Documentos de Académico
Documentos de Profesional
Documentos de Cultura
COLECCIÓN DE EPIFANÍAS
Edición bilingüe portugués-español
Cláudio Guimarães dos Santos
COLEÇÃO DE EPIFANIAS
COLECCIÓN DE EPIFANÍAS
Edición bilingüe portugués-español
Bohodón Ediciones
Coleção de Epifanias
Colección de Epifanías
ISBN-13: 978-84-16797-70-7
ISBN-E-Book: 978-84-16797-71-4
Depósito legal: M-8468-2017
Para o Gabriel, que anuncia, a cada dia, um novo mundo para mim.
Para Gabriel, que anuncia, a cada día, un nuevo mundo para mí.
ÍNDICE / ÍNDICE
TEXTOS INTRODUTÓRIOS /
TEXTOS INTRODUCTORIOS: .................................... 14-15
1. Palabra del Traductor / Palavra do Tradutor – por
Manuel Moya ..................................................................... 16-17
2. Introdução Crítica / Introducción Crítica – por
Fernando Cabrita ............................................................... 26-27
3. Prefácio / Prefacio – por Pedro Ferré ............................. 44-45
4. Prefácio do Autor: A Essência do Poema e a Trilha
do Poeta / Prefacio del Autor: La Esencia del Poema y
la Senda del Poeta ................................................................. 60-61
11
6. RESPOSTA: JÓ. / RESPUESTA: JOB. .................................. 104-105
7. CANTO SEM DATA / CANTO SIN FECHA .......................... 106-107
8. SAGRES SÃO / SAGRES SON ........................................... 116-117
9. FEUILLES MORTES / FEUILLES MORTES ............................ 120-121
10. GRATIA PLENO / GRATIA PLENO .................................. 122-123
11. ROMPENDO EM FADO / ROMPIENDO EN FADO .......... 128-129
12. OSTRACISMO / OSTRACISMO ...................................... 136-137
13. ONTEM À NOITE / AYER NOCHE ................................. 138-139
14. ABELARDO JE T’AIME MOI NON PLUS
HELOÍSA / ABELARDO JE T’AIME MOI NON
PLUS HELOÍSA ................................................................... 140-141
15. DESPERTAR / DESPERTAR ........................................... 146-147
16. DE FAUSTO ME VISTO / DE FAUSTO ME VISTO ............... 148-149
17. MISSÃO / MISIÓN ......................................................... 154-155
18. POEMA PORTUGUÊS / POEMA PORTUGUÉS .................. 156-157
19. RECORDARE / RECORDARE .......................................... 158-159
20. SONETO ROMÂNTICO / SONETO ROMÁNTICO .............. 164-165
21. CANTO DE TODOS OS CANTOS PRÓPRIO /
CANTO DE TODOS LOS CANTOS PROPIO ............................ 166-167
22. JARDIM JAPONÊS / JARDÍN JAPONÉS ............................. 180-181
23. TERCEIRO DIA / TERCER DÍA ....................................... 182-183
24. DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS /
DEFINICIONES FUNDAMENTALES ..................................... 186-187
25. RÉQUIEM / RÉQUIEM ................................................... 190-191
26. ÉTAT DES LIEUX / ÉTAT DES LIEUX .............................. 194-195
27. PEQUENA FÁBULA PRA EU-MENINO /
PEQUEÑA FÁBULA PARA EL NIÑO QUE FUI ......................... 198-199
28. CIÚME / CELOS ............................................................ 206-207
29. VERDADE VERDADEIRA / VERDAD
VERDADERA ..................................................................... 208-209
30. CUMPLEAÑOS / CUMPLEAÑOS ..................................... 212-213
31. RESPONSO DE SÃO GABRIEL / RESPONSO
DE SAN GABRIEL ............................................................... 216-217
12
32. MAS EXISTE / PERO EXISTE .......................................... 220-221
33. BALANÇO / BALANCE .................................................. 224-225
34. DESAFIO / DESAFÍO ..................................................... 228-229
35. CONFISSÃO / CONFESIÓN ........................................... 230-231
36. PROMETEU ACORRENTADO / PROMETEO
ENCADENADO .................................................................. 236-237
37. BUCHENWALD / BUCHENWALD ................................... 242-243
38. CIUDAD VIEJA / CIUDAD VIEJA ..................................... 246-247
39. POEMA ORIENTAL / POEMA ORIENTAL ......................... 254-255
40. BOAS NOVAS / BUENAS NUEVAS ................................ 260-261
13
TEXTOS INTRODUTÓRIOS
TEXTOS INTRODUCTORIOS
PALABRA DEL TRADUCTOR
Manuel Moya1
16
PALAVRA DO TRADUTOR
Manuel Moya1
17
En todo caso, y sorteando los peligros del oficio, no deja de ser
hermoso echarse al hombro la carga en las noches claras y, un
ojo en el camino, otro en la luna, pasar el contrabando. Pero no
nos pongamos dramáticos: en el caso del traductor su carga
es sólo de palabras. ¿Sólo? Bueno, digamos que a veces las
palabras las carga el diablo y cuando llegan hasta nosotros
vienen maleadas, cuando no rebozadas del polvo del camino.
Pero, como diría uno de nuestros viejos contrabandistas, no
hay más remedio que echarse al monte, ver qué pasa y dejar
que se encuentren las lenguas.
Digamos cuanto antes que Cláudio Guimarães dos San-
tos es un poeta riguroso, culto, claro, con un discurso muy
bien definido, lo que convierte a su poesía en un espejo claro
y vibrante, cruzado de vivencias personales que, como un
puzle espiritual, van determinando una identidad clara y
distinta. Todo en su poesía tiene la precisión de un muro de
ladrillos que, lenta, parsimoniosamente, va creando un rico
y claro espacio personal, muy marcado por una educación
y una infancia llena de ensoñaciones y de lecturas (y no me
circunscribo sólo a lecturas literarias). Es la suya una poesía,
pues, autorreferencial, humanística, en la que los posos re-
ligiosos recibidos de la niñez, las improntas vivenciales
recibidas de un musculoso ambiente cultural y toda esa
arraigada trama de retornos personales y sociales a sus orí-
genes, consiguen un armonioso efecto calidoscópico, casi
warholiano, lo que convierte su lectura en una extraordinaria
experiencia de riqueza poética y personal, pero que tras-
ciende a mi modo de ver lo personal, para converger en un
espacio común que tiene mucho de generacional. Sus poe-
mas, de una dicción suave y apacible, suelen abrirse como
abanicos de colores brillantes y cálidos, con frecuentes y
ajustadas enumeraciones que consiguen expandir el espacio
de la mirada (que es el de la introspección), para mostrarnos
18
Em todo o caso ― e evitando-se os perigos do ofício ―, não
deixa de ser bonito jogar a carga nos ombros, numa noite clara,
e ― com um olho no caminho, outro na lua ― fazer o contra-
bando. Não sejamos, porém, dramáticos: no caso do tradutor,
sua carga é apenas de palavras. Apenas? Bem, digamos que às
vezes as palavras são carregadas pelo diabo e, quando chegam
até nós, já vêm pervertidas, quando não recobertas pelo pó do
caminho. Como diria, contudo, um dos nossos velhos contra-
bandistas, não há outra coisa a fazer senão enfrentar o desafio,
ver o que acontece e deixar que as línguas se encontrem.
Digamos, o quanto antes, que Cláudio Guimarães dos
Santos é um poeta rigoroso, culto, claro, com um discurso
muito bem definido, o que converte sua poesia em um es-
pelho claro e vibrante, atravessado por vivências pessoais
que, como um quebra-cabeça espiritual, vão determinando
uma identidade clara e distinta. Tudo, em sua poesia, tem a
precisão de uma parede de azulejos que, lenta, parcimoniosa-
mente, vai criando um rico e claro espaço pessoal, muito mar-
cado por uma educação e uma infância recheadas de devaneios
e de leituras (e não me restrinjo apenas às leituras de cunho
literário). Sua poesia é, pois, autorreferencial, humanística,
em que os sedimentos religiosos recebidos da infância, as im-
pressões vivenciais recebidas de um vigoroso ambiente cul-
tural e toda essa arraigada trama de retornos pessoais e
sociais a suas origens, conseguem um harmonioso efeito
caleidoscópico ― quase warholiano ―, o que faz de sua leitura
uma extraordinária experiência de riqueza poética e pessoal,
mas que transcende, no meu modo de ver, o pessoal, para
convergir em um espaço comum que tem muito de gera-
cional. Seus poemas, de uma dicção suave e doce, parecem
abrir-se como leques de cores brilhantes e quentes, com fre-
quentes e precisas enumerações que conseguem expandir o
espaço do olhar (que é o da introspecção), para mostrar-nos
19
un campo visual abierto, extensible, plácido, acogedor y ―ya
digo― de una sutil raigambre, que de igual modo interpela a
lo mundano como a lo sagrado. Cláudio apela y se busca en la
tradición, dejando que su palabra se deje fluir en ese magma
en el que entrevemos con igual colorido y sustancia a los mitos
nórdicos, como a los hindúes, a los griegos como a los judaicos,
a los amerindios como a los lusitanos, sin olvidar las referen-
cias musicales, las teogonías de distintas procedencias, los
mitos clásicos y los mitos de la modernidad, pero todo de una
manera natural, aprehendida, exacta, creando una malla iden-
titaria ―digamos que en la poesía de Cláudio el tema de la
identidad es axial― en la que todo queda minuciosamente anu-
dado a través de un tejido personal y transferible.
Vale la pena transcribir por completo este bellísimo poema
titulado Jardín Japonés, que tiene la virtud de resumir, de
forma bella y eficaz, la (cosmo)visión de Cláudio Guimarães
dos Santos:
20
um campo visual aberto, extensível, plácido, acolhedor e ― já
digo ― de sutil tessitura, que de igual modo interpela o
mundano e o sagrado. Cláudio faz apelo à tradição ― na
qual se busca ―, deixando que sua palavra flua nesse magma
em que entrevemos, com o mesmo colorido e substância, os
mitos nórdicos e os hindus, os gregos e os judaicos, os
ameríndios e os lusitanos, sem esquecer as referências musi-
cais, as teogonias de distintas procedências, os mitos clássicos
e os mitos da modernidade, tudo isso, porém, de uma
maneira natural, cultivada, exata, criando uma teia iden-
titária ― digamos que na poesia de Cláudio o tema da iden-
tidade é axial ― em que tudo se ajusta minuciosamente num
tecido pessoal e comunicável.
Vale a pena transcrever por completo este belíssimo poema
intitulado JARDIM JAPONÊS, que tem a virtude de resumir,
de forma bela e eficaz, a (cosmo)visão de Cláudio Guimarães
dos Santos:
21
Presente y pasado se hacen uno en este jardín que es a
la vez espacio exterior y espacio interior, y donde se respira
un aire adormecido y trémulo, vivísimo. Y todo desde un
estricto sentido armónico, que convierte la lectura de sus
poemas en una suerte de experiencia mental, en una ora-
ción que no ahorra ni lo cósmico, ni lo moral. Los poemas
de Cláudio Guimarães, que tanto deben a la literatura reli-
giosa ―no siendo estrictamente la suya una veta religiosa―,
se muestran al fin como letanías escuchadas en el interior
de una habitación o en el remanso de una montaña. Y eso
convierte su voz en única, y su espacio mental y moral en
un espacio compartido, abierto a la experiencia del lector,
que así se une no sólo a la lectura, sino también a la escri-
tura.
Como traductor he de confesar que a veces me he dejado
llevar por los versos haciéndolos míos; sin casi darme cuenta,
he ido comunicándome con ellos a través de puertas secre-
tas y ventanucos donde quedaban expuestas partes de mí
y de mis distintas tradiciones. Y es esta curiosa e íntima co-
munión que el poeta consigue establecer entre autor y lec-
tor ―en este caso también traductor― lo que confiere a estos
poemas, a este libro, un espacio habitable y hospitalario.
He aquí su mayor aval. Uno se siente habitado por estos
poemas porque al fin se siente inserto en ellos, comunicado
con uno mismo por estas puertas y ventanucos a los que
hacía referencia más arriba. Un libro, al fin, para leer sose-
gadamente sin que las garras de la hosca realidad y sin que
los sombríos ecos de la desazón nos nublen el placer de vi-
sitarnos a través de otros ojos, de una mirada que tiene
mucho de nosotros mismos.
22
Presente e passado se fazem um só, neste jardim, que é ao
mesmo tempo espaço exterior e espaço interior, e onde se res-
pira um ar adormecido e trêmulo, vivíssimo. E tudo a partir
de um estrito sentido harmônico, que converte a leitura de
seus poemas em uma espécie de experiência mental, de
oração, que não poupa nem o cósmico nem o moral. Os poe-
mas de Cláudio, que tanto devem à literatura religiosa ― não
sendo a sua uma veia estritamente religiosa ―, revelam-se, fi-
nalmente, como litanias escutadas no interior de uma casa
ou no remanso de uma montanha. E isso converte sua voz
em única, e seu espaço mental e moral em um espaço com-
partilhado, aberto à experiência do leitor, que se une, assim,
não somente à leitura, mas também à escritura.
Como tradutor, tenho de confessar que, muitas vezes,
deixei-me levar pelos versos de Cláudio, fazendo-os meus;
sem quase dar-me conta, fui-me comunicando com eles
através de portas secretas e de pequenas janelas onde ficavam
expostas partes de mim e de minhas distintas tradições. E é
essa curiosa e íntima comunhão que o poeta consegue esta-
belecer entre autor e leitor ― neste caso, também entre autor
e tradutor ― o que faz com que estes poemas, com que este
livro, seja um espaço habitável e hospitaleiro. Aí está sua
maior qualidade. O leitor sente-se habitado por estes poe-
mas porque, finalmente, sente-se inserido neles, comuni-
cando-se consigo mesmo por essas portas e janelas que
mencionei. Um livro, portanto, para ler sossegadamente,
sem que as garras da tosca realidade e sem que os sombrios
ecos do desassossego toldem o prazer de nos vermos por
meio de outros olhos, por meio de um olhar que tem muito
de nós mesmos.
23
Miré al cielo, que azuleaba como si estuviera
a punto de explotar,
Despidiéndose del Sur,
Hacia los vientos tormentosos del futuro,
Que ya barrían la Rambla,
Y concluí que todo era verdad.
24
Olhei o céu, que azulava como se fosse
explodir,
Despedindo-se do Sur,
Rumo aos ventos tormentosos do futuro,
Que já varriam a Rambla,
E concluí que tudo estava certo.
25
INTRODUÇÃO CRÍTICA
Fernando Cabrita2
26
INTRODUCCIÓN CRÍTICA
Fernando Cabrita2
27
• O respeito de Cláudio, no seu exercício de escrita, pela
lição dos grandes mestres, a quem brinda desafio e
apreço, combate e diálogo: (…) ele não apenas luta ―
como Jacó lutou com o Anjo do Senhor ―, mas, sobretudo,
conversa com os mestres que o precederam, balouçando-se
entre o «já dito» e o «por dizer» (…), como o próprio autor
escreveu nesse seu anterior livro.
• O caráter eminentemente culto da sua poesia, onde se
demonstram as leituras, as lições de vida, a exercitação
do pensamento e o manuseamento sábio dos conheci-
mentos que a existência confere.
• A clareza discursiva, onde brilha uma expressividade
ao mesmo tempo natural e bela, ousada e temerosa, ora
contida, ora torrencial.
• A recusa de modismos, ou de busca de empatia fácil
com o leitor, ou de hiperbolismos vácuos, ou de facili-
dade transitória, numa fuga às luzes momentâneas dos
vedetismos.
• A conclusão de que, cumprindo os dois deveres que
Jorge Luis Borges assinalava à poesia (comunicar um
fato preciso e tocar-nos fisicamente, como a proximidade
do mar), o livro de Cláudio, DEFINIÇÕES FUNDAMEN-
TAIS, era um livro de fundamental sentido poético.
* * *
28
• El respeto de Cláudio, en su ejercicio de escritura, por
la lección de los grandes maestros, a quienes brinda
desafío y aprecio, combate y diálogo: (...) él no sólo lucha
―como Jacob luchó con el Ángel del Señor―, sino que, sobre
todo, conversa con los maestros que le precedieron, movién-
dose entre lo «ya dicho» y lo «por decir» (...), como el pro-
pio autor escribió en su anterior libro.
• El carácter eminentemente culto de su poesía, donde se
demuestran las lecturas, las lecciones de vida, el ejerci-
cio del pensamiento y el manejo sabio de los conoci-
mientos que la existencia confiere.
• La claridad discursiva, donde brilla una expresividad
al mismo tiempo natural y bella, osada y temerosa,
ahora contenida, ahora torrencial.
• La renuncia a los modismos, o a la búsqueda de la em-
patía fácil con el lector, o a los hiperbolismos vacíos, o
de facilidad transitoria, en una huida de las luces bre-
ves de los vedetismos.
• La conclusión de que, cumpliendo los dos deberes que
Jorge Luis Borges señalaba para la poesía (comunicar un
hecho preciso y tocarnos físicamente, como la cercanía del
mar), el libro de Cláudio, DEFINICIONES FUNDAMEN-
TALES, era un libro de fundamental sentido poético.
* * *
29
uma magia própria no tratamento da palavra; um hábil modo
de dizer, onde convivem os melhores sentidos da língua por-
tuguesa; e os recursos mais argutos na elaboração do dis-
curso, tratando cada verso com a delicadeza e com a firmeza
do médico ― que Cláudio também é ― quando empunha o
bisturi.
Os novos poemas são, assim, a excelente continuidade do
percurso que se abriu nas DEFINIÇÕES. Retenho-me no
poema NO TEMPO EM QUE MEU PAI NÃO TINHA FILHOS,
de que transcrevo, aqui, os primeiros e os últimos versos:
30
una magia propia en el tratamiento de la palabra; un hábil
modo de decir, donde conviven los mejores sentidos de la
lengua portuguesa; y los recursos más agudos en la elabora-
ción del discurso, tratando cada verso con la delicadeza y con
la firmeza del médico ―que Cláudio también es― cuando em-
puña el bisturí.
Los nuevos poemas son, así, la excelente continuidad del ca-
mino que se abrió en las DEFINICIONES. Me acuerdo del poema
EN LOS TIEMPOS EN QUE MI PADRE NO TENÍA HIJOS, del
que transcribo, aquí, los primeros y los últimos versos:
31
No intervalo entre o início do poema e as estrofes finais,
Cláudio desenvolve uma lista de coisas, fatos e conceitos, de
objetos e situações, onde correm passados, vivências, visões,
compassos de Tardes de Lindoia, alegrias, promessas e desejos
que o tempo envolveu já. E fá-lo naquele aliciante método a
que Borges chamava a enumeração caótica, caótica apenas apa-
rentemente, pois ainda que figure um caos ou uma desor-
dem, é intimamente um cosmos onde se revelam os mundos
profundos do autor. Essa figura estilística da «enumeração»
já o próprio Borges a prodigalizara, bebida em Walt Whit-
man, que a exercitara com inovação e talento. E a abrir e a
fechar esse «inventário» de um mundo em que ele foi e que se
foi, a recordação do pai (que) não tinha filhos, do avô, que ainda
era vivo; e a antecipação de um tempo em que meu filho não terá
mais pai.
E assinalo este poema (muito na esteira dos poemas BOAS
NOVAS, PEQUENA FÁBULA PRA EU-MENINO ou CUM-
PLEAÑOS) por me parecer ser, dos novos, talvez aquele que
mais substancialmente nos outorga a dimensão abrangente
da poesia de Cláudio Guimarães dos Santos. Nele se concen-
tra essa visão quase cinematográfica de diversos planos an-
teriores e posteriores, passado e presente que quase se
sobrepõem, e onde se vão entrelaçando o ido e o porvir, na
reflexão do que poderá ser o futuro. Leio-o e não consigo evi-
tar pensar nesse fabuloso soneto de Dante Gabriel Rossetti
(1828-1882):
INCLUSIVENESS
32
En el intervalo entre el inicio del poema y las estrofas fi-
nales, Cláudio desarrolla una lista de cosas, hechos y concep-
tos, de objetos y situaciones, donde fluyen pasados, vivencias,
visiones, compases de Tardes de Lindoia, alegrías, promesas y
deseos que el tiempo envolvió ya. Y lo hace con aquel atrac-
tivo método al que Borges llamaba enumeración caótica, caótica
apenas en apariencia, pues aunque figure un caos o un des-
orden, es íntimamente un cosmos donde se revelan los
mundos profundos del autor. Esa figura estilística de la «enu-
meración» ya el propio Borges la prodigaba, bebida en Walt
Whitman, que la ejercitara con innovación y talento. Y al abrir
y al cerrar ese «inventario» de un mundo en que él fue y que se
fue, el recuerdo del padre (que) no tenía hijos, del abuelo, que
aún estaba vivo; y la anticipación de un tiempo en el que mi hijo
se quedará sin padre.
Señalo este poema (muy en la estela de los poemas BUE-
NAS NUEVAS, PEQUEÑA FÁBULA PARA EL NIÑO QUE
FUI o CUMPLEAÑOS) porque creo que es, de los nuevos, tal
vez aquel que más sustancialmente nos otorga una dimen-
sión amplia de la poesía de Cláudio Guimarães dos Santos.
En él se concentra esa visión casi cinematográfica de diversos
planos anteriores y posteriores, pasado y presente que casi se
sobreponen, y donde se van entrelazando lo ido y lo por
venir, en la reflexión de lo que podría ser el futuro. Lo leo y
no consigo evitar pensar en ese fabuloso soneto de Dante
Gabriel Rossetti (1828-1882):
LO INCLUSIVO
33
What man has bent o’er his son’s sleep, to brood
How that face shall watch his when cold it lies?
Or thought, as his own mother kissed his eyes,
Of what her kiss was when his father wooed?
34
¿Qué hombre no se ha inclinado sobre su hijo dormido,
preguntándose
Cómo le velará aquella cara cuando la suya yazca fría?
¿O pensado, mientras su madre le besara los ojos,
Cómo fuera su beso cuando su padre le cortejaba?
35
Cláudio Guimarães dos Santos, nesta rápida sucessão de
planos onde as gerações se cruzam, trabalha agilmente a pa-
lavra poética; e o resultado é um primor de encanto e melodia
cinética. Vemos o seu pai, todavia jovem, pelos olhos de um
filho (o poeta/autor) que ainda não tinha nascido; e de se-
guida vemos esse mesmo poeta/autor a pensar-se, já desa-
parecido, num futuro em que o seu filho já não o terá a si, seu
pai.
É esta agilidade da palavra poética que creio ser de nova-
mente realçar na COLEÇÃO DE EPIFANIAS. Cláudio con-
firma-se numa escrita de suprema plasticidade e, à vez, de
extremo rigor estético, onde vivem a mais estreme emoção e
a mais lídima sensibilidade.
* * *
36
Cláudio Guimarães dos Santos, en esta rápida sucesión de
planos donde las generaciones se cruzan, trabaja ágilmente
la palabra poética; y el resultado es un primor de encanto y
melodía cinética. Vemos a su padre, todavía joven, por los
ojos de un hijo (el poeta/autor) que aún no había nacido; y
en seguida vemos a ese mismo poeta/autor pensándose, ya
desaparecido, en un futuro en el que su hijo ya no lo tendrá
a él, su padre.
Es esta agilidad de la palabra poética la que creo ha de ser
nuevamente realzada en COLECCIÓN DE EPIFANÍAS. Cláu-
dio se confirma en una escritura de suprema plasticidad y, a
la vez, de extremo rigor estético, donde viven la más extrema
emoción y la más auténtica sensibilidad.
* * *
37
por Carlos Drummond de Andrade na sua Conferência Poesia
e Composição, pronunciada na Biblioteca de São Paulo, em 13
de novembro de 1952, no curso de Poética, e editada em Por-
tugal por Fenda Edições.
Cláudio, na verdade, deixa entrar na sua poesia, com a le-
veza de quem o faz com a permissão dos deuses, Prometeu
acorrentado, Zeus e Clitemnestra, Parsifal e o Graal, os mons-
tros que moram no Tártaro, ou Cérbero e Pandora, Fausto e
Orfeu. Mas fá-lo sem esquecer a realidade e os homens seus
contemporâneos e toda a miséria do mundo. Fá-lo sem olvidar
que há Raqqa ou Buchenwald; sem esquecer quer o passado da
Nápoles sanguínea de Tibério, e (…) a vida (que) aprisionada escurece
toda luz, as ninfas estupradas, a desgraça da Grécia apodrecida, a
Emília sem cabeça sobre o colo de Lobato; quer o presente em que:
Para concluir:
38
por Carlos Drummond de Andrade en su conferencia Poesía
y Composición, pronunciada en la Biblioteca de São Paulo, el
13 de noviembre de 1952, en el curso de Poética, y editada en
Portugal por Fenda Ediciones.
Cláudio, en verdad, deja entrar en su poesía, con la levedad
de quien lo hace con el permiso de los dioses, a Prometeo enca-
denado, Zeus y Clitemnestra, Parsifal y el Grial, los monstruos
que viven en el Tártaro, Cerbero y Pandora, Fausto y Orfeo.
Pero lo hace sin olvidar la realidad y los hombres de su tiempo
y toda la miseria del mundo. Lo hace sin olvidar que existen
Raqqa o Buchenwald; sin olvidar sea el pasado de Nápoles san-
guínea de Tiberio, y (...) la vida (que) aprisionada oscurece toda luz,
las ninfas violentadas, la desgracia de Grecia podrida, a Emilia sin
cabeza sobre el cuello de Lobato; sea el presente en que:
Para concluir:
39
sem choque com o discorrer da poética, sem distúrbio da
eminência do texto, sem o mínimo ferimento da alta quali-
dade estética do verso.
Aliás, a incorporação do mito clássico na obra de Cláudio
Guimarães dos Santos, reinventa a própria mitologia, atuali-
zando-a (o mesmo se passa com as referências históricas: veja-
se, por todas, o poema ABELARDO JE T’AIME MOI NON
PLUS HELOÍSA), inscrevendo-a numa nova idade em que os
homens de hoje se podem rever ― aliás como fez Vinicius
com o ORFEU DA CONCEIÇÃO ―, aproximando a fantasia
e a materialidade por um elo estético reforçado que nos dá o
conceito arcaico/clássico, à luz da mais moderna das concep-
ções criadoras.
A poesia de Cláudio Guimarães serve-se assim do mito
para atingir o leitor de hoje, que se suporia já desligado da an-
tiga narrativa; e veicula-lhe toda a beleza peregrina das idades
passadas numa transposição sabiamente literária, profusa-
mente poética, onde o verso encerra ainda o conceito vetusto
e o sentido pretérito, mas é já novidade, tempo vivo, história
presente. Nessa sua hábil gestão da palavra poética e da capa-
cidade de transformar, pelo verso, em novo o que era arcaico,
Cláudio Guimarães dos Santos segue uma tradição da melhor
poesia brasileira, onde o mito sempre esteve presente e vivo.
Recordo o CANTO ÓRFICO, de Carlos Drummond de An-
drade, ou a obra já citada de Vinícius de Moraes. Ou, ainda, o
largo poema INVENÇÃO DE ORFEU, de Jorge de Lima.
Produz assim, Cláudio Guimarães dos Santos, uma obra
poética complexa e erudita, plástica e grave.
Por tudo, é esta COLEÇÃO DE EPIFANIAS um docu-
mento literário poderoso, que cultua a língua portuguesa e
os seus referentes mais elevados, sem se deixar jamais resva-
lar nem para inúteis artefatos barrocos nem para folclorismos
desnecessários.
40
sin choque con el discurrir de la poética, sin perturbación de
la excelencia del texto, sin el mínimo menoscabo de la alta ca-
lidad estética del verso.
Además, la incorporación del mito clásico en la obra de
Cláudio Guimarães dos Santos, reinventa la propia mitología,
actualizándola (lo mismo que pasa con las referencias históri-
cas, véase, por ejemplo, el poema ABELARDO JE T’AIME MOI
NON PLUS HELOÍSA), inscribiéndola en una nueva edad en
la que los hombres de hoy se pueden ver reflejados ―como a
propósito creó Vinicius con el ORFEO DE LA CONCEPCIÓN―,
aproximando la fantasía y la materia por un eslabón estético
reforzado que nos da el concepto arcaico/clásico, a la luz de la
más moderna de las concepciones creadoras.
La poesía de Cláudio Guimarães se sirve así del mito para
llegar al lector de hoy, que se suponía ya desligado de la antigua
narrativa; y le trae toda la belleza peregrina de las edades pasa-
das en una transposición sabiamente literaria, profusamente po-
ética, donde el verso encierra también el concepto vetusto y el
sentido pretérito, pero es ya novedad, tiempo vivo, historia pre-
sente. En esa su hábil gestión de la palabra poética y en la capa-
cidad de transformar, por el verso, en nuevo lo que era viejo,
Cláudio Guimarães dos Santos sigue una tradición de la mejor
poesía brasileña, donde el mito siempre estuvo presente y vivo.
Recuerdo el CANTO ÓRFICO, de Carlos Drummond de An-
drade, o la obra ya citada de Vinicius de Moraes. O, incluso, el
largo poema INVENCIÓN DE ORFEO, de Jorge de Lima.
Produce así, Cláudio Guimarães dos Santos, una obra po-
ética compleja y erudita, plástica y elevada.
Por todo, es esta COLECCIÓN DE EPIFANÍAS un docu-
mento literario poderoso, que rinde culto a la lengua portu-
guesa y a sus referentes más señeros, sin dejarse jamás
escurrir ni para inútiles artefactos barrocos ni para folcloris-
mos innecesarios.
41
Esta poesia não receia mostrar as suas fontes e reverter,
quando necessário e sem qualquer rebuço, às formas de que
é filha: ora poemas de verso livre e branco, ora poemas me-
trificados, ora sonetos ou quase baladas, ora poesia rítmica,
ora longas deambulações pela alma criadora do autor em
livre inspiração; mas sempre sem que o pendor reflexivo dis-
crepe da essência profundamente estética de cada verso.
Há aqui uma busca de plenitude através da palavra, da be-
leza através do verso, da verdade através da reflexão poética,
do espírito através da sensibilidade estética. Uma obra em que
o autor se interroga a si próprio, na sua condição de homem a
caminho da sua finitude, mas que também interpela o seu
tempo e o Tempo, a sua vida em elaboração constante, a sua
civilização e os seus valores e modos de ser e estar.
E sempre com a melhor poesia, a linguagem primogênita de
um povo ― como afirmava Heidegger.
42
Esta poesía no teme mostrar sus fuentes y tornar, cuando
necesario es sin cualquier disfraz, a las formas de la que es
hija: ahora poemas de verso libre y blanco, ahora poemas me-
trificados, ahora sonetos o casi baladas, ahora poesía rítmica,
ahora largas digresiones por el alma creadora del autor en
libre inspiración; pero siempre sin que la tendencia reflexiva
discrepe de la esencia profundamente estética de cada verso.
Hay aquí una búsqueda de plenitud a través de la palabra,
de la belleza a través del verso, de la verdad a través de la refle-
xión poética, del espíritu a través de la sensibilidad estética. Una
obra en la que el autor se interroga a sí mismo, en su condición
de hombre en camino de su finitud, pero que también interpela
a su tiempo y al Tiempo, a su vida en elaboración constante, a
su civilización y a sus valores y modos de ser y estar.
Y siempre con la mejor poesía, el lenguaje primogénito de un
pueblo ―como afirmaba Heidegger―.
43
PREFÁCIO
Pedro Ferré3
44
PREFACIO
Pedro Ferré3
45
interpretação literária. Por esta via, o livro ― com o conjunto
dos poemas que nele habitam ― assume ainda maior com-
plexidade ao articular (ou tentar fazê-lo) as partes várias que
o configuram como corpo coeso.
Só dessa forma nasce a obra: não como um somatório e
mera adição de expressões poéticas avulsas, mas como o re-
sultado de um trabalho de criação, seleção e ordenamento. O
Livro não é um livro e o Livro encontra no título a con-
sagração da unidade. Das partes ao todo eis o percurso cri-
ador. Do seu todo às partes, poderá ser o percurso do leitor.
Contudo, nenhum deles poderá perder de vista a referida
unidade (ainda que dentro da diversidade), o tal caminho
que nos conduz ao sentido e à vontade do autor.
Seguir esse caminho, ainda que erremos, é obrigatório: por
respeito, em primeiro lugar, pelo autor e, por último ― mas
não menos importante ―, pela Poesia. Não é dado, pois, ao
leitor modificar o autor. Estaríamos, sem dúvida, subver-
tendo os princípios mais sagrados da criação ao outorgar ao
rapsodo o papel do aedo. Não será que é com esse cuidado que
é feita a exegese bíblica? E não será a palavra poética a mais
divina das palavras humanas?
Reúne Cláudio Guimarães dos Santos, sob o título COLEÇÃO
DE EPIFANIAS, quarenta poemas gizados por uma forte pre-
sença do eu. Este eu, humanamente onipresente e onisciente,
instaura-se logo na abertura desta obra com um poema que,
emblematicamente, toma (ou outorga?) o título do livro (os
itálicos são meus):
46
la interpretación literaria. Por esta vía, el libro ―como el con-
junto de los poemas que en él habitan― asume aún una
mayor complejidad al articular (o intentar hacerlo) las varias
partes que lo configuran como cuerpo unido.
Solo de esa forma nace la obra: no como una suma y mera
adición de expresiones poéticas sueltas, sino como el resul-
tado de un trabajo de creación, selección y ordenamiento. El
Libro no es un libro, el Libro encuentra en el título la consa-
gración de la unidad. De las partes al todo es el camino crea-
dor. De su todo a las partes, podrá ser el camino del lector.
Sin embargo, ninguno de ellos podrá perder de vista la refe-
rida unidad (aunque dentro de la diversidad), el tal camino
que nos conduce al sentido y a la voluntad del autor.
Seguir ese camino, aun cuando erremos, es obligatorio:
por respeto, en primer lugar, por el autor, y por último ―aun-
que no menos importante―, por la Poesía. No es dado, pues,
al lector modificar al autor. Estaríamos, sin duda, alterando
los principios más sagrados de la creación al otorgar al rap-
soda el papel del aedo. ¿No será que es con ese cuidado que es
hecha la exégesis bíblica? ¿Y no será la palabra poética la más
divina de las palabras humanas?
Reúne Cláudio Guimarães dos Santos, bajo el título CO-
LECCIÓN DE EPIFANÍAS, cuarenta poemas marcados por
una fuerte presencia del yo. Este yo, humanamente omnipre-
sente y omnisciente, se instaura de inmediato en la abertura
de esta obra con un poema que, de forma emblemática, toma
(¿o le otorga?) el título del libro (las cursivas son mías):
47
O dom que evitei desperdiçar.
(...)
O riso largo do meu filho.
(...)
O último poema que farei.
48
El don que he evitado desperdiciar.
(…)
La risa más abierta de mi hijo.
(…)
El último poema que haré.
49
de uma obra construída sob o signo de uma História que se pre-
tende mito ou de um suporte mítico para a construção da
História. Assim, após voar sobre o Passado, recuperamos o eu,
hic et nunc, observador: ser pensante fazendo a ponte entre o Pas-
sado e o Futuro; e, por tão sutil procedimento, após essa ligação
entre o antes e o depois (fatalidade dos deuses que renunciaram
à eternidade) o poema, implicitamente, sugere a sua renomeação:
O tempo em que meu filho não terá mais pai, recomeçando tudo de
novo, de tal forma que poderá alguém um dia voltar a escrever
o poema recuperando o título estampado nesta obra, colocado,
de novo, na mesma posição do atual sujeito poético.
(…)
Eu contemplo tudo isso
E, aqui, fico cismando,
Nesta noite enluarada:
Como será,
Num futuro que, espero, está distante,
O tempo em que meu filho não terá mais pai?
50
de una obra construida bajo el signo de una Historia que se pre-
tende mito o de un soporte mítico para la construcción de la His-
toria. Así, después de volar sobre el Pasado, recuperamos el yo,
aquí y ahora, observador: ser pensante haciendo de puente entre el
Pasado y el Futuro; y, por tan sutil procedimiento, tras esa unión
entre el antes y el después (fatalidad de los dioses que renunciaron
a la eternidad), el poema, implícitamente, sugiere su renominación:
El tiempo en el que mi hijo se quedará sin padre, recomenzando todo,
de tal forma que pudiera alguien un día volver a escribir el
poema recuperando el título estampado en esta obra, colocado,
de nuevo, en la misma posición del actual sujeto poético.
(…)
Contemplo todo eso
Y me quedo aquí, cavilando,
En esta noche alunada:
¿Cómo será,
En un futuro que, espero, sea lejano,
El tiempo en el que mi hijo se quedará sin padre?
51
constantes assomos ao possível retorno ao Clássico, através de
filtros contemporâneos:
(…)
Fica calmo e já não temas as ciladas.
Chora e goza sem excessos,
Como cabe a um mortal que escutam os deuses.
(...)
Não te engajes em nada
Que não seja Arte pura
(Para sempre inalcançável),
Que não seja frase limpa
(Seca e certa como a dor),
Que não seja a forma exata
(Que se inspira no silêncio),
Que não seja o raro encontro dos sentidos e dos sons:
A leveza consonante das palavras que têm peso.
52
constantes asomos al posible retorno a lo Clásico, a través de
filtros contemporáneos:
(…)
Quédate tranquilo y no temas ya a las celadas.
Disfruta y gime sin exceso,
Como cabe a un mortal a quien los dioses escuchan.
(…)
No te dejes seducir por nada
Que no sea el Arte puro
(Siempre inalcanzable),
Que no sea la frase limpia
(Seca y verdadera como el dolor),
Que no sea la forma exacta
(Pues se inspira en el silencio),
Que no sea la rara encrucijada del sentido y del sonido:
La levedad consonante de las palabras de peso.
53
Dessa viagem e de outras viagens, por concretos lugares
visitados, faz eco este livro, mas com os mesmos intuitos: a ge-
ografia como pretexto. Pretexto para a reflexão, para a recri-
ação, para a revisitação, para a deambulação, para a epifania.
O Homem e a sua História são constantemente convocados
para os lugares, seja em Sagres, em Sintra, em Montevideo, em
Buchenwald ou mesmo num simples jardim japonês.
54
De ese viaje y de otros viajes, por concretos lugares visita-
dos, se hace eco este libro, aunque con los mismos fines: la
geografía como pretexto. Pretexto para la reflexión, para
la recreación, para la revisitación, para la deambulación, para
la epifanía. El Hombre y su Historia son constantemente con-
vocados hacia los lugares, sea en Sagres, en Sintra, en Monte-
video, en Buchenwald o incluso en un simple jardín japonés.
55
mais distantes, desde o abismo do inferno ao mais alto topo da
montanha/ (...) /que se eleva da firmeza da planície e como tal por estar
assim tão alto, / Disputo com o Nada / Um desafio sem limites. (GRA-
TIA PLENO). A viagem como outrora a conceberam Virgílio,
Dante ou Camões e como a vivera o próprio Ulisses.
Mas limites são impostos ao Poeta. Aos seus desejos, du-
rativamente expressos por sucessivas manifestações de uma
firme vontade:
56
más distantes, desde el abismo del infierno a lo más alto en la
cima de la montaña / (…) / Que se eleva desde la firmeza de la llanura
y como tal es por estar así de alto, / Que disputo a la Nada / Un desafío
sin límites. (GRATIA PLENO). El viaje como otrora lo concibie-
ron Virgilio, Dante o Camões y como lo viviera el propio Ulises.
Pero límites son impuestos al poeta. A sus deseos, conti-
nuamente expresados por sucesivas manifestaciones de una
firme voluntad:
57
viagem que nela nos é proposta (sem esquecer a sua dimensão
teogônica), sem surpresa leremos a dedicatória a Hesíodo, o
nascimento de Atena, de Adão e Eva, de Afrodite, de Buda,
de Jesus... Até chegarmos, por fim, ao de Gabriel (não o do
anjo anunciador de nascimentos, mas de Gabriel, o filho do
filho). Sim, Gabriel, o filho do filho, que não nasce em dezem-
bro, mas em fevereiro; não em Belém, mas em Montevidéu;
não no Natal, mas Às portas do Carnaval. E assim, o pai deste
filho reencontra-se com outra história, para além da sua. E
com São José partilha o cuidar da sua família tão pequena e tão
imensa; mas também com Zeus, e com Adão e com... seu pai,
que nascera no mesmo dia.
E eis que se retoma, como círculo que se fecha, o início da
COLEÇÃO DE EPIFANIAS ao dizer-nos:
(…)
Quem diria que esta história
(Que, para mim, é sagrada),
Começaria assim?
E quem se arrisca a dizer
De que modo prosseguirá?
58
viaje que en ella nos es propuesto (sin olvidar su dimensión te-
ogónica), sin sorpresa leeremos la dedicatoria a Hesíodo, el
nacimiento de Atenea, de Adán y Eva, de Afrodita, de Buda,
de Jesús… Hasta llevarnos, por fin, al de Gabriel (no al del
ángel anunciador de nacimientos, sino de Gabriel, el hijo del
hijo). Sí, Gabriel, el hijo del hijo, que no nace en diciembre,
sino en febrero; no en Belén, sino en Montevideo; no en Na-
vidad, sino A las puertas del Carnaval. Así, el padre de este hijo
se reencuentra con otra historia, además de la suya. Y con San
José comparte el cuidar de su familia tan pequeña y tan inmensa,
pero también con Zeus, y con Adán y con… su padre, que
naciera en el mismo día.
Y de repente se retoma, como círculo que se cierra, el inicio
de la COLECCIÓN DE EPIFANÍAS al decirnos:
(…)
¿Quién diría que esa historia
(Que, para mí, es sagrada),
Comenzaría así?
¿Y quién se arriesga a decir
Cómo proseguirá?
59
PREFÁCIO DO AUTOR:
Desde que o li, pela primeira vez, no final dos anos 1970,
jamais me esqueci deste trecho inicial do longo e interessante
depoimento de Jung, gravado e, mais tarde, editado ― talvez
demasiadamente, segundo alguns especialistas ―, por sua co-
laboradora, Aniela Jaffé.
Suponho que a permanência desta lembrança deva-se, so-
bretudo, à semelhança entre a constatação do grande pen-
sador suíço, já octogenário, e a conclusão à qual, por outras
vias, eu havia chegado àquela época (tinha então dezessete
anos e acabara de ser aprovado no exame de admissão para
a Faculdade de Medicina): eu havia descoberto que a minha
4
«Minha vida é uma história da autorrealização do inconsciente. Tudo no inconsciente
procura manifestar-se externamente, e a personalidade também deseja evoluir para
além da sua condição inconsciente e experimentar-se como um todo.» Memories,
Dreams, Reflections, depoimento de C. G. Jung, gravado e editado por Aniela Jaffé e tra-
duzido do alemão por Richard e Clara Winston. New York: Vintage Books, 1989: pp. 3.
60
PREFACIO DEL AUTOR:
61
vida seria uma espécie de odisseia sempre inacabada, de
busca incessante por uma visão transdisciplinar e abrangente
da existência, que prossegue, aliás, até hoje, a despeito de
todas as resistências e de não poucos obstáculos.
Estávamos longe, ainda, do advento da Internet e da pro-
fusão de «conteúdos» ― naturalmente desconexos ― que nos
bombardeiam cotidianamente, sem descanso, mas eu já
percebia, com clareza, o perigo que esse excesso de «dados»,
associado ao fracionamento insensato ― quase inevitável ―
do conhecimento humano em múltiplas disciplinas, repre-
sentava para a obtenção de uma visão integrada e profunda
da vida, com o consequente risco de esfacelamento do indi-
víduo em meio ao caos informacional.
Desdobrava-me, então, para achar tempo para dar conta
dos meus múltiplos interesses ― filosofia, matemática, cinema,
física, psicologia, artes plásticas, neurobiologia, música e, evi-
dentemente, literatura ―, instigado por uma vontade incon-
trolável (e assumidamente prometeica) de conectar todas as
coisas, de chegar, de algum modo, a uma síntese possível do
improvável (que é desejo de todo fragmento), como escrevi no
poema DE FAUSTO ME VISTO, incluído nesta coletânea.
Foi quando topei com a poesia ― ou, talvez, tenha sido
ela que topou comigo. Dei-me conta, então, maravilhado,
de que ali estava um brinquedo ao mesmo tempo divertidís-
simo e muito sério, uma espécie de JOGO DAS CONTAS DE
VIDRO5 universal, de ALEPH6 redivivo, por meio do qual
eu poderia expressar, em palavras, o que quisesse, fundindo
ideias, superpondo imagens, recompondo insights, costu-
rando conhecimentos advindos das mais diversas fontes,
5
Tal como descrito em DAS GLASPERLENSPIEL, o grande romance de Hermann
Hesse.
6
Tal como evocado em EL ALEPH, o intrigante conto de Borges.
62
vida sería una especie de odisea siempre inacabada, de bús-
queda incesante por una visión transdisciplinar y amplia de la
existencia, que prosigue, además, hasta hoy, a despecho de
todas las resistencias y de no pocos obstáculos.
Estábamos lejos, aún, de la llegada de Internet y de la
abundancia de «contenidos» ―naturalmente incoherentes―
que nos bombardean cotidianamente, sin descanso, pero yo
ya percibía, con claridad, el peligro que ese exceso de «datos»,
asociado al fraccionamiento insensato ―casi inevitable― del
conocimiento humano en múltiples disciplinas, representaba
para la obtención de una visión completa y profunda de la
vida, con el consecuente riesgo de destrucción del individuo
en medio del caos de información.
Me multiplicaba, entonces, para encontrar tiempo para dar
cuenta de mis múltiples intereses ―filosofía, matemáticas, cine,
física, psicología, artes plásticas, neurobiología, música y, evi-
dentemente, literatura―, instigado por una voluntad incontro-
lable (y asumidamente prometeica) de conectar todas las cosas,
de llegar, de algún modo, a una síntesis posible de lo improbable
(que es el deseo de todo fragmento), como escribí en el poema DE
FAUSTO ME VISTO, incluido en esta colección.
Fue cuando me topé con la poesía ―o, tal vez, haya sido ella
la que se topó conmigo―. Me di cuenta, entonces, maravillado,
de que allí se encontraba un entretenimiento al mismo tiempo
divertidísimo y muy serio, una especie de JUEGO DE LOS
ABALORIOS5 universal, de ALEPH6 redivivo, por medio del
cual yo podría expresar, en palabras, lo que quisiese, fundiendo
ideas, superponiendo imágenes, recomponiendo percepciones,
cosiendo conocimientos surgidos de las más diversas fuentes,
5
Tal como es descrito en EL JUEGO DE LOS ABALORIOS, la gran novela de Her-
mann Hesse.
6
Tal como es evocado en EL ALEPH, el intrigante cuento de Borges.
63
interconectando-os ludicamente, até ser capaz de decantar,
num verso preciso e luminoso:
7
Também em DE FAUSTO ME VISTO.
64
interconectándolos lúdicamente, hasta ser capaz de filtrar, en
un verso preciso y luminoso:
Tal vez valga la pena contar, en pocas líneas, cómo ese en-
cuentro aconteció.
Yo siempre fui un ávido lector de ficción ―novelas y cuentos,
principalmente― y, gracias a la influencia benefactora de mi año-
rado tío Acácio y de su excelente biblioteca (que heredé muchos
años después), yo había leído, aún adolescente, buena parte del
llamado «Canon Occidental» en prosa. De la poesía, yo guardaba
una prudente distancia, una distancia en verdad muy particular,
que era hasta bastante «próxima», como veremos más adelante.
La principal razón para ese «distanciamiento» ―siento re-
velarlo― fue que los profesores de literatura que (por azar) yo
encontrara por el camino compartían una obsesión insaciable
por clasificarlo todo y explicarlo en cada poema que teníamos
que leer. Se alargaban, durante las clases, en irritantes análisis
formales, hacían insólitas preguntas acerca del «sentido» de
cada verso o de la «intención» escondida detrás de cada pala-
bra, cuando no se perdían en malabarismos para «encuadrar»
autor y obra en la estrechez de sus tortuosas concepciones po-
lítico-ideológicas. Esos cuestionamientos abstrusos desfigura-
ban y oscurecían ―a punto de impedirlo― el contacto genuino
con la palabra poética y con lo que considero es su aspecto
esencial: el éxtasis inefable, casi religioso, que solamente es en-
contrado en la atmósfera compleja y misteriosa ―en el «tiempo
mítico», diría yo― que el gozo de todo gran poema inaugura.
7
También en DE FAUSTO ME VISTO.
65
É bem verdade que eu já havia lido (e muito!) os poetas
românticos ― brasileiros, ingleses, franceses, alemães, por-
tugueses… ―, mas o fizera, sobretudo, como adolescente pas-
sional e apaixonado, servindo-me daqueles versos emotivos,
não raro desesperados, como botes salva-vidas. Se não fos-
sem essas leituras ― das quais transbordava um lirismo vio-
lento e, por isso mesmo, catártico ― eu teria certamente me
afogado no mar atormentado das primeiras descobertas
amorosas, ainda mais naqueles anos 1970, tão agitados e psi-
codélicos. Escapei, assim, de um final trágico graças ao spleen
dos expoentes do Romantismo, um pouco como Goethe, ao
dar à luz o WERTHER, salvou-se de «naufragar» no Sturm
und Drang.
Por ironia (e graça) dos deuses, precisamente ao emergir
desse período conturbado ― e tão rico ―, no qual fizera um
uso «terapêutico» da poesia, deu-se meu encontro com Dante
Alighieri e com sua DIVINA COMÉDIA, que considero ful-
cral na minha formação como poeta. Esse encontro havia sido
preparado ― os deuses novamente, sempre os deuses... ―
pelo saboroso NUEVE ENSAYOS DANTESCOS, de Borges,
que eu devorara num único fôlego e que me aguçara o desejo
de «enfrentar» os Cantos do grande florentino, comentados
por muitos, mas lidos, de fato, por bem poucos.
Neles descobri uma «totalidade unificada», ao mesmo
tempo densa e diáfana, complexa e sutil, imponente como
uma catedral gótica e cheia de vida como um mercado popu-
lar. Através daquele conjunto de versos ― muitos deles belís-
simos8 ― brilhava, como o sol filtrado pelos vitrais de
Chartres, o sentido de toda uma época. Não se tratava, porém,
de um sentido abstrato, desencarnado, mas de um sentido
palpável ― quase anatômico ―, plasmado em tercetos que me
8
Não temo o uso desse adjetivo, inclusive no superlativo, por mais que isso inco-
mode certa crítica formalista e afetada.
66
Es muy cierto que ya había leído (¡y mucho!) a los poetas
románticos ―brasileños, ingleses, franceses, alemanes, portu-
gueses...―, pero lo hice, sobre todo, como adolescente pasio-
nal y apasionado, sirviéndome de aquellos versos emotivos,
a veces desesperados, como botes salvavidas. De no haber
sido por aquellas lecturas ―de las cuales rebosaba un lirismo
violento y, por eso mismo, catártico― me habría ahogado
ciertamente en el mar atormentado de los primeros descubri-
mientos amorosos, y aún más en aquellos años 70, tan agitados
y psicodélicos. Escapé, así, de un final trágico gracias al tedio
de los exponentes del Romanticismo, un poco como Goethe, al
dar a luz su WERTHER, se salvó de «naufragar» en La Tor-
menta del Estrés.
Por ironía (y gracia) de los dioses, precisamente al emerger
de ese período agitado ―y tan rico―, en el cual hiciera un uso
«terapéutico» de la poesía, se dio mi encuentro con Dante
Alighieri y con su DIVINA COMEDIA, que considero crucial
en mi formación como poeta. Ese encuentro había sido pre-
parado ―los dioses nuevamente, siempre los dioses...― por
el delicioso NUEVE ENSAYOS DANTESCOS, de Borges, que
devorara en un suspiro y que me aguzara el deseo de «en-
frentar» los Cantos del gran florentino, comentados por mu-
chos, pero leídos, en verdad, por bien pocos.
En ellos descubrí una «totalidad unificada», al mismo
tiempo densa y diáfana, compleja y sutil, imponente como
una catedral gótica y llena de vida como un mercado popu-
lar. A través de aquel conjunto de versos ―muchos de ellos
bellísimos8 ― brillaba, como el sol filtrado por los vitrales de
Chartres, el sentido de toda una época. No se trataba, sin em-
bargo, de un sentido abstracto, desencarnado, sino de un sen-
tido palpable ―casi anatómico―, plasmado en tercetos que me
8
No temo al uso de ese adjetivo, inclusive en lo superlativo, por más que eso inco-
mode a cierta crítica formalista y afectada.
67
deixavam «cara a cara» com figuras nas quais eu (quase) con-
seguia tocar ― filósofos, artistas, personagens mitológicas,
santos, líderes políticos, religiosos e militares ―, cada uma
delas com suas virtudes e seus pecados, com suas dores e
seus arrependimentos, com seus desejos e suas esperanças,
cada uma delas com uma história interessante ― com uma
pequena ou grande saga ― para contar, e tudo isso urdido
em uma trama narrativa enxuta, precisa, inconsútil.
Percebi, imediatamente, que ali estava não a receita a ser
imitada, não o modelo a ser copiado e reproduzido ad nau-
seam ― como gostam de fazer os epígonos ―, mas a essência
da poiesis, o mapa cristalino da voie royale a ser seguida pelo
poeta que, em mim, tomava forma, o caminho que, no fundo,
representava a fusão de todos os caminhos. Dei-me conta,
naquele momento, que a poesia ― e somente ela ― era capaz
de permitir a síntese com a qual sempre sonhara e que me
parecia, até então, irrealizável, como escrevi no poema CIU-
DAD VIEJA9 :
9
Também incluído nesta coletânea.
68
dejaban «cara a cara» con figuras a las cuales (casi) conseguía
tocar ―filósofos, artistas, personajes mitológicos, santos, líde-
res políticos, religiosos y militares―, cada una de ellas con
sus virtudes y sus pecados, con sus dolores y sus arrepenti-
mientos, con sus deseos y sus esperanzas, cada una de ellas
con una historia interesante ―con una pequeña o gran saga―
que contar, y todo eso urdido en una trama narrativa enjuta,
precisa, inconsútil.
Percibí, de inmediato, que allí estaba no la receta a ser imi-
tada, no el modelo a ser copiado y reproducido hasta la náusea
―como gustan de hacer los epígonos―, sino la esencia de la
poiesis, el mapa cristalino del camino real a ser seguido por el
poeta que, en mí, tomaba forma, el camino que, en el fondo,
representaba la fusión de todos los caminos. Me di cuenta, en
aquel momento, de que la poesía ―y solamente ella― era capaz
de permitir la síntesis con la cual siempre soñara y que me pa-
recía, hasta entonces, irrealizable, como escribí en el poema
CIUDAD VIEJA9 :
9
También incluido en esta colección.
69
grandes poetas, nascidos antes e depois de Dante: Fernando
Pessoa, Whitman, Baudelaire, Píndaro, Carlos Drummond
de Andrade, Kavafis, Paul Valéry, Virgílio, Eliot, Homero,
Camões, Mário Quintana, Goethe, Horácio, Manuel Bandeira,
Borges...
Nessa honrosa companhia, fui seguindo e construindo
minha trilha: dediquei-me à vida acadêmica (no Brasil e no
exterior); fiz incursões nas artes visuais e no cinema; exerci
a medicina (entre idas e vindas) por quase três décadas; e,
mais recentemente, há cerca de sete anos, achando que era
hora de mais uma vez «quebrar o espelho» ― de mudar de
persona… ―, tornei-me diplomata de carreira.
Continuou, porém, inabalada, a convicção forjada naquele
encontro decisivo com a DIVINA COMÉDIA, fazendo com
que eu jamais me esquecesse da missão fundamental de
todo poeta, que também era a minha: a busca da própria
poesia.
Lembro, aqui, o que escrevi no Prefácio ― Ante Scriptum ―
da minha coletânea anterior, DEFINIÇÕES FUNDAMEN-
TAIS, que saiu em 2014, quase simultaneamente em São
Paulo e em Montevidéu:
70
grandes poetas, nacidos antes y después de Dante: Fer-
nando Pessoa, Whitman, Baudelaire, Píndaro, Carlos Drum-
mond de Andrade, Kaváfis, Paul Valéry, Virgílio, Eliot,
Homero, Camões, Mário Quintana, Goethe, Horácio, Ma-
nuel Bandeira, Borges...
En esa honrosa compañía, fui siguiendo y construyendo
mi senda: me dediqué a la vida académica (en Brasil y el ex-
terior); hice incursiones en las artes visuales y en el cine; ejercí
la medicina (entre idas y venidas) por casi tres décadas; y,
más recientemente, hace cerca de siete años, encontrando que
era hora una vez más de «quebrar el espejo» ―de mudar de
persona…―, me hice diplomático de carrera.
Continuó, no obstante, inquebrantable, la convicción for-
jada en aquel encuentro decisivo con la DIVINA COMEDIA,
haciendo que jamás me olvidase de la misión fundamental
de todo poeta, que también es la mía: la búsqueda de la pro-
pia poesía.
Recuerdo, aquí, lo que escribí en el Prefacio ―Ante Scrip-
tum― de mi colección anterior, DEFINICIONES FUNDA-
MENTALES, que salió en 2014, casi simultáneamente en São
Paulo y en Montevideo:
71
Se for bem-sucedido nesse agon ― que também é symposium ―,
descobrirá de que modo proferir o seu «canto de todos os cantos»
para que soe único e inconfundível, ou seja, para que soe próprio.
* * *
10
Poema DESTINO DE POETA, incluído neste livro.
72
Si tiene éxito en ese agon ―que también es symposium―, descu-
brirá de qué modo proferir su «canto de todos los cantos» para que
suene único e inconfundible, es decir, para que suene propio.
* * *
10
Poema DESTINO DE POETA, incluido en este libro.
73
na minha escrivaninha ― onde deixo que meus textos lenta-
mente amadureçam ― e publicados na coletânea DEFINIÇÕES
FUNDAMENTAIS11, já mencionada.
Ao lançar-me nesta empreitada ― estimulado, evidente-
mente, pela fervilhante cena literária bilíngue que encontrei
no sul da Península Ibérica12 ―, pretendi ir além das fronteiras
da lusofonia ― território de onde venho e no qual construo
minha obra ― e atingir o vasto mundo cujo idioma comum é
a hermosa língua de Cervantes e de Borges, fincando os pés,
de algum modo, num território híbrido, «para além de Torde-
silhas».
Neste ponto, creio ser oportuno dizer que minha relação
com o idioma espanhol vai um pouco mais longe ― ou mais
para «dentro» ― do que se poderia supor... Meu filho, Gabriel,
nasceu no Uruguai, quando eu servia na Embaixada do Brasil
em Montevidéu, e, até hoje ― já se vão três anos ―, a canção
de ninar com a qual eu o faço dormir, todas as noites, começa
assim:
La loba, la loba
Le compró al lobito
Un calzón de seda
Y un gorro bonito.
La loba, la loba
Vendrá por aquí,
Si este niño lindo
No quiere dormir.
11
Oito deles, inclusive, acompanhados das respectivas traduções para o espanhol,
gentilmente realizadas, daquela feita, pelo professor Pedro Delgado Hernández, do
Instituto Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Neste volume,
todavia, com o fim de preservar a unidade do conjunto, as traduções do professor
Delgado deram lugar às de Manuel Moya.
12
Onde resido, atualmente, exercendo a função de Vice-Cônsul e de Chefe do Setor
Cultural e de Cooperação Educacional do Consulado-Geral do Brasil em Faro (Por-
tugal).
74
en mi escritorio ―y donde dejo que mis textos lentamente ma-
duren― y publicados en la colección DEFINICIONES FUN-
DAMENTALES11, ya mencionada.
Al lanzarme en este empeño ―estimulado, es obvio, por
el efervescente panorama literario bilingüe que encontré aquí,
al sur de la Península Ibérica12 ―, pretendí ir más allá de las
fronteras de la lusofonía ―territorio de donde vengo y en el
cual construyo mi obra― y llegar al vasto mundo cuyo idioma
común es la hermosa lengua de Cervantes y de Borges, fi-
jando los pies, de algún modo, en un territorio híbrido, «más
allá de Tordesillas».
Llegados a este punto, creo oportuno decir que mi relación
con el idioma español va un poco más lejos ―o más para
«dentro»― de lo que se podría suponer… Mi hijo, Gabriel,
nació en Uruguay, cuando yo servía en la Embajada de Brasil
en Montevideo, y, hasta hoy ―ya va para tres años―, la can-
ción de cuna con la cual lo hago dormir, todas las noches, co-
mienza así:
La loba, la loba
Le compró al lobito
Un calzón de seda
Y un gorro bonito.
La loba, la loba
Vendrá por aquí,
Si este niño lindo
No quiere dormir.
11
Ocho de ellos, inclusive, acompañados de las respectivas traducciones al español,
gentilmente realizadas, aquella vez, por el profesor Pedro Delgado Hernández, del
Instituto Río Blanco del Ministerio de Relaciones Exteriores brasileño. En este volu-
men, no obstante, con el fin de preservar la unidad del conjunto, las traducciones
del profesor Delgado dieron lugar a las de Manuel Moya.
12
Donde resido actualmente, ejerciendo la función de Vicecónsul y de Jefe del Sector
Cultural y de Cooperación Educacional del Consulado General de Brasil en Faro
(Portugal).
75
Abrilhantam esta edição: a sensível e inspirada Palavra do
Tradutor, com a qual me presenteou Manuel Moya; a percuciente
e poética Introdução Crítica escrita por Fernando Cabrita, con-
sagrado poeta e ensaísta português; o rigoroso e erudito Prefácio
escrito por Pedro Ferré, vice-reitor da Universidade do Algarve e
professor catedrático de língua e literatura românicas da mesma
instituição; além de uma feliz tradução, para o francês, do meu
poema CANTO DE TODOS OS CANTOS PRÓPRIO, feita pelo
poeta, novelista, ensaísta e tradutor ― também formado em
Medicina ― François Luis-Blanc13. A todos esses amigos, o meu
respeito, a minha admiração e a minha sincera gratidão.
Gostaria, por fim, de registrar um agradecimento especial
ao Embaixador Igor Kipman, atual Cônsul-Geral do Brasil em
Faro, por seu inestimável apoio ― sempre amigo ― e por sua
solidária compreensão das peculiaridades da trajetória exis-
tencial de um poeta que também é diplomata.
Já escrevi em outra ocasião ― mas julgo ser apropriado
repeti-lo ― que os livros e os filhos, uma vez postos no mundo,
seguem caminhos próprios, os quais se tornam, à medida que
o tempo passa, sempre mais independentes de quem os
gerou. E é muito importante que isso aconteça.
Que o advento deste livro seja bem recebido pelos deuses.
Que eles jamais vejam nele qualquer traço de arrogância
ou de afronta a sua beatífica e olímpica perfeição.
Que ele possa ir em paz e tornar-se, para aqueles que vierem
a lê-lo:
76
Realzan esta edición: la sensible e inspirada Palabra del Tra-
ductor con la que me presentó Manuel Moya; la profunda y
poética Introducción Crítica escrita por Fernando Cabrita, con-
sagrado poeta y ensayista portugués; el riguroso y erudito Pre-
facio escrito por Pedro Ferré, vicerrector de la Universidad del
Algarve y profesor catedrático de lengua y literatura románicas
de la misma institución; además de una feliz traducción, al fran-
cés, de mi poema CANTO DE TODOS LOS CANTOS PROPIO,
hecha por el poeta, novelista, ensayista y traductor ―también
formado en medicina― François Luis-Blanc13. A todos esos ami-
gos, mi respeto, mi admiración y mi más sincera gratitud.
Me gustaría, por último, registrar un agradecimiento es-
pecial al Embajador Igor Kipman, actual Cónsul General de
Brasil en Faro, por su inestimable apoyo ―siempre amigo― y
por su solidaria comprensión de las peculiaridades de la tra-
yectoria existencial de un poeta que también es diplomático.
Ya escribí en otra ocasión ―pero juzgo apropiado repe-
tirlo― que los libros y los hijos, una vez puestos en el mundo,
siguen caminos propios, los cuales se tornan, a medida que
el tiempo pasa, siempre más independientes de quien los ge-
neró. Y es muy importante que eso acontezca.
Que el arribo de este libro sea bien recibido por los dioses.
Que ellos jamás vean en él cualquier trazo de arrogancia
o de afrenta a su beatífica y olímpica perfección.
Que pueda ir en paz y tornarse, para aquellos que vinieren
a leerlo:
77
POEMAS
POEMAS
COLEÇÃO DE EPIFANIAS
Para Amanda
80
COLECCIÓN DE EPIFANÍAS
Para Amanda
El dolor de mi finitud.
81
O riso largo do meu filho.
* * *
82
La risa más abierta de mi hijo.
* * *
83
NO TEMPO EM QUE MEU PAI NÃO TINHA FILHOS
No tempo em que meu pai não tinha filhos, o meu avô ainda
era vivo,
Como sombra, como fonte, como marco numa estrada sem
começo.
Rugia uma guerra ao longe que nunca acabou de verdade
E que vazou, em rasgos desconexos, os ecos do presente.
84
EN LOS TIEMPOS EN QUE MI PADRE NO TENÍA HIJOS
86
En la historia que esculpió formas y colores,
En la rigidez locuaz de los monumentos,
En el son de los arrullos y de las marchas,
En los compases de Tardes de Lindoia,
En el serrín de las promesas, en los jugos de los deseos,
En los sagrarios de los fervores reprimidos,
En el contoneo de los biquinis de Ipanema,
En las voces populistas de los caudillos,
En las Navidades proyectadas hacia el porvenir, holográficas
y vanas,
En el profeta siempre equivocado en su tierra y delirante,
como tantos,
En la Capital Macunaíma, brotando sin esquinas en lo rojo
del Cerrado,
En los musicales color-de-rosa de Hollywood,
En la vida siempre renovada de la bossa y en el engaño de
los poetas comprometidos,
En las noches frías de los ya perdidos carnavales,
En el pueril fervor de los visionarios,
En el arribismo del país que se creyó nación,
En el ardor de los sordos por la música del viento,
En el panfletario suicidio del Catete,
En los fragmentos que se dan cita en el poema,
En el vértigo a las alturas, en el anhelo de lo remoto,
En la sequedad de las charlas y en lo menguado de las migajas,
En la tiza que araña la oscuridad de la pizarra y que ilumina
la exactitud de la fórmula,
En el carancho que se harta de foie gras,
En el ángel que se sigue avergonzando por la caída que no fue,
En el agotamiento de los espíritus y en el ocio del coraje,
En la mediocre soledad de la gente y en el silencio
imperdonable de los buenos,
En el presente tan concreto hoy como antaño lo fuera abstracto,
87
Na arte que redime e que sustenta tudo,
Na esperteza da alcateia e na candura do rebanho,
No shalom, no amém, no inshallah, no ahimsa
(Todos vácuos e impossíveis),
Nas pencas de museus redundantes,
Nas imagens invocando iconoclastas,
Num verão apocalíptico e branquíssimo,
De um Deus que é poeta e não geômetra
E que aposta com o Acaso só pra ver-nos confundidos.
* * *
88
En el arte que redime y que todo lo sustenta,
En la astucia de los lobos y en la candidez del rebaño,
En el shalom, en el amén, en el inshallah, en el ahimsa
(Todos vacíos e imposibles),
En los montones de redundantes museos,
En las imágenes que invocan iconoclastas,
En un estío apocalíptico y blanquísimo,
De un Dios poeta y no geómetra
Y que apuesta con el Azar sólo para confundirnos.
* * *
89
DESTINO DE POETA
A Homero, pai de todos nós.
90
DESTINO DE POETA
A Homero, padre de todos nosotros.
91
Ao desfecho curioso da meada,
Ao hiato solitário da evidência.
92
Al deshecho curioso de la intriga,
Al intervalo solitario de la evidencia.
93
Constrói um fosso largo que te guarde
Quer da troça, quer do encômio,
E te afasta da vertigem da retórica.
* * *
94
Construye un ancho foso que te guarde
Ya sea de la burla, como del encomio,
Y apártate del vértigo de la retórica.
* * *
95
PRESENTE DE NATAL
A todos nós
* * *
96
REGALO DE NAVIDAD
A todos nosotros
* * *
97
ENCONTRO ANTIGO EM SINTRA
Ao Jorge
Sinto-te cansado,
Muito cansado,
Exausto mesmo,
Apesar da rapidez com que te afastas de mim.
98
ENCUENTRO ANTIGUO EN SINTRA
A Jorge
Te veo cansado,
Muy cansado,
Incluso exhausto,
A pesar de la rapidez con que te alejas de mí.
99
Abaixas a cabeça,
Desvias o olhar,
Pareces envergonhado…
O que te faz corar assim, de um modo que nunca vi?
100
Bajas la cabeza,
Desvías la mirada,
Pareces avergonzado…
¿Qué te hace ponerte tan colorado, de un modo que nunca
he visto?
101
Fica sossegado:
Fingirei que não vi.
* * *
102
Tú tranquilo:
Fingiré que no lo he visto.
* * *
103
RESPOSTA: JÓ.
As angústias, alargadas.
Os medos, descoloridos.
As invejas e os rancores feitos pó
(E, ao pó, rendidos).
Desarmado o sofrimento,
Veio a calma concentrada
Do silêncio que revela
As ranhuras da existência
E os recheios das palavras
Com que sonham os sentidos do Sem-Nome.
Respirei, aliviado,
Destapei os meus espelhos,
E, sem cinzas nos cabelos,
Fui viver a minha história
Com um passo decidido.
* * *
104
RESPUESTA: JOB.
Desarmado el sufrimiento,
Vino la calma concentrada
Del silencio que revela
Las grietas de la existencia
Y los rellenos de las palabras
Con las que sueñan los sentidos del Sin-Nombre.
En un deslumbrante ocaso,
Donde he querido no querer más,
Me di cuenta del engaño
De quien se propone cambiar su destino.
* * *
105
CANTO SEM DATA
A minha Arcádia celeste
106
CANTO SIN FECHA
A mi Arcadia celeste
107
Vazias, por fim, de tanta gente,
Mas cheias de deuses confiantes
Que cantam e dançam em volta dos altares
Que o peso dos séculos sagrou,
De ninfas que se escondem no arvoredo,
De faunos que as perseguem sem cessar,
De mitos tornados aforismos
Que são, hoje, a minha pele, a minha carne e a minha essência,
Conformando enigmática trindade.
108
Vacías, al fin, de tanta gente,
Pero llenas de dioses confiados
Que cantan y bailan alrededor de los altares
Que el peso de los siglos ha consagrado,
De ninfas que se esconden tras el follaje,
De faunos que las persiguen sin descanso,
De mitos que se han vuelto aforismos
Que son, hoy, piel mía, carne mía y mi propia esencia,
Formando una enigmática trinidad.
109
Ó castas fontes das minhas primícias,
Ó rios subterrâneos da infância,
Soube manter-vos claros, apesar dos meus pecados,
Soube manter-vos limpos,
Soube manter-vos férteis,
Prontos a parirem outras águas,
Ventres abertos aos sonhos das crianças!...
110
¡Oh castas fuentes de mis primicias,
Oh ríos subterráneos de la infancia,
Supe manteneros claros, a pesar de mis pecados,
Supe manteneros limpios,
Supe manteneros fértiles,
Dispuestos a parir otras aguas,
Vientres abiertos a los sueños de los niños!...
111
(Enquanto isso, queria crer, para entender
As fibras das minúsculas mentiras que sustentam o mundo,
O jeito rude das areias que recobrem as praias virgens,
A lisura dos seixos que rolam sem ter medo de cair,
A crueldade das paixões que nunca foram nem serão,
A justa ideia que terei da vida quando estiver a ponto de
morrer.)
112
(Mientras, querría creer, para entender
Las fibras de las minúsculas mentiras que sustentan el mundo,
La forma ruda de las arenas que cubren las playas vírgenes,
La lisura de los cantos que ruedan sin miedo a la caída,
La crueldad de las pasiones que no fueron ni serán,
La justa idea que tendré de la vida cuando esté a punto de
morir.)
113
A lágrima extraída de um abismo:
* * *
114
La lágrima extraída de un abismo:
* * *
115
SAGRES SÃO
116
SAGRES SON
Além do mar,
O promontório é soleira,
O ignoto é passagem
O céu baço, templo santo
De Ocidentes angustiados que anoitecem no futuro.
Além do mar,
Com as palavras de uma língua quase morta,
Vazo em sangue a minha saga,
Puro extrato da vontade
Posta a seco em versos limpos,
Que transbordam, sem remorso, das Colunas de Hércules.
Além do mar,
Cresço e nasço no clarão da aurora,
Cavalgando Pégaso,
Emulando Apolo,
Desafiando Zeus,
E cerro os olhos, decidido, para enfrentar o Fado
(Que o bom fado só se canta com os olhos bem fechados).
* * *
118
Más allá del mar,
Enanos mestizos roban el oro de otros ríos,
Y más de una Ilíada aguarda aún a su Homero,
Y un pequeño Parsifal juega y ríe con el Grial.
* * *
119
FEUILLES MORTES
* * *
120
FEUILLES MORTES
* * *
121
GRATIA PLENO
A Rubens Ricupero
122
GRATIA PLENO - (LLENO DE GRACIA)
A Rubens Ricupero
123
Hoje, porém, a minha alma não está mais à venda:
Despedi as carpideiras,
Adiei a visita da morte,
Aproveito de outro modo o tempo breve desta Terra.
124
Hoy, sin embargo, mi alma ya no está en venta:
He despedido a las plañideras,
He aplazado la visita de la muerte,
Aprovecho de otro modo el breve tiempo de esta Tierra.
125
E por estar assim tão alto,
Disputo com o Nada
Um desafio sem limites:
* * *
126
Y es por estar así de alto,
Que disputo a la Nada
Un desafío sin límites:
* * *
127
ROMPENDO EM FADO
A Amália Rodrigues
128
ROMPIENDO EN FADO
A Amália Rodrigues
129
Que outros cantem em arabescos rebuscados,
Em resmas de versos perfeitos,
Rigorosos como a morte,
E que exalam um hermetismo de fachada.
130
Que otros canten en rebuscados arabescos,
En hileras de versos perfectos,
Rigurosos como la muerte,
Y que exhalan un hermetismo de fachada.
131
Rio do Deus que, hoje, chora,
Porque, um dia, riu-se de mim,
Sem saber que, sendo nada,
Sou menos que qualquer coisa
E menor que tudo o mais.
A não ser por meu humor,
Que me salva do vexame
De existir sem mesmo ser.
132
Me río del Dios que hoy llora,
Porque, un día, Él se rio de mí,
Sin saber que, siendo nada,
Soy menos que cualquier cosa
Y más pequeño que todo lo demás.
A no ser por mi humor,
Que me salva del ridículo
De existir sin acabar de ser.
133
Nessa alma renascida, sem gemido,
Volta a História a ser mais farsa do que Mito:
Na esperança e na alegria morre o fado.
* * *
134
En esa alma renacida, sin gemido,
Vuelve la Historia más como farsa que como Mito:
En la esperanza y en la dicha muere el fado.
* * *
135
OSTRACISMO
Molusco friorento,
Contemplo nostálgico
O perfil da antiga concha
Que hesita e afunda
Nas entranhas de Oceano.
* * *
136
OSTRACISMO
Molusco friolento,
Contemplo con nostalgia
El perfil de la vieja concha
Que duda y se hunde
En las entrañas de Océano.
* * *
137
ONTEM À NOITE
* * *
138
AYER NOCHE
* * *
139
ABELARDO
JE T’AIME MOI NON PLUS
HELOÍSA
O desejo de Abelardo,
A paixão de Heloísa.
Ele, na flor da Média Idade,
Ela, na idade da flor.
Dores cosidas no hábito:
Fogo in pectore.
Cartas trocadas por saliva:
Roman de la Rose…
140
ABELARDO
JE T’AIME MOI NON PLUS
HELOÍSA
El deseo de Abelardo,
La pasión de Eloísa.
Él, en la flor de la Media Edad,
Ella, en la edad de la flor.
Dolores cosidos en el hábito:
Fuego in pectore.
Cartas intercambiadas por saliva:
Roman de la Rose…
141
As canções dos trovadores,
As bravuras dos combates,
As paixões dos eruditos,
As fraquezas dos epígonos,
E os espaços das estantes de alfarrábios numerosos.
Perdeu-se Heloísa,
Nasceu Astrolábio:
Filho unigênito, concreto e palpável,
Bem distante das disputas teológicas
E dos anjos que se apertam sobre a ponta de uma agulha.
142
Las canciones de los trovadores,
Las heroicidades de los combates,
Las pasiones de los eruditos,
Las flaquezas de los epígonos,
Y los espacios en las baldas de gruesos libros antiguos.
Se ha perdido Eloísa,
Ha nacido Astrolabio:
Hijo unigénito, concreto y palpable,
Alejado siempre de las disputas teológicas
Y de los ángeles que se aprietan sobre la punta de una aguja.
143
Contemplando o perfeito silogismo,
Que a pele não provoca nem excita,
Que afirma a negação da negação,
Que grita o mandamento do Pastor:
«Culpai-vos, criativos, como eu vos culpei.»
* * *
144
Al contemplar el perfecto silogismo,
Que la piel ni provoca ni excita,
Que afirma la negación de la negación,
Que grita el mandamiento del Pastor:
«Culpaos, creadores, como yo os culpé».
* * *
145
DESPERTAR
* * *
146
DESPERTAR
* * *
147
DE FAUSTO ME VISTO
148
DE FAUSTO ME VISTO
149
Dos segredos da poesia
Aos abismos esotéricos.
150
De los secretos de la poesía
A los abismos esotéricos.
151
Fez-se em cinzas o Valhala,
Aplainou-se o Monte Olimpo,
Explodiram as supernovas,
Dissolveram-se os quarks:
Restou-me a Fênix sorrindo no Atanor.
* * *
152
Se ha convertido en cenizas el Valhala,
Se ha allanado el Monte Olimpo,
Han explotado las supernovas,
Se han disuelto los quarks:
Sólo me ha quedado el Ave Fénix que sonríe en el Atanor.
* * *
153
MISSÃO
* * *
154
MISIÓN
* * *
155
POEMA PORTUGUÊS
A Fernando Pessoa
* * *
156
POEMA PORTUGUÉS
A Fernando Pessoa
* * *
157
RECORDARE
A Renato Prado Guimarães
(Entrementes:
Criei laços que cortei incomodado,
Esbarrei com galantes perfumados
No abafado das latrinas dos palácios,
E toquei nas suas almas: quantos vãos!
Fui reflexo nas baixelas dos banquetes,
No congelado dos lagos,
No olhar das namoradas,
No vazio das conversas.
Calei-me sempre que pude,
Mas disse o que não devia.
158
RECORDARE
A Renato Prado Guimarães
(Mientras:
He ido creando lazos que, incómodo, hube de cortar,
He tropezado con perfumados petimetres
En las sofocantes letrinas palaciegas,
Y he tocado en sus almas: ¡cuánta vanidad!
Me he visto reflejado en las vajillas de los banquetes,
En el hielo de los lagos,
En la mirada de las novias,
En el hueco de las conversaciones.
Me callé siempre que pude,
Pero acabé por decir lo que no debía.
159
Fui criança,
Desconsolo,
Turbilhão,
Inquietude.)
160
He sido niño,
Desconsuelo,
Torbellino,
Inquietud.)
161
Epitáfio sinuoso:
«De braços com o velho tempo,
Gozo agora a madrugada,
Sabendo que o novo dia
Vai encontrar-me outro:
Pedra, planta, inseto ou passarinho.
E a vida continuará
(No avesso do seu fluxo)
A celebrar o mito.»
* * *
162
Epitafio sinuoso:
«Abrazado con el viejo tiempo,
Disfruto ahora de la madrugada,
Sabiendo que el nuevo día
Va a encontrarme otro:
Piedra, planta, insecto o pajarillo.
Y la vida seguirá
(En el envés de su flujo)
Celebrando el mito».
* * *
163
SONETO ROMÂNTICO
A Vinicius de Moraes
* * *
164
SONETO ROMÁNTICO
A Vinicius de Moraes
* * *
165
CANTO DE TODOS OS CANTOS PRÓPRIO15
15
Uma tradução, para o francês, deste poema pode ser encontrada no APÊNDICE
da presente coletânea.
166
CANTO DE TODOS LOS CANTOS PROPIO15
15
Una traducción, al francés, de este poema se puede encontrar en el APÉNDICE de
esta colección.
167
Por que a pressa indelicada destes dias?
Por que a fúria assim deselegante?
Por que a gana de mover-se o tempo todo,
E de guardar tantos recuerdos,
E de fazer tanto barulho?
Se um sol hippie ainda banha os gramados de Berkeley,
Se um céu firme ainda abraça o deserto de Sonora,
Se o brilho antigo ainda escorre dos museus de França,
Se a velha Roma é para sempre, se a velha Roma sempre
foi,
Se os sonhos amplos de Alexandre ainda esperam por
vingar,
Se a força imensa do Corso ainda faz vibrar a Europa,
Se na Antártida, imponente, a solidão resiste ao século,
pelo menos por enquanto,
Se o Amazonas regurgita, sem parar, a água imensa,
Que é lodo feito vida, como o barro que resume todos
nós...
168
¿A qué la prisa indelicada de estos días?
¿A qué la furia tan sin elegancia?
¿A qué esas ganas de andar moviéndose todo el rato,
Y de guardar tantos recuerdos,
Y de hacer tanto ruido?
Si un sol hippie riega los jardines de Berkeley todavía,
Si un cielo firme abraza aún el desierto de Sonora,
Si el brillo antiguo se escurre todavía por los museos de
Francia,
Si la antigua Roma lo sigue siendo para siempre,
si la antigua Roma siempre ha sido,
Si aún los grandes sueños de Alejandro esperan hacerse
realidad,
Si aún la fuerza inmensa del Corso hace vibrar Europa,
Si en la Antártida, imponente, la soledad resiste a los
siglos, al menos por ahora,
Si el Amazonas regurgita, sin parar, su caudal inmenso,
Que es fango hecho vida, como el barro que nos resume a
todos nosotros…
169
Quando, incauto, construí o asno enorme de madeira,
Que enciumou tanto Odisseu (e até mesmo Pandora...):
Nele guardei só as verdades evidentes
Que já ninguém era capaz de compreender.
170
Cuando, incauto, construí el asno enorme de madera,
Que tantos celos diera a Ulises (e incluso a Pandora…):
En él sólo he guardado las verdades evidentes
Que ya nadie ha sido capaz de comprender.
171
Sua esperteza desafiava os mais sabidos,
Pois transformava a realidade em brincadeira
E a brincadeira novamente em realidade,
E essa mistura apimentada, em ironia,
E em sonho louco recheado de tristeza,
Revelando, sutilmente, a essência do Brasil.
172
Su astucia desafiaba a los más sabios,
Convirtiendo la realidad en una broma
Y la broma de nuevo en realidad,
Y esta mezcla sazonada, en ironía,
Y en sueño loco relleno de tristeza,
Revelaba, sutilmente, la esencia de Brasil.
173
Mas, hoje, não.
Hoje eu quero me encontrar com os gênios loucos,
E me perder no cinzento de Dublin,
E me afundar no verde-escuro de Veneza,
E degustar o ouro velho de Sintra,
E cochilar no azul profundo de Capri,
E recompor o preto e branco de Ipanema,
Que descorou há muito tempo.
174
Pero, hoy, no.
Hoy quiero toparme con los genios locos,
Y perderme en lo ceniciento de Dublín,
Y zambullirme en lo verde oscuro de Venecia,
Y degustar el oro viejo de Sintra,
Y dormitar en el azul profundo de Capri,
Y rehacer lo negro y lo blanco de Ipanema,
Que se volvió pálido hace tanto tiempo.
175
Vem colorir a minha sina com arcanos,
Vem sacudir a minha honra amancebada,
A minha sede embolorada de aventuras,
O meu desejo de Orientes impossíveis
E de juízos redentores sem perdão.
176
Ven a colorear mi sino con arcanos,
Ven a sacudir mi honra amancebada,
Mi sed enmohecida de aventuras,
Mi deseo de Orientes imposibles
Y de juicios redentores sin perdón.
177
Ó heréticos do mundo,
Ó filhos do desterro,
Tende piedade dos que rolam pela vida,
Dos que se fartam do banal e do grosseiro,
Dos que cedem ao clamor da populaça,
Dos que gozam de prazeres vãos,
Dos que são partos para o nada,
Dos que são rotas para o nunca.
Epitáfio:
No espaço imenso que contorna as cordilheiras do futuro,
O cheiro limpo dos estábulos e das primícias ofertadas
Despertou, do sonho eterno, as sete deusas do Hélicon
E as antigas sibilas que dormiam na Campânia.
E o poema recriou, de cima abaixo, um excesso de universos,
Bem mais vastos, bem mais fortes, bem mais aleatórios.
* * *
178
Oh herejes del mundo,
Oh hijos del destierro,
Tened piedad de los que ruedan por la vida,
De los que se hunden en lo banal y en lo grosero,
De los que ceden al clamor del populacho,
De los que gozan con vanos placeres,
De los que son paridos para nada,
De los que son rutas para el jamás.
Epitafio:
En el espacio inmenso que circunda las cordilleras del futuro,
El olor limpio de los establos y de las primicias ofrecidas
Ha despertado, del sueño eterno, a las siete diosas del Helicón
Y a las antiguas sibilas que dormitaban por la Campania.
Y el poema recreó, de arriba abajo, un exceso de universos,
Bastante más vastos, bastante más fuertes, bastante más
aleatorios.
* * *
179
JARDIM JAPONÊS
* * *
180
JARDÍN JAPONÉS
* * *
181
TERCEIRO DIA
182
TERCER DÍA
183
E, liberto dos andrajos pegajosos,
Subirei, para os céus, iluminado
Pela chama cujo brilho não se extingue,
Agregando a minha nota pessoal
Ao concerto harmonioso das estrelas,
Onde fui, serei e sou eterno e uno,
E a minha Obra, concluída, gozarei.
* * *
184
Y, libre ya de los andrajos pegajosos,
Ascenderé a los cielos, iluminado
Por la llama cuyo brillo no se extingue,
Añadiendo mi nota personal
Al concierto armonioso de las estrellas,
Donde he sido, soy y seré eterno y uno,
Y mi acabada Obra gozaré.
* * *
185
DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS
186
DEFINICIONES FUNDAMENTALES
187
A morte são sinfonias magníficas
Tocadas para ninguém.
* * *
188
La muerte son sinfonías magníficas
Tocadas para nadie.
* * *
189
RÉQUIEM
Alonga-te,
Repousa a cabeça,
Não te revoltes:
Teu fim chegou.
Sê, para ele, um leito confortável.
Parte, mudo,
Como as pedras permanecem.
190
RÉQUIEM
Estírate,
Descansa la cabeza,
No te rebeles:
Ha llegado tu fin.
Sé para él un lecho confortable.
Márchate en silencio,
Al igual que las piedras permanecen.
191
A cada emoção,
A cada deus.
Não te lamentes.
Não faças drama.
* * *
192
A cada emoción,
A cada dios.
No te lamentes,
Ni crees drama alguno.
* * *
193
ÉTAT DES LIEUX
Cansados da vida,
Pousamos os corpos à espera do Messias
Que promete o esquecimento.
Repetimos, orgulhosos,
Que nascemos do nada,
Que morremos por nada,
Que vivemos para nada,
E damos graças por isso.
194
ÉTAT DES LIEUX - (HACER BALANCE)
Cansados de la vida,
Abandonamos los cuerpos a la espera del Mesías
Que promete el olvido.
Repetimos, orgullosos,
Que nacemos de la nada,
Que moriremos por nada,
Que vivimos para nada,
Y por todo eso damos las gracias.
195
Cruzados ao avesso,
É nas barras das mortalhas de crianças sem sorriso
Que folgamos solidários e coesos.
* * *
196
Cruzados al revés,
Es en los bordes de las mortajas de los niños sin sonrisa
Que reposamos solidarios y unidos.
* * *
197
PEQUENA FÁBULA PRA EU-MENINO
A Mário Quintana
198
PEQUEÑA FÁBULA PARA EL NIÑO QUE FUI
A Mário Quintana
(A decir verdad,
Hubo una suerte de tiempo, que fue su pensamiento,
Y una suerte de espacio, que fue su sentimiento.)
199
A ideia de peixe, por exemplo,
Misturava-se à de casa,
E à de um pôr de sol bonito,
E à de saudades que machucam,
E à de noites tão escuras em que a própria noite dorme,
E à de um sorvete gostoso que ninguém quer que se acabe,
E à do mar quando se quebra barulhento e livre,
E à de um menino levado, de pés e alma descalços,
E à de um sorriso bem branco que chega quase a cegar,
E à de um foguete veloz, que corta o céu impassível,
E à de gramados que brilham sob um sol de verão alto,
E à de tardes em que os olhos se renovam no poema mais
querido,
E à de cochichos com as mentes de gênios mortos,
(As únicas que valem a pena),
E à de amigos do peito, que são raros como a fé,
E à de penas bem verdinhas de um risonho bem-te-vi.
Se o nevoeiro se alegrava,
Enfeitando o coração com bandeiras coloridas,
O espaço se expandia à sua volta
(Ou dentro dele, não sei bem...),
E se abria dando ramos,
E folhagens espessas,
E flores perfumadas,
E frutas que ficavam flutuando,
Até sumirem atrás das nuvens,
Como formas sem recheio.
200
La idea de pez, por ejemplo,
Se mezclaba con la de casa,
Y con la de una bonita puesta de sol,
Y con la idea de saudades que golpean,
Y con la de noches tan oscuras que hasta la propia noche
duerme,
Y con la de un rico sorbete que nadie quiere que acabe,
Y con la del mar cuando se rompe bullicioso y libre,
Y con la de un chico indomable de pies y alma descalzos,
Y con la de una sonrisa muy blanca que podría llegar a cegar,
Y con la de un cohete veloz, que corta el cielo impasible,
Y con la de prados que brillan bajo un sol alto del verano,
Y con la de tardes en las que los ojos se renuevan en el poema
más querido,
Y con la de calandrias con la mente de genios ya muertos,
(Las únicas que valen la pena),
Y con la de amigos del alma, que son raros como la fe,
Y con la de penas bien reverdecidas de un risueño
bien-te-veo.
Si la niebla se alegraba
Revistiendo el corazón con banderolas vistosas,
El espacio se expandía a su alrededor
(O dentro de ella, no lo sé muy bien...),
Y se abría en ramas,
En espeso follaje,
Y en flores perfumadas,
Y en frutos que quedaban fluctuando,
Hasta quedar sumidos tras las nubes,
Como formas sin relleno.
201
E ficava cor de chumbo como se fosse chover,
E todo o nada se apertava bem juntinho
Até ficar pequenininho,
Como cabeça de alfinete
Ou amante envergonhado.
202
Y se ponía ceniciento como si se echara a llover,
Y toda la nada se apretaba tanto
Hasta quedarse casi en nada,
Como cabeza de alfiler
O amante avergonzado.
Lo que sé (y no sé cómo...),
Es que en el fondo, muy en el fondo,
De su pecho de algodón,
Había un inmenso deseo
De ser un poco más clara,
Un poco más nítida,
De separar esto de aquello, y aquello de esto.
Con cada cosa en su sitio, consciente, en su lugar
(Ni que tuviera que crear un lugar para cada cosa).
203
E o nevoeiro repetia, como um mantra,
Quatro versinhos que aprendera com o vento
(Que soprava onde queria
E que era sábio porque vão):
«Eu e ele uma só coisa,
Uma coisa só, sozinha.
Ele e eu a mesma coisa,
A coisa mesma, só.»
E o nevoeiro, já sumindo,
Percebeu que era bom.
E ele, então, descansou.
Final do Primeiro dia.
* * *
204
Y la niebla repetía, como un mantra,
Cuatro versos que aprendió del viento
(Que soplaba donde le daba la gana
Y que era sabio por ser vano):
«Él y yo una sola cosa,
Sólo una cosa, sola.
Él y yo la misma cosa,
La misma cosa, sólo».
* * *
205
CIÚME
* * *
206
CELOS
* * *
207
VERDADE VERDADEIRA
E o poeta,
Que transforma fato em mito (e vice-versa),
Que é mestre nas astúcias da ilusão,
Sabe disso,
208
VERDAD VERDADERA
Y el poeta,
Que transforma el hecho en mito (y viceversa),
Que es maestro en las argucias de la ilusión,
Sabe de eso,
209
Ri-se disso,
Pisca o olho,
E vai dormir com as musas.
* * *
210
Se ríe de eso,
Guiña el ojo,
Y se va a dormir con las musas.
* * *
211
CUMPLEAÑOS
(E eu me pergunto:
«No barulho do vento,
Quantos mistérios navegam
Quando a noite é vastidão do espanto?
No oco da madrugada,
Quantas almas santas sonham
Quando o leito em fogo
Recupera do remorso o aparente corpo?
No aconchego da morte,
Quantos anseios são fartos
Quando o incerto é necessário,
E o destino se confunde com a vontade?»)
212
CUMPLEAÑOS
(Y me pregunto:
«En el bullir del viento,
¿Cuántos misterios navegarán
Mientras es la noche vastedad del espanto?
En el vacío de la madrugada,
¿Cuántas almas santas soñarán
Mientras el lecho en llamas
Recupera del arrepentimiento el aparente cuerpo?
Al amparo de la muerte,
¿Cuántos anhelos son satisfechos
Mientras lo incierto se convierte en necesario,
Y el destino se confunde con la voluntad?»)
213
Sou tudo e nada ao mesmo tempo,
E muito me orgulho de assim permanecer.
* * *
214
Todo y nada al mismo tiempo,
Y me llena de orgullo seguir así.
* * *
215
RESPONSO DE SÃO GABRIEL
216
RESPONSO DE SAN GABRIEL
217
A ti me entrego, meu pequeno,
A ti me rendo, meu anjinho,
No gozo certo da futura anunciação.
* * *
218
A ti me entrego, mi niño,
A ti me rindo, angelito mío,
En el gozo verdadero de la futura anunciación.
* * *
219
MAS EXISTE
220
PERO EXISTE
221
De escancarar a vastidão dos oceanos,
De preencher de elegias os desertos,
E de gozar sonhos afora pelas tardes,
Aninhando melodias no recesso de pinturas,
Deduzindo sentimentos do rigor das equações,
Colorindo teoremas com as verdades da fé,
E fervendo tudo isso num profundo caldeirão,
Desejoso do chiado das borbulhas,
Que se elevam, graciosas, da matéria descosida,
E dão voz, inda que falsa, à ilusão da realidade,
Resgatando cada ente sonolento
Do severo anonimato dos princípios.
* * *
222
De abrir de par en par la vastedad de los océanos,
De rellenar de elegías los desiertos,
Y de ir disfrutando sueños por las tardes,
Anidando melodías en el hueco de las pinturas,
Deduciendo sentimientos de ecuaciones rigurosas,
Coloreando teoremas con las verdades de la fe,
E hirviendo todo eso en un profundo caldero,
Deseoso del sonido de las burbujas,
Que se elevan, graciosas, de la materia descosida,
Dando voz, aunque falsa, a la ilusión de la realidad,
Rescatando cada ente somnoliento
Del severo anonimato de los principios.
* * *
223
BALANÇO
Em estrita obediência
À necessária ordem do acaso,
Sigo o meu caminho (assim como todos)
Cumprindo uma etapa precisa, justa e real,
A cada simbólica alvorada.
224
BALANCE
En estricta obediencia
Al necesario orden del acaso,
Sigo mi camino (como hacen todos)
Cumpliendo una etapa precisa, justa y real,
En cada simbólica alborada.
Me sé perfectamente imperfecto,
Completamente incompleto,
Y, aun así, a pesar de todo,
Humanamente sereno cuando los dioses no me tientan.
225
No meio dessa dualidade,
Anterior a qualquer aparente unicidade
(Que é, por sua vez, anterior a qualquer dualidade
preexistente),
Perco-me em paradoxos
E amanheço esquartejado como Dionísio.
Busco-me,
E só encontro falta de mim.
Relembro-me,
E tudo o que me vem à mente
São pedaços por demais fragmentários,
Retalhos sem nenhuma nitidez.
* * *
226
En medio de esa dualidad,
Previa a cualquier aparente unicidad
(Que es, a su vez, previa a cualquier dualidad preexistente),
Me pierdo en paradojas
Y amanezco descuartizado como Dionisio.
Me busco
Y encuentro sólo la falta de mí,
Me recuerdo,
Y todo cuanto me viene a la mente
Son los trozos por demás fragmentarios,
Sin nitidez alguna.
* * *
227
DESAFIO
* * *
228
DESAFÍO
* * *
229
CONFISSÃO
Eu sou o que foi homem, e foi mulher, e foi tudo por inteiro,
O que enfrentou os persas em Plateia,
O que sentiu o hálito de Brahma,
O que brincou com os éons,
O que vibrou com as ondas,
O que sonhou nirvanas.
230
CONFESIÓN
231
O que encantou as musas como Orfeu,
O que errou seguro como Dédalo,
O que amparou Maria,
O que emulou Pilatos.
232
Quien a las musas encantó como Orfeo,
El que falló como Dédalo,
El que amparó a María,
Quien emuló a Pilatos.
233
Recriando o coração
As dores fundas que vivera.
* * *
234
Recreando el corazón
A los dolores profundos que viviera.
* * *
235
PROMETEU ACORRENTADO
236
PROMETEO ENCADENADO
237
Eu queria ir-me agora e voltar logo depois,
Como o faço a cada ciclo,
Anulando a forma e o peso
Dos instantes redundantes
Que abarrotam a memória.
238
Querría irme ahora y regresar más tarde,
Como lo hago en cada ciclo,
Anulando forma y peso
De los instantes redundantes
Que colman la memoria.
Atado a la piedra,
Rodeado por buitres,
Sin poder hacer nada,
Cuento los días sin sentido de la gente
Y el vacío de sus pequeños proyectos,
Estampado en colores saltones
En el pecado esencial de cada ser.
239
Pois a manhã é somente promessa,
A noite, mistério inconsútil,
E o sono,
Nobre morte que se sonha sem dormir.
* * *
240
Pues la mañana es sólo una promesa,
La noche, un misterio inconsútil,
Y el sueño,
Esa noble muerte que se sueña sin dormir.
* * *
241
BUCHENWALD
242
BUCHENWALD
243
E os corpos pesando como chumbo.
E os corpos calando-nos a todos.
E os corpos fazendo-nos humanos.
(A cada um o fardo merecido.)
* * *
244
Mientras los cuerpos pesan como plomo,
Mientras los cuerpos nos callan a todos.
Mientras los cuerpos nos convierten en humanos.
(A cada cual el fardo que merece.)
* * *
245
CIUDAD VIEJA
À cidade de Montevidéu
(A roda do destino,
Que cria e enterra cada ideia,
Que nina e mata cada ente,
Que ergue e afunda cada anelo,
Que se ri das decisões irrevogáveis,
Jazia ao lado, congelada pela História.)
246
CIUDAD VIEJA
A la ciudad de Montevideo
247
Nos cartazes descascados sobre os muros
As cores se misturavam,
As formas se sobrepunham,
Sem saber se ali ficavam ou se partiam.
Tudo, em volta, eram desastres grandiosos
E a vingança que viceja nas feridas do orgulho.
248
En los rasgados carteles en los muros
Se mezclaban los colores,
Se solapaban las formas,
Sin saber si allí quedaban o se iban.
En torno suyo era todo un gran desastre
Y la venganza que brota por las heridas del orgullo.
249
Cada sábia decisão,
Cada mágoa descartada,
Cada nota imprescindível,
A volúpia do começo e o desespero do fim.
(Sofri, por isso, a dor dos partos inconclusos.)
Olhei o Prata
Com o seu brilho lamacento,
Com as suas rugas brancas,
Que lembram a prata,
Mas são de chumbo.
250
Cada sabia decisión,
Cada tristeza descartada,
Cada nota imprescindible,
La voluptuosidad del inicio y la desesperanza del fin.
(He sufrido, así, el dolor de los partos inconclusos.)
Miré el Plata
Con su fangoso brillo,
Con sus arrugas blancas,
Que parecen plata
Aun siendo de plomo.
251
Rumo aos ventos tormentosos do futuro,
Que já varriam a Rambla,
E concluí que tudo estava certo.
* * *
252
Hacia los vientos tormentosos del futuro,
Que ya barrían la Rambla,
Y concluí que todo era verdad.
* * *
253
POEMA ORIENTAL
A Jorge Luis Borges
Desertos,
Areias ferventes,
Castelos de areia que se dobram
Ao vento dos desertos.
Água preciosa,
Raro marfim,
Carrossel de safiras,
Purgatório de almas,
Murmúrio de apócrifos,
Tábuas sagradas,
Antigas leis,
Ditos perfeitos,
Palimpsestos,
Mil e uma noites pelas tardes postas
Como um lance de dados, ao acaso, sobre a alfombra,
Como a insônia de corcovas oscilantes
No longínquo verde-claro das marés,
Como o dia luminoso do batismo
Com a fé dos sonhos
E água preciosa.
254
POEMA ORIENTAL
A Jorge Luis Borges
Desiertos,
Arenas hirvientes,
Castillos de arena que se doblan
Con el viento de los desiertos.
Agua preciosa,
Exquisito marfil,
Carrusel de zafiros,
Purgatorio de almas,
Murmullo de apócrifos,
Tablas sagradas,
Leyes antiguas,
Refranes perfectos,
Palimpsestos,
Mil y una noches por las tardes dispuestas
Como una partida de dados, al azar, sobre la alfombra,
Como el insomnio de jorobas oscilantes
En el lejano verde claro de las mareas,
Como el día luminoso del bautismo
Con la fe de los sueños
Y el agua preciosa.
255
Obediência cega
De cortar os pulsos
No silêncio
De romper o ventre.
Meditação passagem para a morte.
Terra abençoada
Onde não há frescor,
Somente aceitação.
Recordação de dádivas
E de sacrifícios a seis milhões de deuses,
Ou a nenhum,
Ou a um só (que está longe).
Terra de gente morta
E de cultura viva.
Cansaço da presciência dos séculos.
Abismo e paz que é nada,
Que vem do nada,
Que vale tudo,
Que custa tudo,
E mais que tudo:
Obediência cega.
Levante sonolento.
Levante de beiradas,
De fins de mundo,
De limites
E de supostos epílogos.
(Que sempre renascem
Para além dos poemas
E do pó dos rios.)
Aurora que se eleva
Ao tempo em que mergulham os brilhos do Ocidente,
Anoitecidos e gastos.
256
Obediencia ciega
De cortar los pulsos
En el silencio
De romper el vientre.
Meditación pasaje hacia la muerte.
Tierra bendecida
Donde no hay frescura,
Sólo aceptación.
Recuerdo de las ofrendas
Y de los sacrificios a seis millones de dioses,
O a ninguno,
O acaso a uno solo (y lejano).
Tierra de gente muerta
Y de viva cultura.
Cansancio por la predestinación de los siglos.
Abismo y paz que es nada,
Que viene de la nada,
Que todo vale,
Que todo cuesta,
Y por encima de todo:
Obediencia ciega.
Levante somnoliento.
Levante de los márgenes,
De los fines del mundo,
De los límites
Y de supuestos epílogos.
(Que siempre renacen
Más allá de los poemas
Y del polvo de los ríos.)
Aurora que se eleva
Justo cuando se sumergen los brillos de Occidente,
Anochecidos y ajados.
257
Férteis crescentes,
Cordilheiras adormecidas,
Vazias moradas de eternos seres...
Silenciosa proliferação de corpos,
De gentes,
De universos,
Que por mais barulho que façam
E por mais línguas que ressoem
Não perturbam nunca
O transe oriental,
A monumental quietude,
O Levante sonolento.
* * *
258
Fértiles crecientes,
Cordilleras dormidas,
Moradas vacías de seres eternos...
Silenciosa proliferación de cuerpos,
De gentes,
De universos,
Que por más ruido que hagan
Y por más lenguas que resuenen
Nunca perturbarán
El trance oriental,
La monumental quietud,
El Levante somnoliento.
* * *
259
BOAS NOVAS
A Hesíodo
260
BUENAS NUEVAS
A Hesíodo
261
Que travaram, com firmeza,
As pernas de Alcmena,
Não deixando que parisse.
262
Que cerraban con firmeza,
Las piernas de Alcmena,
No dejándola parir.
263
Veio ao mundo, o Gabriel,
Num vinte e seis de fevereiro,
Aniversário do meu pai
(Então já falecido),
Sob o signo de Peixes,
De frente pro Rio da Prata,
Às portas do Carnaval,
Com os ecos do Candombe
Despertando Montevidéu...
* * *
264
Vino al mundo Gabriel,
Un veintiséis de febrero,
Aniversario de mi padre
(Ya fallecido entonces),
Bajo el signo de Piscis,
Frente al Río de la Plata,
A las puertas del Carnaval,
Con los ecos del Candombe
Despertando a Montevideo...
* * *
265
APÊNDICE / APÉNDICE
267
Je contemple la chute de Lucifer et la douleur de Prométhée.
Je contemple les serres des Bacchantes déchiquetant Dyonisos
Et versant le sang rare du principe désiré.
268
Au pied des saints, sur l’autel antique,
Qui fut même un musée, qui est ce jour simple mémoire,
Je m’agenouille, confiant et recueilli,
Pour demander, à nouveau, la force des martyrs,
Qui nous permet de supporter les certitudes
De tant de «gens importants» aux manières affectées,
Qui se croient plus savants que tout le monde,
Qui se rengorgent de flatulentes épigrammes
Et cultivent l’ignorance avec passion.
Sur les saudades qui ont des ailes j’ai bâti ma maison,
Plus amène et rêveuse que les bergères d’Arcadie,
Qui, alentour, batifolaient dans les champs de Van Gogh,
Quand, imprudent, j’ai construit l’âne énorme de bois,
Qui rendit si jaloux Odyssée (et même Pandore…):
En lui je ne gardai que les vérités évidentes
Que déjà personne n’était plus capable de comprendre.
269
Emportées par Wagner
Et tempérées par Bach.
270
De mécanismes de précision défaillante:
Puisque la poussière qui nous attend est toujours la même,
Puisque la poussière qui nous attend est toujours sage,
Puisque la poussière qui nous attend est toujours éternelle,
Puisque la poussière qui nous attend est toujours faite
Des limailles du présent qui s’en fut à l’instant.
271
Qui rêve auprès de la rivière,
Qui gribouille à l’envie,
Toujours entouré des amis
Qui apparurent au milieu des histoires
Qu’un aède très ancien lui racontait.
272
Ô sources desséchées, ô Castalia empoussiérée,
Ô Émilie sans tête sur les genoux de Lobato.
Ô hérétiques du monde,
Ô fils de l’exil,
Ayez pitié de ceux qui errent dans la vie,
De ceux qui se lassent du banal et du grossier,
De ceux qui cèdent à la clameur de la populace,
De ceux qui jouissent de plaisirs vains,
De ceux qui n’accouchent rien,
De ceux qui sont des routes vers le jamais.
Épitaphe:
Dans l’espace immense qui entoure les cordillères du futur,
L’odeur pure des étables et des prémices offertes
273
A réveillé, du sommeil éternel, les sept déesses de l’Hélicon
Et les antiques sibylles qui dormaient en Campanie.
Et le poème a recréé, de part en part, un excès d’univers,
Bien plus vastes, bien plus forts, bien plus aléatoires.
* * *
274
Este libro se terminó de imprimir
en Madrid, España, en el mes de
marzo de 2017.