2010, p. 31):

Uma criança pode ter experimentado relacionamentos de apego com pais


e/ou cuidadores que evidenciaram capacidade para compreender e atribuir
sentidos apropriados para sua vida emocional. Se essa experiência houver
falhado, ou apresentar lacunas significativas, poderá ser resgatada no
contexto de uma relação terapêutica que proporcione uma base segura,
uma escuta sensível e empática, capaz de proporcionar uma identificação
e regulação apropriada dos estados emocionais, e uma reorganização dos
modelos representacionais internos do self, do outro e do mundo como um
lugar mais acolhedor e prazeroso de se viver.

48
8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

AINSWORTH, M. (1978) Patterns of attachment: A psychological study of the


strange situation. Hillsdale: Erlbaum.

AINSWORTH, M. Infancy in Uganda: Infant Care and the Growth of Love. Baltimore:
Johns Hopkins University Press. 1967.

ALLEN, J. & LAND, D. (1999) Attachment in adolescence. In: CASSIDY, J. &


SHAVER, P. (Orgs.). Handbook of attachment: Theory, research and clinical
applications. London: The Guildford Press. pp. 319-335.

BALDWIN, M. W., KEELAN, J. P. R., FEHR, B., ENNS, V., & KOHRANGARAJOO,
E. (1996). Social- cognitive conceptualization of attachment working models:
Availability and accessibility effects. Journal of Personality and Social Psychology,
71, 94-109.

BARTHOLOMEW, K. & MORETTI, M. (2002) The dynamics of measuring


attachment. Attachment and Human Development, vol. 4, nº 2, pp.162-165.

BELSKY, J., & ROVINE, M. (1987). Temperament and attachment security within
strange situation:An empirical rapprochment. Child Development, 58, 787-795.

BERLIN, L. J. & CASSIDY, J. (1999). Relations among relationships: Contributions


from attachment theory and research. Em J. Cassidy & P. R. Shaver (Orgs.),
Handbook of attachment: Theory, research and clinical applications (pp. 688-712).
New York: Guilford.

BOWLBY, J. Apego: a natureza do vínculo. Vol. 1 da trilogia Apego e Perda. São


Paulo: Martins Fontes 1990a.

BOWLBY, J. Formação e Rompimento dos Laços Afetivos. São Paulo: Martins


Fontes 2001.

BOWLBY, J. Perda: tristeza e depressão. Vol. 3 da trilogia Apego e Perda. São


Paulo: Martins Fontes 1990c.

BOWLBY, J. Separação: angústia e raiva. Vol. 2 da trilogia Apego e Perda. São


Paulo: Martins Fontes 1990b.

49
BRETHERTON, I., & MUNHOLLAND, K. A. (1999). Internal working models in
attachment relationships. Em J. Cassidy & P. R. Shaver (Orgs.), Handbook of
attachment: Theory, research and clinical applications (pp. 89-111). New York:
Guilford.

CASSIDY, J. et al. Generalized anxiety disorder: connections with self-reported


attachment. Behavior Therapy, v.40, n.1, p.23-38, 2009.

CHINCHILLA, E. O. Resenha sobre o livro La Teoria del Apego. Um Enfoque Actual,


de Mario Marrone (2001). Aperturas Psicoanalíticas, nº 10. Mar. 2002.

COLLINS, W. & SROUFE, L. A. (1999) Capacity for intimate relationships: A


developmental construction. In: FURMAN, W.; BROWN, B. B. & FEIRING, C.
(Orgs.). The development of romantic relationships in adolescence. New York:
Cambridge University Press. pp. 125-147.

CORTINA, M. & MARRONE, M. (2003) Attachment theory and the psychoanalytic


process. London: Whurr Publishers.

CRITTENDEN, P. (2001) Transformation in attachment relationships in


adolescence: Adaptation versus need for psychotherapy. Disponível em:
<https://www.researchgate.net>. Acesso em: 29 de maio de 2020.

CROWELL, J.; WATERS, E.; TREBOUX, D.; O'CONNOR, E.; COLON-DOWNS, C.;
FEIDER, O.; GOLBY, B. & POSADA, G. (1996). Discriminant validity of the adult
attachment interview. Child Development, vol. 67, nº 5, pp. 2.584-2.599.

DALBEM, J. X.; DELL’AGLIO, D. D. Teoria do apego: bases conceituais e


desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arquivos Brasileiros de
Psicologia, v. 57, n. 1, p. 12-24, 2005. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org>
Acesso em: 22 de abril de 2020.

FONAGY, P. (1999) Transgenerational consistencies of attachment: A new theory.


Revista de Psicoanálisis, vol. 3. Disponível em: <https://www.psychspace.com>.
Acesso em: 29 de maio de 2005.

FONAGY, P. (2000). Apegos patológicos y acción terapéutica. Revista de


Psicoanalisis. Aperturas Psicoanalíticas. Disponível em:
<http://www.aperturas.org>. Acesso em: 29 de maio de 2020.

GEORGE, C., KAPLAN, N., & MAIN, M. (1985). The adult attachment interview.
Unpublished manuscript, University of California, Berkeley.

50
GOMES, A. A.; A teoria do apego no contexto da produção científica
contemporânea - São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.

HARVEY, M. (2000) Relationships between adolescents' attachment styles and


family functioning. Adolescence. Disponível em: <https://www.researchgate.net>.
Acesso em 29 de maio de 2020.

HUGHES, J.; HARDY, G. & KENDRICK, D. (2000) Assessing adult attachment


status with clinicallyorientated interviews: A brief report. British Journal of Medical
Psychology, vol. 73, nº 2, pp. 279-283.

JACOBVITZ, D.; CURRAN, M. & MOLLER, N. (2002) Measurement of adult


attachment: The place of selfreport and interview methodologies. Attachment and
Human Development, vol. 4, pp. 207-215.

KOBAK, R. R. (1993) Attachment and the problem of coherence: Implications for


treating disturbed adolescents. Adolescent Psychiatry, vol. 19, pp. 137-149.

MAIN, M. (2001) Las categorías organizadas del apego en el infante, en el niño, y


en el adulto: Atención flexible versus inflexible bajo estrés relacionado con el apego.
Revista de Psicoanálisis, nº 8. Disponível em: <https://www.aperturas.org> Acesso
em 29 de maio de 2002.

MAIN, M., e CASSIDY, J. Categories of response to reunion with the parent at age
six: Predicted from infant attachment classifications and stable over a one-month
period. Developmental Psychology 24: 415-426. 1988.

RAMIRES, V. R. R; SCHNEIDER, M. S. Revisitando alguns Conceitos da Teoria do


Apego: Comportamento versus Representação? Disponível em:
<http://www.scielo.br> Acesso em: 21 de abril de 2020.

RAMIRES, V. R. R; SCHNEIDER, M. S. Revisitando alguns Conceitos da Teoria do


Apego: Comportamento versus Representação? Disponível em:
<http://www.scielo.br> Acesso em: 21 de abril de 2020.

RUTTER, M. (1972) Maternal deprivation. Baltimore: Penguin Books.

SIEGEL, D. J. The Developing Mind: how relationships and the brain interact to
shape who we are. New York: The Guilford Press. 1999.

SLADE, A. (1996). A view attachment theory and research. Journal of Clinical


Psychoanalysis, 5, 112-123.

51
SROUFE, L. A. & FLEESON, J. (1986) Attachment and the construction of
relationships. In: HARTUP, W. & RUBIN, Z. (Orgs.). Relationships and development.
Hillsdale: Erlbaum. pp. 239-252.

TEODORO, R. A.; Uma Leitura sobre a Teoria do Apego e uma Aproximação com
a Metapsicologia via o conceito de Pulsão de Apego. Disponível em:
http://newpsi.bvs-psi.org.br Acesso em 21 de abril de 2020.

WALTERS; HAMILTON, C. & WEINFIELD, N. (2000) The stability of attachment


security from infancy to adolescence and early adulthood: General introduction.
Child Development, vol. 71, nº 3, pp. 678-683.

52

También podría gustarte