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“Educación en Derechos Humanos

y Democracia en América Latina


y el Caribe”

VIII Coloquio Latinoamericano y Caribeño


de Educación en Derechos Humanos

Compiladora Mg. Victoria Flores Roa


“Educación en Derechos Humanos y
Democracia en América Latina
y el Caribe”

VIII Coloquio Latinoamericano y Caribeño


de Educación en Derechos Humanos

Compiladora Mg. 1Victoria Flores Roa


Este Libro fue sometido a un proceso de referato externo para su publicación
realizado por:

1. Aida Maria Monteiro Silva


Pós doctorada em Educação
Professora da UFPE de Brasil
Coordenadora da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos REBEDH

2. Clodoaldo Meneguello Cardoso


Profesor graduado en Filosofía y Letras; Doctor en Educación
(Unesp - Universidad Estatal Paulista) y con postdoctorado en Historia Social (USP).
Es coordinador del Observatorio de Educación en Derechos Humanos
y editor de la Revista Interdisciplinaria de Derechos Humanos de la Unesp.
Es miembro de la coordinación nacional de la Red Brasileña de Educación
en Derechos Humanos.

Agradecimientos
Se agradece al Rector de la Universidad de Antofagasta Dr. Luis Alberto Loyola Morales
por el apoyo permanente a la incorporación de la Educación en Derechos Humanos en la
Universidad y por otorgar el financiamiento para elaborar esta publicación que recopila
los trabajos presentados para la realización del VIII COLOQUIO REDLACEDH - UA que
debió suspenderse por la contingencia sociopolítica del país en Octubre 2019.

©Universidad de Antofagasta

Compiladora: Mg. Victoria Flores Roa

Diseño Gráfico: Laura Bórquez Núñez

ISBN: 978-956-8293-87-1

Registro de Propiedad Intelectual Nº: 2022-A-9376

Foto Portada:
Laura Bórquez Núñez

Impreso en Sergraf Ltda.


Calama 150
Antofagasta, Chile.

IMPRESO EN CHILE / PRINTED IN CHILE

2
Índice

· Prólogo 15

· Presentación 17

CAPÍTULO I 23
Reflexiones en Resistencia, Antofagasta 2019

· Declaración. Conversatorio “Resistencia Antofagasta” 25

· “La Educacion en Derechos Humanos y la 30


Rebeldía de Reinventar la Tragedia del Presente”.
DECLARACIÓN de la Red Latinoamericana y
Caribeña de Educación en Derechos Humanos
(RedLaCEDH)

· Entretanto vivimos porque resistimos 35


Elvira Mejía Herrejon

· Revisando la Metodología de Aprendizaje de Paz 40


Magnus Haavelsrud

· Trilhas e testemunhos em San Pedro do Atacama 51


e Antofagasta de 19 a 26 de outubro de 2019
Maria de Nazaré Tavares Zenaide

· Antofagasta: una ruta de Educación en Derechos 67


Humanos
“PARTICIPANTES DEL CONVERSATORIO RESISTENCIA”
ANTOFAGASTA - OCTUBRE 2019
Sandra S. Burmeister García

· Fotos Evento 75

3
CAPÍTULO II 85
Educación en Derechos Humanos, Memoria Histórica
y Patrimonio

· A história como memória e a educação para 87


nunca mais como componentes da educação
em e para os Direitos Humanos
Maria de Nazaré Tavares Zenaide

· Relato de Experiência de Trabalho Social 106


do Programa Minha Casa Minha Vida Envolvendo
o Resgate Histórico da Cidade de Bauru – Sp.
Márcia Maria Cunha

· El sitio de memoria Providencia de Antofagasta 113


como espacio educativo para la promoción
de los Derechos Humanos
Teresa Angélica Monardes Valdivia

· Letras de la memoria: caminos para el análisis y 127


didáctica de los Derechos Humanos en Chile
Olga Muñoz Leppe / Jennifer Palma Solís

· Relato de experiência de Trabalho Social envolvendo 143


temáticas voltadas à Capoeira, Cultura, Respeito
e Cidadania
Regina Lourdes de Freitas / Vitor Rocha Bíscaro

· Educação para nunca mais no Movimento Pela Anistia: 151


entre resistências e silenciamentos
Maria de Nazaré Tavares Zenaide

· Memória e verdade na Educação em e para os 163


Direitos Humanos
Maria de Nazaré Tavares Zenaide

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CAPÍTULO TERCERO 185
Educación en Derechos Humanos y Políticas públicas,
planes nacionales, Marcos Legales

· A Importância da Educação em Direitos Humanos 187


no Sistema de Ensino Nacional como Medida
Educativa para a Formação de uma Sociedade
livre de Esteriótipos
Hércules Luiz Eloi de Melo / Taynara Pereira Ferreira

· Política de Educação Inclusiva no 202


Estado de Pernambuco
Talita Maria Pereira de Lima / Aida Maria Monteiro Silva

· Políticas Brasileiras para implementação 217


da Educação em Direitos Humanos no país
Flaviana de Freitas Oliveira / Ana Maria Klein

· Educación de Sur a Norte. Re-Politizando los 228


Derechos Humanos desde una Perspectiva
Crítica y Experiencial
Mabel Svetlana Cobos Fontana / Carmen Luz Morales Danton

· Lei Estadual paz nas Escolas: Afronta ou confirmação 243


dos Direitos Humanos no Sistema Educacional?
Tainá Santos de Oliveira

5
CAPÍTULO CUARTO 257
Educación en Derechos Humanos y Diversidades;
Pueblos originarios y tribales, Mujeres, Niños, Niñas y
Adolescentes, Personas mayores,
Migrantes, Género, Diversidad Sexual

· Educação em Direitos Humanos e Inclusão: 259


Trajetórias Biográfico-Escolares de Jovens
com Deficiência Visual
Sinara Pollom Zardo

· Intersexualidad, Derechos Humanos y Sexuales 277


Elvira Mejía Herrejón

· Meninas Negras e a Educação no Brasil: Uma história 293


de Violação de Direitos
Juliana dos Santos Costa / Ana Maria Klein

· A Instrumentalidade da Educação em Direitos 308


Humanos na Efetivação da Política de Atendimento
aos Adolescentes em conflito com a Lei: desafios
e perspectivas
Neves Maria de Santana Silva

· Deficiências e Políticas Legislativas: as Armadilhas 326


do Discurso Jurídico no campo das diversidades
Vanessa Cristina Lourenço Casotti Ferreira da Palma /
Ariel de Jesus Silva

· El desafío de la intervención pública en los Hogares 341


con Dependientes y su Red de Apoyo: Hitos en la
implementación del Programa Red Local de Apoyos
y Cuidados en la comuna de Rancagua
Karen González Flores

· Una mirada a la inclusión, diversidad y educación 366


superior en Chile
Kevin Rivera Alfaro / Franz Wormald Mora /

Gina Morales Acosta / Isabel Castaño Idárraga

6
· A adaptação de Imigrantes e Refugiados na sociedade 380
Brasileira e o combate da Xenofobia por meio da
Educação em Direitos Humanos
Ana Laura Brito Coelho / Ester de Sousa Gouveia
/ Luciano Meneguetti Pereira

· A desigualdade de gênero e a educação em Direitos 398


Humanos para a inclusão das Mulheres na Sociedade
Maria Clara Gimenez Bernardes Manicardia /

Maria Eduarda Costa de Almeida / Luciano Meneguetti Pereira

· A Diáspora no Brasil frente a Educação em Direitos 410


Humanos no Acolhimento de Refugiados
Pollyana Muniz Moda

· A educação em Direitos Humanos como forma 426


de combate à Violação dos Direitos dos Imigrantes
e Refugiados no Brasil
Vitória Capuano Morais

· A educação em Direitos Humanos como instrumento 435


de combate ao Racismo: Uma breve análise da posição
do negro no ensino superior do Brasil 130 anos após
a Lei Áurea
Mariana Ferreira de Camilo Melotti

· A Educação em Direitos Humanos e a população 451


carcerária feminina no Brasil
Thais Neves Gonçalves
·
A Educação em Direitos Humanos e o direito das 461
mulheres sob análise de “O Conto da Aia”, de
Margaret Atwood
Jéssica Ayumi Campana Narumya

· A educação em Direitos Humanos no ensino 478


fundamental como ferramenta de conscientização
no combate às fake news e à pós-verdade
Cauê Morais Marques / Luciano Meneguetti Pereira

7
·
A intolerância contra a comunidade Lgbtqia+ E 499
A importância da educação em Direitos Humanos
no Brasil
Octávio Bueno do Prado Neto / Débora Cristina Camargo Gil

Luciano Meneguetti Pereira

· A educação em Direitos Humanos como instrumento 515


de efetivação da Liberdade Religiosa e combate
à intolerância
Isabela Corrêa Marcos / Thais de Souza Redoval Moura

· Educação em Direitos Humanos: uma forma de 532


combate a discriminação contra os Migrantes
Ana Cláudia dos Santos Rocha

· Educação Inclusiva e Diversidade 552


Uma questão dos direitos humanos
Jessica Fernanda Esteves Vieira

· Enfrentamento, prevenção, proteção e cuidado para 562


infâncias e juventudes e a educação em
Direitos Humanos
Simone Muniz do Carmo Staniszewski /
Mirian Célia Castellain Guebert

· Entre o direito e a invisibilidade: os LGBTs na política 571


educacional contemporânea
Hiago Henrique Figueira Lins

· Formación y capacitación en materia de Género 592


para Jueces y Juezas: Análisis de la jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
Pilar Maturana Cabezas

· Breve análise da união estável e do casamento 610


homoafetivos no Brasil
Carolina Alves Ferri / Gabrielly Alberto da Conceição

8
· O enfrentamento do Programa de Proteção a 632
Crianças e Adolescentes ameaçados de morte
(Ppcaam) e a sua importância na Educação em
Direitos Humanos
Letícia Garcia Rodrigues de Carvalho San Martino /

Luciano Meneguetti Pereira

· O Racismo Explicito e Velado Dentro do Ambiente 642


Educacional: Estudo de Caso na Escola Estadual
São Carlos no Município de Três Lagoas
Romulo Wendell da Silva Ferreira

· Pessoas privadas de liberdade no Brasil 651


Daiane Silva dos Santos /Sara de Oliveira da Silva /
Tauana Rafaela Borges

· Relato de experiência de Trabalho Social – a 665


participação de mulheres em Feiras de Artesanato
Rosana Conceição Maia Lopes /
Andréa Aparecida Mota Furtado Sena / Jemima Brito De Oliveira

· O direito à Educação: Reflexões sobre acesso e 675


permanência do adolescente Autor de Ato Infracional
na Escola
Priscila Carla Cardoso / Débora Cristina Fonseca /
Tamyres Vituri da Silva

· Direitos Humanos na escola: Pesquisa intervenção na 686


Educação de Jovens e Adultos
Tamyres Vituri da Silva / Priscila Carla Cardoso /
Débora Cristina Fonseca

· A Imigração Haitiana e sua Influência na nova Lei 694


de Migração Brasileira
Crislene Pereira dos Santos

9
CAPÍTULO QUINTO 709
Educación en Derechos Humanos, y Educación Superior

· Educação em Direitos Humanos no ensino 711


superior: problematizando a realidade a partir
de portfólios
Ana Maria Klein

· Ensino, aprendizagem e Direitos Humanos: uma 721


experiência em questão
Ana Cláudia Rocha Cavalcanti / Karina Bezerra de Oliveira Duarte /
Suenne Santos de Aguiar

· A experiência do ensino de educação em 732


Direitos Humanos na Pós-Graduação
Mirian Célia Castellain Guebert

· Uma análise sobre a educação em Direitos Humanos 749


nas universidades
Mirian Célia Castellain Guebert

10
CAPÍTULO SEXTO 771
Educación en Derechos Humanos,
Democracia y Ciudadanía

· A ilusãoda democracia no capitalismo histórico 773


Rosãngela de Lima Vieira

· Reflexiones sobre una experiencia de capacitación 787


a distancia en Derechos Humanos para
funcionarios públicos
Lic. Margarita Navarrete / Mag. María Celia Robaina

· A função social da empresa na promoção de 796


Direitos Humanos: a iniciativa privada como
indutora da educação e conservação de direitos
Thiago dos Santos Almeida / Luciano Meneguetti Pereira

·
A necessidade de educação em Direitos Humanos 807
como pressuposto da autenticidade das eleições
diante das fake news
Gabriel Vieira Terenzi

·
Assessoria jurídica universitária popular: uma proposta 823
de educação popular em Direitos Humanos nos cursos
jurídicos
Elton Fogaça da Costa / Ana Cláudia dos Santos Rocha /
Matheus Daltoé Assis

·
Democracia e autoritarismo: reflexão sobre o impacto 840
na educação em Direitos Humanos
Paulo César Carbonari / Ésio Francisco Salvetti

· Democratización de las ciencias y el conocimiento, 862


proceso inclusivo, participativo y para
el desarrollo regional
Gladys Hayashida Soiza / Iván Huerta Pizarro

· Educação em Direitos Humanos como alternativa 871


à doutrina do choque
Gabrielly Carvalho Alves / Karoline Santana / Geziela Iensue

11
· Educación para la formación de jóvenes electores: 888
“repensando nuestro voto”
Andrea Iturra Palmero / Romina Andrea Basualdo

· Ensinando formas de participação para a autonomia 905


por meio do grêmio estudantil com alunos dos anos
finais do ensino fundamental
Jesuína Santos Carrilho Lucon / Cássia Aparecida Magna Oliveira

· Jóvenes caminando hacia una cultura de legalidad y 919


derechos humanos. Una experiencia intergeneracional
en el sur del GBA
Matías Penhos / Georgina Guadalupe González

· Lei estadual paz nas escolas: afronta ou confirmação 938


dos Direitos Humanos no sistema educacional?
Tainá Santos de Oliveira

· O Conselho de Educação e a construção de planos de 952


educação em Direitos Humanos: uma análise do Conselho
Municipal de Educação da cidade de Caruaru – PE
Erika Patrícia Ferreira dos Santos

· Relato de experiência de trabalho social envolvendo 966


temáticas voltadas à educação em Direitos Humanos
Márcia Maria Cunha / Luciana Dantas de Oliveira /
Vanessa Isabella dos Santos Ramos

· Un mapa actualizado del asesinato de líderes y 975


lideresas sociales en Colombia. Reflexiones sobre
la actual situación de Derechos Humanos, la
democracia, y el papel de las élites nacionales
Marisabel García Acelas

· Relato de experiência do projeto de trabalho social do 989


programa Minha casa Minha vida em Bauru: grupos
socioeducativos em Direitos Humanos
Camila Martins Mansano / Rosana Maia Lopes

· Educação em Direitos Humanos em tempos de 1005


retrocessos: uma análise à luz da teoria de adorno
Heloisa Candido Pereira / Loise Gabriely Souza Borges

12
· Jóvenes adolescentes que construyen la paz 1019
Evelyn Cerdas Agüero

CAPÍTULO SÉPTIMO 1031


Educación en Derechos Humanos
y Formación de Formadores

· O Memorial da Resistência de São Paulo e os processos 1033


formativos em educação em Direitos Humanos
Aureli Alves de Alcântara

· “De eso se trata: el caso de la formación de Agentes 1049


en prevención contra la Trata de Personas en el
Municipio de Quilmes”
Lic. Oscar Humberto Yañez Canales

· As concepções de educação em Direitos Humanos na 1073


visão de professoras de ensino fundamental brasileiro
Natália Nascimento Miranda / Alia Maria Barrios González /
Giulia Ribeiro Salgado

· Democracia, Diversidad y Derechos Humanos. 1093


Los desafíos en la formación de docentes
Mitzi Benítez Vega

· La enseñanza del Derecho para futuros profesores, 1100


como promotores de su vigencia
Prof. Romina Basualdo

· Formación ética y ciudadana en los diseños curriculares 1118


de formación docente para el nivel primario de la
República Argentina
Gabriela Saslavsky / Erika Hebe Villarruel

· Educación sobre la égida de los Derechos Humanos: 1134


sus posibilidades en los procesos de formación
docente e inclusión educativa en Brasil
Valdelúcia Alves da Costa

13
CAPÍTULO OCTAVO 1147
Educación en Derechos Humanos, Medio Ambiente,
Nuevas Tecnologías y Medios

· Desafios do médico veterinário na saúde ambiental 1149


e bem estar social
Alício José Corbucci Moreira / Júlio César Pereira Spada

· O meio ambiente como um direito humano essencial 1164


e a necessidade da criação de mecanismos preventivos
de sua violação através da educação em Direitos Humanos
Vitória Rodrigues Sanches / Juliana Silva de Freitas

· Relato de experiência de trabalho social voltadas ao 1179


meio ambiente e Direitos Humanos: o pomar urbano
do residencial arvoredo – Programa Minha Casa
Minha Vida
Claudia Patricia Clérigo / Vanessa Isabella dos Santos Ramos /
Tathiana Rodrigues Saqueto

· Direitos Humanos e discurso televisivo: principais 1199


abordagens temáticas de telejornais brasileiros
Flaviana de Freitas Oliveira / Ana Maria Klein

· Tecnologia e educação, instrumentos eficazes no 1215


combate à falta de profissionalização: O trabalho
como fim e a educação como meio para ressocializar
Francis Fernanda de Oliveira Neiva

14
Educación en Derechos Humanos en América
Latina, desafíos y horizontes comunes

PRÓLOGO

Educar con perspectiva en Derechos Humanos es uno de


nuestros deberes como institución pública de Educación Superior,
no solo como una vía reparatoria a las familias y víctimas de
violaciones a los DD.HH. en Chile y Latinoamérica, sino que como
manera de implementar una estrategia formativa que contribuya
a la reparación y no repetición de vejámenes sufridos por
ciudadanos y ciudadanas a lo largo de la historia de las diversas
naciones de nuestro continente.

Porque “un pueblo sin memoria es un pueblo sin futuro”,


es importante que como instituciones del Estado abramos los
espacios al diálogo, la discusión y la visibilización de los dolores
de la sociedad con el fin de no perpetuarlos. Hoy, formamos a las
y los profesionales que estarán liderando las industrias del futuro,
y como universidad, aceptamos la responsabilidad de liderar
las estrategias para aportar a la mejora de la calidad de vida de
nuestras comunidades.

Es imperativo mantener viva la memoria y reflexionar en


torno, por ejemplo, a las violaciones de los Derechos Humanos
en nuestro continente relacionadas a vivencias históricas a partir
de las dictaduras vividas por múltiples pueblos latinoamericanos,
por una parte, torturados políticos que viven con secuelas físicas
y psicológicas de regímenes totalitarios, y por otra, familiares de
Detenidos Desaparecidos que aún no encuentran consuelo y
justicia.

Pero no solo la memoria es el concepto clave en esta

15
perspectiva educacional en DD.HH., si no que la no repetición
y prevención también son indispensables para la formación de
las y los futuros profesionales. Actualmente, también debemos
procurar resguardar a nuestras comunidades de violencia a través
de tácticas represivas, crímenes de odio a minorías étnicas o
sexuales, violaciones a la libre expresión y a vivir en un ambiente
sin contaminación.

Les invito a nutrirse con la lectura de este texto desarrollado


por la Facultad de Ciencias Sociales, Artes y Humanidades de la
Universidad de Antofagasta, y apropiarse de estas importantes
investigaciones y relatos para formar una mejor sociedad para las
generaciones del futuro.

Dr. Luis Alberto Loyola Morales.


Rector Universidad de Antofagasta

16
PRESENTACIÓN

La tarea de Educar en Derechos Humanos tiene más allá de


la responsabilidad de entrega de conocimientos, la transmisión
de experiencias y vivencias significativas, es la forma en cómo
educamos, en, sobre y para los derechos humanos, transitando
desde un modo comprehensivo de lo jurídico a los modos de ser
y convivir hasta la militancia en contextos ético-políticos, llevando
en este camino la memoria de quienes estuvieron y han estado en
la lucha permanente por la justicia social y los derechos humanos
de todos y todas; los llamados movimientos sociales y justamente
porque en octubre de 2019, a lo largo y ancho de Chile, se
producen grandes movilizaciones sociales, proceso denominado
“Revuelta Popular” lideradas por estudiantes y secundadas por la
ciudadanía exigiendo mayor “dignidad” para una población con
altos niveles de desigualdad social, lo que se tradujo finalmente
en la necesidad y exigencia de elaborar una nueva Constitución
Política que garantice derechos humanos y una mejor calidad de
vida para todas y todos.

Los hechos sociales y políticos acontecidos en octubre


de 2019 fueron el contexto en el que nos encontramos justo
a días del inicio del VIII Coloquio Latinoamericano y Caribeño
de Educación en Derechos Humanos “Educación en Derechos
Humanos y Democracia en América Latina y el Caribe”, cuya
sede era la Universidad de Antofagasta de Chile y que debió
suspenderse debido a la decretación del gobierno de “Estado de
Excepción Constitucional y Toque de queda”.

Aún con restricción de libertades de desplazamiento y


reuniones, logramos en medio de la revuelta social fraternizar
con compañeras y compañeros que llegaron hasta la ciudad,
desde Argentina, Brasil, Costa Rica, Uruguay, Noruega y Chile,
demostrándonos en medio de la protesta social, que era posible re-
unirnos, fortalecernos en la lucha, reflexionar, indignarnos como

17
habitantes de una América Latina con tantas deudas pendientes
y repensar la importancia de la Educación en Derechos Humanos,
más que nunca; fue así como se generó el “CONVERSATORIO
RESISTENCIA ANTOFAGASTA”, en aquel octubre donde los cánticos
y pancartas elevadas por la ciudadanía inundaron las calles de
esperanza y dieron el sustento a este gran encuentro fraterno.

La experiencia vivida nos dejó saberes, sentires, alegrías


y grandes emociones, algunas de ellas se reflejan en las letras
aportadas por quienes estuvieron y fueron parte importante de
este paisaje de dolor por las violaciones a los derechos humanos
que acontecían en todo el país, pero también reflejan un futuro
esperanzador, donde los derechos humanos de todos y todas
sean garantizados sin excepción.

Ha pasado tiempo desde aquellos acontecimientos y hoy


nuestro país vive un Proceso Constituyente donde se escribe
una Nueva Constitución y se prepara para un plebiscito, lo que
inevitablemente trae a la memoria las imágenes de los momentos
compartidos, las discusiones, reflexiones y las emociones
vividas, especialmente visitando el sitio de Memoria Providencia
Antofagasta, donde parece estar detenido ese pasado al que
no queremos volver, pero que no debemos olvidar, por tantos y
tantas que lucharon, que no están y por quienes hoy luchan por
una sociedad con mayor justicia y respeto a los derechos humanos
de todas y todos.

Les invitamos a leer este libro que ha sido construido


con el fin de dejar un testimonio para la Red Latinoamericana y
Caribeña de Educación en Derechos Humanos REDLACEDH de los
momentos y experiencias vivenciadas por un grupo de personas
que, en Antofagasta en octubre de 2019, en un rincón del desierto,
entre el mar y la montaña, decidieron alzar la voz en un acto de
fraternidad latinoamericana y pensar la Educación en Derechos
Humanos desde la lucha y la militancia, más allá del espacio de las
aulas.

Aquí convergen entonces, relatos que dan cuenta de la


contingencia social y política e investigaciones, experiencias
metodológicas, trabajos de campo, análisis y reflexiones de
autores y autoras de distintos países, entre ellos, Brasil, Colombia,

18
Uruguay, Argentina, Costa Rica, Noruega y Chile; que atesoran un
particular valor, por cuanto hablarán por las voces de sus actores
y protagonistas, que seguramente al recorrer estas páginas
revivirán momentos que soñamos compartir.

Esta publicación consta de ocho capítulos que se han


elaborado distribuyendo los artículos presentados según las
temáticas definidas como ejes de discusión para el Coloquio.

El primer capítulo “Reflexiones en Resistencia, Antofagasta


2019” contiene trabajos elaborados por participantes del
Conversatorio Resistencia Antofagasta, dando cuenta de
reflexiones y análisis en torno a los momentos vividos con imágenes
y declaraciones suscritas que dan testimonio de lo vivido.

El segundo capítulo “Educación en Derechos Humanos,


Memoria Histórica y Patrimonio” reúne artículos que relevan la
importancia de la educación de la memoria, relatos de experiencia
en pedagogía de la memoria en sitios y recintos de detención
clandestina en dictaduras en Chile y Brasil relevando la enseñanza
para un Nunca Más.

El tercer capítulo “Educación en Derechos Humanos,


Políticas Públicas, planes nacionales, Marcos Legales”, recopila
trabajos que dan cuenta de la importancia de la Educación en
derechos humanos como política pública, impulsada por los
estados, haciendo parte con ello a la ciudadanía, instituciones y
organizaciones de la sociedad civil para una participación activa y
consciente de sus derechos.

El cuarto capítulo “Educación en Derechos Humanos


y Diversidades” nos entrega investigaciones y experiencias
metodológicas desarrolladas por las y los autores con fines de
relevar temáticas que afectan a grupos de especial protección,
como son las mujeres y género, disidencias y diversidades
sexuales, personas privadas de libertad, personas mayores,
personas en situación de discapacidad, migrantes, refugiados,
infancias y juventudes; lo que nos permite conocer las distintas
miradas que tienen como referencia el sistema internacional e
interamericano de derechos humanos y los instrumentos jurídicos
y convenciones suscritas por los estados.

19
El quinto capítulo “Educación en Derechos Humanos y
Educación Superior“ considera trabajos que relevan experiencias
de enseñanza y aprendizaje en las universidades, la implicancia de
la educación en derechos humanos en los modelos educativos en
el pre y postgrado, con una mirada crítica y reflexiva, aportando a
una formación profesional cuestionadora de los modelos sociales
y políticos impuestos, que han vulnerado derechos fundamentales
de la población.

El sexto capítulo “Democracia y Ciudadanía” nos entrega


una serie de experiencias e investigaciones sobre capacitaciones y
acciones de educación ciudadanas, destacándose la importancia
de hacer partícipe a jóvenes electores, generando con ello mayor
incorporación a los procesos de elección popular y advirtiendo
la desinformación o noticias falsas en contextos políticos, desde
quienes ejercen el poder de los medios de comunicación.

El séptimo capítulo “Educación en Derechos Humanos y


Formación de Formadores” contiene trabajos de investigación,
análisis y experiencias de formación a formadores en memoria,
educación primaria y los desafíos pendientes, relevando las
posibilidades y los caminos que se abren en torno a la promoción
y difusión de los derechos humanos como también las barreras a
las que se enfrentan cotidianamente quienes asumen la tarea de
formar a formadores en derechos humanos.

El octavo capítulo “Educación en Derechos Humanos,


medio ambiente, nuevas tecnologías y medios”, recopila artículos
que hablan de la experiencia e incidencia de los diversos
instrumentos de difusión en temáticas de derecho a un medio
ambiente que propicie un bienestar social, la utilización de los
medios informativos y el ejercicio profesional del periodismo
como recurso para educar en derechos humanos, entre otros.

Finalmente, con esta obra colectiva esperamos contribuir


a la Educación en, para y sobre los Derechos Humanos en los
distintos ámbitos de la sociedad, abriendo caminos y fronteras
con horizontes comunes desde nuestro sur.

20
Mg. Victoria Flores Roa
Académica Carrera de Trabajo Social de la Facultad de Ciencias
Sociales, Artes y Humanidades, Magister en Ciencias Sociales
Universidad de Antofagasta, Master en Docencia Universitaria
Universidad de Barcelona, Asistente Social Universidad de
Concepción, Diplomada en Derechos Humanos para la Educación
Superior UA - INDH., Diplomada en Derechos Sociales DESCA de
Universidad de Buenos Aires Argentina, Diplomada en Educación,
Memoria y Derechos Humanos Universidad de Chile y Museo
de la Memoria y DDHH, Integrante de la Red Latinoamericana
y Caribeña de Educación en Derechos Humanos – RedLACEDH,
Integrante de la Red de Equipos de Educación en Derechos
Humanos REEDH-Chile.

Mg. Marcelo Carrera Herrera


Académico Carrera de Trabajo Social de la Facultad de Ciencias
Sociales, Artes y Humanidades, Magister en Psicología Social
Universidad Católica del Norte, Asistente Social Universidad de
Antofagasta, Diplomado en Derechos Humanos para la Educación
Superior UA - INDH. Integrante de la Red Latinoamericana y
Caribeña de Educación en Derechos Humanos – RedLACEDH,
Integrante de la Red de Equipos de Educación en Derechos
Humanos REEDH-Chile.

Coordinadores Conversatorio Resistencia Antofagasta

Antofagasta – Chile, otoño de 2022

21
22
CAPÍTULO PRIMERO

Reflexiones en Resistencia,
Antofagasta 2019

23
24
Declaración
Conversatorio “Resistencia Antofagasta”

En Antofagasta a 25 de octubre de 2019 los participantes


del CONVERSATORIO “RESISTENCIA ANTOFAGASTA” realizado los
días 23, 24 y 25 de octubre en la sede Angamos de la Universidad
de Antofagasta de Chile, declaran lo siguiente:

Luego de un trabajo consecuente y planificado de dos


años a esta parte, en que la Universidad de Antofagasta junto a la
Coordinación General de la RedLaCEDH había organizado como
sede la realización del VIII COLOQUIO LATINOAMERICANO Y
CARIBEÑO DE EDUCACION EN DERECHOS HUMANOS “Educación
en Derechos Humanos y Democracia en América Latina y el
Caribe”, éste se ha tenido que suspender, debido a la decretación
del estado de excepción con toque de queda declarado por el
gobierno de Chile como respuesta a las movilizaciones ciudadanas,
quedando lamentablemente interrumpido el proceso de debate
de los distintos ejes temáticos que nos disponíamos a desarrollar
sobre la educación en derechos humanos en la región y que
como RedLaCedh veníamos impulsando cada dos años en cada
coloquio.

La imposibilidad de llevar a cabo el VIII Coloquio


Latinoamericano y Caribeño de Educación en Derechos
Humanos en la ciudad de Antofagasta de Chile, ha generado
un sentimiento de rebeldía frente a la cruda realidad y lejos de
quedarnos indiferentes ante tantas prácticas y discursos que se
reinventan en las peores tradiciones autoritarias, mostramos
nuestra resistencia, realizando con compañeras y compañeros
representantes de Argentina, Brasil, Costa Rica, Uruguay, Noruega
y Chile este Conversatorio denominado “Resistencia Antofagasta”
que reunió a treinta personas, entre integrantes de la Red y
participantes vinculados a la educación en derechos humanos.

Quienes suscriben esta declaración y participaron de


este Conversatorio manifiestamos nuestro absoluto rechazo a

25
las restricciones a las libertades de desplazamiento y expresión
pacífica acontecidas en estos momentos en Chile, como asimismo
a la represión y a las violaciones a los derechos humanos, estos
hechos nos interpelaron a reaccionar como representantes de
pueblos latinoamericanos y caribeños conformando un espacio
de reflexión sobre la Educación en Derechos Humanos en todos
los niveles de enseñanza en nuestros países, dando nuestros
testimonios y compartiendo experiencias, acompañando en las
manifestaciones de la ciudad de Antofagasta, como también
realizando una actividad de resistencia y protesta pacífica en
los alrededores del Sitio de Memoria Providencia que hoy se
encuentra ocupado por Carabineros y al que no se nos autorizó el
ingreso y un recorrido además en el Memorial del Cementerio de
Antofagasta.

Concordamos en la importancia estratégica de la Educación


en Derechos Humanos, la implementación de los Planes
Nacionales de Educación en Derechos Humanos y la creación de
Planes Nacionales de Educación en Derechos Humanos donde
no han sido aún desarrollados, estos han de ser concebidos
como políticas públicas por ende dotados de presupuesto y
responsabilidades institucionales claras desde una perspectiva
de integralidad y transversalidad, asimismo deben incluir la
formación de educadores en derechos humanos. Reconocemos
que sus contenidos, directrices y principios ofrecen orientaciones
de importancia para educadores y educadoras en procesos de
construcción de conocimientos, considerando la necesaria tarea
de respeto a la dignidad de todos(as) y de cada uno(a).

El respeto a la dignidad no es posible sin condiciones de


igualdad, libertad, justicia, verdad, reparación, que propicien la
participación de toda la ciudadanía. La construcción de memoria
debe ser un principio educativo fundamental para el desarrollo
del pensamiento crítico y socialmente comprometido.

La educación debe seguir promoviendo ámbitos de debate,


problematización y producción de conocimientos en el marco de
proyectos político-pedagógicos que abonen a la comprensión
histórica de la realidad nacional, latinoamericana y caribeña
que nos permita desarrollar una cultura de paz y respeto de los
derechos humanos, con la plena convicción además, que hoy

26
más que nunca, se deben condenar los hechos de violaciones
a los derechos humanos y restricción de libertades a las y los
ciudadanos, sea en Chile o en cualquiera de nuestros países de la
América Latina y el Caribe.

Suscriben:

Margarita Navarrete Institución Nacional de Uruguay


Derechos Humanos y
Defensoría del Pueblo

Ana Laura Piñero Jardim Grupo Interdisciplinario Uruguay


Edh

Andrea Romero Grupo Interdisciplinario Uruguay


Edh

Macarena Gomez Lombide Grupo Interdisciplinario Uruguay


Edh, Fic –Udelar-Mec

Natalia Michelena Grupo Interdisciplinario Uruguay


Edh

Alicia Cabezudo Universidad Nacional Argentina


de Rosario

Magnus Haavelsrud Norwegian University Noruega


of Science and Technolog

Elvira Mejia Herrejon Universidad Federal Brasil


Bahia Ufba Brasil

María de Nazaré Universidad Federal Brasil


Tavares Zenaide de Paraíba Ufpb

Virginia Leal Universidad Federal Brasil


de Pernambuco Ufpe

Clodoaldo M. Cardoso Universidad Estadual Brasil


Paulista Unesp Baur
Oedh

27
Rosângela de Lima Vieira Universidad Estadual Brasil
Paulista Unesp Marilia

Amarildo Gomes Pereira Grupo Nedh Bauru / Brasil


Observatório de
Educação em
Direitos Humanos

Hiago Henrique Secretaria de Estado Brasil
Figueira Lins de Educação do
Governo do Distrito
Federal - Seedf

Érica Ferres Pereira Centro Universitário Brasil


Toledo (Unitoledo)
Araçatuba/Sao Paulo

Carolina Alves Ferri Centro Universitário Brasil
Cenecista de Osório
Unicnec - Rio Grande
do Sul

Gabrielly Alberto Centro Universitário Brasil


da Conceição Cenecista de Osório
Unicnec - Rio Grande
do Sul

Daiane Silva dos Santos Centro Universitário Brasil


Cenecista de Osório
Unicnec - Rio Grande
do Sul

Sara de Oliveira da Silva Centro Universitário Brasil


Cenecista de Osório
Unicnec - Rio Grande
do Sul

Tauana Rafaela Borges Centro Universitário Brasil
Cenecista de Osório
Unicnec - Rio Grande
Do Sul

28
Evelyn Cerdas Agüero Universidad Nacional, Costa Rica
Instituto de Estudios
Latinoamericanos (Idela)

Bianca Coelho Beliene Universidad de Chile


Antofagasta
Programa Magister
Ciencias Sociales

Sandra Burmeister García Crefal y Universidad Chile


Católica

Hector Maturana Bañados Agrupacion Providencia Chile


Por la Memoria Histórica
Antofagasta
(Vicepresidente)

Mirian Gutiérrez Alfaro Agrupacion Providencia Chile


Por la Memoria Histórica
Antofagasta

Dalia Escalier Agrupacion Providencia Chile


Por la Memoria Histórica
Antofagasta

Jennifer Umbach Véliz Universidad de Chile


Antofagasta

Marcelo Carrera Herrera Universidad de Chile
Antofagasta

Victoria Flores Roa Universidad de Chile


Antofagasta

Hugo Romero Castañeda Universidad de Chile
Antofagasta

29
“La Educacion en Derechos Humanos y la
Rebeldía de Reinventar la Tragedia del Presente”

DECLARACIÓN de la Red Latinoamericana y Caribeña de


Educación en Derechos Humanos (RedLaCEDH)

Antofagasta, Chile | octubre 24 de 2019

En el marco del Centenario de la Reforma Universitaria


de Córdoba, oportunamente conmemorada en la última
Conferencia Regional de Educación Superior (2018), y también,
en el complejo contexto latinoamericano y caribeño, signado por
la instrumentación de políticas neoliberales y conservadoras que
amenazan las democracias de América Latina, las y los integrantes
de la RED íbamos a reencontrarnos en la ciudad de Antofagasta,
Chile, en el VIII Coloquio Latinoamericano y Caribeño de Educación
en Derechos Humanos, del 23 al 25 de octubre.

Dada la grave situación que ha planteado el estado de


excepción con toque de queda declarado por el gobierno del
Presidente Sebastián Piñera, se suspendió la realización de este
coloquio.

Luego de un trabajo consecuente y planificado de dos años a


esta parte, en que la Universidad de Antofagasta había organizado
la coordinación académica junto a la Coordinación General de la
RedLaCEDH, de la Universidad Federal de Pernambuco (Brasil), se
ha tenido que clausurar el debate de los varios ejes temáticos que
nos disponíamos a desarrollar en torno al debate científico sobre
la educación en derechos humanos en la región.

En su lugar desarrollamos el Conversatorio “Resistencia


Antofagasta”, que reúne a integrantes de la Red y participantes
vinculados a la educación en derechos humanos.

La RedLaCEDH reafirma su compromiso con la educación


entendida como bien público y social, colectivo y estratégico para

30
poder garantizar los Derechos Humanos de los pueblos. A la vez,
involucra a todos los niveles de enseñanza del sistema educativo,
organizaciones no gubernamentales, gremiales, movimientos
sociales y organizaciones de derechos humanos que se han
involucrado con los objetivos de esta Red desde su mismo origen
a través de los diferentes coloquios de Educación en Derechos
Humanos.

En este ámbito de interacción entre las universidades,


organismos de la sociedad civil, representantes de organismos
públicos y miembros particulares que integran la RedLaCEDH,
inscribimos nuestras luchas, levantamos la voz, y sostenemos:

Los principios declarados en la Conferencia Regional de


Educación Superior 2018, especialmente en lo que refiere a
la “Educación Superior como un bien público social, un derecho
humano y universal, y un deber de los Estados”. Principio básico que
se sostiene en la existencia de universidades públicas, gratuitas e
inclusivas, que medien estrategias capaces de lograr el ingreso y
permanencia de los y las estudiantes, en el marco del respeto a la
libertad de pensamiento y la pluralidad cultural. Es compromiso
del Estado garantizar este derecho financiando debidamente a
las instituciones universitarias, remunerando con justicia a los/las
docentes y trabajadores e implementando políticas de inclusión
social.

Por ello, manifestamos nuestra más profunda preocupación


por la crítica situación que atraviesa el sistema educativo en todos
sus niveles y modalidades en América Latina y el Caribe signado
en la mayoría de los países por recortes presupuestarios, el
desfinanciamiento y el retroceso salarial, el ataque sistemático a
las y los representantes gremiales de la educación, la persecución
a visiones filosóficas y ideológicas de mundo, lo que pone en
riesgo el desempeño, la vida institucional de nuestras casas de
estudios y la libertad de cátedra.

31
2

La necesidad de consolidar un modelo de educación, crítica


y comprometida que, abandonando lógicas endogámicas, se
disponga a contribuir en los procesos de transformación social
y promoción de la ciudadanía con enfoque en los Derechos
Humanos. La educación, particularmente la formación superior y
universitaria debe promover la des-colonización de los modelos
educativos y culturales, la despatriarcalización de sus prácticas
y la des-mercantilización de sus lógicas, incorporando enfoques
extra céntricos, decoloniales, de género y con sentido humanista
y ambiental en sus prácticas.

En un contexto educativo crítico y comprometido, las


mujeres, las organizaciones sociales, las comunidades originarias y
afrodescendientes, personas migrantes, los colectivos LGBTTTIQ+,
las personas mayores, los niños, niñas y adolescentes, las personas
en situación de discapacidad, las personas privados de libertad
y todos aquellos sectores sociales históricamente oprimidos
cumplen un rol preponderante y significativo.

El compromiso ineludible con la Democracia Social,


participativa y la plena vigencia del Estado Democrático de
Derecho, como garantía de respeto a los derechos humanos:
civiles, sociales, políticos, económicos y culturales del pueblo.
En ese sentido, el ajuste feroz que empobrece a la mayoría de
nuestros países ha generado una situación crítica que amenaza la
paz social y atenta contra el sentido de lo público, la igualdad y la
justicia. Múltiples y graves casos de violencia institucional sobre
sectores sociales vulnerables se reproducen en nuestros pueblos
de Latinoamérica y el Caribe. También, devienen comunes los
golpes de Estado y las interrupciones democráticas. Nos alarman
los actos represivos por parte de las fuerzas de seguridad ante
los reclamos de trabajadores despedidos, docentes y pueblos
originarios, criminalización de los sectores juveniles, de la pobreza,
de la protesta, así como el desprecio por personas mayores, los
ataques al Estado Democrático de Derecho y la militarización de
las instituciones sociales. Así también nos alarma la violación de
las garantías procesales que dañan las reglas del debido proceso

32
y producen detenciones arbitrarias.

Reiteramos la importancia estratégica de la Educación en


Derechos Humanos, la implementación de los Planes Nacionales
de Educación en Derechos Humanos y la creación de Planes
Nacionales de Educación en Derechos Humanos donde no fueran
aún desarrollados, estos han de ser concebidos como políticas
públicas por ende dotados de presupuesto y responsabilidades
institucionales claras desde una perspectiva de integralidad
y transversalidad, asimismo deben incluir la formación de
educadores en derechos humanos.

Reconocemos que sus contenidos, directrices y principios


ofrecen orientaciones de importancia para educadores y
educadoras en procesos de construcción de conocimientos,
considerando la necesaria tarea de respeto a la dignidad de
todos(as) y de cada uno(a).

Las políticas de EDH no son de interés de un grupo, de un


partido, de una ideología, pero de toda la sociedad. El respeto a la
dignidad no es posible sin condiciones de igualdad, de libertad,
de justicia, de ciudadanía, de solidaridad, de diversidad, de
reconocimiento, de redistribución.

La construcción de Memoria, como principio educativo


fundamental para el desarrollo del pensamiento crítico y
socialmente comprometido y frente al “negacionismo” promovido
desde algunos sectores o el retorno de la “Teoría de los dos
Demonios”, la educación debe seguir promoviendo ámbitos
de debate, problematización y producción que abonen a la
comprensión histórica de la realidad nacional, latinoamericana y
caribeña para avanzar en la búsqueda de la verdad y la justicia
que nos permita desarrollar una cultura de paz y respeto de los
derechos humanos.

La falta de garantías para consolidar un proceso de justicia


transicional en la región, en aquellos países que vivieron el

33
Terrorismo de Estado y guerra interna así como aquellos que
requieren alcanzar acuerdos de paz que superen salidas violentas
a los conflictos sociales, deben promover la concientización, la
organización y la integración regional de los sectores populares,
nacionales y pluriétnicos.

Esta REDLACEDH rechaza enfáticamente todas aquellas


medidas que en América Latina y el Caribe reasignan a las fuerzas
militares competencias en operaciones de apoyo a la “seguridad
interior”, es decir, en funciones de represión interna. En los
últimos años, con frecuencia y sistemáticamente, el principio de
autonomía de nuestras universidades públicas ha sido avasallado
deliberadamente en reiteradas oportunidades por fuerzas
policiales y de seguridad recuperando una nefasta tradición
antidemocrática que creíamos superada definitivamente.

Tal como se concluyó en la III Conferencia Regional de


Educación Superior de América Latina y el Caribe (CRES) del 2018
Conferencia Regional de Educación Superior (2018), reafirmamos
que “las instituciones de educación superior están llamadas a
ocupar un papel preponderante en la promoción y el fortalecimiento
de las democracias latinoamericanas, rechazando las dictaduras y
los atropellos a las libertades públicas, a los derechos humanos y a
toda forma de autoritarismo en la región”.

La imposibilidad de llevar a cabo el VIII Coloquio


Latinoamericano y Caribeño de Educación en Derechos Humanos
en la ciudad de Antofagasta de Chile, ha generado un sentimiento
de rebeldía frente a la cruda realidad. Lejos de quedarnos
indiferentes ante tantas prácticas y discursos que se reinventan en
las peores tradiciones autoritarias, mostraremos nuestra resistencia
donde sabemos hacerlo: en las aulas, con las comunidades, en las
calles con el pueblo, construyendo conocimiento y una cultura
democrática no violenta, plural e inclusiva.

Rede Latinoamericana y Caribeña de Educación


en Derechos Humanos por los participantes do Conversatorio
“Resistência Antofagasta”

34
Entretanto vivimos porque resistimos

Elvira Mejía Herrejon1

Estar vivas no basta, conviene hacer que esta vida tenga


sentido para todas, sin embargo, al desarrollar la capacidad de
pensar de forma crítica identificamos que hay una necropolítica
que insiste en deshacerse de cuerpos inútiles, anormales, caducos,
estériles o despreciables, cuerpos que nadie reclama ni llora.
Vivimos tiempos de banalización del crimen de odio llamado
feminicidio2 y como dice Butler (2020):

me opongo a la muerte violenta; a la muerte por medio


de la violencia humana; a la muerte resultado de acciones
humanas, institucionales o políticas; a la muerte provocada
por una negligencia sistémica por parte de los estados o
por modos de gobernanza internacionales (s/p)3.

Es difícil haber paz en un barrio, una ciudad, un país, un


continente, un mundo en el que al hombre, bajo la protección de
una estructura de dominación injusta de sumisión y terror, se le

1. ravelimex@hotmail.com
Universidad Federal de Bahía-UFBA
2. El feminicidio en Brasil empezó a ser una circunstancia calificadora del crimen de
homicidio a partir de la entrada en vigor de la Ley nº 13.104/2015, siendo incluido en
el rol de los crímenes hediondos. Sobre el sujeto pasivo del referido delito, se entiende
que sea hetero o no quien viva como mujer, tenga su nombre y su sexo alterado en el
Registro Civil sin que haya necesidad de cirugía de cambio de sexo, puede y debe ser
protegida por la ley.
3. Judith Butler, una de las filósofas más reconocidas del mundo por sus contribuciones
al feminismo, a la defensa de los derechos humanos y al pensamiento político, rastrea,
en su nuevo libro, las formas de resistencia a las múltiples modalidades de violencia
-desde la tortura por razones políticas, los crímenes contra mujeres, hasta la decisión
de negar los horrores del pasado, el desprecio contra los migrantes o la desigualdad
global- que caracteriza a nuestras sociedades contemporáneas. Sin miedo recoge
una serie de conferencias recientes de la autora sobre justicia, memoria, duelo, crítica
y disidencia, en las que formula, además de sus inestimables reflexiones filosóficas,
un conjunto de herramientas conceptuales con las que repensar la resistencia ante
cualquier forma de opresión. Sinopsis del libro disponible en: https://www.megustaleer.
com/libros/sin-miedo/MES-114912 consulta 13/07/2020.

35
permite ostentar el derecho sobre la vida y la muerte de la mujer.
Pero es así: “el patriarcado es un juez que nos juzga por nacer y
nuestro castigo es la violencia que no ves”, dice la primera estrofa
de “el violador eres tú” del colectivo Las Tesis4, chicas inteligentes
de Valparaíso, a 120 km de Santiago.

El viaje, la estadía y el regreso de Chile me permitieron


convivir con un desafío prioritariamente femenino, constatar que
como latinoamericanas lo que más nos asemeja con la mujereada
del mundo es el feminicidio, la impunidad para el asesino, la
desaparición y la violación seguidas de vacío y silencio, puesto
que para todas ya hubo, hay o habrá un violador en el camino y
un gran silencio que nos hace sentir culpa.

Por eso, ante la innegable verdad de sernos albo de


misoginia estallamos en potente estribillo con las chilenas: “Y la
culpa no era mía, ni dónde estaba ni cómo vestía (bisx4). El violador
eras tú. El violador eres tú”5. Y por más saludable, libertador y justo
que pueda ser ese estallido colectivo no ha sido capaz de arrancar
toda la rabia contenida contra “los pacos (carabineros), los jueces,
el Estado, el Presidente y todo macho opresor y violador que
subyuga y roba la dignidad de millones de mujeres inocentes.
Lo peor es cuando las víctimas son niñas menores de 12 años de
edad.

Les guste o no escucharlo, todos los hombres que se omiten


ante las violaciones de ese sistema injusto de raíz patriarcal
son cómplices del violador por perpetuar ese crimen, así como,
penetrada o no, en el sentido literal del término, toda mujer es

4. Hace poco más de un año, cuatro mujeres de Valparaíso -Sibila Sotomayor, Dafne
Valdés, Paula Cometa Stange y Lea Cáceres- se unieron para formar el colectivo
feminista Las Tesis. Se llamaron así porque su objetivo es traducir “tesis de autoras
feministas a un formato performático con el fin de llegar a múltiples audiencias”, según
dijeron a la página web Interferencia, de Chile. Disponible en: https://www.bbc.com/
mundo/noticias-america-latina-50610467. Consulta 14 de Julio de 2020.
5. Es así que: “Nos planteamos como premisa de grupo llevar teorías feministas a un
formato escénico de una forma simple, sencilla y pegajosa para que el mensaje de
diferentes teóricas feministas llegara a más personas que quizás no habían tenido la
oportunidad de leer o analizar”, dijo Dafne Valdés, una de las integrantes de Las Tesis. La
intervención “Un violador en tu camino” se basa en textos de la antropóloga feminista
Rita Segato, explicaron. Disponible en: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-
latina-50610467. Consulta 14 de Julio 2020.

36
violada día a día y a toda hora por el simple hecho de tener que
esconder sus curvas en las quebradas de la favela que mal protege
la agresión policial y la negligencia del Estado.

Según informe de 2018, la ONU afirma que 37 mujeres


son asesinadas cada día en el mundo y que América Latina es
la segunda región más letal para las mujeres después de África,
dice también que dos de cada tres asesinatos de mujeres son
cometidos por las parejas o familiares.

Si de número de casos se trata, Brasil (1206) y México (898)


llevan la delantera regional, de acuerdo con estadísticas de la
Comisión Económica para América Latina y El Caribe (Cepal). No
obstante, El Salvador (6.8), Honduras (5.1), Bolivia (2.3) y Guatemala
(2.0) se llevan los deshonrosos primeros puestos en el ranking de
las tasas más altas por cada 100.000 habitantes6.

El machismo nuestro de cada día interrumpe vidas preciosas,


como la de Marielle Franco en Brasil y la de tantas otras mujeres
en el mundo, sin que se investigue a fondo quien está por detrás
de la criminalidad organizada y bárbara contra mujeres hetero,
transexuales, lésbicas, travestis, etc., y Roraima (Brasil) es uno de
los estados con mayor índice de ese tipo de crimen. En octubre
de 2019, cuando estuvimos en Antofagasta para el Coloquio,
ya se registraban 41 feminicidios en lo que iba del año, según
cifras del gobierno y desde el 18 de octubre, cuando empezaron
las protestas contra la desigualdad ya se habían presentado 74
denuncias por violencia sexual en el país, según el Instituto
Nacional de Derechos Humanos (INDH).

El himno feminista del “violador eres tú” conquistó el


mundo, en muchos países las mujeres se organizaron, unieron
sus voces y fuerzas, denunciaron nuevos abusos. Crecieron los
datos sobre violaciones y todas vibramos con ese levante, motivo
de orgullo y esperanza en plena explosión de una de las arterias
latinoamericanas más afectadas por la dictadura del grande
capital7.

6. Datos disponibles en: https://www.france24.com/es/20200303-dia-de-la-mujer-


feminicidios-latinoamericano-violencia-genero. Consulta 19 de Julio de 2020.

37
La dictadura es, en grande parte, determinada por los
movimientos del acumulo monopolista bajo el comando del
imperialismo que modela y coordina el Estado dictatorial. Y
como sabemos un Estado se convierte en una dictadura cuando
se coloca contra las clases asalariadas, en general, y contra el
proletariado y compones, en especial (Ianni, 2019, p. 102). El
Estado es considerado un tipo de poder político que ignora a los
individuos, ocupándose apenas con los intereses de la totalidad
o de una clase o un grupo de entre los ciudadanos (Foucault).
Puede ser que precisamente porque nos formamos mediante la
violencia que:

la responsabilidad de no repetir la violencia de la propia


formación sea tan apremiante e importante. Podemos
formarnos perfectamente dentro de una matriz de poder,
pero eso no significa que necesitemos reconstruir esa
matriz de manera leal o automática a lo largo de nuestras
vidas (Butler, 2010, p. 230)8.

De la misma forma, para entender la tiranía masculina es


necesario discutir la construcción patriarcal de las relaciones de
género como las conocemos actualmente, pues no conseguiríamos
comprender la perpetuación de las desigualdades sexuales y
de género sin analizar la implantación del imperio heterosexual
como modelo más que dominante, exclusivo de normalidad,
eficaz por alinearse y obedecer a los intereses del sistema tirano.
Otro dato importante sobre la dictadura es que desde el comienzo
recuperó y desarrolló la tesis de que no hay pueblo, sino masa,
no hay ciudadanos, sino ignorantes e incapaces. Se defiende la
tesis de que la sociedad es desprevenida, amorfa, incompetente
y por eso necesita de tutela, la tutela de un estado fuerte que se
imponga de forma jerárquica y disciplinar.

Y adivinen, ¿quién nunca podría hacer parte de esa


organización jerárquica y detentora de poder disciplinar? Bingo,
la mujer, ella no podría ni debería aventurarse por ese camino
reservado al hombre. La mujer y las varias aproximaciones de
femineidad que integran las multitudes queer son categorías

7. Título de Octavio Ianni (1926-2004). São Paulo: Expressão Popular, 2019, 356 p.
8. Butler, Judith, 2010, Marcos de guerra. Las vidas lloradas, México, Paidós.

38
desdeñadas, consideradas incompetentes o inadecuadas para
ocupar y ejercer funciones de liderazgo. Los pocos que llegan a
ejercerlas pagan caro por eso. Como afirma Anzaldúa:

somos empujadas hacia atrás, tan lejos que tenemos que


confrontar lo que la otra gente reprime: su sexualidad, su
miedo, su racismo. Tenemos que confrontar todo –todas
las cosas en ellas– que son proyectadas en nosotras: que
estamos enfermas, que somos viles, que somos criminales,
que no somos buenas (ANZALDÚA, 2000b, p. 122)9.

Pero no esmorecen las esperanzas, estamos empeñadas


en construir una realidad más justa y digna por medio del
conocimiento que se produce a partir del espacio particular de
cada una, por tanto, no existe producción no situada. ¡Somos
saber y resistencia!

Salvador, Bahía, julio 12 de 2020

9. Anzaldúa, G. (2000b), Within the Crossroads. Lesbian/Feminist/Spiritual Development.


An Interview with Christine Weiland (1983), en AnaLouise Keating (ed.), Gloria E.
Anzaldúa. Interviews/Entrevistas, Estados Unidos, Routledge, pp. 71-127.

39
Revisando la Metodología de Aprendizaje
de Paz1

Magnus Haavelsrud2

La paz puede definirse en términos de lo que es y lo que no


es. En su teoría de la paz, (Galtung, 2013) entiende la paz positiva
como una relación entre la equidad y la armonía, mientras que
la paz negativa es la relación entre la presencia de conflictos no
resueltos y traumas no superados. Aquí seguiré al autor en su
reciente conferencia de Amberes (Galtung, 2016) y sustituiré el
concepto de armonía por el de empatía. La empatía apunta a
la capacidad de entender al otro como el otro se entiende a sí
mismo, y señala que hay una profesión específica que está bien
entrenada en la habilidad de ponerse en la posición del otro,
a saber, la profesión de actor de teatro. La equidad se define
como la cooperación para obtener beneficios mutuos e iguales,
y el trauma se entiende en términos del legado de la violencia
pasada. Los conflictos no resueltos señalan a la incompatibilidad
de objetivos entre dos o más actores.

La relación entre la paz positiva y negativa es importante en


esta teoría. En un contexto en el que hay un alto grado de paz, la
equidad y la empatía son frecuentes y los traumas no superados
y los conflictos no resueltos son pocos, si es que hay alguno. La
relación entre lo positivo y lo negativo es un proceso dinámico
en el que la construcción de la paz positiva debe considerarse en
relación con la superación de los traumas y la transformación de

1. magnush@alumni.ntnu.no
2. Publicado anteriormente en Magnus Haavelsrud (2020) y presentado en parte en el VIII
Coloquio Latinoamericano y Caribeño de Educación en Derechos Humanos reunido
en el Instituto Nacional de Derechos Humanos de la Universidad de Antofagasta, del
23 al 25 de octubre de 2019. Se presentó una versión anterior en una conferencia
y un taller bicomunales sobre la educación para una cultura de paz, organizados
conjuntamente por el Instituto de Investigación POST, Nicosia, y la Fundación Friedrich
Ebert en febrero de 2017, con el apoyo financiero de la Comisión Europea y en alianza
con la Asociación para el Diálogo Histórico y la Investigación en Chipre. La presente
versión en español fue traducida del inglés por Beatriz Vejarano Villaveces.

40
los conflictos. En otras palabras, construir la paz significa aumentar
la equidad y la empatía y disminuir la energía negativa enraizada
en los traumas no sanados y en los conflictos barridos bajo la
alfombra.

Tomaré aquí esta interpretación de la teoría de Galtung


como guía a los contenidos de la educación para la paz. Los
contenidos, sin embargo, siempre tienen relación con las formas
de aprendizaje y comunicación que luego influirán en los temas
específicos que se seleccionen dentro de los cuatro principales
conceptos de contenido de la equidad, la empatía, los traumas
no superados y los conflictos no resueltos. Esta dialéctica entre la
forma y el contenido, abre un debate sobre la manera en que una
variedad de modalidades de comunicación y aprendizaje dará
lugar a una variedad de contenido en el marco teórico sugerido.

Los temas específicos que se seleccionarán dentro de los


cuatro conceptos principales de la teoría de la paz de Galtung,
se insertan en las condiciones contextuales dentro de las
cuales tiene lugar el aprendizaje de la paz. Esto significa que las
condiciones contextuales específicas del sitio de aprendizaje son
importantes para la elección de contenido. Se debe dar prioridad
a las manifestaciones y experiencias específicas pertinentes a la
equidad, la empatía, el trauma y los conflictos en el contexto de
aprendizaje. Por supuesto, es posible seleccionar otros contextos
distintos del propio si en algún momento del proceso de
aprendizaje se establece una relación con otros.

La forma o las maneras de saber

Cuando se buscan tipos y grados de equidad, empatía,


traumas y conflictos en un contexto específico, deben hacerse
elecciones metodológicas. Los estudiantes que han vivido sus vidas
en un contexto específico tienen un conocimiento experiencial
del sitio, y es una opción importante incluir este conocimiento
experiencial en la búsqueda de respuestas. Esas experiencias
subjetivas pueden motivar a los estudiantes a comparar, debatir,
acordar y discrepar sobre cómo diagnosticar las energías de paz
positivas y negativas en el contexto. Tal vez no sea posible llegar a
un consenso entre los educandos sobre lo que puede motivarlos
a preguntar a los padres, abuelos y otros miembros de la familia y

41
la comunidad acerca de sus experiencias de vida relacionadas con
los cuatro conceptos. El conocimiento obtenido puede contribuir,
o no, a un consenso sobre la forma de diagnosticar la paz positiva
y negativa en ese contexto, lo que, una vez más, puede conducir
a otra búsqueda de conocimientos en estudios realizados en el
mundo académico y recurriendo al asesoramiento de expertos,
ya sea a través de sus escritos o mediante entrevistas. Los cuatro
conceptos, y las relaciones entre ellos, apuntan a la necesidad de
una metodología transdisciplinaria en la que ninguna disciplina
sea irrelevante3. Puede parecer, por ejemplo, que la empatía y
el trauma son fenómenos que deben abordarse en el campo
de la psicología, y abordar la equidad como un fenómeno más
arraigado en la sociología, la economía y la ciencia política. Pero
concuerdo con Galtung en que una teoría de la paz requiere una
metodología transdisciplinaria no limitada a ninguna disciplina
académica específica. Y debido a ello, los educandos pueden
llegar a conclusiones provisionales más ajustadas y correctas
sobre el nivel de paz en su contexto.

Un diagnóstico puede resultar bastante superficial si la


metodología sólo permite raspar la superficie de la realidad. Esa
superficie puede ser un epifenómeno que requiere un análisis
profundo. Por lo tanto, el diagnóstico inicial de paz positiva y
negativa en un contexto debe incluir lo que ocurrió en el pasado.
¿Qué energías de paz positivas y negativas han estado actuando
en el pasado, conduciendo a la paz, o a la falta de paz, como en el
presente? O para usar un ejemplo de la geografía: la morfología
de un paisaje se determina a lo largo del tiempo a medida que
las fuerzas de abajo, de arriba y en la superficie crean ese paisaje.
No es fácil explicar las fuerzas que actúan durante largos períodos
de tiempo en la creación de lo que es, por ejemplo, el nivel de
equidad en un contexto específico de hoy. Pero esta tarea debe ser
parte de una metodología de aprendizaje de la paz de la misma
manera que deben investigarse los otros tres conceptos: empatía,
trauma y conflictos a la luz de la historia. Si no se encuentran, o
no se pueden encontrar, respuestas a todas las preguntas, al
menos se pueden plantear preguntas de información general

3. Cf. el Capítulo 4 en Haavelsrud (2020) para una discusión de tres ejemplos tempranos
de metodologías transdisciplinarias en el aprendizaje de la paz.

42
que demuestren una humildad que incluso la ciencia necesita
cultivar4.

Es de esperar que los miembros de la comunidad tengan


su propia narrativa sobre las fuerzas históricas que actúan en la
creación de la realidad presente. Así, los estudiantes de la paz tienen
acceso a muchos conocimientos tanto en el aprendizaje informal
como en el no formal, ya que se relacionan constantemente con
amigos, colegas, parientes, medios de comunicación masivos y/o
sociales, etc. Este conocimiento es fácilmente accesible, y forma
parte del bagaje que los educandos llevan consigo cuando entran
en un entorno educativo formal. El conocimiento experimental
de las condiciones contextuales específicas a veces se tiene
muy en cuenta en la ficción. En un estudio reciente sobre la
forma en que los jóvenes autores sudafricanos aportan valiosos
conocimientos sobre las condiciones contextuales específicas
tal como las viven y las reflexionan los protagonistas de sus
novelas, se sugiere la forma en que las artes contribuyen a nuestra
comprensión de la vida cotidiana, conocimientos que pueden
ser difíciles de encontrar en cualquier investigación académica
(M. Haavelsrud, 2016). Tales observaciones de carácter cultural
son de gran interés en la búsqueda de respuestas a la pregunta
acerca de cómo se vive la realidad hoy. Sin embargo, las prácticas
y experiencias culturales actuales pueden estar marcadas por un
pasado que puede caracterizarse por un bajo nivel de paz, un
pasado de traumas no sanados y conflictos no resueltos, y con
grandes desigualdades y falta de empatía. No es difícil encontrar
ejemplos de esos pasados: pensemos sólo en la colonización, el
apartheid, la trata de esclavos, los genocidios, etc. Y muchos han
sufrido y siguen sufriendo actualmente traumas impensables en
sus vidas personales y/o familiares/comunitarias. Hasta qué punto
tales traumas pueden ser incluidos siempre en el contenido del
aprendizaje de la paz es una cuestión sin resolver debido a las
heridas personales graves causadas, quizás aún abiertas y que
pueden influir negativamente en el proceso de aprendizaje.

4. La humildad en y por la ciencia fue el tema de la cuarta conferencia de Interface


organizada por la Cátedra de Investigación de Sudáfrica en Educación para el
Desarrollo y el Departamento de Ciencia y Tecnología del Gobierno de Sudáfrica en
noviembre de 2016.

43
Una metodología transdisciplinaria que invita a la
participación de los educandos, incluyendo su conocimiento
experimental, así como una profunda indagación en su historia,
también permite aprender cómo la violencia del pasado, así
como las fuerzas de paz positivas y negativas han contribuido a
las condiciones contextuales actuales. Las historias que relatan
la subyugación y la opresión también pueden contar la historia
de las hegemonías actuales de las preferencias epistemológicas
sancionadas en la academia. Por lo tanto, sería parte del proceso
de sanación reconocer las injusticias cognitivas enraizadas en la
supresión de culturas y sistemas de conocimiento autóctonos
en el pasado (Catherine Odora Hoppers, 2002). Esta inclusión
del conocimiento experimental de los estudiantes y de la
propia narrativa de la historia debe tratarse con humildad y
modestia desde la ciencia tal como es. Esa sanación contribuiría
a la construcción de la paz mediante la justicia cognitiva5. Esto
significa que la forma de comunicación/aprendizaje y enseñanza
tiene que ser sensible a los códigos culturales básicos de cada
contexto, ya que las preferencias culturales están siempre en
relación dialéctica con la selección de los contenidos, tema que se
trata con más detalle en Cabezudo y Haavelsrud (2007).

Contenido

Una visión diacrónica

Como se ha señalado anteriormente, con estas formas de


saber el aprendizaje de la paz se convierte en un ejercicio para
conocer y explicar los cuatro conceptos de la teoría de la paz
de mayor significado. Este significado se obtiene de múltiples
fuentes, como se mencionó previamente. Y el conocimiento de
todas las fuentes posibles es relevante en la búsqueda de un
diagnóstico que esté enraizado en la comprensión de la historia
de la evolución de la paz a lo largo del tiempo (cómo se relaciona

5. La justicia cognitiva, concepto introducido por Visvanathan (1997), ha sido uno de los
pilares de la investigación de la Cátedra de Investigación de Sudáfrica en Educación
para el Desarrollo desde 2008. Véanse, por ejemplo, Odora Hoppers and Richards
(2012) y el número especial editado por Odora Hoppers del International Journal of
Development Education and Global Learning, Vol. 7 No. 2, 2015 y su artículo (Odora
Hoppers, 2015) titulado “Cognitive Justice and integration without duress: The future
of development education - perspectives from the South.”

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“lo que fue” con “lo que es”). Si no se altera el statu quo, podemos
extrapolar lo que será la “paz” previsible para el futuro. Si la ‘paz’
actual se caracteriza por un alto grado de equidad y empatía
y bajo en traumas y conflictos no resueltos, podemos dejarla
como está y asegurar el apoyo para su reproducción en el futuro.
Pero si el presente se caracteriza por una paz poco positiva y
muy negativa, se necesitan intervenciones para provocar el
cambio. Entonces, hay que trabajar mucho para decidir sobre las
estrategias necesarias para transformar la realidad de “lo que es”
en “lo que debería ser”6.

Equidad Empatía Trauma Conflictos


Fue
Es
Será
Debería ser
Estrategia
Acción
Tabla 1: Contenidos en la educación para la paz: Una visión diacrónica

Sincronismo

Pero la búsqueda de estrategias para la transformación


también requiere que la perspectiva diacrónica se complemente
con una perspectiva sincrónica. En cualquier momento en el
tiempo en que se considere la paz (en el pasado, el presente y el

6. Un ejemplo relacionado con los traumas recientes en Chile: Cuando visité el Museo
de la Memoria en Santiago de Chile, quedé impresionado por la profundidad de la
exposición y me llamó la atención un texto sobre uno de los monumentos que vi: “Si
estoy en tu memoria, soy parte de tu historia”. Cuando los participantes de nuestra
conferencia sobre educación en materia de derechos humanos en la Universidad de
Antofagasta visitaron unos días después los monumentos de esa ciudad, se destacó
nuestra responsabilidad como educadores en materia de derechos humanos cuando
leímos “Nadie muere mientras la memoria está viva” y “ Frente a mi ausencia obligada,
un legado invita a vivir”. Cerca de allí estaba la casa, junto a una iglesia, donde las
víctimas habían sido torturadas y asesinadas. Esta casa estaba cerrada al público y era
utilizada por personal militar. Los miembros de la iniciativa local a favor de abrir la casa
al público participaron en nuestra conferencia y su presentación fue un ejemplo de
cómo estos traumas del pasado podrían ser más reconocidos en un futuro “debería
ser”. Sus acciones y estrategias apuntaban a convertir esa casa en un monumento.

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futuro), se presenta el gran desafío de desarrollar la comprensión
de las relaciones entre lo micro y lo macro. La búsqueda de
cómo se relacionan las unidades de análisis, que van desde los
actores individuales hasta las unidades macro como los estados,
en términos de los cuatro conceptos de paz es un proceso
interminable de búsqueda e investigación con un espíritu
transdisciplinario, buscando integrar no sólo los conocimientos
derivados de las experiencias de vida de los actores y comunidades
no académicos, sino también los conocimientos académicos. Esta
búsqueda depende también en gran medida del grado en que las
cosmovisiones de las comunidades y las epistemologías nativas
e indígenas se integren en lo que se considera un conocimiento
válido en ámbitos académicos.

Cambiar las condiciones contextuales

El propósito fundamental de la metodología de aprendizaje


de la paz es contribuir a transformar las condiciones contextuales
problemáticas para que la paz positiva se haga más fuerte y la paz
negativa más débil. Y se ha argumentado que esta construcción
de la paz requiere formas de aprendizaje o maneras de saber
que inviten a los educandos a buscar e investigar condiciones
contextuales pasadas y presentes. El diagnóstico al que se llegue
dejará claro lo que hay que hacer. La brecha entre el diagnóstico y
la prescripción en relación con los cuatro conceptos de la teoría de
la paz es lo que requiere ser zanjada. Y el camino a seguir para crear
condiciones contextuales pacíficas también debe especificarse.
El desarrollo de este conocimiento estratégico es, por lo tanto,
un paso nuevo y necesario en la metodología de aprendizaje
de la paz. Este conocimiento puede ir desde cambios macro y
estructurales hasta cambios de actitudes y de comportamientos.

Cualesquiera que sean el nivel y el enfoque, es necesario


aplicar las estrategias recomendadas. Como Paulo Freire (2000)
señaló tan claramente, reflexionar sobre un tema es solo verbalismo;
y solo actuar, sin reflexionar sobre la acción, es activismo. Los dos
juntos constituyen la praxis, que es el conocimiento que se abre
camino hacia la creación de nuevas realidades. Y a través de la
puesta en práctica del conocimiento surge un nuevo aprendizaje.
La aplicación misma de la praxis mostrará hasta qué punto puede
sustentar el objetivo de crear nuevas condiciones pacíficas.

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Sin embargo, una cuestión importante es develar cómo
interactúan la reflexión y la acción. Una forma de obtener
conocimiento es actuar primero y luego aprender. Pensemos
en cuánto debió aprender Gandhi sobre el racismo cuando lo
arrojaron del tren en Sudáfrica porque no era blanco. Pensemos
en cómo Rosa Parks aprendió sobre el mismo tema cuando se
sentó en el asiento delantero del autobús en Alabama. Es posible
que Gandhi fuera tomado por sorpresa, mientras que Parks había
reflexionado sobre su acción antes de actuar. En ambos casos,
aprendieron de las consecuencias de sus acciones. Y puede ser
que los primeros años de vida de Gandhi, especialmente durante
su estancia en Sudáfrica, fueran un constante aprendizaje sobre
las desigualdades, la falta de empatía de los blancos, incluida
su negativa a abordar los traumas y conflictos. Parece que sus
posteriores contribuciones a la no violencia presuponen este
aprendizaje temprano. Sin este aprendizaje puede que no hubiera
desarrollado sus grandes contribuciones a la no violencia que
condujeron a la independencia de la India de la colonización
británica.

A modo de síntesis

El diagnóstico de un contexto específico en términos de


paz positiva y negativa indicará a los educandos los aspectos
específicos desde los cuales las desigualdades y la falta de
empatía deben ser problematizadas y transformadas en equidad
y empatía y, de ese modo, aumentar la energía de la paz positiva.
Asimismo, se necesita un diagnóstico (en términos) acerca de
cómo las energías negativas de las experiencias traumáticas
y de los conflictos que deben ser transformados constituyen
obstáculos para la construcción de la paz.

Las intervenciones deben ser diseñadas para cerrar la


brecha entre “lo que es” y “lo que debería ser”. Esta última es una
visión de un futuro caracterizado por un alto grado de equidad
y empatía así como (y) un bajo nivel de traumas no sanados y
conflictos no resueltos. La brecha que debe cerrarse entre el bajo
nivel de paz actual y esta visión puede ser un desafío difícil de
superar. Pero es imperativo aclarar este tema en el aprendizaje
de la paz, ya que no se puede intervenir en el statu quo sin este
conocimiento estratégico. Y en armonía con la tradición de la

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concientización freireana, el desarrollo del conocimiento depende
de la interacción entre la reflexión y la acción. Juntas constituyen
la praxis, esencia de la metodología que presento en este artículo.

La praxis no puede ser concebida sin considerar tanto los


métodos como la teoría. Las relaciones entre la teoría y los métodos
constituyen la metodología. Los métodos de educación para la paz
que no están enraizados en una teoría de la paz, y una teoría de la
paz que no está enraizada en métodos para su realización, carecen
ambos de (la) dialéctica entre ellos. Así, los métodos no pueden
decidirse sin tener una teoría de cómo lograr la paz. Y una teoría
de la paz no puede evitar incluir el conocimiento estratégico de las
formas de lograr la paz. Anteriormente he acuñado esta dialéctica
como las relaciones entre la forma y el contenido (M. Haavelsrud,
2010). Arriba, he profundizado en estas relaciones centrándome
en las formas de saber en relación con los contenidos relacionados
temáticamente con los cuatro pilares de la teoría de la paz de
Galtung. La dialéctica entre forma y contenido en términos de las
condiciones contextuales existentes y deseadas es imperativa en
mi opinión. El propósito de una metodología de aprendizaje de
la paz en esta perspectiva es contribuir a salvar la brecha entre el
“es” y el “debería ser” en condiciones contextuales que carecen de
equidad y empatía y que requieren enfrentar traumas y conflictos.
En otras palabras, el propósito del aprendizaje de la paz es ayudar
a crear una paz más positiva y reducir la influencia de la paz
negativa7.

Desde la perspectiva que se esboza aquí, el aprendizaje es


un factor de transformación de la sociedad de la violencia a la paz.
Las condiciones contextuales existentes se evalúan en términos
de criterios derivados de la teoría de la paz. Y esta evaluación
se utiliza de nuevo para medir la distancia hasta la visión de
aumentar las energías de paz positivas y disminuir las negativas.
Esta metodología propuesta para el aprendizaje de la paz se basa
en la convicción de que todos los seres humanos son sujetos
que tienen el derecho y el deber de participar en la rectificación

7. Para un reciente estudio de caso sobre la construcción de la paz y la acción restaurativa


en la región ártica de Barents basada en parte en la teoría de la paz de Galtung, véase
Rasmussen (2016).

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de los errores de ayer y hoy, participando en la creación de
futuros deseables. Este derecho también se basa en una visión
del ser humano como un sujeto dinámico y transformador
cuyo propósito y deber es contribuir a la creación de la historia
del futuro. Este noble propósito puede cumplirse mejor si las
condiciones del contexto son favorables a la paz. Cuando estas
condiciones no están presentes, la tarea de los ciudadanos es
ayudar a crear esas condiciones. La lucha por unas condiciones
contextuales más pacíficas en contextos de no paz requiere una
metodología de aprendizaje de la paz que no sólo ayude al ser
humano a conservar su dignidad en un mundo humillante, sino
que también dirija esta dignidad hacia objetivos de condiciones
contextuales más dignas.

Bibliografía

Cabezudo, A., & Haavelsrud, M. (2007). Rethinking Peace


Education. In C. Webel & J. Galtung (Eds.), Handbook of Peace and
Conflict Studies (pp. 279-206). London, New York: Routledge.

Freire, P. (2000). Pedagogy of the oppressed (30th anniversary ed.


ed.). New York; [Great Britain]: Continuum.

Galtung, J. (2013). A Theory of Peace: Transcend University Press.

Galtung, J. (Writer). (2016). Lecture by prof. dr. Johan Galtung on


21 April 2016 at the University of Antwerp (Belgium). In. youtube.
com: UCSIA Chair in Peace Education, Antwerp.

Haavelsrud, M. (2010). Education in developments: Volume 2.


Maastricht: Shaker Publishing.

Haavelsrud, M. (2016). Contextual Specificity in Peace Education.


In S. Maphosa & A. Keasley (Eds.), Peace Education for Violence
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difference? (pp. 67-92). Pretoria: Africa Institute of South Africa,
Human Sciences Research Council.

Haavelsrud, M. (2020). Education in developments: Volume 3. Oslo:


Arena.

49
Odora Hoppers, C. (2002). Indigenous knowledge and the integration
of knowledge systems: towards a philosophy of articulation.
Claremont: NAE.

Odora Hoppers, C., & Richards, H. (2012). Rethinking thinking:


Modernity’s “other” and the transformation of the university. Pretoria:
University of South Africa.

Rasmussen, A. J. (2016). Colonialism, Peace and Sustainable Social


Cohesion in the Barents Region - Creating Theoretical and Conceptual
Platforms for Peace Building and Restorative Action. Presentation at
the retreat of the South African Research Chair in Development
Education, Unisa, Pretoria, November 26.

Visvanathan, S. (1997). A carnival for science: essays on science,


technology and development. Delhi; Oxford: Oxford University
Press.

Zembylas, M. (2015). Emotion and traumatic conflict: reclaiming


healing in education: Oxford; New York: Oxford University Press,
[2015].

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Trilhas e testemunhos em San Pedro do Atacama
e Antofagasta de 19 a 26 de outubro de 2019

Maria de Nazaré Tavares Zenaide

Tinha decidido fazer um esforço pessoal para ir participar do


VIII COLOQUIO LATINOAMERICANO Y CARIBEÑO DE EDUCACIÓN
EN DERECHOS HUMANOS: “Educación en Derechos Humanos y
Democracia en América Latina y el Caribe”, ação de promoção
da Rede Latino-americana e Caribenha de Educação em Direitos
Humanos (RedLaCEDH) e a Universidade de Antofogasta- Chile,
com amigos da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos.

Uma professora mineira, cineasta e visitante na UFPB me


alertou, não deixe de ver a película sobre memória e verdade
“Nostalgia da Luz” do chileno Patrício Guzmán, antes de ir. “Vá
visitar o deserto de Atacama antes que o destruam!”

A trilha de Atacama começa saindo de João Pessoa no dia


16 de outubro de 2019 para São Paulo, onde realizei uma visita
pedagógica junto ao Memorial da Resistencia, tratando do tema
da Memória, Verdade e Educação para Nunca Mais, objeto de
pesquisa junto à Comissão da Verdade da UFPB e da Comissão
Municipal da Verdade de João Pessoa.

No dia 17 de outubro de 2019 (quinta-feira), das 9h às 16h

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visitei o Instituto Herzog onde dialoguei com a equipe pedagógica
sobre educação para nunca mais e memória da resistência. O
Instituto Herzog no esforço de preservar a memória não deixando
que se apagasse os rastros sobre a morte de Herzog, lutou décadas
no âmbito político e jurídico até conseguir o reconhecimento da
morte sob tortura de Vladimir Herzog na sede do DOPS em São
Paulo em 25 de outubro de 1975.

Diretor de Jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog


enfrentou uma campanha acusatória de setores da ultradireita
após sua posse como diretor do canal de TV. Nos anos de 1975 os
órgãos da repressão investiram na repressão aos jornalistas pois
cerca de 12 jornalistas foram presos e torturados no DOI-CODI de
São Paulo. A morte de Vladimir Herzog sob tortura, só foi revelada
após 38 anos da sua morte pela luta da família e amigos. Em 15 de
maio de 2013, numa Caravana da Comissão de Anistia, a família
conquista das mãos do Estado o atestado de óbito substituindo
a versão de suicídio para a morte após sessão de “lesão e maus
tratos”, recomendação esta da Comissão Nacional da Verdade
(CORINGA, EBC, vídeo).

O Instituto Herzog após mais de trinta anos desenvolve


estudos e pesquisas, além da ações de educação para nunca
mais, um compromisso com a memória e a verdade sobre o
autoritarismo no Brasil.

No mesmo dia, no horário da tarde, após o almoço com a


equipe do Instituto Herzog, visitei o Instituto Paulo Freire, quando
colaborei com uma palestra “História da Educação em Direitos
Humanos no Brasil”, para o Curso “Educação em Direitos Humanos:
Avanços e Desafios”, promovido pela EaD Freiriana do Instituto
Paulo Freire, localizado no bairro Alto da Lapa, na capital paulista.

Enfim, na madrugada do dia 19 de outubro de 2019, me


encontrei com os amigos de viagem, eu, Maria de Nazaré Tavares
Zenaide (UFPB), Virginia Leal (UFPE) e Clodoaldo e Elisângela
Cardoso (UNESP-Bauru) com quem partimos em direção ao Chile,
começando o trajeto da viagem de estudo e cultural pelo deserto
de Atacama chegando em Calama, no dia 20 de outubro de 2019.

Quando no avião atravessava a Cordilheira dos Andes,

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a emoção tomava o coração e a mente. A velha cordilheira que
ao derreter gelos alimenta rios e fontes subterrâneas que dão
sustentação ao deserto nos explica por que de cima do espaço o
Atacama aparece com sua cor forte de terra, uma terra tonalizada
de ancestrais pré-colombianos e indígenas que resistiram ao
processo de colonialismo, mas também, de trabalhadores que
foram escravizados para o trabalho das minas, assim como, dos
jovens que lutaram contra a ditadura de Pinochet.

Emocionei-me a me ver diante do Deserto do Atacam


com sua força ancestral e de memória. Ao ver as mineradoras e
os turistas entendi o alerta de ir ao Atacama, esse símbolo da
resistência humana na América Latina.

No aeroporto de Santiago apenas trocamos de aeronave


indo direto para o aeroporto de Calama, onde pegamos uma Van
que nos levou para a cidade de São Pedro do Atacama. O Chile
tinha acabado de instituir Toque de recolher e isso iria alterar
nossa experiência em direitos humanos durante o tempo de visita
de intercambio em Chile.

Na estrada a paisagem me moveu para minha infância na


região da seca no Brasil, o cariri paraibano onde passei minha
infância convivendo com essa outra região onde o sol chega de
forma distinta na terra, e onde existem rastros ancestrais, assim
como nas noites do cariri, um céu repleto de estrelas. Distinto da
seca nordestina e do cariri paraibano, o Deserto do Atacama não
tem árvores, só o sol ardente e as estrelas testemunhas do trabalho
escravo nas minas e dos presos e desaparecidos políticos.

No caminho para São Pedro de Atacama, cenas de cruzes de


morte desfilam na beira da estrada para nos lembrar dos mortos
moradores do deserto. Os tons de terra, que vão do branco ao
preto tonalizam a fotografia, um banco inesgotável de cores e tons
de cinza, amarelo, vermelho e marrom desenham a paisagem.

Ansiosos para chegar, quando avistamos dos altos tons verde


sinalizando a cidade de São José lá em baixo nos deparamos com
o oásis São Pedro de Atacama. Descemos a montanha admirando
a beleza esculpida pelo vento sob a poeira fina e marrom de terra.
Um oásis no meio do deserto de Atacama, um lugar onde a poeira

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fina corre feito doido sem prisões entre serras, rochas e vulcões.
Lagoas geladas e salgadas em terras indígenas contrastam a aridez
do Deserto, um canto onde as geleiras transformam a paisagem,
preservando no subterrâneo do Deserto do Atacama fontes de
água onde os animais e o homem podem afagar a sede.

A cidade de São Pedro do Atacama é um pequeno vilarejo,


com casas de taipa, uma, distinta da do nordeste brasileiro, pois
o barro misturado com minérios e uma espécie de capim pois
ajudam a preservar a temperatura em tempos de calor e frio. A
poeira fina sobe cada vez que um carro passa nas ruas estreitas
de barro, onde moradores e turistas se mesclam nas beiradas de
calçadas estreitas.

Ao chegar na pousada arriamos as malas e fomos atrás de


um restaurante na rua para comer pois estávamos há quase 24
horas sem alimentação. Uma comida artesanal maravilhosa e um
vinho chileno para guardar a memória gustativa. As casas estavam
coloridas com a bandeira do Chile e nas portas estava afixado um
papel com um convite para uma manifestação contra o governo
do Chile a ser realizada na mesma noite que chegamos. Assim que
retornamos a pousada, ouvimos os barulhos de caçarolas com
a manifestação e marcha nas ruas de São Pedro, com protestos
contra a falta de água, educação e trabalho. O Chile começava a
fazer barulho para acordar o mundo do que um sistema fundado
na exploração e opressão leva o ser humano a fome e a miséria.

Durante o caminho de vinda de Calama conhecemos


um companheiro que dirigia a Van, um jovem filho de um ex-
sindicalista com quem fizemos amizade e nos deu apoio enquanto
estávamos em São José. Sentimos-nos em casa, e com ele já

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trocamos ideias e sugestões. Já acertamos logo nosso retorno
para Antofogasta no dia 23 de novembro de 2019.

Nosso tempo em São Pedro era de apenas três dias, pois


dia 23 começaria nosso Colóquio em Antofogasta. Preenchemos
esses dias com passeios junto às fontes de agua quente, as lagoas
geladas e as estrelas na noite do Deserto do Atacama.

Na primeira noite já sentimos que o som das panelas


acompanhariam toda a nossa viagem ao Chile, os movimentos
sociais estavam dizendo não ao neoliberalismo e toda a sua politica
de destruição da vida. Toda a cidade era palco de manifestações.

Como o Chile tinha decretado Estado de Crise o cenário


começava a tensionar o Deserto de Atacama, o deserto encravado
de memórias escutavam vozes passadas gritando de dor, a
população nas ruas batendo caçarolas anunciava que viveríamos
momentos de resistência politica. Uma aula de direitos humanos
em terras ancestrais.

Nesse momento, os familiares já começavam a nos telefonar


pedindo que saíssemos do Chile via Bolívia. Como sair do Chile?

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Não havia transportes aéreos e nem ônibus, a paralisação era
geral. Fomos de tarde para praça onde houve uma grande
concentração, envolvendo mapuches, chilenos e estrangeiros.
Professores e estudantes com faixas denunciando o descaso com
a escola, a falta de agua e emprego, o modelo chileno escancarava
as contradições e o povo começava a gritar.

Foi ai que me emocionei ao ver e tocar na bandeira Mapuche


balançando ao vento anunciando dias de lutas e resistências.
Tratei logo de procurar ver se conseguia adquirir uma boneca
mãe terra mapuche para minha filha e uma bandeira chilena.

A empresa com quem havíamos contratado a viagem de


Van para Antofogasta entra em contato e avisa que não vão mais
poder manter a viagem, pois as estradas estavam fechadas. Diante
de muito dialogo conseguimos que nosso amigo dialogasse com
o movimento social para ver nos liberaríamos para sair de São
Pedro do Atacama em 22 de outubro de 2019, direto para Calama.

Na estrada na saída de São José do Atacama os pneus


queimados e pedras dividiam a estrada como rastro da luta local.
Na estrada de São Pedro do Atacama para Calama e Antofogasta
não sabíamos o que nos esperava, mas cada passo dado em direção
a Antofogasta para nós brasileiros em tempos de Estado de Sítio
era uma vitória. Em Calama, não havia vôos e nem ônibus para
Antofogasta. O jovem que nos condizia de volta nos assegurou,
não deixarei vocês sem pouso caso não encontre um ônibus para
Antofogasta. As luzes do sol do deserto iluminou nosso caminho,
pois ao chegar em Calama, o cenário era de luta de rua.

Conseguimos na ultima empresa que encontramos um


único ônibus que iria para Antofagasta e tinha cinco lugares
que caberia nossa equipe. O aeroporto encontrava-se fechado,

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ninguém entrava, ninguém saia. Não haveria tempo nem
condições de conhecermos em Calama e seus Sítios de Memória
e o movimento das mães de Calama, era preciso chegar em
Antofogasta onde tínhamos amigos e apoio.

O percurso de Calama para Antofogasta era vermelho,


vermelho de terra, de poeira de minerais das minas ainda em
funcionamento, a rodovia era uma grande reta, só víamos
deserto e a estrada de trem paralela. No caminho passamos por
um canteiro de obras das empresas mineradoras, arrodeados de
casebres de madeira, flande e de material reciclado, sinalizando a
pobreza dos trabalhadores das minas.

Ao longe os símbolos dos ancestrais pré-colombianos nos


miravam pelas montanhas seguindo nossos passos no Deserto
do Atacama, as montanhas estavam repletas de rastros fincados
na pedra comunicando ao mundo que a politica de genocídio
do colonialismo e capitalismo não destruiria a memória de uma
história de resistência.

Fonte: rastros pré-colombianos no Atacama em TECNOLOGIA E


CIÊNCIA 03/01/2015 - 05h01 (Atualizado em 03/01/2015 - 09h21)

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No documentário “Nostalgia da Luz” de patrício Guznán
descobrimos que em Chacabuco, que casas de trabalhadores
nas instalações abandonadas do antigo escritório de nitrato de
Chacabuco, na atual comunidade de Sierra Gorda no deserto
do Atacama, funcionou a 100 km da cidade de Antofagasta um
campo de concentração de presos políticos.

O deserto do Atacama é o único testemunho de uma longa


história da América Latina, pois nem o sol ardente conseguiria
destruir os rastros de violência. No campo de concentração de
Chacabuco médicos e arquitetos ensinaram noções de astrologia
aos presos políticos para poderem escrever e guardar a memória
sobre a arquitetura da dor.

Fonte: Campo de Concentração de Chacabucco, Chile


Dispoinivel em: http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/latin_america/
newsid_4157000/4157236.stm#xq6

Ao descer a última serra do Deserto do Atacama


encontramos o mar naquele contraste magnifico da natureza.
Antofogasta uma cidade na beira da praia, como uma faixa de
terra estreita ente o mar e a serra do deserto de Atacama. Lá
em baixo a cidade encravada no pé da serra entre o deserto e o
Pacifico. Ao longo da descida da serra, encontrava as cabanas de
sucatas da maioria da população em contraste com os prédios
simbolizando o moderno e o desenvolvimento com a exclusão
social. A paisagem do capitalismo feroz escancara ao entrar na
cidade, para entendermos a reação popular de 2019 no Chile.

Descemos na rodoviária e fomos direto ao hotel. Ao chegar


soubemos que o hotel não teria jantar. Fomos ao supermercado,
mas o exercito não deixou entrar. Fomos dormir com o estomago

58
vazio. Na manha do dia seguinte reunimos com Victoria da
Universidade de Antofogasta para analisar o cenário e ver os
encaminhamentos sobre o Colóquio, uma vez que os aeroportos já
estavam sendo fechados impedindo que os demais participantes
chegassem ao Chile. Conseguimos almoçar num restaurante
vizinho ao hotel.

De tarde, Clodoaldo entrou em contato com os membros


da Red que estavam em São Pedro do Atacama para reunirmos
na praça. durante a reunião soubemos do fechamento dos
aeroportos e companhias aéreas, com isso, a constatação que
não havia condições de realizarmos o Colóquio Internacional
no modelo planejado. Mapeamos os membros da Red
Latinoamericana e Caribenha de Educação em Direitos Humanos
que haviam chegado ao Chile e decidimos em estruturar outro
formato de Colóquio, em tempos de Estado de Crise, faríamos
“Resistencia Antofogasta”. Victoria representando a Universidade
de Antofogasta e Aida Monteiro como coordenadora da Rede, com
o apoio do reitorado, tomaram a decisão de declarar a suspensão
do VIII Coloquio Latinoamericano y Caribeño de Educación en
derechos humanos.

Após o almoço fomos a Universidade de Antofogasta


onde reunimos com os membros da rede que haviam chegado
e organizamos o Evento Resistencia Antofogasta, de 23 a 25 de
novembro de 2019.

No dia seguinte, durante a abertura do evento, o reitor


da Universidade de Antofogasta que nos saudou e garantiu

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nossa segurança na universidade para reunir durante os dias
do Colóquio, de 23 a 26 de outubro de 2019. Identificamos as
caravanas e montamos nossa programação, articulando roda de
diálogos, visitas a sítios de memória, encontro com as marchas da
resistência e uma confraternização antes do retorno.

Com a conjuntura em curso e a resistência chilena a


memória e a verdade teve centralidade no Colóquio. Abrimos
nosso encontro com uma palestra da profa. Alicia Cabezudo,
realizamos rodas de conversas com membros do Sítio de Memória
Providencia e Nazaré Zenaide sobre politica memória e verdade
como eixo da educação em direitos humanos no Brasil. Após a
roda de diálogo realizamos uma oficina preparando o material da
visita ao Sítio de Memória Providencia.

No segundo dia, com cartazes nas mãos pegamos o


ônibus guiados por Victoria e Hector e outros militantes do Sítio
de Memória da cidade de Antofogasta fomos pessoalmente em
grupo fazer uma visita-aula ao Sítio de Memória Providencia a
Universidade de Antofagasta. Ao chegarmos no Sítio de Memória
Providencia nos dirigimos ao portão ao lado onde fica a entrada
de uma unidade do exército, quando nossos anfitriões tentaram
dialogar na perspectiva de conseguirmos entrar no memorial.
Os comandantes presentes não autorizaram nossa entrada, em
virtude da decretação do Estado de Sítio. O Sítio de Memória
Providencia foi parte de uma Congregação Religiosa das Irmãs
da Providência, onde funcionou, ao mesmo tempo, um centro
educacional e um centro clandestino de detenção, inteligência e
tortura sob a guarda dos Carabineros durante a ditadura no Chile.

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O que nos chamou nossa atenção é de que a repressão
cravou ali o território de morte num templo religioso como
que para apagar vestígios. Ao redor, no mesmo território, nos
deparamos com o cemitério da cidade e em frente, um Memorial
em homenagem aos assassinados pela Caravana da Morte,
um painel de cimento pintado de vermelho carmim, onde fica
imagens e nomes em placas para a sociedade possa recordar e
não esquecer dos que lutaram e foram mortos pela repressão, um
espaço de testemunhos da história.

Minha frustação foi em não ter conseguido visitar a região


onde ficam os grandes telescópios maiores da terra e a região
onde as mães dos presos políticos cavam até hoje procurando
os rastros de apagamento da violência de Pinochet. Ainda sonho
retornar ao Atacama para visitar com tempo Calama e dialogar
com o movimento de mulheres que lutam contra o esquecimento.
Ao descer a última serra do Deserto do Atacama encontramos o
mar naquele contraste magnifico da natureza. Antofogasta uma
cidade na beira da praia, como uma faixa de terra estreita ente
o mar e a serra do deserto de Atacama. Lá em baixo a cidade
encravada no pé da serra entre o deserto e o Pacifico. Ao longo da
descida da serra, encontrava as cabanas de sucatas da maioria da
população em contraste com os prédios simbolizando o moderno
e o desenvolvimento com a exclusão social. A paisagem do
capitalismo feroz escancara ao entrar na cidade, para entendermos
a reação popular de 2019 no Chile.

Descemos na rodoviária e fomos direto ao hotel. Ao chegar


soubemos que o hotel não teria jantar. Fomos ao supermercado,
mas o exercito não deixou entrar. Fomos dormir com o estomago
vazio. Na manha do dia seguinte reunimos com Victoria da
Universidade de Antofogasta para analisar o cenário e ver os

61
encaminhamentos sobre o Colóquio, uma vez que os aeroportos já
estavam sendo fechados impedindo que os demais participantes
chegassem ao Chile. Conseguimos almoçar num restaurante
vizinho ao hotel.

De tarde, Clodoaldo entrou em contato com os membros


da Red que estavam em São Pedro do Atacama para reunirmos
na praça. durante a reunião soubemos do fechamento dos
aeroportos e companhias aéreas, com isso, a constatação que
não havia condições de realizarmos o Colóquio Internacional
no modelo planejado. Mapeamos os membros da Red
Latinoamericana e Caribenha de Educação em Direitos Humanos
que haviam chegado ao Chile e decidimos em estruturar outro
formato de Colóquio, em tempos de Estado de Crise, faríamos
“Resistencia Antofogasta”. Victoria representando a Universidade
de Antofogasta e Aida Monteiro como coordenadora da Rede, com
o apoio do reitorado, tomaram a decisão de declarar a suspensão
do VIII Coloquio Latinoamericano y Caribeño de Educación en
derechos humanos.

Após o almoço fomos a Universidade de Antofogasta


onde reunimos com os membros da rede que haviam chegado
e organizamos o Evento Resistencia Antofogasta, de 23 a 25 de
novembro de 2019.

No dia seguinte, durante a abertura do evento, o reitor


da Universidade de Antofogasta que nos saudou e garantiu
nossa segurança na universidade para reunir durante os dias
do Colóquio, de 23 a 26 de outubro de 2019. Identificamos as
caravanas e montamos nossa programação, articulando roda de
diálogos, visitas a sítios de memória, encontro com as marchas da
resistência e uma confraternização antes do retorno.

62
Com a conjuntura em curso e a resistência chilena a
memória e a verdade teve centralidade no Colóquio. Abrimos
nosso encontro com uma palestra da profa. Alicia Cabezudo,
realizamos rodas de conversas com membros do Sítio de Memória
Providencia e Nazaré Zenaide do Brasil. Após a roda de diálogo
realizamos uma oficina preparando o material da visita ao Sítio de
Memória Providencia.

No segundo dia, com os cartazes nas mãos pegamos o ônibus


com a companhia de Victoria e Hector e de outros militantes, a
agenda seria fazer uma visita-educativa no Sítio de Memória da
cidade de Antofogasta. Ao chegarmos no local nos dirigimos ao
portão ao lado onde fica a entrada de uma unidade do exército,
quando nossos anfitriões tentaram dialogar na perspectiva de
conseguirmos entrar no memorial receberam a negativa com a
justificativa da decretação do Estado de Sítio. O Sítio de Memória
Providencia foi parte de uma Congregação Religiosa das Irmãs
da Providência, onde funcionou, ao mesmo tempo, um centro
educacional e um centro clandestino de detenção, inteligência e
tortura sob a guarda dos Carabineros durante a ditadura no Chile.
O que nos chamou nossa atenção é de que a repressão cravou ali
o território de morte num templo religioso como que para apagar
vestígios para implantar uma politica de esquecimento (RICOEUR,
2007).

Buscamos outros vestígios ao redor, no mesmo território, nos


deparamos com o cemitério da cidade e em frente, um Memorial
em homenagem aos presos políticos assassinados pela Caravana
da Morte, um painel de cimento pintado de vermelho carmim,
onde fica as imagens e nomes das vitimas em placas coladas nas
paredes como uma exposição ao ar livre para que cada cidadão
que ali passe possa recordar e não esquecer dos que lutaram e

63
foram mortos pela repressão, um espaço de testemunhos da
história. Na rua de baixo, ao retornar nos deparamos com a sede
do partido comunista toda pintada de cores vibrantes, tudo isso,
no mesmo território de memória.

Como afirma Assmann (2011) os locais de memória


constituem locais de recordação e de educação para nunca mais.
Nessa trilha dialogamos com a dor, o gemido e a sombra da
violência que impregna a terra, as pedras, as paredes, as praças e
os locais de detenção. Por isso, a visita-solidária é relevante para
construção da memória coletiva.

Na volta do Providencia ainda tentei ir ao comércio para ver


se encontrava alguma livraria aberta para ver se poderia adquirir
livros de memória do Chile. O comercio estava todo fechado e as
ruas coloridas de manifestantes, protestando contra o modelo
excludente e violento do governo de Sebastián Piñera.

Aproveitei entrei na manifestação, comprei uma bandeira e


uma corneta e atravessei toda a manifestação, tirei fotos, conversei
com as pessoas e me dirigi ao hotel. Mulheres, crianças, jovens,
trabalhadores e estudantes com caçarolas nas mãos não queriam
mais sofrer a exploração calados e de braços fechados, faixas,
bandeiras e caçarolas coloriam a cidade. Mesmo com o horário
de recolher, as panelas cantavam ao silencio da noite. O Chile não
silenciava, gritava para si e para o mundo, Basta de opressão!

No ultimo dia em Antofogasta almoçaríamos na casa de


Victoria pois os nossos anfitriões organizaram uma atividade
cultural de despedida do Colóquio. Estavam presentes as
delegações da Argentina, Uruguai, Brasil, Chile e Colômbia.

64
No dia seguinte nos despediríamos do Chile de volta ao
Brasil, com o Chile em luta dando exemplo de que a educação em
direitos humanos é essencialmente um ato politico e de resistência.
A “Resistência Antofogasta” foi a versão coletiva construída
pelos educadores da Rede Latinoamericana e Caribenha de
Educação em Direitos Humanos em tempos de autoritarismo
e resistência em Antofogasta quando fomos participar do VIII
Colóquio Latinoamericano y Caribeño de Educación en Derechos
Humanos. Como eixo do diálogo, discutimos autoritarismo,
resistência e educação para nunca mais, assim como cultura de
paz, democracia e direitos humanos na América Latina, pois “Sem
a recordação só há morte” (MÈLICH, 2000).

No retorno encurtamos a viagem de volta, pois estava


previsto uma visita a Santiago e aos sítios de memória. Diante
do Estado de Emergência a Empresa Aérea Tam antecipou nosso
retorno ao Brasil.

O Chile e o Deserto do Atacama são territórios de memória e


resistência na América Latina. O Chile nos proporcionou uma aula
de História da Resistência. Agradecemos o apoio, a solidariedade
da Universidade de Antofogasta nos amparando e protegendo,
cuidando da nossa segurança pessoal e nos dando autonomia
para fazer o evento “Resistencia Antofogasta” em pleno Estado de
Emergência reinventamos o Colóquio da Educação em Direitos
Humanos. Não ficamos acuados e trancados em hotéis, na sombra
da resistência, nos reunimos, fizemos visita aos sítios de memória,
manifestamos e cantamos, sentimos o calor das manifestações e
aprendemos juntos como se educa para nunca mais em tempos
de exceção, em tempos de força, onde a vida significa resistência
e utopia. Lutamos porque somos capazes de sonhar como nossos
ancestrais, com uma terra livre. Aos membros da Red, estudantes,
militantes e educadores a força e a aprendizagem com que
juntos tecemos junto a Rede de Resistencia em pleno Deserto do
Atacama, amparados pela profa. Victoria e reitores, assim como,
dos companheiros do Sítio de Memória Providencia.

Aos amigos brasileiros, Virginia, Clodoaldo e Elisangela a


solidariedade em tempos de angustia: “Vamos pela Bolívia ou por
Santiago? Quando chegaremos no Brasil? Com os companheiros
estamos em casa, somos latinos e lutamos pela libertação. Viva Chile!

65
Referencia

ASSMANN, Aleida. (2011). Espaços da recordação - Formas e


transformações da memória cultural. Campinas: Editora Unicamp,
2011.

CORINGA, Douglas. (s/d) Vlado: Resistir é preciso. São Paulo: EBC,
vídeo.

GUZMÁN, Patricio.(2010). Nostalgia da luz. 2010: Dolby Digital, 90


min.

MÈLICH, Joan-Cales. (2000) A memória de Auschwitz – O sentido


antropológico dos direitos humanos. In: CARVALHO, Adalberto
Dias de(Org.) A educação e os limites dos direitos humanos. Porto:
Editora Porto, p. 47-61.

RICOEUR, Paul. (2007). A memória, a história e o esquecimento.


Campinas: Editora Unicamp.

66
Antofagasta: una ruta de Educación en Derechos
Humanos

“PARTICIPANTES DEL CONVERSATORIO RESISTENCIA”

ANTOFAGASTA - OCTUBRE 2019

Sandra S. Burmeister García1

Existen momentos coyunturales debido a fuerzas


controversiales que marcan hitos en un contexto histórico y social
determinado, así fue mi visita a Antofagasta en octubre de 2019.

El Coloquio Latinoamericano y Caribeño de Educación en


Derechos Humanos (versión 2019) había sido suspendido debido
al estallido social de octubre, sin embargo, yo tenía el boleto de
avión comprado con antelación para el día 22 de ida y día 26

1. ssburgar@gmail.com
5ª GENERACIÓN MEDH - CREFAL
PUC – MÓDULO DD. HH. DIPLOMADO DE PEDAGOGÍA TEATRAL
MIEMBRO DE LA REEDH - CHILE

67
de regreso, además de mi reserva hotelera. Avisé a la comisión
organizadora sobre mi situación y al parecer ocurrió lo mismo con
otras personas. Fue así que llegamos los que llegamos. Viajar era
arriesgado y lo sabíamos, con la incertidumbre sobre traslados
suspendidos debido a la situación nacional.

Debí revisar el número de vuelo cada día para saber si la


aerolínea lo mantenía activo o no. De igual forma, en el aeropuerto,
tuve que leer repetidas veces las pantallas de las aerolíneas, ya que
la mayoría de los vuelos (que iban a Antofagasta) eran cancelados.
Sin embargo, “mi avión” aparecía activo. Luego de cuatro horas en
policía internacional, cambios de último minuto acerca de filas y
salidas, todo bajo mucha tensión, logré abordar en la nave que me
llevaría a través de 1.090 km., en una hora y veinticinco minutos.

¡Levanté el vuelo!

Una mezcla de pensamientos y emociones me


acompañaron durante todo el trayecto. Tuve la certeza de estar
en el lugar y momento correctos, además de la sensación de
esperanza. Sentía lo importante que era (es) para mí la educación,
la vida estudiantil, la comunidad escolar y universitaria. Así como,
mi trabajo junto a profesores-as desde el rol como formadora en
derechos humanos. En síntesis, la pedagogía se presentó como
la fuerza motriz que me impulsaba a reunirme con personas que
vibrarían desde experiencias educativas similares. Por otra parte,
me llenaba de entusiasmo viajar con los libros que escribo para
público preadolescente y poder entregarlos a la red de bibliotecas
públicas de Antofagasta. Así sería mi encuentro con una de las
bibliotecarias, en orden, a crear un vínculo solidario en el fomento
de la lectura.

Cuando aterricé en el aeropuerto de Antofagasta, tomé


un taxi que me llevó directo hasta el hotel donde tenía hecha
mi reserva. El taxista era venezolano y se trasladaba con música
caribeña a todo volumen, entonces dijo en voz alta “está la cagada”.
Permanecí en silencio y no hice preguntas. Condujo rapidito. Intuí
que tenía ganas de dejarme lo antes posible en el hotel. Pagué, le
di las gracias y bajé. Y nuevamente exclamó: “¡Está la cagada, está
la cagada!”. Con ese sonido en mis oídos tomé mi pequeña maleta
y crucé la calle.

68
El hotel que me esperaba se veía igual a la fotografía de
la plataforma virtual de reservas. Un hotel más bien pequeño y
cómodo. Cambié de pieza por otra con mejor vista. Desde que
llegué me sentí a gusto como si estuviera en casa.

Yo estaba en la zona sur de la ciudad que según el taxista


era más tranquila. Una buena ubicación a cuadras del Campus
Angamos de la Universidad de Antofagasta donde se efectuaría
el conversatorio. Desde ahí, pude apreciar la ciudad con vista
panorámica en el mirador de la terraza que estaba en el último
piso. Hubo momentos en que respiré profundo y observé la
ciudad recta, marcando la forma de Chile y eso me gustó. El aire
marino era fresco y tibio. Tuve un sueño reparador que agradecí.

Al día siguiente (miércoles) comenzaba el conversatorio


que duraría tres días (23, 24, 25). Nos reunimos por la tarde. Llegué
y un guardia abrió la puerta. Ahí estaba en un pasillo ancho, un
salón grande, con sillones, sillas y mesas dispuestas en círculo. De
un momento a otro nos fuimos reuniendo personas de distintos
lugares de América Latina. Tal vez seríamos alrededor de treinta.
Fuimos docentes y discentes de variopintas realidades. Conocer
qué pasaba frente a la educación en derechos humanos en
países hermanos y hacerme una idea paralela a cada experiencia
formativa fue revitalizador.

Me impresionó el grupo de jóvenes corajudos que venía


desde Brasil a un Chile convulsionado. De igual forma aprecié
cada intervención, cada experiencia, cada mesa redonda.
Allí conocí a Victoria y a todo su equipo de trabajo. Fue algo
emocionante y nuevo. Fuimos testigos de un diálogo continuo.
Era un grupo humano diverso, a veces bullicioso con el goce de
la vida y silencioso al momento de escucharnos. Hubo momentos
de alegría y otros de tristeza. Pudimos crear lazos durante los
almuerzos y caminatas entre pasillos.

La organización coordinó nuestra llegada de tal forma


para que todo resultara lo mejor posible ya que estábamos
en un contexto nacional dual. Por un lado la arbitrariedad de
fuerzas gubernamentales que privaban de libertad, en cuanto
a organizar algo por un estado de emergencia que más bien
parecía estado de sitio, y a la vez un momento de contingencia

69
frente a un estallido social con la necesidad urgente de educación
en derechos humanos. El conversatorio permitió un espacio
plausible de transmisión de conocimientos con la singularidad
del afecto familiar en grande que probablemente en un coloquio
multitudinario no hubiera sido posible.

Hubo momentos de alto impacto con mensajes de


textos en los celulares, describiendo los acontecimientos del
momento en las calles de Antofagasta. La gente en la zona norte
fue altamente vulnerada por parte de las fuerzas policiales. Las
noticias se precipitaban anunciando una represión dura. Esto
fue el día jueves y había un ambiente candente y debo decir que
sentí temor. Me preguntaba si nos iban a detener a todos-as por
reunirnos a conversar sobre educación en derechos humanos
en la sede universitaria que estaba en paro. Percibí el miedo de
mi compañero de asiento... era algo entre el pasado y presente:
una gran pérdida y violaciones a los derechos humanos. Ese día
terminamos más temprano y ya se respiraba la toxicidad de las
bombas lacrimógenas. Mientras tanto el supermercado que
estaba al frente del hotel fue rodeado por militares. Fui a comprar
y me estremeció el saberme en una ciudad militarizada. Comí algo
y me recogí en mi habitación.

El viernes 25, debía juntarme con la bibliotecaria y entregarle


los libros. Con esto no pude hacer la visita en grupo al sitio de
memoria Providencia que según supe fue muy conmovedora.
Pasado el mediodía, me sumé a la convivencia y ahí tuvimos un
momento de alegría y relajo. Tomamos fotografías y una de ellas la
comparto aquí. Por la tarde, en el hotel y a través de la televisión,
pude ver la marcha masiva que acontecía en Santiago. Era algo
impresionante. Pensaba en las amistades que estaban allí y en el
lugar que a mí me tocaba a kilómetros de distancia. Pensaba en la
importancia de la participación, colectividad y de lo relevante que
sería todo esto frente a una nueva educación.

Jacques Delors (1996) señala, en el libro La educación


encierra un tesoro, que la formación de maestros-as debe estar
ligada a las necesidades estudiantiles de cada país. Esta sería la
forma en que los profesores-as podrían promover la motivación
académica en los y las estudiantes. Por lo demás, la calidad de la
enseñanza depende de la formación continua del profesorado

70
como la formación inicial. En este sentido la educación de
calidad supone que los futuros profesores-as se relacionen
con otros profesionales experimentados y con investigadores
que trabajen en sus campos respectivos. Por otra parte, las
autoridades locales son responsables en las decisiones que se
implementen para sostener una educación efectiva, humanista
y en vías del conocimiento humano. También menciona que la
participación de la comunidad en la educación debe conjugarse
con la responsabilidad del Estado en cuanto a su papel de
garantizar las mismas oportunidades para mejorar la calidad de
vida. En el epílogo del mismo libro, Roberto Carneiro escribió “La
revitalización de la educación y las comunidades humanas: una
visión de la escuela socializadora del siglo XXI” y cito:

La educación ha sido siempre, y sigue siéndolo, una


tarea eminentemente social. El desarrollo pleno de la
personalidad de cada cual se sigue tanto del fortalecimiento
de la autonomía personal como la de una construcción de
alteridad solidaria o, dicho de otra manera, del proceso
de descubrimiento del otro-a como actitud moral. La
humanización, concebida como crecimiento interior del
individuo, llega a realizarse plenamente en el punto en que
se produce la intersección permanente de las vías de la
libertad y las de la responsabilidad. Los sistemas educativos
son a la vez fuente de capital humano (Becker), de capital
cultural (Bourdieu) y de capital social (Putnam).

El mismo autor hace hincapié en una educación de


formación para la justicia y para construir una educación moral
de las conciencias. Mas, señala que se requiere una cultura cívica
no conformista y enemiga de la injusticia, preparando a una
ciudadanía activa y responsable. Él menciona los cuatro pilares
de la educación que deben aplicarse en el cambio constante que
vive el mundo y estos son: aprender a conocer, aprender a hacer,
aprender a vivir juntos y aprender a ser.

Todo lo anterior apunta hacia una vida con dignidad, al


desarrollo humano y a la comunicación. Y es que el proceso de
adquisición de conocimiento no cesa nunca y puede nutrirse
de una serie de experiencias. Algo que me sucedía con mi
especialización en pedagogía teatral (disciplina que centra

71
su atención en el desarrollo de las habilidades sociales de las
personas para cada etapa de la vida), y la unión que realicé con
la maestría en educación en derechos humanos y su enfoque
en el sujeto-a. Mi propósito, trabajar con una metodología
activa y emancipadora en el aula. Abordando la prevención del
conflicto, desde el juego dramático, la improvisación y el diálogo.
Además del tema controversial y su núcleo temático (Magendzo).
Y la justicia social (en el aula) entendiéndola como la tríada
equitativamente proporcional (Fraser, Honneth y Young) entre
redistribución, reconocimiento y representación. Todo lo anterior,
como didáctica especial en el campo cooperativo de la acción
docente.

La semana del 18 de octubre me tocaba dictar el módulo


de derechos humanos en el Diplomado de Educación/Pedagogía
Teatral-PUC y no pudo ser, ya que la Casa Central se vio obligada
a cerrar debido a las manifestaciones en las calles colindantes.
Estábamos en la zona cero y el escenario social comenzaba
a agarrar fuerza con posterioridad al salto olímpico de los
estudiantes del Instituto Nacional y la evasión masiva en el metro
en la primera semana de octubre (cuya consigna fue: “Evadir, no
pagar. Otra forma de luchar”), por motivo al alza del pasaje en el
transporte público. Lo cierto es que el levantamiento social se
avivó anímicamente como una olla a presión y empeoró mediante
la actitud arrogante y violenta que tuvo el gobierno en respuesta
al grito de auxilio del pueblo. Con ello, y por rebote, los extremos
políticos más radicales reaccionaron.

Estábamos vivenciando el despertar de la ciudadanía, pero


no solo en Chile, sino en otros países del mundo también. Desde
el 18 de ese mes, miles de chilenos salieron a las calles exigiendo
un cambio en el modelo económico neoliberal que existe en el
país desde hace más de 30 años, cultivando alta desigualdad.
Cada viernes congregó gente en Plaza Baquedano (Santiago), la
que fue bautizada como Plaza de la Dignidad. Lo mismo ocurrió
en otras ciudades chilenas y sus plazas, como Antofagasta y la
Plaza Sotomayor que fue bautizada como Plaza de la Revolución.

Los cambios estructurales pendientes (en materia de


políticas públicas y derechos sociales) debieron ser actualizados
inmediatamente terminada la dictadura cívico militar. De la misma

72
naturaleza, la transición hacia la democracia no ha finalizado.
La justicia chilena tiene tareas por cumplir, investigar, sancionar
y reparar. En cuanto a los derechos internacionales falta ratificar
el protocolo facultativo del Convenio del Pacto Internacional
sobre DESC (1966) y el Protocolo Adicional (1988) a la Convención
Americana de Derechos Humanos (Protocolo de San Salvador
sobre DESC).

Por lo demás, todavía existe un sector de la población


que ha tenido un pensamiento ortodoxo, conservador y que no
ha deseado ver cambios en el modelo económico, en orden a
impulsar la demanda educativa (calidad, equidad, transparencia
y fin al lucro), hacia otra más innovadora que contemple la
educación en derechos humanos como asignatura práctica y no
solo en los objetivos fundamentales transversales. La actualización
con la educación en derechos humanos para todos los niveles del
sistema educativo formal (parvularia, básica, media y superior) es
imperativa.

Me sitúo en 2020 y no sé qué más tendría suceder, además de


la pandemia o las catástrofes naturales, para que el Estado de Chile
instale la legitimidad de la información, promoción, educación y
garantía de los derechos humanos en favor del bienestar social
para una convivencia más pacífica. Un Plan Nacional de Derechos
Humanos activo que aborde problemas y conflictos de manera
interministerial. Entender los derechos humanos de manera
universal y no solo desde una óptica partidista como han sido
vistos en Chile debido al trauma histórico. Estamos en un tiempo
de cambios radicales y la información sale a la luz muy rápido. Las
aguas se van a separar y podremos distinguir a los buenos y a los
malos.

A manera de colofón, cuando llegó el último día en


Antofagasta, pedí un taxi camino al aeropuerto. En el trayecto el
taxista mencionó la contingencia nacional, pero puso atención
en los ataques a los supermercados, la violencia y delincuencia.
Luego me contó que él había sido militar y que nada de lo anterior
le parecía bien. Supe de inmediato que debía escuchar y hablar
en monosílabos. Para distraerme, miraba por la ventana y me
impresionó viajar por la carretera entre el desierto y el mar. En un
momento, el taxista dijo que tomaría un camino más rápido. Me

73
preocupé. Mi mente de escritora comenzó a recrear una historia,
desde el trauma histórico. Iba sola y si algo me pasaba nadie
me encontraría. Al poco rato el celular del taxista sonó y era un
llamado de otro taxista que lo esperaba en el aeropuerto. Respiré
con algo de alivio y me pedí perdón por pensar mal. Al llegar al
aeropuerto compré un jugo y unos adornos con imán para la
puerta del refrigerador. Me senté a esperar el avión. Pensaba en
todo lo vivido y que tal vez me tocaría dormir en el aeropuerto de
Santiago debido al toque de queda, pero me di cuenta de que era
temprano.

Mi viaje a Antofagasta fue breve e intenso. La ciudad brilló


desde un paisaje enigmático que provocó muchas sensaciones
en mí. El Conversatorio fue notable y aprecié aquella instancia
como una oportunidad de expansión humana, de empatía y
reciprocidad. Destaco que la Universidad de Antofagasta se
ocupe de tener educación en derechos humanos en todas sus
carreras profesionales. Me siento agradecida de toda la gente por
su cordialidad. Eso sí, me habría encantado conocer el ambiente
universitario con estudiantes. Si tuviera que volver allí lo haría con
todo gusto. Cada momento fue importante y lo atesoro. ¡Muchas
gracias a Victoria Flores, Hugo Romero y Marcelo Carrera!

Bibliografía

Delors, J. (1996). La educación encierra un tesoro. Informe de la


Unesco a la Comisión Internacional sobre la educación para el
siglo XXI. Santillana ediciones Unesco. España. Impreso.

74
Fotografías del Conversatorio
Resistencia Antofagasta

1. AFICHE
VIII COLOQUIO
EDH
REDLACEDH – U.A.
2019

2. Saludo Bienvenida Decano de la Facultad de Ciencias Sociales,


Artes y Humanidades Hugo Romero Castañeda.

3. Saludo Bienvenida Coordinadora Académica, Victoria Flores Roa.

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4

4 y 5. Ceremonia de Bienvenida e inicio del Conversatorio,


23 de Octubre 2019.

6. Saludo del Sr. Rector de la Universidad de Antofagasta,


Luis Alberto Loyola Morales.

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7

7, 8 y 9. Ponencias de Clodoaldo M. Cardoso, Universidad Estadual Paulista


UNESP Bauru, Brasil.
Alicia Cabezudo, Universidad Nacional de Rosario, Argentina.
Héctor Maturana Bañados Vicepresidente Agrupación Providencia.
Por la Memoria Histórica Antofagasta.

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10

11

12

10 , 11 y 12. Integrantes del Conversatorio.


Foto oficial y desarrollo del evento.
Presentación de Alicia Cabezudo y Clodoaldo M. Cardoso.

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14

15

13, 14 y 15. Convivencia Despedida.


Desarrollo del Conversatorio.

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16

17

18

16, 17 y 18. Recepción de los coordinadores,


Marcelo Carrera H. y Victoria Flores Roa.
Actividad Grupal de Poesía y reflexión (Samba da Utopía) dirigida por
Macarena Gomez Lombide.

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19

20

21

19, 20 y 21. Visita a Sitio de Memoria, Providencia, Antofagasta.


Manifestación de Resistencia frente al Sitio de Memoria.

81
22

23

22 y 23. Visita a Sitio de Memoria, Providencia, Antofagasta.


Manifestación de Resistencia frente al Sitio de Memoria.

82
24

25

24 y 25. Convivencia fraterna de Despedida, entre el mar y la montaña


25 octubre 2019.

26.
Coordinadores
del
Conversatorio,
entrega de
Certificados.
26

83
84
CAPÍTULO SEGUNDO

Educación en Derechos Humanos,


Memoria Histórica y Patrimonio

85
86
A história como memória e a educação para
nunca mais como componentes da educação
em e para os Direitos Humanos

Maria de Nazaré Tavares Zenaide1

Resumo

O artigo trata da memória e da verdade como componentes


da educação em direitos humanos após a experiência da ditadura
militar no Brasil (1964-1985) quando o meio rural conviveu com
o êxodo dos familiares, traumatizados pelos assassinatos de
lideranças, como Alfredo Nascimento (Miriri), João Pedro Teixeira
(Sapé) e Antônio Galdino da Silva, José Barbosa do Nascimento,
Pedro Cardoso da Silva e Genival Fortunato Félix (Mari) e pelo
desaparecimento de Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro) e João
Alfredo (Nego Fuba) (Sapé). Aproximar-se, dialogar, fazer círculos
de diálogo com os familiares, promover encontros na cidade de
reparação social, providenciar processos jurídicos para a reparação
moral e financeira, escrever o cordel e dialogar com as escolas,
debater na rádio comunitária, participar anualmente dos dias de
morte para celebrar a vida, constituir acervos e sítios de memória
tem sido caminhos democráticos de recordação. O presente
trabalho apresenta a trajetória da inserção do direito à memória
e à verdade no Brasil e alguns passos traçados no mapa para
evitar que um tipo de silenciamento tenha como única resposta
a impunidade e a possibilidade de repetição, ao mesmo tempo,
pretende compartilhar experiências de educação para nunca
mais em territórios de resistências como eixo da educação em e
para os direitos humanos. Traçamos uma pesquisa bibliográfica
e documental, onde a memória é um meio de significação social
e temporal para consolidar a construção de uma cultura onde os

1. Psicóloga, Dra. Em Educação, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação


e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Politicas Públicas
da UFPB.

87
direitos humanos tenham a vida, como razão de ser e existir.

Palavras Chaves: Memória, Direitos Humanos, Educar para Nunca


Mais.

A história como memória após Auschwitz

Quando Mèlich (2000) partindo de uma perspectiva


critica afirma que a história após o holocausto só é possível
como recordação ele chama atenção, no tempo presente, do
quanto o silencio dos homens foi e ainda pode ser cúmplice do
desaparecimento de uma parte importante da humanidade. Na
Alemanha recordar o holocausto é parte do currículo educacional
pelo fato de terem aprendido o quanto o poder pode cegar uma
sociedade ao ponto dela desistir da humanidade.

Segundo Mèlich (2000, p. 48) o humano foi posto ao avesso


com a experiência do holocausto.O uso extremo da força, do
terror e do poder retirou do ser humano a capacidade de empatia
e de autocritica, podendo agir como não humanos, se recusando
a assumir responsabilidades pelos atos, como um animal,
apenas atuando como instrumentos ou máquinas de guerra. Ao
fazermos o exercício de recordar o sofrimento do outro a partir
do testemunho, como foi durante o Tribunal de Nuremberg
buscando desfazer um processo poderoso de silenciamento de
modo a encontrar responsabilização pessoal e social pelas graves
violações aos direitos humanos, agimos como seres humanos,
pois o autoconhecimento e a autonomia do ser humano são parte
da condição humana.

Dissociando as dimensões ético-politicas e sócio emocionais


do processo educativo deixamos de plantar a sensibilidade tão
necessária para gerar a empatia e a solidariedade humana entre
os diferentes. A autoconsciência importante para a autonomia dos
sujeitos não é um ato meramente racional, mas essencialmente
sensível.

O holocausto atacou o que é mais integro na pessoa


humana que é a sua dignidade e identidade, retirando das vitimas
a capacidade de formar vínculos como humanos, tornando-
os coisas descartáveis. Essa realidade não está longe de nós, o

88
nordeste brasileiro tem uma historia marcada pela violência, pelo
extermínio e a escravização dos povos indígenas e afro-brasileiros,
assim como, hoje pela mortalidade dos jovens negros.

Arendt (2004) chama atenção do risco da humanidade para


com os regimes que se distanciam das liberdades fundamentais,
podendo retirar dos homens a capacidade de autocrítica e
responsabilidade pessoal e social pelos atos individuais e coletivos
como ela pode testemunhar no julgamento de Eichmann em
Jerusalém (WOOD, 2013).

Daí Adorno (2004) propor, que a educação após Auschwuitz,


implique necessariamente, na educação para nunca mais, como
forma de evitar que o esquecimento implique em possibilidade
de repetição da barbárie. Nessa direção Joan-Carles Mèlich (2000)
propõe que a educação em direitos humanos mantenha viva a
luta da memória contra o esquecimento fazendo da recordação
do Holocausto um meio de evitar sua repetição.

Como afirma Mèlich, os direitos humanos emergem de


situações como o holocausto, por isso, é parte da educação em
direitos humanos não deixar de esquecer. O fato de uma cidade
silenciar a dor dos seus antepassados demonstra o quanto ela
não se preocupa com o presente e o futuro dos viventes. Tal
processo torna a comunidade vulnerável ao esquecimento,
impedindo a mesma de agir na direção da não repetição. Por
isso, os filósofos alertam, da necessidade do ato de recordar não
só do holocausto, como das demais formas de violações que tem
afetado a humanidade, para que, não esquecendo, possa prevenir
da repetição, já que os tiranos rodam até encontrar terreno fértil
para plantar o horror.

A identidade humana requer coragem de agir no aqui e


agora. Os sujeitos esquecidos têm rostos e vozes, sentimentos e
coragem de agir pelo coletivo e pela utopia de uma sociedade
igualitária. O pior para o futuro da humanidade é quando, nós, seres
humanos, não entendemos e deixamos nos levar pelas formas de
manipulação impedindo a recordação. “Sem a recordação só há
morte”, reflete o autor, pois quando recordamos recusamos a ser
instrumentos de umpoder arbitrário, lutamos para não perder o
exercício da autonomia e da criticidade elementos tão relevantes

89
para o presente da humanidade.

Adorno (1995) alerta, de que a educação após Aushwuitz


não pode se reduzir a instrução e aos aspectos meramente
técnicos e instrumentais. Daí a importância do testemunho.
Wood (2013) registra o testemunho de Rennè Firestone acerca da
experiência que viu, participou e sobreviveu, já que milhões não
podem hoje testemunhar:

Já lhe disse que esse arame era eletrificado com alta


voltagem? Não dava nem para chegar perto assim, sem que
imediatamente a eletricidade puxasse você e você estava
acabado. As pessoas vinham até esses arames quando não
aguentavam mais o sofrimento e a fome extrema. Toda
manhã eram vistas pessoas penduradas nesses arames
cometendo suicídio. Olhando para eles hoje é difícil de
acreditar e, se esses postes pudessem contar as histórias
de tudo o que aconteceu aqui. ’Não pode ser verdade’
diríamos para nós mesmos. Não podia ser verdade. E no
entanto, estamos todos marcados, temos os números em
nossos braços e isso nos diz que sim, estivemos aqui. Nós
estivemos aqui. Eu aprendi algo aqui mas me pergunto se
o mundo aprendeu alguma coisa. Vendo o mundo hoje a
gente se indaga: o que aprendemos com o holocausto? O
que aprendemos com este lugar?

No Julgamento de Nuremberg era possível comprovar


como a voz e a presença das testemunhas do holocausto era
dissonante com a indiferença dos dirigentes nazistas. A mesma
experiência tem sido possível no Brasil, durante as oitivas de
comissões de verdade quando conseguem juntar familiares e
perseguidos políticos com os agentes da segurança do regime
militar2.

Para Vilela (2012) o conceito de testemunho, significa:

Acto pelo qual um indivíduo atesta o acontecimento


directo de um objeto ou de um acontecimento; narração

2. Em oitiva chamada pelo Ministério Público Federal

90
(récit) através do qual ele restitui esse acontecimento.
Por extensão (‘o testemunho dos sentidos’) designa esse
conhecimento directo. Se o valor do testemunho supõe
a sinceridade da testemunha, esta não implica, de forma
alguma, a validade do acontecimento acerca do qual ela
testemunha, (FREUND, 1990, p. 256 apud VILELA, 2012, p.
145).

A memória como forma de resistência implica na capacidade


de não deixar que os mecanismos de poder aniquilem as vitimas e
familiares silenciando-as além do luto e da dor.

O grupo dos familiares vítimas do holocausto assim como


do Estado Novo e da ditadura de 1964 no Brasil, ou de outros
genocídios e massacres presentes, são as vozes que reclamam
o direito à memória e à verdade. Foi do encontro de familiares
e perseguidos políticos com setores da sociedade civil que
emergiram os primeiros movimentos e entidades de direitos
humanos no Brasil. Como afirma Arms (apud BENEVIDES, 2009, p.
27) “A pastoral dos direitos humanos me aproximou mais do povo
e de suas lideranças”. A CJP foi uma das únicas portas abertas que
acolheram as vítimas da ditadura militar, estudantes, mães, filhos
e avós3.

No processo de silenciamentoo controle da informação


exerce importante instrumento de controle politico, já que
pretendem aniquilar quaisquer traços de memória, impedindo
que as vítimas desvelem fatos históricos. Para Todorov, a memória
é um instrumento fundamental diante dos regimes totalitários.

Portanto o direito à memória e à verdade vem na


contramão das atitudes de intimidação e interdição tão comuns
em tempos autoritários. No Brasil, para que o Conselho Nacional
da Pessoa Humana não pudesse investigar as denuncias de
desaparecimentos políticos, a exemplo do caso de Rubens Alves
durante o regime militar, o órgão por ordem do General Médici

3. Em 1971, quando foi realizado o Encontro do Episcopado Paulista em Brodóqui,


foi assinado um importante documento para os direitos humanos no Brasil, o
“Testemunho de Paz” onde os bispos denunciam a tortura no país. (BENEVIDES, 2009,
p. 44).

91
reduziu o número de sessões tornando-as secretas. Em 1973
os militares decidem que não se visitaria o passado político da
nação, pois esses casos teriam sido abrangidos pela Lei de Anistia.
De 1974-1979 o CDDPH foi proibido de reunir-see os processos de
denuncias foram arquivados, só encerrando essa fase com o fim do
AI 5. O desaparecimento de duas lideranças das ligas camponesas
de Sapé-PB, João Alfredo Dias na noite de 28 de agosto de 1964 e
Pedro Inácio de Araújo na noite de 7 de setembro de 1964 após a
liberação da prisão junto ao 15 RI em João Pessoa é uma forma de
interdição para que a sociedade e os familiares sejam impedidos
de acessar a verdade do crime (PARAIBA, 2017).

Se o silenciamento começa a ser quebrado ao longo do


processo de redemocratização pelos familiares através de dossiês
e prêmios de direitos humanos a exemplo do Grupo Tortura
Nunca Mais do Rio de Janeiro ao longo dos anos oitenta com
apoio do Fundo contra a Tortura das Nações Unidas, por parte
do Estado, o processo de implementação da Justiça de Transição
iniciada com a Comissão de Anistia e a Comissão Nacional da
Verdade criam mecanismos institucionais de reparar e promover
o direito à memória e à verdade. O silenciamento enquanto
processo de interdição da memória do autoritarismo tem usado
de mecanismos diversos, tais como destruição e desaparecimento
de arquivos, portarias designando a destruição de documentos,
testemunhas assassinadas logo em seguida a terem emitido
testemunhos, dentre outros.

Quando os currículos escolares silenciam diante de parte da


história social local tal processo também representa uma forma
sutil de poder, o de encobrir o passado para que o mesmo não
possa intervir nas consciências critica no presente. Daí o direito
à memória e à verdade ser também componente do direito à
educação em e para os direitos humanos no contexto de uma
sociedade democrática.

Marcos históricos da Educação para os Direitos Humanos e a


democracia

Diante desse caminho percorrido ao longo dos séculos XX


e XXI como o componente dos direitos humanos está associado
a construção de sociedades democráticas que assumem o

92
compromisso social e institucional pelo reconhecimento,
afirmação e proteção dos direitos da pessoa humana.Portanto,
educar para uma cultura democrática onde os direitos humanos
sejam de fato assumidos como compromissos de Estado e
Sociedade significa desconstruir as mentalidades autoritárias
impregnadas na sociedade, na família, na escola, na mídia.

No Brasil, a história recente revela que vivemos 29 anos de


regime autoritário (Estado Novo – 1937-1945 e Ditadura Militar –
1964-1985) e 53 anos de Democracia (1945 – 1964 e 1985-2019)
que devem ser componentes da educação para a democracia e os
direitos humanos.

Em 4 de junho de 2009, a OEA aprovou a Resolução sobre


o Direito à Verdade no âmbito dos países partes, como o Brasil
seguindo as recomendações do Seminário Regional “Memoria,
Verdade e Justiça de nosso passado recente”, realizado durante a
Reunião de Altas Autoridades Competentes em Direitos Humanos
do MERCOSUR e Países Associados, en novembro de 2005. Na
referida Resolução os Estados se comprometem a criarem.

(…) mecanismos judiciais específicos, bem como outros


mecanismos extrajudiciais ou ad hoc, como as comissões
de verdade e reconciliação, que complementam o sistema
judicial para contribuir para a investigação de violações de
direitos humanos e as do Direito Internacional Humanitário,
e avaliar a preparação e publicação dos relatórios e decisões
desses órgãos.

Assim, como também, aprovaram a divulgação do fruto


desseprocessoseja socializado junto a sociedade para que esta
possa entender a gravidade de tais violações de modo a poder
prevenir sua repetição e ocorrencia.

Incentivar todos os Estados a tomar medidas apropriadas


para estabelecer mecanismos ou instituições que
divulguem informações sobre violações de direitos
humanos e assegurar acesso adequado aos cidadãos a
essas informações, a fim de promover o exercício do direito
à verdade e a prevenção de futuras violações dos direitos
humanos, bem como a determinação de responsabilidades

93
nesta matéria.

Cumprindo tais acordos regionais o Brasil pela Lei 12.528,


de16 de maio de 2012 instituiu a Comissão Nacional da Verdade
com a finalidade de apurar as graves violações de Direitos Humanos
ocorridas durante o período de 18 de setembro de 1946 e 5 de
outubro de 1988. Dentre as graves violações aos direitos humanos
ocorridas de 1964-2001, foram identificados pela Comissão
Nacional da Verdade: a) Detenção (ou prisão) ilegal ou arbitrária;
b) Tortura; c) Execução sumária, arbitrária ou extrajudicial, e outras
mortes imputadas ao Estado; d) Desaparecimento forçado e
ocultação de cadáver (BRASIL, 2013)

A Educação para a democracia implica, segundo a


Convenção Interamericana Democrática (2001) na promoção
e consolidação da democracia nas Américas como recurso para
a paz e o desenvolvimento da região. Consolidar a democracia
representativa assim como o respeito ao princípio da não-
intervenção são alicerces dos novos tempos.

No artigo 4, a Convenção afirma como componentes


para o exercício da democracia “a transparência das atividades
governamentais, a probidade, a responsabilidade dos governos
na gestão pública, o respeito dos direitos sociais e a liberdade
de expressão e de imprensa”. No artigo 9, o texto da Convenção
associa democracia e respeito as diversidades, por isso é
responsabilidade dos Estados eliminar e prevenir

(...) toda forma de discriminação, especialmente a


discriminação de gênero, étnica e racial, e das diversas
formas de intolerância, bem como a promoção e proteção
dos direitos humanos dos povos indígenas e dos migrantes,
e o respeito à diversidade étnica, cultural e religiosa nas
Américas.

O destaque para a educação como direito fundamental é


tratado no artigo 16:

A educação é chave para fortalecer as instituições


democráticas, promover o desenvolvimento do potencial
humano e o alívio da pobreza, e fomentar um maior

94
entendimento entre os povos. Para alcançar essas metas, é
essencial que uma educação de qualidade esteja ao alcance
de todos, incluindo as meninas e as mulheres, os habitantes
das zonas rurais e as minorias.

A preservação da institucionalidade democrática exige


o conhecimento da Constituição democrática assim como da
legislação em vigor protetora dos direitos humanos. Por isso,
a educação para vida democrática é uma das ações a serem
assumidas como básica ao ensino formal.

Os artigos 26 e 27 da Convenção Democrática


Interamericana enfatizam medidas a serem incorporadas pelos
sistemas de ensino:

Artigo 26
A OEA continuará desenvolvendo programas e atividades
dirigidos à promoção dos princípios e práticas democráticos
e ao fortalecimento da cultura democrática no Hemisfério,
considerando que a democracia é um sistema de vida
fundado na liberdade e na melhoria econômica, social e
cultural dos povos. A OEA manterá consultas e cooperação
contínua com os Estados membros, levando em conta
as contribuições de organizações da sociedade civil que
trabalhem nesses campos.

Artigo 27
Os programas e as atividades terão por objetivo promover a
governabilidade, a boa gestão, os valores democráticos e o
fortalecimento das instituições políticas e das organizações
da sociedade civil. Dispensar-se-á atenção especial ao
desenvolvimento de programas e atividades orientados
para a educação da infância e da juventude como meio
de assegurar a continuidade dos valores democráticos,
inclusive a liberdade e a justiça social.

O direito à memória e à verdade no Brasil são eixos


do Programa Nacional de Direitos Humanos 3, aprovado em
Conferencia Nacional e objeto de Decreto nº 7.037, de 21 de
dezembro de 2009, sendo atualizado pelo Decreto nº 7.177, de 12
de maio de 2010.

95
O direito à memória e à verdade, eixo VI do PNDH 3
integra ainvestigação do passado o resgate da verdade para a
constituição da memória individual e coletiva. Tal processo vem
sendo construído desde os anos setenta pelos familiares e vitimas
do regime autoritário através de dossiês e relatórios que mesmo
divulgados em meios eletrônicos ainda não é de conhecimento
da sociedade.

Desde os anos 1990, a persistência de familiares de mortos


e desaparecidos vem obtendo vitórias significativas nessa
luta, com abertura de importantes arquivos estaduais sobre
a repressão política do regime ditatorial. Em dezembro de
1995, coroando difícil e delicado processo de discussão
entre esses familiares, o Ministério da Justiça e o Poder
Legislativo Federal, foi aprovada a Lei no 9.140/95, que
reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela
morte de opositores ao regime de 1964. Essa Lei instituiu
Comissão Especial com poderes para deferir pedidos de
indenização das famílias de uma lista inicial de 136 pessoas
e julgar outros casos apresentados para seu exame. No art.
4o, inciso II, a Lei conferiu à Comissão Especial também a
incumbência de envidar esforços para a localização dos
corpos de pessoas desaparecidas no caso de existência de
indícios quanto ao local em que possam estar depositados
(BRASIL, 2010, 207-208)

Uma consciência democrática exige que se revisite a história


passada e recente a fim de que a sociedade encontre meios de
superar os efeitos da violência no plano individual e coletivo.

A Comissão de Anistia já realizou setecentas sessões de


julgamento e promoveu, desde 2008, trinta caravanas,
possibilitando a participação da sociedade nas discussões,
e contribuindo para a divulgação do tema no País. Até
1o de novembro de 2009, já haviam sido apreciados por
essa Comissão mais de cinquenta e dois mil pedidos de
concessão de anistia, dos quais quase trinta e cinco mil foram
deferidos e cerca de dezessete mil, indeferidos. Outros doze
mil pedidos aguardavam julgamento, sendo possível, ainda,
a apresentação de novas solicitações. Em julho de 2009, em
Belo Horizonte, o Ministro de Estado da Justiça realizou

96
audiência pública de apresentação do projeto Memorial
da Anistia Política do Brasil, envolvendo a remodelação e
construção de novo edifício junto ao antigo “Coleginho” da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde estará
disponível para pesquisas todo o acervo da Comissão de
Anistia.

Dentre as Diretrizes e Ações para promover o Direito à


Memória e à Verdade, destacam-se a Diretriz 23: Reconhecimento
da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e
dever do Estado; a Diretriz 24: Preservação da memória histórica
e construção pública da verdade e a Diretriz 25: Modernização da
legislação relacionada com promoção do direito à memória e à
verdade, fortalecendo a democracia.

A preservação da memória requer a criação de centros de


memória, museus e centros de documentação que organize e
disponibilize os arquivos da repressão política, valorizando através
de ações educativas. Para tanto, torna necessário a formação e a
produção de material didático-pedagógico a ser disponibilizados
aos sistemas de educação básica e superior.

Educar para nunca mais, um componente da Educação em e


para os Direitos Humanos

Adorno (2003) problematiza a relação entre educação


após a experiência do Holocausto. Para Adorno, o terror aniquila
a consciência da dor alheia tornando as pessoas cumplices do
totalitarismo na medida em que não percebem o processo de
alheamento.

Para Adorno (2003) a exigência de que Auschwitz não


repita precede as demais, já que a humanidade deve tomar
consciência de como barbárie pode ser uma realidade quando
a monstruosidade humana sobrepõe a dignidade. Para evitar a
repetição da barbárie é necessário que a sociedade conheça os
mecanismos que fazem com que as pessoas podem ser capazes
de cometer atos bárbaros. Para Adorno (2003, p. 121) “Culpados
são unicamente os que, desprovidos de consciência, voltaram
contra aqueles seu ódio e sua fúria agressiva”.

97
A educação eticamente deve ser dirigida a auto-reflexão
critica, desde a infância, o esclarecimento e a sensibilidade e a
formação de vínculos capazes de construir relações de alteridade
e empatia capazes de agir frente a atitudes e hábitos de violência,
humilhação.

Nós os vimos começando a marchar pelas ruas e, claro,


no dia seguinte todas as lojas tinham cartazes dizendo:
Juden sind hier unerwunscht” (‘judeus não são bem-vindos
aqui’) E nas lojas judias, eles escreviam Jude na fachada
delas e todo tipo de coisa acontecia. Havia muita coisa
acontecendo e você estava lá sentado e não sabia realmente
o que estava para acontecer – mas logo descobrimos. Foi
terrível. A primeira coisa de que me lembro muito bem
foi quando cheguei da escola (isso foi bem no começo)
fui à rua onde morávamos e havia um enorme grupo de
pessoas por ali gritando e gritando: ‘Juden’ e continuavam,
e então vi minha mãe na rua, descalça, limpando a rua! Eles
a fizeram limpar os cartazes que colocaram nas ruas para as
eleições. Então eu disse ‘Mãe! O que você está fazendo ai? E
ela respondeu: ‘Thea vai para casa” Vai para a casa!’ Ela não
queria que eu ficasse lá. Eu chorei terrivelmente e não fui,
continuei lá gritando: ‘Mamãe, mamãe”’ E as pessoas não
tinham compaixão alguma. Elas estavam tomadas por ódio.
Todas elas. Todas.

A assistência religiosa, psicológica e jurídica realizadas pelas


Comissões de Justiça e Paz, os Centros de Defesa e Promoção dos
Direitos Humanos, o Comitêpelos Direitos Humanos no Cone
Sul, os Grupos Tortura Nunca Mais foram pioneiros na defesa dos
direitos humanos no Brasil.

A educação para nunca mais tem sido construída no Brasil e


em países da América Latina, a partir de um conjunto de atividades
educativas formais e não formais, promovidas por organizações
da sociedade civil e do poder público como parte da Justiça de
Transição.

Na Argentina, no Chile e no Uruguai os sítios de memória


assim como as Avós da Praça de Maio têm promovido um processo
educativo aberto à sociedade e as instituições de ensino, através

98
de série de desenho animado4 (Pakaka), vídeos documentando
as marchas no dia 24 de março, dia do golpe de estado exigindo
memória, verdade e justiça assim como documentários, como
500, o número de desaparecidos na Argentina.

No Brasil, organizações da sociedade civil tem antecipado


o Estado, realizando dossiês5, processos judiciais, prêmios de
direitos humanos, ações educativas em escolas e bairros (Ver
Memória para Uso Diário de Betty Formaggini, 2007)

No plano da educação para nunca mais, a Comissão de


Anistia do Ministério da Justiça realizou durante 2003-2016 ações
educativas, tais como, Caravanas da Verdade, apoio a realização
de Cinema de Direitos Humanos, seminários, estudos e pesquisas
e publicações, como dossiês e livros.

História local, educação popular e memoria das ligas


camponesas

O processo colonial até hoje se perpetua em formas de


dominação haja vista o modo como às forças dominantes em
tempos de republica continuam aniquilando as lideranças sociais
que emergem do campo em defesa do direito a terra e ao trabalho
digno.

Além de matar a voz e a força politica dos dirigentes


impedindo que a consciência social se desenvolva, o poder tenta

4. O canal Pakapaka editou “Día Nacional delDerecho a la Identidad” (https://www.


youtube.com/watch?v=Uoutyr6QhOk); 24 de marzo: Día de la memoria por la
verdad y la justicia (https://www.youtube.com/watch?v=modxDNj4RwM), Día de la
Memoria en PakaPaka. “Zamba” visita la Casa Rosada (https://www.youtube.com/
watch?v=hEv0gzbBY7E), 24 de Marzo: la marcha del Encuentro Memoria, Verdad y
Justicia y la izquierda https://www.youtube.com/watch?v=7jJu-lzHO5o) 35º aniversario
del golpe militar de 1976. Día Nacional de la Memoria por la Verdad y la Justicia https://
www.youtube.com/watch?v=Wdt8JwOd4W4.

5. COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS. Direito à Memória e a


Verdade. Brasília: CEMDP, 2007.
COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS e INSTITUTO DE ESTUDO DA
VIOLENCIA DO ESTADO e GRUPO TORTURA NUNCA MAIS RJ e PE. Dossiê dos mortos
e desaparecidos políticos a partir de 1964. Pernambuco: Governo do Estado de
Pernambuco e SÃO PAULO: Governo do Estado de São Paulo, 1996.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.

99
destruir os familiares impondo o exilio forçado (Elizabeth Teixeira
passou 17 anos sem poder ver os filhos na clandestinidade na
cidade de São Rafael no Rio Grande do Norte).

A leitura de mundo é para a educação popular o ponto de


partida de toda educação que se pretenda crítica e socialmente
contextualizada. Sem um passeio pela história local e nacional
corremos o risco de não entender a nossa vida em sociedade.

A memória da história local articulada com a memória


da história do país contribui para contextualizar o sujeito do
conhecimento com sua sociedade, permitindo que se perceba
que a história é um processo em movimento permeado pelas
ações dos sujeitos.

A conquista do Memorial das Ligas Camponesas significa


que familiares e trabalhadores rurais apoiados por entidades da
sociedade civil e governo estadual enfrentam o esquecimento,
quando apoiam uma audiência pública sobre “As Ligas
Camponesas”, realizada conjuntamente pela Comissão Estadual
da Verdade da Paraíba e a Comissão Nacional da Verdade, na
Escola Estadual Monsenhor Odilon Alves Pedrosa em Sapé-PB,
em 15 de julho de 2013, ou quando conquistam junto ao governo
estadual o tombamento da residência de João Pedro Teixeira como
patrimônio histórico da Paraíba para oportunizar a criação do Sítio
de Memória e um Centro de Formação para o Campesinato, ou
mesmo, quando em homenagem ao líder camponês conseguem
a mudança da rodovia estadual para João Pedro Teixeira, assim
como, com apoio da Secretaria de Estado da Educação, alcançam
a criação em 2012, do Prêmio Estadual de Redação João Pedro
Teixeira junto a rede estadual de ensino.

A história da memória das Ligas Camponesas tem sido um


processo conquistado coletivamente tendo em vista que durante
longos anos foi uma enunciação silenciada, pelo assassinato,
prisão e desaparecimento das lideranças rurais (ÂUED (19810;
BENEVIDES (1985); LEMOS (1996); COELHO (2004); VAN et al.
(2006); SCOCUGLIA (2013; 2015; 2009); MOREIRA (1997) entre
outros).

Tratar dessa memória para que nunca ocorra e que

100
ninguém esqueça tem se constituído num desafio para militantes
e organizações rurais, para pesquisadores historiadores, filósofos,
antropólogos, sociólogos, geógrafos, psicólogos e pedagogos
(RUIZ (2014); RICOEUR (2010); ABRÃO e TORELLY(2010); dentre
outros. Tratar desse tema de pesquisa significa um resgate da
história coletiva, familiar e rural do espaço rural onde convivo
desde criança e onde construí uma identidade social.

No âmbito nacional, é importante ressaltar a Lei nº 13.598,


de 8 de janeiro de 2018, determinando a inclusão do nome de
João Pedro Teixeira nos Livros dos Heróis e Heroínas da Pátria,
depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves.

Para sensibilizar da dor alheia como própria criando vínculos


de solidariedade, estratégias relevantes da educação popular
para a educação em direitos humanos tem se destacado ao longo
dos últimos vinte e cinco anos de democracia. São exemplos, o
cinema documentário, o circulo de dialogo com as testemunhas,
o teatro, a produção literária em linguagem popular como cordéis
e poesias, dentre outros. O cinema de modalidade documentário
associado ao dialogo com membros da família Teixeira de outros
camponeses tem ao longo do processo de democratização feito
diferença. O filme “Cabra Marcado para Morrer” de Eduardo
Coutinho, que trata da história de luta da família Teixeira na
região do brejo paraibano tem revelado como o cinema vem
contribuindo para o não esquecimento do movimento de
resistência denominado “Ligas Camponesas”.

Uma sociedade desmemorializada acerca da história recente


tem uma razão politica, o silenciamento como estratégia de poder.
Durante o tempo de implantação dos Atos Institucionais ao longo
dos anos de 1964-1985 a censura à liberdade de imaginação,
expressão, opinião, associação e participação imobilizou mentes
e corações, tamanha é a força do medo.

Entretanto, para os familiares a memória da violência que


afetou seus membros não se apaga nem durante e nem depois do
período autoritário, ao contrário, ecoa e causa sofrimento humano
permanentemente. Para a comunidade do entorno a memória
desaparece, por que o esquecimento retirou a sensibilidade para
com a dor alheia. Se a família não pode esquecer ela também

101
pode ser um ator importante na educação em e para os direitos
humanos.

Quando a Comissão Estadual da Verdade interrompe


esse silenciamento oportunizando o reencontro dos familiares
sobreviventes até então vivendo distantes uns dos outros, ou
segregados pelo estigma de “comunistas” ela promove a educação
para nunca mais.

Reconstruir a sociedade nos modos democráticos significa


recordar acerca das Ligas Camponesas no processo educacional
como forma de substituir a ignorância pelo respeito e a
solidariedade. É muito comum pela tradição autoritária as cidades
esquecerem-se dos seus lutadores, exaltando os segmentos
dominantes. Bastam levantar na cidade de Sapé-PB quantas ruas,
escolas e logradouros públicos homenageiam as lideranças sociais
camponesas, assassinadas pelo latifúndio? Ou, qual o apoio é
dado aos familiares das lideranças camponesas que tiveram a
vida destruída pela violência? Como as escolas públicas inserem
o direito à memória e à verdade na formação de professores e no
planejamento escolar e no material didático?

A reparação social e material é o mínimo que uma sociedade


pode fazer para os familiares, já que não podemos anular sua dor
e sofrimento. Por isso, anualmente recordar com os familiares
ao mesmo tempo em que reparamos moralmente tal perda,
educamos para desenvolver uma consciência da não repetição.
As caminhadas realizadas anualmente em Sapé organizadas pelo
Memorial das Ligas Camponesas no dia 2 de abril, aniversário do
assassinato de João Pedro Teixeira líder da Liga Camponesa, é
uma forma de educar a comunidade para o não esquecimento, é
também uma forma de resistência.

Caminhos em Andamento...

Educação em Direitos Humanos em países com história


de opressão e violência torna-se uma tarefa difícil e complexa,
já que as demandas ainda concentram-se na violência, quando
a humanidade já poderia está em outro patamar de convivência
humana. O tema da história recente do autoritarismo muitas vezes
encontra-se retirado da memória coletiva do espaço escolar. Por

102
isso os sítios de memória podem exercer um papel relevante para
retirar o manto do esquecimento. Quando foi criado o memorial
das Ligas Camponesas na sede da casa do líder João Pedro Teixeira
setores educacionais como universidades, escolas públicas,
intelectuais e lideranças camponesas se articularam criando um
conjunto de ações voltadas para a educação para nunca mais.

Propor alternativas viáveis para a concretização plena da


garantia dos direitos é ainda mais desafiador. Há muito tempo,
debatemos exaustivamente o tema, sem, contudo, encontrarmos
soluções definitivas, que sejam capazes de resolver todas as
violações ainda existentes nesse campo. Isto porque o tema em
questão não nasceu pronto, não comporta conceitos fixos, mas,
sobretudo, é dinâmico e mutável por sua própria natureza, não se
faz, mas vem se fazendo, no cotidiano das lutas sociais travadas ao
longo da história da Humanidade, agora se abrindo especialmente
aos dilemas contemporâneos.

A educação para emancipação ao mesmo tempo em


que retira os mais velhos do esquecimento possui a força de
acolher as vítimas do autoritarismo retirando do longo processo
de segregação e estigmatização. Foi dessa forma que fomos
entendendo a necessidade de se fomentar uma reflexão sobre os
direitos humanos a partir da realidade local de modo a comportar
a sua dimensão educativa e favorecer processos de transformação
dialética, regulação e emancipação, reprodução e mudança,
tendo como pano de fundo o diálogo.

Educar em direitos humanos é fundamental para


a construção de um processo de cidadania que leve em
consideração, entre outros aspectos, a existência do “outro” como
sujeito de direito. Portanto, a relevância das discussões vai em
direção ao diálogo com teóricos e suas discussões, buscando
argumentos que admitam a necessidade de se repensar uma
educação em direitos humanos crítica e libertadora.

Conhecer a nossa história é o passo fundamental para


que se entenda o momento vivido, para a construção do futuro.
Conhecendo o passado, entendemos o presente e temos
condições de, no futuro, não cometermos erros já cometidos.
Conforme apontam Abrão e Torelly (2010) a memória é um meio

103
de significação social e temporal de grupos e instituições, o que
implica em conhecer sua importância para a geração do senso
comum, ou seja, para a compreensão coletiva da sociedade sobre
determinados eventos do passado. Desta forma, a memória joga
papel fundamental para o autorreconhecimento de um povo, ao
embasar o processo de construção de sua identidade.

Os horizontes de sentido da Educação em Direitos


Humanos, por fim, devem ser entendidos como pressupostos
para o alcance de uma educação construída em um processo com
os outros, desde os outros, para si e para os outros. É através da
humanização dos indivíduos, do seu entendimento como sujeitos
empoderados, detentores de memória e de direitos, que será
possível a construção de processos educativos que vislumbrem
a aprendizagem como exercício de reflexão e ações críticas. A
educação como instrumento de libertação.

Referencias

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 3. ed. São Paulo:


Paz e Terra, 2003.

AGUIRRE, Luiz. Perez. Os convidados estrangeiros. In: Jornal da


Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos. São Paulo,
1997.

ALVES, Janicleide Martins de Morais. Memorial das Ligas


Camponesas: preservação da memória e promoção dos direitos
humanos. João Pessoa (Dissertação (Mestrado) - UFPB/PPGDH-
Mestrado de Direitos Humanos, Cidadania e Politicas Públicas,
2014. 188f

ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo:


Companhia das Letras, 2004.

BENEVIDES, Maria Victoria. Fé Na Luta - A Comissão Justiça e Paz de


São Paulo - da ditadura à democratização. São Paulo: LetteraDoc,
2000.

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104
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video/debate-educacao-com-enfase-em-direitos-humanos

105
Relato de Experiência de Trabalho Social do
Programa Minha Casa Minha Vida Envolvendo o
Resgate Histórico da Cidade de Bauru – Sp.

Márcia Maria Cunha 1

Resumo

Este resumo relata a experiência da equipe do Trabalho


Social do Programa Minha Casa Minha Vida em Bauru - SP. Diante
da necessidade em desenvolver ações de Educação Ambiental
e Patrimonial que contribua para relação de pertencimento
e de preservação do patrimônio material e cultural com os
beneficiários do programa, considerando a escassez de materiais
sobre a história de Bauru, foi elaborado o Projeto “Base de
Cidadania - História de Bauru - Subsídio de formação continuada”,
com o objetivo de confeccionar material escrito para servidores
públicos da Prefeitura de Bauru com recursos do Governo Federal
operacionalizados pela Caixa Econômica Federal, por meio de
convênio do Trabalho Social. Trata-se de dois materiais técnicos
científicos de resgaste histórico de Bauru intitulados “Fronteira
Infinita: índios, bugreiros, escravos e pioneiros na Bahurú do século
XIX” e “História de Bauru: do início do povoamento aos primeiros
anos da emancipação”, que foram cedidos gratuitamente pelos
autores para uso da Prefeitura. Após a cessão destes materiais,
professoras dos Centros Educacionais de Jovens e Adultos (CEJA)
realizaram uma adaptação de um dos livros para a linguagem
de seus alunos. Essa adaptação foi construída em formato de
revista que será disponibilizada em todas as salas do CEJA. Com a

1. Assistente Social da Prefeitura de Bauru -SP e estudante de Mestrado do Programa


de Pós-Graduação de Serviço Social da Unesp de Franca-SP; Érika Nakamine
(erikanakamine@bauru.sp.gov.br) - Assistente Social da Prefeitura de Bauru e estudante
do curso de Trabalho Social com Famílias do Programa de Pós-Graduação da instituição
Acrópole Educacional de Bauru-SP. Camila Martins Mansano (camilamansano@
bauru.sp.gov.br) - Assistente Social da Prefeitura de Bauru e especialista em Gestão
de Políticas Públicas e do Terceiro Setor da Instituição Toledo de Ensino de Bauru-SP.
(marcia.marcusso@gmail.com).

106
realização deste projeto foi possível resgatar a memória histórica
da cidade de Bauru, através de suas personalidades, pontos
turísticos, e eventos históricos; fomentar, preservar e valorizar o
patrimônio material e cultural da cidade; e estimular o sentimento
de pertencimento das famílias do programa à comunidade, ao
bairro e à cidade.

Eixo Temático: Educação em direitos humanos, memória histórica


e patrimônio.

Palavras-Chave: Trabalho Social. Programa Minha Casa Minha


Vida. Direitos Humanos.

Introdução

O município de Bauru é localizado na região central


do São Paulo, considerado de porte médio com população
estimada de 374.272 pessoas (IBGE, 2018). A cidade sedia a 7ª
Região Administrativa do Estado de São Paulo, a qual engloba 39
municípios e 3 Regiões de Governo.

A cidade teve seu processo de urbanização impulsionado


pela ferrovia. A população de Bauru reside predominantemente
na cidade apresentando uma taxa de urbanização de 98,33%,
enquanto que a população rural é de 1,67% (Censo, 2010).

Referente ao acesso à moradia adequada, segundo o Plano


Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS, 2010), Bauru possui
um déficit habitacional de 4.379 domicílios constituído por 64%
da população com renda de 0 a 3 salários mínimos.

Bauru também possui vários assentamentos precários


em diferentes regiões da cidade. Algumas áreas ocupadas são
consolidadas e formadas há décadas, outras são recentes e
organizadas por movimentos de luta por moradia.

Para resolver estes problemas, o Município de Bauru aderiu


ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) junto ao Governo
Federal em 2009. O PMCMV que a finalidade de criar mecanismos
de incentivo à produção e promoção de novas unidades
habitacionais para famílias com baixa renda. A cota para a Fase I

107
do PMCMV em Bauru foi de 1.816 unidades habitacionais divididas
entre 07 complexos. A cota para a Fase II do PMCMV em Bauru foi
de 3.728 unidades habitacionais divididas entre 15 complexos.

Em novembro de 2013, a vice-prefeita daquela gestão e


coordenadora do Programa Minha Casa Minha Vida verificou
a necessidade de organizar um grupo somente para atuar nas
ações de Habitação de Interesse Social e realizar o Projeto de
Trabalho Social do PMCMV – Faixa 1 voltado para as famílias para
famílias com renda de R$ 0 (zero) até R$ 1.800,00, e os processos
de regularização fundiária de assentamentos irregulares.

Para a realização do Projeto de Trabalho Social (TS) da faixa


1 do PMCMV, está previsto 1,5% dos recursos da obra. As diretrizes
estão baseadas na Portaria 21 de 22 de janeiro de 2014 do Ministério
das Cidades que define como Projeto de Trabalho Social:

“um conjunto de estratégias, processos e ações, realizado a


partir de estudos diagnósticos integrados e participativos
do território que contribuam para a melhoria da qualidade
de vida e para a sustentabilidade dos bens, equipamentos
e serviços implantados”.

Conforme a mesma portaria, os eixos temáticos para


a execução do Trabalho Social nos residenciais do programa
são: Mobilização, organização e fortalecimento social;
Acompanhamento e gestão social da intervenção; Educação
ambiental e patrimonial; e Desenvolvimento socioeconômico.

Este trabalho vai apresentar as ações do Projeto Base de


Cidadania - História de Bauru- Subsídio de formação continuada
que compõe o eixo de Educação ambiental e patrimonial que
tem como objetivo promover mudanças de atitude em relação ao
meio ambiente, ao patrimônio e à vida saudável, fortalecendo a
percepção crítica da população sobre os aspectos que influenciam
sua qualidade de vida, além de refletir sobre os fatores sociais,
políticos, culturais e econômicos que determinam sua realidade,
tornando possível alcançar a sustentabilidade ambiental e social
da intervenção (Ministério das Cidades, 2014).

108
Metodologia

Em 2017, a equipe técnica do PMCMV elaborou um plano


para executar o Projeto de Trabalho Social intitulado Plano de
Articulação Intersetorial das macroáreas dos empreendimentos
(PAIME) do PMCMV.

O PAIME é uma proposta com ênfase na execução direta


das ações através das secretarias municipais e demais atores
sociais que atuam nos territórios onde foram implantados os
empreendimentos residenciais de interesse social da faixa 1 do
PMCMV.

O PAIME é composto por 47 projetos, entre eles o “Projeto


Base de Cidadania - História de Bauru - Subsídio de formação
continuada” que tem como objetivos resgatar a história de
Bauru, através de suas personalidades, pontos turísticos, eventos
históricos; fomentar, preservar e valorizar o patrimônio cultural da
cidade; e estimular o sentimento de pertencimento à comunidade,
ao bairro e à cidade.

Ele foi realizado em parceria com a Secretaria Municipal da


Educação de Bauru e com os senhores Edson Fernandes e Luis Paulo
Domingues, autores do livro Fronteira Infinita: índios, bugreiros,
escravos e pioneiros na Bahurú do século XIX”, e os senhores
Amarildo Gomes Pereira e Edson Fernandes, organizadores do livro
“História de Bauru: do início do povoamento aos primeiros anos da
emancipação”, que cederam gratuitamente os direitos autorais de
uso do conteúdo desses materiais à Prefeitura de Bauru.

O desenvolvimento do Projeto Base de Cidadania - História de


Bauru - Subsídio de formação continuada teve início durante uma
reunião da equipe do PMCMV com os autores Edson Fernandes e
Luis Paulo Domingues em que eles apresentaram o livro Fronteira
Infinita: índios, bugreiros, escravos e pioneiros na Bahurú do século
XIX que descreve como foi a ocupação do centro-oeste paulista,
região onde está localizada a cidade de Bauru, abordando o
quotidiano dos habitantes, as relações entre as famílias patriarcais
isoladas, a relação com o governo da província, as lutas contra
os índios Kaingang, a escravização indígena e africana nas novas
fazendas, as dificuldades de sobrevivência na selva inóspita, o

109
difícil escoamento da pequena produção agropecuária e muitos
outros aspectos que norteavam a vida desses homens rudes e
violentos (Fernandes; Domingues, 2018).

Outro material que também foi apresentado à equipe do


PMCMV foi o livro “História de Bauru: do início do povoamento aos
primeiros anos da emancipação”, produzido durante o curso sobre a
história de Bauru oferecido pela Secretaria Municipal de Educação.

Diante da qualidade e relevância dos dois trabalhos


científicos apresentados pelos autores e organizadores sobre
a História da cidade de Bauru, e da escassez desse tipo de
material que trata do início da formação da cidade, foi discutido a
possibilidade destes materiais servirem de subsídio para formação
de professores do terceiro ano do ensino fundamental da rede
municipal que tem em sua grade curricular a disciplina sobre a
história de Bauru, e para outros servidores municipais que tivesse
propostas de trabalho voltado para este tema. Assim, os autores e
organizadores cederam de forma gratuita os direitos autorais do
conteúdo do livro para fins de uso por parte da prefeitura que, por
meio dos recursos do PMCMV pôde confeccionar 300 cópias de
cada material.

Após receber a cessão destes materiais, a equipe do PMCMV


procurou a direção do Centro Educacional de Jovens Adultos
(CEJA) para propor a produção de uma revista sobre a História
de Bauru com base na obra Fronteira Infinita: índios, bugreiros,
escravos e pioneiros na Bahurú do século XIX.

O CEJA tem como objetivo oferecer atendimento


educacional para jovens e adultos a partir dos 15 anos de idade
que não frequentaram a escola ou não concluíram os estudos
no tempo certo. Os estudos ofertados equivalem ao ensino
fundamental, sendo o Ciclo I (que abrange do 1º ao 5º ano).

A proposta foi de produzir um material gráfico no formato


de uma revista de 40 páginas com uma tiragem de 500 exemplares
que descreva a história de Bauru desde seus primórdios com uma
linguagem adequada e acessível aos alunos do CEJA, que estão
em processo de alfabetização, com letras em caixa alta e de maior
tamanho, de forma a facilitar a leitura.

110
Essa proposta foi acatada pela diretoria do CEJA e sua
execução foi assumida pelas professoras Beatriz Ortiz e Luciana
Reis Fonseca.

O processo de produção da revista se deu entre os anos


de 2018 a 2019 e contou com a participação de diferentes
profissionais, tais como: pedagogos, assistentes sociais, estudante
de designer, jornalista, e historiadores.

A sua publicação é uma tentativa de desvelar a história de


Bauru no início de sua existência, por meio de diferentes gêneros
textuais, para que os leitores viajem no tempo e tenham acesso a
fatos e fotos que são verdadeiros tesouros históricos.

Intitulada “BOCA DO SERTÃO AO CORAÇÃO DE SÃO PAULO”


a revista foi lançada em 27 de agosto de 2019 com a participação
dos professores e alunos do CEJA.

Resultados

O projeto busca contribuir para a formação de professores,


alunos e demais servidores da Prefeitura Municipal sobre a
construção histórica da cidade de Bauru, tendo como base
estudos aprofundados sobre esse tema que vão discutir numa
perspectiva crítica a formação da cidade de Bauru.

Além da publicação
da revista, compõe
esse projeto mais duas
atividades que estão em
andamento, sendo elas a
produção de História em
Quadrinhos, com base nos
materiais citados, e livros
com história de vida dos
moradores do PMCMV.

Figura 1 – Lançamento da revista


Fonte: Equipe do PMCMV

111
Considerações Finais

Com o registro deste relato de experiência, pretende-se


contribuir para as discussões no âmbito da Educação em Direitos
Humanos sobre ações profissionais que busquem no resgate
histórico da memória do que foi a formação das cidades brasileiras
evidenciar as bases culturais de um país de capitalismo periférico
como o Brasil, que tem presente no decorrer da sua sua história,
muitas vezes não contatada, a opressão das minorias, o extermínio
dos povos indígenas, a cultura escravocrata, os massacres, a
desumanização, a desproteção social, entre outras formas de
violação aos direito humanos que, infelizmente, ainda o pais
vivencia na sua imensa desigualdade social e no retrocesso das
políticas públicas dos últimos anos.

Referências Bibliográficas

BAURU. Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS).


Disponível em: http://institutosoma.org.br/projeto/plano-local-de-
habitacao-de-interesse-social-plhis-bauru/. Acesso em: 20 fev. 2019.

FERNANDES, Edson; DOMINGUES, Luis Paulo. Fronteira Infinita:


índios, bugreiros, escravos e pioneiros na Bahurú do século XIX.
Bauru, SP: Universo Elegante Produção Cultura, 2018.

IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: www.ibge.gov.br.


Acesso em: 21 abr. 2018.

IBGE. Pesquisas de Informações Básicas Municipais. Disponível


em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101595.pdf.
Acesso em: 13 jul. 2018.

MINISTÉRIO DAS CIDADES. Portaria 21 de 22 de janeiro de


2014. Disponível em: < http://www.cidades.gov.br/images/stories/
ArquivosCidades/PAC/Manuais-Gerais-PAC/portaria21.pdf> Acesso
em 17 de fev. 2019.

PEREIRA, Amarildo Gomes; FERNANDES, Edson. “História


de Bauru: do início do povoamento aos primeiros anos da
emancipação” (material de estudo interno. Prefeitura de Bauru).
Gráfica CS EIRELLI – EPP. Presidente Prudente, 2019.

112
El sitio de memoria Providencia de Antofagasta
como espacio educativo para la promoción de los
Derechos Humanos
Teresa Angélica Monardes Valdivia 1

Resumen

En 2016 el ex centro de detención política y tortura
Providencia de Antofagasta fue declarado Monumento Histórico,
mención Sitio de Memoria por el Consejo de Monumentos
Nacionales, luego de una larga gestión de la Agrupación por la
Memoria Histórica Providencia Antofagasta, compuesta por ex
prisioneros y prisioneras y activistas de derechos humanos.

Hasta ahora, y pese a ese decreto, el sitio no está recuperado


y continúa en manos de Carabineros quienes, incluso, han
establecido nuevas funciones en el lugar y han modificado áreas
internas haciendo caso omiso del mandato oficial.

Este sitio de memoria, patrimonio doloroso de nuestra


historia reciente que busca constituirse en centro de educación
para la paz y los derechos humanos, y que sigue en poder
de los represores, se erige en un territorio en disputa entre el
silenciamiento de las vejaciones allí perpetradas y la apertura de
esta memoria oculta.

No obstante, y producto del trabajo permanente tanto de


la Agrupación como de organizaciones de derechos humanos,
culturales y sociales, estudiantes y otros actores democráticos de
la ciudad, en la Providencia se han realizado diversas actividades
de memoria y derechos humanos, que van desde acciones
de denuncia hasta actos artísticos y actividades pedagógicas,
generando así un uso parcial del lugar. Una de las prácticas más

1. amautateresa@gmail.com
Agrupación por la Memoria Histórica Providencia Antofagasta
Red de Sitios de Memoria

113
relevantes son las visitas guiadas que realizan las/los integrantes
de la Agrupación.

El presente trabajo, usando fuentes documentales de la


Agrupación, pretende dar cuenta de estas visitas, que tienen un
carácter pedagógico, dirigido a estudiantes y a la comunidad en
general, en el intento de operar como guía desde la experiencia
propia como ex presa política.

Metodología

Este trabajo se ha realizado sobre la base de la revisión de


documentación interna de la Agrupación a la cual pertenece la
autora, el análisis de un cuestionario2 construido en parte para la
presente ponencia y aplicado a integrantes de la Agrupación, el
análisis de la realización de visitas guiadas, revisión bibliográfica
y la reflexión de la autora de su propia experiencia como guía de
visitas pedagógicas en el Sitio de Memoria.

Introducción

Breve Reseña Histórica/Antecedentes

Hasta mediados de 2014, la Providencia era un edificio


más en el casco histórico de la ciudad de Antofagasta, ubicado
en calle Matta, números 3230 - 3220 y 3224, a escasas cuadras
del centro cívico y comercial de la ciudad. Lo más conocido era
su Iglesia, perteneciente a la Congregación de las Hermanas de
la Divina Providencia, provenientes de Canadá, cuya construcción
se inicia por1917. En 1920 comienza la edificación del Asilo de
la Infancia Divina Providencia, cuyas dependencias se situaban
en la calle Chuquisaca. Al costado oriente de la Iglesia se

2. El Cuestionario comprendió las siguientes preguntas: 1) ¿Cuál es tu relación con la


Providencia? 2) ¿Qué tipo de visitas has realizado? 3) ¿Cuáles han sido tus sensaciones
y expectativas al iniciar una visita guiada? 4) ¿Cuáles dirías que son tus principales
puntos de apoyo para desarrollar la visita? 5) ¿A qué imprevistos te has enfrentado
realizando la visita y cómo lo has enfrentado? 6) ¿Te ha tocado conducir a un grupo
que integre a un/a ex preso o presa política/o? 7) ¿Cuál es el lugar de la Providencia
que más frecuentemente ocupas en las visitas guiadas? 8) Habiendo realizado visitas
guiadas en el ex centro de detención La Providencia ¿Puedes señalar algún efecto en
ti?

114
ubicaba el Internado Bernarda Morín (propiedad que luego sería
expropiada). En la calzada del frente, se erigía la Escuela Nº 16,
República de Colombia, administrada por ellas. Hoy, esa escuela
sigue existiendo aunque ya no está en manos de la Congregación.
Por su parte, el Asilo de la Infancia pasaría, posterior a 1973, a
manos de Carabineros de Chile, constituyéndose en el Hogar Niño
y Patria, que colindó durante todo el periodo con el recinto en que
operaban las torturas.

Tenemos registros de que en 1965 el recinto quedó inscrito


en el Conservador de Bienes Raíces por parte del Fisco de Chile
y en 1972 el mismo Fisco transfiere una superficie de 3148 m2
a la Congregación de las Hermanas de la Divina Providencia de
Chile representada en ese entonces por la religiosa Raquel Álvarez
Castro.3

1971 es un año de movilizaciones y demandas reivindicativas


para Chile. Las alumnas de la escuela 16 no permanecen ajenas
a ese clima y protagonizan una toma de las dependencias del
recinto en demanda de mejoras y la constitución de un Centro
de Alumnas. Es una auténtica movilización estudiantil. Aunque
logran sus peticiones, algún tiempo después las religiosas dejan
el lugar (sus razones no están del todo claras) y desertan de su
obra, decidiendo poner en venta los inmuebles. Paulatinamente,
a su vez, el Pensionado Bernarda Morin también comienza a
despoblarse hasta quedar en un estado de semiabandono. A fines
de julio de 1973, las juventudes del Partido Demócrata Cristiano
se toman el Pensionado Bernarda Morín con la intención de que
su conglomerado lo adquiera y se constituya en un pensionado
estudiantil universitario. La Congregación acepta y el PDC
empieza a instalarse en el recinto. (Red Metropolitana de Sitios de
Memoria, 2016).

De internado de monjas a centro de represión

Con la llegada del golpe cívico militar el 11 de septiembre de


1973, todas las propiedades muebles e inmuebles pertenecientes
a los partidos políticos, al ser declarados estos ilegales, son

3. Registro de propiedad en Archivo de la Administración, Santiago. 1972. Fj. 398 N° 2417

115
expropiados por el nuevo gobierno de facto. Es así que el
Internado Bernarda Morin, ya en manos del Partido Demócrata
Cristiano, es equisado por Carabineros. Desde el mismo
septiembre de 1973 y hasta 1986, el lugar se convierte en centro
de detención, secuestro y tortura, al instalarse allí los organismos
represivos SICAR (Servicio de Inteligencia de Carabineros), DINA
(Dirección Nacional de Inteligencia) y, posteriormente, la CNI
(Central Nacional de Informaciones). Llama la atención la cantidad
de tiempo que el lugar operó como recinto de secuestro, si bien
no de manera continua, sí en total impunidad durante 13 años.
Hasta hoy, opera como cuartel policial y en los últimos meses
se ha instalado allí la Escuela de Suboficiales “Suboficial Mayor
Fabriciano González Urzúa”.

“Se trataba de un ex internado de una escuela de monjas


de Antofagasta utilizado por el SICAR para interrogatorios
y torturas de los detenidos. Éstos eran mantenidos
incomunicados, vendados y esposados... había jaulas o
cajones de un metro de altura por un metro de ancho, en
donde eran introducidos desnudos, sin agua ni alimento por
varios días… Otros vejámenes incluyeron la privación de
líquido y de alimento, ser obligados a presenciar la tortura de
otros, amenazas de violación con perros, amenaza de agresión
a la familia, descargas de agua a presión con mangueras y
agresiones y abusos sexuales”. (CNPPT, 2004, p. 286)

En 1974, Carabineros expropia la Providencia a las


monjas y en 1975 lo adquiere mediante un pago de dinero a la
Congregación.

Se estima que pasaron por este recinto alrededor de 124


personas, hombres y mujeres, con militancias de izquierda y
demócrata cristianos y algunos sin militancia, que en su mayoría
fueron trasladadas y trasladados a otros recintos secretos (Cerro
Moreno de Antofagasta, Tres Álamos y Villa Grimaldi en Santiago),
cárcel de Antofagasta y cárcel del Buen Pastor (para mujeres),
al campo de concentración Chacabuco, puestos a disposición
de Fiscalía y unos pocos dejados en libertad sin formulación de
cargos. Esta información ha sido recopilada y sistematizada por el
proyecto FONDART, folio 496672 “Memorias del Norte” a cargo de
la Agrupación.

116
Emerge el primer Sitio de Memoria de la Región

En septiembre de 2013, al conmemorarse 40 años del


golpe de Estado cívico militar en Chile, un grupo de personas
realiza una breve manifestación en el frontis de la Providencia,
evidenciándola como ex centro de represión política. Se convierte
en la primera señalización pública del espacio, junto con la
intervención fulminante que realizara el colectivo de arte Perras
Danza, denunciando al centro como lugar de torturas en medio
de la realización de una misa4. Años atrás, un grupo de mujeres
habían realizado también un acto de denuncia frente a la puerta
por donde se ingresaba a las y los detenidos.

Pero, no es sino hasta 2014 cuando las manifestaciones


y evidencias públicas acerca del pasado oscuro de este recinto,
identificado por la CNPPT como uno de los cuarenta y dos
recintos de represión clandestina de la Segunda Región, se
empiezan a hacer en forma sistemática y ampliada, en el marco
de un programa que levanta la organización Agrupación por
la Memoria Histórica Providencia Antofagasta que, creada
para visibilizar el espacio y, como objetivo concreto, declararlo
Monumento Histórico mención sitio de memoria; constituida
por ex prisioneros y prisioneras políticos del lugar, estudiantes
y profesionales sensibilizados por el tema de la violación a los
derechos humanos y en la búsqueda común de la recuperación
de la memoria histórica.

Un dato muy interesante de esta conformación es la


significativa diferencia etaria de sus componentes que ha sido una
gran oportunidad para la transmisión de miradas y apreciaciones
desde el encuentro intergeneracional, con gran convergencia de
ideas y opiniones a la vez que también impulsora de estimulantes
tensiones al poner en valor, por un lado, la transmisión de
experiencia de sobrevivientes y personas que vivieron el periodo
de la Unidad Popular y luego la Dictadura, a la vez que las nuevas
miradas, reflexiones y resignificancias a lo vivido que otorgan
quienes no vivieron ese periodo histórico, desarrollándose una
memoria dinámica y activa en constante construcción.

4. La intervención está registrada en formato audiovisual en el siguiente enlace: https://


youtu.be/STZPoNjzvNQ

117
Luego de una gran arremetida comunicacional, buscando
visibilizar y denunciar el silenciamiento e impunidad del ex centro
de detención y torturas, que incluyó velatones en el frontis del
sitio, actividades artísticas, recolección de firmas en diferentes
puntos de la ciudad, fuera de ella y en el exterior, insertos y
entrevistas en prensa y redes sociales, participación en foros
universitarios y en colegios y liceos, además de la generación de
un abundante expediente construido por las y los integrantes
de la Agrupación, que fue ingresado al Consejo de Monumentos
Nacionales en mayo de 2015. Al año siguiente, en mayo de
2016, este organismo gubernamental otorga por unanimidad la
categoría de Monumento Histórico mención sitio de memoria a la
Providencia5.

En mayo de 2017 se marca otro hito en el camino de


visibilizar a la Providencia como sitio de memoria, al instalarse en
su frontis, en el marco del Día Nacional del Patrimonio, la placa
conmemorativa que la señala como “Monumento Nacional. Sitio
de Memoria. Centro de Detención Providencia de Antofagasta”6.

Ese día, por primera vez, se abren las puertas de la Providencia


al público, que, masivamente, se vuelca a conocer su interior o,
más bien, lo que Carabineros (ocupantes del lugar) permitieron
mostrar. Se inauguró también el ciclo de visitas guiadas y con
ello la tensión por la memoria del lugar en permanente disputa
por un lado en la reivindicación de la memoria histórica del
pasado reciente con su carga represiva y vejatoria de los derechos
humanos más esenciales y, por otro, la intención por parte de
Carabineros de seguir manteniendo el lugar como un cuartel
policial al servicio del orden estatal.

Visitas guiadas al sitio

A partir de dicho año se han realizado numerosas visitas


a diferentes tipos de público: estudiantes de enseñanza básica,
media y superior, académicos y profesores, ex prisioneros y

5. Decreto 299 07/11/2016 del Ministerio de Educación.


6. Para más información sobre el evento visitar http://www.desarrollosocialyfamilia.gob.
cl/noticias/en-dia-del-patrimonio-identifican-como-sitio-de-memoria-el-ex-centro-de-
detencion-la-providencia-de-

118
prisioneras políticos/as, familiares, mujeres y público en general.
La primera visita, en mayo de 2017, fue a ex detenidos y detenidas
y sus familiares, conducida por dos integrantes de la Agrupación:
Héctor Maturana, ex preso político, y Rodrigo Suárez, joven
sociólogo de 26 años. Fue un episodio marcado por la emotividad
que tuvo ribetes catárticos pues para muchos constituyó una gran
emoción verse de nuevo ahí, en circunstancias tan distintas a los
amargos días del pasado. Todos hablaban a la vez y cada quien
tenía un relato sobre los distintos espacios que iban recorriendo.

Las siguientes visitas guiadas mantuvieron durante


algún tiempo una narración más bien espontánea a cargo de
ex prisioneros acompañados de integrantes más jóvenes de la
Agrupación, quienes en ese entonces se limitaban más bien a
formular acotadas intervenciones. El relato que las acompañaba se
basaba principalmente en señalar los lugares de represión, desde
una mirada bastante vivencial y reivindicativa manifestando, por
otro lado, la necesidad de recuperar el espacio para resignificarlo
según la guía del “nunca más”, con la petición expresa de que sea
entregado por el Estado a esta Agrupación, con el fin de gestionar
un nuevo uso del lugar, de manera que las generaciones futuras
conozcan nuestra historia reciente, reivindiquen la memoria de los
y las luchadores sociales y víctimas de la represión y se establezcan
nuevas bases de convivencia social, fundadas en el respeto por los
derechos humanos, reafirmando el valor de la vida.

La continuidad en la realización de estas visitas, provocadas


por la creciente demanda que empezó a surgir, sobre todo desde
recintos educativos y escolares, dieron lugar a la reflexión y a
la necesidad de profundizar más en la historia asociada al sitio,
además de empezar un proceso de regulación de las visitas en
torno a un guion y a la participación más activa de los jóvenes.
Se reunió un pequeño grupo, y junto a la colaboración de un
profesor universitario, se dieron a la tarea de crear un primer
guion que sistematizara y generara un discurso común, relevando
principalmente la historia del lugar trazado por los diferentes
espacios (“hitos”) que constituye el recorrido: acceso principal,
cancha, gruta e imagen de la Virgen, piso de baldosas, armería,
escaleras y segundo piso.

Un sitio de memoria es un lugar donde sucedieron graves

119
violaciones a los derechos humanos, donde hubo secuestro,
tortura, exterminio y desaparición. Imposible de olvidar para
quienes vivieron sus horrores y cargado de significados simbólicos
que permiten diversas lecturas desde la perspectiva de quienes
acceden al lugar. Para aquellas personas y generaciones jóvenes
que no pasaron por este lugar, pero que manifiestan su conciencia
y repulsa por lo acontecido, los sitios de memoria

“…cumplen la función de puente, ya que brindan la posibilidad


de conectar el pasado reciente con quienes los visitan,
permitiendo materializar la memoria a partir de su recepción
y resignificación”. (Avendaño y otros, 2016)

Guía de visitas desde la perspectiva de ex presa del recinto

Realizar visitas guiadas en un centro que fue lugar de


secuestro y tortura no deja indiferente. Las respuestas entregadas
por los jóvenes en el cuestionario revelan las afectaciones que
reciben:

“Me siento muy removida e interesada en seguir


acompañando…” (integrante de la Agrupación, estudiante
de Psicología, 23 años)
“…cada visita es una nueva experiencia donde se ven afectadas
mis lecturas que tengo sobre los procesos de memoria. Hay
efectos emocionales que van mutando” (integrante de la
Agrupación, estudiante de Psicología, 23 años)
“La vuelta es enriquecedora porque le otorga sentido al
estudio de los procesos político de la memoria” (integrante de
la Agrupación, sociólogo, 28 años)
“Hacer o realizar ejercicios de memoria es un proceso
cognitivo complejo, es cansador y afecta emocional mucho
más cuando se ve expuesto a otros relatos que tienen que ver
con la violencia política en la actualidad” (integrante de la
Agrupación, psicóloga, 27 años)

Desde mi condición de ex prisionera de la Providencia


(estuve detenida siendo estudiante universitaria en 1981), realizar
visitas guiadas en este sitio de memoria ha sido una posibilidad
para establecer una mediación entre el relato de lo acontecido
y el uso de la memoria cargada de significado vivencial. La

120
oportunidad de contar de primera fuente aquello sucedido hace
muchos años atrás, representado en alguien que vivió un episodio
específico, intentando acercar y volver más vivencial aquello que
resulta lejano a las jóvenes generaciones, muchos de los cuales ni
siquiera habían nacido cuando acontecieron estos hechos.

Se vuelve así mismo una ocasión para hablar sobre usanzas,


costumbres, estilos de un momento histórico ya pasado y, a
ratos, incomprensible para chicos y chicas que han nacido en los
años 80, 90 ó 2000. Cómo explicarles, por ejemplo, que en esa
época el teléfono celular (objeto hoy que forma parte de nuestro
cotidiano y absolutamente necesario diario vivir) no existía y que
los mecanismos de contacto, sobre todo político o para planificar
acciones conspirativas contra la dictadura, eran necesariamente
reuniéndose en lugares secretos o semisecretos, escribiendo
instrucciones en boletos de micro (hoy ya también casi extintos)
para poder tragarlos en caso de ser sorprendidos por las fuerzas
represoras. Cuáles eran las señales que teníamos para indicar
peligro por delación, detención o seguimientos. O la necesidad
de usar “chapas”, nombres ficticios para proteger las identidades
en caso de ser detenidos y evitar la delación o al menos, retrasarla.
Pero, como Antofagasta es un lugar relativamente pequeño (en
los 80 lo era aún más), a veces se producían confusiones que a la
luz del tiempo transcurrido hoy nos parecen incluso divertidas.

Sobre todo, que, pese a lo vivido, es posible seguir adelante,


armar proyectos personales y sociales, construir familia, tener
pareja, hijos, nietos, amigas y amigos. Desde este punto de vista si
bien la detención y secuestro constituyó una fractura en mi vida
como en la de prácticamente todas y todos los y las prisioneros
políticos, la posibilidad de volver al recinto donde se vivió aquello
desde esta condición, la de guía de visitas, es ciertamente una
reparación y una forma de sanación. En las palabras de otro
compañero, también ex prisionero en la Providencia:

“La complejidad mayor ha sido establecer que no me vean


como una víctima al relatar los hechos sino que la visita
transite por el camino de la comprensión global del proceso de
lucha que se tuvo en el pasado” (Relato de ex preso político
detenido en 1980)

121
Por otro lado, y siguiendo a Jelin (2001) creo fundamental
que, al compartir la experiencia con las jóvenes generaciones,
tanto participantes de las visitas como integrantes de la
Agrupación, debemos estar dispuestos a aceptar, comprender y
empatizar a que ellos resignifiquen y construyan su propio relato
de lo acontecido, no que memoricen o intenten repetir las mismas
consignas de hace 40 o más años antes, habida cuenta de que
hoy las luchas suman otros caminos, como los temas migratorios,
medioambientales o de diversidad sexual.

Volviendo a la visita guiada misma, cuando ésta se hace


considerando a una ex presa política creo que se enriquece con
el testimonio vivo; si, además, el/la co-guía es una persona joven
que aporta otra mirada y otras sensibilidades, produce un buen
contrapunto que, además de preservar la memoria permite
elaborarla, generando la reflexión fresca y el flujo de nuevas ideas
y nuevas perspectivas porque, finalmente, no es sólo el pasado en
sí lo que otorga sentido a nuestro discurso y al sitio de memoria
mismo, sino la relación que podemos establecer con el presente,
con sus problemáticas, sus demandas y sus conflictos.

Es así que desarrollar una vista guiada como testimoniante


o ex presa política, potencia el lugar, pues adquiere una vitalidad
distinta y deja de ser sólo un sitio, un espacio donde ocurrieron
hechos que se narran de un tiempo pasado. (Alegría, 2011).
Se enriquece la experiencia y se promueve la valoración de la
“memoria viva”, del relato oral y la capacidad de escucha.

Por otro lado, pone en valor que la historia no está solo


construida por hechos relevantes y grandes personalidades, sino
que también por personas cotidianas que construyen su historia
y son capaces, incluso, de reponerse de situaciones límites como
las vividas por la aplicación de prácticas del terrorismo de Estado,
como una oportunidad para resignificar la experiencia traumática
(Alegría, 2011)

“Éste es un cuartel policial”

“En una visita, de las primeras, ingresamos y había un grupo


de alrededor de 90 estudiantes secundarios. Cuando iba a
presentar el lugar y al equipo de “guías” el carabinero a cargo

122
dijo que él iba a hablar. Hubo que actuar rápido y tomar
la palabra e introducirlo. Les habló a los estudiantes como
dirigiéndose a un batallón. Esperaba respuestas. Dijo que
no se podía sacar fotos, que estaba penado y que les daba
la bienvenida al cuartel policial. Luego en la conversación
con los estudiantes salieron reflexiones sobre la autoridad
y la apropiación del inmueble por parte de Carabineros.”
(Integrante de la Agrupación, sociólogo, 28 años)

En la Providencia tenemos otro actor fundamental en


este proceso de hacer memoria a través de las visitas guiadas:
Carabineros de Chile, con toda su carga institucional que les
moldea física, psicológica y conductualmente y que, en el
caso de la Providencia, ha sido un actor omnipresente a la vez
que obstruccionista de nuestro relato como sitio de memoria
de la Providencia versus cuartel policial que ellos insisten en
defender. La intención de no cooperación ha estado presente
desde el principio del proceso, tal como se señala en el oficio de
2015 cuando el CMN consulta a Carabineros por la declaratoria,
respondiendo, tras una serie de argumentos técnicos, que “se
estima inconveniente la declaratoria de Monumento Histórico
del inmueble precedentemente singularizado” (Oficio 1297, 6-11-
2015).

Este obstruccionismo e intento, por lo demás, de imponer


su propia memoria, ha ido in crescendo a través de diversas
conductas que van desde solicitar el RUT o comprobante de
identidad a cada asistente a las visitas, hasta la interrupción de
las actividades mediante ruidos molestos o presencias totalmente
innecesarias. Inicialmente, ellos desaparecían del lugar mientras
duraban las visitas, pero poco a poco, se han ido haciendo cada
vez más presentes. La culminación se da con la instalación de la
Escuela de Suboficiales, lo que evidencia las memorias puestas en
tensión. Esto señala otra joven integrante de la Agrupación siendo
guía de visitas:

“Siempre tenemos un carabinero siguiendo la visita, lo cual es


bastante incómodo y genera mucho retraimiento por parte
de lxs visitantes que a veces por miedo a la presencia de ellos,
se abstienen de comentar o de hacer algunas críticas a la

123
institución y es algo que ha sido mencionado en las encuestas
que hemos realizado a finales de las visitas. También la bulla
que en ocasiones hacen cuando estamos hablando, los pasos
de sus zapatos, risas que se escuchan, esto ha generado
tensiones, sobre todo cuando se les pide silencio y en vez de
hacerlo se burlan o ríen. La lista de ingreso con carnet también
ha generado miedo en aquellos que van.” (Integrante de la
Agrupación, psicóloga, 28 años)

Desde mi experiencia de realizar visitas con el aparato


represivo en el lugar mismo, expresada en carabineros con
uniforme que solicitan la cédula de identidad para el ingreso,
que a ratos se ríen en voz alta, interrumpiendo un relato, o que
pasan trotando como si estuvieran realizando ejercicios físicos,
por un lado me violenta y enardece como cuando veo acciones
represivas en una marcha callejera. Por otro, lo percibo como
gestos torpes y burdos en intentonas bastante elementales de
sentar presencia territorial. Esos subordinados, jóvenes casi sin
excepción, ¿cumplen órdenes de una forma ciega y sin un atisbo
de cavilación? ¿o hay detrás de esos gestos un deliberado cálculo
producto de una formación ideológica explícita? Por otro lado,
nunca he visto a un oficial de rango mayor en esas actitudes
mientras se desarrolla una visita guiada. Como sea, es la expresión
concreta de la intención gubernamental de borrar la memoria
incómoda que supone un sitio de memoria en medio de un
cuartel policial.

A modo de conclusión

Un sitio de memoria es un espacio complejo donde


convergen diversas capas de memorias, diversos intentos de
apropiaciones, diversos usos a lo largo de su historia. La Providencia
ha sido internado de monjas, hogar de niños huérfanos, cuartel
de inteligencia policial, lugar de secuestro y tortura y sitio de
memoria. También, ahora se instaura en un espacio donde
estudiantes acuden a conocer, a través de las visitas guiadas y
muchas veces de primera fuente, un pedazo de la historia reciente
de nuestro país a nivel local, lo que constituye una nueva capa de
memoria.

Siguiendo a Iniesta, citado en el artículo de Gloria Elgueta,

124
un sitio de memoria es un lugar donde no se va a aprender sino a
comprender (Elgueta, 2018), pues, más que pensar en generar una
clase de historia, la riqueza de estos espacios y de los relatos de
testimoniantes lo constituye la oportunidad de reflexionar desde
la transmisión de una experiencia concreta hacia la conexión con
las propias experiencias de los visitantes, sobre todo si se trata de
jóvenes estudiantes que han sido objeto de prácticas represivas.
De este modo, se puede lograr la actualización del relato
“histórico” y aflora el sentido, la comprensión y la vinculación del
pasado con el presente. Y, espero, la opción de aportar, aunque
sea mínimamente, en la formación de conciencias de ciudadanos
y ciudadanas aceptativos de las diferencias, de la tremenda
diversidad del ser humano, del derecho a transitar más allá de las
propias fronteras físicas, ideológicas e inmateriales, colaborando
en la pérdida del miedo a lo distinto y en la convicción de que es
posible caminar en la construcción de un mundo más ecuánime y
digno de ser vivido.

Un sitio de memoria es un espacio simbólico, donde


resignificamos un lugar de horror y dolor en uno de comprensión
político e histórico de las luchas sociales, que no separa el
aspecto emotivo que supone conocer las vivencias de aflicción
que acontecieron, a la vez que se actualiza y dinamiza el sentido
que tiene la conciencia crítica, la problematización de la realidad
y la lucha por los derechos. Para quienes podemos hablar desde
nuestra experiencia individual es la oportunidad de volverla
colectiva y con ello socializarla, sacarla del espacio personal y
puramente subjetivo para reconvertirla en asideros y dispositivos
disparadores de reflexiones y formación de juicio crítico.

Referencias Bibliográficas

Alegría, L. (2011). Educación para la memoria y los derechos


humanos: El uso del testimonio para una apropiación crítica
del pasado/presente. Informe presentado en IV Congreso de
educación, museos y patrimonio: Aprendizaje en espacios
alternativos de educación patrimonial.

Avendaño, L., Bocetti, F., Molina, R. (2016). Breve aproximación


sobre la pedagogía de la memoria desde las prácticas de formación
en los Espacios para la Memoria en Córdoba. Informe presentado

125
en Espacios para la Memoria realizadas en el marco del Programa
de Derechos Humanos de la Facultad de Filosofía y Humanidades
de la Universidad Nacional de Córdoba.

Comisión Nacional sobre Prisión Política y tortura (2004). Informe


de la Comisión Nacional sobre Prisión Política y Tortura. Santiago,
Chile.

Elgueta, G. (2018). Institucionalización y patrimonialización de sitios


de memoria en Chile. Una lectura desde la experiencia de Londres 38.
Aletheia 8(16).

Jelin, E. (2001). Los trabajos de la memoria. Madrid/Buenos Aires:


Siglo Veintiuno.

Sacavino, S. (2014). Pedagogía de la memoria y educación para el


“nunca más” para la construcción de la democracia. FOLIOS 41. Río
de Janeiro.

Veneros, D. y Toledo, M. (2009). Del uso pedagógico de lugares de


memoria: visita de estudiantes de Educación Media al Parque por la
Paz Villa Grimaldi (Santiago, Chile). Estudios Pedagógicos XXXV, Nº
1: 199-220.

Oficio 1297. Obj. Inmueble donde funcionó el ex centro de


detención en la ciudad de Antofagasta. Emite opinión respecto
de solicitud para declararlo monumento nacional. Nro. 1297. 6 de
noviembre de 2015. En Centro de Documentación, Consejo de
Monumentos Nacionales. Santiago, Chile.

Decreto 299, 7 de noviembre de 2016 del Ministerio de Educación.


Declara Monumento Nacional en la categoría de Monumento
Histórico al sitio de memoria Ex Centro de detención Providencia,
ubicado en la Comuna, Provincia y Región de Antofagasta.

126
Letras de la memoria: caminos para el análisis y
didáctica de los Derechos Humanos en Chile

Olga Muñoz Leppe


Jennifer Palma Solís

Afiliación: Fondo del Libro, MINCAP.

Eje temático: Educación en Derechos Humanos, Memoria


Histórica y Patrimonio.

Palabras claves: literatura, memoria, pedagogía.

“¿Dónde estabas tú, mamá,


cuando todas esas cosas horribles ocurrían en la ciudad?”
El desierto, de Carlos Franz (p.12)

La pregunta la hace Claudia, una joven estudiante de


derecho, a su madre Laura. La aspirante a abogada, nacida y
criada en Berlín, siempre miró el país en donde vivió su madre
con incertidumbre y cierta curiosidad. El cuestionamiento que
hace Claudia permite desarrollar una larga respuesta por parte
de Laura, la ex jueza de Pampa Hundida, en donde le confiesa a
su hija su vinculación con una oscura etapa de clandestinidad y
violencia en aquel pueblo tan similar al desierto nortino chileno.
La interrogante que origina y estructura el relato del escritor
Carlos Franz en su novela El Desierto, se trata de una pregunta que
fácilmente puede extrapolarse al sentir de la sociedad chilena,
que a más de 40 años del Golpe Militar, sigue manteniendo
dudas respecto a una época difícil de olvidar, y recordar al mismo
tiempo. Difícil de olvidar por el dolor y el horror de los vejámenes
cometidos. Difícil de recordar por la infinitud de narrativas que se
entrecruzan con un discurso oficial insuficiente para capturar 17
años de dictadura. No obstante, al igual que el afán de Claudia,
se trata de una tarea necesaria para reconstruir los relatos
que conforman nuestro pasado y que nos permitirán poder
constituirnos como sujetos en el presente.

127
Con la misma curiosidad y necesidad de Claudia, comienza
también nuestra inquietud por investigar sobre nuestro pasado
reciente y sobre cómo abordarlo. A lo largo de este esfuerzo,
hemos sido enfáticas en señalar la complejidad que estriba trabajar
nuestra memoria reciente y una enseñanza sobre los DD.HH.
en la sala de clases chilena. Los hechos acaecidos en nuestro
país, hace más de cuatro décadas, y que tienen un marco en los
procesos de revolución en el Cono Sur desde la década de los 60
en Latinoamérica, implican procesos de enfrentamientos sociales,
violencia sistemática por parte del Estado y la implantación de
nuevas directrices económicas y políticas, que no son simples de
abordar debido a las fracturas que provocaron, y aún provocan,
en la sociedad chilena. En este marco, el proyecto de investigación
“Letras de la memoria: caminos para el análisis y didáctica de los
Derechos Humanos en Chile” busca indagar metodologías que
posibiliten realizar un trabajo de memoria interdisciplinario al
interior del aula escolar chilena, logrando generar la reflexión
y comprensión sobre la violación de los Derechos Humanos
acaecidos en la dictadura militar de 1973 en estudiantes de
Enseñanza Media. En particular, nuestra investigación pretende
indagar en metodologías que faciliten una Pedagogía de la
Memoria a partir de la lectura de obras literarias nacionales, para
establecer propuestas didácticas que permitan al profesor de aula
hacer una enseñanza reflexiva y epistemológica activa a través de
la lectura de literatura nacional.

El presente ensayo, entonces, expone los resultados de esta


investigación que fue posible gracias a la adjudicación del Fondo
Nacional de Fomento del Libro y la Lectura, línea de investigación,
modalidad de Investigaciones en torno al libro, la lectura y/o
escritura de 2018, perteneciente al Ministerio de las Culturas, las
Artes y el Patrimonio, Chile.

Mirando nuestros contextos para una pedagogía


de la memoria

La siempre compleja aproximación a los procesos que


desencadenó el Golpe de Estado en Chile en 1973 se traduce
hoy en múltiples escenarios de análisis. La reconstrucción social
posterior a lo que Sábato llamó la antología del horror (falta cita),
no está exenta de problemáticas ideológicas que han marcado a

128
generaciones completas y la forma en que se comprende y viven
los procesos que conlleva una dictadura. Pese a la multiplicidad
de dichos alcances analíticos, nuestro trabajo investigativo
seguirá los derroteros del pasado reciente, de la memoria y sus
controversiales posicionamientos en el mundo de la escuela.

Al término de la dictadura, los pasos hacia la reconstrucción


del país y la sociedad luego de las atrocidades cometidas fueron
claros, pero temerosos por el fuerte influjo del poder de Pinochet.
La recuperación de la democracia en 1990, por los gobiernos de
la Concertación, se tradujo en esfuerzos por alcanzar una política
transicional que no significaría una ruptura con las transformaciones
político-económicas que predominaron durante el gobierno
dictatorial. En este trayecto se propuso un modelo de Estado que,
para responder al desafío de reestablecer la democracia, buscó
políticas de equidad basadas en las demandas sociales, de justicia
para los familiares de detenidos desaparecidos y las víctimas de
la represión. Esto, sin embargo, profundizaría por otro lado las
desigualdades arrojadas por el sistema neoliberal que se quedaría
instalado en el Estado de Chile. En efecto, resulta interesante, por
ejemplo, que en los planes y programas de Historia y Geografía
de segundo medio se destaque al sistema neoliberal como uno
de los aportes fundamentales del régimen dictatorial, pese a las
contradicciones socioeconómicas y políticas que le acompañan.

En Chile, para desarrollar los procesos de recuperación de


la memoria y de los Derechos Humanos, resultan significativos
los pasos dados por los gobiernos de la Concertación. La
recuperación de la memoria, en este sentido, estuvo concatenada
a la recuperación misma de la democracia y, por consiguiente, de la
apertura a la participación de la sociedad en dicha reconstrucción
dolorosa del pasado reciente. Graciela Rubio, académica chilena
(2013), plantea que la elaboración de dicho pasado se sustenta
a través de varios hitos que funcionan como matrices analítico-
reflexivos. Estos hitos o momentos históricos permitieron que
el conjunto de acciones y discusiones políticas, de ese contexto
específico, otorgaran relevancia pública a la violación de Derechos
Humanos en Chile. Los hitos que enmarcan la investigación de
Rubio en cuanto a la elaboración del pasado reciente fueron
aquellos acontecidos entre el período de 1990 y 2004, a saber:
El Informe Rettig (1991), la detención de Augusto Pinochet en

129
Londres (1998), la Mesa de Diálogo (2000), la conmemoración
de los 30 años del golpe militar (2003) y el Informe Valech (2004).
Todos ellos contribuyen, hasta hoy, a la activación de la discusión
pública imprescindible para la construcción de una memoria
colectiva, del pasado reciente en su relación a la violación de
Derechos Humanos.

En esta búsqueda por la reconstrucción de la memoria


resulta incuestionable que todo intento por su definición conlleva
complejidades no solo ligadas al contexto histórico, sino también
al carácter de la temporalidad, de las subjetividades y, por
consiguiente, de las individualidades en constante confluencia
con la construcción de la memoria colectiva o social. Para abordar
esta dificultad comenzaremos por atender a los sentidos de la
temporalidad en que se establece la memoria. Jelin (2017) sitúa a
la memoria desde un presente o más bien, ‘el sentido del pasado
en un presente’1, el cual se mueve de manera dinámica entre un
rememorar en un tiempo pasado y en la necesidad de construir
un futuro deseado (Jelin, 2017, p. 15). Esto último, explica la
existencia de múltiples subjetividades y horizontes temporales
para el estudio de la memoria, que no la pueden encuadrar solo
en un pasado, pues el recuerdo conlleva visiones antagónicas de
una misma realidad.

Por otra parte, si consideramos la pedagogía de la memoria,


encontraremos que ésta tiene como principio fundante la crítica
y el cuestionamiento. Confluyen en ella principios éticos y
morales que buscan el reconocimiento de justicia y verdad como
directrices de las experiencias de nuestra existencia política en el
pasado reciente, y comprende la necesidad de las sociedades, que
vivieron pasados traumáticos ligados a prácticas de terrorismo
de Estado, de reconstruirse. En este sentido, la pedagogía de la
memoria responde a la resignificación del pasado. Por ello, el
principal objetivo que plantea es cómo elaborar la experiencia
de nuestra existencia política en el pasado reciente a partir de la
memoria colectiva, deslegitimando el discurso dominante.

1. Esta frase es representativa del trabajo de memoria de Jelin. Para la autora hablar de
memoria significa hablar de un presente, pues los sujetos en el presente construyen
un sentido del pasado. Un pasado que puede ser anclado en el presente con miras al
futuro.

130
Atendiendo a nuestro contexto, podemos considerar que
éste está marcado por la necesidad de reconstruir un gobierno
democrático y generar una cultura política democrática. No
obstante, para generar dicho proceso se debe contemplar que
nuestra sociedad está cruzada por estas múltiples memorias, lo
que dice relación con la fragmentación de esta. Garretón (2003),
al abordar los hitos fundantes de los últimos treinta años de la
crisis del proyecto nacional-popular de la Unidad Popular, del
golpe militar y la dictadura, del Plebiscito y la redemocratización
política, propone que en Chile:

La memoria nacional es aún una memoria fragmentada:


o es escindida, o es antagonística, o es parcial o sectorial.
No podrá haber proyecto de país si no hay una memoria
colectiva que supere las escisiones y fragmentaciones
actuales en el ámbito ético (verdad y justicia en DD.HH.),
socioeconómico (igualdades) y político (un orden
constitucional consensuado) (p. 1).

La reflexión de Garretón viene a visualizar aquella


complejidad que ya hemos venido enunciando desde el comienzo
de este ensayo. Supone, además, un debate intenso entre lo
que queremos recordar y para qué queremos hacerlo, además
de aceptar y respetar ciertos hechos incuestionables desde la
perspectiva de la Declaración Universal de los Derechos Humanos
(que si miramos las últimas discusiones públicas parecen no estar
tan definidos y aceptados). En este escenario de fragmentos
y enfrentamientos, pensar en la enseñanza de los DD.HH. y el
aborde de la memoria reciente, requiere de un esfuerzo que varios
actores del mundo social chileno están haciendo: entre ellos los
sitios de memoria tales como Londres 38 o Villa Grimaldi, son un
aporte esencial, en tanto recuperan espacios que fueron centros
de tortura y dolor, para resignificarlos y convertirlos en centros
activos de debate y pedagogía crítica en constante actividad con
estudiantes y conexión con la comunidad. De la misma manera,
el Museo de la Memoria posee un departamento educativo
encargado de promover y difundir las propuestas educativas en
torno a estas temáticas. Por último, programas como el Diplomado
Violencia Política, Memoria y Producción Cultural en América
Latina de la Universidad de Chile, desde el espacio académico,
están visualizando prácticas concretas de memoria, a partir del

131
arte, por ejemplo, además de reunir experiencias desde diversas
disciplinas en torno al trabajo de memoria y su promoción con los
otros.

Un posible camino didáctico: nuestra propuesta

Considerando estas realidades y perspectivas, a la pedagogía


de la memoria le corresponderá orientar la enseñabilidad de los
hechos y de las experiencias del pasado reciente estableciendo
la legitimación del recuerdo como horizonte estratégico de la
pedagogía. Mas, si miramos nuestro currículum nacional, veremos
que esta posibilidad se encuentra lejana. En el caso específico
de propuestas didácticas que permiten abordar el período de
Dictadura Militar y los vejámenes ocurridos a los DD.HH., como
hemos podido apreciar al enfocarnos en las asignaturas de
Historia, Lenguaje y Filosofía, si bien existen potencialidades
para un trabajo de memoria con algunas temáticas declaradas
explícitamente y objetivos a desarrollar en torno a los DD.HH.,
existen dos importantes agravantes: no se presenta mayor
vinculación entre las asignaturas para el trabajo de memoria, más
allá de la mención que subyace en los Objetivos de Aprendizaje y
se trata de un trabajo restringido, pues se aborda en una unidad
que favorece la mirada hacia la víctima de los DD.HH. y hacia la
valoración de la dictadura como proceso conducente a un estado
financiero y político correcto.

Asumiendo este marco, nuestra propuesta didáctica


buscará provocar una reflexión sobre la violación de los
DD.HH. durante la dictadura militar de 1973 a partir de dos
grandes dimensiones: la primera denominada Los DD.HH. como
fundamento de la memoria, y la segunda, La lectura literaria como
vehículo articulador, entendiendo que ambas son características
fundantes de la estructura misma de la propuesta. La primera de
las dimensiones serán los DD.HH. en tanto establecen nuestro
principal contenido a trabajar, situados en un periodo específico
de nuestra historia: la Dictadura Militar de 1973. La segunda
dimensión, dice relación con la lectura literaria que establecerá
la actividad fundamental que potenciará nuestra propuesta: la
lectura de obras literarias nacionales que aborden temáticas
referidas al periodo mencionado.

132
En relación con la primera dimensión, las transgresiones que
en América Latina se han manifestado a partir de las experiencias
dictatoriales del Cono Sur, han significado apelar a las memorias de
represión y muerte (Rubio, 2013). Por consiguiente, es importante
considerar que los Derechos Humanos, es decir, la condición
humana y su respeto constituyen una base para gatillar los
procesos de rememoración, su deconstrucción y la resignificación
de la memoria. Las dictaduras permiten hablar de DD.HH., y
hablar de estos, implica sin duda procesos de reactivación de la
memoria.

Toda sociedad cuya historia reciente se encuentre sometida


a la violación de los Derechos Humanos, ha debido buscar formas
de hacer públicas las demandas reivindicatorias de verdad
y justicia por abusos cometidos durante la dictadura militar
tratando con ello de reconstruir el sentido de la vida democrática.
Por ello, para hacer de la escuela un espacio de reflexión es
necesario establecer herramientas de aproximación al trabajo de
enseñanza de los DD.HH. Desde el desmontaje, que constituye en
sí mismo una herramienta analítica, se puede comprender que la
enseñabilidad de los sentidos y las potencialidades de la memoria
del pasado reciente, puede ser abordada de diversas maneras.
Las propuestas metodológicas y didácticas que comprenden
memoria y, que confluyen en el aula, no son excluyentes sino
inclusivas, pues permiten comprender que la construcción de
distintas realidades, no se limita a una forma de aproximación al
conocimiento que produce, sino que posibilita la interrelación de
sus productos, lo cual enriquece el trabajo de la pedagogía de la
memoria y los DD.HH. en el aula.

En términos prácticos, esta propuesta didáctica se


fundamenta en la orientación que entrega la Declaración
Universal de los Derechos Humanos como eje articulador de la
construcción de una sociedad democrática en el contexto de
escuela. A partir de ella, se puede recuperar el pasado y construir
una memoria basada en el respeto por ‘el otro’ como sujeto de
derecho y su dimensión humana. Los Derechos Humanos, y la
pedagogía que se construye a partir de ellos, permiten abordar
las crisis y fracturas provocadas por la violación de estos en
Chile como consecuencia del Golpe Militar de 1973, puesto que
brindan herramientas de orientación de la práctica pedagógica

133
enmarcada en derroteros más humanizadores, que contribuyen a
un posicionamiento crítico y edificador de nuevas realidades.

Considerando las orientaciones de los objetivos de


aprendizaje que se plantean y, en pos de la resignificación de
la memoria reciente y las posibilidades de sus alcances, nuestra
proposición didáctica y metodológica, se articulará en una
selección de ejes engarzados en los que se encuentran el diálogo,
el desarrollo del pensamiento crítico-reflexivo y la imaginación moral
-que considera la sensibilización y posicionamiento del sujeto
que construye memoria-, los cuales suponen promover la acción
participante de los sujetos inmersos en los espacios de la escuela.

De esta manera, el eje Pensamiento Crítico-reflexivo


comprende la capacidad de evaluar, resolver, comparar y
contrastar tanto visiones, discursos y situaciones, así como
problemas de manera fundamentada. Atiende, en el fondo, a
la necesidad de reflexionar y explicar posicionamientos y toma
de decisiones a partir de evidencias o fuentes que sustenten
las explicaciones del mundo social que los estudiantes han
construido. En cuanto al eje Diálogo corresponde a una categoría
que asume la acción comunicativa basada en la significación
de la palabra. Y considera, por ende, la capacidad de establecer
una conversación respetuosa, reflexiva y crítica, marcada por
una formación ética fundamentada en la relación con el otro y,
por consiguiente, con la sociedad. Por último, el eje Imaginación
Moral, implica una estrategia establecida por Graciela Rubio que
contempla las capacidades de sensibilización y posicionamiento
que pueden desarrollarse en los y las estudiantes con el objetivo de
comprender realidades o problemáticas complejas que conllevan
los trabajos de la memoria y del pasado reciente. En este caso,
sensibilizar a partir de lo vivido tras el régimen dictatorial en Chile
y alcanzar un posicionamiento reflexivo y crítico del estudiante a
partir de su pensamiento.

Cabe destacar que la selección de dichos ejes no resulta


azarosa, en tanto contribuyen a abordar realidades, experiencias y
significados construidos y deconstruidos por los sujetos a partir de
la memoria. Asimismo, posibilitarán el comprender al otro desde
la memoria, el dolor y las diversas discursividades que atrapan la
construcción de diferentes realidades.

134
En cuanto a la segunda dimensión, la lectura literaria como
vehículo articulador, tiene como principal objetivo poder fomentar
la lectura literaria de obras nacionales para generar una reflexión
sobre los vejámenes ocurridos a los Derechos Humanos durante la
Dictadura Militar de 1973 en Chile. Se trata de una dimensión que
posee dos sentidos claros: por una parte, busca descentralizar el
trabajo de memoria, que se ha tornado exclusivo de la asignatura
de Historia en el actual sistema educativo chileno, ampliándolo
hacia asignaturas como Lenguaje y Filosofía, al potenciar la lectura
y la reflexión. Por otra parte, permitirá considerar las memorias
silenciadas por un oficialismo que desde conceptos como “guerra
civil” o “trauma y reparación de las víctimas”, ha generado una
sombra sobre la diversidad de experiencias que emergen desde
el Golpe Militar.

De esta forma, la lectura de literatura chilena de las


últimas décadas será el vehículo articulador de la reflexión de los
estudiantes. Esto debido a que ha sido marcada por 17 años de
Dictadura Militar, portando los significados fracturados de una
época de violencias. Así lo ha evidenciado parte importante de
la crítica literaria nacional: académicos como Grinor Rojo, Karl
Kouth, Idelver Albelar, entre otros, han identificado de qué manera
este periodo histórico ha dejado huellas en la creación literaria,
sellando temáticas y formas de escritura particulares. La literatura
nacional desde los años 70 hasta nuestros días, entonces, ha ido
construyendo, de forma intencionada o no, las memorias que el
discurso oficial del retorno de la democracia no consideró.

Así, la literatura chilena se convierte en un puente que


no sólo testimonia lo que no se nos contó, sino que también
procura mostrar diferentes aspectos de un hecho que marca la
configuración presente de nuestra sociedad. Estas diferentes
perspectivas no solo permiten abordar hechos fácticos, sino
que también, fracturas sociales e individuales, silencios, traumas
y todos aquellos aspectos que el discurso hegemónico oficial
pretendió borrar. Junto con el aborde de estos aspectos, las letras
chilenas se han referido profusamente a la vuelta a la democracia,
dentro de un contexto de transiciones neoliberales, considerando
las consecuencias sociales y emocionales de 17 años de dictadura.
Cada obra literaria, por ende, alumbra una dimensión distinta de
lo que sucedió (y de lo que ha estado sucediendo), completando

135
así las piezas faltantes de un rompecabezas en permanente
construcción.

Al abordar este entramado de experiencias que dan


cuentan de las repercusiones que los vejámenes de la dictadura
provocan en el individuo y su contexto, la obra literaria nacional
permite extender nuestro radio de reflexión hacia espacios
inclusive íntimos y, por ende, de mayor identificación con el
lector, lo que permite articular una enseñanza de los DD.HH. y la
memoria reciente. Sumado a esto, consideraremos la lectura de
literatura como un espacio en donde se construyen las memorias
en un doble movimiento: por una parte, el discurso literario es
portador de una memoria y, por otra, potencia la construcción de
una memoria por parte de quien lee2.

Ahora bien, con la finalidad de orientar la lectura de la


obra, rescatando aquellos aspectos que permitan un trabajo de
memoria, de esta dimensión se derivan las siguientes categorías
de análisis de las obras literarias: tipo de lenguaje, cronotopos de
la memoria y recursos literarios. En atención al tipo de lenguaje,
entendemos que toda obra literaria es una práctica específica
con el lenguaje (Mansilla, 2003), por lo que esta categoría intenta
revelar las características del lenguaje como modeladoras de las
creaciones y significados que nos conectan con las experiencias
sobre la Dictadura Militar. Interesa aquí poder caracterizar el tipo
de lenguaje de la obra literaria para así potenciar una reflexión
sobre la memoria, desde la palabra como fundadora de una
cultura y sociedad y, por ende, portadora de las fracturas de
las que ha sido testigo. En cuanto a la siguiente categoría, los
cronotopos de la memoria, comprendemos, considerando la
matriz del concepto fundada por Mijael Bajtin, una unidad de
espacio-tiempo que constituye una perspectiva de la vivencia
cultural (Arán, 2009) en este caso del periodo de Dictadura Militar
de 1973-1990 en Chile. Esta categoría, por ende, permitirá poder
visualizar las experiencias del Golpe y sus consecuencias, a partir
del análisis y determinación de los distintos cronotopos que se

2. En este punto, nuestra investigación considera como fundamentos teóricos las


reflexiones de Paul Ricoeur (ficcionalización) y Raymond Williams (estructuras del
sentir). Para mayores detalles, revisar la investigación en extenso próximamente a
publicarse en la página del Plan de Gobierno Lector.

136
configuran en las obras literarias y su potencia como disparadores
de reflexión sobre los DDHH en los estudiantes. Finalmente, la
categoría recursos literarios permitirá vislumbrar algunas de las
técnicas utilizadas en la obra literaria (por ejemplo, el montaje, la
metáfora, la alegoría, la corriente de la conciencia, etc.) y el vínculo
que establecen con un determinado discurso. Con esta categoría
se busca potenciar la profundización en el análisis formal de la
obra literaria, comprendiendo su utilidad como puente de acceso
hacia la comprensión, pero también entendiendo que es en sí
mismo, el configurador de una determinada memoria.

Cada una de las dimensiones descritas y sus correspondientes


categorías darán nacimientos a dos herramientas concretas de
nuestra propuesta: una ficha de lectura y actividades de aplicación
piloto que presentan a continuación.

Fichas de lecturas

Esta herramienta concreta de trabajo reúne las principales


características de la obra literaria a la luz de las dimensiones
articuladoras de esta propuesta y que posibilitarán una reflexión
en torno a la violación de los DD.HH., durante la dictadura
militar de 1973 en nuestro país. Es decir, se trata de condensar
un modo de lectura literaria que privilegia una vinculación de
la representación literaria con el contexto sociopolítico que la
sostiene. En este sentido, las categorías que se analizan siempre
tendrán su foco en identificar de qué manera la obra se relaciona
con los hechos vivenciados en dictadura o en postdictadura, con
la finalidad de generar un mapa que otorgue orientaciones al
profesor para promover la lectura literaria en sus estudiantes. Más
allá de imponer una interpretación, creemos que orientamos la
lectura hacia zonas en donde sea posible reflexionar en torno a los
vejámenes de los DD.HH.. Es por ello que no menos importante
es destacar en cada ficha aquellos DD.HH. que se presentan con
mayor relevancia en la obra literaria.

Cada parte de la ficha, por ende, permite al docente -como


se indica a continuación- apreciar las obras como potenciadora de
un trabajo de memoria en los estudiantes.

137
(Anverso)

Frase: extracto
de la obra que
Ícono: imagen motiva y orienta
referencial de la la lectura de ésta.
obra.

Información Argumento:
básica: síntesis de la obra.
principales
datos de la obra
literaria: título,
Dimensiones
autor(a), año de
articuladoras:
edición, número
cuadro que indica
de páginas,
las dimensiones
personajes,
destacadas de la
hablante lítico,
obra.
narrador u otro
según destaque
en la otra DD.HH.:
literaria identificación
de principales
artículos tratados
en la obra.

(Reverso)

Cronotopos de Tipo de lenguaje:


la memoria: caracterización
identificación de del lenguaje
los principales utilizado en la
cronotopos obra.
configuradores
de la obra y su
relación con
experiencias de
la dictadura y
Recurso
postdictadura.
literario:
mención de
Imaginación aquellos
moral: recursos
determinación literarios más
de los destacados
posicionamientos que permiten
y sensibilizaciones estructurar la
que posibilitan la obra leída.
obra leída.

138
Actividades Piloto

Las actividades piloto tienen por objetivo incorporar los ejes


propuestos para abordar los trabajos de memoria y los alcances
de la Pedagogía en Derechos Humanos. Las actividades buscan
enfatizar las posibilidades de un trabajo interdisciplinario que
enriquezca el pensamiento crítico-reflexivo de los estudiantes y
sus profesores a partir de un conocimiento disciplinar diferente
que confluye en la creación de otros nuevos.

Cada actividad comienza desde una transgresión a los


Derechos Humanos lo cual gatilla en el alumno una reflexión
desde su propia experiencia de vida. Los ejes resultan aquí, una
forma metodológica y didáctica de generación de espacios de
aprendizaje desde la sensibilización siempre fundamental para
comprender al otro. Se promueve la generación de capacidades
en los estudiantes que contribuyan a potenciar su desarrollo
integral para que, consciente de su rol en la sociedad, participe
activamente en la construcción de una más humana y democrática.
De esta manera, la actividad piloto en concreto se presenta de la
siguiente manera:

(Anverso)
Nombre de la
actividad

Objetivo de la
Vinculación
actividad: se
con el
detalla el objetivo
currículum
que persigue el
chileno: se
desarrollo de la
conecta la
actividad y su
actividad
relevancia para la
con algunos
realización de un
aspectos
trabajo de memoria
curriculares
con los estudiantes.
(posibles
niveles a
Descripción de trabajar y
la actividad: se vinculación
señala el desarrollo con unidades y
de la actividad, AE/OA de cada
identificando asignatura
principales involucrada).
estrategias
metodológicas,
recursos y espacios
a utilizar.

139
(Reverso)

Dimensiones: explicación de la presencia de cada


dimensión (DD.HH. y literaria) de la propuesta en la
configuración de la actividad.

Lecturas recomendadas:
obras del corpus en las que
es posible llevar a cabo la
actividad.

Artículos DD.HH.: detalle


de principales artículos
promovidos en el desarrollo
de la actividad en coherencia
con las obras seleccionadas.

Consideraciones finales

De esta manera, proponemos una forma de trabajo de


memoria en la sala de clases, que no intenta ser impositiva, sino
que constituye una invitación a la reflexión, desde el quehacer del
docente hasta la práctica y actividad misma que promuevan la
participación activa de los alumnos en el aula. Por consiguiente,
esta propuesta didáctica es otro punto de partida para aprehender
esa complejidad de los temas que aborda la memoria y su
vinculación con los DD.HH.

Sabemos que se trata de un primer paso, que seguramente


requerirá de varios ajustes. No obstante, nos parece relevante
destacar que nuestra literatura nacional, tal como la presenta el
último ajuste curricular en la rebautizada asignatura de “Lengua
y Literatura”, constituye parte importante del patrimonio cultural
de nuestra historia y, por ende, es una herramienta elemental
si queremos forjar en los estudiantes una identificación con sus
contextos y con los discursos que lo tensionan y soportan. Esta
propuesta busca, entonces, por una parte, posicionar la lectura

140
literaria no sólo como una actividad que reporta un goce estético,
sino que permite una aprehensión de las realidades que nos
conforman y, por ende, es fuente de una actividad epistemológica.
Por otra parte, esta propuesta revela la necesidad de trabajar
los DD.HH. de forma descentralizada respecto a la asignatura
de Historia, proponiendo un trabajo interdisciplinario, en tanto
las dimensiones anteriormente desplegadas reúnen saberes y
habilidades abordados por las asignaturas de Historia, Geografía
y Ciencias Sociales, Lengua y Literatura, y Filosofía. Asimismo, las
actividades piloto buscan poder enrocarse con los objetivos y
aprendizajes exigidos en el actual sistema educativo, con la clara
intención de que estas actividades puedan realizarse en la sala de
clases chilena.

La tarea que hemos emprendido en esta investigación


sin duda ha sido forjada por muchos, mas un esfuerzo conjunto
podría generar auspiciosos progresos de recuperación de la
memoria reciente bajo el alero de los DD.HH. La literatura, con
la riqueza que esconden sus letras, recupera lo que escapa al
discurso oficial, a los silencios de la historia y permite acercar a
los otros, a los jóvenes, a aprender de su pasado para que el
constructo democrático cobre sentido.

Finalmente, creemos que tal como significó para Claudia


(El Desierto, Carlos Franz), la carta donde su mamá le escribe
contándole aquello que sucedió en ese tiempo terrible, la lectura,
ya sea de un texto testimonial como de uno ficcional, pero
verosímil, es una puerta de acceso para la restauración de las
memorias que nos forman como país, a la vez que un detonador
seguro de la creación de nuevas memorias que dibujen el futuro
de nuestros estudiantes y seguramente de nosotros mismos.
En este sentido, esta investigación busca ser un aporte a esta
perspectiva y una suma a aquellas iniciativas que rescatan nuestra
memoria reciente, a la vez que promueven el “nunca más” a partir
del respeto y valoración de los Derechos Humanos.

Referencias Bibliográficas

Arán. P. (2009). Las cronotopías literarias en la concepción


bajtiniana. Su pertinencia en el planteo de una investigación
sobre narrativa argentina contemporánea. Tópicos del Seminario,

141
ene-jun (21), 119-141.

Franz, C. (2005). El Desierto. Editorial Sudamericana: Buenos Aires.

Jelin, E. (2017). La lucha por el pasado. Cómo construimos la


memoria social. Siglo XXI: Buenos Aires.

Garretón, M. (2003). Memoria y proyecto de país. REVISTA DE


CIENCIA POLÍTICA / VOLUMEN XXIII, Nº 2, pp. 215-230.

Mansilla, S. (2003). La enseñanza de la literatura como práctica de


liberación. Santiago: Editorial Cuarto Propio.

Rubio, G. (2013). Memoria, política y pedagogía. Los caminos hacia


la enseñanza del pasado reciente en Chile. LOM: Santiago, Chile.

142
Relato de experiência de Trabalho Social
envolvendo temáticas voltadas à Capoeira,
Cultura, Respeito e Cidadania.

Regina Lourdes de Freitas 1


Vitor Rocha Bíscaro 2

Resumo

Relato de experiência de educação em direitos humanos
realizada no Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) Bauru /
SP – Brasil. A Capoeira é patrimônio imaterial do Brasil, suas raízes
estão nas tradições trazidas na memória de negros e negras de
todas as idades que foram escravizados/as nesse país, oriundos/as
do continente africano. Assim sendo, foi elaborado pela equipe de
Trabalho Social do PMCMV um projeto com Oficinas de Iniciação
em Capoeira, seguindo o eixo de Mobilização, Organização e
Fortalecimento Social, previsto nas normativas do programa.
Foram implantadas seis turmas de Capoeira nos Residenciais
Chácara das Flores 1, Chácara das Flores 2, Ipês, San Sebastian,
Três Américas 2 e Água da Grama, todos localizados na periferia da
cidade, locais onde dificilmente chegam oportunidades através de
políticas públicas. A Capoeira trabalhou valores, prática esportiva
e cultural, principalmente a cultura de origem de povos africanos,
com pessoas interessadas de todas as idades, teve duração de
dois meses e finalizou com 136 participantes que receberam um
Certificado de Iniciação em Capoeira e participaram do Festival
de Capoeira Minha Casa Minha Vida que reuniu participantes,
autoridades e os três grupos voluntários que desenvolveram a
atividade: “Pau Pereira”, “Ziriguidum” e “Arte’ a Cor”. Os resultados
foram à valorização da cultura, o respeito, a possibilidade de
transformação social e da Capoeira como ferramenta de cidadania

1. (reginafreitas@bauru.sp.gov.br) – Assistente Social na Prefeitura de Bauru e estudante


do curso de Trabalho Social com Famílias da instituição Acrópole Educacional de
Bauru-SP;
2. (vitorbiscaro@bauru.sp.gov.br) – psicólogo na Prefeitura de Bauru.

143
foi imprescindível para o desenvolvimento e fortalecimento de
pessoas e grupos que se constituíram a partir da atividade.

Palavras-chave: Capoeira, cultura, trabalho social

Abstract

Report on human rights education experience conducted


in the Minha Casa Minha Vida Program (PMCMV) Bauru / SP -
Brazil. Capoeira is an intangible heritage of Brazil, its roots are in
the traditions brought to the memory of blacks of all ages who
were enslaved in this country, coming from the African continent.
Thus, a project was prepared by the PMCMV Social Work team
with Initiation Workshops in Capoeira, following the axis of
Mobilization, Organization and Social Empowerment, provided
for in the program rules. Six Capoeira classes were deployed at
the Chácara das Flores 1, Chácara das Flores 2, Ipês, San Sebastian,
Três Americas 2 and Água da Grama, all located on the outskirts of
the city, where opportunities rarely reach through public policies.
Capoeira worked values, sports and cultural practice, especially
the culture of origin of African people, with interested people of all
ages, lasted two months and finished with 136 participants who
received a Certificate of “Initiation in Capoeira” and participated
in the Festival of Capoeira Minha Casa Minha Vida which brought
together participants, authorities and the three volunteer groups
that developed the activity: “Pau Pereira”, “Ziriguidum” and “Arte
‘a Cor”. The results were the appreciation of culture, respect, the
possibility of social transformation and Capoeira as a tool of
citizenship was essential for the development and strengthening
of people and groups that were formed by the activity.

Key words: Capoeira, culture, social work

Introdução

O município do qual se trata o presente artigo, acessou


o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – Faixa 1 do
Governo Federal em 2009, construindo em torno de 6.000
moradias de interesse social até o ano de 2013, ano no qual
foi criada a Coordenadoria de Habitação de Interesse Social
composta de servidores públicos, ligados ao Gabinete do Prefeito,

144
visando o planejamento, elaboração de projetos, execução
e acompanhamento das ações na área habitacional e nos
reassentamentos das áreas de risco das famílias enquadradas na
portaria nº 595, de 18 de dezembro de 2013.

Para a realização do Projeto do Trabalho Social (TS) da faixa 1


do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, está previsto 1,5%
dos recursos da obra. As diretrizes estão baseadas na Portaria 21
de 22 de janeiro de 2.014 do Ministério das Cidades.

O Trabalho Técnico Social tem como objetivo contribuir


para a melhoria da qualidade de vida dos beneficiários e
sustentabilidade dos bens, equipamentos e serviços implantados
por meio do Programa de Habitação de Interesse Social – Faixa
1 - PMCMV, através de execução direta ou mista. A intervenção
técnica visa promover o exercício da participação e a inserção
social dessas famílias, em articulação com as demais políticas
públicas.

História da Capoeira

A história da capoeira começa no século XVI, na época


em que o Brasil era colônia de Portugal. A mão de obra escrava
africana foi muito utilizada no Brasil, principalmente nos engenhos
(fazendas produtoras de açúcar) do nordeste brasileiro. Muitos
destes escravos vinham da região de Angola, também colônia
portuguesa. Os angolanos, na África, faziam muitas danças ao
som de músicas.

Chegando ao Brasil, os africanos perceberam a necessidade


de desenvolver formas de proteção contra a violência e repressão
dos colonizadores, pois eles eram constantemente alvos de
práticas violentas e castigos dos senhores de engenho. Quando
fugiam das fazendas, eram perseguidos pelos capitães, que
tinham uma maneira de captura muito violenta.

Os senhores de engenho proibiam os escravos de praticar


qualquer tipo de luta. Logo, os escravos utilizaram o ritmo e os
movimentos de suas danças africanas, adaptando a um tipo de
luta. Surgia assim a capoeira, uma arte marcial disfarçada de
dança. Sendo um instrumento importante da resistência cultural

145
e física dos escravos.

A prática da capoeira ocorria em terreiros próximos às


senzalas (galpões que serviam de dormitório para os escravos) e
tinha como funções principais à manutenção da cultura, o alívio
do estresse do trabalho e a manutenção da saúde física. Muitas
vezes, as lutas ocorriam em campos com pequenos arbustos,
chamados na época de capoeira ou capoeirão.

Até o ano de 1930, a prática da capoeira ficou proibida no


Brasil, pois era vista como uma prática violenta e subversiva.
A polícia recebia orientações para prender os capoeiristas
que praticavam esta luta (História da Capoeira. Disponível
em (https://www.suapesquisa.com/educacaoesportes/
historia_da_capoeira.htm).

Em 1930, um importante capoeirista brasileiro, mestre


Bimba, apresentou a luta para o então presidente Getúlio Vargas.
O presidente gostou tanto desta arte que a transformou em
esporte nacional.

A capoeira é uma representação cultural que mistura


esporte, luta, dança, cultura popular, música e brincadeira.
Caracteriza-se por movimentos ágeis e complexos, onde são
utilizados os pés, as mãos e elementos ginástico-acrobáticos.
Diferencia-se das outras lutas por ser acompanhada de música.

A luta de defesa pessoal, que é reconhecida também como


dança, foi desenvolvida por escravos africanos trazidos ao
Brasil, já que o Brasil foi o maior receptor da migração de
escravos, com 42% de todos os escravos enviados através
do Atlântico durante o século XVI, quando Portugal enviou
escravos para a América do Sul, oriundos da África Ocidental
(Capoeira. Disponível em https://mundoeducacao.bol.uol.
com.br/educacao-fisica/capoeira.htm)

A capoeira é disputada por duas pessoas que se defrontam


no meio de uma roda formada por outros capoeiristas, ao som de
palmas e berimbaus. O objetivo do jogo é derrubar o adversário.

O berimbau, principal instrumento que proporciona o som

146
característico, é construído por um pedaço de pau, um pedaço
de arame e uma cabaça. A base do jogo é a ginga, pois essa é
uma importante forma de ataque e defesa do capoeirista. Na
roda de capoeira o praticante manifesta seu conhecimento e
desenvolvimento sobre a atividade.

A capoeira trabalha a coordenação motora, aprimora a


flexibilidade, equilíbrio e destreza, alivia as tensões do dia a dia,
proporciona criatividade e liberdade de movimentos.

A Capoeira sofreu múltiplas transformações: a primeira, de


uma arte marcial para uma prática de defesa pessoal, a segunda,
de defesa pessoal para uma prática desportiva, e depois, em uma
prática de natureza lúdica. (Araújo 1997).

E vem conquistando seu espaço, derrubando preconceitos


e agregando praticantes nas diferentes classes sociais do Brasil
e do mundo. Atualmente é considerada como uma das mais
expressivas e conhecidas manifestações da cultura brasileira.

O registro desta manifestação foi votado no dia 15 de julho


de 2008, em Salvador, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio
Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), que é constituído por 22 representantes de entidades e da
sociedade civil, e delibera a respeito dos registros e tombamentos
do patrimônio nacional (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2013).

Instrumentos da Capoeira

Segundo o Portal São Francisco, o berimbau é um arco


musical originado de outros arcos de regiões africanas com
ocupação banta. A forma atual e o modo de tocar são construções
dos afrodescendentes brasileiros. O berimbau foi o último
instrumento a fazer parte da capoeira, no final do século XIX. Hoje
em dia é considerado o símbolo da capoeira por todos.

O arame é percutido com uma vareta de madeira, chamada


de vaqueta, que o tocador segura com a mão direita, juntamente
com o caxixi.

Atabaque é um tambor de origem afro-brasileira. Na

147
Capoeira Angola, é tocado só com as mãos e acompanha o
berimbau Gunga na marcação do ritmo do jogo.

Pandeiro é de origem asiática e era usado pelos portugueses,


em Portugal e no Brasil, em procissões. Acompanha o canto pela
marcação do compasso.

Agogô é um instrumento de origem africana. Tem a função


de ser um contraponto rítmico aos berimbaus e ao atabaque.

Reco-reco instrumentos de percussão fina enriquece um


conjunto com detalhes e variedade sonora.

Metodologia

Foram desenvolvidas aulas semanais de Capoeira de 50


minutos cada, com turmas de 20 participantes durante 02 meses,
no salão de festas dos condomínios, onde os participantes puderam
conhecer os instrumentos e os princípios que fundamentam a
prática, além de praticar alguns exercícios (Prefeitura Municipal
de Bauru).

As atividades foram realizadas na macroárea das seguintes


regiões: bairros Fortunato Rocha Lima; Nova Esperança; Colina
Verde e José Regino, que compreendem os Residenciais Chácara
das Flores 1 e 2; San Sebastian, Três Américas 2, Água da Grama;
Arvoredo e Ipês, respectivamente.

Para participar das atividades, os interessados tiveram que


realizar uma inscrição, sendo necessária, para os menores de 18
anos, uma autorização dos pais e/ou responsável. Ainda, todos
(as) os (as) alunos (as) receberam uniformes (camiseta e calça)
para a prática esportiva.

Os instrutores de Capoeira foram designados pela Secretaria


Municipal de Esportes e Lazer – SEMEL, compreendendo os
grupos ‘Art a Cor’, ‘Ziriguidum’ e ‘Pau Pereira’, que atuaram de
forma voluntária.

Como encerramento das Oficinas, foi realizado um Festival


de Capoeira proporcionando a integração de todos (as) os (as)

148
participantes e seus familiares, onde foram servidos lanches e
entregue certificados. Destacamos que esse evento contou com
a presença de autoridades do município, tais como a Chefe de
Gabinete e o Prefeito do município de Bauru.

Desenvolvimento

As Oficinas de Capoeira tiveram como objetivo incentivar


a sua prática, que compreende arte, cultura, integração social
e esportiva, proporcionando o desenvolvimento integral dos
participantes, através de vários aspectos, tais como: a motricidade,
a força, a resistência, o reflexo, a flexibilidade, o equilíbrio, a
coordenação, a velocidade, e ainda, habilidades artísticas e
rítmicas.

A prática da Capoeira também trás benefícios para o corpo,


como: redução do stress e ansiedade; ajuda no emagrecimento;
melhora da confiança e da autoestima e promove a interação
social (Bruce, C., 2019. Benefícios da Capoeira. Disponível em:
https://www.tuasaude.com/beneficios-da-capoeira).

O projeto, que atendeu pessoas interessadas de todas as


idades, foi finalizado com 136 participantes, superando a meta
inicial que eram de 120, indicando o sucesso da atividade.

Conclusão

As Oficinas proporcionaram o conhecimento e a


valorização da cultura africana, o respeito mútuo, a possibilidade
de transformação social, sendo a Capoeira uma ferramenta de
cidadania imprescindível para o desenvolvimento e fortalecimento
de pessoas e grupos que se constituíram a partir da atividade.

Após o encerramento da Oficina, foram realizados


encontros com os pais e responsáveis dos (as) alunos (as) em
todos os Residenciais, para propor a continuidade das aulas. Estas
reuniões seguem em andamento.

149
Referências Bibliograficas

ARAÚJO, Paulo Coêlho de. Capoeira: um nome – uma origem. Juiz


de Fora: Notas & Letras, 2005.

Capoeira Publicada por: Thiago Ribeiro em Educação Física


<https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/educacao-fisica/
capoeira.htm> Acesso em 15 de agosto de 2019.

História da Capoeira Origem da palavra capoeira, cultura afro-


brasileira, luta, funções sociais, como começou a capoeira,
proibição, transformação em esporte nacional, os estilos. <https://
www.suapesquisa.com/educacaoesportes/historia_da_capoeira.
htm>Acesso em 15 de agosto 2019.

MINISTÉRIO DA CULTURA. Instituto do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional – IPHAN. Brasília: MEC, 2013 Disponível em:
<http://www.iphan.gov.br> Acesso em 08 de agosto 2019.

MINISTÉRIO DAS CIDADES. Manual de Instruções do Trabalho


Social. Portaria 21, de 22 de janeiro de 2014. Brasília/DF, 2014.
Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/
ArquivosCidades/PAC/Manuais-Gerais PAC/portaria21.pdf>. Acesso
em: 03 de junho de 2019.

Portal São Francisco. Disponível em: <https://www.


portalsaofrancisco.com.br/esportes/ instrumentos-da-capoeira>
Acesso em 15 de agosto de 2019.

Portal Tua Saude. Disponível em: https://www.tuasaude.com/


beneficios-da-capoeira Acesso em 29 de agosto de 2019.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU. Oficinas de capoeira levam


cultura popular a residenciais do Minha Casa Minha Vida. Disponível
em: <http://www2.bauru.sp.gov.br/materia.aspx?n=32878>

150
Educação para nunca mais no
Movimento Pela Anistia:
entre resistências e silenciamentos
Maria de Nazaré Tavares Zenaide1

Resumo

O tema da memória reabre a questão do autoritarismo
e do direito à memória e à verdade no Brasil. O presente artigo
se propõe a analisar os sentidos de memoria presentes nos
mecanismos de silenciamento e resistência no período autoritário
no Brasil em que emergiu as lutas e os movimentos pela anistia. A
pesquisa situa-se no campo da memória histórica com o objetivo
de construir um entendimento crítico dos mecanismos de
silenciamento e resistência ocorridos durante as lutas pela anistia
politica, que resultou na Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979,
marco histórico de tensionamento entre a Educação para Nunca
Mais e a política de silenciamento. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica e documental de cunho qualitativa tendo como
recorte temporal o processo de anistia politica no Brasil a partir do
acervo da Fundação Lelio e Lisli Basso disponibilizado ao Núcleo
de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal da
Paraíba pelo Convênio de Cooperação Técnica realizado, em 2012.
O entendimento dos processos de silenciamento e resistência
desdobraram-se ao longo desses longos 40 anos de movimentos
de direitos humanos. As experiências de educar para nunca
mais tem revelado a força do ato de recordar e das narrativas de
testemunhas como produção de discursos de resistências em
tempos de retrocesso e democracia em crise.

1. Psicóloga, professora do Departamento de Serviço Social e do Mestrado de Educação


e de Direitos Humanos do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos e membro da
Comissão da Verdade da UFPB. Coordenadora do Projeto “A luta pela Anistia no Brasil
nos arquivos da Fundação Lelio Basso sobre as violações aos direitos humanos na
América Latina”.

151
Palavras Chave: Politica de Memória. Educar para Nunca Mais.
Direitos Humanos. Anistia.

“Aqui não haverá Anistia”

Com essa expressão: “Aqui não haverá Anistia” o general


Kruel afirmava nos anos sessenta a politica de silenciamento,
tentando impedir o avanço do discurso pró-anistia politica. Com
essa frase, o discurso militar tentou silenciar as vozes das vítimas da
violência politica ao longo de 1 de abril de 1964 a 13 de dezembro
de 1985, argumenta pela perpetuação do autoritarismo no país.
Ironicamente, em 2019, com o governo militar eleito pelo voto
direto em 2018, a Comissão de Anistia sofre alteração em sua
composição assim como em seus processos de anistia aprovados,
na tentativa de criar confusão da nação no entendimento da Lei
de nº 9.140 de 4 de dezembro de 19952 e da Medida Provisória nº
2151-3, de 24 de agosto de 2001 quando foi criada a Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça, assim como, da Lei nº 10.559, de
13 de novembro de 2002, que prever a reparação das vítimas de
atos de exceção, ocorridos entre 1946 e 1988.

Os processos legalmente instruídos e aprovados por um


colegiado público são revistos e ou anulados pela gestão de um
governo militar em tempos de democracia reeditando sinais
de autoritarismo, considerando que a anistia política, instituída
pela Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, reconhece como
responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de opositores
ao regime de 1964, assim como, prever a concessão de idenização
a parentes de militantes políticos mortos ou desaparecidos entre
2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

“Anistia não é esquecimento” xpressa Augustino Veit,


presidente da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos
Políticos instituída pela Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995
com poderes para deferir pedidos de indenização das famílias

2. Lei que reconhece como responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de


opositores ao regime de 1964, assim como, prever a concessão de idenização a
parentes de militantes políticos mortos ou desaparecidos entre 2 de setembro de 1961
e 15 de agosto de 1979.

152
e perseguidos políticos. As famílias vítimas da violência politica
enfrentam muitas dificuldades para provar os crimes praticados
em nome da segurança do Estado já que precisam dispor de
provas materiais contra o Estado. Afirma Veit: “Não podemos
encerrar essa história sem ter pleno conhecimento do que
ocorreu, sem saber onde foi parar toda a documentação sobre
esses acontecimentos, sem continuar a procura dos restos mortais
dos desaparecidos políticos” (VIET, apud ROTA, 2019)

Num regime democrático, cabe aos poderes respeitarem


as regras do jogo, tendo a lei como parâmetro para reger as
responsabilidades públicas dos poderes para além da vontade
pessoal ou do partido em particular. Argumenta com base na
Constituição, o Ministério Público Federal:

O apoio de um presidente da República ou altas autoridades


seria, também, crime de responsabilidade (artigo 85
da Constituição, e Lei n° 1.079, de 1950). As alegadas
motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são
absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de
derrubada inconstitucional de um governo democrático,
em qualquer hipótese e contexto.
Não bastasse a derrubada inconstitucional, violenta e
antidemocrática de um governo, o golpe de Estado de 1964
deu origem a um regime de restrição a direitos fundamentais
e de repressão violenta e sistemática à dissidência política,
a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como
povos indígenas e camponeses (PGR-00149292/2019).

Desfazendo quaisquer tentativa de negação, esclarece o Ministério


Público Federal:

De fato, os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou


desapareceram com 434 suspeitos de dissidência política e
com mais de 8 mil indígenas. Estima-se que entre 30 e 50 mil
pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Esses crimes
bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado
de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e
violações sexuais) foram perpetrados de modo sistemático
e como meio de perseguição social. Não foram excessos
ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim

153
uma política de governo, decidida nos mais altos escalões
militares, inclusive com a participação dos presidentes da
República.
A gravidade desses fatos é de clareza solar. Mais uma vez, é
importante enfatizar que, se fossem cometidos atualmente,
receberiam grave reprimenda judicial, inclusive por parte
do Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de
Roma em 1998 e ratificado pelo Brasil em 2002. Também à
luz do direito penal internacional, os ditadores brasileiros
cometeram crimes contra a humanidade. Essa Corte, porém,
não pode julgar as autoridades brasileiras pelos crimes da
ditadura, porque sua competência é para fatos posteriores
à sua criação.

O Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019 do presidente militar


eleito nas eleições de 2018, extingue colegiados da administração
pública federal, previstos na Constituição Federativa de 1988,
interrompendo desse modo as medidas da Justiça de Transição
em andamento, envolvendo nesse bloco, o Grupo de Trabalho
que pesquisava a Vala Clandestina de Perus no Cemitério Dom
Bosco em São Paulo, responsável pela identificação de corpos de
desaparecidos políticos entre as 1.047 caixas com ossadas da vala
comum do cemitério e o Grupo de Trabalho que investigava o
caso Araguaia . Ambos estavam vinculados à Comissão de Mortos
e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos. Declara a procuradora federal Eugenia
Gonzaga, “Mais do que enterrar os desaparecidos, o governo está
implodindo todo um sistema voltado à justiça” (O DIA, em 21/04/
2019)

Resistencia em múltiplos sentidos: Do Movimento pela Anistia


às Comissões de Verdade

“A memória é feita de esquecimentos, de silêncios. De


sentidos não ditos, de sentidos a não dizer, de silêncios e de
silenciamentos” teoriza Orlandi (2015, p.53).

O movimento pela anistia no Brasil inaugura os movimentos


de resistências em tempos de ditadura militar. São as vozes das
Mulheres - mães, filhas, companheiras e militantes – com o apoio
interno de setores religiosos progressistas (Comissões de Justiça

154
e Paz, Centros de Defesa de Direitos Humanos, etc.,) da imprensa
alternativa, de sindicatos e entidades da sociedade civil; e apoio
externo, como da Fundação Lelio e Lisli Basso e o Comitê de
Defesa dos Direitos Humanos para os Países do Cone Sul, dentre
outros.

No período de 22 de julho no presídio de Frei Caneca - Rio,


em Itamaracá- Recife, Fortaleza; Natal-RN; Penitenciaria Feminina
de São Paulo (Elza Menerat), Barro Branco-SP e Lemos de Brito-
Salvador/BA os presos políticos lutavam através da Greve de Fome
pela Anistia Geral e Irrestrita.

O processo educativo ocorria nos espaços não formais


através das mobilizações de rua com cartazes, faixas e gritos de
anistia, assim como, de abaixo assinados, encontros e congressos,
educando a sociedade para relevância da anistia politica, como a
forma de resistência necessária para construção do caminho para
a redemocratização.

Ao longo dos anos de 2011 com a instalação da Comissão


Nacional da Verdade o país passou a escutar discursos até então
silenciados, a linguagem silenciada nas sessões de tortura e
prisões. Acontecimentos históricos vividos ao longo de 1964-
1985, alguns fatos, esclarece Orlandi, “não chegaram a inscrever-
se na memória”, outros fatos, absolvidos na memória “como se não
houvessem ocorridos”. Orlandi ao questionar-se sobre os sentidos
em maio-68 trata dos sentidos interditados pela censura e a
repressão. A proclamada liberdade reivindicada pelos movimentos
de maio-68 poderiam significar vários sentidos, como resistir nas
ruas ao golpe de estado, é proibido proibir, ditadura nunca mais,
contra a guerra do Vietnã, liberdade sexual, etc.

A tortura para os que dela experimentou nas prisões


politicas, como instrumento de informação e punição, foi capaz
de produzir sentidos de silenciamento, uma vez recordar poderia
significar a prisão e morte de companheiros e familiares. Por isso,
durante as oitivas, os clarões de memórias e esquecimentos. Ficar
sem sentidos diante da tortura é um ato de sobrevivência. A vida
na clandestinidade, sem lenços e sem documentos, cada noite
num lugar, podendo ser surpreendido pelas forças da repressão
era um prato cotidiano.

155
Muitas das vítimas da violência do Estado não conseguem
puxar o fio da recordação, pela ferida aberta com que continuam
a sentir após 50 anos depois. Para uns, são tempos intermináveis
que não cessam de preencher a memória, para outros, estão em
escondidos nas paredes das prisões ainda vividas no inconsciente
como se não tivesse ocorrido, como forma de sobrevivência física
e psíquica.

Mesmo que o “censurado não desapareça no todo’, não


tem sido fácil, abrir a caixa de pandora e desafiar os monstros do
silenciamento. (ORLANDI, 2015, p. 61). Abrir a caixa de Pandora
seria entrar em contato com os males causados as famílias, aos
filhos, as crianças, as mulheres e aos companheiros de lutas. Se
de um lado, podia funcionar como uma catarse, como uma forma
de interromper uma dor permanente, que silenciada significava a
morte, também podia expressar um ato politico, de interromper
um silenciamento forçado, desvelando os segredos dos porões
do regime, algo tão cruel, que muitos se assombram com tanta
barbárie.

Romper com um discurso interditado pela opressão


libertava a nação de um passado sombrio e para muitos de muito
sofrimento físico e psíquico. Não se tratava de espetacularizar
a dor alheia de um testemunho vivo, mas de ouvir tantas vezes
fosse necessário para romper com a violência ecoada e delirante.

A reparação psicológica como ato coletivo é um importante


processo de subjetivação, já que na alteridade os sujeitos se
encontram humanizando-se, ao mesmo tempo em que pelo
testemunho se aprende a solidariedade, já que é pela identificação
com a dor alheia que emerge o educa dor em e para os direitos
humanos (AGUIRRE, 1997). Daí a importância das oitivas fechadas
ou abertas nas Comissões de Verdade onde se reconstrói uma
história de vida, em clima de profundo respeito e empatia, capaz
de fazer com que na confiança as pessoas sejam capazes de
compartilhar uma parte da vida. Depois dos depoimentos e dos
relatórios, onde as vitimas da violência se veem reconhecidas, já
não serão as mesmas. Por outro lado, para os que não viveram
a dor do arbítrio é um momento impar, onde se aprende o
significado dos direitos humanos, onde se cria um espaço politico
de aprendizagem coletiva, onde se descobre o valor e o sentido

156
coletivo da palavra liberdade.

Entre o Movimento pela Anistia e o Movimento dos


Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos pelo direito à
Memória e à Verdade atravessam processos de recordação e
reflexão critica da história recente. De 1979 a 1989 o país aprova
em 1984 e ratifica em 1991, a Convenção contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984).
O presidente Fernando Collor, em 1992 entrega doumentos
do DEOPS de São Paulo assim como o Relatório sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos, reconhecendo a existência da Guerrilha
do Araguaia aos familiares de mortos e desaparecidos politicos
que constroem um Dossiê sobre Mortos e Desaparecisoa politicos.
Em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso institui pela
Lei nº 9.140/95, 4 de dezembro de 1995 a Comissão Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) que passa a tratar dos
casos de desaparecimentos e mortes de opositores políticos para
encaminhar os pedidos de indenização das famílias. Em 2005, o
presidente Luís Inácio da Silva determinou a entrega dos arquivos
da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) ao Arquivo Nacional,
subordinado à Casa Civil, em 2007 ratifica o Protocolo Facultativo
da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes e em 2009 cria o Programa
Nacional de Direitos Humanos 3, introduzindo o eixo do direito à
memória e à verdade, Decreto nº 7.037, 21 de dezembro de 2009.

As famílias perseguidas iniciam as primeiras experiências


de reconstrução mnemônica da violência, como demonstra o
documentário “memória para uso diário” de Betty Formaggini
(2007) com financiamento internacional do Fundo das Nações
Unidas contra a Tortura. Com a Lei nº 12.528 de 16 de maio de 2011,
de criação da Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de
apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de
setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, a narrativa das vitimas
passa a ter centralidade na investigação por parte de agentes
públicos. Se não conseguiu avançar no que pretendia desvelar,
como os silêncios impostos pelo poder, contribuiu para desvelar
a violência como tática de governo contaminando sistema de
segurança (RUIZ, 2014).

A transmissão oral das vitimas e testemunhas reveladas nas

157
comissões de verdade, explica como a violência foi naturalizada
na formação e atuação dos órgãos de segurança, daí a transmissão
documental não ter encontrado o acesso à informação prevista
na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 de na Constituição
Federal (LE GOFF, 1990).

Educar para Nunca Mais

O Brasil em 1974, segundo Alves (1994) estava submetido


a um procedimento confidencial, em razão de denuncias
dos familiares de mortos e desaparecidos políticos no período
de 1968-1972, quando foi instituído o Ato Institucional nº5.
Diante do uso extremo da força do Estado contra os adversários
políticos, restou um primeiro exemplo de resistência à opressão,
o Movimento Feminino pela Anistia que mobilizou a formação de
Comitês Femininos pela Anistia, familiares educavam a sociedade
para necessidade da solidariedade ativa na resistência civil. Outras
ações coletivas emergiram desse processo, como mobilizações de
ruas, eventos e atos ecumênicos.

A instalação das Comissões de Justiça e Paz, a exemplo


de São Paulo, dos Centros de Defesa de Direitos Humanos, do
Movimento Tortura Nunca Mais e do Comitê de Defesa dos
Direitos Humanos para os Países do Cone Sul - CLAMOR, foram
essenciais para o inicio da luta contra a tortura no Brasil.

A busca da memória a partir do paradeiro das vitimas da


violência do Estado obteve o apoio do Fundo das Nações Unidas
contra a Tortura financia o GTNM-RJ e SP – Busca dos desaparecidos
em IMLs, Arquivos e Cemitérios.

Através da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, o país


concedeu

[...] anistia a todos quantos, no período compreendido entre


02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram
crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais,
aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos
servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações
vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes
Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e

158
representantes sindicais, punidos com fundamento em
Atos Institucionais e Complementares.

Entretanto, a Lei de Anistia não cumpriu o que se esperava


de um processo de anistia, já que manteve encarcerados os
presos políticos que haviam se envolvidos com crimes de sangue,
distintamente, dos agentes da segurança. Ao isentar os crimes de
lesa humanidade praticados pelos agentes da segurança, a Lei de
Anistia de 1979 passou a constituir num empecilho institucional
para a Justiça de Transição.

Durante a década de oitenta, o país viveu todo um processo


de mobilização social gestando o Movimento Pré-Constituinte,
a Assembleia Constituinte e a Carta Democrática de Direitos,
estabelecendo um regime democrático. Os princípios ético-
políticos presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos
adentraram o texto constitucional dando os fundamentos do
Estado Democrático de Direitos. O país entra uma nova era, com
um g.

Quando o país fez 50 anos da ditadura militar (1964-1985)


começou a aprender outra lição importante para afirmação
do regime democrático, que foram as Caravanas de Anistia,
os seminários sobre memória e verdade, a criação de sítios
de memória, as mostras de cinema sobre memória e verdade.
Espalharam-se comitês de memória e verdade por parte da
sociedade civil, assim como, ao mesmo tempo, foram criadas as
comissões de verdade, revitalizando uma diversidade de ações,
desde as mostras de artes, fotografias e artes plásticas, como,
cinema, seminários e publicação de documentários e mostra
de cinema e teatro. A educação para nunca mais que surge e
se fortalece na sociedade civil não adentrou de forma central, a
educação formal, como conteúdo dos direitos humanos, como
na União Europeia tem sido com a inserção do holocausto na
educação formal.

Durante a Conferencia Nacional de Educação foi realizada


com a participação dos familiares dos mortos e presos políticos
uma Conferencia memória Livre onde a temática do direito
à memória e à verdade foi o tema central. Durante o período
de 2003- 2016, o tema mobilizou a Comissão de Anistia que

159
promoveu por todo o país caravanas, seminários, publicações e
processos de reparação. Entretanto, com o fim desse período, as
ações, os editais e os processos de reparação foram interrompidos,
retornando a agenda para o âmbito da sociedade civil.

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162
Memória e verdade na Educação em e para os
Direitos Humanos

Maria de Nazaré Tavares Zenaide

Resumo

As experiências de educação para nunca mais na América
Latina e Brasil tem mobilizado desde os tempos de transição,
movimentos de familiares de ex-presos e desaparecidos políticos
nos países do Cone-Sul. As politicas de justiça de transição
dialogadas no âmbito das Altas Autoridades de Direitos Humanos
e Países Associados do Mercosul têm distintamente revelado
como os eixos da memoria, verdade e justiça têm sido tratados
pelos distintos governos. Nesse processo, experiências de
educação para nunca mais têm sido promovidas como eixo da
politica de direitos humanos, iniciando-se no movimento da
sociedade civil para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias
Sociais da Câmara dos Deputados, até a Comissão de Anistia que
procede começa desde os grupos informais até as comissões de
verdade, que tratam de identificar os acervos e testemunhas,
preservar a memória documental e oral, assessoria aos processos
de reparação, realização de estudos e pesquisa para organizar
lugares de memória, preparação de materiais didáticos sobre
nunca mais, promover celebração dos fatos históricos e das lutas
de resistências. Esta comunicação pretende se aproximar do tema
a partir de experiências de educação para nunca mais no Brasil
fruto de investigação como membro de comitês e comissões de
memória junto ao Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da
UFPB.

Palavras Chaves: Educação Para Nunca Mais. Direitos Humanos.


Memória e Verdade

Resumen

Las experiencias educativas para nunca más en América


Latina y Brasil han movilizado movimientos de familiares de

163
ex prisioneros y desapariciones políticas en los países del Cono
Sur desde los tiempos de transición. Las políticas de justicia
transicional discutidas dentro del alcance de las Altas Autoridades
de Derechos Humanos y Países Asociados del Mercosur han
revelado claramente cómo los ejes de la memoria, la verdad y la
justicia han sido tratados por los diferentes gobiernos. En este
proceso, las experiencias educativas para nunca más se han
promovido como un eje de la política de derechos humanos,
comenzando con el movimiento de la sociedad civil para la
Comisión de Derechos Humanos y Minorías Sociales de la Cámara
de Diputados, hasta que comience la Comisión de Amnistía que
procede desde grupos informales hasta comisiones de la verdad,
que intentan identificar las colecciones y testigos, preservar
la memoria documental y oral, consejos sobre procesos de
reparación, llevar a cabo estudios e investigaciones para organizar
lugares de memoria, preparar materiales didácticos sobre nunca
más, promoviendo la celebración de hechos históricos y luchas de
resistencia. Esta comunicación pretende abordar el tema desde
experiencias educativas, nunca más en Brasil como resultado
de la investigación como miembro de comités y comisiones
de memoria con el Centro para la Ciudadanía y los Derechos
Humanos de la UFPB.

Palabras clave: Educación para nunca más. Derechos humanos.


Memoria y verdad

Introdução

As mães, os filhos e parentes que viveram de perto a dor de


ter um ente familiar que resistiu a ditaduras têm contribuído com
a memória coletiva recente dos países do Cone-Sul, haja vista, os
depoimentos das testemunhas, como, das mães e avós da praça
de maio, das mães de maio de 1968, dos Grupos de Tortura Nunca
Mais, do Movimento Feminino pela Anistia aos Comitês pela
Anistia, até mais recente, das mães de maio de São Paulo e muitas
outras comunidades urbanas do Brasil.

Para Ruiz (2014, p. 374) “a violência não é um fato pontual


que desaparece simplesmente ao cessar o ato violento”, seu poder
de repetição ecoa pelos canaviais, prisões, sindicatos, residências
e lugares de lutas e resistências. O silenciamento das vítimas da

164
violência de Estado tem atravessado longos anos de autoritarismo
na América Latina e Brasil, estendendo-se aos familiares e amigos,
às organizações sociais e instituições públicas. Daí a importância
da reforma das instituições do sistema de justiça e segurança
como eixo da justiça de transição, sem a qual a violência continua
seus ciclos de reprodução.

A violência estrutural no Brasil, fruto das injustiças e


desigualdades sociais não superadas, perpetua-se deixando
rastros, como o genocídio contra jovens negros e indígenas, a
violência contra a mulher e a violência institucional (RUIZ, 2014,
p. 264). Daí a dissonância entre o ideal de direitos humanos e a
realidade profundamente violadora.

Segundo Ruiz (2014, p. 372):

A mimese tem a potencialidade de naturalizar a violência


e injustiça (pela repetição imitativa das maiorias) ou, pelo
contrário, materializar uma cultura dos direitos humanos
(consolidando a vivência de valores humanos.

A naturalização da violência para aqueles que enfrentaram


a extrema perseguição em face dos familiares terem participado
do movimento das Ligas Camponesas é compreensivo, tendo
em vista que o ato de violência abrupta com o golpe de estado
em 1964 forjou um processo de perseguição que redundou num
êxodo de camponeses. Os familiares fugiam com a roupa no couro,
sem documentos, após os confrontos com as forças de segurança
e capangas abandonando suas casas na carreira, sem lenço nem
documento (BENEVIDES,1985). Após cinquenta anos depois de
1964, membros do Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça
retornam ao cenário de violência acompanhando os familiares,
para juntos poder percorrer os lugares de violência, desocultar
o recalque provocado pela violência traumática e a politica de
esquecimento, tentando contribuir para o processo de luto,
recordação e reparação (ZENAIDE, 2014).

Para Castor (2014, p. 393) o “esquecimento é a técnica que


possibilita a perpetuação da violência” pelo recalque. Recordar
da violência institucional no meio rural, sempre atravessado
de riscos e violência não ocorre por decreto, é necessário um

165
diálogo aproximativo continuo e um compromisso real com a
problemática.

Muitos foram os rastros de apagamento nos locais das Ligas


Camponesas, como casas destruídas, cemitérios sem covas e
registros, ausência de documentos anterior a 1964, silenciamento
e desconhecimento da história.

O recalque para Castor (2014) é um dispositivo antropológico


e político que, ao mesmo tempo em que oculta uma realidade de
violência, coloca uma névoa sobre o assunto como se não tivesse
existido, embora a violência continue ativa. No campo rastreamos
os sinais de violência pelas sombras, seja pelas marcas na terra
como a estrada da morte, seja pelos cacos de telha e parede
como restos das casas destruídas durante os conflitos nos anos
sessenta, levando muitas vezes, ao uso de armas pelo acirramento
dos conflitos. Nos rastros de Miriri nos deparamos com os filhos
de camponeses que fazia 50 anos que não havia retornado a sua
casa, agora no chão.

No campo o roçado pode ter sido lugar de morte, assim


como, as casas foram locais de tiroteios e prisões, as estradas de
ciladas e morte (ASSMAN, ano)

Desde 1961, que o campo na Paraíba antecipou a violência


contra os camponeses, com o assassinato do líder Alfredo
Nascimento pelo capanga capa de aço, assim como em 1962,
o assassinato da liderança de Sapé João Pedro Teixeira, dentre
outros (BENEVIDES, 1987)

Por isso recordamos Mèlich (2000) quando afirma que


“a história após o holocausto só é possível como recordação e
rememoração” - considerando que o silencio dos homens tem se
tornado cúmplice com o desaparecimento forçado de uma parte
importante da humanidade.

Trouxe para a mesa “direitos humanos, memória e


patrimônio” do VIII Colóquio Latinoamericano e Caribeño de
Educación em Derechos Humanos promovido pela Universidade
de Antofogasta e a Red Latino-americana de Educação em
Direitos Humanos – algumas reflexões teórico-práticas da minha

166
experiência junto à Comissão e Comitês de Memória, Verdade e
Justiça e de Educação em Direitos Humanos no Brasil bem como
do ensino dos direitos humanos na graduação e pós-graduação
na Universidade Federal da Paraíba.

Auschwitz e a Educação para Nunca Mais

Educar após Auschwitz não é a mesma coisa para os


educadores, pois a humanidade ao colocar-se nua diante do
uso extremo da força começou a entender como os elementos
culturais encontram-se impregnados do imaginário autoritário
que continuam presentes na sociedade, por isso, chama atenção
para o ato de recordar como expressão de resistência diante das
crueldades e da violência humana (ADORNO, 2003).

Bittar (2007), ao questionar por que Auschwitz não pode ser


esquecida como uma questão da educação em direitos humanos
acrescenta que não podemos esquecer: “Treblinka, Ditadura
Militar, Impeachment de Collor, Ruanda, 11 de setembro, Kosovo,
Invasão do Iraque”. Acrescentaria: a Chacina contra os Ianomamis,
Carajás, Corumbiara e Carandirú no Brasil; assim como a Chacina
de Mari, o assassinato de João Pedro Teixeira e Margarida Maria
Alves, o desaparecimento de Pedro Fazendeiro e Nego Fuba
na Paraíba. Para Bittar (2007, p. 321) “A consciência histórica é
aquela que aponta que o passado retorna, e que, sem consciência
do passado, se torna impossível agir no presente com vistas à
mudança no futuro”.

Quando a partir de golpes de estado e/ou de guerras se


instala o uso ilimitado e extremo da força e do poder passaram
a emergir os chamados espaços de fechamentos e separação -
prisões, campos de concentração, ou os espaços de separação
- asilos e prisões - os espaços de deslocamentos - campos de
refugiados e campos de extermínio. Dos palácios dos reis, das
dependências dos templos e das fortalezas, das fábricas e casas
comerciais, das prisões e delegacias, instaram-se os espaços de
separação e até do extermínio (VILELA, 2000).

Os relatórios das comissões de verdade no Brasil desvelam


os espaços de morte e extermínio, como as casas da morte (RJ), as
granjas do horror (PB), os galpões de desmanche de humanos nas

167
instalações de usinas e fábricas abandonadas (SP) dentre outros
(VILELA, 2000; GIOVANI, 2017; BRASIL, 2014).

A memória como forma de resistência implica na capacidade


de não deixar que os mecanismos de poder aniquilem as vítimas e
familiares silenciando-as além do luto e da dor. Por isso a vivencia
com o testemunho da história representa uma aproximação
necessária para o entendimento da necessidade histórica de
lembrar para não esquecer e tentar não repetir.

Wood (2013, vídeo) registra o testemunho indireto de


Rennè Firestone acerca da experiência do que viu e participou e
do que sobreviveu, quando afirma:

Já lhe disse que esse arame era eletrificado com alta


voltagem? Não dava nem para chegar perto assim, sem que
imediatamente a eletricidade puxasse você e você estava
acabado. As pessoas vinham até esses arames quando não
aguentavam mais o sofrimento e a fome extrema. Toda
manhã eram vistas pessoas penduradas nesses arames
cometendo suicídio. Olhando para eles hoje é difícil de
acreditar e, se esses postes pudessem contar as histórias
de tudo o que aconteceu aqui. ’Não pode ser verdade’
diríamos para nós mesmos. Não podia ser verdade. E no
entanto, estamos todos marcados, temos os números em
nossos braços e isso nos diz que sim, estivemos aqui. Nós
estivemos aqui. Eu aprendi algo aqui mas me pergunto se
o mundo aprendeu alguma coisa. Vendo o mundo hoje a
gente se indaga: o que aprendemos com o holocausto? O
que aprendemos com este lugar?

Para Vilela (2012, p. 145) o conceito de testemunho, significa:

Acto pelo qual um indivíduo atesta o acontecimento


directo de um objeto ou de um acontecimento; narração
(récit) através do qual ele restitui esse acontecimento.
Por extensão (‘o testemunho dos sentidos’) designa esse
conhecimento directo. Se o valor do testemunho supõe
a sinceridade da testemunha, esta não implica, de forma
alguma, a validade do acontecimento acerca do qual ela
testemunha.

168
Ao convidar a dona Elizabeth Teixeira, líder camponesa, de
97 anos, para dar testemunho sobre os 17 anos de clandestinidade
sem poder entrar em contato com os filhos, rateados entre os
familiares após traumas inesquecíveis como o assassinato do pai
e dois irmãos e a separação da mãe, seu testemunho mobilizou
empatia e solidariedade dos educadores. Esse processo se
desdobrou em semanas das ligas camponesas junto às escolas da
rede pública da 3ª Regional de ensino da Paraíba no município de
Patos, assim como fomentou a produção de materiais educativos,
como cordel e jogos dramáticos.

Beth Formaggini (2017) no documentário “Memória para


uso diário” chama atenção para o trabalho dos familiares como
testemunho da dor e produção do direito à verdade, quando
principalmente mães, irmãs e familiares trilham caminhos
tortuosos para descobrir indícios de vida humana e a tentativa
de apagamento dos vestígios documentais, visitando cemitérios,
arquivos públicos e Institutos Médicos Legistas, ou mesmo
desvendando a morte em clandestinidade pelas valas humanas
de perseguidos políticos nos chamados cemitérios clandestinos.

Luís Pérez Aguirre (1997) no I Congresso de Educação em


Direitos Humanos realizado em São Paulo em 1997, pela Rede
Brasileira de Educação em Direitos Humanos ressalta: ”Para que o
compromisso (educativo) seja estável e duradouro, para que não
se desoriente, ou se perca pelo caminho (longo e arriscado), deve
partir não de uma teoria, mas de uma experiência, de uma dor
alheia sentida como própria”, pois,

Na opção pelos Direitos Humanos o que pro-voca (pro:


adiante; vocare: chamar; quer dizer: o que chama desde
adiante, desde o horizonte) à mobilização de nossas
energias amorosas, à com-paixão, não é uma teoria, nem
a reflexão, mas a capacidade de ouvir o grito do sofredor
e Ter a responsabilidade para responder a ele. O primeiro
movimento passa então pela sensibilidade, pesa nas
entranhas, será uma opção e uma vocação entranhável.

O Instituto Peruano de Educación en Derechos y la Paz –


IPEDEHP no Peru adota como uma das estratégias de educar em

169
direitos humanos, o apoio a formação e capacitação de docentes,
criar alternativas metodológicas através de materiais didáticos
que partam da vida cotidiana de cada professor, dando valor
aos momentos da vida escolar, oportunizando a participação, o
dialogo e os círculos educativos. (PPEDEHP apud SILVA, 1995)

Ressalta Aguirre (AGUIRRE, 1986, p. 1-2), não podemos


dedicar uma etapa á reflexão e outra á ação, uma etapa a
conhecer e outra a defender os Direitos Humanos, tudo tem que
ser simultâneo, em um tempo dialético.

[...] Educar para os DH quer dizer educar para saber que


existem também “os outros”, tão legítimos quanto nós,
seres sociais como nós a quem devemos res- 372 peitar,
despojando-nos de nossos preconceitos e de nossos
próprios fantasmas. [...] Educar para os DH quer dizer
aceitar a pluralidade cultural e, ao mesmo tempo, educar
na identidade, na semelhança fundamental que nos
transforma a todos os irmãos [...] Educar para os DH é
assumir o primeiro direito fundamental de ser pessoa todo
ser humano se converte em educador que promove os DH
quando tem clareza crítica e equilibrar o tato ao questionar
costumes e comportamentos pessoais e coletivos baseados
na autodefesa frente aos demais, substituindo-os com a
atitude de respeito, responsabilidade e colaboração.

Mas o sistema de ensino e formação não inserem a


memória e a verdade que é um dos eixos da justiça de transição
na educação, como alguns países da América Latina tem realizado
por meio de experiências dos sítios de memória.

Memória e Verdade no Ensino Universitário na UFPB

Desde 27 de janeiro de 2005 que a Organização das


Nações Unidas adotou a Resolução da União Europeia para tratar
da Memória do Holocausto para que nunca mais aconteça no
sistema de ensino. O ensino dos direitos humanos na graduação
passa pela necessidade de se trabalhar a recordação como forma
de manter viva a história para se lutar pela não repetição, uma vez
que, “Sem a recordação só há morte” (MÈLICH, 2000)

170
No Brasil, duas publicações relevantes podem ser úteis
nesse processo, “Infância Roubada – crianças atingidas pela
ditadura militar no Brasil” editado pela Comissão da Verdade do
Estado de São Paulo (2014) e o livro “Educação Direito à Memória
e à Verdade – Histórias de meninas e meninos marcados pela
ditadura’ lançado pela Secretaria dos Direitos Humanos durante
a Conferencia Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
em 2009.

A experiência com a publicação Infância Roubada – crianças


atingidas pela ditadura militar no Brasil da Comissão da Verdade
do Estado de São Paulo (2014) na sala de aula com universitários do
Curso de Serviço Social tem sensibilizado exercícios de alteridade.
Cada estudante após a escolha de um personagem do livro ao
assumir um dos personagens trazendo símbolos ou materiais que
possam representar as vitimas da violência politica entendem o
que significou resistir até a vida pela liberdade.

Conquistamos com a atuação do Fórum dos Pró-Reitores


das Universidades Públicas Brasileiras a inclusão do direito
à memória e à verdade no edital do Programa Nacional de
Extensão Universitária, atendendo as metas e objetivos do eixo
do Programa Nacional de Direitos Humanos 03, de modo que
o tema da memória e da verdade também entrava na extensão
articulando ações de educação para nunca mais.

Levar o direito à memória e à verdade ao sistema de


ensino básico através do Programa de Extensão Memória, Justiça
e Direitos Humanos foi um aprendizado para os membros
educadores do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB,
principalmente, quando encontramos territórios silenciados e
educadores envoltos em uma fumaça de ignorância da história
local em tempos autoritários. Reunimos em cinco municípios da
Paraíba educadores do campo da história e sociologia com o apoio
institucional da Secretaria de Educação. Como recurso didático
usamos o testemunho local, o documentário e o livro Direito à
memória e à verdade, Saberes e práticas docentes. O livro tem
duas partes: a primeira parte trata do suporte teórico, a segunda
parte aborda contem conteúdos e sugestões de orientações de
atividades educativas com o uso de arquivos, memorial, teatro,
cinema, musica, biblioteca, cordel, depoimento e desenho.

171
Em cada local trabalhado constatou-se o desconhecimento
do período ditatorial e das lutas de resistências locais por parte
dos educadores, como se uma fumaça pairasse sobre o território,
adiando o quanto pudesse para que o ato de recordar fosse quase
impossível. Dialogar com filhos de prefeitos caçados, indígenas
perseguidos, camponeses, netas de camponeses, grupos de
militantes ex-presos políticos foi clarificando com a equipe de
professores do programa da área de História e Psicologia. Para
cada localidade o programa elaborou com o apoio de educadores
e historiadores um texto básico do território a ser discutido no dia
de formação. O processo formativo começava com uma fala da
Secretaria de Educação e da coordenação do curso, em seguida
iniciávamos com o testemunho local, que tinha toda a manhã para
recordar e compartilhar com os educadores. Na parte da tarde,
trabalhamos o texto da história local, em seguida, discutíamos
as orientações metodológicas com o recurso do livro que foi
distribuído e discutido com os educadores.

Mari Árvore que Chora, Cidade que silencia

Chegamos enquanto Comitê Paraibano de Memória,


Verdade e Justiça na cidade de Mari, município da Paraíba durante
2014 quando realizaram-se várias iniciativas sobre o regime
militar. Mari, um lugar silenciado, pois as pessoas não conseguiam
falar da tragédia de Mari do dia 15 de janeiro de 1964, momento
onde forças a as usinas e a polícia abordaram de forma violenta
camponeses em mutirão, exigindo a devolução das armas
apreendidas pelos camponeses semanas antes num confronto.
O conflito resultou na morte das lideranças camponesas e nos
representantes do latifúndio e do Estado (BENEVIDES, 1986;
COELHO, 2004).

Começamos dialogando informalmente com os familiares,


acompanhando os mesmos ao cemitério e local da chacina
tentando encontrar os vestígios destruídos. Não havia covas
e nem documentos no cemitério da cidade. Na Secretaria de
Segurança Pública também não encontramos o Boletim de
Ocorrência. Peregrinamos com apoio dos assentamentos locais
o paradeiro das famílias. Trata do fenômeno do apagamento dos
rastros documentais (RICOUER, 2007).

172
Combinamos realizar rodas de conversas, com membros
do Comitê Paraibano, com a presença de ex-presos políticos
e professores universitários. Durante um ano percorremos
semanalmente a cidade de Mari a busca os indícios que pudessem
revisitar um passado obscurecido. Cassamos as sombras dialogando
com familiares, construindo com os mesmos o fio da memória.

Uma audiência pública foi realizada na Câmara Municipal


com os familiares e a Comissão Estadual da Verdade e Preservação
da Memória, visitamos o Sindicato Rural de Mari, onde só
encontramos fotografias de ações após a intervenção dos
sindicatos com o golpe de estado.

Enfim, encontramos a Rádio Araçá 105.9 FM - Mari / PB, a


igreja católica, as escolas, o sindicato e os assentamentos rurais,
com eles e o apoio da Prefeitura Municipal e o Governo Estadual
realizamos no dia do massacre “ Mari, 50 anos de Resistencia” com
culto ecumênico no local do massacre, atividades educativas e
culturais no ginásio com as escolas públicas do município, uma
marcha na cidade divulgando e distribuindo um cordel educativo,
encerrando o dia 15 de janeiro de 2014 com um ato defronte do
Sindicato Rural de Mari (ZENAIDE, 2014).

Estruturamos os processos de pedido de anistia junto ao


Ministério da Justiça com o apoio dos membros do CPMVJ e de
depoimentos de médicos que na época atendeu aos camponeses,
assim como usamos recursos de recortes de jornais, até que
a Comissão Estadual da Verdade e Preservação da Memória
conseguiu localizar o Boletim de Ocorrência que foi anexado ao
processo de reparação, até hoje não julgado. Ironia, a cidade Mari,
significa árvore que chora. No sindicato rural, local de militância das
lideranças assassinadas só encontramos fotografias dos períodos
de ditadura, quando os sindicatos sofreram intervenções em suas
direções, com exaltação aos atos cívicos de 7 de setembro e ações
assistencialistas.

Educação em Direitos Humanos para agenda Democrática

A Declaração Universal dos Direitos Humanos adverte para


o risco do desprezo aos direitos humanos como fator da barbárie.
A formação de uma consciência crítica é imprescindível como

173
parte do patrimônio social. Tratar do autoritarismo na América
Latina e das histórias nacionais constitui uma ação relevante para
fortalecer a l latino-americana e nacional. Os horrores vividos pela
América Latina, do extermínio dos povos pré-colombianos e a
população originária, assim como, das lideranças sociais gestadas
ao longo dos períodos de colonialismo, império e república.
Foram longos processos de escravidão, guerras e ditaduras que
têm mantido o território em patamares altos de violência e
desigualdades.

Considerando esse passado autoritário a Convenção


Democrática Interamericana (2001) nos artigos 26 e 27 propõe no
campo educacional:

Artigo 26
A OEA continuará desenvolvendo programas e atividades
dirigidos à promoção dos princípios e práticas democráticos
e ao fortalecimento da cultura democrática no Hemisfério,
considerando que a democracia é um sistema de vida
fundado na liberdade e na melhoria econômica, social e
cultural dos povos. A OEA manterá consultas e cooperação
contínua com os Estados membros, levando em conta
as contribuições de organizações da sociedade civil que
trabalhem nesses campos.
Artigo 27
Os programas e as atividades terão por objetivo promover a
governabilidade, a boa gestão, os valores democráticos e o
fortalecimento das instituições políticas e das organizações
da sociedade civil. Dispensar-se-á atenção especial ao
desenvolvimento de programas e atividades orientados
para a educação da infância e da juventude como meio
de assegurar a continuidade dos valores democráticos,
inclusive a liberdade e a justiça social.

Sem uma consciência histórica dificilmente poderemos


refletir e agir no presente com autonomia e criticidade, objeto
tão temeroso pelos governos autoritários que tem na educação
seu primeiro campo de batalha, seja para retirar o financiamento
público da educação superior, seja para interromper as politicas
públicas de caráter democrático, seja para retirar a autonomia
das universidades nos aspectos acadêmicos e de manutenção da

174
pesquisa e da pós-graduação pública e gratuita, tentando impor
uma mordaça na universidade que é o espaço da liberdade e da
critica.

O Brasil ainda processa com dificuldades o resgate da


memória e da verdade sobre o que ocorreu com as vítimas
atingidas pela repressão política durante o regime de 1964.
A impossibilidade de acesso a todas as informações oficiais
impede que familiares de mortos e desaparecidos possam
conhecer os fatos relacionados aos crimes praticados e não
permite à sociedade elaborar seus próprios conceitos sobre
aquele período (BRASIL-PNDH III, 2009, p.170).

A memória da história local de lutas e resistências, articulada


com a memória da história do país contribui para contextualizar o
sujeito do conhecimento com sua sociedade, permitindo que se
perceba que a história é um processo em movimento permeado
pelas ações dos sujeitos.

Para Zamora (2008, p. 26-27), os sobreviventes de Aschwitz,


por exemplo, convivem com o conflito, entre a necessidade de
falar para não silenciar, e o temor do outro não compreender o
abismo que separa os dois mundos. Ele trata de outro “silêncio
inaudível que ressoa no interior das câmaras de gás e cujo texto
nunca poderemos conhecer. Esse silêncio segue sendo inacessível
e permanecerá para sempre inaudível”. A comunicação do trauma
leva, também, à evocação da dor que gerou o trauma, necessário
para lidar com a situação de luto aparentemente esquecida.

Quando as vítimas da ditadura militar no Brasil empoderam-


se coletivamente, denunciando o Estado à OEA, reorganizando o
Comitê Brasileiro pela Anistia, criando e fortalecendo os Grupos
Tortura Nunca Mais, o Prêmio Vladimir Herzog dentre outros,
pressionando o governo a desobstruir os empecilhos no acesso
aos documentos existentes nos órgãos públicos, processando
civilmente agressores e torturadores, documentando e
reconstruindo a memória dos fatos históricos, produzindo
materiais educativos, contribuindo ativamente para que, nas
universidades, sejam produzidas estudos e pesquisas na área,
assim como tratados e organizados acervos que subsidiem não só
os processos de retratação moral e financeira mas a reconstrução

175
da resistência e da verdade histórica, todos(as) eles(as) nos
educam em e para os direitos humanos.

Recordar como principio da Educação para Nunca Mais

O uso extremo da força, do terror e do poder retirou do ser


humano a capacidade de empatia e de autocritica, podendo agir
como não humanos, se recusando a assumir responsabilidades
pelos atos, como um animal, apenas atuando como instrumentos
ou máquinas de guerra. Ao fazermos o exercício de recordar o
sofrimento do outro a partir do testemunho, como foi durante o
Tribunal de Nuremberg buscando desfazer um processo poderoso
de silenciamento de modo a encontrar responsabilização pessoal
e social pelas graves violações aos direitos humanos, agimos
como seres humanos, pois o autoconhecimento e a autonomia
do ser humano são parte da condição humana.

O holocausto atacou o que é mais integro na pessoa


humana que é a sua dignidade e identidade, retirando das vitimas
a capacidade de formar vínculos como humanos, tornando-
os coisas descartáveis. Essa realidade não está longe de nós, o
nordeste brasileiro tem uma historia marcada pela violência, pelo
extermínio e a escravização dos povos indígenas e afro-brasileiros,
assim como, hoje pela mortalidade dos jovens negros.

Arendt (2004) chama atenção do risco da humanidade para


com os regimes que se distanciam das liberdades fundamentais,
podendo retirar dos homens a capacidade de autocrítica e
responsabilidade pessoal e social pelos atos individuais e coletivos
como ela pode testemunhar no julgamento de Eichmann em
Jerusalém (WOOD, 2013).

Daí Adorno (2003) propor, que a educação após Auschwitz,


implique necessariamente, na educação para nunca mais, como
forma de evitar que o esquecimento implique em possibilidade
de repetição da barbárie. Nessa direção Joan-Carles Mèlich (2000)
propõe que a educação em direitos humanos mantenha viva a
luta da memória contra o esquecimento fazendo da recordação
do Holocausto um meio de evitar sua repetição.

Na Alemanha recordar o holocausto é parte do currículo

176
educacional pelo fato de terem aprendido o quanto o poder pode
cegar uma sociedade ao ponto dela desistir da humanidade.
Segundo Mèlich (2000, p. 48) o humano foi posto ao avesso com
a experiência do holocausto.

Dissociando as dimensões ético-politicas e sócio emocionais


do processo educativo deixamos de plantar a sensibilidade tão
necessária para gerar a empatia e a solidariedade humana entre
os diferentes. A autoconsciência importante para a autonomia dos
sujeitos não é um ato meramente racional, mas essencialmente
sensível.

Como educar para Nunca Mais?

O processo de educar para nunca mais, como eixo da


educação em e para os direitos humanos começa desde os grupos
informais de mulheres e mães, aos comitês pela anistia, aos
grupos tortura nunca mais, as comissões e comitês de memória
e verdade, que tratam de identificar os acervos e testemunhas,
preservar a memória documental e oral, assessorar os processos
de reparação, realizar estudos e pesquisas, dos dossiês da violência
aos relatórios de pesquisa, a mobilizar a organização dos lugares
de memória, as autobiografias e livros das experiências, até a
confecção de jornais, cartazes e bancos de depoimentos como
materiais didáticos para educar para nunca mais.

Educar para uma cultura democrática onde os direitos


humanos sejam de fato assumidos como compromissos de Estado
e Sociedade significa desconstruir as mentalidades autoritárias
impregnadas na sociedade, a exemplo, do Brasil que na história
recente, viveu 29 anos de regime autoritário (Estado Novo –
1937-1945 e Ditadura Militar – 1964-1985) e apenas 54 anos de
Democracia (1945 – 1964 e 1985-2020).

Castor (2014) ao analisar a relação entre mimese e violência/


injustiça com a educação em direitos humanos questiona, como
uma educação de caráter critico e democrática pode superar a
educação treinamento que não torna o ser pensante para que
possa suplantar um padrão de imitação ou fugir das determinações
e assujeitamento.

177
Conhecer o passado para não deixar que nunca mais
aconteça crimes contra a humanidade em razão de “segurança
nacional” requer que hoje saibamos rejeitar todas as formas de
violências presentes.

[...] E quando falamos de cultura nos referimos ao conjunto


de valores, crenças, atitudes, práticas, mentalidades
que orientam as relações interpessoais, relações sociais,
políticas, e, portanto, se nós queremos influir para mudar
mentalidades no sentido de respeito à dignidade de todos
os seres humanos sem qualquer distinção, precisamos
trabalhar com projetos de educação, educação como
formação da personalidade. Então a educação como
formação desta cultura, é o melhor caminho para
transformarmos uma sociedade ainda marcada pela
barbárie numa sociedade que seja contemporânea do
que hoje a consciência moral da humanidade considera
uma sociedade realmente de humanos, livres e solidários
(Depoimento de Benevides a ANDHEP, 2007,vídeo).

Se o progresso da técnica não nos assegurou a paz sonhada


e desejada, se a barbárie bate todos os dias às nossas portas,
concordamos com Adorno (2003) que a humanidade e a educação
continuam com o grande desafio de continuar enfrentando
as várias formas de violências presentes. Adorno propõe uma
educação para a democracia que pressuponha os princípios da
emancipação, crítica, autonomia, resistência, metodologia ativa
e inventiva, reflexão dos processos e fenômenos de alienação,
racionalidade e consciência, oposição ao individualismo
autoritário, resistência à violência, renúncia ao autoritarismo,
desmistificação à punição e autoridade fundada na violência.

Coloca-se como um dos objetivos da educação em e


para os direitos humanos, na ótica da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, educar para o entendimento do valor das
liberdades fundamentais, do respeito as diferenças socioculturais
e da defesa da paz. Acrescentamos aos mesmos, ainda
sustentada teoricamente em Arendt, de que a educação para a
responsabilização com os atos pessoais e a resistência à opressão
estão na origem da educação para nunca mais.

178
Nesta linha de trabalho, Bittar (2007) distingue a educação
treinamento e a educação formação, utilizando elaborações
conceituais de Theodor Adorno e Michel Foucault. Bittar (2007,
p. 313) distingue a educação como Ausbildung (treinamento)
direcionada para o desenvolvimento de habilidades e
competências, da educação como Bildung (formação) ampla,
crítica e humanista. Depois da experiência de Auschwitz é
impossível, segundo Bittar, não questionar da responsabilidade
dos educadores, assim como da dissociação entre razão e emoção.
A educação numa perspectiva formativa aponta para uma ação
criadora dos sujeitos no que tange ao exercício das liberdades
fundamentais e da autonomia dos sujeitos frente às formas
de autoritarismo e assujeitamento de mentes e corações. Tais
esclarecimentos levantam elementos para o estudo acerca da
educação em e para os direitos humanos não só no interior das
academias de polícia como em universidades e na educação
básica.

Através do desenho animado, Canal Pakapaka a educação


para nunca mais ocorre pela cultura. Os temas abordados: Dia
Nacional del Derecho la identidade; La asombrosa clase de Zamba
sobre la Memoria, Zamba en la Casa Rosada.

O cinema de modalidade documentário associado ao


dialogo com membros da família Teixeira de outros camponeses
tem ao longo do processo de democratização feito diferença. O
filme “Cabra Marcado para Morrer” de Eduardo Coutinho (1984),
que trata da história de luta da família Teixeira na região do brejo
paraibano tem revelado como o cinema vem contribuindo para
o não esquecimento do movimento de resistência denominado
“Ligas Camponesas”.

A identidade humana requer coragem de agir no aqui e


agora. Os sujeitos esquecidos têm rostos e vozes, sentimentos e
coragem de agir pelo coletivo e pela utopia de uma sociedade
igualitária. O pior para o futuro da humanidade é quando, nós,
seres humanos, não entendemos e deixamos nos levar pelas
formas de manipulação impedindo a recordação. O movimento
“mães de maio de 2006” retratado no livro de Caramate (2016)
reflete o slogan: das mães: Nossos filhos tem Voz!

179
Para Assmann (2011) os locais de memória desde que
trabalhados podem se constituírem em locais de recordação e
educação para nunca mais. Como uma busca num entulho, se
escava o fio da memória costurando coletivamente a memória
coletiva, identificando os lugares traumáticos e os locais de
resistência. Locais de memória proliferaram na Europa dando
visibilidade aos locais de dor e violência, como são os campos
de concentração. As nações unidas diante da necessidade de se
educar para o nunca mais aprova a Resolução A / RES / 60/7 que
trata da “Recordação de Auschwitz” (ONU, 2005) e a Resolução
61/255 de 2007, sobre “Negação do Holocausto” (ONU 2005;
2007).

Na América Latina, sítios de memória surgem na Argentina,


Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Haiti, México,
Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai; assim como
projetos de organização de acervos e educação para nunca mais.
O Projeto de Resolução 2800/2013 da OEA que trata do direito à
verdade encaminhada à consideração do Conselho Permanente
em 24 de maio de 2013, chama atenção de que cabe aos Estados
Americanos “respeitar e garantir o direito à verdade que compete
às vítimas de graves violações dos direitos humanos’. Além da
necessidade de criação de mecanismos judiciais específicos,
é imprescindível as comissões de verdade a publicização dos
relatórios e recomendações.

Uma mobilização social na região das Ligas Camponesas


conseguiu criar na casa do líder do movimento, o “Memorial de
Resistencia e Luta das Ligas Camponesas”, espaço conquistado
por uma congregação de forças sociais, obtendo apoio para a
desapropriação da casa, a instalação do memorial, a construção
de um centro de formação, a inclusão de João Pedro Teixeira em
concursos de redação da rede estadual de ensino, a mudança
da BR onde o líder foi assassinado como BR João Pedro Teixeira.
No governo Temer, João Pedro Teixeira foi incluído seu nome no
Panteão da Pátria em Brasília, reconhecimento como lutador da
Liberdade. Continua o desafio em como não deixar a sombra do
autoritarismo interromper o trabalho de construção da memória
coletiva como parte da educação democrática.

Projeto de Extensão Universitária do Núcleo de Cidadania

180
e Direitos Humanos da UFPB realizou em 2009 junto a cinco
municípios da Paraíba formação de docentes sobre memória
e verdade, dialogando com a história local, as lutas sociais face
os processos autoritários inserindo os testemunhos na roda de
diálogo com os educadores (FERREIRA, ZENAIDE E MELO, 2016).

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184
CAPÍTULO TERCERO

Educación en Derechos Humanos


y Políticas públicas,
planes nacionales, Marcos Legales

185
186
A Importância da Educação em
Direitos Humanos no Sistema de Ensino Nacional
como Medida Educativa para a Formação de uma
Sociedade livre de Esteriótipos

Hércules Luiz Eloi de Melo1


Taynara Pereira Ferreira2

Resumo

Resumo: A presente pesquisa científica tem como objetivo
esclarecer através da análise da educação em direitos humanos
no Brasil, a necessidade de implementação de políticas públicas
mais efetivas, tendo em vista que o atual quadro se justifica nesse
contexto temático em razão de diversas violações aos direitos
humanos que vêm ocorrendo no país nos últimos tempos. Uma
grande parcela da sociedade brasileira possui uma cultura mais
fechada e, portanto, há preconceito generalizado, profunda
aversão que é transmitida aos jovens, que por sua vez fazem
com que uma boa quantidade de indivíduos seja influenciada a
acreditar que os direitos humanos não o servem a nada. Por isso
será adotado neste trabalho pesquisas bibliográficas, utilizando o
método qualitativo na pesquisa, uma vez que traremos a realidade
fática do ensino básico nacional imposto pelas políticas públicas
do governo nacional. Portanto, por meio deste estudo esperamos
como resultado demonstrar a necessidade de políticas públicas
mais efetivas que resolvam o problema educacional no Brasil,
de forma que seja possível a reformulação da cultura nacional
no sentido de se buscar uma maior compreensão e aceitação
dos direitos humanos como um forte aliado para a formação de
uma sociedade livre dos estereótipos, que acabam por denegrir
a moralidade dos direitos humanos e, consequentemente, dos
próprios indivíduos perante a sociedade. Como consequência,

1. heloimelo@bol.com.br
2. taynarapereira950@hotmail.com

CENTRO UNIVERSITARIO TOLEDO (UNITOLEDO) – ARAÇATUBA/SP, BRASIL.

187
buscar-se ressaltar a importância da educação em direitos
humanos para a promoção do respeito à Constituição brasileira,
plenamente garantidora de direitos.

Palavras-chave: Educação, Direitos Humanos, Políticas Públicas.

Introdução

No quadro atual, é fácil observar que a sociedade brasileira


pelo menos parte de sua massa, reflete uma profunda indignação e
aversão quanto aos direitos humanos, uma vez que as experiências
de vida dessas pessoas, assim como sua criação ideológica de
caráter, crenças, princípios e outras opiniões que caracterizam
suas formações conscientes como cidadãos, direcionam os
problemas sociais, quanto à culpa, aos preceitos relativos aos
direitos humanos. Isto ocorre devido à criminalidade crescente
no Brasil, as desigualdades sociais, ao desemprego, ao alto
índice de analfabetismo presente por todo o território brasileiro
e principalmente a opiniões discriminatórias e preconceituosas
vivenciadas desde a infância de cada um até os dias atuais.

Com esta situação real, parte das massas, criam estereótipos


que mancham a imagem dos direitos humanos no Brasil, como a
popular frase que os críticos dos direitos humanos usam: “direitos
humanos é coisa de bandido, direitos humanos só serve para soltar
bandidos, e somente os bandidos possuem direitos humanos”.
Logo é fácil perceber a dura realidade que os humanitários sofrem
em tentar conscientizar pelo menos no Brasil, a sociedade quanto
à importância dos direitos humanos, uma vez que, muitos desses
críticos são ignorantes por ideologia e muitos das massas são
influenciados facilmente já que não possuem base consciente para
entender essa importância, devido ao baixo nível de instrução.

Logo, é certo dizer que, um dos principais problemas no


país, se refere à educação, a educação nas escolas, a educação na
instituição familiar, a educação nas ruas, isto é certo, pois embora o
Estado forneça escolas e métodos de ensino, é de certo, um pouco
arcaico ou por fundamentações políticas que o ensino de base
nacional, como medida educativa e uma política pública se torna
ineficiente perante a sociedade, por que claramente os problemas
sociais ainda são elevados para ser considerada uma nação que

188
respeita os direitos humanos. É por isso que, a Educação em Direitos
Humanos, é fundamental para um Estado democrático de direito,
e que possa ser implementado ou melhor ainda, fazer funcionar
o Sistema de Ensino Nacional para o desenvolvimento de bons
cidadãos, que possa respeitar e não violar os direitos humanos.

Portanto, este artigo possui como objetivo tratar da


Educação dos Direitos Humanos nas escolas de ensino de base,
para demonstrar o quadro fático que a sociedade brasileira
vivencia e reflete, em relação aos direitos humanos, e com isso,
enfatizar a importância de desenvolver e fortalecer medidas
educacionais que visa conscientizar as massas do respeito e de
quão relevante os direitos humanos é para a sociedade, uma vez
que, sem os direitos humanos, fica claro que uma sociedade não
é de respeitar os princípios que sua própria cultura preza, e para
tanto, seria impossível haver harmonia social e desenvolvimento
econômico, social, cultural e político dentro de um país, pois o
Estado como nação, estaria sempre em conflito e o caos reinaria
perante os mais fracos.

Por fim, o presente trabalho visa abordar alguns marcos


históricos que representa a importância dos direitos humanos
no passado do Brasil, que com isso, foi possível hoje, termos
uma política ainda que incompleta de zelar pela Educação em
Direitos Humanos, como por exemplo, referenciar os Planos
Nacionais de Direitos Humanos que o Brasil já concretizou em
sua história para demonstrar a origem da Educação em Direitos
Humanos atuais, assim como de outros planos internacionais
e nacionais, que foi possível ter uma política pública que trata
sobre a educação no ensino de base para a formação de uma
sociedade livre de estereótipos. Além disso, este trabalho também
visa principalmente, dar ideias de uma solução para o presente
problema através da Educação em Direitos Humanos, para que
assim, nosso Brasil possa ser mais forte, tanto culturalmente, tanto
politicamente e socialmente, um povo que respeita e zela pelos
direitos humanos, respeita outros humanos.

Considerações relevantes sobre a educação em direitos


humanos no Brasil

Para que seja possível compreender o quadro maior da

189
situação das diferentes violações de direitos humanos no Brasil,
é preciso primeiramente entender alguns fatos que tiveram sua
origem fora do Brasil, que repercutiu efeitos no plano interno, esses
fatos, ajudou o povo brasileiro conseguir implementar a Educação
em Direitos Humanos no país, antes é importante reconhecer que
nosso país possui uma sociedade em parte baseada numa cultura
ainda preconceituosa e discriminatória em relação aos Direitos
Humanos, logo, é necessário entender e refletir sobre o passado.

A luta pela conquista dos direitos humanos é global,


começou desde os primórdios da civilização humana, e caminha
até os atuais dias, diante de demasiados conflitos pelo mundo,
como exemplo clássico e importante a Primeira e a Segunda Guerra
Mundial, que ceifou milhares de vidas, trazendo destruição, terror,
sofrimento, medo para os civis de diversos países participantes
da guerra, a Europa foi o principal palco das duas guerras, e foi
devastada quase que por completo, por consequência, resultou
em inúmeros refugiados perambulando pelo mundo em busca
de abrigo, pessoas inocentes clamando por ajuda, sem moradia,
comida, água, sem dignidade humana, essas pessoas tiveram
seus direitos humanos violados.

Por isso, após o fim da Segunda Guerra Mundial, no ano


de 1945, alguns países se reuniram e formaram a Organização
das nações Unidas (ONU), com o objetivo de preservar a paz e
trabalhar pelo desenvolvimento entre nações, assim como a Carta
da ONU demonstra:

Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar


as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por
duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos
indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor do
ser humano, na igualdade de direito dos homens e das
mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a
estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às
obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do
direito internacional possam ser mantidos, e a promover o
progresso social e melhores condições de vida dentro de
uma liberdade ampla. (ONU, p.03).

190
Deste momento em diante, o mundo passou a viver um
novo marco, os direitos humanos passaram a ser mais valorizado,
tanto, que a ONU reconheceu e proclamou através de sua
Assembleia Geral no ano de 1948 a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH). Na declaração estava contida a ideia
de regras para a promoção do bem-estar social e da proteção dos
direitos humanos.

E um dos direitos que a DUDH proclama, é o direito a


educação, assim como informa em seu artigo 26: “Todo ser humano
tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos
graus elementares e fundamentais”. (A DUDH, 1948), é através da
educação que é possível haver mudança, transformação cultural
numa sociedade, ela é um direito fundamental humano, a DUDH
ainda afirma, no mesmo artigo 26 que “A instrução elementar será
obrigatória”. (A DUDH, 1948).

A educação é o instrumento que permite o individuo


identificar os caminhos morais, uma vez que se trata do respeito
ao próximo, é também por este motivo que tanto se fala que a
educação transforma culturas, pois, se trata de medida educativa
que permite uma vez aprendido, respeitar o próximo, o indivíduo
sendo respeitado, está com isso, respeitando e seguindo os
direitos humanos.

Então no plano internacional através da DUDH temos a


reunião de vários direitos humanos, no qual a ONU e muitos outros
órgãos trabalham constantemente para que a paz perdure no
mundo e que não haja violações aos direitos humanos. No Brasil,
em especial na segunda metade do século XX, que vivenciou
um regime militar autoritário, que para alguns é denominado
de Ditadura Militar e para outros apenas um Regime Militar, não
importando a definição para tal, é fato que o Brasil teve uma época
sombria e não deu importância devida aos direitos humanos,
claramente falando, enquanto o Autoritarismo Militar estava no
poder, apenas no papel os direitos humanos constava, mas na
pratica ele não tinha força para a defesa dos oprimidos, uma vez
que não era ainda lei em nosso país.

No entanto, uma vez que a redemocratização aconteceu com


o fim desse Regime Militar, instaurada uma nova constituição no ano

191
de 1988, vigente até os dias de hoje, denominada de Constituição
da Republica Federativa do Brasil que também é apelidada por
alguns juristas brasileiros de Constituição Cidadã, devido estar
contido na Constituição direitos e garantias fundamentais que
casam com os direitos humanos e assim finalmente os direitos
humanos tendo base legal no Brasil, podendo assim exercer de
pleno direito seus preceitos normativos, dessa forma, permitiu
no Brasil a implementação de Politicas Nacionais de Direitos
Humanos (PNDH), assim como o ilustre autor define:

A política nacional de direitos humanos do Brasil teve inicio


com o retorno á democracia do país, em 1985, após o período
de ditadura militar. Desde aquela época movimentos da
sociedade civil e organizações não governamentais vêm
exigindo do governo federal que o tema dos direitos
humanos se torne uma “questão de Estado” no Brasil, por
meio do que o governo brasileiro tomaria como sua a
responsabilidade em dirigir uma política voltada à asserção
e proteção dos direitos humanos no país. (MAZZUOLI, 2018,
p. 481).

O PNDH, não teve somente no Brasil, mas também em outros


países, e com isso gerou repercussão importantíssima no plano
interno, pelo fato que foi através desses planos que começaram
diversos projetos tratando dos direitos humanos, dando a ideia do
por que da necessidade de o Brasil ter implantado essas medidas,
assim como nobre autor esclarece:

A origem dos programas nacionais de direitos humanos


está na Declaração e Programa de Ação da Conferência
Mundial de Viena de 1993, organizada pela Organização
das Nações Unidas, que instou os Estados a concatenar os
esforços rumo à implementação de todas as espécies de
direitos humanos. Na Conferência de Viena, o Brasil presidiu
o Comitê de Redação (pelas mãos do Embaixador Gilberto
Saboia), atuando decisivamente para a aprovação final da
Declaração e do Programa da Conferência Mundial dos
Direitos Humanos de Viena, inclusive quanto ao dever dos
Estados de adotar planos nacionais de direitos humanos.
(RAMOS, 2018, p. 540).

192
O PNDH entrou no Brasil formulando os ideais intrínsecos
de preservação dos direitos humanos para o cidadão brasileiro, o
PNDH é uma política pública implementada pelo Estado brasileiro
para promover diversas medidas para a proteção dos direitos
humanos, assim como é expressado:

A elaboração de programas nacionais de direitos humanos


é o primeiro passo para a concretização de uma política
pública de promoção desses direitos. A orientação de
elaborar programas de direitos humanos consta da
Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial
de Direitos Humanos de Viena, em 1993, que recomendou
a cada Estado que fizesse um plano de ação nacional de
promoção e proteção dos direitos humanos (item 71).
(RAMOS, 2018, p. 540).

Em suma, devemos entender que os Planos Nacionais
de Direitos Humanos, foram importantes para a evolução e
desenvolvimento dos direitos humanos para a sociedade, no
entanto, sabemos que os dois primeiros planos, não foram tão
efetivos, e que necessitou de um terceiro, assim como explica:

Há três versões do Programa Nacional de Direitos Humanos


já publicados, tendo sido as duas primeiras elaboradas no
governo Fernando Henrique Cardoso (1996 e 2002), e a
última durante o governo Lula (2009). (MAZZUOLI, p.481,
2018).

Não abordaremos demasiadamente sobre o PNDH, uma vez


que nosso foco é sobre a educação, no entanto, devemos saber
de sua importância como uma politica pública e de sua origem,
das razões de sua existência como datado anteriormente neste
capítulo, em si, focarmos nos marcos importantes que resultou de
forma relevante no atual quadro de Educação de Direito Humanos
(EDH).

Para elencar a importância da EDH, foi preciso demonstrar


primeiramente alguns pontos históricos sobre os direitos
humanos em relação ao século XX, que contribuiu fortemente
para o avanço que temos hoje, como vimos, tratamos da criação
da ONU e da DUDH, da redemocratização com a Constituição de

193
1988, e um pouco sobre o PNDH, embora, não nos aprofundamos
no PNDH, ao menos, mencionamos os pontos relevantes, isto
é, uma vez, que não há forma de tratar sobre a EDH sem tratar
do PNDH, e também do Plano Mundial de Educação de Direitos
Humanos (PMEDH) pois, foi através desses Planos sobre Direitos
Humanos que hoje temos o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos.

Também não nos aprofundaremos no PMEDH e no PNEDH,


uma vez que será tratado um pouco melhor no segundo capítulo
deste artigo, mas em se tratando de contexto histórico, temos
aqui, algumas pequenas informações relevantes para elucidarmos
melhor o termo educação:

“A educação em direitos humanos é de responsabilidade de


todos (Estado e sociedade) para a consolidação da cidadania num
país, devendo ser matéria obrigatória nos currículos escolares
desde o nível fundamental.” (MAZZUOLI, p.516, 2018).

Como se observa nas palavras de MAZZUOLI é dever de


todos dar educação, tanto o Estado como a sociedade, e em
caráter da sociedade, especificamente nos referimos ao instituto da
família, uma vez que é dever da família passar a educação norma
de conduta, o respeito a criança, e a escola cabe o conhecimento,
conjuntamente na criação da criança, quando ela bem moldada
pelos parâmetros culturais da sociedade, e os direitos humanos
traz fortes influencias disso, há grandes chances dessa criança se
tornar um cidadão, no entanto, podemos dizer o mesmo quando
o instituto da família esta falido?, O que acontece com a educação
desta criança, como vemos a realidade triste do Brasil, em muitos
casos, a escola não possui condições de transpassar todos os
conhecimentos educacionais para a criança, e estamos falando
dos parâmetros morais, assim, não só o instituto da família quebra,
mas as escolas de ensino base também, tornando impossíveis de
progredir com a educação.

E o resultado disso tudo, é que, quando o jovem se torna


adulto, muitas vezes ele se perde, viola direitos humanos de
terceiros, viola até mesmo seus próprios direitos humanos, tirando
lhe a vida nos casos mais graves, assim, interrompendo o direito
sagrado da vida que os direitos constitucionais e fundamentais e

194
humanos zelam. É claro que estamos aqui tratando de casos raros,
mas não deixa de acontecer, tudo isso, pois a educação falhou
na hora de ser ensinada a criança, por isso que, é importante
tratarmos sobre a EDH, o PNEDH, que é de relevância primordial,
uma vez que é o alicerce dos direitos humanos nas escolas, a
educação é direito constitucional que é tratado em seu artigo 205:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família,


será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (CF,
1988).

Está ai o motivo de termos referido o artigo 205 da


Constituição Federal brasileira, por ultimo neste capitulo, pois ele
retrata duas coisas importantes de ser grifada, a educação deve
ser provida pelo Estado, ou seja, via escola de ensino de base,
e a família deve ensinar os padrões morais de etiqueta, bons
costumes e outros, sem harmonizar esses dois pilares, infelizmente
na grande maioria resulta uma sociedade fraca de princípios, a
própria sociedade viola constantemente os direitos humanos de
seus conhecidos e desconhecidos, irmãos de uma mesma nação,
provocando distúrbio quando deveria haver paz que os direitos
humanos tanto prega.

A formação de uma sociedade em Direitos Humanos deve


ser priorizada por meio de medidas educativas e de políticas
públicas

Não é preciso muito esforço para identificar os obstáculos


que são enfrentados pelos brasileiros na sociedade para ter
acesso à educação, vai além de um ensino falido, pois a fatores
que influenciam totalmente, indiretamente e diretamente, tais
como o ambiente familiar precário e sem estrutura das pessoas
que possuem o papel de educador, que muitas vezes prezam e
praticam o ódio (violência) familiar, que pode desencadear vários
problemas como depressão, ansiedade, medo e assim fazendo
com que haja a dificuldade no desenvolvimento escolar, e muitas
vezes até se afastam totalmente do ensino escolar.

Pode-se constituir a dificuldade social na falta de educação

195
(desigualdade), quando acontece de algumas escolas serem,
mais privilegiadas que as outras, ficando comprovado que à
necessidade de investimentos não só na educação escolar, mas
também nos direitos de toda pessoa ter acesso à igualdade e uma
real condição social.

Porem infelizmente esta realidade atinge não só alguns


lugares, mas todo Estado em nível nacional, ficando claro que a
um grande e real desacordo entre o que está nas políticas públicas
e na lei e o que realmente vem ocorrendo.

Conforme Martha dos Reis e Tania Suely Antonelli Marcelino


Brabo (2012, p.159).

Vivemos sob a égide de direito plenamente contemplado


em documentos oficiais (constituições, tratados, acordos,
etc.,), no entanto é possível verificar que, cotidianamente,
há nas sociedades democráticas a contradição de
estarem organizadas através de normas constitucionais
que contemplam os direitos humanos, mas que, não
conseguem suplantar a desigualdade e o aviltamento de
direitos fundamentais.

Pode-se afirmar que o EDH, consiste:

Formação de uma cultura de respeito à dignidade


humana através da promoção e da vivencia dos valores
da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da
cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, a formação
desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar e
consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e
comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores
essenciais citados- os quais devem se transformar em
práticas (BENEVIDES, 2000).

Portanto, depois de exposto todo cenário atual, o problema


da inclusão social, e da educação básica, contribui indiretamente
para formação de um conceito de direitos humanos, de acordo
com a realidade de cada indivíduo.

E só quando houver a implementação dos direitos humanos

196
em todos aspectos, começaremos a caminhar em um caminho
idôneo.

Pois quando se tem uma educação, e uma vida social em


direitos humanos, haverá um bem-estar social cultural e nacional.
Verifica-se cada vez mais a transferência de deveres legais do
poder público, para a sociedade em relação à educação e dos
direitos humanos.

Neste sentido, por mais que ainda se encontre em fase


embrionária, a importantes rumores e várias iniciativas com
relação à educação pública básica de qualidade, para que haja
uma sociedade livre de estereótipos.

Sendo observado por todos que as políticas públicas, não


vêm sendo priorizado pelos seus gestores públicos, sendo assim
demostrado que a educação está longe de ser uma prioridade.
Neste sentido é preciso que esta realidade seja mudada para que
a educação tenha qualidade, e, além disso, seja preparada para
desenvolver a sociedade com uma cidadania pautada em direitos
Humanos.

E para que haja concretização social e educação de direitos


humanos no ensino nacional, é fundamental que o governo veja
com outros olhos tudo que está envolvido ao redor da sociedade,
como o preconceito, que apenas com palavras simples não serão
suficientes para mudar os estereótipos da sociedade nacional.

E quando se tem este ensino dentro de uma escola, curso


ou faculdade, pode-se dizer que se tem uma ferramenta contra a
ignorância social e a cultura ultrapassada que se tem na sociedade.

Ficando assim claro que as politicas públicas são para inserir


programas e ferramentas para melhorar a educação e garantir a
todos uma boa formação sobre a educação em direitos humanos,
tirando aquela ideia da sociedade de que os ‘‘direitos humanos
servem apenas para defender bandido’’ (FRANCESCO, 2017).

Deste modo com as políticas públicas adequadas tira-


se esta ignorância global, e cria-se além de um conhecimento
cultural sobre os direitos humanos, o conhecimento técnico, uma

197
formação elevada sobre o senso crítico e de respeito.

A educação dos direitos humanos para Celma Tavares


deveria ser prioridade dos governos democráticos e atuais, neste
contexto:

Educar em direitos humanos, além de um compromisso


assumido em documentos internacionais, como o
programa Mundial de educação em direitos Humanos e o
pacto Interamericano pela educação em direitos humanos,
deve ser uma das prioridades dos governos democráticos.
Sua finalidade é a construção de uma cultura de respeito
aos direitos humanos e, por isso mesmo, sua adoção como
política pública é essencial á democracia e ao estado de
direito. (URQUIZA, 2014, p.39)

A educação dos direitos humanos traz uma transformação


teórica de um conhecimento de defesa mundial, assegurando a
todos a proteção de ser um ser humano nos tempos que vivemos
hoje.

É um dos implementos atuais que se destaca na declaração


universal de direitos humanos, que veio para desencadear um
processo de desenvolvimento e mudança social.

O Brasil ainda precisa ser desenvolvido muito com relação à


dignidade da pessoa humana, e este processo de desenvolvimento
requer uma construção imensa, e trabalhosa, que estará ligada
diretamente a formação de cidadania e conscientização de todos.
Deste modo nada mais desenvolvido que assegure este tema do
que o PNEDH.

Pois em nossa constituição federal é destacado na lei de


diretrizes e base da educação nacional (LDB), a cidadania como
uma finalidade para o exercício da educação. Assim, deve-se
destacar que a educação é o passo, mais vantajoso e importante
para se construir e desmitificar o preconceito sobre os direitos
humanos.

O plano vem para estimular uma reflexão geral, estudo


e também futuras pesquisas para uma educação totalmente

198
pautada em cidadania e direitos humanos no ensino básico
nacional.

O plano de ação do PMEDH define ‘’um conjunto de


atividades de educação, de capacidade e de difusão de informação,
orientado para a cultura universal de direitos humanos”. (PMEDH,
2006, p, 01)

Passando desta maneira a educação dos direitos humanos


não apenas uma palavra falada pela sociedade, e sim uma
disciplina de ensinamento importante e primordial para a
educação nacional, assim como se encontra escrita e demostrada
no plano nacional da educação.

O plano traz também o destaque para as mídias que muitas


vezes são empregadas em jornais, revistas e na internet.

Definido esta maneira:

A mídia pode tanto cumprir um papel de reprodução


ideológica, que reforça o modelo de uma sociedade
individualista, não solidaria e não democrática, quanto
exercer um papel fundamental na educação critica em
direitos humanos, em razão do seu enorme potencial para
atingir todos os setores da sociedade com linguagens
diferentes na divulgação de informações, na reprodução
de valores e na propagação de ideais e saberes. (PMEDH 3º
EDIÇÃO REEDITADA, p, 39).

Trazendo uma capacidade de construção de opiniões e


conscientização maior na sociedade em si, e desta maneira sendo
um passo para a desmitificação do estereótipo.

Conclusão

Neste sentido, a utilização de vários recursos e meios


adequados de demonstrar a necessidade do trabalho, foi às
formas mais eficientes e rápidas. Além disso, no primeiro capítulo
é preciso colocar as verdadeiras intenções e mostrar o verdadeiro
motivo histórico e da evolução dos direitos humanos ate a época
de hoje.

199
Permitindo assim uma pesquisa de campo para obter
detalhes sobre qual a melhor solução, ou melhor, dizendo
comprovar que a educação de direitos humanos vem sendo o
melhor processo para que se alcance o objetivo e propostas.

Verificou no segundo capítulo que a parte mais complexa


e desgastante do processo da educação em direitos humanos, é
fazer com que todos consigam identificar que um dos principais
‘causadores’ é a falta de políticas públicas em nossa sociedade e
governo. Pois as políticas públicas ainda é a ferramenta mais eficaz
de ajuda e desenvolvimento da sociedade livre de estereótipos
negativos sobre os direitos humanos.

Ficando demostrado que atrás de um bom projeto de


políticas públicas, sendo seguido passo a passo, teremos um
grande avanço.

Conforme destacado a dada importância do plano nacional


da educação que é perfeito se realmente fosse seguido à risca,
pois trás detalhadamente a importância dos direitos humanos
não só para um grupo de pessoas. Mais sim para todos.

Foram destacadas as políticas publicas não como um meio


de ataque e sim para mostrar que atrás dela toda sociedade é
desenvolvida ainda mais quando falamos de famílias que vivem
hoje em situação deplorável por falta de um plano de governo
referente à politicas publicas e seu desenvolvimento. Para que
fique claro que uma formação em direitos humanos não só
começa em casa mais também no plano de ensino da educação.
Neste sentido, sendo desenvolvidos ao longo do trabalho todos
os aspectos que comprovem que uma sociedade, um país para
ser bem desenvolvido precisa possuir uma educação em direitos
humanos, e nada mais importante do que incluir um assunto tão
importante no plano nacional da educação.

200
Referências

26, a. (01 de 2009). DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS


HUMANOS. Fonte: https://nacoesunidas.org/wp-content/
uploads/2018/10/DUDH.pdf

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HUMANOS DE QUE SE TRATA? Fonte: https://goo.gl/Q6a4MR: www.
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Paulo: Saraiva, 2018 (5ª Edição). 936 p.

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CAMPO GRANDE: UFMS.

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é disponibilizado em português. Disponível em: <http://www.
unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/
world_programme_for_human_rights_education_is_launched_in_
po/> Acesso em 26 ago. de 2019.

201
Política de Educação Inclusiva
no Estado de Pernambuco1

Talita Maria Pereira de Lima2


Aida Maria Monteiro Silva 3

Resumo

O histórico da educação para pessoas com deficiência, no
Brasil, tem sido mais de exclusão do que inclusão. A Constituição
Federal de 1988 (BRASIL, 1988), ampliada em 2013, define a
educação básica como um direito humano subjetivo de todos/as
brasileiros/as. Mas, nessa área, está distante a materialização desse
direito devido a diferentes barreiras: atitudinais, falta de políticas
públicas amplas e consistentes, e precária formação docente.
Este trabalho objetiva analisar a política de Educação Inclusiva
em Pernambuco, investigando o “Programa Escola Acessível”,
realizado pelo Ministério da Educação e os Sistemas de Ensino
para viabilizar, especialmente, a acessibilidade ao espaço físico. É
uma política que visa garantir o direito à educação, a autonomia
e a independência das pessoas com deficiência (BRASIL, MEC,
2011). A pergunta orientadora do estudo: Qual a contribuição do
“Programa Escola Acessível” na garantia do direito à educação de
pessoas com deficiência em Pernambuco? Optamos pela pesquisa
qualitativa, com estudo bibliográfico e documental, destacando-
se o Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano
Nacional de Educação 2018 – Meta 4, e o Manual do Programa

1. Educación en Derechos Humanos y Políticas Públicas: Planes Nacionales y Marcos


Legales.
2. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade
Federal de Pernambuco, Recife/PE; Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil
pela Faculdade Joaquim Nabuco, Recife/PE; Graduada em Direito pela Universidade
Salgado de Oliveira, Recife/PE; Advogada. talitampdelima@gmail.com
3. Doutora em Educação pela USP e Pós-doutorado em Educação - Universidade do Porto/
Portugal. Especialista em Direitos Humanos-Instituto Interamericano de Derechos
Humanos da Costa Rica/San Jose; Professora da Universidade Federal de Pernambuco/
Centro de Educação atua nas Licenciaturas, nos Programas de Pós-Graduação em
Educação e no Mestrado Interdisciplinar de Direitos Humanos. Coordenadora da Rede
Latinoamericana e Caribenha de Educação em Direitos Humanos. trevoam@terra.com.
br

202
Escola Acessível. O estudo evidência que Pernambuco vem
desenvolvendo uma política que busca efetivar a inclusão de
pessoas com deficiência, conforme o “Programa Escola Acessível”,
mas requerer um monitoramento pelos órgãos competentes e
pela sociedade. Silva e Costa destacam a importância de garantir
políticas públicas, nessa área, com ênfase na Educação em Direitos
humanos.

Palavras-chave: Educação Inclusiva. Educação em Direitos


Humanos. Programa Escola Acessível.

Introdução

As pessoas com deficiência, no Brasil, são historicamente


segregados/as, discriminados/as, marginalizados/as, excluídos/as
do convívio da sociedade e, às vezes, perseguidos/as e mortos/as
em razão da sua deficiência, conforme destaca Correia (1999).

A conquista ao direito à educação para todas as pessoas com


deficiência é resultado de muitas lutas dos grupos sociais e vale
ressaltar que a Educação inclusiva é um direito assegurado por
diversos dispositivos legais destacando a Constituição Federal de
1988 e o Estatuto da Pessoa com Deficiência de 2015. A educação
é um direito humano, fundamental e indisponível, devendo o
Estado e os familiares, com o apoio da sociedade garantir esse
direito (BRASIL, 1988).

No que se refere à efetivação da matrícula escolar, esta


deve ser realizada na rede regular de ensino, e a escola é proibida
de recusar o ingresso do/a aluno/a com deficiência, em escolas
públicas ou privadas e não podem cobrar valores adicionais em
suas mensalidades, anuidades e matrículas para esse atendimento,
estando sujeitos a punição (BRASIL, EPD, 2015), conforme a Lei
nº 13.146 promulgada em 2015, que dispõe sobre as Diretrizes
para Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência).

Nessa orientação, o ambiente escolar deve ser inclusivo às


pessoas com deficiência, de forma que elimine as barreiras para
o acesso. Sassaki (1999) chama atenção de que a inclusão é uma
necessidade e um direito. Contudo para que esse direito seja

203
efetivado é essencial a existência de critérios, para que possam
ser avaliados as estruturas escolares, os recursos humanos, a
capacitação dos/as professores/as e, individualmente as condições
de cada pessoa com deficiência.

No entanto, ainda existem escolas que se negam a atender


alunos/as com deficiência, e, em geral, não estão estruturalmente
preparadas ou academicamente organizadas para tornar o
ambiente escolar realmente inclusivo. Essa situação é evidenciada
na reportagem de Araújo (2018, 17 março de) publicada pela
Folha Educa (2018) com o título: “Inclusão ainda longe das escolas
em Pernambuco”. Nessa matéria são relatadas críticas dos pais das
crianças com deficiência sobre a maioria das escolas particulares
por não possuírem estruturas apropriadas. E, ainda, nas escolas
públicas embora os/as alunos/as sejam recebidos/as, mas faltam
profissionais com formação adequada para atender aos mesmos.

Nessa direção, a reportagem realizada por Sampaio (2019,


12 de fevereiro de) e publicada no G1 Pernambuco com o título:
“Mães de crianças com deficiência denunciam recusa de matrícula
em creches e escolas de Olinda”, situada no Grande Recife, o que
levou as mães a se reuniram e mobilizarem o Conselho Tutelar
para formalizar a denúncia sobre o caso no Ministério Público
de Pernambuco (MPPE). As mães relataram dificuldades para
matricular os seus filhos com deficiência, tendo em vista as
recusas dessas instituições por não possuírem condições para o
atendimento necessário a essas crianças (SAMPAIO, 2019).

É nesse contexto que as pessoas com deficiência se deparam


com diversas barreiras, tais como as: atitudinais, a falta de políticas
públicas extensas e consistentes e a formação docente adequada
para concretizar a sua inclusão.

Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo


analisar a política de Educação Inclusiva em Pernambuco,
investigando o “Programa Escola Acessível”. O referido Programa
é uma parceria entre o Ministério da Educação e os Sistemas de
Ensino que buscam viabilizar, nas escolas públicas do ensino
regular, a acessibilidade com relação ao espaço físico, os recursos
didáticos e pedagógicos, a comunicação e a informação. Este
Programa é uma política pública que visa garantir o direito à

204
educação, proporcionar autonomia e independência nas escolas,
das pessoas com deficiência (BRASIL, 2011).

O estudo foi desenvolvido a partir da seguinte pergunta


orientadora: “Qual a contribuição do “Programa Escola Acessível”
na garantia do direito à educação de pessoas com deficiência
em Pernambuco?” Como metodologia de investigação o estudo
foi desenvolvido com base na pesquisa qualitativa, com exame
bibliográfico e documental, especialmente o Relatório do 2º Ciclo
de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação
2018-Meta 4, e o Manual do Programa Escola Acessível.

“Programa Escola Acessível” E a Garantia do Direito à Educação


das Pessoas com Deficiência em Pernambuco

O direito à educação da pessoa com deficiência, conforme


destacamos anteriormente, tem a sua proteção no ordenamento
jurídico brasileiro em diversos dispositivos legais, ocorrendo essa
salvaguarda, também, no plano internacional. A inclusão social é
um princípio fundamental com intuito de assegurar a dignidade
da pessoa humana e o direito à igualdade. E, é importante destacar
que na história do direito começou a se falar sobre Educação
Inclusiva no século XVIII, mas o modelo de educação não era
inclusiva (MAZZOTTA, 2011, apud BRAGA E FEITOSA, 2016). O
modelo de escola ainda estava longe do ideal, tendo em vista que
não era voltado para questões educacionais, funcionava como
abrigo, assistência e terapia, conforme afirma Braga e Feitosa
(2016).

No transcorrer do tempo, no plano internacional, a


Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948,
segundo Bobbio (1992), foi a abertura do período de defesa dos
direitos humanos como universal e positivo. Assim, conforme
o referido autor (1992), é possível afirmar que a garantia
internacional de igualdade de direitos aos seres humanos, sem
distinção de pessoas, advém da DUDH.

E esse processo de luta pelo direito das pessoas com


deficiência vai se ampliando e no ano de 1994, na Conferência
Mundial sobre Necessidades Especiais realizada na Espanha, foi
elaborada a Declaração de Salamanca na cidade com o mesmo

205
nome que trata dos Princípios, da Política e da Prática em Educação,
e, é um dos documentos internacionais mais importantes sobre
educação inclusiva (BRAGA E FEITOSA, 2016).

Essa Declaração ratificou o compromisso dos Governos


e Organizações Internacionais (ibid) no sentido de garantir o
direito à Educação das Pessoas com deficiência, e de combater
as discriminações, inclusive as que podem levar a não inclusão
dessas pessoas ao ensino regular (ibid).

A Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as


Formas de Discriminação da Pessoa Portadora de Deficiência, de
1999, foi ratificada e promulgada em 2001, através do decreto nº
3.956/2001. Esta ressalta a importância das garantias e direitos
fundamentais das pessoas com deficiência e dispõe sobre a
proibição de qualquer forma de distinção que leva a exclusão ou
restringe o alcance dos direitos fundamentais, sendo que nessa
linha a educação está presente na referida Convenção (ibid).

No ano de 2006 advém a Convenção Internacional sobre


os Direitos das Pessoas com Deficiência, sendo o primeiro tratado
internacional sobre direitos humanos, que estabelece obrigações
a todos os seres humanos. No ambiente internacional é um
marco da educação inclusiva, pois estabelece o entendimento
atual sobre o tema e elucidou as normas para que a inclusão seja
efetivada (ibid). O Estatuto da Pessoa com Deficiência de 2015,
que entrou em vigor em 2016, constitui as diretrizes para Inclusão
da Pessoa com Deficiência, aduzindo sobre regras e direitos para
pessoas com deficiência. Estabelece punições para quem comete
atitude discriminatória e oficializou o direito à Educação Inclusiva
presente na Constituição Federal de 1988, sendo ratificado com
a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência.

Braga e Feitosa destacam que a educação é um componente


indissociável para que seja realizado o desenvolvimento de forma
plena da personalidade humana, como também é essencial
efetivar a cidadania, sendo fundamental que seja assegurado o
acesso à educação e a realização de um tratamento igualitário a
todos os indivíduos, sem distinção. Mas, no caso das pessoas com
deficiência ainda acontece à exclusão, conforme informa Braga e

206
Feitosa (2016).

Nessa linha, analisamos a política de Educação Inclusiva


em Pernambuco investigando o “Programa Escola Acessível” e
fomos verificar quais as contribuições deste para a garantia do
Direito à educação de pessoas com deficiência em Pernambuco.
O “Programa Escola Acessível” surgiu em 2007 fazendo parte
do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com base
no Decreto nº 6.094/2007. As ações de apoio aos sistemas de
ensino, adaptação de escolas para acessibilidade física, estão
evidenciados através dos Planos de Trabalho-PTA (BRASIL, 2011).
O Programa Escola Acessível criou um manual para orientar
a elaboração e execução de políticas públicas com intuito de
garantir o direito à educação, proporcionar a autonomia e
independência das pessoas com deficiência nas escolas, altas
habilidades/superdotação e transtornos globais (ibid).

Os Sistemas de Ensino devem alterar a sua organização,


garantindo a esses estudantes, a matrícula em escolas regulares,
junto com a disponibilidade de um atendimento educacional
especializado, que conste no projeto pedagógico da escola (ibid).
Como também dispõe sobre o objetivo do referido documento
que é: “orientar os sistemas de ensino na implementação do
Programa Escola Acessível, em 2011.” (ibid, p.3).

Em 2011 foi elaborado um Manual contendo as orientações


das Normas Técnicas Brasileira de Acessibilidade (ABNT/NBR)
n. 9050 de 2004, que utiliza como base a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (CMDPD) promulgada pelo
Brasil, através dos Decretos nº 186/2008 e nº 6.949/2009. Essa
Convenção assumiu o compromisso de garantir às pessoas com
deficiência o ingresso em um sistema educacional inclusivo, em
todos os níveis de ensino, e efetivar a sua participação, em que o
sistema deve ser dotado de mecanismos para que esse direito seja
materializado (BRASIL, MEC, 2011). O referido Manual tem como
base a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva fundamentado nos “princípios de igualdade
de condições de acesso à participação em um sistema educacional
inclusivo” (ibid, p.5).

Diante dos marcos legais, políticos e pedagógicos dispostos,

207
o Programa Escola Acessível tem como característica ser uma
medida efetiva para retirar as barreiras e promover a autonomia
dos/as estudantes com deficiência.

Entre 2003 e 2006, o Ministério da Educação corroborou


com os projetos que visavam realizar adaptações arquitetônicas
para a acessibilidade que as secretarias de educação propuseram,
e que foram aprovadas pela Secretaria de Educação Especial (ibid).

A integração do “Programa Escola Acessível” com o


“Programa de Desenvolvimento da Escola” ocorreu em 2008,
através do “Compromisso Todos Pela Educação e o Plano de Ações
Articuladas (PAR). A Resolução MEC/FNDE nº 10/2010, alterada
pela Resolução FNDE/CD nº 3/2010 o “Programa Escola Acessível”,
em 2010, acolheu as escolas públicas de educação básica das
redes estaduais, municipais e distrital que durante os anos de
2005 a 2008 foram selecionadas pelo “Programa Implantação de
Salas de Recursos Multifuncionais”, que regularizam os registros
no Censo Escolar MEC/INEP/2009, as matrículas dos/as alunos/as
com deficiência nas classes comuns de ensino. O Programa em
2011 atendeu escolas que tinham os seguintes requisitos: escolas
de educação básica com Salas de Recursos Multifuncionais
registrado no Censo escolar MEC/INEP/ 2010 a matrícula de
estudantes com foco da educação especial em classes comuns do
ensino regular (ibid).

O objetivo geral do Programa é promover a acessibilidade


e inclusão de alunos/as com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação que foram
matriculados/as em classes comuns do ensino regular, garantindo
a esses/as alunos/as o direito de dividirem os mesmos espaços de
aprendizagem, através da acessibilidade no espaço físico, recursos
didático, pedagógicos, comunicações e informações (ibid).

Em relação à implementação do Programa em que os


sistemas de ensino devem seguir, com base normativa, a ação
ocorreu através de parceria do Ministério da Educação através da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão (SECADI), atualmente extinta, e o Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação-FNDE, e as Secretarias de
Educação (Entidades Executoras-EEX) e as escolas (Unidades

208
Executoras- UEX) envolvidas no Programa (ibid).

Na questão do financiamento, no manual consta o apoio da


União às ações de acessibilidade arquitetônica e para aquisição
de tecnologia Assistiva. A Resolução FNDE nº 27/2011, sobre o
“Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) explicita e orienta
”a respeito da destinação de recursos financeiros, com objetivo
de implementar o “Programa Escola Acessível”. No Manual fala
também trata da elaboração do Plano de Atendimento para que
seja colocado em Prática o Programa, através do SIMEC, que é
utilizado para o monitoramento da sua implementação (ibid).

Estudo realizado por Santos (2016) em pesquisa desenvolvida


em duas escolas públicas de Pernambuco, buscando entender o
Programa Escola Acessível, analisa a promoção e o andamento
dos processos de acessibilidade no ambiente escolar. O autor
verificou que dentro do ambiente escolar a acessibilidade não era
efetivada, como também as formações dos/as professores/as não
era o necessário para esses/as alunos/as. Ele também constatou
que o Programa não é amplamente divulgado, visto que os/as
profissionais não o conheciam na íntegra e destaca a necessidade
de ter um repasse dos recursos de forma anual, pois o valor é
insuficiente para realizar as medidas necessárias e tornar a escola
realmente inclusiva (SANTOS, 2016).

Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano


Nacional de Educação 2018 e o acesso à Educação da Pessoa
com Deficiência a Escola

O Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas


do Plano Nacional de Educação (PNE) realizado em 2018, com
destaque para a Meta 4, trata da universalização do acesso à
Educação básica e do atendimento educacional especializado
para as pessoas com deficiência – Transtornos Globais do
desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou superdotação –
que estudam em classes comuns da educação básica e estão na
idade escolar. O PNE tem como base a educação inclusiva, com
ênfase para o atendimento educacional, preferencialmente, na
rede regular de ensino e para realizar o monitoramento da Meta 4
são utilizados os indicadores:

209
Indicador 4A: Percentual da população de 4 a 17 anos de
idade com deficiência que frequenta escola.
Indicador 4B: Percentual de alunos de 4 a 17 anos de idade
com deficiência, TGD e altas habilidades ou superdotação
que estudam em classes comuns da educação básica.
(BRASIL, INEP, 2018, p.81).

O relatório informa, ainda, sobre a limitação do


monitoramento integral no que se refere aos objetivos da Meta
4, que é restrito aos dados disponíveis oficialmente. Destaca os
desafios enfrentados para realizar a análise, devido ao longo
período das coletas, à limitação do cálculo do Indicador 4A
ao último Censo Demográfico, e à aplicação de metodologias
diferentes, sendo as coletas do Censo populacional e o Censo
da Educação Básica voltadas para o público-alvo da Educação
Especial (BRASIL, INEP, 2018). Na referida análise foram trabalhados
os dados do Censo Demográfico de 2010, e o Censo da Educação
Básica (2009-2017) (BRASIL, 2018).

No indicador 4A sobre a população de 4 a 17 anos de idade


com deficiência que freqüenta a escola, no indicador 4A com base
no Censo Demográfico/IBGE de 2010, apresentam um total de
1.087.617 crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência,
dos quais 82,5% (897.116) utilizavam a escola ou creche (ibid).

Quando é realizada uma análise desses dados por região, o


Centro-Oeste possui o maior percentual de atendimento a esses/
as alunos/as, (85,3%). A região Norte apresenta o menor percentual
(77,9%) e a Região Nordeste o percentual de 80,9 %. Vale destacar
que os dados de 2010 referentes à universalização do ingresso das
pessoas com deficiência, em idade escolar, encontram-se distante
da meta estabelecida de atender 100% dos/as alunos/as com
deficiência até o ano de 2024, tendo em vista que, 17,5% dessas
pessoas com deficiência em idade de escolaridade estão fora da
escola, chegando ao total de 190.501 pessoas (ibid).

Segundo a análise sobre a situação dos Estados com o


menor acesso à educação básica para pessoas com deficiência
Amazonas aparece com 75,5%, o Piauí 76,7%, e o Acre 77, 7%.
Na Região Nordeste, Sergipe teve o maior percentual de pessoas
com deficiência frequentando à educação básica e o Piauí tem o

210
menor percentual 76,7%. Pernambuco se encontra em terceiro
lugar com referência aos Estados do Nordeste que possui maior
percentual de alunos/as com deficiência frequentando a escola
básica no total de 81,9%, e é o décimo terceiro no Brasil (ibid).

O indicador 4B da população de 4 a 17 anos com deficiência,


TGD e altas Habilidades ou superdotação que estuda em classes
comuns da Educação Básica, os dados referentes aos resultados
obtidos no período de 2009 a 2017, do Censo de Educação Básica
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (ibid).

Esses dados mostram um aumento percentual de acesso


desses/as alunos/as para classes comuns de Educação Básica,
principalmente entre 2009 e 2011, de 12, 6 p.p., crescendo de
forma gradativa nos anos seguintes para 21,8 p.p (ibid).

No ano de 2017, constavam 827.243 alunos/as dessa


população atendidos/as. E, 751.909 (90,9%) tinham a sua
matrícula realizada em classes comuns do ensino regular e/ou na
educação de jovens e adultos (EJA). O crescimento da matrícula
desses/as alunos/as em classes comuns cresceu em todas as
grandes regiões, no período de 2009 e 2017. No ano de 2017, os
maiores percentuais foram do Nordeste e Norte, 98,1% e 96,3%
respectivamente. As regiões Sul e Sudeste tiveram o menor
percentual 83,4% e 87,9%, respectivamente, e a região Sul obteve
a mais alta variação sendo 28,1 p.p. entre 2009 e 2017 (ibid).

No período de 2009 e 2017, nas unidades da Federação


(Ufs) os percentuais dos/as alunos/as com deficiência em classes
comuns que tiveram as maiores variações foram no Espírito Santo
e em Pernambuco, ou seja, de 40,0 p.p. aproximadamente. Em
2017, os Estados que obtiveram o resultado entre 99% e 100%
foram: Acre, Roraima, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Alagoas, Espírito Santo e Santa Catarina (ibid).

Em relação a essa situação, Silva e Costa (2015) destacam


a importância de garantir políticas sociais na área da Educação
para Pessoas com deficiência, e com destaque na Educação em
Direitos Humanos-EDH como eixo norteador e transversal dos
Projetos Pedagógicos Institucionais, e como conteúdo integral do
currículo escolar.

211
É importante destacar que a EDH enquanto formação
para cidadania democrática é recente, contudo, vem ganhando
importância nos países da América Latina, nos meios
governamentais e não governamentais. Foi no processo de
redemocratização que EDH passou a ser vista e debatida no Brasil.

Dessa forma, a EDH deve ser um compromisso dos


governos, de forma a atender as exigências dos documentos
nacionais e internacionais, como também deve ser posta dentre
as prioridades dos governos democráticos. Atualmente a área de
EDH possui diversos documentos orientadores de uma política
educacional que respeite os direitos humanos, que âmbito
nacional, interamericano e internacional (SILVA e TAVARES, 2012).

Nesse entendimento, é fundamental incorporar os


conteúdos da EDH nas práticas pedagógicas e vivenciá-las no
espaço escolar, com ênfase na inclusão dos/as alunos/as com
deficiência nas escolas, considerando que a formação cidadã tem
o objetivo de conscientizar os indivíduos sobre os seus direitos. E,
dessa forma, está inclusa a defesa e a ampliação dos direitos de
todas as pessoas. Segundo Silva e Tavares (2012. P.15):

Educar nessa perspectiva requer que se assegure o direito


à educação como um direito humano de todas as pessoas
e fundamental para a conquista dos outros direitos.
Mas, principalmente, que as práticas educativas sejam
permeadas pelos valores e princípios dos direitos e deveres
de todos (as) e estimulem posturas condizentes com o
respeito à dignidade humana.

Para que isso ocorra é necessário rever os processos


educacionais no que se refere aos sujeitos no campo individual e
no coletivo, fazendo com que os indivíduos passem a ser críticos
e ativos, não aceitando o entendimento de mundo em que se
coloca o ser humano como descartável.

No que se refere aos direitos das pessoas com deficiência,


especificamente, os/as professores/as precisam examinar a rotina
da sala de aula e escola amplamente, e dentro da sociedade, para
que essas medidas realmente ocorram (ibid).

212
Considerações Finais

A luta das pessoas com deficiência para ter os seus direitos


reconhecidos é longa, e, como sabemos, essas pessoas eram
segregadas, marginalizadas e muitas vezes mortas em razão da
sua deficiência.

A Educação inclusiva é um desses direitos conquistados


durante um longo período, chegando, atualmente, com o
Estatuto da Pessoa com Deficiência, de forma a garantir que
essas pessoas devam ser matriculados/as nas Redes de ensino
Regular. Outro Ponto a destacar é que as escolas ficam proibidas
de negar a matrículas desses/as alunos/as e a cobrarem taxas
extras. Contudo, ainda são encontrados casos em que essas
matrículas são negadas, ou, quando são aceitas, as escolas não
estão preparadas estruturalmente e academicamente, e, também,
a falta de formação docente, e de políticas públicas amplas e
consistentes, conforme demonstrado nas reportagens dispostas
neste trabalho.

Ao analisarmos o “Programa Escola Acessível”, verificamos


a sua contribuição na garantia do direito à educação de pessoas
com deficiência em Pernambuco. Mas, também constatamos que
alguns fundamentos legais presentes no Manual do Programa
Escola Acessível precisam ser atualizados, e o Programa deveria
ter uma divulgação mais ampla, tendo em visto a sua importância
como política educacional na efetivação do direito à educação
dessas pessoas conforme Silva (2016). O autor fala igualmente
sobre a questão da formação dos/as professores/as, que é
insuficiente para atender a esses/as alunos/as, chama atenção
para a importância do repasse dos recursos serem de forma anual,
visto que é incapaz, por si só, de realizar as medidas fundamentais,
tornando a escola efetivamente inclusiva.

O Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas


do Plano Nacional de Educação 2018-Meta 4 evidencia as
dificuldades para confeccionar o documento, devido à limitação
do monitoramento dos dados que são oficialmente disponíveis.
A meta estabelecida para 2024, referente à universalização do
ingresso das pessoas com deficiência em idade escolar, está longe
de atingir o percentual de 100% previsto, pois ainda existem

213
17,5% desses indivíduos fora da escola (BRASIL, 2018).

Na análise realizada, os Estados com a menor porcentagem


de atendimento à educação básica para essas pessoas, dentro da
Região Nordeste é Piauí, com 76,7% e Sergipe está com o maior
percentual de pessoas com deficiência freqüentando a escola
básica. Pernambuco se encontra no terceiro lugar, com o maior
percentual dessa categoria, e aparece no terceiro lugar dos que
possuem o maior percentual dessa categoria no Nordeste, e o 13º
no Brasil (ibid).

O indicador 4B teve em 2017 dentre as Regiões com maior


percentual desses/as alunos/as matriculados/as encontra-se no
Nordeste, com 98,1%. Com relação aos Estados, nesse mesmo
ano, Pernambuco foi um dos que apresentou maiores variações
relativas aos percentuais de alunos/as com deficiência em classes
comuns, no valor de 40,0 p.p. aproximadamente (ibid).

A pesquisa evidencia que Pernambuco vem desenvolvendo


política que possui o intuito de efetivar a inclusão de pessoas
com deficiência, como o “Programa Escola Acessível” que possui
uma política educacional ampla, contudo é necessário um
monitoramento pelos Órgãos Competentes e pela sociedade, pois
apesar dos avanços na implementação das políticas públicas no
ambiente escolar voltada às pessoas com deficiência, a trajetória
necessária a sua efetivação para viabilizar a todas as pessoas uma
escola acessível, trata-se de um desafio contínuo conforme defende
Santos (2017). Silva e Costa (2015) destacam que é fundamental
garantir políticas públicas nessa área, nos sistemas de ensino, com
ênfase na Educação em Direitos humanos como eixo norteador e
transversal dos Projetos Pedagógicos Institucionais e como parte
do currículo escolar.

Referências

ARAÚJO, M. Inclusão ainda longe das escolas em


Pernambuco. Folha de Pernambuco, Pernambuco, 17 mar.
2018. Folha Educa. Disponível em: <https://www.folhape.
com.br/folhaeduca/folha-educa/folha-educa/2018/03/17/
NWS,62266,94,916,FOLHAEDUCA,2525-INCLUSAO-AINDA-LONGE-
DAS-ESCOLAS-PERNAMBUCO.aspx >. Acesso em: 10 jun. 2019.

214
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Campus, 1992.

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2018.

_____. MEC. MANUAL DO PROGRAMA ESCOLA ACESSÍVEL.


Ano 2011. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=9933-manual-
programa-escola-acessivel&Itemid=30192> Acesso em: 10 jun.
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_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:


promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 10 jun. 2019.

_____. Estatuto nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui A


Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa Com Deficiência (estatuto
da Pessoa Com Deficiência). Brasil, Disponível em: <http://www.
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Acesso em: 11jun.2019.

_____. DECRETO Nº 9.296, DE 1º DE MARÇO DE 2018. Disponível


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BRAGA, Janine de Carvalho Ferreira e FEITOSA, Gustavo


Raposo Pereira. Direito à Educação da Pessoa com Deficiência
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4 , n. 8 , jul./dez. . 2016 . ISSN 2317-5389.

COSTA, Valdelúcia Alves da Costa e SILVA, Aida Maria Monteiro.


Educação inclusiva e direitos humanos: perspectivas
contemporâneas/ Aida Maria Monteiro Silva, Valdelúcia Alves da
Costa, (orgs.). – São Paulo: Cortez, 2015- (Coleção educação em
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215
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nas classes regulares. Portugal: Ed. Porto, 1999.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU. Declaração


universal dos direitos humanos. 1948. Disponível em: <https://
nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>
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SAMPAIO, Mhatteus. G1. Mães de crianças com deficiência


denunciam recusa de matrícula em creches e escolas de Olinda.
2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/pe/pernambuco/
noticia/2019/02/12/maes-de-criancas-com-deficiencia-denunciam-
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Acesso em: 10 jul.2019.

SANTOS, Maviael Leonardo Almeida dos. Programa Escola


Acessível: Uma Proposta de Política de Inclusão no Espaço
Escolar Brasileiro. III Conedu- Congresso Nacional de Educação.
V. 1, 2016, ISSN 2358-8829.

SASSAKI, R.K. Inclusão: Construindo Um a Sociedade Para Todos.


3ª edição. Rio de Janeiro: WVA, 1999.

SILVA, Aida Maria Monteiro e TAVARES, Celma. A formação cidadã


no ensino médio. São Paulo, editora Cortez, 2012, 1ª edição-
(Coleção Educação em direitos humanos; v2).

216
Políticas Brasileiras para implementação
da Educação em Direitos Humanos no país

Flaviana de Freitas Oliveira 1


Ana Maria Klein 2

Resumo

A Educação em Direitos Humanos é uma das principais
formas para que possamos ter uma concepção mais humanizada
das pessoas, com olhar voltado à democracia, ao respeito, à
solidariedade e ao pluralismo. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos, promulgada em 1948, traz, em seu preâmbulo, a
necessidade de que os direitos sejam promovidos por meio do
ensino e da educação. Hoje, 70 anos depois da promulgação da
Declaração Universal, educar em Direitos Humanos ainda é um
desafio. Após a Década das Nações Unidas para a Educação em
Matéria de Direitos Humanos, entre 1995 e 2004, o Brasil passou a
adotar algumas medidas para promover a Educação em Direitos
Humanos. A partir deste cenário, este trabalho tem como objetivo
analisar os principais documentos formulados para nortear o
assunto no Estado Democrático Brasileiro: o Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) (BRASIL, 2006), o
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) (BRASIL, 2010)
e as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos
(BRASIL, 2012). Para realização desta pesquisa, utilizou-se como
metodologia a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. O
país apresenta um quadro de violação de Direitos Humanos em
diferentes âmbitos, seja pela inoperância estatal, pela violência
institucional e até mesmo nos preconceitos que se manifestam
nas relações interpessoais. Por meio da análise dos documentos

1. flavianadefreitas@gmail.com
2. ana.klein@unesp.br

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp)


Câmpus de São José do Rio Preto/SP – Brasil

Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)

217
e do levantamento bibliográfico, percebeu-se que, apesar de
o Brasil ter avançado, por meio de seus planos e diretrizes, na
efetivação da EDH, ainda há um longo caminho a ser trilhado.

Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional


de Educação em Direitos Humanos. Programa Nacional de Direitos
Humanos. Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos.

1. Introdução

No Brasil, a Educação em Direitos Humanos começou com


processos informais, impulsionada por movimentos sociais que
lutavam contra a ditadura militar, sobretudo nas décadas de
1960 e 1970. A retomada da democracia fortalece o processo de
construção da EDH. Com a abertura política a partir de 1980, a
EDH ganhou espaço político.

Esse movimento teve como marco expressivo a Constituição


Federal de 1988, que consagrou o Estado Democrático de Direito
e reconheceu prioritariamente a dignidade da pessoa humana
e os direitos ampliados da cidadania. A partir de então, o país
passou a ratificar os mais importantes tratados internacionais de
proteção dos Direitos Humanos, além de reconhecer a jurisdição
da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Estatuto do
Tribunal Penal Internacional.

A resposta do Brasil relacionada à Década das Nações


Unidas para a Educação em Matéria de Direitos Humanos foi o
lançamento do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(Brasil, 2006), cuja primeira versão data de 2003. Por meio desse
documento, o Estado brasileiro afirma seu compromisso com a
Educação em Direitos Humanos como política pública.

Outros documentos posteriores reforçaram esse


compromisso, como o Programa Nacional de Direitos Humanos
(Brasil, 2010), que dedica um eixo ao campo da educação, e as
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (Brasil,
2012). Este trabalho analisa os documentos formulados pelo
Estado brasileiro para efetivar a Educação em Direitos Humanos
(EDH) como uma política pública no país.

218
2. Metodologia

Para a realização deste trabalho, utilizamos como


metodologia a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. A
pesquisa bibliográfica tem a finalidade de explorar problemas a
partir de pressupostos teóricos sobre a abordagem do tema em
pesquisas científicas (Marconi & Lakatos, 2002, p.71). No presente
trabalho, foram consultados livros e artigos científicos de autores
que contribuíram para uma reflexão sobre os conteúdos referentes
à Educação em Direitos Humanos.

A pesquisa documental tem semelhança com a pesquisa


bibliográfica. A diferença primordial, no entanto, está no fato
de que a documental usa materiais que ainda não receberam
tratamento analítico (fontes primárias), enquanto a bibliográfica
se utiliza das contribuições de diversos autores sobre determinado
assunto (fontes secundárias) (Gil, 2002).

Assim, para análise do Plano Nacional de Educação em


Direitos Humanos (PNEDH), do Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH-3), e das Diretrizes Nacionais para a Educação
em Direitos Humanos, recorremos diretamente aos documentos
originais, utilizando-nos da pesquisa documental.

3. Resultados e Discussão

A associação entre educação e Direitos Humanos vem desde


a formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(ONU, 1948) que, em seu preâmbulo, aponta a educação e o
ensino como caminhos para promoção dos Direitos Humanos. O
documento retrata o assunto da seguinte forma:

A Assembleia Geral das Nações Unidas proclama a presente


“Declaração Universal dos Direitos do Homem” como o
ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as
nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão
da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se
esforce, através do ensino e da educação, por promover
o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de
medidas progressivas de caráter nacional e internacional,
por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância

219
universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios
Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios
sob sua jurisdição (ONU, 1948).

A educação ainda é abordada no artigo 26 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), que consagra o
entendimento de que a educação é um direito de todos os seres
humanos e condição para que seus direitos sejam promovidos.
Assim, pode-se dizer que a Declaração é um ponto de partida para
todas as ações, em âmbito mundial e nacional, para a Educação
em Direitos Humanos (EDH).

Em 1993, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos,


realizada em Viena, pediu que a ONU fizesse alguma ação para
acelerar a promoção desses direitos. Assim, no ano seguinte, a
Assembleia Geral da ONU proclamou a Década das Nações Unidas
para a Educação em Matéria de Direitos Humanos, durante o
período de 1995 a 2004.

Em 2006, foi proclamado o Programa Mundial para a


Educação em Direitos Humanos (PMEDH) (ONU; UNESCO; OHCHR,
2006). Todas as recomendações internacionais que buscam a EDH
servem como norte para que os países possam efetivar estes
princípios em seu ordenamento. Piovesan (2013) salienta que não
basta os direitos serem reconhecidos em normas internacionais,
pois estes precisam ser previstos nos ordenamentos jurídicos
nacionais, para terem sua efetivação garantida por cada país.

Daí advém a importância de se considerar, no Brasil, os


documentos que efetivam o processo educacional em Direitos
Humanos e que aplicam os princípios aplicados pela DUDH e por
outras ações de âmbito internacional. Dessa forma, buscou-se
analisar os três principais documentos sobre a EDH no Brasil: Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), Programa
Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e Diretrizes Nacionais
para a Educação em Direitos Humanos.

3.1 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos


(PNEDH) (Brasil, 2006), lançado primeiramente em 2003, foi

220
embasado em documentos nacionais e internacionais, marcando,
principalmente, a participação do Estado brasileiro na Década das
Nações Unidas para a Educação em Matéria de Direitos Humanos.

O documento é resultante de ações e esforços que


se propõem a contribuir para a construção de uma política
pública de EDH, voltada para a formação de cidadãos e cidadãs
mais conscientes de seus direitos e seus meios de proteção.
O PNEDH visa fortalecer o respeito aos Direitos Humanos e
liberdades fundamentais, promover o pleno desenvolvimento
da personalidade e dignidade humana e estimular a participação
efetiva das pessoas em uma sociedade livre e democrática.

Conforme o PNEDH, a EDH no Brasil é compreendida como:

[...] um processo sistemático e multidimensional que orienta


a formação do sujeito de direito articulando as dimensões de
apreensão de conhecimentos historicamente construídos
sobre Direitos Humanos; a afirmação de valores, atitudes
e práticas sociais que expressem a cultura dos Direitos
Humanos; a formação de uma consciência cidadã capaz
de se fazer presente nos níveis cognitivos, sociais, éticos e
políticos; o desenvolvimento de processos metodológicos
participativos e de construção coletiva; o fortalecimento
de práticas individuais e sociais geradoras de ações e
instrumentos a favor da promoção, da proteção e da defesa
dos Direitos Humanos, assim como da reparação de suas
violações. (Brasil, 2006, p. 25)

Verifica-se que o documento é construído a partir de


uma visão ampla de cidadania, considerando-se o respeito
e a valorização da pluralidade. Educar em Direitos Humanos,
nesse contexto, é uma necessidade emergente diante de um
cenário social e educacional que se defronta diariamente com as
diversidades. Para Benevides (2000):

A Educação em Direitos Humanos parte de três pontos


essenciais: primeiro, é uma educação de natureza
permanente, continuada e global. Segundo, é uma
educação necessariamente voltada para a mudança, e
terceiro, é uma inculcação de valores, para atingir corações

221
e mentes e não apenas instrução, meramente transmissora
de conhecimentos. Acrescente, ainda, e não menos
importante, que ou esta educação é compartilhada por
aqueles que estão envolvidos no processo educacional – os
educadores e os educandos – ou ela não será educação e
muito menos educação em Direitos Humanos. Tais pontos
são premissas: a educação continuada, a educação para a
mudança e a educação compreensiva, no sentido de ser
compartilhada e te atingir tanto a razão quanto a emoção.
(BENEVIDES, 2000).

Dessa forma, os princípios e caminhos apontados pela


Educação em Direitos Humanos precisam se concretizar no
cotidiano por meio de ações objetivas e direcionadas às diferentes
dimensões que o integram, e o PNEDH é construído com essa
finalidade. O documento visa construir uma consciência de
cidadania democrática, em que as políticas públicas de EDH são
priorizadas.

3.2 Programa Nacional de Direitos Humanos

O primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (Brasil,


1996), publicado em 1996, foi objeto da 1ª Conferência Nacional
de Direitos Humanos. Isso ocorreu três anos após a Conferência
de Viena, realizada em 1993, que recomendou aos países a
elaboração de programas para avançar na promoção e proteção
dos Direitos Humanos. A primeira versão do documento deu maior
destaque aos direitos civis, com ações governamentais voltadas
para a integridade física, a liberdade e o espaço de cidadania.
Porém, o PNDH-1 não tinha formas de incorporar suas propostas
no planejamento e orçamento governamental.

Por causa dessas falhas no PNDH-1, em 2001 iniciou-


se o processo de construção do PNDH-2 (Brasil, 2002), que foi
publicado em 2002 e incluiu os direitos sociais, econômicos e
culturais. Nessa versão, houve a preocupação de que as propostas
constantes no programa tivessem concretude com a formulação
de políticas públicas e destinação de recursos para sua execução.

Em 2010, foi lançado, finalmente, o PNDH-3 (Brasil, 2010),


estruturado em seis eixos orientadores, subdivididos em 25

222
diretrizes, 82 objetivos estratégicos e 521 ações programáticas.
O programa também inclui, como alicerce de sua construção,
propostas aprovadas em cerca de 50 conferências nacionais
temáticas, como igualdade racial, direitos da mulher, meio
ambiente, saúde, cultura e educação, entre outras.

Destaca-se que o PNDH-3 dedica um eixo à Educação e


Cultura em Direitos Humanos, trazendo para o Estado Democrático
brasileiro, mais uma vez, a importância de se educar em Direitos
Humanos. O PNDH-3 assim descreve o eixo de Educação e Cultura
em Direitos Humanos:

O eixo prioritário e estratégico da Educação e Cultura


em Direitos Humanos se traduz em uma experiência
individual e coletiva que atua na formação de uma
consciência centrada no respeito ao outro, na tolerância,
na solidariedade e no compromisso contra todas as formas
de discriminação, opressão e violência. É esse o caminho
para formar pessoas capazes de construir novos valores,
fundados no respeito integral à dignidade humana, bem
como no reconhecimento das diferenças como elemento
de construção da justiça. O desenvolvimento de processos
educativos permanentes visa a consolidar uma nova cultura
dos Direitos Humanos e da paz. (Brasil, 2010, p. 20)

Assim como ocorre com o PNEDH, o PNDH-3, em seu


eixo Educação e Cultura em Direitos Humanos, tem a finalidade
promover os Direitos Humanos não somente no âmbito da
educação formal, mas também em espaços educativos não
formais e informais, destacando-se a importância dos meios de
comunicação e a garantia do direito à comunicação democrática.

3.3 Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos

As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos


Humanos (Brasil, 2012) foram instituídas pelo Conselho Pleno
do CNE, isto é, pela Câmara de Educação Básica e pela Câmara
de Educação Superior. Assim sendo, sua abrangência inclui além
da Educação Básica, a educação em nível superior. Com isso,
todos os níveis de educação do país – da Educação Infantil à Pós-
graduação – devem contemplar a EDH em seus projetos e práticas

223
educativas.

A criação de diretrizes específicas para a Educação em


Direitos Humanos (EDH) suscita o questionamento sobre por que
levar a Educação em Direitos Humanos para escolas, faculdades,
universidades. O Parecer CNE/CP nº 8/2012 (Brasil, 2012), que
origina as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos, destaca a importância da educação como um direito
humano e como meio para o acesso aos demais direitos. Ou seja,
para conhecermos, compreendermos e vivermos os Direitos
Humanos, precisamos ser educados. O compromisso é a formação
de sujeitos de direitos e responsabilidades, comprometidos com
a democracia e com o fortalecimento de grupos que têm seus
direitos violados num contexto social marcado por desigualdades
e injustiças.

A adoção de uma perspectiva de uma educação ética, crítica


e emancipadora evidencia-se ao longo do documento. A formação
pretendida é ética na medida em que se orienta por valores
humanizadores; crítica, pois implica na reflexão e na prática que
problematiza contextos sociais, culturais econômicos e políticos;
e é política, pois prevê a formação de sujeitos de direitos capazes
de exercer ativamente sua cidadania, de se organizar de dialogar,
reivindicar direitos e lutar pela sua conquista.

O documento destaca sete princípios que fundamentam a


EDH:

1) dignidade humana;
2) igualdade de direitos;
3) reconhecimento e valorização das diversidades e
diferenças;
4) laicidade no Estado;
5) democracia na educação;
6) transversalidade, vivência e globalidade; e
7) sustentabilidade ambiental.

Tais princípios referem-se aos direitos dos sujeitos e a uma


existência pautada por valores de justiça e equidade, destaca a
democracia como um processo que deve orientar as relações
institucionalmente, marca a importância da relação entre Direitos

224
Humanos e vivência de todos os envolvidos na comunidade
escolar e nos direitos das gerações futuras.

Conforme as Diretrizes Nacionais para a Educação em


Direitos Humanos, a EDH objetiva a construção de ambientes
educativos promotores de direitos. Esse tipo de educação
constitui-se como um modo de vida capaz de orientar todas as
relações que têm espaço nos ambientes escolares e na sociedade.

4. Considerações Finais

Com a entrada do século XXI, o Brasil passou a adotar


diversas políticas públicas para promover a Educação em
Direitos Humanos e estar coadunado com as recomendações da
comunidade internacional. Assim, por meio de planos e diretrizes,
políticas foram direcionadas ao desenvolvimento de uma cultura
de respeito integral aos Direitos Humanos.

Considerando que a EDH está prevista desde a promulgação


da Declaração Universal dos Direitos Humanos, observa-se que
foram necessárias muitas décadas para que, de fato, ela começasse
a ser efetivada em escala mundial. Nas palavras de Baxi (2007,
p. 231): “Sábia e previsivelmente, a EDH é vista pelos autores da
Declaração Universal como um instrumento estratégico para a
proteção da paz, em todas as dimensões e em todos os níveis”.

No Estado Democrático brasileiro, conforme explicitado, três


documentos sobre EDH se destacam: Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos (PNEDH) (Brasil, 2006), o Programa Nacional
de Direitos Humanos (PNDH-3) (Brasil, 2010) e as Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (Brasil, 2012).
Os documentos trazem diversos caminhos para que a educação
voltada à justiça, à paz e à cidadania se concretize, tanto em
espaços formais como em espaços não formais e informais.

Apesar de o Brasil ter avançado, por meio de seus planos


e diretrizes, na efetivação da EDH, ainda há um longo caminho a
ser trilhado. O país apresenta um quadro de violação de Direitos
Humanos em diferentes âmbitos, seja pela inoperância estatal,
seja pela violência institucional e até mesmo nos preconceitos e
desrespeitos que se manifestam nas relações interpessoais.

225
Por isso, é importante que os planos e diretrizes realmente sejam
colocados em prática e que sejam valorados e entendidos no
cotidiano dos cidadãos. Assim, é possível construir a verdadeira
Educação em Direitos Humanos – pautada nos princípios éticos
e sociomorais de respeito, justiça, cidadania, diversidade e
solidariedade.

Referências

Baxi, U. (2007). Educação em Direitos Humanos: Promessa do


Terceiro Milênio? In: R. P. Claude & G. Andreopoulos (Orgs.).
Educação em Direitos Humanos para o Século XXI. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo – Núcleo de Estudos da Violência.

Benevides, M. V. (2000). Palestra de abertura do Seminário de


Educação em Direitos Humanos. São Paulo.

Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília: Senado. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituição.htm.

Brasil (2006). Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.


Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Brasil (2012). Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em


Direitos Humanos. Resolução CNE/CP 1/2012. Brasília: Diário Oficial
da União.

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Brasília: SDH/PR.

GIL, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo:


Atlas.

Marconi, M. A. & Lakatos, E. M (2002). Técnicas de pesquisa:


planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de
pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. São Paulo:
Atlas.

ONU (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos. França.

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ONU. UNESCO. OHCHR (2006). Programa Mundial para Educação
em Direitos Humanos. Nova Iorque; Genebra: Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

PIOVESAN, F. (2017). Direitos Humanos e o direito constitucional


internacional. São Paulo: Saraiva.

227
Educación de Sur a Norte.
Re-Politizando los Derechos Humanos
desde una Perspectiva Crítica y Experiencial

Mabel Svetlana Cobos Fontana 1


Carmen Luz Morales Danton 2

Resumen

La presente ponencia pretende abordar las características y
desafíos académicos, pedagógicos y culturales del programa “IHP
Human Rights: Movements, Power and Resistance” (“IHP Derechos
Humanos: Movimientos, Poder y Resistencia”) en Chile.

Este es un programa educativo global y comparativo en


derechos humanos de SIT Study Abroad que coordina en Chile la
ONG Observatorio Ciudadano, en el cual estudiantes de pregrado
de distintas universidades estadounidenses, viajan por Nepal,
Jordania y Chile, para conocer y analizar los principios, actores
y medios para promover y garantizar los derechos humanos en
cada país.

En Chile, este programa lleva cinco años desarrollándose y


ha ido mutando en el tiempo, desde una mirada más institucional
de los derechos humanos hacia una centrada en las estrategias
y acciones de los movimientos sociales, comunidades locales y
las organizaciones de la sociedad civil que luchan por la justicia
social y los derechos humanos en el país, procurando entregar
una mirada crítica, “desde el sur”, que privilegia el aprendizaje
experiencial. Asimismo, intenta vincular los saberes y experiencias
de los, las y les estudiantes con nuestro contexto, así como
también guiar la reflexión colectiva respecto a las luchas del norte

1. mabel.cobos@ihp.edu
2. carmen.morales@ihp.edu

Programa IHP Derechos Humanos: Movimientos, Poder y Resistencia.
Observatorio Ciudadano.

228
y sur global y, finalmente, despertar su interés e inquietud por
llevar a cabo una labor académica, profesional o política en torno
a la defensa de los derechos humanos en sus propios contextos a
futuro, a través de distintas actividades y enfoques.

Introducción

IHP - International Honors Program (Programa de Honores


Internacional) es un conjunto de programas académicos
comparativos pertenecientes a la institución SIT (School for
International Training) que comienzan en Estados Unidos y luego
visitan tres países de distintas regiones del mundo, cada semestre.
Estos programas pretenden que los, las y les estudiantes aborden
los desafíos globales que existen en la actualidad, desde una
perspectiva crítica y comparada, con especial énfasis en el análisis
multidisciplinario de las temáticas abordadas y el aprendizaje
experiencial.

Actualmente existen cinco programas IHP: IHP Climate


Change: The Politics of Land, Water, and Energy Justice (IHP Cambio
climático: política de tierra, agua y justicia energética); IHP Cities
in the 21st Century: People, Planning, and Politics (IHP Ciudades en
el siglo 21: personas, planificación y política); IHP Food Systems:
Agriculture, Sustainability, and Justice (IHP Sistemas Alimentarios:
Agricultura, Sustentabilidad y Justicia); IHP Health and Community:
Globalization, Culture, and Care (IHP: Salud y comunidad:
globalización, cultura y cuidado); y IHP Human Rights: Movements,
Power, and Resistance3 (IHP: Derechos Humanos: Movimientos,
Poder y Resistencia)

En particular, IHP Derechos Humanos: Movimientos, Poder


y Resistencia, es un programa académico comparativo enfocado
en el aprendizaje de los derechos humanos en distintos contextos

3. Desde 2014 a 2018, el nombre del programa era IHP Human Rights: Foundations,
Challenges and Advocacy (IHP Derechos Humanos: Raíces, Desafíos y Promoción), sin
embargo, en 2019 este cambia a IHP Human Rights: Movements, Power and Resistance
(IHP Derechos Humanos: Movimientos, Poder y Resistencia) debido a que el nombre
anterior no reflejaba adecuadamente la perspectiva y abordaje que hacía en la práctica
el programa de los distintos temas en derechos humanos, abocado en particular a las
estrategias, acciones y experiencias de los movimientos sociales y la sociedad civil en
cada país.

229
internacionales.

Quienes postulan son estudiantes provenientes de


distintas carreras pertenecientes a diferentes universidades de
Estados Unidos, cuyas edades fluctúan entre los 19 y 22 años, en
su mayoría mujeres, que tienen distintos orígenes, nacionalidades
y religiones, cursan diversas carreras y hablan distintos idiomas,
aunque la lengua principal de aprendizaje es el inglés4.

El programa comienza en Estados Unidos donde se realizan


sesiones introductorias por dos semanas, para luego trasladarse
a Nepal, Jordania y Chile5. En cada uno de estos países la estada
promedio es de cinco semanas. Durante todo el semestre se
abordan los principios de los derechos humanos, se analizan los
medios y mecanismos para garantizar y proteger los derechos
civiles, políticos, sociales, económicos, culturales y ambientales
y se reflexiona sobre los desafíos que enfrentan estos cuatro
contextos internacionales en temas de derechos humanos,
mediante un enfoque comparativo y experiencial, en el cual los
y las estudiantes interactúan con académicos-as, funcionarios-
as de instituciones públicas e internacionales, representantes
de organizaciones de la sociedad civil, activistas y comunidades
locales e indígenas.

Cabe destacar que el aprendizaje experiencial es parte


fundamental de los programas de SIT, y en IHP Derechos
Humanos en particular, así como también el enfoque crítico, multi
e interdisciplinario, intercultural e interseccional de las temáticas
que se abordan.

4. En caso de que los y las académicos-as invitados-as o los-as representantes de


las organizaciones de la sociedad civil invitados-as no hablen inglés, siempre se
encuentra disponible una persona que interpreta de la lengua nativa al inglés y
viceversa. Sin embargo, también incluimos exponentes que realizan su charla en
inglés, particularmente aquellas que suceden al inicio del programa.
5. Dependiendo del semestre, el orden de los países cambia. Por ejemplo, el semestre
desde enero a mayo comienza en Atlanta y Tennessee, en Estados Unidos, donde les
estudiantes permanecen allí por dos semanas, luego aterrizan en Kathmandu, Nepal;
posteriormente se trasladan a Amman, Jordania y el programa culmina finalmente en
Santiago de Chile. El programa que inicia en agosto y finaliza en diciembre despega en
Nueva York, luego Chile, después Nepal y finalmente, Jordania.

230
Observatorio Ciudadano - Área de Educación

En Chile la entidad encargada de dirigir este programa


académico es la Fundación Observatorio Ciudadano (OC).

El OC es una organización no gubernamental sin fines de


lucro dedicada a la defensa, promoción y documentación de los
derechos humanos en Chile. Fue creado en septiembre de 2004,
en la ciudad de Temuco, como Observatorio de Derechos de los
Pueblos Indígenas, por un grupo de ciudadanos-as de distintos
lugares del país, diversas profesiones y procedencia étnica, cuyo
trabajo apunta a ser multidisciplinario e intercultural. A contar
de 2008 amplía su mandato para abordar nuevos y emergentes
desafíos de derechos humanos, modificando su nombre a
Observatorio Ciudadano, siempre guiado por los lineamientos
contenidos en los instrumentos internacionales de derechos
humanos y de derechos de los pueblos indígenas vigentes.

Una de las áreas de trabajo del OC es Educación y Derechos


Humanos, la cual fue creada como una manera de promover
el reconocimiento de la educación y formación en derechos
humanos como una herramienta fundamental para alcanzar una
sociedad democrática, equitativa, inclusiva e intercultural. Esta
área es la encargada de apoyar y coordinar iniciativas educativas
que pongan al centro la promoción, el respeto, el cumplimiento
y el ejercicio de los derechos humanos, en distintos contextos y
formatos.

En específico, el área de educación y derechos humanos


del OC se encarga de planificar, organizar y garantizar el
funcionamiento del programa IHP Derechos Humanos en Chile,
labor que ha realizado desde el año 2014.

IHP Derechos Humanos: Movimientos, poder y resistencia


en Chile

Durante los cinco años que el programa se ha desarrollado


en el país, ha ido mutando y adaptándose en el tiempo. El
programa fue armado “desde cero”, ya que asumimos el desafío de
implementarlo cuando SIT eligió a Chile como unos de los países
que el programa visitaría. Para nosotras, como coordinadoras de

231
la experiencia, tanto académica como vivencialmente, ha sido
un proceso de aprendizaje, de ajustar el enfoque metodológico y
perfeccionarlo el tiempo, con el objeto de elaborar un programa
que en cinco semanas pueda entregar un enfoque acabado,
consistente y crítico sobre las falencias y desafíos en Chile en
materia de derechos humanos, poniendo en el centro la lucha que
la sociedad civil y los movimientos sociales han llevado a cabo para
defender, promover y garantizar el pleno respeto de los mismos.

De esta manera, cuando comenzamos el programa, y sin


saber muy bien con qué tipo de estudiantes nos enfrentaríamos,
ni qué era lo que exactamente buscaban con esta experiencia,
tomamos la decisión de dar un enfoque más institucional de los
derechos humanos, el cual se centraba en las problemáticas que
la institucionalidad internacional y nacional identificaba como
principales en materia de derechos humanos, la aplicación de
los estándares y convenios internacionales en Chile, las agencias
estatales y las grandes organizaciones que trabajan la materia. Si
bien visitábamos algunas organizaciones y colectivos vinculados
a los movimientos sociales, gran parte de nuestra agenda
estaba abocada en visitar agencias como el Alto Comisionado
de Naciones Unidas para los Derechos Humanos, la división de
derechos humanos del Ministerio de Justicia, el Instituto Nacional
de Derechos Humanos, por dar algunos ejemplos.

Después de algunos semestres, vimos la necesidad de


cambiar de enfoque, esto a partir tanto de las propias inquietudes
que identificamos en les estudiantes como también en nuestro
propio análisis crítico de cómo concebimos un programa que
pretenda re-politizar los derechos humanos, dándole cabida a
los y las protagonistas que luchan por el respeto de sus derechos
humanos y la justicia social desde la base, las comunidades locales,
los movimientos sociales y las organizaciones de la sociedad civil.
Pese a que aún hacemos una visita al comienzo del programa a
Naciones Unidas, ésta sirve más bien como un marco teórico
sobre los estándares internacionales de los derechos humanos
y su implementación en la región, y a la vez, invitamos a les
estudiantes a tener una mirada crítica sobre la burocracia de los
organismos internacionales en el mundo.

El objetivo al cambiar de enfoque es por tanto vincular

232
la retórica y la práctica existente en la defensa de los derechos
humanos y el análisis se centra en las estrategias y acciones
políticas de la sociedad civil y los movimientos sociales,
procurando entregar una mirada crítica, “desde el sur”, que
privilegia el aprendizaje experiencial.

Para poder entregar este enfoque en nuestro programa de


manera organizada y consistente, dividimos el programa en Chile
en cuatro ejes temáticos-pedagógicos o ciclos de aprendizaje.
Cada eje es abordado tanto con clases expositivas y charlas
con académicos-as y expertos-as en el tema, como con visitas
y encuentros con representantes de organizaciones sociales,
de derechos humanos, comunidades locales o indígenas, o
movimientos sociales. Además, cada ciclo de aprendizaje culmina
con una actividad de cierre o “debrief” en la cual realizamos una
reflexión colectiva y una puesta en común de las experiencias y
los contenidos vistos. El formato de estas actividades de cierre
son variables, pero siempre intentamos tener un enfoque lúdico,
participativo, de aprendizaje activo, que ayude a la reflexión crítica
y a la vinculación de los contenidos con sus contextos locales.

Los cuatro ejes temáticos-pedagógicos o ciclos de


aprendizaje son los siguientes:

a) Dictadura, violaciones a los derechos humanos, memoria


y justicia transicional.

El primer ciclo de aprendizaje pretende dar un contexto


histórico, político, social y económico de nuestro país y la región,
centrándose en el pasado reciente y sus impactos en la actualidad.
En esta unidad, se conjugan tanto clases en aula con profesores-
as de las áreas de la historia, las ciencias sociales y el derecho, así
como también visitas a sitios de memoria de relevancia como el
Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, el Parque por la
Paz Villa Grimaldi, el Sitio de memorias Londres 38, entre otros.
Allí, se abordan temas como los crímenes de lesa humanidad
tanto en Chile como en América Latina durante los años 70’ y 80’,
la Operación Cóndor, las detenciones y desapariciones forzadas,
la tortura, la justicia transicional, el plebiscito, el apagón cultural,
la vuelta a la democracia, los gobiernos de la transición, la
Constitución del 80’ y la agenda neoliberal. Esto como una manera

233
de sentar las bases para los siguientes ejes temáticos.

Las preguntas que guían la reflexión durante estas visitas


y charlas intentan vincular lo acontecido en Chile con otras
experiencias intervencionistas e imperialistas que les estudiantes
puedan identificar, les instamos a pensar cuál es el rol de su
generación para evitar que esto vuelva a repetirse y les invitamos
a reflexionar en torno a las “batallas por la memoria”, cómo
emergen, cómo se confrontan con la historia oficial, cómo se
mantienen en el tiempo. Asimismo, tratamos de que comparen
las narrativas en torno a la memoria y la justicia, de los diferentes
sitios que visitamos, por ejemplo, como se presentan en el Museo
de la Memoria, en Villa Grimaldi o la Población La Victoria, cómo se
pueden comparar o extrapolar estos lugares y narrativas con los
sitios de memoria que existen, o que debieran existir, en Estados
Unidos o en sus países de origen.

Los siguientes ciclos de aprendizaje abordan problemáticas


o desafíos “actuales”6 en derechos humanos en Chile, vinculados
en gran medida a los derechos económicos, sociales, culturales y
medioambientales.

b) Justicia de género, autonomía y derechos de las mujeres.

En específico, el segundo eje temático-pedagógico se


enfoca en la justicia de género, la autonomía y los derechos de las
mujeres, una temática que se aborda a lo largo del semestre, en
los cuatro países que se visitan: Estados Unidos, Nepal, Jordania
y Chile, particularmente a través del curso “el Rol de la Sociedad
Civil en los Derechos Humanos” que se imparte en cada contexto
con un-a profesor-a local y que pretende examinar el rol de las
organizaciones de la sociedad civil de cada país que, como
agentes de cambio en sus propios contextos, trabajan la temática
de justicia de género.

6. Esto no implica que la dictadura y las violaciones a los derechos humanos que se
cometieron durante el régimen de Augusto Pinochet sean parte del pasado, por el
contrario; más bien se presenta así, de manera de poner en contexto las problemáticas
actuales en derechos humanos que muchas de ellas tienen sus raíces en la dictadura
cívico-militar de 1973-1990.

234
En Chile este curso como eje temático combina clases
teóricas con una profesora local, especialista en estudios de
género, y visitas y charlas con organizaciones vinculadas a
esta temática. El curso se estructura en torno al concepto de
“Autonomía”, debido a que es un indicador importante sobre los
derechos de las mujeres y también una motivación central de los
movimientos feministas.

De esta manera el curso se divide en tres clases: a)


Autonomía económica, b) Autonomía corporal y c) Autonomía
política de las mujeres. Cada una de estas clases se vinculan con
la visita a una organización vinculada al tema tales como Instituto
de la Mujer, Corporación Humanas, Red Chilena contra la Violencia
hacia las Mujeres, Rompiendo el Silencio, Sindicato Unitario de
Trabajadoras de Casa Particular (SINDUCAP), Feria Walüng, entre
otras, que varían de semestre a semestre. El objetivo, una vez más,
es entregar una vinculación crítica entre la retórica presente en
los discursos de los derechos de las mujeres y la práctica política y
estratégica de los movimientos sociales.

c) Derechos de los pueblos indígenas y derechos


medioambientales.

El tercer ciclo de aprendizaje se enfoca en los derechos de


los pueblos indígenas y los derechos medioambientales y se lleva
a cabo en distintos lugares de la Región de la Araucanía, tales como
Temuco, Mehuín, Curarrehue y Pucón. En términos de educación
crítica, experiencial y decolonial, esta es una de las experiencias
más significativas del programa, ya que nuestro grupo se traslada
a Curarrehue donde nos quedamos aproximadamente una
semana viviendo con familias mapuche de ese territorio.

La organización que nos recibe en Curarrehue es “Feria


Walüng” una red de producción y comercio local, liderada por
mujeres y jóvenes mapuche, que tiene como finalidad levantar
y promover valores que reivindican la autonomía y el cuidado
del medio ambiente, así como también la soberanía alimentaria,
la práctica económica local y la recuperación de los saberes
ancestrales.

La Feria Walüng se levanta en 2005 como una iniciativa

235
enmarcada en la Red de Ferias, que tiene como objetivo
promover la creación de mercados locales en diversas comunas
de la Araucanía7. Está compuesta por familias, comunidades,
lof 8, artesanos y artesanas, tejedoras, agricultores, creadores,
portadores de saberes culinarios y de sanación, y artistas de
Kurarewe que salvaguardan y rescatan el conocimiento tradicional
y prácticas ancestrales que se comparten en diferentes actividades
como el trawün9 o el trafkintü10, entre otras, que los socios y las
socias de Walüng llevan a cabo o participan durante todo el año.

Pero esta organización no sólo tiene como objetivos promover


la economía solidaria, recuperar y resaltar el patrimonio cultural
local y construir otra forma de vida y economía basadas en el Küme
Mongen, sino que también ha debido agregar a su hoja de ruta la
defensa del territorio en contra de proyectos de inversión como
centrales hidroeléctricas, que están amenazando su principal fuente
de vida y sustento: el agua, lo cual ha generado diversas formas de
resistencia en la comunidad de Kurarewe y alrededores y la adhesión
y levantamiento de alianzas territoriales para su defensa.

Así es como les estudiantes conocen a diferentes líderes


mapuche de este territorio que les transmiten sus conocimientos
ancestrales, sus historias de lucha y cómo resisten los proyectos
de intervención que amenazan con atentar sus formas de vida y su
derecho al territorio y la libre determinación. Tal es el caso de Lof
Trankura, que resiste la construcción de la central hidroeléctrica
Añihuerraqui o la Comunidad de Reigolil, casi en la frontera con
Argentina.

Al quedarse con familias mapuche, les estudiantes están


inmersos en el diario vivir de comunidades de un territorio en
resistencia y aprenden valores como la solidaridad, la reciprocidad,
el respeto a la tierra y la naturaleza, a través de largas y provechosas

7. Extraído desde la página web “Reserva Biosfera Araucarias”. Disponible en: http://
rbaraucarias.cl/iniciativas/feria-walung/
8. Se define como Lof a la unidad básica de organización del pueblo mapuche.
9. El trawün es una reunión en la cual se comparten opiniones, visiones e ideas.
10. El trafkintü se traduce como intercambio de semillas, aunque va más allá de eso.
Se trata de intercambiar conocimiento, semillas, trabajo, productos, técnicas. Es un
espacio de encuentro, de fraternidad, de trueque, en el cual no hay dinero de por
medio.

236
conversaciones e intercambios alrededor del fuego, participando
de actividades diarias como recolección de frutos, arreo de
ganado, caminatas al río, entre otros, y participando como
grupo en tareas colectivas de apoyo a una familia o comunidad,
“aprendiendo desde el haciendo”.

d) Desafíos actuales en materia de derechos humanos en


Chile y América Latina.

En nuestro cuarto ciclo de aprendizaje intentamos abordar lo


más ampliamente posible los temas que identificamos como más
prioritarios dentro de la sociedad civil y los movimientos sociales
en materia de derechos humanos y justicia social. De esta manera,
las organizaciones que visitamos van cambiando cada semestre
de acuerdo al contexto político y social del momento. Por ejemplo,
cuando comenzamos con el programa visitábamos el movimiento
“Marca tu Voto” quiénes impulsaban un movimiento que promovía
la celebración de una Asamblea Constituyente de la que emanara
una nueva Constitución. Otros semestres hemos conocido gente del
movimiento “No más AFP” cuando las manifestaciones en torno al
tema estaban en su momento más álgido. Nuestra tarea es identificar
cuáles son los temas más prioritarios en la agenda de los movimientos
sociales, para así entregarles a nuestres estudiantes una perspectiva
lo más amplia y diversa posible sobre la lucha por la defensa de los
derechos humanos y la justicia social en nuestro país.

Actualmente cubrimos los siguientes temas con diferentes


organizaciones que trabajan en ellos: derecho a la educación y
movimiento estudiantil, migración y racismo en Chile, derechos
de niños, niñas y adolescentes, diversidad sexual, derecho a
la vivienda y discapacidad e inclusión. En algunas ocasiones
dividimos al grupo para que cada uno visite una organización
diferente de acuerdo a su área de mayor interés y cerramos este
ciclo de aprendizaje con una puesta en común de los relatos
escuchados en cada visita y una reflexión final.

Educando de sur a norte: una mirada decolonial y crítica de


los derechos humanos

Como se ha mencionado, este programa académico intenta


vincular los saberes y experiencias de los, las y les estudiantes

237
con nuestro contexto, así como también guiar la reflexión
colectiva respecto a las luchas del norte y sur global y, finalmente,
despertar su interés e inquietud por llevar a cabo una labor
académica, profesional o política en torno a la defensa de los
derechos humanos en sus propios contextos a futuro, a través de
distintas actividades y enfoques, de una manera crítica, reflexiva,
experiencial y decolonial. Pero esto no ha sido fácil. Ha sido un
continuo de errores, aciertos, construcciones y deconstrucciones.

Cuando hablamos de descolonizar, nos referimos en


específico a nuestro quehacer educativo, a nuestra práctica
pedagógica, que intentamos sea crítica y deconial a la hora de
implementar el programa en Chile, suscribiendo el pensamiento
de autores como Aníbal Quijano, Catherine Walsh, Silvia Rivera
Cusicanqui, María Lugones, Walter Mignolo o Boaventura de Sousa
Santos, e incorporando nuevas metodologías de aprendizaje11.

Lo que proponemos es intentar deshacernos de los enfoques


“culturalistas” o estrictamente antropológicos-etnográficos que
muchas veces están inmersos en los programas de estudio en
el extranjero, centrados en la mera “observación” o que están
imbuidos o rayan en el “complejo del salvador blanco”.

Particularmente en lo referido al estudio de los derechos


humanos por parte de estudiantes provenientes de Estados Unidos
o del Norte global que viajan a países del Sur global, no queremos
caer en el aprendizaje de las luchas e historias de resistencia de
nuestros movimientos sociales como un mero objeto de estudio, o
como una necesidad de “ayudar” a resolver nuestros problemas en
materia de derechos humanos desde un enfoque asistencialista,
sino que por el contrario, queremos reforzar un espíritu crítico,
destacar los saberes de los márgenes12, remover los cimientos

11. Tratamos de implementar metodologías tipo taller, prácticas, artísticas, salidas


pedagógicas, que enfatiza el aprender haciendo.
12. Walter Mignolo afirma que: “eI pensamiento descolonial se constituye pensándose
en variadas formas semióticas, paralelas y complementarias a movimientos sociales
que se mueven en los bordes y en los márgenes de las estructuras políticas (estado,
partidos) y económicas (explotación, acumulación, opresión). El desprendimiento que
promueve el pensamiento descolonial conlleva la confianza en que otros mundos
son posibles (no uno nuevo y único que creemos que puede ser el mejor, sino otros,
diversos) y que están en proceso de construcción planetariamente” (Mignolo, 2006,
p.10).

238
de los privilegios con los que cargan, deconstruir aquella historia
oficial escrita por los países vencedores, generar conciencia
respecto al “desarrollo”, la lógica extractivista (no sólo de recursos
naturales sino que también epistémica), el individualismo y las
distintas opresiones que nos atraviesan y el rol que cada une
tiene en un mundo globalizado, cuando tenemos el privilegio del
conocimiento, los viajes y la información.

Como hemos expuesto, lo que pretendemos con nuestro


programa es que nuestres estudiantes puedan vincular lo que
aquí han experimentado, aprendido y vivido con lo que ocurre
en sus contextos locales, que vuelvan a sus lugares de origen
con una experiencia significativa que les ayude a dar sentido no
sólo a sus carreras profesionales, sino también a su compromiso
por la defensa de los derechos humanos en un contexto global.
Entendido así, lo aprendido durante las cinco semanas que están
en Chile podría llegar a servirles como una guía de acción. A lo que
se han visto expuestos, sobre el accionar político y reivindicativo
y las estrategias de luchas de las diferentes organizaciones y
comunidades que visitan pueda servir como ejemplo y como
inspiración al volver a sus contextos locales.

En este sentido, los recursos audiovisuales y bibliográficos


también cumplen un rol preponderante en esta apuesta
educativa crítica y decolonial. Así es como a lo largo del programa
leen y discuten el pensamiento de autoras como Linda Tuhiwai
Smith, Silvia Rivera Cusicanqui o Gloria Anzaldúa, y se empapan
de los planteamientos de Franz Fanon, Paulo Freire, entre otros.
En Chile, además de la literatura, también la música y el cine han
ocupado un sitio importante, y es así como en estos cinco años,
les estudiantes han visto la serie “Ecos del Desierto”, las películas
“Nostalgia de la Luz”, “Machuca”, “Masacre en el Estadio” o “Ciudad
de Papel” y se han deleitado con las canciones y videos de los y las
artistas de la Nueva Canción Chilena, y representantes musicales
actuales como Anita Tijoux, Banda Conmoción, Portavoz y otros
y otras artistas, también como una forma de mostrar que los
derechos humanos no sólo se enseñan desde el aula o la teoría,
sino también en las calles, el arte y los escenarios.

Ciertamente esta inspiración es probable que no la logremos


con todes les estudiantes, pero nuestro desafío y motivación es

239
intentar “plantar una semilla” en cada une de elles. Es así como
creemos que se puede dar un intercambio significativo y con
profundo sentido político de “sur a norte”, donde la educación
en derechos humanos adquiere un necesario impacto global, en
tiempos en que sus alcances y pleno goce se ven profundamente
amenazados, y presenciamos discursos de odio y de retrocesos en
el campo de la memoria, la justicia y los derechos.

El desafío no es menor y nos enfrentamos con obstáculos


importantes en el desarrollo de nuestro programa. Uno de los
principales es hacer frente a las lógicas de “consumo” y “servicio
al cliente”, consecuencia directa del sistema neoliberal en que nos
encontramos inmersos y que la educación no está exenta.

Esta lógica -muy presente en las instituciones educativas


estadounidenses y en particular en los programas de “study
abroad” (de estudios en el extranjero)- es difícil de erradicar.
Muchas veces nos enfrentamos al hecho de que algunes
estudiantes se consideran a sí mismes como clientes y tienen
expectativas elevadas y particulares sobre la satisfacción de sus
necesidades tanto académicas como personales. A la vez, ven al
equipo local como proveedores a los cuáles se les está pagando
por un servicio. Como contrapartida, en general les invitamos a
que entiendan esta experiencia como educativa y no como un
mero viaje turístico o de placer, y tratamos de que entiendan, de
que pese a que estamos bajo la tutela de una organización que se
rige bajo las normas del mercado, quienes construimos, pensamos
e implementamos cada programa IHP, lo hacemos resistiéndonos
a las lógicas neoliberales en los sistemas educativos, que concibe
la educación como un bien de consumo y no como un derecho.

Si bien es cierto que el programa es pagado, muchas


veces por les mismes estudiantes a través de créditos y becas,
esto no debiera impedir que sea entendido como una instancia
de aprendizaje colectivo y de reciprocidad, donde las personas
a cargo sean vistas como facilitadores o mediadores de la
experiencia. En este sentido, procuramos hacer un llamado a
liberarse de las lógicas coloniales no sólo de manera teórica, sino
en la práctica como partícipes de esta experiencia educativa de
modo colaborativo, horizontal, respetuoso y armónico. Y por otro
lado, instamos a que cuestionen las lógicas de mercado del sistema

240
educativo estadounidense y exploren las formas de organización
y lucha del movimiento estudiantil chileno que desde ya hace
varios años ha instalado la crítica al modelo neoliberal, sexista, de
mala calidad e injusto de la educación.

Otro desafío al que nos enfrentamos son las dinámicas de


grupo y las diferentes instancias de confrontación y discusión
que se dan entre les estudiantes producto de sus orígenes e
identidades diversas.

En general los grupos que recibimos son bastante diversos,


no sólo en cuanto a los estudios que realizan o las universidades
a las que asisten, sino también por su origen étnico-racial, género,
religión o nivel socioeconómico. Recibimos estudiantes cisgénero
y trans, pertenecientes a la comunidad negra, latina, indígena o
asiática que vive en Estados Unidos, estudiantes internacionales
o estudiantes blancos, quienes pueden ser estudiantes becados
y provenir de contextos menos privilegiados o bien, ser de altos
ingresos; también musulmanes, cristianos o judíos.

Esta diversidad representa un valor y abre posibilidades


para un rico intercambio de experiencias, sin embargo, por los
mismos contenidos a los que son expuestos en el programa como
racismo, opresión, heteropatriarcado o discriminación, conlleva a
que haya un profundo cuestionamiento de las “posicionalidades”,
privilegios e identidades de cada estudiante y personas o
profesores parte del equipo.

Muchas veces estos cuestionamientos se enmarcan en una


reflexión personal-individual, lo cual si no se realiza dentro de
una conversación guiada, se corre el riesgo de una confrontación
entre estudiantes del grupo, o entre estudiantes y profesores,
resultando una experiencia negativa que no aporta a la reflexión
colectiva y estructural sobre estas tensiones.

Reflexiones finales

A modo de cierre, podemos comentar que son muchos


los desafíos que quedan por delante, particularmente a lo que
refiere a la “conflictividad” inherente en los study abroad y cómo
derribar (¿si es posible?) la lógica de consumo, neoliberal, colonial

241
e individualista de estos programas educativos.

Con todo, creemos firmemente que tras cinco años de


funcionamiento e implementación del programa en Chile hemos
constatado contribuciones y aprendizajes significativos tanto
de parte de les estudiantes, como nuestra, como educadoras en
derechos humanos.

Tenemos claro que no es fácil repolitizar los derechos


humanos desde un enfoque interseccional, experiencial y
decolonial desde sur a norte. Creemos que esto sólo es posible
mientras como educadoras en derechos humanos estemos
siempre mirando la realidad social y política que nos circunda,
tanto en Chile como a nivel global. Es necesario, para no caer
en enfoques culturalistas, etnográficos o esencialistas, entregar
a nuestres estudiantes una experiencia en donde puedan estar
inmersos en lo que los movimientos sociales que trabajan en
la defensa de los derechos humanos y la justicia social están
haciendo y que estos encuentros sean intercambios recíprocos y
sinceros. Nuestra agenda debe ser construida a partir de aquello.
Solo así podremos entregar una experiencia educativa con sentido
político que sea un aporte para la defensa global de los derechos
humanos.

Referancias Bibliográficas

Mignolo, W (2006). El desprendimiento: pensamiento crítico y giro


descolonial. En C. Walsh. (ed) Interculturalidad, descolonización del
Estado y del conocimiento. (pp. 9-20). Buenos Aires: Ediciones del
Signo.

SIT, Study Abroad (8 de septiembre de 2019). IHP Human Rights:


Movements, Power and Resistance. Extraído de: https://studyabroad.
sit.edu/programs/semester/fall-2019/hrc/

Reservas Biosferas Araucarias (8 de septiembre de 2019). Feria


Walüng. Extraído de: http://rbaraucarias.cl/iniciativas/feria-
walung/

242
Lei Estadual paz nas Escolas: Afronta
ou confirmação dos Direitos Humanos
no Sistema Educacional?

Tainá Santos de Oliveira 1

Resumo

No âmbito nacional o direito à educação, além de ser um
direito humano é uma garantia e direito fundamental previsto
como dever do Estado, conforme dispõem os artigos 6 e 205 da
Constituição Federal de 1988. Desse modo, a pesquisa norteia-
se pela análise da Lei Estadual nº 5.156/2018, mais conhecida
como “Lei Paz nas Escolas” do Estado de Mato Grosso do Sul.
Tem-se como problema central deste estudo a polêmica acerca
do entendimento sobre o elevado grau punitivo aos estudantes
e a violação dos direitos humanos e da lei 8.069/1990. Para tanto,
a metodologia adotada foi desenvolvida mediante estudos de
normas legais, artigos científicos, periódicos, revisão bibliográfica
de renomados autores através da consulta de conteúdos
relevantes e inerentes que constituíram o embasamento teórico.
Os resultados obtidos em decorrência da pesquisa demonstram
quão delicada está a educação no Brasil e despertam um alerta
sobre este setor que precisa urgentemente de mudanças. Por isso,
é necessário que a educação seja entendida como uma saída para
os problemas sociais que geram um verdadeiro caos no país.

Palavras-chave: Brasil. Educação. Direitos Humanos.

Introdução

O direito à educação é um direito humano e uma garantia e


direito fundamental previsto como dever do Estado, de acordo com
os artigos 6 e 205 da Constituição Federal de 1988. Desse modo,

1. Graduanda em Direito nas Faculdades Integradas de Três Lagoas – FITL/AEMS, Estado


de Mato Grosso do Sul, Brasil. tainasoliver@hotmail.com

243
a pesquisa rege-se pela análise da Lei Estadual nº 5.156/2018.
O problema central deste estudo está na polêmica acerca do
entendimento sobre o elevado grau punitivo aos estudantes e a
violação dos direitos humanos e da lei 8.069/1990. A metodologia
foi desenvolvida através de estudos de normas legais, artigos
científicos, periódicos e revisão bibliográfica. Diante do atual
cenário brasileiro, a educação deve ser priorizada urgentemente,
tendo em vista a grande crise política, social e decadencial que o
país enfrenta decorrentes da semiformação e de uma sociedade
líquida que pela valorização do capital enfraquece as relações
humanas e permite a escassez de qualidade da educação. Por
isso, a cooperação entre a população e o governo será capaz de
mudar esta situação, somente quando um trabalhar a serviço do
outro de mãos dadas por um bem comum, será possível construir
uma diferente história para o Brasil. Não é um processo simples e
nem rápido, mas o quanto antes acordarem deste pesadelo, mais
rápido será a transformação de vida de um povo sofredor e de
um país que merece uma nova perspectiva no cenário mundial,
através da efetiva valorização da educação.

Educação: Um Direito Humano

A educação no Brasil enfrentou e ainda enfrenta inúmeras


dificuldades, pois para que se torne eficaz, esta depende dos
fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, entre outros.
Contudo, após atravessar algumas barreiras a educação é definida
como um direito e garantia fundamental dos seres humanos,
descritos na Constituição Federal Brasileira.

No panorama mundial, a tendência à oferta universal de


escolarização se intensificou onde o Estado assumiu o lugar
de principal ator do desenvolvimento, pronunciadamente
em momentos em que enfrentou a crise econômica ou a
guerra. Mas, além disso, o Brasil foi um dos países em que
a existência de escola primária e o alastramento de sua
cobertura junto a todos os indivíduos responderam antes
a uma intenção política de unidade cultural requerida pela
unidade nacional. A visão da escola como instrumento
no qual está prescrito o quê e como professores (as)
deveriam ensinar atendeu às expectativas de promover
uniformidade, conformidade, lealdade e patriotismo. Foi

244
preciso transcorrer quase a metade do século XX para que
o ideal de escola para todos passasse a ser interpretado
como direito social assentado na exigência democrática de
igualdade social (OLIVEIRA; SANTANA, 2010 p.199).

Segundo a definição de (BASÍLIO, 2009, p. 37) por direito


à educação podemos identificar o direito de acesso à prestação
educacional oferecida pelo Estado, é de sua responsabilidade
seja via manutenção direta ou fiscalização de estabelecimentos
escolares.

Essa educação, que possibilita o desenvolvimento humano


em todas suas qualidades, tornando-o senhor de sua
história, demonstra-se essencial para a formação de uma
sociedade mais justa e igualitária, e indispensável para
legitimação da soberania popular. O povo soberano, ativo
e consciente, é a própria legitimação da ordem política
(COMPARATO, 2006, p. 230, apud BASILIO, 2009, p. 37).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948


institui a educação como um direito de todos, conforme assegura
artigo XXVI;

Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será


gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais.
A instrução elementar será obrigatória. A instrução
técnico-profissional será acessível a todos, bem como a
instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução
será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito
pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.
A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos,
e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
manutenção da paz (DUDH, 2009, p.14).

Diante deste cenário, é de suma importância destacar que


educação é incontestavelmente um direito humano, entretanto
a realidade enfrentada em muitos países impede a configuração
deste direito. No ano de 2014, a paquistanesa Malala Yousafzai
vencedora do prêmio Nobel da Paz, tornou-se um grande símbolo

245
na luta pela educação como um direito humano em seu país.

A paquistanesa Malala Yousafzai, de 17 anos, ganhadora do


Nobel da Paz de 2014 junto com o indiano Kailash Satyarthi,
não conquistou sua notoriedade de maneira fácil. A jovem
se tornou conhecida ao mundo após ser baleada na cabeça
por talibãs ao sair da escola, quando tinhas 15 anos. O ataque
aconteceu no dia 9 de outubro de 2012. Malala seguia
em um ônibus escolar. Seu crime foi se destacar entre as
mulheres e lutar pela educação das meninas e adolescentes
no Paquistão – um país dominado pelos talibãs, que são
contrários à educação feminina. Em entrevista à BBC, Malala
disse que “a melhor maneira de superar os problemas e lutar
contra a guerra é através do diálogo. Esse não é um assunto
meu esse é o trabalho do governo (...) e esse é também o
trabalho dos EUA”. A jovem considerou importante que os
talibãs expressem seus desejos, mas insistiu que “devem
fazer o que querem através do diálogo. Matar, torturar e
castigar gente vai contra o Islã. Estão utilizando mal o nome
do Islã”. Em sua entrevista à “BBC”, Malala também assegura
que ela gostaria voltar algum dia ao Paquistão para entrar
na política “Vou ser política no futuro. Quero mudar o futuro
do meu país e quero que a educação seja obrigatória”,
disse a jovem. “Para mim, o melhor modo de lutar contra
o terrorismo e o extremismo é fazer uma coisa simples:
educar a próxima geração”, insistiu. “Acredito que alcançarei
este objetivo porque Alá está comigo, Deus está comigo e
salvou a minha vida”. “Eu espero que chegue o dia em que o
povo do Paquistão seja livre, tenha seus direitos, paz e que
todas as meninas e crianças vão à escola”, ressaltou a menor,
se expressando com eloquência e muita segurança cada
vez que fala da situação em seu país. Malala admitiu que
a Inglaterra causou em sua família uma grande impressão,
“especialmente em minha mãe, porque nunca havíamos
visto mulheres tão livres, vão a qualquer mercado, sozinhas
e sem homens, sem os irmãos ou os pais”. Após a entrevista,
os talibãs paquistaneses acusaram Malala de não “ter
coragem” e prometeram que vão atacá-la novamente se
tiverem uma chance. “Nós atacamos Malala porque ela
falava contra os talibãs e o Islã e não porque ela ia à escola”,
explicou Shahid, referindo-se ao blog que Malala escrevia

246
na “BBC” e que lhe valeu reconhecimento internacional
(ALVAREZ, 2017, N/P).

Malala é uma referência importantíssima sobre a luta para


efetivação da educação como um direito humano, tendo em
vista que a conquista deste direito foi e é marcada por inúmeras
batalhas travadas muitas vezes contra o próprio Estado que
deveria permitir o acesso e garantir uma educação de qualidade,
mas torna-se, na maioria das vezes, o maior obstáculo até a linha
de chegada.

No âmbito nacional o direito à educação é uma garantia e


direito fundamental previsto como dever do Estado, conforme
dispõem os artigos 6 e 205 da Constituição Federal de 1988;

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,


o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho (BRASIL, 1988).

A educação escolar é imprescindível para a formação de


um cidadão, o Estado edita leis e elabora um Plano Nacional de
Educação com vigência de dez anos após sua publicação, visando
ofertar com qualidade o ensino no país.

Uma Análise sobre a Lei Nº 5.156, de 12 de Janeiro de 2018 do


Estado de Mato Grosso do Sul

A educação é um direito humano, dever do Estado e da


família, além de ser imprescindível na formação de um indivíduo.
Nesse contexto, faz-se necessário apresentar o lado obscuro da
educação brasileira através de um dos seus agravantes, que é a
total desvalorização da educação por parte de uma parcela dos
educandos.

Para estampar esta desvalorização efetuada pela acentuação

247
da violência, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado
de Mato Grosso do Sul, demonstra a realidade de muitas escolas
brasileiras frente à barbárie:

3ª Câmara Cível Apelação - Nº 0803223-47.2012.8.12.0017 -


Nova Andradina Relator – Exmo. Sr. Des. Eduardo Machado
Rocha Apelante : José AntonioFrugeri de Andrade
(Representado(a) por seu Pai) Jose Antonio de Andrade
Advogado : Jean Junior Nunes Apelado : Município de Nova
Andradina Procurador : Pricila Carvalho Eich
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS – PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO
DA DIALETICIDADE – REJEITADA – MÉRITO - SUPOSTAS
AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS EM SALA DE AULA - PRÁTICA
DE BULLYING – NÃO COMPROVAÇÃO - ART. 333, I, DO
CPC - AUTOR QUE APRESENTA UM ELEVADO NÚMERO DE
OCORRÊNCIAS DISCIPLINARES - DANO MORAL NÃO
CONFIGURADO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – CARACTERIZADA
– HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – MANTIDOS – RECURSO
DESPROVIDO. Rejeita-se a preliminar de não conhecimento
do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, quando
verificado, nas razões recursais, que a parte apelante
impugnou os fundamentos da sentença, aduzindo
argumentos para reformá-la. Provando a municipalidade
o comportamento agressivo do apelante, tanto verbal
quanto físico, seja com relação aos colegas de sala de aula,
seja com os professores, assim como o histórico de registros
de ocorrências disciplinares nas escolas em que estudou
anteriormente e, levando-se em conta que o autor não
provou os fatos constitutivos de seu direitos, nos termos do
art. 333, I, do CPC, a improcedência do pedido inicial torna-
se imperiosa (TJ/MS, 2014).

Neste caso acima citado é evidente que fatos como esse se


repitam todos os dias na escola. O bullying, o preconceito em todas
as suas esferas, acompanhados de agressões físicas ou morais com
os colegas de classe e até mesmo com os professores, indicam o
quão urgente é colocar a educação como prioridade, tanto na
família como no Estado, pois fatos como estes escancaram as
feridas da má educação e mostram até que ponto a sociedade
chegou.

248
Essas circunstâncias estão se repetindo continuadamente
e como consequência, surge um povo que está se acostumando
com a barbárie. Estes fatos podem ser ilustrados pelo mais recente
ataque de violência dentro das escolas do país;

[...] dois ex-alunos invadiram a Escola Estadual Raul Brasil


em Suzano, na Grande São Paulo, e atiraram em alunos e
professores. O atentado deixou 10 mortos e 10 feridos.
Das vítimas, 4 estudantes, 1 funcionária e a coordenadora
pedagógica da escola morreram no local. Duas morreram
já no hospital ou a caminho dele. Os atiradores Guilherme
Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25,
se mataram na sequência. A polícia ainda não sabe o que
motivou o massacre que assolou o país nesta quarta. Este
foi o quarto atentado que deixou mortos em escolas no
Brasil nos últimos oito anos (BELLONI, 2019, N/P).

Nos últimos anos, a violência tem aumentado


significativamente dentro das escolas. As notícias sobre práticas
violentas dentro das salas de aula são cada vez maiores, seja
moral, física ou psicológica, a violência nunca foi e nem será um
meio de reivindicar melhorias em qualquer setor.

A tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar


tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em
dia. O problema que se impõe nesta medida é saber se por
meio da educação pode-se transformar algo de decisivo
em relação à barbárie. Entendo por barbárie algo muito
simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto
desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem
atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a
sua própria civilização — e não apenas por não terem em sua
arrasadora maioria experimentado a formação nos termos
correspondentes ao conceito de civilização, mas também
por se encontrarem tomadas por uma agressividade
primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um
impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda
mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir,
aliás uma tendência imanente que a caracteriza. Considero
tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os outros
objetivos educacionais por esta prioridade (ADORNO, 2003,

249
p. 70).

Diante deste cenário de violência dentro das escolas


brasileiras, o estado do Mato Grosso do Sul estabeleceu a Lei nº
5.156/2018, mais conhecida como “Lei Paz nas Escolas” que é
composta por seis artigos e dispõem sobre a adoção de atividades
com fins educativos para enfrentamento à violência e reparação de
danos causados no âmbito dos estabelecimentos que compõem
o Sistema Estadual de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul.

Art. 1º Ficam os estabelecimentos do Sistema Estadual de


Ensino autorizados a executar a aplicação de atividades
com fins educativos como ação disciplinar posterior à
advertência verbal ou escrita, observando-se o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e o Regimento Interno das
escolas.
§ 1º As atividades com fins educativos são: I - PAE (prática
de ação educacional); II- MAE (manutenção do ambiente
escolar).
§ 2º As atividades com fins educativos deverão ocorrer
mediante a prática de ações voluntárias de manutenção e
preservação do patrimônio escolar, preservação ambiental,
a reparação de danos ou a realização de atividade
extracurricular, por meio de registro da ocorrência escolar
com lavratura de termo de compromisso, constando a
presença e a anuência dos pais ou do responsável legal, em
obediência ao disposto no art. 1.634, do Código Civil.
§ 3º Constitui Prática de Ação Educacional:
I - reuniões com os alunos e demais segmentos da
comunidade escolar para discutir questões relacionadas
à violência na escola, buscando compreender a visão
dos mesmos sobre o tema, esclarecer dúvidas, prestar
orientações, informar seus direitos e deveres;
II - círculos restaurativos e de cultura da paz, espaços de
resolução pacífica de conflitos de menor potencial ofensivo,
voltados a restabelecer os laços que foram rompidos entre
agressores e vítimas, promovendo a participação social,
o respeito e a dignidade entre as partes, bem como a
reparação voluntária do dano;
III - participação em palestras, seminários, ciclos de
debates e outras atividades pedagógicas que possibilitem

250
ao estudante oportunidade de refletir sobre a conduta
praticada e sua responsabilização consciente;
IV - exposição de cartazes, folders e materiais informativos;
V - atividades pedagógicas culturais e de lazer, tais como,
apresentação de músicas, peças teatrais, coreografias,
jograis, gincanas e filmes educativos.
§ 4º Constitui Prática de Manutenção do Ambiente Escolar:
I - reparação de danos;
II - restauração do patrimônio da escola ou dos segmentos
internos da comunidade escolar.
Art. 2º Caberá ao pai ou responsável legal reparar o eventual
estrago causado à unidade escolar ou aos objetos dos
colegas, professores e servidores públicos.
Art. 3º Na aplicação disciplinar serão consideradas a
natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que
dela provierem, tanto em relação ao patrimônio público
ou particular quanto à integridade física e psíquica dos
colegas, professores e servidores.
Art. 4º O gestor escolar adotará providências para apurar
suspeita de que o estudante esteja carregando algum
objeto que coloque em risco a integridade física própria
ou de terceiros, sendo vedada a exposição do revistado ou
situação vexatória.
Art. 5º Para efeito das regras de benefícios sociais concedidos
às famílias carentes, a administração da Escola Pública
comunicará às autoridades competentes a omissão de pais
ou responsáveis, quanto aos seus deveres de acompanhar
frequência e desempenho dos filhos.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,
produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018 (DIÁRIO
OFICIAL/MS, 2018).

Acerca do disposto na lei supracitada é válido destacar


que o seu texto, ainda quando projeto de lei, passou por debates
polêmicos sobre o grau de punição aos alunos, tendo em vista que
alguns deputados alegaram que a escola tem o dever de educar e
não de punir, pois os atos praticados por criança ou adolescente
de acordo com os artigos 101 e 112 do Estatuto da Criança e do
Adolescente serão punidos por meio da autoridade competente.

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art.

251
98, a autoridade competente poderá determinar, dentre
outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante
termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento
oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou
comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da
criança e do adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar
IX - colocação em família substituta.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade
competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes
medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua
capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será
admitida a prestação de trabalho forçado [...] (BRASIL, 1990).

Dessa forma, é de suma importância ressaltar que a lei não


foi criada com a intenção de resolver o problema da violência
punindo severamente aos alunos que praticarem os atos
infracionais, tendo em vista que para ser aprovada a lei foi alterada
inúmeras vezes no intuito de respeitar a dignidade do aluno, bem
como as leis que o protegem. O texto legal foi criado para dar uma
maior eficácia no regimento interno das escolas estaduais que já
preveem algumas destas medidas dispostas pela lei.

252
É imprescindível que o aluno acusado da prática de ato de
indisciplina, tenha ciência por escrito da conduta que lhe
incorre, e exerça o contraditório e à ampla defesa, sendo
obrigatório o comparecimento dos pais/responsáveis,
em caso de criança ou adolescente, no intuito de assisti-
lo e representá-lo (Constituição Federal de 1988, Art. 5º,
LIV e LV). [...] Quando a conduta for diagnosticada como
ato infracional, ou seja, tipificada em nosso Código Penal
como crime ou contravenção, inicialmente é necessário
identificar a idade do infrator. Se o ato infracional for
praticado por criança (art. 105, da Lei 8.069/90) esta deverá
ser encaminhada ao Conselho Tutelar ou, na ausência
deste, Juizado da Infância e Juventude, para aplicação das
medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA . Se o
ato infracional for praticado por adolescente, deverá ser
lavrado o Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia,
que providenciará os encaminhamentos ao Ministério
Público e Justiça da Infância e Juventude, para aplicação
das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA
(ROMANOWSKI, 2015, p.08).

Nesse sentido, a Lei Paz nas Escolas, criada com o propósito


de sanar os casos de indisciplina nas escolas para melhorar o
convívio no ambiente escolar entre alunos e professores, divide
opiniões e como toda proposta tem pontos positivos e negativos.

Sobre a polêmica entorno da “Lei Harfouche” o juiz de


direito do Estado de São Paulo, Marcelo Nalesso Salmaso,
comentou que o projeto de lei é uma solução nada efetiva
para a “doença” que é violência nas escolas pelo país [...].
‘Segundo as agências de segurança norte-americanas boa
parte dos atentados de ex-alunos às escolas tem como
motivo o bullying ou punições humilhantes sofridas na
escola. Não tem um efeito punitivo eficaz e só aumenta
a probabilidade do aluno se tornar ainda mais violento’
(FERNANDES, 2017, N/P).

Para (HARFOUCHE, 2016, N/P) a Lei 5.156/2018 promove


uma mudança de paradigmas no ambiente escolar, através
da retomada da autoridade da Direção e dos professores, em
substituição ao autoritarismo.

253
Considerações Finais

Nota-se que a situação da educação no Brasil é crítica, os


índices de violência no ambiente escolar aumentam a cada dia e
diante de tanta barbárie a sociedade está desacreditada no futuro
da educação.

Em decorrência de tantos agravantes da educação no


âmbito nacional, o estado de Mato Grosso do Sul editou a Lei
Paz nas Escolas na tentativa de solucionar pelo menos um dos
problemas educacionais que é a violência. Todavia, a aprovação
da lei gerou um novo debate que consiste na violação dos
direitos humanos dos alunos infratores que seriam submetidos à
manutenção do ambiente escolar.

De acordo com os seis artigos abordados pela Lei


5.156/2018 não há nenhuma punição que obrigue a criança ou
o adolescente a prestar algum serviço que lhe humilhe ou viole
os direitos humanos, uma vez que a manutenção do ambiente
escolar é uma medida aplicada ao reincidente após advertência
verbal ou escrita, de forma voluntária e sob a anuência dos pais ou
responsáveis, sem violar as normas legais.

Desse modo, a vigência desta lei não é garantia de sucesso


muito menos de solução dos problemas, longe disso. A lei foi uma
tentativa de solução de conflito, mas que apresenta inúmeras
falhas e a falta de muitos assuntos que têm enorme relevância
no âmbito educacional. A violência é o problema mais visível aos
olhos que para se resolver deve começar a ser solucionado pela
raiz.

É uma utopia acreditar que a situação da educação no Brasil


é de fácil resolução, tendo em vista, a complexidade estabelecida
entre “povo” e governo e todos os problemas sociais que o país
atravessa. Por isso, a cooperação entre a população e o governo
será capaz de mudar esta situação, somente quando um trabalhar
a serviço do outro de mãos dadas por um bem comum, será
possível construir uma diferente história para a educação no
Brasil.

254
Referências Bibliográficas

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BASÍLIO, D. R. Direito à educação: Um direito essencial ao


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de 2014. Disponível em: https://esaj.tjms.jus.br/cjsg/getArquivo.
do?conversationId=&cdAcordao=408855&cdForo=0&uuidCaptcha
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Acesso em: 10/06/2019

256
CAPÍTULO CUARTO

Educación en Derechos Humanos y


Diversidades; Pueblos originarios
y tribales, Mujeres, Niños, Niñas y
Adolescentes, Personas mayores,
Migrantes, Género, Diversidad Sexual
257
258
Educação em Direitos Humanos e Inclusão:
Trajetórias Biográfico-Escolares de Jovens
com Deficiência Visual1

Sinara Pollom Zardo 2

Resumo

O presente trabalho objetiva refletir sobre a organização
de sistemas educacionais inclusivos, tendo como princípio a
educação em direitos humanos. Busca-se, também, conhecer as
trajetórias biográfico-escolares de jovens cegos e com baixa visão,
matriculados em escolas públicas de ensino médio do Distrito
Federal, a fim de compreender os desafios da implementação
da política de inclusão na perspectiva dos sujeitos de direito.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que foram realizadas
entrevistas narrativas com 12 estudantes com deficiência visual.
As entrevistas foram gravadas, transcritas, codificadas e analisadas
pelo Método Documentário desenvolvido por Ralf Bohnsack, a
partir da produção teórica de Karl Mannheim. A análise de dados
permitiu verificar que: i) a deficiência é uma condição humana
que demanda mobilização e luta constantes pela dignidade
dos sujeitos de direito que necessitam de contextos acessíveis;
ii) uma das principais barreiras enfrentadas pelos estudantes
cegos é a barreira atitudinal, evidenciada pelas narrativas que
revelam a experiência do preconceito e da discriminação; iii) a
materialização do direito à acessibilidade é um meio de garantir
o acesso e a realização aos demais direitos, tais como a educação,
transporte, lazer, dentre tantos outros.

Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos. Inclusão


escolar. Deficiência visual.

1. Pesquisa realizada com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito


Federal (FAP/DF).
2. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH)
e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade de Brasília
(UnB). Coordenadora do Laboratório de Apoio às Pessoas com Deficiência Visual da
Universidade de Brasília (LDV/UnB). sinarazardo@gmail.com

259
Introdução

O presente trabalho objetiva refletir sobre a organização


de sistemas educacionais inclusivos, tendo como princípio a
educação em direitos humanos. Busca-se, também, conhecer as
trajetórias biográfico-escolares de jovens cegos e com baixa visão,
matriculados em escolas públicas de ensino médio do Distrito
Federal, a fim de compreender os desafios da implementação da
política de inclusão na perspectiva dos sujeitos de direito.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que foram


realizadas entrevistas narrativas com 12 estudantes com
deficiência visual, no entanto, para fins de análise neste estudo,
foram contempladas as três entrevistas com maior densidade
narrativa nas passagens denominadas “trajetória biográfica” e
“trajetória escolar”. As entrevistas foram gravadas, transcritas,
codificadas e analisadas pelo Método Documentário desenvolvido
por Ralf Bohnsack, a partir da produção teórica de Karl Mannheim.

O texto organiza-se a partir de duas partes: considerações


acerca da organização de sistemas educacionais inclusivos, na
perspectiva das normativas nacionais; e trajetórias biográfico-
escolares de jovens com deficiência visual (cegueira e baixa visão).
Parte-se do pressuposto que a compreensão das experiências e
trajetórias de vida e escolar dos jovens com deficiência e de suas
visões de mundo poderão subsidiar para identificar elementos de
aprimoramento da política pública e da organização de sistemas
educacionais inclusivos.

A organização de sistemas educacionais inclusivos na


perspectiva da legislação brasileira

A publicação da Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014,


que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE), representa a
consolidação de uma política educacional3 que foi amplamente
debatida pelos diversos atores sociais, demarcada por disputas e
polêmicas durante seu longo processo de tramitação no Congresso

3. No contexto desta análise, a política educacional é compreendida como uma


construção social dinâmica, conflituosa e complexa, permeada por contradições e
disputas em suas diversas etapas (SECCHI, 2013).

260
Nacional (2011-2014), dentre as quais pode ser destacada a meta
44 que trata da educação especial.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a polêmica em


torno da meta 4 do PNE deu-se pelo seguinte embate: de um
lado a defesa para que a inclusão escolar de estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação5 fosse realizada em escolas comuns
do ensino regular com complementação e/ou suplementação
do atendimento educacional especializado no contra turno;
de outro, a defesa de que a inclusão escolar dos estudantes da
educação especial poderia ser realizada em escolas comuns do
ensino regular, classes, escolas especiais e serviços especializados,
ou seja, espaços inclusivos e/ou exclusivos.

É importante ressaltar que este embate não trata somente


do local onde a educação será oferecida aos estudantes da
educação especial, mas tem relação intrínseca com a meta 20
que trata do financiamento da educação brasileira, a definição
do local de escolarização dos estudantes da educação especial
tem relação direta com a garantia de recursos públicos do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

Ao tratar das políticas da educação especial e de seu


financiamento, França (2015, p. 284) destaca que as ações
desenvolvidas pelo governo federal têm repercutido no aumento
de matrículas de estudantes da educação especial nos sistemas de
ensino, “[...] porém, não minimiza a ausência de condições mínimas
de qualidade da rede pública de ensino para o atendimento a
essa população que historicamente foi excluída do processo de

4. Meta 4 do Plano Nacional de Educação: universalizar, para a população de 4 (quatro)


a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a
garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais,
classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.
5. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB Nº 9.394/1996,
em seu Art. 58, alterado pela Lei Nº 12.796/2013: “Art. 58. Entende-se por educação
especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”.

261
escolarização”.

Para além da universalização da educação básica


para os estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, a meta 4
prevê a organização de sistemas educacionais inclusivos, coerente
com a perspectiva de organização sistêmica da educação prevista
no PNE, que orienta a organização do Sistema Nacional de
Educação (SNE) brasileiro, previsto na Constituição Federal do
Brasil de 1988 (Art. 214), e que deve ser instituído no prazo de dois
anos, contados a partir da publicação da Lei 13.005/2014 (Artigo
13).

A organização do SNE pressupõe a colaboração entre os


entes federados e seus sistemas de ensino, com vistas a superar
a histórica fragmentação de acesso e permanência da população
brasileira nos diferentes níveis, etapas e modalidades da
educação, bem como na eliminação da desigualdade estrutural
que tem como consequencia a violação do direito à educação.
Esta perspectiva repercute em estratégias para universalização
do direito à educação para todos/as, pautados nos princípios
de reconhecimento das diferenças e respeito à diversidade, e na
organização de sistemas educacionais inclusivos.

Considerando as orientações do PNE e as normativas
recentes que tratam da educação especial6 e dos direitos das
pesssoas com deficiência, no que se refere à organização dos
sistemas de ensino, em linhas gerais, as seguintes orientações
são formuladas: i) a educação especial é compreendida como
uma modalidade de ensino transversal aos níveis, etapas e
demais modalidades da educação; ii) a educação especial
tem como função ofertar recursos e serviços de acessibilidade
complementar ou suplementar ao processo de escolarização
e; iii) a educação especial organiza e oferta o atendimento

6. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008);


Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; Resolução CNE/CB nº4, de 2 de outubro
de 2009, que institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional
Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial; Decreto nº 7.611,
de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a educação especial e o atendimento
educacional especializado.

262
educacional especializado; iv) são estudantes público alvo da
educação especial os alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (ZARDO,
2012).

Diante das atuais normativas que orientam a organização


de sistemas educacionais inclusivos e da meta de universalizar
a educação básica e o atendimento educacional especializado
para estudantes da educação especial de 4 a 17 anos, questiona-
se: qual a perspectiva dos jovens com deficiência visual sobre
a política de inclusão escolar? Como foram suas trajetórias
biográficas e escolares? Quais são/foram os desafios enfrentados
para ter acesso à escola e efetivar o direito à educação?

Trajetórias biográfico-escolares de jovens com deficiência visual

Na perspectiva deste estudo, buscou-se compreender


a trajetória dos estudantes como a organização sequencial de
processos, decorrentes de uma trama de complexidades que
articulam fenômenos sociais e subjetivos, e que permitem
apreender as ações práticas dos sujeitos, seus sentidos e os cursos
de vida (Riemann e Schütze, 1991; Weller, 2009).

Juventude e deficiência são conceitos centrais no processo


de interpretação do objeto de estudo: a primeira, considerada
parte de um processo totalizante, que ganha contornos específicos
no conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos em seu
contexto social (Dayrell 2007, 2009; Margulis 2001; Weller, 2010);
e a segunda, compreendida como uma condição humana que
exige mobilização e luta constantes pela dignidade dos sujeitos
que demandam contextos acessíveis (Diniz, 2007; Zardo, 2017).

A tarefa de discutir a juventude com deficiência, tendo


como foco de análise a inclusão escolar no ensino médio, remete
à necessidade de esclarecimento de dois aspectos fundamentais.
Um, que se refere à compreensão da juventude como período da
trajetória de vida do sujeito, uma condição humana engendrada
de um complexo de significados e sentidos que possuem uma
dimensão existencial para além da própria condição de pessoa
com deficiência. Outro aspecto refere-se aos desafios a serem
enfrentados na organização escolar para a efetivação do direito à

263
escolarização destes jovens no ensino médio, tendo em vista suas
especificidades.

Essa tarefa exige uma perspectiva diferenciada de análise


sobre a juventude e a deficiência a partir de uma crítica à
concepção positivista, que tem associado a juventude a uma
etapa cronológica da vida, sem considerar sua posição e seu
papel na sociedade e a deficiência como um fator de limitação
da participação de jovens em contextos escolares e sociais. A
concepção positivista de juventude e de deficiência tem gerado
a disseminação de processos excludentes pela marcação da
diferença e pelo preconceito, seja justificado pela inexperiência
e pela incompletude que caracterizaram a juventude, seja pela
incapacidade que delimitou os espaços de atuação de jovens
com limitações físicas, intelectuais ou sensoriais. Portanto, parte-
se do pressuposto de que a organização do ensino médio, na
perspectiva da educação inclusiva, requer que o jovem possa
vivenciar e reconhecer-se em uma condição de jovem e não
somente de pessoa com deficiência.

A trajetória biográfico-escolar de três jovens com deficiência


visual será analisada: Alex, Ana e Maria7.

Alex (Am)8, sexo masculino, 16 anos, cursou o ensino


fundamental em uma escola privada, em sua cidade de origem,
próximo à Brasília/DF. Atualmente o jovem está cursando o
ensino médio em uma escola pública do Distrito Federal e
realiza seu deslocamento diariamente de ônibus, viajando
aproximadamente duas horas para ir e para voltar da escola. Sua
mãe o acompanha nesse trajeto. O jovem frequenta atendimento
educacional especializado9 complementar a sua escolarização

7. Nomes fictícios atribuídos para os participantes da pesquisa.


8. Código utilizado para identificar o jovem Alex, sendo a letra maiúscula “A” representado
a letra inicial do nome e “m” para referenciar o sexo declarado.
9. O atendimento educacional especializado, nos termos da legislação brasileira
(Resolução CNE/CEB Nº 4/2009) , tem como função complementar ou suplementar
a escolarização dos estudantes com deficiência, por meio da disponibilização de
serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para
sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. As
atividades de atendimento educacional especial diferenciam-se substancialmente
daquelas oferecidas nos centros de ensino especializado, já que possuem função
pedagógica.

264
na própria escola e no centro de ensino especial em que a mãe
trabalha; também participa do grêmio estudantil10 de sua escola.
Alex recebe Benefício de Prestação Continuada11 e já realizou
trabalho voluntário com sonorização de carros. Os motivos que
levaram o jovem a trabalhar foram adquirir experiência e ganhar
o seu próprio dinheiro.

Ao ser questionado sobre sua trajetória de vida12, Alex


solicita esclarecimento sobre a indagação: “tipo (cotidiano) no
caso”. A entrevistadora explica: “tudo o que você for lembrando
(1) se você quiser falar desde:(1) tudo o que você lembrar mesmo
quando você era cria:nça (.)”. Alex exclama: “ah tipo minha história
então”. Observa-se a necessidade de o jovem compreender
claramente a intenção da pesquisadora antes de começar a expor
a narrativa sobre si, ou ainda, de sua história. Antes de começar a
responder, o estudante adverte: “assim eh: deixa eu ver (não sou
muito bom com palavras não) mas”. Seu comentário pode inferir
que falar sobre si, sobre sua história de vida e suas experiências
escolares e juvenis não são práticas comuns.

Alex inicia sua narrativa explicitando sua trajetória em uma


escola particular do município de Formosa/GO, sua cidade de
origem, situada próxima ao Distrito Federal, no estado de Goiás.
A mudança de rotina, justificada pela necessidade de busca de
novos conhecimentos e independência, e o desafio de utilizar
recursos e serviços de acessibilidade desconhecidos por ele, são
apontados como pontos centrais de sua exposição:

Am: e: assim não fui muito assim bem preparado (2) então
os recursos que tem aqui em Brasília aí quando eu terminei
o nono ano eu resolvi mudar a minha (.) a minha rotina de
vida né queria aprender mais e queria (1) ser um homem

10. Forma de gestão colegiada, prevista na legislação específica do Distrito Federal que
trata da gestão democrática e que prevê a atuação de estudantes nos processos
organizacionais das escolas públicas no que se referem às decisões pedagógicas,
administrativas e financeiras (cf. Lei Nº 4.751/2012).
11. Trata-se de uma ação do governo federal do Brasil que garante um salário mínimo
mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais, que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Informações disponíveis em: https://www.inss.gov.br/beneficios/beneficio-assistencial-
ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc/..
12. Pergunta geradora da narrativa: Fale um pouco sobre sua trajetória de vida.

265
independente aí eu pegue:i uma professora na minha do
lado do outro colégio lá do CEEDV me deu uma ideia me
convidou pra ver se eu queria uma vaga aqui no setor leste
(2) que ainda tinha tempo de eu reaprender tudo (2) aí
eu peguei falei ah não tenho nada a perder mesmo aí eu
peguei comecei, aqui no ano passado cheguei aqui não
tinha experiência de nada praticamente (2) não sabia usar
esses computadores daqui não sabia usar a máquina de
braile não sabia usar OM nada (2) ma:s na parte de conteúdo
eu sempre fui muito bom,(1) eu fazia tudo oral

O jovem afirma não ter sido “preparado” na escola particular


em que estudara, levando a entender que tal instituição não
promovia acessibilidade nos conteúdos e materiais pedagógicos.
Informa, ainda, a decisão de estudar em Brasília/DF após a
conclusão do ensino fundamental, motivado pelo convite de uma
professora do Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais do
Distrito Federal (CEEDV/DF) que auxiliou Alex a conseguir uma
vaga na escola de ensino médio do DF, referência na inclusão
de jovens com deficiência visual. O jovem define esse evento
específico de sua trajetória como uma mudança de “rotina de
vida”, com a seguinte justificativa “queria aprender mais e queria
(1) ser um homem independente”.

Esta professora, a que se refere o jovem, incentivou a


mudança de escola com o argumento de que Alex ainda tinha
tempo de “reaprender” tudo, ou seja, a nova escola representava a
possibilidade do estudante apreender novos conhecimentos e de
conhecer recursos e serviços de acessibilidade que favoreceriam
sua formação e sua autonomia. O desafio enfrentado foi narrado
da seguinte forma: “aí eu peguei comecei, aqui no ano passado
cheguei aqui não tinha experiência de nada praticamente (2) não
sabia usar esses computadores daqui não sabia usar a máquina de
braille não sabia usar OM13 nada (2) ma:s na parte de conteúdo eu

13. Sigla para o termo “Orientação e Mobilidade”, conceituado da seguinte forma no


Caderno de Instruções do Censo Escolar da Educação Básica (INEP, 2018, p. 97):
“Consiste no ensino de técnicas e desenvolvimento de atividades para a orientação
e mobilidade do aluno com deficiência visual, proporcionando-lhe o conhecimento
dos diferentes espaços e ambientes, viabilizando a sua locomoção, com segurança
e autonomia. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484154/
Censo+Escolar+da+educa%C3%A7%C3%A3o+B%C3%A1sica+2018+Caderno+de+Instr
u%C3%A7%C3%B5es/be4e0801-5181-4364-934d-bcaff5ce85ea?version=1.0

266
sempre fui muito bom, (1) eu fazia tudo oral”.

Observa-se que o jovem enfatiza sua falta de experiência com


recursos de acessibilidade, a exemplo de computadores, máquina
braille e de outros serviços de acessibilidade, a exemplo da
orientação e mobilidade; no entanto, adverte que em relação
ao domínio de conteúdos não tinha dificuldades pois sempre
realizava as atividades pedagógicas de forma oral. Essa foi a via
de acesso ao conhecimento que possibilitou que Alex progredisse
no seu processo de escolarização anterior.
Sobre o início do ensino médio na escola pública do DF, o
jovem comenta: “no início do ano foi bem complicado porque eles
não -tavam se adaptando ao meu problema e muito menos eu à
escola”. Alex complementa “aí conforme o tempo tô aprendendo
né braile OM apesar do meu tempo ser bem corrido”. A dificuldade
relatada pelo jovem refere-se ao desconhecimento da escola em
relação às suas especificidades e ao fato de ele não conhecer ou
utilizar os recursos de acessibilidade disponíveis. O estudante
informa que, aos poucos, está conseguindo se apropriar dos
recursos de acessibilidade e de suas funcionalidades, ao ponto
de atualmente ter desejo de permanecer na escola: “no começo
eu não ia, muito com a ideia não mas depois? de dois? meses de
aula aqui eu não quero sair mais”. A ênfase na expressão “começa”
revela a necessidade do informante evidenciar as dificuldades
enfrentadas no início do seu processo de escolarização no ensino
médio, na escola situada na capital brasileira. Dois meses foi o
tempo de adaptação do jovem, marcado pelo enfrentamento
dos novos desafios na escola relacionados ao deslocamento de
sua cidade de origem, aos recursos de acessibilidade e às relações
sociais.
Um dos motivos que podem justificar o desejo de
permanência de Alex na escola atual é a experiência da interação
social, vivenciada no ensino médio:

Am: e assim (1) eh: no momento -tá sendo uma mudança,


muito grande pra mim que agora eu tô no outro ambiente
que eu fiz muita amizade //aham// no colégio em que eu
estudava eu não tinha (1) os meninos não era muito meus
amigos (1) tô: tendo muita experiência de vida também de
namorada essas coisas //aham//(1) e: (1) e assim interagindo,
mais, com o pessoal (2) que eu; no outro colégio eu não

267
fazia isso (2) não era visto como u:m aluno=normal pela
turma (.) era excluído

As mudanças no cotidiano do jovem não se deram apenas


no âmbito do espaço escolar e da etapa de escolarização (da escola
privada para a escola pública do DF, e do ensino fundamental para
o ensino médio), mas sobretudo pela experiência da interação
social, vivenciada no ensino médio, a partir do estabelecimento
de laços de amizade e de namoro. “Agora eu tô no outro ambiente
que eu fiz muita amizade” – nessa afirmação o jovem demonstra
satisfação ao afirmar que na escola atual sente-se acolhido e tem
amigos, experiência relacional que não havia vivenciado na escola
anterior, durante o período em que cursou o ensino fundamental.
“Tô: tendo muita experiência de vida também de namorada essas
coisas”.

Outro aspecto relacionado à interação social na escola é a


experiência de namorar, destacada por ele como “experiência de
vida”. Ou seja, o jovem está tendo a oportunidade de estabelecer
laços afetivos com outros jovens, bem como de expressar sua
sexualidade. “No outro colégio eu não fazia isso (2) não era visto
como u:m aluno=normal pela turma (.) era excluído”. Alex refere-
se à escolarização do ensino fundamental como uma experiência
de exclusão, uma fase de sua trajetória escolar caracterizada pelo
isolamento social em decorrência de sua deficiência, pelo fato
de “não ser normal”. Pode-se entender, pela narrativa do jovem,
que progressivamente ele está participando do contexto escolar
e tendo experiências que os demais jovens têm: estudar, fazer
amigos e namorar.

Pode-se observar que a trajetória biográfico-escolar de Alex


foi construída tendo como referência os eventos significativos
da experiência escolar. As mudanças, as conquistas, os desafios
e as descobertas referidas pelo jovem são todas vinculadas ao
processo de escolarização, que assume centralidade em sua
narrativa sobre sua situação biográfica atual.

Ana (Af )14, sexo feminino, 18 anos, cursou o ensino

14. Código utilizado para identificar a jovem Ana, sendo que a letra maiúscula “H”
representa a letra inicial do nome e “f” para referenciar o sexo feminino.

268
fundamental e o primeiro ano do ensino médio no estado da
Bahia. Atualmente a jovem está cursando o segundo ano do
ensino médio em uma escola pública do Distrito Federal, na qual
frequenta atendimento educacional especializado, especialmente
nos períodos de avaliação. A jovem mora com a mãe e a prima, em
uma casa cedida, e recebe pensão alimentícia15 do pai, que não
reside com a família. A jovem afirma que nunca trabalhou.

Ao ser questionada sobre sua trajetória de vida, Ana relatou


que perdeu a visão oito dias após seu nascimento e que na ocasião
sua mãe a trouxe para Brasília/DF para fazer um tratamento de
saúde. Em seguida, foram para São Paulo/SP em busca de outros
recursos médicos e lá trocaram a prótese que atualmente a
jovem usa no olho. Desde a infância a estudante morou na Bahia,
mas o trânsito entre Brasília e São Paulo deu-se pela busca de
tratamentos para a visão.

Já em Brasília/DF, Ana afirma que a escolha pela escola de


ensino médio que frequenta foi sua. Ao falar de sua trajetória e
como se vê como jovem, destaca:

Af: ah eu=eu sou normal eu=eu (.) eu (.) eu (.) sou muito
incluída só ter assim um tipo de movimento de festa a
minha mãe me leva? (.) lá na Bahia eu ia muito (.) ia e vou
muito em festa (2) eh: (1) minha mãe (1) quando as festas
são pa:gas minha mãe compra ingressos pra mim algumas
até (3) e aí eu vou com as minhas irmãs (.) eu (.) -cê quer que
eu conte assim histó:rias

Em sua narrativa, a jovem repete várias vezes a palavra “eu”


com intuito de auto afirmar-se, de auto definir-se como “normal”
– “eu sou muito incluída”, diz a estudante, para ratificar que ela
frequenta espaços geralmente frequentados por pessoas que não
possuem deficiência. Para a jovem definir-se como “normal” utiliza
como recurso de exemplificação o fato de participar em festas

15. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Código Civil brasileiro


(2002), tendo como princípio a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges,
preveem o pagamento de pensão alimentícia para a manutenção dos filhos. Trata-
se de uma quantia de recursos financeiros fixada pelo juiz que deve assegurar a
alimentação, a habitação, o vestuário e os tratamentos necessários.

269
com sua mãe e com suas irmãs, tanto na Bahia quanto em Brasília/
DF. Ana enfatiza sua participação nesses eventos, destacando
que, mesmo nas festas pagas, sua mãe providencia a compra de
ingressos para ela ir com suas irmãs. A participação em eventos
é considerado algo importante pela jovem em sua trajetória,
inclusive, se dispõe a relatar mais exemplos quando indaga: “você
quer que eu conte assim histó:rias”.

A trajetória de Ana é marcada, inicialmente, pela busca da


família de recursos médicos para uma possível ‘cura’ da deficiência
visual, recorrendo, inclusive, às grandes cidades consideradas
pela família como referência na área da Saúde – São Paulo/SP
e Brasília/DF. Posteriormente, sua trajetória se caracteriza por
assumir a condição de deficiência e pela socialização e relações
interpessoais fora do espaço escolar. Talvez porque a jovem tenha
ingressado recentemente na escola de ensino médio em Brasília/
DF e o tempo não fora suficiente para o estabelecimento de laços
de amizade no ambiente escolar, os amigos, as festas e a família
assumem relevância na narrativa da Ana ao falar de si; para
ela, esses elementos também reafirmam, de certa forma, uma
juventude ‘normal’.

A jovem Maria (Mf ) tem 20 anos, sexo feminino, mora com


a família e recebe Benefício de Prestação Continuada do governo
federal. Em sua residência moram seus pais e seus dois irmãos,
sendo que um irmão está casado e tem um filho. A jovem destaca:
“eu tenho um sobrinho de um ano e dois meses (2) @(.)@ adoro
cuidar dele”. Os risos em sua narrativa expressam o carinho pelo
sobrinho e a satisfação de tê-lo e poder cuidá-lo; finaliza sua
exposição com a frase conclusiva: “criança é: °é uma coisa muito
boa° né” e, em seguida, justifica: “não tem malda:de e tal né e: a
gente se ajuda (1) sempre né //uhum// eu ajudo a cuidar dele a
minha prima me ajuda nos=nos=nos deveres da esco:la”.

Sua escolarização no ensino fundamental foi realizada em


escolas públicas do DF, assim como seu ensino médio que está em
curso. Maria frequenta atendimento educacional especializado
na própria escola, no turno contrário às aulas. Desloca-se de casa
para a escola de metrô, algumas vezes acompanhada pela mãe,
outras pela cunhada. Afirma não ter experiência profissional.

270
Questionada sobre sua trajetória de vida, Maria interrompe
a entrevistadora e expõe sua experiência na área de música:

Mf: └eu faço:: violino na escola de música te:m quatro anos


(1) eu acho não sei direito eu terminei o básico agora eu fiz
(1) fiz a inscrição pra canto popular pra segunda opção (2)
e:u: penso em pegar o diplo:ma de música e fa:zer serviço
social teologia, porque, eu gosto muito de estudar a bíblia
també:m (2) e:: (1) é isso

A jovem afirma que estuda violino na Escola de Música de
Brasília há quatro anos. Não soube informar o nível de estudo do
instrumento, e afirma que também concorre a uma vaga para
fazer aulas de canto popular. Na sequência de sua exposição
sobre o que faz, apresenta seu projeto futuro que é fazer serviço
social ou teologia, justificando a escolha do último curso pela fato
de gostar de ler a bíblia.

Sobre a escolarização, Maria afirma que, na sua opinião,


deveria ter mais material informacional acessível na escola,
especialmente no formato braille. A jovem elogia o atendimento
especializado realizado na sala de recursos, qualificando a oferta
do serviço como “uma maravilha”, bem como a atuação do
professor que é didático em suas explicações.

Referindo-se à experiência de escolarização no ensino


fundamental, vivenciada em outra escola, a jovem afirma que não
se sentia incluída; segundo ela, os colegas não a convidavam para
fazer trabalho em grupo por entenderem que o fato de ela não
enxergar era impeditivo para realização da tarefa escolar.

Mf: ah, ela não enxerga ela não vai fazer nada nos trabalhos
(.) eu nunca nem liguei pra isso né (1) e não (.) agora esse
ano não (.) as pessoas me incluem mais, nos grupos ano?
passado também era assim sabe mas era porque eu andava
com uma menina né; e as pessoas percebiam ah porque
ela está ajudando então (1) num ela não precisa do nosso
auxílio né //aham// (1) mas esse ano não eu tenho mais
amiza:des eh=eh: as pessoas me incluem mais nos grupos
(.) eu consigo (.) eu me desenvolvi bem mais esse ano (3)
nesse sentido @(1)@

271
Apesar de referenciar a não aceitação pelos colegas na
escola de ensino fundamental, Maria afirma que não se importava
com essa atitude do grupo – “eu nunca nem liguei pra isso”. Para
a jovem, o fato de ela estar sempre junto com outra menina na
escola justificava o afastamento dos demais colegas - “porque ela
está ajudando”. Como Maria mudou de escola recentemente para
cursar o ensino médio, ainda não estabeleceu vínculos de amizade,
ou ainda, relações que justificassem a permanência de alguém
para ajudá-la todo momento na escola. Para ela, esse fato de não
ter alguém ao seu lado a todo momento favoreceu a inclusão dela
nos grupos de estudantes e seu desenvolvimento. A autonomia
no espaço escolar aparece na narrativa da estudante como algo
importante e como elemento promotor de seu desenvolvimento.

Amizade e dependência são termos presentes na fala da


jovem, ora como sinônimos, ora como contraste. A experiência
da convivência entre os colegas está sendo construída no ensino
médio e por meio de um processo de auto avaliação: Maria está
se descobrindo como ser autônoma na escola, está participando
mais dos grupos e está aprendendo a conviver com as limitações
impostas pela cegueira.

Considerações finais: desafios da implementação da política


de inclusão na perspectiva dos sujeitos de direito

A ampliação do debate acerca dos direitos humanos no


cenário mundial repercute na esfera da formulação das políticas
públicas que tratam dos direitos das pessoas com deficiência. Nos
últimos dez anos, o Brasil tem se destacado internacionalmente
pela transformação de suas políticas públicas no campo da
educação das pessoas com deficiência, buscando romper com
concepções assistencialistas ou clínicas e investindo em ações
de cunho educacional, tendo em vista a inclusão social destes
cidadãos.

A análise de dados permitiu verificar que: i) a deficiência


é uma condição humana que demanda mobilização e luta
constantes pela dignidade dos sujeitos de direito que necessitam
de contextos acessíveis; ii) uma das principais barreiras enfrentadas
pelos estudantes cegos é a barreira atitudinal, evidenciada
pelas narrativas que revelam a experiência do preconceito e da

272
discriminação; iii) a materialização do direito à acessibilidade é
um meio de garantir o acesso e a realização aos demais direitos,
tais como a educação, transporte, lazer, dentre tantos outros.

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274
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na pesquisa qualitativa: a análise das narrativas segundo Fritz
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WELLER, Wivian. (2010). A atualidade do conceito de gerações de


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p. 205 – 224. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v25n2/04.
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de alunos com deficiência no ensino médio e a organização
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de Brasília. Disponível em: http://repositorio.unb.br/
bitstream/10482/12582/1/2012_SinaraPollomZardo.pdf. Acesso
em: 15 ago. 2019.

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dos direitos humanos e da justiça social: contribuições para a
organização de sistemas educacionais inclusivos. In: 18º Congresso
Brasileiro de Sociologia, Porto Alegre: Acontece Eventos, v. 1. p.
1-16.

275
Lista de códigos utilizados na transcrição16

Y: abreviação para entrevistadora.


Prf: abreviação para gestora entrevistada (Pr, para identificar a
Unidade Federativa e ‘f’, para identificar o sexo feminino).
(4) tempo de pausa em segundos.
@2@ tempo de riso e segundos.
@frase@ frase proferida sorrindo.
Nome palavra falada enfaticamente.
(.) tempo de pausa menor que um segundo.
(( )) ação ocorrida na sala no momento da entrevista.
::: tempo de pronúncia de uma letra ou sílaba da palavra em
segundos.
não palavra ou frase pronunciada em voz alta.

16. Os códigos utilizados na transcrição seguem a proposta de Weller (2011).


Esclarecimentos complementares em Weller, Wivian. Minha voz é tudo o que eu
tenho: manifestações juvenis em Berlim e São Paulo. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2011. p. 251-252.

276
Intersexualidad, Derechos Humanos y Sexuales

Elvira Mejía Herrejón1

Resumen

Dado el contexto actual de represión y retroceso sobre la
libertad individual, enfoco las narrativas de adultos intersexuales,
cuyos cuerpos fueron sometidos a alteraciones irreversibles
durante la infancia o adolescencia. Hago uso de la Lingüística
Queer Aplicada (LQA) para mostrar la relación entre producción
de conocimiento y discurso heterosexual, que silencia e invisibiliza
las disidencias sexuales, violando su privacidad, autonomía,
seguridad e integridad corporal de forma cruel, inhumana o
degradante, en contramano de los Derechos Humanos (DH) y de
la Iniciativa de Derechos Sexuales (SRI).

Palabras-clave: Disidencias sexuales; Intersexualidad; DH y SRI.

Introducción

Considerando que en las últimas décadas el tema de la


intersexualidad ha sido manejado de manera casi exclusiva por
la biomedicina, la cual ignora aspectos importantes y urgentes
sobre la promoción y protección de los derechos de personas con
sexualidades disidentes, se hace urgente cuestionar las cirugías
infantiles a partir de la Lingüística Queer Aplicada – LQA como
denuncia a la violación de derechos humanos y sexuales.

La mutilación genital por ser practicada en los primeros


años de vida, sin el consentimiento de los niños directamente
perjudicados, configura una violación a las libertades individuales
y a los derechos sexuales. Esa práctica, repudiada por el activismo
intersex, tiene el propósito, segundo la comunidad médica, de
normalizar anomalías que comprometen el desarrollo sexual de

1. ravelimex@hotmail.com
Universidad Federal de Bahía-UFBA

277
personas intersexuales. ¿Será?

La LQA, por naturaleza indisciplinar, es inclusiva y permite


abordar de forma conjunta problemas relativos al lenguaje y la
sexualidad que, en mi tesis de doctorado enfoca las narrativas de
adultos, cuyos genitales sufrieron mutilaciones en la infancia, sin
su consentimiento, imponiéndoles sigilo sobre el procedimiento
quirúrgico y condenándolos a la invisibilidad.

En este trabajo empleo los presupuestos teórico


metodológicos de la LAQ para analizar las repercusiones de la
concepción binaria, constituida como parámetro exclusivo de
normalidad sexual tanto en la construcción formal como informal
de discursos, conceptos y preconceptos (conocimiento) sobre
disidencias sexuales, entre las cuales la intersexualidad.

Disidencias sexuales y producción de conocimiento

Por más asustador que pueda parecer el desafío de


cuestionar la producción de teorías en las diversas áreas
de conocimiento, en este trabajo será necesario hacer ese
cuestionamiento, porque el proceso productivo de conocimiento
está íntimamente relacionado con la visión y tratamiento que
reciben las inúmeras disidencias sexuales.

En ese sentido, para estudiar las sexualidades disidentes,


resulta valiosa la trayectoria de la Lingüística Queer que “viene
configurándose como un área de investigación que estudia el
espacio semántico-pragmático entre los discursos dominantes
(ex. heteronormatividad) y la performance lingüística situada”
(BORBA, 2015, p. 94).

Por la forma como son abordadas las disidencias sexuales,


me parece fundamental tratar de las disidencias de producción
teórica porque me parece correcto decir que la producción
de ideas, creencias, y teorías sobre sexualidad no le ha dado
importancia al aspecto de las variaciones.

La forma tradicional de abordar la sexualidad retrata la


producción de conocimiento sobre la misma, revela intereses y
desintereses, inconsistencias y lagunas sobre el ser humano y sus

278
necesidades más recónditas y secretas en relación a sí mismo, a su
cuerpo, memoria, fantasía, etc.

Salvo raras excepciones, el bagaje teórico sexual importado


desprecia la subjetividad y la importancia de las emociones;
ignora que las vivencias, dolorosas o no, activismos y producción
artística, de forma interrelacionada, producen conocimiento,
generan conceptos, abalan certezas y crean y recrean nuevas
teorías (COLLING, 2016).

Asumir una postura descolonial sobre las epistemologías


de producción e imposición eurocéntrica, posibilita reconocer
que la sexualidad está directamente relacionada al cuerpo, mente,
política, salud y sociedad. Implica en reconocer que los derechos
sexuales impactan la dimensión ideológica, política, personal y
subjetiva de la persona.

Siendo así, debemos afirmar que las disidencias sexuales


como los derechos sexuales “incorporan elementos expresivos,
asociativos y participativos, y están profundamente conectados
con la integridad corporal y la auto soberanía” (IPPF, 2008, p. 13),
lo que nos lleva a preguntar: ¿cuáles teorías se construyeron sobre
el cuerpo y cuáles son las consecuencias?

Derechos sexuales/humanos y cuerpos disidentes

La ignorancia sobre la variabilidad humana no es el


principal problema en relación a los intersexuales y si la visión
patriarcal androcéntrica indiferente a la Iniciativa de los Derechos
Sexuales – SRI que integra la Comisión de los Derechos Humanos
– DH, que trabaja con activistas, académicos y organizaciones
no gubernamentales de más de 70 países para denunciar las
violaciones a esos derechos.

Puede decirse que La SRI es “una coalición de organizaciones


que promueve el avance de los derechos humanos en relación con
el género y la sexualidad” (SRI, 2012, p.4) y que tiene el objetivo de
dar visibilidad, fortalecer y proteger las sexualidades disidentes.

Como ya fue dicho, los miembros de la SRI trabajan en varios


países del mundo y tienen, entre otras funciones, la de producir

279
material de apoyo, ellos afirman que entre los derechos sexuales
se encuentran los siguientes:

los derechos de cada persona a la salud y bienestar sexual y


reproductiva, a la integridad corporal, así como el derecho a
tener control y tomar decisiones de manera libre e informada
en todos los aspectos relacionados con su propia sexualidad,
reproducción y género, sin estar sujeta a coerción, violencia y
discriminación (SRI, 2012, p.5).

Los derechos sexuales caen dentro del contexto de los


derechos humanos, que son tanto universales como indivisibles
y que están en concordancia con los principios de la no
discriminación. En consonancia con la SRI, los derechos humanos
– DH hacen referencia a las prerrogativas que cada persona
tiene de vivir con dignidad y libertad su individualidad, sin sufrir
violencia, coerción o intimidación por su orientación sexual;
teniendo acceso a la información, educación y servicios de salud
sexual y reproductiva.

Estas condiciones son conocidas como derechos humanos


relacionados con la sexualidad; o, simplemente, derechos
sexuales; y el gobierno de cada país del mundo debe respetar,
proteger y hacer cumplir estos derechos humanos básicos
(SRI, 2012, p. 17).

Partiendo del hecho de no existir una representación


de sexualidad única y correcta y si uma enorme diversidad de
representaciones subjetivas y parciales, como “incidentes sin una
naturaleza externa, una y total, indiferente a la representación”
(VIVEIROS, 2006, p. 128); se hace necesario pensar las diversidades
sexuales por medio de rupturas con la lógica epistémica
eurocéntrica que, hegemónicamente, presupone la academia o la
escuela como única productora de conocimiento.

Hay una especie de entrenamiento colectivo para la


indiferencia en relación a los cuerpos sufridos, a los cuerpos
insumisos que se insurgen delante de las violencias a las que son
sometidos por una sociedad en que prevalecen las relaciones de
poder y muy poco espacio para los derechos humanos, basta ver
que la grande mayoría de la población mundial no es sujeto sino

280
objeto de discursos de derechos humanos (SANTOS, 2014).

Para romper con la lógica epistémica dominante es


necesario retomar los afectos y el lenguaje de los cuerpos en las
relaciones sociales/humanas, aspectos históricamente apagados
a pesar de su valiosa importancia. Es la opción descolonial que
“significa, entre otras cosas, aprender a desaprender” (MIGNOLO,
2008, pp. 290-291).

Un padre de familia, por ejemplo, que, al descubrir la


sexualidad disidente infiltrada dentro de casa, expulsa al hijo o
hija de la convivencia familiar, interrumpe el proceso de afecto
y aceptación, construido a lo largo de años de relaciones en
que el cuerpo y las emociones hacían parte importante de la
comunicación. ¿Desaprender la lógica de las relaciones de afecto
para adoptar la (i)lógica jerarquía del poder y de la razón?

Como afirma Grosfoguel (2013) las jerarquías de poder


globales son raciales y también de género, sexuales, epistémicas,
pedagógicas, artísticas, estéticas, lingüísticas, espaciales y
ecológicas. Es imposible embarcar en un proceso de investigación
sobre diversidad sexual sin involucrarse en la insurgencia que se
proponen las epistemologías del sur.

Las epistemologías del sur, más que una propuesta son una
exigencia a impregnar las relaciones del día a día, los acuerdos
internacionales, los estatutos, los trabajos académicos, mudando
el tono, la energía y quien sabe los efectos en las personas y
colectivos a los que se direccionan.

Nadie, en sano juicio cuestiona la importancia de los


derechos humanos, pero su eficacia se refleja al preguntar: “¿Por
qué hay tanto sufrimiento humano injusto que no es considerado
uma violación a los derechos humanos? (SANTOS, 2014, p. 31).

Otras preguntas pertinentes serian: ¿Qué lenguajes faltan


en los textos y discursos sobre la belleza de la diversidad sexual?
¿Existen o ya hubo formas más inclusivas de ver la sexualidad
disidente? Y si existen, ¿son o no compatibles con el lenguaje de
los derechos humanos?

281
Eso apenas para referirnos al lenguaje, pero también
se aplica al contenido, a la forma y al método de abordaje de
la sexualidad en sus más variadas formas, pues como afirma
Boaventura de Souza Santos:

La búsqueda de una concepción contrahegemónica de los


derechos humanos debe comenzar por una hermenéutica
de sospecha en relación a los derechos humanos tal como
son convencionalmente entendidos y defendidos, esto es, en
relación a las concepciones de los derechos humanos más
directamente vinculadas a su matriz liberal y occidental
(SANTOS, 2014, p. 31).

Es necesario reconocer que faltan instrumentos teóricos


y analíticos al pensamiento convencional de los derechos
humanos que les permitan posicionarse con alguna credibilidad
en relación a ciertas luchas sociales, a ciertos movimientos. Es
importante no ofenderse al oír decir que hay una tendencia de
aplicar genéricamente la misma receta abstracta de los derechos
humanos (Santos, 2014) a todas las situaciones como si el contexto
y las necesidades específicas carecieran de importancia. El hecho
es que:

los derechos sexuales tienen una profunda resonancia


dentro de las normas y estándares de derechos humanos
existentes, lo que incluye el derecho a la privacidad, libertad
de pensamiento y expresión, a vivir sin violencia, el derecho a
la educación e información, el derecho a la igualdad, a vivir
libre de toda forma de discriminación y el derecho al más alto
estándar de salud (SRI, 2012, p.17).

Por otro lado, los derechos humanos, provenientes del


iluminismo, han sido usados como discurso y arma política, en
distintos contextos y con objetivos contradictorios. Continúan
siendo invocados para legitimar prácticas que violan derechos,
mas todo indica que “el respeto a los derechos humanos es mucho
más problemático en el Sur global que en el Norte global” (SANTOS,
2014, p. 37), debido al dominio moralista y desidentificação de
clase.

Ampliando lo antes expuesto, creo que la falta de aceptación

282
de la diversidad sexual resulta, entre otros aspectos, del moralismo
burgués y de la “ausencia de procesos de aprendizaje colectivo
y de sus institucionalización social y política que explica nuestra
abismal desigualdad e indiferencia al sufrimiento” (SOUZA, 2017,
p. 152) en contraste con las comunidades tradicionales con las
que precisamos aprender a sentir con el otro.

Siendo realistas y sinceros, los derechos individuales no


ofrecen ninguna protección, no podían ser contemplados por la
declaración universal de 1948, porque ésta retrata “un momento
alto del individualismo burgués y un tiempo en que el sexismo
hacía parte del sentido común” (SANTOS, 2014, p. 41). El desafío
consiste en desaprender lo que fue absorbido y mudar la realidad,
a comenzar por actualizar el lenguaje y la aplicación de derechos.

Lingüística Queer Aplicada e disidencias sexuales

Desde los primeros teóricos en LA se atribuye la máxima


importancia a la práctica lingüística y social en el trabajo de
pesquisa que envuelve el lenguaje de forma prioritaria o central;
Cavalcanti, por ejemplo, alerta al lingüista em LA, con la siguiente
descripción del proceso:

El recorrido de la pesquisa en LA tiene su inicio em la detección


de una cuestión específica de uso de lenguaje, pasa para la
búsqueda de subsidios teóricos en áreas de investigación
relevantes a las cuestiones en estudio, continua con el análisis
de la cuestión en la práctica, y completa el ciclo con sugestiones
de encaminamiento (CAVALCANTI, 1986, p, 6).

El lingüista aplicado se caracteriza por su rechazo a una


lingüística concebida dentro de una torre de marfil, se niega a
acomodarse a las normas y métodos previamente establecidos,
ese rechazo es proporcional al miedo de alejarse del mundo real
para conformarse con abordajes “sin relevancia o utilidad para la
vida de las pessoas comunes” (RAJAGOPALAN, 2006, p. 158).

El contacto con la Lingüística Aplicada (LA) permite


reconocer, entre otras cosas, la capacidad de crear inteligibilidad
sobre los problemas sociales em los que el lenguaje tiene un papel
central (MOITA LOPES, 2009), destacándose por ser descriptiva

283
y explicativa del objeto que construye, pudiendo, por lo tanto,
variar en las diferentes teorías, más teniendo que ser siempre
descriptiva y explicativa (BARROS, 2003).

Dicho en otras palabras, conviene resaltar el importante


cuidado con los rótulos que, lejos de ayudar, solo sirven para
limitar la reflexión sobre el lenguaje relativo a la sexualidad, siendo
importante evitar atarse a conceptos rígidos que impiden pensar
libremente el lenguaje en su momento histórico, en la situación
concreta que se genera y se estudia.

Si lo que limita la autonomía en el estudio sobre lenguaje


y sexualidad son los dogmas de la ciencia, camuflados en forma
de postulados o axiomas, y condicionamientos socioculturales,
es preferible abdicar de ellos para ejercer y reforzar la capacidad
de pensar de forma autónoma como siendo un acto político de
subversión, sabiendo que “el lenguaje interfiere en nuestra vida
diaria” (RAJAGOPALAN, 2003, p.179).

Una importante afirmación sobre LA consiste en decir que


ésta se involucra en situaciones de desigualdad social, identifica
las varias formas de discriminación y sufrimiento humano en las
que el lenguaje tiene lugar relevante en la construcción de las
relaciones de poder que, obviamente se busca modificar para
mejorar las condiciones de vida individuales y colectivas.

De la misma forma, la lingüística queer - LQ se implica en


situaciones de discriminación o cualquier otra forma de sufrimiento
humano, generado por discursos advenidos del preconcepto
sobre diversidad sexual y de género; de praxis producidos
por la legitimación y normalización de la heterosexualidad
institucionalizada. ¿Por qué no hacer una conjunción de las dos?

No olvidando que fue de las situaciones reales de tensión


que la vertiente de las teorías queer surgió en “Estados Unidos,
en la década de 1990 con el activismo político/militante de los
grupos Queer Nation y Act Up, en conjunto con los trabajos de
Lauretis (que acuñó el término teoría queer), Butler, Kosofsky
Sedgwick y Seidman” (LEWIS, 2018, p. 276).

Cabe decir que todo lingüista aplicado precisa estar y

284
sentirse autorizado para depurar de un fenómeno observado
el tipo de objeto que quiera estudiar. Esa autorización resulta
de la familiaridad con el lenguaje como “potente símbolo de
connotaciones sociales, políticas, ideológicas y muchas veces
étnicas” (RAJAGOPALAN, 2004, p. 33).

Lingüística Queer Aplicada e intersexualidad

La Lingüística Queer (LQ) que en los estudios más recientes


hace conjunción con la Lingüística Aplicada LA “es un área
reciente en los estudios de lenguaje, centra sus atenciones en
la investigación de las relaciones entre lenguaje y sexualidad”
(BORBA, 2015, p. 90) y lo hace a partir del marco teórico-
metodológico queer de Butler, 2003; Jagose, 1996 y Preciado,
2000, entre otros representantes de esa importante vertiente de
investigación.

Entre los estudiosos de la teoría queer, a nivel nacional


se destacan: Miskolci, 2009; Bento, 2006; Pelúcio, 2009; Leite Jr.,
2011; Teixeira, 2013 y Colling, 2015. Entre los extranjeros hay
algunos autores que se autodenominan lingüistas queer, como
Motschenbacher, 2011; Hall, 2013; y Milani, 2013, con obras
relevantes e inspiradoras.

Se destacan las disertaciones de: Lewis, 2012; Lopes, 2013;


Pérez, 2017; González, 2017; Barboza, 2018; las tesis de: Santos
Filho, 2012; Rocha, 2013; Borba, 2014a; Lewis, 2016; artículos y
capítulos de libro de: Borba e Ostermann, 2007; 2008; Borba, 2009;
2011; 2014b; 2017; Santos Filho, 2015; 2017b y Lewis, 2010; 2013;
2016b; 2017; 2018 (BORBA, 2015).

Trabajos de Moita Lopes, 2006; Fabrício y Moita Lopes, 2008;


Moita Lopes y Fabrício, 2013; Santos Filho, 2017a; Silva et al, 2017,
ya discuten las relaciones entre lenguaje, género y sexualidad
a partir de un abordaje queer sin vincularse explícitamente a la
Lingüística Queer (BORBA, 2015).

Podemos decir que es a partir de Rodrigo Borba (con su


artículo de 2006, revisado en 2015), que la Lingüística Queer fue
introducida en Brasil, para ocuparse de cuestiones relativas al
lenguaje y a la sexualidad, envolviéndose políticamente en los

285
contenidos y publicaciones académicas, en las redes sociales y en
la vida cotidiana, siempre que:

defendiendo una visión indisciplinar tanto en el sentido


más obvio por ser antidisciplinar cuanto en el sentido más
complejo de desear atravesar/violar fronteras o de intentar
“pensar en los límites” o “mucho más allá de los límites” que
se presentan en las tradiciones epistemológicas de esta área
(MOITA LOPES, 2009, p. 34).

En ese sentido, el lingüista queer aplicado tiene conciencia


de la dimensión política de su trabajo, pues ahí donde el sujeto
social tradicionalmente definido como homogéneo fue redescrito
en términos de su naturaleza fragmentada, procesal, discursiva
performativa (MOITA LOPES, 2008), no hay como endulzar la
realidad ni transformarla sin militancia, sin:

investigar como indivíduos considerados não-normativos


negociam suas identidades dentro dos constrangimentos
discursivos da heteronormatividade ao repeti-la ou subvertê-
la através de suas performances linguísticas (BORBA, 2015,
pp. 99-100).

La familiaridad con los principios en LAQ permite entender


que el ser humano como sujeto social es único y que “no tiene
sentido realizar pesquisa con base en teorías que lo privan de su
cuerpo, apagando su historia, clase social, género, deseo, raza,
etnia etc. manteniéndolo en espacios cerrados y previamente
determinados” (MOITA LOPES, 2009, p. 37).

Cabe a la pesquisa traer de vuelta el cuerpo, historia, lenguaje,


deseo, memoria y todos los elementos que fueron retirados del
sujeto fragmentado, apagado y socialmente invisibilizado, pues
los díceres sobre los cuerpos se procesan “de forma tan sutil que ni
siquiera percibimos cómo somos capturadas/os y producidas/os
por lo que se dice” (GOELLNER, 2013, p. 31). Los discursos actúan
sobre los cuerpos porque los montan y los moldan al antojo de los
intereses del sistema, por eso decimos que:

la comprensión sobre los cuerpos y sus visibilidades son


demarcadas por sus inscripciones posibles en un mundo

286
vigente (…) el cuerpo expresa marcas, vestigios y silencios.
Su nominación o embargo, es, por lo tanto, motivada por lo
que en se le coloca como discurso aceptable o repulsivo, de lo
decible a lo innominable (CAPIBARIBE, 2016, pp. 155-156).

Cuando Moita Lopes (2014) insiste en abrir la pesquisa


para voces alternativas que revigoren la vida social, construida
por narrativas apagadas por la modernidad, entre las cuales
los pobres, mujeres, indígenas, negros, homosexuales, etc., me
motiva y autoriza a traer la voz de adultos intersexuales, cuyos
genitales fueron alterados como adecuación al binarismo que fue
verticalmente establecido como proceso colonizador.

Una vez que la Lingüística Aplicada Queer se involucra


en el complexo y poco explorado universo de las disidencias
sexuales es inevitable que puedan despertar preocupaciones y
la necesidad de buscar posibles soluciones para los problemas
reales de las personas con quienes el lingüista aplicado trabaja y
se transforma.

La tesis de doctorado de la cual hago este recorte, es un


trenzado de memorias insumisas en una narrativa que envuelve
políticas culturales constructoras de procesos de emancipación;
reconoce la importancia del deseo y la memoria y conmemora el
hecho de los cuerpos estar en el centro de la lucha, de la misma
manera que la lucha está en el centro de los cuerpos.

El proceso colonizador alienó al ser humano de sí mismo,


lo hizo creer que cuerpo y el alma son asimétricos, que razón
y emoción recorren caminos opuestos; esas enseñanzas,
productoras de seres fragmentados, con el tiempo perdieron
fuerza y levantan sospechas sobre su veracidad.

El término intersex se relaciona con una serie de rasgos físicos


congénitos de variaciones genitales o gonadales, que, del punto
de vista heterosexual, no están en conformidad con los ideales
estereotipados del binarismo hombre-mujer, el cual diagnostica
o evidencia esas diferencias antes, durante el nacimiento o en la
pubertad (ALCÁNTARA, 2018).

En el discurso médico, la intersexualidad hace énfasis a

287
condiciones corporales congénitas variables que por sí solas
no implican enfermedad alguna, pero son vistas con sospecha
de anormalidad debido a la forma como han sido enseñadas y
aprendidas las cuestiones de género y sexualidad por medio del
ejercicio de poder “que se constituye por maniobras, técnicas y
disposiciones” (LOURO, 2014, p.43).

Desde las primeras intervenciones quirúrgicas “los niños


intersexuales no deberían saber los motivos de la operación
y mucho menos de su condición; del punto de vista médico tal
revelación podría interferir en su identidad de género” (SPINOLA
CASTRO, 2005, p. 52).

El término intersexualidad es un término de uso médico


y “también el significante que detona un campo de producción”
(ALCÁNTARA, 2018, p, 152). Es un campo de producción
discursiva que se consolida con las prácticas heteronormativas
que buscan adecuar los cuerpos a los estereotipados binarismos
prestablecidos cultural y socialmente.

Sin embargo, el término intersex no es restrictivo ni


capaz de encuadrar en sí todas las variaciones que existen de
intersexualidad. En otras palabras, al decir intersexualidad se dice
variedad, “ya que el cuerpo intersex no encierra un cuerpo único,
sino un conjunto amplio de corporalidades posibles” (CABRAL &
BENZUR, 2005, p. 284).

Insistir en adecuaciones corporales estereotipadas implica


en fomentar la curiosidad sobre los genitales vistos como objetos
de exhibición, al punto de convocar espectadores curiosos al
nacimiento o en la adolescencia, violando el derecho de privacidad,
al realizar “una serie de intervenciones corporales como las cirugías
de “corrección genital” y tratamientos hormonales” (PEREZ, 2007,
p. 152).

Obviamente, el constreñimiento no termina en la


infancia, pues en etapas más avanzadas de su desarrollo, los
intersexuales “viven situaciones de discriminación laboral y
escolar, y experimentan rechazo familiar debido al estigma social
que conlleva tener una corporalidad diferente y a la ignorancia
respecto de la variabilidad sexual humana” (TOLEDO, 2018, pp. 17-

288
18).

Cierta de que las narrativas de adultos intersexuales


pueden colaborar de forma substancial en la producción de
una agenda “anti-hegemônica y con nuevos esquemas de
politización” (FOUCAULT,1979, p. 19), valorizo el contacto con
lingüistas aplicados queer, activistas y asesores de comunidades
intersexuales en línea y toda participación en grupos de estudio
con personas de sexualidades y cuerpos disidentes que me
desestabilizan y proporcionan nuevas formas de comprensión
sobre la diversidad sexual.

El ejercicio de contar y escuchar las varias historias de


sexualidades disidentes nos aproxima, nos hacen más parecidos,
más capacitados para construir, reconstruir o enderezar los cuerpos
marcados o colocados en estado de extrema vulnerabilidad
(en el anonimato e invisibilidad) por la violencia del estigma,
discriminación y el rótulo de anormalidad impuesto.

El rompimiento con rótulos de anormalidad sirve para


contrarrestar los efectos de “las epistemologías del norte que
se fundamentan en la idea del sujeto racional, un sujeto que es
epistémico y no concreto ni empírico” (SANTOS, 2002a, p. 32). Ese
rompimiento debe darse en la pesquisa.

Es preciso insistir que “para hacer pesquisa aplicada debe


se teorizar lado a lado con la acción política” (MOITA LOPES,
2009, p. 37), con las personas que provocan nuestra curiosidad
investigativa, hacer una militancia generosa que nos involucre en
las contingencias cotidianas de las personas colocadas al margen
para contribuir con el cambio de paradigmas en la producción
de conocimiento, calidad de vida y superación de preconceptos,
crímenes y violaciones de derechos sexuales, así como alimentar la
reciprocidad en las relaciones interpersonales e interdisciplinares.

Consideraciones finales

En este estudio que resulta de la necesidad de desafiar


el orden social y político con un discurso que, por su vez,
deriva del entendimiento que leyes o medidas de protección
sin legitimidad son crimen; busqué demostrar la necesidad y

289
posibilidad de fortalecer una pesquisa con autonomía y autoridad
para posicionarse en relación a las sexualidades y a los cuerpos
disidentes.

Busqué mostrar que la lingüística aplicada queer posibilita


hacer críticas a las normalizaciones, naturalizaciones binarias
sobre sexualidad; que puede proporcionar encuentros con
universos abiertos a prácticas y lenguajes poco convencionales,
ayudando a romper con la forma respetuosa y moralista, asimilada
socioculturalmente a través de una denuncia directa y explícita
sobre violaciones de derechos sexuales y humanos.

Procuré mostrar que la producción científica es política y que


el activismo produce conocimiento, pero más que todo, insistí en
decir que toda producción académica de nada sirve si no se pone
al servicio de políticas que posibiliten el respeto, reconocimiento y
aprendizaje con las sexualidades múltiples y disidentes, tirándolas
del silencio e invisibilidad que cotidianamente sufren en los
espacios heterosexuales, culturalmente naturalizados.

A pesar de estar al inicio de la investigación de doctorado,


ya se consiguen perfilar caminos a ser recorridos en el amplio
campo de las disidencias sexuales y hay indicios de resultados
satisfactorios en el sentido de analizar la intersexualidad con
sus especificidades dentro del espectro queer, lo que será
profundizado en etapas siguientes.

Por fin, agradezco la oportunidad de presentar de forma


parcial la investigación sobre disidencias sexuales que pueden
estar en el contramano de los derechos sexuales y de los derechos
humanos, ambos en eterna construcción, así como los estudios en
lingüística queer aplicada que se muestran promisorios desde su
inicio reciente.

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292
Meninas Negras e a Educação no Brasil:
Uma história de Violação de Direitos*

Juliana dos Santos Costa1


Ana Maria Klein2

Resumo

A pesquisa, por ora apresentada, é um recorte de uma
dissertação de mestrado em desenvolvimento que aborda o
papel da escola sna construção da identidade étnico racial de
meninas negras. Neste trabalho problematizamos o contexto
escolar infantil excludente para meninas negras no Brasil e a
importância de uma educação pautada nos direitos humanos
com a finalidade de reverter o quadro. Para tanto, utilizou-se
uma metodologia qualitativa, tendo como técnica a pesquisa
bibliográfica. Em um primeiro momento abordará um sucinto
panorama da situação social da mulher negra no Brasil e a
importância de uma analise pautada na interseccionalidade
para obtenção de resultados mais fidedignos. Em sua segunda
parte, analisará o contexto escolar e sua função na reprodução
da disputa de poder e consequentemente das exclusões sociais.
Finalizará com a exposição dos parâmetros curriculares e a função
de uma educação em direitos humanos para a promoção do
empoderamento de meninas negras, apontando para soluções
didáticas baseadas na construção de valores.

Palavras-chave: Menina negra, educação étnico-racial, identidade,


interseccionalidade

Introdução

O Atlas da Violência Brasileiro de 2017, divulgado pelo

* Modalidad: Conversatorio
1. juliana.costa@unesp.br
2. ana.klein@unesp.br

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Brasil

293
IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apresentou um
aumento de 22% da mortalidade das mulheres negras no país,
entre 2005 e 2015. Ao compararmos com as mulheres não negras
nota-se um decréscimo de 7,4%. Na mesma pesquisa demonstrou-
se que as mulheres negras morrem diariamente vítimas de
agressões e em decorrência de ações do Estado. Interligando
a exclusão racial ao ambiente educacional, o IBGE3 (Instituto
Brasileiro de geografia e estatística) apontou em 2016 que a taxa
de analfabetismo de pretos e pardos era de 9,9%, enquanto de
brancos, 4,2% (incluindo-se mulheres e homens). Nesse mesmo
ano, 1835 crianças entre 5 a 7 anos trabalhavam, dessas 63,80%
eram crianças pretas e pardas.

Esses dados justificam a necessidade de um olhar mais


apurado para a situação das mulheres e meninas negras no Brasil
e principalmente a manutenção e busca pela reinvindicação dos
direitos humanos em prol desse grupo. As meninas negras –
incluiremos crianças na faixa etária entre 0 a 12 anos - carregam a
interseccionalidade de três características na sociedade brasileira.
São negras, sofrendo desse modo a segregação racial. São do
gênero feminino, vitimas nesse caso do machismo; e por ultimo
são crianças – silenciadas por sua suposta falta de maturação.
Todos esses itens entrelaçados auxiliam a construção de um
reconhecimento identitário – individual (autodeclaração), do grupo
ao qual se pertence e de um grupo externo (heterodeclaração).

Ao percorremos a significação do termo Interseccionalidade


constata-se sua interligação com o movimento feminista negro
e sua criação por Crenshaw em 1989, em sua tese de doutorado
(Ribeiro, 2016). Esse mesmo vocábulo ou o seu significo pode ser
extraído de expressões como: “categorias de articulações” utilizado
por Avtar Brah (2006), ou ainda “entrelaçamento de opressões” de
Patricia Hill Collins (2000).

A interseccionalidade é uma conceituação do problema


que busca capturar as consequências estruturais e
dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da
subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual

3. https://www.ibge.gov.br/

294
o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros
sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que
estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias,
classes e outras. (Ribeiro, 2016 apud Crenshaw)

Assim, depreende-se que a interseccionalidade busca cruzar


características de determinado grupo social relacionando as
opressões, não com o objetivo de promover uma hierarquização,
conquanto, pretende-se compreender a singularidade da
discriminação.

Pensar a interseccionalidade é perceber que não pode haver


primazia de uma opressão sobre as outras e que, sendo
estas estruturantes, é preciso romper com a estrutura. É
pensar que raça, classe e gênero não podem ser categorias
pensadas de forma isolada, mas sim de modo indissociável.
(Ribeiro, 2016)

Cabe destacar que a inclusão da infância no grupo


dos oprimidos busca, entender e valorizar as fases do
desenvolvimento humano, compreendendo suas peculiaridades
e sua autonomia identitária, consequentemente negando o seu
silenciamento. Apesar de quase não citado, ou não aprofundado,
o item classe também se insere na analise, ao constatarmos que
a população do Brasil tem em sua configuração 57% de negros
e que simultaneamente essa parcela recebe uma media salarial
que equivale a 50% da recebida por pessoas brancas, segundo
levantamento do IBGE em 2017.

Objetivos

Pretende-se apontar a importância da interseccionalidade


para a compreensão das especificidades da educação de meninas
negras, assim como refletir sobre a educação escolar como
reprodutora das desigualdades e apontar a EDH como uma via
para o enfrentamento á exclusão e violências sofridas por meninas
negras no âmbito educacional.

Simultaneamente, busca-se sensibilizar aos outros grupos


sociais quanto a sua coparticipação no processo identitário.

295
A pesquisa proporá uma breve explanação sobre a atual
situação da Mulher Negra, no contexto brasileiro findando
justificar a necessidade de estudos que entrecruzem dados como
raça e gênero para fornecer um panorama mais detalhado. Está
é uma das pautadas do movimento feminista negro, retratar
questões com um olhar interseccional.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa cuja natureza é aplicada.


Segundo Thiollent (2009, p 36 apud Fleury e Werlang 2017, p 11)
esclarece que a pesquisa aplicada está empenhada na elaboração
de diagnósticos, identificação de problemas e busca de soluções.
Responde a uma demanda formulada por clientes, atores sociais
ou instituições.

A abordagem utilizada será a qualitativa e quanto a


sua fundamentação filosófica utilizar-se-á Fenomenológica-
Hermenêutica. Segundo Martins (1994) são estudos que privilegiam
estudos teóricos e análise de documentos e texto e manifestam
interesse por práticas alternativas.

Quanto aos seus objetivos é exploratória buscando adentrar


o assunto e obter respostas para lacunas de conhecimento tanto
sociais, quanto de produções cientificas com relação à identidade
das meninas negras e a influência do ambiente escolar durante o
processo.

Como procedimentos técnicos utilizou-se pesquisa


bibliográfica, definida por Sá-Silva, Almeida e Guidani (2009)
como uma modalidade de estudo e análise de documentos de
domínio cientifico tais como livros, periódicos, enciclopédias,
ensaios, críticos, dicionários e artigos científicos.

Para alcançar tais obras a busca foi realizada em meio


eletrônico (Internet) e no acervo de livros das bibliotecas da
UNESP4. No âmbito da rede a busca foi realizada no site do MEC5,

4. Universidade Estadual Paulista


5. Ministério da Educação

296
na área de legislação da Presidência da Republica6, o portal de
periódicos da CAPES7, na Scielo8 e no SIBiUSP9, utilizando com
palavras-chaves as expressões: meninas negras, mulheres negras,
educação em direitos humanos, educação étnica-racial, educação
antirracista, identidade, intersecccionalidade.

Quanto ao parâmetro linguístico, buscando uma maior


proximidade com o contexto brasileiro e da pesquisa em si,
utilizou-se matérias em português. Quanto ao parâmetro
cronológico, selecionou-se produções cientificas contemporâneas
– não anteriores a 1980, buscando desse modo construir uma
linha do tempo com relação às condições sociais da mulher
negra. Esse ano foi escolhido, pois data-se nesse período o
surgimento do movimento feminista negro no Brasil, pretende-
se com isso demonstrar que apesar da real organização político-
social das mulheres negras poucos e recentes foram os avanços
no que concerne ao espaço nas agendas das politicas públicas e
consequentemente das ações governamentais.

Interseccionalidade: da mulher negra a menina negra no


contexto brasileiro

Rebecca Reichann (1995) já apontava em seu texto


“Mulher Negra Brasileira: um retrato” a indisponibilidade de
uma quantidade significativa de dados referentes à condição da
mulher negra no Brasil. Atualmente há o Dossiê da Mulher Negra
produzido pelo IPEA, com sua última produção datada em 2013. Ele
retrata parte do quadro de exclusão social o qual a mulher negra
está submetida. Entretanto, ao procurar estatísticas que incluem
a evasão escolar ou até mesmo a violência na qual as mulheres
negras se deparam os dados são escassos - os quesitos gênero e
cor raramente são cruzados, apesar de unidos serem causa dupla
da exclusão desse grupo. Analisando o Dossiê é possível apontar a
seguinte constatação: os domicílios chefiados por mulheres negras
são os mais pobres, essas mesmas mulheres negras administram
suas residências com uma renda que corresponde a um terço ou

6. http://www2.planalto.gov.br/
7. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
8. Scientific Electronic Library Online
9. Sistema Integrado de Bibliotecas da USP

297
metade da renda de uma mulher branca chefe de família.

Segundo os dados do IPEA, em 2013 a mulheres negras


correspondiam a 51,8% da população feminina e 27,7% da
população brasileira total. Desse modo, não podemos configurá-
las como um grupo minoritário quantitativamente, entretanto
é o grupo social em maior situação de pobreza. Ainda segundo
dados do Instituto, a maior parte das mulheres negras vive em
áreas sem acesso ao saneamento básico e consequentemente são
mais vulneráveis a fatores patogênicos.

Em 1980, surge o movimento feminista negro no Brasil,


reconhecendo a interseccionalidade inerente ao estudo da
temática da mulher negra. Damasco, Maio e Monteiro (2012, p
133) fazendo um levantamento histórico relatam que a identidade
racial no movimento feminista brasileiro surgiu em virtude
das acusações de esterilização cirúrgica em massa de mulheres
negras no Brasil, objetivava-se reduzir a natalidade desse grupo.
O movimento feminista no país, em seu inicio, era composto por
mulheres com formação universitária, classe média, alguns que
residiram por certo período no exterior e tinham como principal
pauta o voto feminino e a melhoria das condições de trabalho da
mulher (Damasco, Maio e Monteiro, 2012, p 134) – portando em
sua maioria eram brancas. O termo interssecionalidade torna-se
importante no contexto, pois pretende abordar as relações de
poder articulando gênero, raça e classe.

Quando alteramos a faixa etária, recaindo nossos estudos


para a menina negra, isso quer dizer o individuo negro, feminino
na idade infantil os preconceitos e exclusões sociais também são
latentes. Por conseguinte, para compreender a infância desses
sujeitos se faz necessário um olhar interseccional. Os frutos do
preconceito são colhidos precocemente, Fulvia Rosemberg com
dados das PNADs demonstra que os recursos educacionais para
as crianças negras tem qualidade inferior quando comparados
aos das10 crianças brancas no mesmo nível socioeconômico. Já
Castro e Abramovay (2006) em seus estudos demonstram que o
desempenho escolar de alunos negros é inferior em virtude do

10. apud Rosa, Tenório e Régnier – Preconceito Racial e desempenho escolar: estudo com
negos e brancos em escolas de Salvador.

298
racismo.

Entretanto a legislação brasileira busca proteger o direito a


igualdade dos seres, em específico no ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente) observamos a clareza do preceito no seguinte artigo:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos


fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se
lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-
se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação
de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia
ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de
desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica,
ambiente social, região e local de moradia ou outra condição
que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em
que vivem. .

Um olhar para a educação e seu ambiente, se faz importante


por ser o primeiro ambiente socializador, por isso será o local no
qual as meninas negras farão a construção da sua identidade.
Munanga (2012) aponta que a identidade é um processo que
passa pelo discurso e não algo fixo estático e acabado, declara
ainda que a identidade individual faz parte do processo de
construção do ser, significando sua existência. Quando citamos a
importância da construção da identidade nos referimos ao que
Munanga intitula de identidade coletiva que se realiza através de
atributos selecionados no seu complexo cultural.

O ambiente escolar e a reprodução dos poderes

No Brasil a educação básica é obrigatória a partir dos quatro


anos de idade segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases). As crianças11
frequentarão em média de 4 a 8 horas diariamente o ambiente

11. individuo de 0 a 12 anos conforme definido no Estatuto da Criança e do Adolescente

299
escolar, logo estabelecerão suas primeiras relações interpessoais
fora do contexto familiar. Dentro da escola a criança tem contato
com as diferenças de gênero, raciais, culturais e socioeconômicas,
essas relações podem ocorrer segundo Menezes(2003) e Oliveira
(1994)12 de modo tenso principalmente para as crianças negras, o
que faz com que as mesmas adquiram posturas mais introvertidas
com medo da rejeição e da ridicularizarão.

Oliveira (2013) aponta para as perspectivas reprodutivistas


de Baudelot e Establet (1971), Bowles e Gintns (1976) Althusser
(1998), Bourdieu e Passeron (2006,2008) – elas descrevem o
modo como as relações sociais e de poder de uma sociedade
são reproduzidas dentro da escola. Desse modo, o racismo, o
machismo e até o silenciamento da infância estariam presentes
dentro da escola.

Quanto às diferenças de gênero e a reprodução do


machismo, Silva e Mendes (2015) descrevem opressões entre
meninos e meninas, homens e mulheres no ambiente escolar
através de gestos, movimento e palavras, relatam ainda que
a sua naturalização é tão latente que são transformadas no
“Jeito de menino” e “jeito de menina”, delimitando quais são os
comportamentos esperados e idealizados. Trata-se de um fruto
do ambiente sociocultural no qual as crianças brasileiras estão
inseridas, possível de ser constatado na pesquisa intitulada “por ser
menina13”. O estudo foi realizado com crianças entre seis e 14 anos
das cinco regiões brasileiras, e nele foi possível detectar diferença
quanto às responsabilidades e fazeres domésticos, pois apontou
que 81,4% das meninas arrumam sua própria cama, 76,8% lavam
louça e 65,6% limpam a casa, já os irmãos apenas 11,6% arrumam
a sua própria cama, 12,5% lavam a louça e 11,4% homens limpam
a casa – reproduzindo o ideia da pseudo afinidade do feminino
com os afazeres domésticos.

O racismo, por sua vez, é latente na escola a começar


pela discriminação presente nos livros didáticos. Ana Clélia Silva
(2004) em seu trabalho de mestrado analisou cerca de 80 livros

12. Apud Silva e Branco (2011)


13. https://plan.org.br/por-ser-menina/

300
didáticos usados em 22 escolas do bairro da Liberdade em São
Paulo. Deles depreendeu de 435 imagens de crianças que 89%
eram de crianças brancas, e simbolizavam atividades de lazer ou
educativas, contra apenas 11% imagens de crianças negras em sua
maioria trabalhando – descumprindo o exigido no ECA – ou com
ações negativas. Nilma Lino Gomes (2012) acrescenta ao debate
do racismo no ambiente escolar a proposta da descolonização
dos currículos, remetendo o surgimento de tais reflexões à obra
de Santomé (1995) que busca discorrer sobre o currículo e as
culturas negadas e silenciadas.

Quando não se analisam de maneira atenta os conteúdos


que são desenvolvidos de forma explicita na maioria
das instituições escolares e aquilo que é enfatizado nas
propostas curriculares, chama fortemente a atenção à
arrasadora presença das culturas que podemos chamar
de hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais
minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de
estruturas importantes de poder continuam ser silenciadas,
quando não estereotipadas e deformadas para anular
suas possibilidades de reação. (Santomé, 1995, p 163 apud
Gomes, 2012, p 104)

Quanto às opressões no ambiente escolar, se faz necessário


observar por ultimo o que se denomina “silenciamento da infância”
também presente. Segundo Ariès (1978) as primeiras diferenciações
entre infância e fase adulta surgiram no século XVI e XVII (Pagni,2013,
p 41), e desde então há uma construção dinâmica da configuração
dessa categoria etária. Postman (1999) aborda que dois itens foram
importantes para marcar o inicio da construção da infância; primeiro
foi à noção da vergonha e posteriormente a criação da tipografia.
A vergonha auxiliou, uma vez que passou a proteger e separar os
assuntos, atitudes e falas referentes ao mundo adulto do mundo
infantil, trazendo inclusive a proteção quanto á violência e ao
infanticídio. Já a criação da tipografia, separou não só o mundo dos
que sabem e tem acesso a leitura – construindo a individualidade,
mas também articulou o surgimento da infância ao restringir o
acesso ao conhecimento. Entretanto é possível constar durante o
decorrer da história uma restrição à autonomia infantil e até mesmo
o seu silenciamento – a criança é sempre vista como alguém “por
vir”, como uma fase a ser superada conforme ilustra Pagni (2013).

301
As meninas negras são fruto dessa tripla opressão (raça,
gênero, etária) – e é nesse contexto que a escola deve desenvolver
o seu papel de construtora de conhecimento e questionadora
de uma realidade inadequada. Somente munidos desse olhar
para educação que surgem possibilidades de novas práticas que
prezem por uma igualdade como as pautadas em Educação em
Direitos Humanos.

No entanto, e para além da reprodução social, a escola


também é o espaço da inventividade da criação e da
produção de novas práticas. Constitui-se neste universo a
criação de uma “cultura escolar” que possui uma dinâmica
singular, a qual se entrecruza com outras culturas presentes
na sociedade envolvente. Amurabi Oliveira (2013)

Educação em Direitos Humanos e as normativas para a


promoção do empoderamento feminino negro no ambiente
escolar e de uma educação antirracista

Para Joaquin Herera Flores14 os direitos humanos configuram


um movimento de resistência e busca a consolidação da dignidade
humana, utilizando como único critério a condição de pessoa para
a aquisição e defesa de seus direitos. Os Direitos Humanos surgiram
após a segunda guerra mundial como solução para as atrocidades
que haviam sido cometidas e para a prevenção de futuras guerras.
Em 1945, ocorre a Conferência das Nações Unidas em São Francisco,
na qual se reuniram 50 países em prol da paz, dela emergiu a
Comissão de Direitos Humanos coordenada por Eleanor Roosevelt
responsável pelo rascunho do que é hoje a Declaração Mundial de
Direitos Humanos.

No ordenamento jurídico brasileiro a DUDH é incluída


equivalendo-se às emendas constitucionais, conforme o artigo 5º,
paragrafo terceiro.

§3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos


humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

14. Apud Piovesan (2006)

302
respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais. (Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988)

Seguindo a evolução histórica de direitos e a necessidade


de sua consolidação, surge no Brasil em 2012 com a aprovação
das Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos o
compromisso da educação formal com um olhar baseado nos
valores éticos e morais da DUDH (Klein e D´Agua, 2015, p 278).
Segundo as autoras, essa normativa educacional orienta as
práticas pedagógicas brasileiras e simultaneamente respeita
as matizes curriculares estaduais e municipais considerando a
autonomia da escola. No corpo da redação desse documento
observa-se o seguinte excerto:

Sob perspectivas das Diretrizes Nacionais para a Educação


em Direitos Humanos, as metodologias de ensino, na
educação básica, devem possibilitar:
[...]
Trazer para sala de aula exemplos de discriminações e
preconceitos comuns na sociedade, a partir de situação-
problema e discutir de forma a resolvê-las.

Extrai-se, então, a necessidade de práticas pedagógicas que


considerem a diversidade (gênero, raça, cultural, socioeconômica)
– é nesse ponto que surge a possibilidade de ações em prol do
empoderamento de meninas negras já na educação infantil. São
ações educativas que se relacionam não só com os alunos, mas
também com todos os atores do ambiente escolar ao propor uma
articulação reflexiva que combata a discriminação.

Klein, Passos e Galindo (2018, p. 58) pontuam a diversidade


como um dos sete princípios da EDH, que apesar de ser uma
característica humana expressa biológica e culturalmente pode
gerar estranhamentos e preconceitos em virtude da nossa
maneira de lidar. Segundo Boaventura Souza Santos15(2003):

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos

15. Apud Piovesan (2006)

303
inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa
igualdade nos descaracteriza. Dai a necessidade de uma
igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença
que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.

Dentro da resolução nº 1 de 30 de Maio de 2012 observamos


outros princípios como: a dignidade humana, a igualdade de
direitos, o reconhecimento e valorização das diferenças e da já
citada diversidade, a laicidade do Estado, a democratização da
educação, a transversalidade, a vivência e a globalidade assim
como a sustentabilidade socioambiental. Paralelo e ao encontro
da EDH, o ordenamento jurídico brasileiro possui leis, fruto
de reinvindicações do movimento negro, que prezam por um
ambiente não só educacional, mas social, mais igualitário e despido
de preconceitos. Assim temos: a resolução nº 1 de 17 de Junho de
2004 que institui diretrizes curriculares nacionais para a educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana, a lei 7716 que define os crimes resultantes
de preconceito de raça ou cor e também a lei 10639 que torna
obrigatória a inserção da cultura afro-brasileira nos currículos.

A EDH entende como direito de todo ser humano o


desenvolvimento integral de suas potencialidades, objetivo
que é atingido pela educação. Compreende-se por todos
a amplitude e a complexidade que caracterizam a espécie
humana, portanto, a consideração, o respeito e a valorização
da diversidade de modos de ser pensar, viver, existir devem
ser os pressupostos éticos centrais das práticas educativas.
(Klein & D´Àgua, 2015)

Conclusão

O Brasil mesmo decorrido mais de 500 anos da abolição


da escravatura ainda se caracteriza como um país racista. A
conscientização da população não-negra, quanto à necessidade
de uma real democracia racial, tem se consolidado através de leis
e políticas publicas reivindicadas pelo movimento negro. Quando
analisamos o subitem gênero notamos também a discriminação,
apesar dos ganhos articulados pelo movimento feminista, a
exemplo da “Lei Maria da Penha”, o país continua sendo o quinto
que mais mata mulheres. É nesse ambiente social insalubre que

304
meninas negras frequentam a escola e tentam construir sua
identidade. A identidade pode ser construída de modo positivo,
quando atrelada a um olhar que valoriza a cultura, os traços físicos e
a sua estética, ou negativo – trazendo inibição e medo. O resultado
depende da interação do individuo com o seu meio social.

Tem se verificado que os espaços educacionais refletem


e reproduzem as opressões sociais, desse modo, são locais
de exclusão para as meninas negras. Pensar a questão da
interseccionalidade no contexto brasileiro é compreender que as
meninas negras são fruto de um ambiente social tóxico – que as
exclui e promove graves violências, nesse ponto a escola deve ser
capaz de articular praticas que promovam o empoderamento.

Uma educação em direitos humanos é sinônima no


contexto da infância feminina negra do repensar de práticas, e sua
remodelação a fim de se dissolver ações racistas e misóginas, e
simultaneamente promover a valorização da cultura afro-brasileira
auxiliando o empoderamento não só estético, mas também
cultural e cientifico de meninas negras. Empoderar na escola é
antes de tudo dar poder, um poder capaz de provocar mudanças.

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307
A Instrumentalidade da Educação em
Direitos Humanos na Efetivação da Política de
Atendimento aos Adolescentes em conflito
com a Lei: desafios e perspectivas1

Neves Maria de Santana Silva2

Resumo

No marco histórico da redemocratização política do Brasil, a
Constituição Federal de 1988 significou avanço e reconhecimento
dos direitos civis, políticos e sociais. O Estatuto da Criança e do
Adolescentes instituiu a Doutrina da Proteção Integral, Lei Federal
nº 8.069/1990. Nessa trajetória, avançou-se o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE), Lei Federal 12.594/2012,
política pública destinada a inclusão social de adolescentes em conflito
com a lei. Por outro lado, observa-se o recrudescimento do discurso
de punição, de encarceramento da população juvenil (pobres e
pretos) e de criminalização da pobreza. O Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos (BRASIL, 2006) apresenta objetivos, princípios
e diretrizes que fomenta ações educativas de cidadania, justiça e
promoção social. Nessa direção, o SINASE tem por fim qualificar
práticas pedagógicas institucionais/profissionais para o exercício da
ética e da defesa intransigente dos direitos humanos da população
infantojuvenil. Para tanto, este estudo tem o propósito de investigar:
como os planos decenais de atendimentos socioeducativos das três
esferas de governos (federal, estadual, municipal) mantêm interface
com a prática de educação em direitos humanos? Objetivo principal:
discutir a importância da educação em direitos humanos nas ações
da política de atendimento socioeducativo aos adolescentes em
conflito com a lei. Portanto, seguirá o procedimento metodológico da

1. EJE TEMATICO 6. Educación en Derechos Humanos y Diversidades (Mujeres, Niños,


Niñas, Adolescentes, Personas Mayores, Migrantes, Género, Diversidad Sexual, Pueblos
originarios y tribales, Privados de Libertad).
2 Assistente Social pela UNICAP; Especialista em Direitos Humanos pela UNICAP;
Mestranda em Direitos Humanos pela UFPE/2019; Servidora Pública da Prefeitura do
Recife; E-mail: nevessantana01@gmail.com

308
abordagem qualitativa, os dados serão obtidos através da pesquisa
documental e bibliográfica. Com isto, considera-se importante
problematizar a temática do adolescente, autor de ato infracional, na
perspectiva de qualificar a gestão do atendimento socioeducativo à
luz da educação em direitos humanos.

Palavras chaves: Direitos Humanos. Educação em Direitos


Humanos. Medidas Socioeducativas. Criança e Adolescente

1. Introdução

O presente artigo busca discutir a situação dos adolescentes


em conflito com a lei a partir dos marcos legais nacional e
internacional. E no bojo dessa questão, refletir a proteção social
no compromisso e responsabilidade da gestão governamental.
Como também, a participação da sociedade civil e controle social
do Sistema de Garantia de Direitos.

Nessa direção, o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu


a Doutrina da Proteção Integral em contraposição à concepção da
situação irregular de crianças e adolescentes em situação de pobreza
agravada pela desigualdade social. Importante problematizar
essa questão, tendo em vista que vivemos no status quo da
institucionalização do “Estado Penal”, quando a urgência é marcada
pela luta da garantia de políticas públicas de Estado em contraposição
à lógica da elite conservadora de criminalizar a pobreza.

As políticas públicas de inclusão social são marcadas por


avanços e retrocessos mediante as conjunturas políticas dos Estados
nações sob a influência do sistema econômico global. No Brasil, a
Constituição Federal de 1988, conceituada por Ulisses Guimarães
como a Constituição Cidadã, foi o marco da instituição das políticas
públicas tendo por princípio a dignidade da pessoa humana.

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo


(SINASE), constituiu-se política de Estado a partir de dispositivos
normativos internacionais de direitos humanos. Na perspectiva
Do princípio da totalidade social, se faz necessário debater a
temática do ato infracional na compreensão crítica do fenômeno
social que emerge e se molda na sociedade de classes que estão
em constantes disputas de projetos societários.

309
O encarceramento e o alto índices de mortes violentas da
população jovem periférica constitui-se fenômeno sociológico cuja
reflexão exige a leitura da realidade social multifacetada. Portanto,
a política socioeducativa é parte de um sistema de proteção social
que se integra a outros sistemas (saúde, educação, assistência social,
justiça e segurança pública) que vem através dos Planos decenais
discutir objetivos e metas para avançar enquanto política de Estado.
Ademais, o SINASE dialoga na transversalidade de seus princípios e
diretrizes no propósito da inclusão social e dos direitos humanos.

Políticas sociais no segmento criança e adolescente

As políticas públicas são pautadas por processos políticos


históricos de avanços e retrocessos dos diretos de cidadania.
Sobre essa questão, importante mencionar o período do regime
político ditatorial, golpe de 64 ocorrido no Brasil que amputou o
sistema político do Estado Democrático de Direito.

Nessa direção, a luta pela consolidação da democracia no Brasil


nunca sairá da pauta do conjunto das reinvindicações da sociedade
civil organizada no propósito de ampliar a cidadania e a justiça social.
Faz-se necessário resgatar a memória histórica na perspectiva de não
obscurecer o ideal de luta por uma sociedade justa e plural. E que se
possa discutir as violações cometidas pelo Estado sob os interesses
de grupos políticos econômicos alinhados aos ditames do capital
internacional, capitaneado pelo imperialismo norte-americano.

Ademais, como em todo processo de supressão de direitos,


as marcas da repressão e da perseguição massiva dos governos
antidemocráticos resultaram em medidas de retrocessos de direitos
sociais. Especificamente, a política pública social voltada para o
segmento infanto-juvenil esteve no processo histórico brasileiro
da luta por reconhecimento do direito à cidadania. A desigualdade
social no Brasil se mostra latente, acentuada ao longo do anos que
perversamente atingiu os segmentos populacionais mais vulneráveis.

No Brasil, a proteção social de criança e adolescente tem


o marco histórico legal com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, visto que a aprovação do Estatuto da Criança e
do Adolescente, Lei Federal 8.069, 13 de julho de 1990, constituiu
baliza para o Estado brasileiro estabelecer ações políticas,

310
prioritárias, para resguardar os direitos de crianças e adolescentes.

[...] Crianças e adolescentes antes de qualquer coisa são


sujeitos de direitos. De que direitos? Dos direitos humanos,
inscritos em toda legislação nacional, nos documentos
internacionais dos quais o Brasil é signatário e, desta forma,
obrigado está a concretizá-los. O Estatuto da Criança
e do Adolescente está inscrito nesta perspectiva. Na
perspectiva da emancipação humana, dos empobrecidos,
da necessidade de reconhece-los como crianças e
adolescentes e não mais como qualquer das alcunhas que
foram submetidos ao longo da história (SILVA, 2017, p. 56).

Portanto, a consecução do arcabouço jurídico normativo dos


direitos de crianças e adolescentes foi circunscrito nos parâmetros
de dispositivos normativos na esfera internacional tais como:
REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ADMINISTRAÇÃO
DA JUSTIÇA DE MENORES – Regras de Beijing 1985, a Convenção
sobre os Direitos da Criança,1989, Assembleia Geral da ONU.

[...] dever-se-á interpretar o Estatuto a partir dos


princípios e diretrizes dos direitos humanos, fazendo-se
uma interpretação sistemática dos seus dispositivos em
harmonia com as demais normas desse campo do direito,
tanto na ordem jurídica nacional quanto internacional
(NOGUEIRA NETO, 2005, p. 14).

Decorridos vinte e nove anos da promulgação do Estatuto


persiste-se a ineficácia de norma vigente de âmbito federal.
Notadamente, nesse lapso de tempo, a literalidade da lei não
materializou ações políticas geradoras de inclusão social na
exigência do princípio da “Doutrina da Proteção Integral”3 cujos
direitos assinalados para além de ser justificá-los, urge protegê-
los (BOBBIO, 2004). Essa questão se agudiza na realidade social das
situações de violações de direitos: trabalho infantil, mendicância,

3. Constituição Federal de 1988, Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado,


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (BRASIL).

311
aliciados pelo tráfico de drogas, abuso e exploração sexual.

Na vigência dos chamados Códigos de Menores (períodos


de 1927 e 1979) as crianças pobres abandonadas pela sociedade
eram enquadradas em “situação irregular”, que de forma pejorativa
adequou-se no dispositivo normativo da época o termo “menor”
para designar a população infanto juvenil pobre abandonada na
condição de sujeito delinquente (RIZZINI, 2004).

Desse processo histórico normativo de “menorizar” o direito


da criança e do adolescente brasileiro, com o advento da Lei Federal,
8.069/90, se deve a esses o reconhecimento de “sujeitos de direitos
e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”. Contudo,
não houve avanço sistemático no processo de consolidar a política
de proteção social a crianças e adolescentes na perspectiva de
articular projetos e ações de prevenção, e de cuidado.

Verifica-se o descompasso do acesso ao direito social na (des)


ordem da política neoliberal de acumulação financeira mundial, da
expropriação e precarização da força do trabalho. Faleiros (2013)
faz refletir:

A crise hoje vivenciada significa a ruptura do modo de vida


advindo da sociedade capitalista industrial e a passagem
para o modo de vida exigido por um outro processo de
acumulação do capital e novas formas de consumo, sob a
égide do capitalismo financeiro. Cada crise do capitalismo
se manifesta de forma diferente, apesar de que sejam os
trabalhadores que paguem, na maior proporção, o preço da
reciclagem do capital com desemprego, fome e desproteção.
O processo de acumulação hoje rompe com as barreiras
dos estados nacionais com base na circulação financeira
veloz, nas megafusões, na formação de monopólios e no
crescente aumento da desigualdade. [...] (p. 53).

No retrocesso das conquistas dos direitos aos longo dos


anos, a política social na conjuntura atual do Estado brasileiro,
mais do que nunca, deve ser pautada na agenda de luta das forças
da sociedade civil, e dos movimentos sociais organizados visto
que há uma investida da elite burguesa de diversos setores no
discurso de criminalizar a pobreza.

312
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal
(STF) julgou por unanimidade a improcedência da Ação de
Inconstitucionalidade (ADI) 3446, que “proíbe a apreensão de
crianças e adolescentes para averiguação, ou por motivo de
perambulação”. Essa ação judicial legalmente arbitrária se refere
a dispositivos do Estatuto, dentre outros, o Art. 16. O direito à
liberdade compreende os aspectos, inciso I – ir, vir e estar em
logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as
restrições legais. Nesse fragrante inconstitucional subjaz a investida
de setores conservadores da sociedade à época do código de
menores de 1927 que abrigou o processo de higienização contra
as crianças e adolescentes pobres em situação de risco social.

A dialética da contradição do Estado: promover medidas de


proteção, mas se mostra agente causador das violações de direitos.
Portanto, o Estatuto reclama a instrumentalidade da efetivação
dos princípios da proteção absoluta a criança e ao adolescente.
Ao contrário, é forte o clamor dos setores conservadores pela
adequação de ações punitivas, a exemplo, dos projetos de leis da
redução da idade penal juvenil.

Diante do crescente movimento de retrocessos em curso,


seja em cenários nacional e internacional, será preciso resistir
e advogar em defesa dos direitos sociais circunscritos nos
pactos, declarações, normativas e ações políticas que construam
indicadores positivos de inclusão social.

Por outro lado, avançou-se no Brasil, a política socioeducativa


de acompanhamento aos adolescentes em conflito com a lei que
reitera princípios e diretrizes de proteção integral.

A implementação do Sistema Nacional de Atendimento


Socioeducativo (SINASE)

A Lei federal nº 12.594/2012 que conferiu o SINASE


a executoriedade da medida socioeducativa4 a previsão de

4. Lei nº 8.069/1990, Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade


competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II
– obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; liberdade
assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento
educacional.

313
assegurar os direitos individuais e as garantias processuais aos
adolescentes que comentem ato infracional5. Tal normativa tem
sua importância no rito processual de responsabilização desses
sujeitos no processo de resguardar os direitos e garantias previstas
no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O fenômeno da conduta do ato infracional em números


estatísticos da Pesquisa Nacional de Medidas Socioeducativas
em Meio Aberto realizada pelo Ministério de Desenvolvimento
Social (MDS) no período de fevereiro/março de 2018, revelou os
dados de 111.207 adolescentes sentenciados com as medidas
socioeducativas em meio aberto na modalidade Liberdade
Assistida (LA) e/ou Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). Em
Pernambuco o dado correspondeu a 2.513 adolescentes em LA/
PSC.

Por trás desses dados, há outros elementos importantes


de análise para se estabelecer indicadores e metas de políticas
públicas de inclusão social para o público infanto juvenil, autores
de atos infracionais, que na maioria tem o perfil da raça/cor preta,
baixa renda, sem o grau de escolaridade, e moradores de periferia.
Criticamente, importante problematizar a seguinte questão: quais
os fatores determinantes de jovens na prática de atos infracionais?

O preconceito em relação aos adolescentes a quem se


atribui autoria de ato infracional é um dos aspectos que
aparecem com frequência na literatura e nos debates sobre
o tema. A partir da imagem socialmente construída do
“menor” (perigoso, delinquente), melhor se compreende a
consolidação das representações que vêm criminalizando
e estigmatizando parte da população infantil e juvenil.
Trata-se de uma parcela significativa da população, se
considerarmos que ela se refere aos pobres, negros,
residentes nas favelas e periferias das cidades (RIZZINI,
SPOSATI, OLIVEIRA, 2019, p. 45).

A Resolução nº 119/2006, do Conselho Nacional dos Direitos

5. Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção
penal.

314
da Criança e do Adolescente estabelece a Diretriz Pedagógica
do Atendimento Socioeducativo no processo social de discutir
o fenômeno da prática do ato infracional para além das ações
punitivas dos processos judiciais.

As medidas socioeducativas possuem em sua concepção


básica uma natureza sancionatória, vez que responsabilizam
judicialmente os adolescentes, estabelecendo restrições
legais e, sobretudo, uma natureza sócio pedagógica,
haja vista que sua execução está condicionada à garantia
de direitos e ao desenvolvimento de ações educativas
que visem à formação da cidadania. Dessa forma, a sua
operacionalização inscreve-se na perspectiva ético-
pedagógica (BRASIL, 2006).

A estruturação do SINASE enquanto política pública se


integra a outros sistemas de proteção social: Sistema de Saúde,
Sistema Educacional, Sistema de Assistência Social, Sistema de
Justiça e Segurança Pública. A partir do princípio da incompletude
institucional dos órgãos de gestão da política pública se faz
necessário planejar projetos, programas, e planos que integrem
ações entre os sistemas na garantia e acesso aos direitos sociais de
adolescentes em conflito com a lei.

A realidade dos adolescentes em cumprimento de medidas


socioeducativas diz respeito à problemática da desigualdade
social neoliberal ao qual a violência reverbera no cotidiano
das comunidades periféricas. É alarmante o índice de mortes
violentas na população da faixa etária de 15 a 29 anos. Segundo
fonte: (IHA) Índice de Homicídios na Adolescência (SDH/UNICEF/
Observatório das Favelas/LAV-Uerj. 2015) “a estimativa é de que
16.180 adolescentes poderão ser mortos até 2019 nos estados
nordestinos”.

O enfrentamento desse desafio pressupõe o planejamento


de políticas públicas de prevenção e combate as violências
socialmente produzidas. E, agravadas pela ordem do sistema
econômico vigente que aprofunda o abismo social. O Mapa da
Violência (Flacso/ Brasil. 2015), revela elevado índice de homicídios
entre jovens de 15 e 16 anos quase três vezes mais negros que
brancos. Dessas vítimas, soma-se o perfil de elevada concentração

315
de adolescentes com baixo grau de escolaridade.

Os adolescentes em conflito com a lei sofrem violências


e preconceitos no estereótipo da condição de autores de
ato infracional a cumprir uma medida socioeducativa. São
estigmatizados nos espaços institucionais de convívio social,
principalmente, na comunidade escolar, pertencem a classe dos
“perigosos”.

Para os que se encontravam vinculados à escola percebem-


se frágeis vínculos com essa instituição, pois não conseguem
permanecer nesse espaço, justificando pela falta de
atração ou por se sentirem excluídos, muitas vezes pelo
histórico infracional, outras pelas próprias dificuldades de
aprendizagem que possuem que e não o sabem como usar
esse espaço para saná-las. Afirma-se que o aproveitamento
é bastante comprometido: a série escolar não condiz com a
idade, expressivo número de adolescentes que apresentam
escolaridade formal incompatível com os conhecimentos
esperados e também há um grande número de jovens não
alfabetizados [...] (TERRA; AZEVEDO, 2018, p. 88).

A política socioeducativa tem como prerrogativa a


inclusão social e afirmação dos direitos humanos no processo
de responsabilização do adolescente no cumprimento da
medida socioeducativa no propósito de ressignificar atitudes e
comportamentos nas convivências familiar e comunitária. Dentre
outros princípios do SINASE, Lei 12.594/2012, Art. 35, incisos,
apontam:

VIII – não discriminação do adolescente, notadamente


em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social,
orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou
pertencimento a qualquer minoria ou status;

IX – fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários


no processo socioeducativo.

No propósito de qualificar a Gestão do SINASE, A Resolução


nº 119/2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CONANDA), e o SINASE, ambos elencaram

316
competências e atribuições nas três esferas de Governo (União,
Estado e Município), dentre outras, para: elaborar e aprovar o Plano
de Atendimento Socioeducativo com vigência de período de 10
anos. As três esferas de gestão governamental organizaram seus
planos para o cumprimento de metas em quatro eixos estratégicos:
1. Gestão, 2. Qualificação do Atendimento, 3. Participação Cidadã
dos Adolescentes e, 4. Sistemas de Justiça e Segurança.

O quadro – 1 apresenta o prazo de vigência dos planos


aprovados, os eixos estratégicos, objetivos e metas delineados. A
ilustração contém o quantitativo de metas que foram aprovadas.
O interesse neste estudo tem o propósito de relacionar o número
quantitativo de metas que fazem interface com as ações de
educação em direitos humanos.

Quadro – 1 Demonstrativo do Planejamento dos Planos Decenais


Socioeducativos
Total de Metas de cada
Planos Decenais de esfera administrativa
Atendimento Socioeducativo Eixos Estratégicos
Prazo/Vigência Federal Estadual Municipal

Federal 1. Gestão
24 11 15
2014 – 2023

2. Qualificação do Atendimento
36 31 35
Estado de Pernambuco
2015 – 2024 3. Participação dos Adolescentes
08 12 09

Município de Recife 4. Sistemas de Justiça e Segurança


05 16 08
2018 - 2027

Fonte: dados extraídos dos referidos Planos Decenais Socioeducativos

317
Quadro – 2 Levantamento das metas referentes, apenas, à
educação em direitos humanos conforme o total das metas
previstas no quadro 1

EIXOS METAS
ESTRATÉGICOS
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL

Gestão do SINASE

Qualificação Discutir ações direcionadas


do Atendimento a execução de práticas
restaurativas a partir
do diálogo com outras
secretarias e parceiros,
incluindo a política de
Direitos Humanos.
Realizar parcerias em
atividades junto as escolas,
equipamentos sociais,
centros esportivos e
culturais que incentivem a
prevenção e promoção de
saúde, hábitos saudáveis e
cultura de paz.

Participação e Criação de espaços para Garantir formação política


Autonomia discussão sistemática com na perspectiva da educação
dos Adolescentes os adolescentes, sobre em direitos humanos e
temas relacionados à cidadania para adolescentes
temática: gênero, direitos e famílias sob a condução da
sexuais, violência de gênero, equipe multidisciplinar do
entre outros. CREAS.
Garantia do direito
de participação dos
adolescentes atendidos nas
Conferências Municipais
e Estaduais de Direitos
Humanos, Direitos da
Criança e do Adolescente.
Garantia de espaços
sistemáticos de discussão
com os adolescentes
sobre temas relacionados
aos direitos humanos e
cidadania, redução de danos,
gênero, direitos sexuais,
violências de gênero, entre
outros

Sistemas de Justiça e Qualificação da abordagem


Segurança Pública da segurança, referenciado
na educação em direitos
humanos.

Fonte: dados extraídos dos Planos Decenais Socioeducativos

318
Premissas da educação em direitos humanos

A educação em direitos humanos surge no curso da história


dos sujeitos coletivos no processo das lutas sociais. Essa afirmação
tem como base o entendimento na acepção dos direitos humanos
na contemporaneidade. Significa dizer que os direitos humanos
surgem em face das grandes violações ocorridas na humanidade.

Nesse processo, os direitos humanos tendem a não sair


da pauta dos principais debates da sociedade. Face aos desafios
gerados pelo modo de produção e reprodução social do sistema
econômico-político vigente. Nesse contexto, as violações de
direitos se agudizam na relações complexas do mundo globalizado
do poder dominante.

Diante dos desafios que recrudescem a convivência


humana em decorrência da desigualdade social, da intolerância as
questões étnicas raciais, do desrespeito à diversidade cultural, das
violências contra o pluralismo de ideias, a educação em direitos
humanos surge como possibilidade para fortalecer os ideais de
uma democracia cidadã.

Assim, desenvolver uma educação em direitos humanos


imbricada no conceito de cultura democrática,
fundamentada nos contextos nacional e internacional,
nos valores da tolerância em relação às diferenças, na
solidariedade, na justiça social, na sustentabilidade, na
inclusão e na pluralidade é urgente, imprescindível e
essencial. É a educação nessa direção que possibilita
avançar no reconhecimento e na defesa intransigente dos
direitos fundamentais para todo ser humano, na defesa e
fortalecimento da democracia (SILVA, 2010, p. 43).

Dessa forma, compreende-se o papel da educação
em direitos no alicerce da mudança da convivência social no
constructo das relações humanas sustentadas na ética e no valores
universais. No ano de 2003 tem-se o lançamento do Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos de acordo com as normativas
internacionais (BRASIL, 2013).

A implementação do Plano Nacional de Educação em

319
Direitos Humanos visa, sobretudo, difundir a cultura de
direitos humanos no país. Essa ação prevê a disseminação de
valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez
que o processo de democratização requer o fortalecimento
da sociedade civil, a fim de que seja capaz de identificar
anseios e demandas, transformando-as em conquistas
que só serão efetivadas, de fato, na medida em que forem
incorporadas pelo Estado brasileiro como políticas públicas
(BRASIL, 2013, p. 18).

No tocante a essa ideia, faz-se necessário discutir o Plano


Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) em todos os
âmbitos da sociedade civil. Os seus objetivos são estratégias que
permitem ações nos espaços institucionais públicos e privados,
no processo de formação, produção e prática do conhecimentos
em níveis formal e informal que reverberem em práticas sociais
transformadoras. Assim, o PNEDH apresenta cinco eixos de atuação
estruturados em concepções, princípios e ações programáticas:
Educação Básica; Educação Superior; Educação Não-Formal;
Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança;
Educação e Mídia.

A educação em direitos humanos deve ser promovida em três


dimensões: a) conhecimentos e habilidades: compreender
os direitos humanos e os mecanismos existentes para a sua
proteção, assim como incentivar o exercício de habilidades
na vida cotidiana; b) valores, atitudes e comportamentos:
desenvolver valores e fortalecer atitudes e comportamentos
que respeitem os direitos humanos; c) ações: desencadear
atividades para a promoção, defesa e reparação das
violações aos direitos humanos (BRASIL, 2013, p. 24).

A educação em direitos humanos perpassa o aprendizado


do conhecimento formal e promove processos reflexivos sobre
as violações, defesa e promoção dos direitos. Nessa perspectiva,
é de suma importância discutir a intersetorialidade da prática
educativa dos direitos humanos na convergência com os sistemas
de proteção da criança e do adolescente.

Sem dúvida, a proposta da educação em direitos humanos


irradia práticas sociais, profissionais no desafio de consolidar

320
a política socioeducativa nos parâmetros da inclusão social e
cidadania dos adolescentes em conflito com a lei na possibilidade
da construção de projetos de vida e protagonismo juvenil. Nessa
direção, o SINASE dialoga com demais sistemas de políticas
públicas na complementariedade de ações que oportunizem aos
atores sociais envolvidos o aprendizado, a reflexão, o debate e a
construção de diretrizes de trabalho e atuação face aos desafios
de enfrentamento as violações de direitos que envolvem o público
juvenil.

As ações de educação em direitos humanos previstas nos


Planos Decenais de Atendimento Socioeducativo

A partir do arcabouço normativo-legal e teórico-


metodológico delineados nas temáticas da educação em
direitos humanos e do atendimento socioeducativo proposto
nos Planos Decenais (federal, estadual e municipal) de acordo
com a representação do “Quadro – 1 Demonstrativo dos Planos
Decenais”, a coleta de dados se deu a partir da análise das metas
de cada Planos Decenais Socioeducativos.

A compreensão dos cinco eixos que estruturam o PNEDH


permitiu fazer leituras das metas de cada eixo programático dos
Planos Decenais Socioeducativos, e com isso apontar os destaques
importantes dos pontos concernentes no PNEDH no que se
referem as ações programáticas do Eixo I. Educação Básica:

8. promover a inserção da educação em direitos humanos


nos processos de formação inicial e continuada dos (as)
trabalhadores (as) da educação, nas redes de ensino e nas
unidades de internação e atendimento de adolescentes
em cumprimento de medidas socioeducativas, incluindo,
dentre outros (as), docentes, não-docentes, gestores (as) e
leigo (as).

19. apoiar a elaboração de programas e projetos de educação


em direitos humanos nas unidades de atendimento
e internação de adolescentes que cumprem medidas
socioeducativas, para estes e suas famílias.

Eixo IV. Educação dos profissionais dos Sistemas de Justiça e

321
Segurança, a seguinte ação programática:

10. fomentar ações educativas que estimulem e incentivem o


envolvimento de profissionais dos sistemas com questões de
diversidade e exclusão social, tais como: luta antimanicomial,
combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil, defesa
de direitos de grupos sociais discriminados, como mulheres,
povos indígenas, gays, lésbicas, transgêneros, transexuais
e bissexuais (GLTTB), negros (as), pessoas com deficiência,
idosos (as), adolescentes em conflito com a lei, ciganos,
refugiados, asilados, entre outros.

Os dados permitem analisar a incipiente interlocução da


temática Direitos Humanos com a política socioeducativa de
atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. Percebe-se
no quadro 1 a distribuição quantitativa de metas referentes aos
Planos Decenais. No quadro 2, na coluna do Eixo – 1 Gestão do
SINASE não há registros de metas com interface na educação
em direitos humanos. No Eixo 4. Sistemas de Justiça e Segurança
Pública, apenas a instância da gestão pública federal estabeleceu a
meta na interface da educação em direitos humanos.

O SINASE se estabelece na interação com outros sistemas


de políticas públicas (saúde, educação, assistência social, justiça
e segurança pública). Compreende-se a gestão do SINASE no
diálogo intersetorial sistemático. Faz-se necessário a interlocução
de ações da educação em direitos humanos, pois existem práticas
profissionais arraigadas de preconceitos, atos discriminatórios e
posturas que evidenciam os estereótipos no processo da execução
socioeducativa.

A sociedade brasileira vive atualmente no perigoso discurso


de ódio que permeia a convivência coletiva nos diversos espaços
sociais. Diante dessa realidade, a educação em direitos humanos é
um valioso instrumento na interface com as políticas sociais, visto
que as violações de direitos chegam apressadamente àqueles que
vivem à margem da cobertura da proteção social.

O SINASE no status de política pública de Estado se


constituiu no desafio de qualificar o atendimento socioeducativo
aos adolescentes em conflito com a lei a manter o fluxo com outros

322
atores sociais consonante as normativas de direitos humanos de
abrangências nacional e internacional. E perseguir o ideal dos
sujeitos mobilizados no processo da participação coletiva de
enfrentamento aos conflitos e violências da contemporaneidade.

Considerações finais

A desigualdade social no Brasil exige o enfrentamento com


políticas sociais de Estado. A violência social é multifacetada nas
relações sociais do cotidiano. A sua ocorrência é sistemática, e
prevalece nas violações de direitos da população pobre que não
tem acesso aos sistemas de saúde, educação, habitação, justiça,
lazer.

A violência reverbera na complexidade das relações de


poder do Estado através de mecanismos da corrupção e da
impunidade dos crimes de “colarinho branco”. Discutir a violência
da conduta dos adolescentes que cometem atos infracionais exige
a investigação e estudo na perspectiva de enfrentar discursos
conservadores de criminalização da pobreza.

No contraponto dessas forças políticas tão presentes no


cenário brasileiro, não se pode prescindir do debate da defesa dos
direitos humanos, tendo em visto o retrocesso dos direitos sociais
se alarga ao patamar de acentuar a exclusão dos indivíduos no
processo da barbárie social.

O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional


de Atendimento Socioeducativo propõem implementação de
políticas públicas de promoção, defesa e controle social na primazia
da responsabilidade do Estado: dotação orçamentária, gestão
administrativa e fiscalização das ações, projetos e programas.

Ademais, a execução da medida socioeducativa vem no


processo de mudança de paradigma no contexto social e cultural
do discurso do encarceramento de adolescentes e jovens. A
resolução dos conflitos não se sustenta na prática de violências e
no argumento falacioso da “ressocialização” para o convívio social.
As medidas punitivas agravam a exclusão e segregação social
dessa população que têm os seu direitos violados em tenra idade.

323
Referências

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Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto


da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm, Acesso
em: agosto/2109.

_______. Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema


Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a
execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente
que pratique ato infracional e altera diversas leis. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/
L12594.htm, Acesso em: agosto/2019.

______ . Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos/Comitê


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Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça,
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serviço social. São Paulo: Cortez, 2013.

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trabalho e formação profissional. 6ª ed. São Paulo, Cortez, 2003.

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Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente. Letalidade
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proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes. In:
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324
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básica: qual o significado?. In: SILVA, Aída Maria Monteiro;
TAVARES, Celma (Orgs.). Políticas e fundamentos da educação em
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histórico. In: Eixo 1 – Módulo 1 – Políticas públicas e direitos da
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http://ens.sinase.sdh.gov.br.

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e serviço social no judiciário: trabalho e resistências. São Paulo:
Cortez, 2018.

325
Deficiências e Políticas Legislativas:
as Armadilhas do Discurso Jurídico
no campo das diversidades

Vanessa Cristina Lourenço Casotti Ferreira da Palma1


Ariel de Jesus Silva2

Resumo

O presente estudo propõe uma análise crítica do discurso
legislativo sobre a deficiência, como uma das faces da diversidade,
baseado em textos de normas jurídicas nacionais e internacionais.
Para esta análise será utilizado o método quanti e qualitativo,
com base na técnica de pesquisa documental bibliográfica. O
objetivo principal é estabelecer uma correlação entre a tratativa
dada aos deficientes pelos dispositivos normativos jurídicos e a
perpetuação de práticas sociais excludentes. A hipótese é de que
os discursos oficiais sobre a deficiência reforçam estigmas de
fragilidade ou anormalidade do sujeito deficiente.

Palavras-chave: Deficiência; Diversidade; Práticas Sociais;


Normas Jurídicas.

Introdução

Este estudo constitui parte de uma pesquisa em andamento


e objetiva analisar a construção do discurso jurídico (analisados
como instrumento legítimo e legitimador do discurso oficial do
poder estatal) sobre a deficiência, como um dos exemplos das
diversidades. A pesquisa busca confirmar ou negar a hipótese de
que os discursos oficiais sobre a deficiência reforçam estigmas de
fragilidade ou anormalidade do sujeito deficiente.

1. vanessacasotti@hotmail.com. Doutora em Educação, docente do curso de Direito da


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS
2. arieljs@live.com. Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul - UFMS

326
Para tanto, serão abordados os conceitos foucaultianos
trabalhados em “A Verdade e as Formas Jurídicas” (2013), bem
como os estudos de Judith Butler (2003) e Hannah Arendt (2004)
acerca de questões pontuais sobre diversidades e exclusão social.
Para além do discurso jurídico, abordar-se-ão aspectos que
demonstram práticas sociais discriminatórias das pessoas com
deficiência.

Em segundo plano, será abordado o tema das identidades


culturais em Roberto Schwarz (2005) e Stuart Hall (2006), na
tentativa de identificar possíveis práticas hegemônicas no
discurso legislativo. Com esta análise, busca-se estabelecer
uma compreensão da identidade da pessoa com deficiência
como representação das abordagens discursivas em relação às
diversidades culturais e sociais.

O tema abordado neste estudo é essencial para a


compreensão das várias dimensões dos direitos humanos no
campo das diversidades. A pesquisa está em andamento, mas
busca-se como resultado a identificação do posicionamento
político, intrínseco ao discurso jurídico, mas que por vezes é
disfarçado sob o manto ilusório da neutralidade dos direitos
humanos que podem agir como reprodutor ou redutor das
normas hegemônicas.

Deficiência e Diversidades: Algo sobrea (des)construção da


normalidade

Historicamente a deficiência é vista como uma quebra do


padrão biológico de normalidade do corpo humano. Ao longo da
história é possível identificar momentos em que a deficiência foi
atribuída a castigos divinos que condenavam almas promíscuas
a um corpo “quebrado”. Os estigmas sobre o corpo, ou a mente,
anormal condenavam os sujeitos com deficiência ao seio mais
obscuro da vida privada, limitando seu convívio à família que o
escondia do convício social (SILVA, 1986).

Esta abordagem do deficiente como o monstro a ser


escondido e afastado da vida pública teve e tem reflexos na sua
participação social até os dias atuais. Senão vejamos, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 1 bilhão

327
de pessoas que vivem com alguma deficiência, ou seja, uma em
cada sete pessoas no mundo. Dentre este número, cerca de 150
milhões são crianças. A Organização das Nações Unidas (ONU)
afirma que 80% das pessoas que vivem com alguma deficiência
residem nos países considerados “em desenvolvimento” onde
cerca de 90% das crianças com deficiência não frequenta a escola
(ONU, 2018).

Abordando mais especificamente as questões educacionais,


verifica-se que há uma dificuldade salutar no acesso do deficiente
ao ensino básico. Estima-se que, mesmo em “países desenvolvidos”
o acesso à Educação Especial é ineficaz, pois apenas 60% das
crianças em idade escolar completam os estudos nas escolas
primárias. O problema se agrava nos países mais pobres onde
somente cerca de 45% dos meninos e 32% das meninas deficientes
completa o ensino primário (ONU, 2018).

Logo, pode-se observar que os problemas que envolvem a


deficiência são multifacetados e possuem diversas nuances. Pois,
além da deficiência em si, há diversas outras barreiras (econômicas,
políticas, étnicas, sociais, etc) que dificultam sua inclusão de forma
efetiva na sociedade.

Partindo desta primeira análise, é possível por em voga


a questão das diversas abordagens possíveis no campo das
deficiências. Isto é, considerar a deficiência em face às inúmeras
possibilidades de “ser deficiente”. Estas possibilidades vão além
dos axiomas biológicos sobre o sem número de peculiaridades de
caráter fisiológico, comumente chamadas de deficiência.

A deficiência não é passível de ser deslocada de seu campo


social e analisada como aspecto único dos indivíduos, nem tão
pouco pode ser observada num contexto que se distancie da
história da pessoa com deficiência. O deficiente, como sujeito
social, abarca uma infinidade de manifestações ontológicas que
são conexas às outras faces das diversidades como classe social,
gênero, “raça” e etnia.

Destarte, para que o estudo acerca da deficiência seja o


mais próximo da realidade possível, é necessário identificar todas
as nuances que tangenciam a concepção pós-moderna de sujeito.

328
Para esta análise, o presente estudo se apropriará dos conceitos
apresentados por Stuart Hall (2006), sobre a identidade cultural
multifacetada e fragmentada.

A tentativa de traçar uma identidade cultural específica


para a pessoa com deficiência caminha em paralelo aos
descentramentos do sujeito abordados por Hall sobre o
surgimento dos movimentos sociais. Ao comentar sobre o
surgimento dos movimentos sociais identitários, indica que

Cada movimento apelava para a identidade social de seus


sustentadores. Assim, o feminismo apelava às mulheres,
a política sexual ao s gays e lésbicas, as lutas raciais aos
negros, o movimento antibelicista aos pacifistas, e assim
por diante. Isso constitui o nascimento histórico do que
veio a ser conhecido como a política de identidade — uma
identidade para cada movimento (2006, p. 45).

Partindo deste descentramento, como seria possível


identificar um movimento capaz de sintetizar o surgimento de
uma identidade cultural da deficiência?

Como se observa em Hall (2006), a identidade na pós-


modernidade é transitória e não possui elementos que a
solidifiquem num condicionamento de caráter definitivo, ou seja,
um sujeito se identifica com inúmeras diversidades em momentos
diferentes de sua história. Assim, a classificação que caracteriza a
pessoa com deficiência como indivíduo a ser incluído em espaços
ditos “normais” de forma adaptada é feita numa perspectiva
limitada.

A percepção do sujeito deficiente ocorre de forma enviesada


por um aspecto único de sua identidade, o que demonstra que
a sua inclusão não o considera como ser humano completo e
sujeito de direitos. Conforme assevera Judith Butler (2003), ao
comentar os problemas de gênero, “[...] não há como recorrer a
um corpo que já não tenha sido sempre interpretado por meio de
significados culturais” (BUTLER, 2003, p.27).

Bem, a identidade cultural deficiente ou o movimento social


deficiente, se é que existe conscientemente, não encontra reflexo

329
numa organização específica com definições teóricas claras como
o feminismo, nem sequer possui marcos históricos claros como o
antissemitismo ou racismo.

Malgrado haja dificuldade de um marco social ou histórico


claro, faz-se necessário elucidar a abordagem protetiva que
os direitos das pessoas com deficiência vêm ganhando ao
longo da história contemporânea. Assim, esta pesquisa tomará
como parâmetro para a análise de uma identidade cultural da
deficiência (de caráter humanista) o “surgimento” e difusão dos
Direitos Humanos após a segunda guerra mundial. Ressalva-se,
no entanto, que, conforme abordado por Silva (1987), a história
da deficiência é tão antiga quanto a da própria humanidade3.

Exclusão Social: O Papel dos Discursos Jurídicos Oficiais

O discurso oficial do estado que envolve a pessoa com


deficiência no cenário nacional atual é dissonante daqueles que
envolvem outras faces da diversidade. Este dado se materializa,
por exemplo, ao analisar a produção legislativa estatal sobre
temas como acessibilidade à pessoa com deficiência, violência
de gênero, sexualidade e questões de “raça” e etnia. Parâmetros
que não são tão claros na análise cultural das identidades pós-
modernas (HALL, 2006), mas que possuem predileções bem
definidas no âmbito dos discursos políticos.

Verifica-se que iniciativas como a Convenção sobre os


Direitos das Pessoas com Deficiência, recepcionada pelo Decreto
Lei 186/2008, tramitam e são aprovados pelo Congresso Nacional
brasileiro com certa facilidade. Porém, assuntos que envolvem
outras questões sociais como, por exemplo, criminalização da
homofobia geram polêmicas ao serem suscitados como realidades
sociais e são retirados das pautas oficiais do Estado.

Sobre tais aspectos é possível ressaltar, a critério de


exemplo, o projeto de lei 122 de 2006 que, entre outros aspectos,

3. A identificação de um período histórico claro como ponto de partida para o movimento


de fortificação das políticas legislativas para a inclusão do deficiente é problemática,
mas por uma questão de adaptação metodológica, este estudo adota como marco
principal a criação da Organização das Nações Unidas – ONU – em 1945.

330
buscava a criminalização de condutas discriminatórias contra a
comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) foi
arquivado em 2014. Isto é, depois de oito anos de uma tramitação
obstada pela critica da sociedade civil e por práticas políticas
conservadoras, não houve aprovação do projeto nem qualquer
proposta alternativa para minimizar a violência sofrida por este
grupo. Do outro lado do espectro da inclusão, as pautas que
tratam da inclusão do deficiente são aprovadas com quóruns
recorde. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência foi incluída no ordenamento jurídico nacional
com força de emenda constitucional (procedimento mais longo e
com necessidade de mais votos – CF/88, art. 5º, § 4º)4.

Partindo deste contexto, passa-se a observar a perspectiva


internacional por meio dos Direitos Humanos. O marco de
referência utilizado é a perspectiva pós segunda guerra, muito
embora este tema tenha raízes mais antigas no direito canônico
(RAMOS, 2013). Esta escolha é mais acertada para a finalidade
deste estudo, pois a delimitação do fator temporal se baseia
na abordagem supostamente humanista que se propõe após o
genocídio étnico que chocou o mundo e propiciou uma mudança
de paradigmas sobre a proteção ao ser humano.

Ressalve-se, porém, que nem mesmo este choque universal


foi suficiente para pôr em xeque discursos que afirmam a
mitigação da importância da vida humana, ou melhor, de certas
faces da vida humana. Nesse sentido, a abordagem adotada
pelo poder estatal para corrigir os problemas tem sido a adoção
de políticas públicas de inclusão forçada. Ou seja, a lei impõe a
obrigatoriedade de participação dos grupos vulneráveis em
diversos âmbitos da sociedade.

Neste aspecto da repreensão da violência contra


determinados grupos é possível notar o exercício coercitivo
do poder estatal na vida dos sujeitos. Esta relação de poder é
unidirecional e claramente hierárquica, ao contrário do que

4. Informações sobre tramitação de projetos retiradas da página oficial da câmara dos


deputados no portal <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao> em
15/06/2019.

331
observam Mwewa, Cechinel e Vaz (2018) na análise das diversas
formas de exercício de poder entre sujeitos (dominador/
dominado) por meio da relação dinâmica entre as personagens
da Odisseia de Homero. Desta forma, enquanto na relação entre
os deuses o poder se desloca entre os atores num fluxo dinâmico,
na relação Estado/indivíduo o poder se oficializa numa dinâmica
unidirecional, de cima para baixo. A forma de estabelecimento
do discurso oficial é (semi)democrática, mas, uma vez legitimado
na forma de lei, coloca-se como única fonte de poder de
decisão legítima, devendo ser obedecida os seus comandos
independentemente dos reflexos de sua aplicação.

A relação de poder entre Estado e cidadão é legitimada por


uma participação indireta deste último no processo legislativo
(BRASIL, CF, 1988, “preâmbulo”). Logo, o plano discursivo
pressupõe certa equivalência de poder entre povo e Estado, o que
não se verifica no plano fático. Pois o discurso oficial se constrói
numa dinâmica coercitiva de legitimação hierárquica imposta por
meio das leis, num contraponto à relação entre os Deuses que
pressupõe uma igualdade, o que gera a fluidez do poder.

Logo, os discursos oficiais se estabelecem como uma via de


mão dupla na sociedade. Sendo que um dos sentidos cristaliza
as práticas sociais hegemônicas e o outro traz a possibilidade de
propor, pela via coercitiva, meios para modificação de costumes.
Assim, as práticas sociais podem ser legitimadas e estratificadas
pelo discurso oficial do Estado, mas, concomitantemente, estas
mesmas escolhas político-legislativas tem o condão de incentivar
mudanças práticas num cenário macroestrutural.

Ainda acerca da dissonância entre o poder do Estado e a


vontade dos sujeitos, Adorno (2003) aborda que

o centro de toda educação política deveria ser que


Auschwitz não se repita. Isto só será possível na medida
em que ela se ocupe da mais importante das questões sem
receio de contrariar quaisquer potências. Para isto teria de
se transformar em sociologia, informando acerca do jogo de
forças localizado por trás da superfície das formas políticas.
Seria preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável
como o da razão de Estado, para citar apenas um modelo:

332
na medida em que colocamos o direito do Estado acima do
de seus integrantes, o terror já passa a estar potencialmente
presente (ADORNO, 2003, p. 137).

Esta abordagem é exemplificada na adoção dos sistemas


de ações afirmativas que garantem/obrigam que os indivíduos
marginalizados ingressem nos espaços públicos que, sem esta
iniciativa, os excluiriam. O “sistema de cotas” reserva aos grupos
com menor participação uma porcentagem de vagas em salas
de aula, concursos públicos e cargos eletivos. Porém esta medida
é considerada problemática por tentar tratar com paliativos um
problema profundamente enraizado na sociedade, atribuindo ao
Estado um poder de mudança atitudinal que supera a capacidade
de intervenção estatal.

O problema do discurso oficial acerca da inclusão das


diversidades está justamente em tratar uma necessidade de
mudança comportamental como uma questão meramente
legislativa.

Considerando este aspecto de impossibilidade de atuação


do Estado na inclusão num plano horizontal (entre indivíduos),
é válido retomar as “Reflexões sobre Little Rock” propostas
por Hannah Arendt (2004). Nesse texto, a autora questiona a
intervenção estatal na obrigatoriedade de inclusão de negros
nas escolas públicas totalmente direcionadas aos brancos. Os
questionamentos da autora em nenhum momento desconsideram
a necessidade de inclusão dos negros, mas levanta os problemas
enfrentados em cada um dos fatores sociais envolvidos. A autora
aborda os dilemas enfrentados, sobretudo, pelo sujeito que se
propunha incluir. No caso analisado, a jovem negra, usuária final do
“benefício” concedido pelo judiciário, era alvo de ações ofensivas
constantes por parte dos grupos racistas e, com a oportunidade
que lhe foi concedida, tornou-se responsável por concretizar por
si só a realização de uma sociedade mais inclusiva.

Em suas reflexões, Arendt ressalta ainda que

mudar o mundo educando as crianças no espírito do futuro


tem sido uma das marcas registradas das utopias políticas
desde a Antiguidade. O problema com essa ideia tem sido

333
sempre o mesmo: só pode dar certo se as crianças são
realmente separadas de seus pais e criadas em instituições
do Estado, ou doutrinadas na escola de tal modo que acabam
se virando contra os próprios pais. É o que acontece nas
tiranias. Por outro lado, se as autoridades públicas não estão
dispostas a inferir as consequências de suas esperanças e
premissas vagas, todo o experimento educacional acaba,
na melhor das hipóteses, sem resultados, enquanto, no
pior dos casos, irrita e antagoniza tanto os pais como os
filhos, que sentem estar sendo privados de alguns direitos
essenciais. A série de acontecimentos no Sul que se seguiu
à decisão da Suprema Corte, depois dos quais o governo
se comprometeu a travar a sua batalha pelos direitos civis
na esfera da educação e escolas públicas, impressiona pelo
senso de futilidade e amargura desnecessária, como se
todas as partes envolvidas soubessem muito bem que nada
estava sendo realizado sob o pretexto de que alguma coisa
estava sendo feita (2004, p. 265).

Nesta perspectiva, a educação ideal (Direito de todos como


proposto pela Constituição Federal do Brasil) é, de fato, inclusiva.
No entanto, este ideal não pode sobrepor à necessidade de
articulação do próprio sujeito em prol de seu desenvolvimento.
Assim, o direito de ser incluído não poderia ser considerado uma
obrigação jurídica de “estar presente” mesmo num ambiente
hostil.

Numa outra abordagem, afirma-se pela necessidade de


intervenção estatal.

A questão da exclusão abordada acima é, em certa medida,


igualmente aplicável às pessoas com deficiência. Pois, com a
disseminação da ideia dos Direitos Humanos, os sujeitos com
deficiência ganharam uma visibilidade que não possuíam até
então. Surgiram diversas normas jurídicas com o objetivo de
oficializar o discurso de inclusão em diversas áreas da sociedade,
na educação inclusive.

Esta hostilidade que se coloca como óbice a inclusão das


inúmeras diversidades é um dos reflexos do que Freud (1976)
aborda como o “Mal estar na cultura”, nesta obra o autor ressalta

334
o papel da convivência com o “outro” nos sentimentos de
infelicidade experimentados pelos sujeitos, pois

o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso


próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e
que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade
como sinais de advertência; do mundo externo, que pode
voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras
e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos
com os outros homens. O sofrimento que provém
dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que
qualquer outro. Tendemos a encará-lo como uma espécie
de acréscimo gratuito, embora ele não possa ser menos
fatidicamente inevitável do que o sofrimento oriundo de
outras fontes (FREUD, 1976, p. 25, grifo nosso).

Nesta mesma esteira da exclusão social e da discriminação,


é necessário abordar a impossibilidade de construção de uma
identidade nacional livre de influências externas (SCHWARZ,
2005). Pois o discurso jurídico brasileiro, apesar de se apresentar
como um dos instrumentos de perpetuação de práticas
sociais discriminatórias e de preconceitos, abarca concepções
internacionais postas pelos Direitos Humanos que objetivam a
inclusão da pessoa com deficiência.

O código civil de 1916 tratava os deficientes mentais, por


exemplo, nas questões de incapacidade absoluta, como “loucos
de todo o gênero” e vinculava a esta condição o surdo-mudo,
desconsiderando sua capacidade de socialização. Posteriormente,
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, texto
balizador dos demais componentes legais do país, possibilitou-se
uma redução destes preconceitos à luz do princípio da Dignidade
da Pessoa Humana.

A constituição atual é considerada a mais democrática


que já vigorou em solo nacional e chega a ser denominada
constituição cidadã por trazer em seu texto avanços para os mais
variados ramos da sociedade, incluindo-se nesses o deficiente.
Porém, ao tratar deste grupo, o diploma utiliza uma nomenclatura
que, considerando os avanços atuais, é incompatível com a
realidade destas pessoas. O termo “portador”, que aparece no

335
texto constitucional por quinze vezes (incluindo as variações de
número e de gênero) para se referir à pessoa com deficiência,
denota uma característica passageira sendo incompatível com a
maioria dos casos de deficiência. Todavia, o decreto nº 6.949 de
2009, que incorpora à nossa legislação, com valor de emenda
constitucional, a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, utiliza termos mais próximos de uma
realidade inclusiva.

Ao escolher “pessoa com deficiência” ou “pessoa deficiente”


a norma humaniza os indivíduos aos quais se refere dando
enfoque a sua condição de pessoa e não às suas limitações. Esta
incompatibilidade entre normas constitucionais persistente no
sistema jurídico brasileiro sustenta desconfortos na realidade
fática, pois, se os termos se confundem numa legislação
hierarquicamente superior, é ainda mais dificultoso exigir uma
utilização plenamente humanista no cotidiano social.

O meta princípio da Dignidade da Pessoa Humana pode ser


lido como um método balizador do discurso oficial e, apesar das
digressões doutrinárias acerca do tema, pode ser compreendido
como uma compreensão de que todo o ser humano deve ser
tido como um fim em si mesmo devendo ser respeitado em sua
integridade, cabendo ao Estado apenas proporcionar-lhe os
meios necessários para exercer seus direitos (FERNANDES, 2014).

Este parâmetro se torna problemático ao passo que se


confronta com a antinomia entre sua exigibilidade nas relações
Estado/sujeito e entre sujeito/sujeito. Pois compreendê-lo como
dever exclusivo do Estado seria renegar à necessidade de acepção
de valores constitucionais pela própria população tida como
origem do poder constituinte (BRASIL, CF, 1988, “preâmbulo”).
Assim, o respeito a estes valores deve estar presente nos discursos
oficias do Estado, sobretudo nas leis (que serão colocadas como
formas de estabilização das práticas sociais).

No entanto, tendo em vista que este mesmo discurso pode


cristalizar e fomentar (pre)conceitos contra as pessoas que busca
defender, é necessário o incentivo à participação ativa dos sujeitos
na construção das políticas educacionais. Pois este princípio serve
como lume, não apenas para a interpretação constitucional,

336
mas para elucidar as práticas legislativas e sociais, devendo ser
observado tanto pelo legislador como pelos cidadãos nas suas
relações.

Num sentido oposto ao levantado por Arendt (2004),


Capellini e Mendes (2006) ressaltam a importância da intervenção
estatal na mudança das macroestruturas. Aborda-se que a
recepção da Educação Especial pela legislação é essencial para
a inclusão dos deficientes. Pois, mesmo que se trate de uma
inclusão limitada (restrita à presença física do deficiente nos
espaços escolares), há uma possibilidade de progressão da
naturalização de sua presença neste em outros âmbitos da vida
social (CAPELLINI e MENDES, 2006).

O argumento em favor da intervenção do estado ganhou


espaço na produção legislativa do Brasil e cominou no que
conhecemos hoje como Educação Especial.

A Educação Especial, considerada como instrumento


do discurso oficial, é, atualmente, o principal meio de inclusão
do deficiente no seio das escolas e, concomitantemente, na
sociedade, sobretudo nas faixas etárias que incluem as infâncias.
A definição desta modalidade é dada pela lei nos seguintes
parâmetros:

Entende-se por Educação Especial, para os efeitos


desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação
(BRASIL, Lei nº 9.394 de 20/12/1996, art. 58).

Para complementar o sentido desta modalidade


educacional, faz-se necessário compreender as acepções de
deficiência apreendidas pelo discurso jurídico na tentativa de
inclusão. Assim, deve-se observar que:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem


impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma
ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e

337
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas (BRASIL, Lei nº 13.146, de 06/07/2015, art.
2º).

Assim, a abordagem da história da Educação Especial passa


necessariamente pela legislação. Pois para que haja uma aplicação
das práticas inclusivas é preciso o crivo do discurso jurídico.
Sob tal análise é possível, mesmo que superficialmente, verificar
os avanços obtidos e na busca pela inclusão da pessoa com
deficiência na educação. Haja vista que o Direito deve acompanhar
os avanços sociais, mas também deve incentivá-los e fortalecê-los
nos espaços em que o discurso oficial possui mais eficácia que as
ações individuais.

Considerações Finais

Deve-se considerar que a inclusão das diversidades nos


espaços sociais, sobretudo no espaço escolar, passa por diversos
estágios e possui grande reflexo na vida dos sujeitos excluídos.
Numa perspectiva ideal esta inclusão deveria se colocar
gradativamente por meio de uma mudança nas práticas sociais
pelos próprios indivíduos, independentemente de imposições
estatais. No entanto, em alguns cenários a intervenção estatal é
essencial para corrigir as práticas discriminatórias.

Partindo desta análise, é possível observar que o discurso


oficial do estado, oficializado por meio da lei, pode ocultar
armadilhas que perpetuam práticas sociais prejudiciais às
diversidades. No entanto, a legislação brasileira, ao menos em
parte, vem apresentando certa evolução ao tratar da inclusão
dos deficientes pela educação, o que possibilita uma redução
gradual dos preconceitos a deficiência como uma das vertentes
das diversidades sociais.

338
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340
El desafío de la intervención pública en los Hoga-
res con Dependientes y su Red de Apoyo: Hitos
en la implementación del Programa Red Local de
Apoyos y Cuidados en la comuna de Rancagua

The challenge of public intervention in Homes with Dependents


and its Support Network: Milestones in the implementation of
the Local Network of Supports and Care Program in
the Commune of Rancagua

Karen González Flores1

Resumen

El Gobierno de Chile, a través del Ministerio de Desarrollo
Social, durante 2015, considerando la realidad nacional y los
antecedentes sociodemográficos respecto al envejecimiento de
la población, propuso el diseño de un nuevo pilar en el Sistema de
Protección Social denominado Sub-sistema Nacional de Apoyos
y Cuidados, Chile Cuida, cuyos beneficiarios corresponden a los
hogares más vulnerables que integran una o más personas en
situación de dependencia. El presente artículo expone y analiza
los principales hallazgos obtenidos a partir de la implementación
del Programa Piloto Red Local de Apoyos y Cuidados (2017) en la
comuna de Rancagua, Región de O’Higgins, donde los resultados
en el proceso de instalación permiten generar una reflexión,
desde el Trabajo Social, en torno a los desafíos que enfrenta la
intervención con personas mayores y dependientes en el contexto
social actual.

A propósito de lo anterior, se examinan experiencias


nacionales e internacionales en las temáticas de apoyos y cuidados,
para luego revelar la experiencia local en esta nueva propuesta de
política pública. La investigación expone una caracterización de
estos hogares, los resultados del Programa y evidencia cómo las

1. Afiliación Institucional: Seremi de Desarrollo Social y Familia, Región de O’higgins

341
familias beneficiarias perciben un cambio positivo en su calidad
de vida.

Palabras Claves: Adulto mayor – Derechos Humanos – Situación


de dependencia – Apoyos y cuidados – Redes Institucionales

Abstract

The Chile´s Government, through the Ministry of Social


Development in 2015, considering the national reality and the
sociodemographic background with respect to the aging of the
population, proposed the design of a new pillar in the Social
Protection System called the National Sub-System of Support
and Care: “Chile Cuida”, whose beneficiaries correspond to the
most vulnerable households that make up one or more people
in situations of dependency. This article exposes and analyzes
the main findings obtained from the implementation of the
Pilot Program Local Network of Support and Care (2017) in the
district of Rancagua, O’Higgins Region, where the results in the
installation process allow to generate a reflection, from Social
Work, around the challenges that intervention with older and
dependent people faces in the current social context.

About the above, national and international experiences in


the themes of support and care are examined, to then reveal the
local experience in this new public policy proposal. The research
exposes a characterization of these households, the results of the
Program and shows how the beneficiary families show a positive
change in their quality of life.

Key Words: Elder – Human Rights – Dependency status – Support


and caring – Institutional networks.

Introducción

Una de las tendencias sociodemográficas y generacionales


más relevante que afecta y repercute actualmente a las sociedades
es el envejecimiento de la población. Diversos estudios han
analizado este fenómeno, concluyendo entre otras cosas, que a
nivel mundial la cantidad de personas de 60 años y más superará
a las menores de 15 hacia 2050 (UNFPA, 2017, pág. 15), lo que

342
supone una serie de desafíos que requieren un abordaje integral
por parte de las entidades gubernamentales, considerando
el impacto que genera este fenómeno en el bienestar de las
personas.

La realidad latinoamericana se condice con esta situación y


desde allí se sabe que, los países con mayores porcentajes de vejez
son Cuba, Uruguay y Costa Rica donde el índice de envejecimiento
alcanza el 19,7%. Lo que no es muy distinto al contexto chileno,
puesto que según los datos de la Encuesta CASEN 2015, la
población mayor en Chile llega al 17,6%; este índice se desglosa
en la denominada “vejez joven” (personas entre 60 y 74 años)
alcanzado el 72,1%, otro 24,9% está entre los 75 años y más, y
un 3% que pertenece a la “cuarta edad”, esto es: personas de 91
años o más (CEPAL, 2011, pág. 3). Este nivel de envejecimiento
ha generado en la población, otra variable relacionada con el
fenómeno de asociar la vejez con una situación de dependencia
o necesidad de cuidados especiales, lo que sin dudas viene
acompañado de un aumento en el costo de vida demostrado a
través de la población que está en los niveles socioeconómicos
más bajos de la población chilena, lo cual ha sido fácil de concluir
si se corroboran los datos entregados por la Encuesta CASEN, en
el que se muestra que a fines de 2013, la población adulta mayor
en situación de pobreza por ingresos alcanzaba del orden de
242 mil personas, esto es, el 8,4% de la población de 60 años o
más. Dentro de este grupo, la población en situación de pobreza
extrema se estimaba en 57 mil personas, cifra equivalente al 2%
de la población adulto mayor (Ministerio de Desarrollo Social de
Chile, 2013, pág. 6).

En este sentido, la Dirección Sociocultural de la Presidencia


de la República, en su informe La dependencia y apoyos a los
cuidados: un asunto de derechos humanos, indica que en Chile,
una de cada cinco personas en estado de vejez es dependiente,
es decir, necesita de ayuda para sus actividades cotidianas, dos
de cada tres personas mayores con dependencia son mujeres,
el 92,2% de los cuidadores son familiares y el 89,6% de ellos son
mujeres (Dirección Sociocultural Presidencia de la República,
2017, pág. 81).

Ante esta realidad, el Gobierno de Chile busca

343
constantemente acciones para afrontar una realidad propia de
la sociedad, y es en ésta medida que, a través del Ministerio de
Desarrollo Social, en 2015 propone el diseño de un nuevo pilar del
Sistema de Protección Social denominado Sub-sistema Nacional
de Apoyos y Cuidados, Chile Cuida; en este marco, la Ilustre
Municipalidad de Rancagua decide durante 2017 implementar el
Programa Red Local de Apoyos y Cuidados, el cual se transforma
en la puerta de entrada a este sistema que promueve el bienestar
individual y de los hogares con al menos un integrante en
situación de dependencia, buscando asegurar la coordinación y
articulación de acciones existentes en la oferta pública para esta
población objetivo.

Luego de un año de implementación de esta nueva política,


se presentan en este documento algunos avances que se han
obtenido, en la que se ha logrado entre otras cosas, beneficiar
a 162 hogares de la comuna, contribuyendo en la mejora de
su calidad de vida, mediante medidas como la conformación
e implementación de una red local de apoyos y cuidados y la
provisión de servicios sociosanitarios que permitan cubrir la
brecha en las necesidades identificadas que no son cubiertas por
la oferta local existente. En un primer momento, se analizarán
algunos datos a nivel mundial y regional que marcarán el desarrollo
de la propuesta, luego se podrán reconocer los antecedentes
programáticos y metodológicos del Programa anteriormente
señalado, para finalmente, concluir que las familias, quienes en
la actualidad son los responsables del cuidado de una persona
dependiente, requieren definitivamente de una red de apoyo que
les brinde protección, contención y apoyo en sus labores, por la
dificultad que conlleva abordar esta situación de forma integrada
y coordinada.

Si bien el programa que acá se describe es una iniciativa


que aún se encuentra en ejecución, éste documento evidencia
las grandes necesidades que existen en las poblaciones, que a
diario se remarcan debido a las brechas socioeconómicas de
los países latinoamericanos, y de las cuales, todos los gobiernos
nacionales, regionales y locales, deberían hacerse cargo, dada
la responsabilidad que los mismos tienen con cada uno de sus
habitantes; por ende, se deja abierta la discusión y se presentan
algunas propuestas de mejora continua para que las comunidades

344
que acá se describen tengan una mejor calidad de vida durante la
última etapa de su desarrollo personal.

Antecedentes Teóricos Referenciales

En lo que concierne a las referencias señaladas, es primordial


insistir en la preocupación que han manifestado distintos
organismos internacionales en los asuntos del envejecimiento.
La OMS en el Informe mundial sobre el envejecimiento y la salud
(2015) subraya que la ejecución de estrategias en salud pública ha
sido ineficiente, para lo cual se debe promover un nuevo marco
de acción global que considere la gran diversidad de la población
de edad avanzada generando acciones responsables ante las
desigualdades existentes.

Algunos de los avances en nuestro país son resultado


de experiencias latinoamericanas como Costa Rica y la
implementación de la Red de Atención Progresiva para el Cuidado
Integral de las Personas Mayores (CONAPAM, 2012, pág. 2), la
cual representa una acción del Estado en la formulación e
implementación de políticas y estrategias de protección social,
que facilita una vida digna y con calidad, desde la perspectiva de
las características necesidades e intereses de las personas adultas
mayores y sus familias, incrementando la seguridad, dignidad y
autodeterminación e integridad en la vejez. Lo anterior se traduce
en un esfuerzo del Gobierno por establecer una estructura social
que incorpore a todos los actores de la sociedad para velar por el
cumplimiento de sus responsabilidades en términos de garantizar
cuidados adecuados a los niños, niñas y personas adultas mayores
dependientes.

Cuba, con la llamada “revolución silenciosa”, intentando


exponer los problemas asociados al envejecimiento de la
población, visibiliza la realidad de las familias con personas
dependientes, quienes son las únicas responsables de cubrir
las necesidades de apoyo de los adultos mayores. Se reconoce
entonces la necesidad de contar con servicios que apoyen a las
familias desde un enfoque intersectorial, creando en 2015 las
Escuelas de Cuidadores, ubicada en todos los centros de salud
pública del país. Su objetivo es educar a las familias en materia
de cuidado. El mismo año, en Uruguay se aprueba Ley de

345
Cuidados (19.353/2015), la que estipula que todas las niñas, niños,
personas con discapacidad y personas mayores en situación de
dependencia, tienen derecho a ser cuidadas. De esta forma, se crea
el Sistema Nacional Integrado de Cuidados (SNIC) con el objetivo
de generar un modelo corresponsable de cuidados, entre familias,
Estado, comunidad y mercado (Junta Nacional de Cuidados, 2015,
pág. 5). A estas iniciativas se suma el proyecto de ley sobre la
Creación del Sistema Federal de Cuidados en Argentina.

A propósito de lo anterior, uno de los desafíos del Sistema


de Protección Social 2014-2018 del Gobierno de Chile, es el
diseño e implementación gradual del Subsistema Nacional
de Apoyos y Cuidados (SNAC), dirigido a hogares que integran
adultos de 60 años y más con dependencia (moderada y severa),
personas en situación y/o condición de discapacidad y sus
cuidadores. Esto atiende directamente una necesidad nacional,
que estima que el 12% de los hogares del país tiene al menos un
integrante en situación de dependencia, es decir, 637 mil hogares
aproximadamente (CASEN, 2013, pág. 34). En este contexto, en
2016, el Ministerio de Desarrollo Social identificó y seleccionó las
comunas que serían parte de la primera fase de implementación
del modelo de gestión del Programa Red Local de Apoyos y
Cuidados el cual se constituye como la puerta de entrada al SNAC,
cuya misión es acompañar, promover y apoyar a las personas
dependientes y a su red de apoyo, pero comprende además un
lineamiento muy relevante al momento de proponerse mejorar las
condiciones en la calidad de vida de estas familias: la coordinación
intersectorial entre acciones públicas y privadas que consideran
en su intervención distintos niveles de dependencia y ciclo vital.

La Región de O’Higgins se encuentra dentro de las cinco


con mayor porcentaje de la población con algún grado de
dependencia funcional, alcanzando un 23,5% de los cuales 9,2%
corresponde al grado de discapacidad severa (SENADIS, 2016, pág.
22). Este antecedente permite que la comuna de Rancagua pueda
implementar el Programa cuyo objetivo general es contribuir a que
los hogares beneficiarios accedan a los servicios y prestaciones
sociales de apoyos y cuidados, de manera integral, oportuna y
articulada, de acuerdo con sus características y necesidades. Los
objetivos específicos son:

346
a) conformar e implementar la red local de apoyos y cuidados,
mediante la preparación y ejecución de un plan de trabajo,

b) implementar acciones de formación y capacitación que


permitan dotar gradualmente de especialidad y práctica a las
(os) profesionales integrantes de la red local y cuidadoras (es)
en materias relacionadas a la provisión de apoyos y cuidados,

c) identificar las necesidades de apoyos y cuidados no cubiertas


por oferta existente y proveer de servicios que permitan cubrir
la brecha identificada, en materia de servicios especializados.

Ahora bien, luego de un año de su ejecución, existe escasa


información sobre los perfiles o una clara caracterización de los
hogares a los cuales beneficia el Sistema, así como también de las
reales necesidades que enfrentan, sobre todo cuando el último
Censo revela el aumento de hogares unipersonales alcanzando
un 17,8% en la comuna de Rancagua (INE, 2017). De allí, que esta
investigación buscó resolver las siguientes interrogantes: ¿quiénes
necesitan la ayuda? ¿por qué la necesitan? y ¿cuáles son las ayudas
que necesitan?

Al momento de iniciar esta investigación, fue preciso


aclarar que la dependencia se entenderá como “la condición en la
que están las personas, que por razones vinculadas a la falta o a la
pérdida de la autonomía física, psíquica o intelectual, necesitan de
asistencia y/o ayudas para realizar las actividades de la vida diaria”
(SNAC, 2017). En Chile, la medición de la dependencia en el área de
salud se realiza mediante el índice de Barthel (IB), instrumento que
mide la capacidad de una persona para realizar diez actividades
de la vida diaria (AVD), consideradas como básicas, obteniéndose
una estimación cuantitativa de su grado de independencia
(Barrero Solís, García Arrioja & Ojeda Manzano, 2005, pág. 81). Sin
embargo, es importante precisar que los valores que se asignan a
cada una de las actividades se basan en el tiempo y cantidad de
ayuda física que una persona requiere si no la puede realizar por sí
misma, por lo tanto, las condiciones ambientales pueden afectar
la puntuación del IB.

Este índice se utiliza para la selección de beneficiarios, al


igual que el Registro Social de Hogares, RSH (ex Ficha de Protección

347
Social), instrumento que registra la calificación socioeconómica
de un grupo familiar y que se establece de acuerdo con la suma
de los ingresos efectivos de las personas que componen un hogar,
en un promedio de doce meses, y son ajustados por el número
de integrantes, su edad y grado de dependencia (moderada o
severa). Estos datos son otorgados por el mismo grupo familiar al
momento de actualizar su RSH cuando la situación del hogar ha
cambiado su realidad.

Siguiendo la conceptualización de la CEPAL, el subsistema


se funda en el concepto de cuidado entendido como “la provisión
cotidiana de bienestar físico, afectivo y emocional a lo largo del ciclo
de vida, tanto remunerada como no remunerada; e implica además
que el cuidado involucra tanto a los sujetos que lo reciben como
aquellos que lo entregan” (Barraza, 2017, pág. 61). De esta forma es
pertinente señalar que el denominado cuidador principal es “un
miembro de la familia u otro importante que atiende al paciente en
su domicilio y que es identificado por el paciente como su cuidador
principal” (Vallerand & Collins-Bohler , 2007, pág. 30).

Una de las necesidades que se visualizó en la realidad


chilena para atender a esta población objetivo, es que, a nivel de la
oferta pública, existen diversos programas e iniciativas pero que se
encuentran desarticuladas, por ende, resultan ser poco eficientes.
Las diversas instituciones no se complementan para asegurar
estándares de calidad en materia de cuidado. En comparación con
las experiencias internacionales, Chile cuenta con un gran abanico
de programas pero que necesitan ser coordinados para asegurar
la calidad que se demanda. Por este motivo, el SNAC propone
un modelo de gestión basado en una red articulada, teniendo
como colaborador principal socio-estratégico a los municipios y
equipos locales de área de social y de salud, a través de una gestión
intersectorial de prestaciones y servicios sociales, contribuyendo
así abordar los efectos de la dependencia, promover la autonomía
de las personas y fomentar la corresponsabilidad en el cuidado de
las personas (Ministerio de Desarrollo Social, 2016, pág. 5). Con
lo anterior, el Programa define la línea de acción 1: Gestión de la
Red Local; este aspecto considera la coordinación y gestión del
trabajo de la red, y contiene las siguientes acciones: priorización
y selección de los beneficiarios, evaluación de necesidades
de cuidado en los hogares, preparación de planes de cuidado

348
individualizados de intervención en los hogares, seguimiento a la
trayectoria de hogares, capacitación y formación para el equipo
de trabajo, además de la difusión y sensibilización a nivel local.

La implementación del Programa Red Local de Apoyos y


Cuidados inicia en su etapa diagnóstica con la identificación de
las familias beneficiarias mediante la aplicación de la Entrevista de
Acceso al Subsistema Nacional de Apoyos y Cuidados (información
que proporciona el Ministerio de Desarrollo Social a partir de los
datos del Registro Social de Hogares). Una vez disponible en el
Municipio de Rancagua, fue analizada con la Red Local para la
construcción de la nómina definitiva, quedando una cobertura
total de 162 beneficiarios en la comuna. Este instrumento de
evaluación permitió verificar la condición de dependencia y
evaluar las necesidades de apoyos y cuidados de las familias
para luego dar paso a la elaboración del Plan de Cuidados, cuyo
instrumento de intervención social refleja el acuerdo de acciones
que responden a los requerimientos del grupo familiar. Posterior
a la etapa de invitación, evaluación y retroalimentación a los
hogares, se deben planifican al menos 10 sesiones de seguimiento
(entrevista telefónica y visita en el domicilio) durante los tres años
de intervención, para lo cual se considera una reevaluación cada
12 meses que permitirá determinar la mantención o el egreso del
grupo familiar en el Subsistema.

La definición de la línea de acción 2 se denomina: Preparación


de instalación servicio de atención domiciliaria, la cual permite
articular la coordinación dos dispositivos que otorgan este
servicio mediante la incorporación de una cuidadora formal
(capacitada y remunerada) que entrega un servicio de respiro a
los familiares, permitiendo recibir apoyos en las tareas de cuidado
además de recuperar tiempo para realizar actividades personales:
el Programa Chile Cuida de la Fundación de las Familias y Cuidados
Domiciliarios de SENAMA. De esta forma se disminuye el nivel
de sobrecarga existente en los núcleos, y sobre todo evita la
institucionalización de adultos mayores en residenciales y hogares.
Para determinar los efectos emocionales adversos que manifiesta
el cuidador frente a la rutina diaria de cuidar a una persona, es
decir la carga del cuidador, existen diversas pruebas, sin embargo,
la base referencial en el SNAC es la Zarit Burden Interview, que
considera factores emocionales, físicos, las finanzas, la actitud del

349
cuidador hacia el receptor de los cuidados, la relación entre ellos,
los comportamientos y actitudes expresadas por el receptor de
cuidados, por lo que esta escala mide el riesgo de deterioro de
su vida social, laboral, familiar, los problemas económicos y el
sentimiento de sobrecarga en el rol de cuidar (Flores, G, Rivas R, &
Seguel P, 2012, pág. 61).

Respecto a la línea de acción 3: Servicios especializados


de Apoyos y Cuidados, permite destinar y administrar recursos
para adquirir bienes o servicios (recursos humanos, insumos,
transporte, adaptaciones en la vivienda, ayudas técnicas) que
faciliten la atención integral y centrada en las personas de acuerdo
con sus necesidades, y que no puedan ser provistos desde la red
de servicios que se encuentran presentes en el territorio.

Antecedentes Metodológicos

La presente investigación es de carácter cualitativa, debido


a la mirada naturalista, fenomenológica e interpretativa que
posee, se fundamenta en un proceso inductivo, lo que favorece
para conocer con mayor profundidad la realidad. La situación
de los hogares con uno o más integrantes en situación de
dependencia es compleja y dinámica, por lo que mirando este
fenómeno desde una mirada cualitativa ayudará en conocer las
experiencias y puntos de vista de los individuos, valorar procesos
y generar conocimiento en todas las dimensiones, internas y
externas, pasadas y presentes.

Martens (2005), además de Coleman y Unrau (2005)


consideran que la investigación cualitativa es particularmente útil
cuando el fenómeno de interés es muy difícil de medir. Tal es el
caso de esta investigación, que pretende conocer las vivencias y
experiencias de los actores involucrados en las tareas de cuidado.
La investigación cualitativa proporciona profundidad en los
datos, dispersión, riqueza interpretativa, contextualización del
ambiente o entorno, detalles y experiencias únicas. Lo anterior,
se basa en el paradigma de la Construcción Social de la Realidad,
que introduce en las ciencias sociales la noción de “construcción
social” (o constructo social) que, con el desarrollo del llamado
construccionismo social, se fue poco a poco aplicando a multitud
de ámbitos de la vida social. La importancia de este modelo

350
aquí radica en que la realidad de la vida cotidiana se comparte
con otros, siendo la situación “cara a cara” la más importante de
las experiencias de interacción social y del que derivan todas las
demás situaciones de interacción.

Este estudio no experimental, se ejecuta con un diseño


transeccional, es decir, en un tiempo único, desde febrero a julio
de 2017. La idea principal en la investigación consiste en describir
el fenómeno y el contexto en el que se desenvuelven los hogares
con dependientes en sus quehaceres diarios, detallar éstos y
conocer cómo se manifiestan. Para ello, daremos a este estudio
un alcance descriptivo de acuerdo con lo señalado por Danhke
(1989), que busca especificar las características y los perfiles de
estas personas (Hernández, Fernández, & Baptista, 2006, pág.
234).

La unidad de análisis corresponde a 162 hogares con uno


o más integrantes en situación de dependencia, que vivan en la
comuna de Rancagua y pertenezcan al 60% del Registro Social
de Hogares. La recolección de datos se realizó en ambientes
naturales y cotidianos de los participantes, a través de la Entrevista
de acceso al Subsistema Nacional de Apoyos y Cuidados, el
cual recaba información básica del grupo familiar, la capacidad
funcional del que se ha identificado como dependiente índice,
ingresos, caracterización de los cuidados que entrega el cuidador
principal, necesidades de ayudas técnicas, las redes de apoyo,
necesidad de ayudas sociales, necesidades del cuidador, nivel
de sobrecarga, y condiciones de habitabilidad. Este instrumento
debe ser completado por un profesional del área social o de salud.

Resultados

No hay nada más valioso que aprender de las experiencias


de vida de otros, nada más satisfactorio que lograr comprender
la historia de una familia y contribuir en su realidad. Esto es
justamente lo que aportó este programa piloto; consiguió que
pudiéramos conocer hasta lo más íntimo de la dinámica familiar
y que los profesionales de las ciencias sociales nos motivemos a
colaborar, desde la práctica, con más opciones para mejorar la
calidad de vida de estas personas. Cada núcleo familiar tiene una
historia de vida particular y única, sin embargo, existen ciertas

351
características que las identifican con el resto, dentro de ellas se
pueden encontrar las siguientes similitudes:

• Son familias monoparentales, compuestas en su mayoría


por dos personas con vínculo consanguíneo: un padre o
madre dependiente y un/a hijo/a que otorga cuidados.
• No cuentan con recursos económicos suficientes y
“sobreviven” con la pensión del adulto mayor, el cuidador
no tiene fuente laboral estable.
• Su característica principal es el escaso apoyo del resto de
parientes y la pérdida del vínculo con instituciones públicas
(por razones como la falta de información y la desconfianza
hacia al sistema público).
• Existe de forma permanente una sensación de tensión
y estrés por la situación de cuidado, dañando incluso la
comunicación y las relaciones entre la persona dependiente
y su cuidador/a.

Ahora bien, cada uno de los usuarios tienen rasgos


relevantes de analizar cuando se pretende adquirir desafíos para
mejorar la calidad de vida de estas personas, por lo tanto, se logra
determinar una caracterización del perfil de estos beneficiarios:

Adulto/a Mayor Cuidador/a

En el Programa, las edades de Los cuidadores familiares,


quienes están en situación de específicamente de los
dependencia se encuentran mayores de 60 años, tienen
entre los 19 y 102 años, y entre 20 a 88 años; 112
144 de ellos corresponden a corresponden a mujeres.
personas sobre los 60 años La mayoría ha dejado su
(102 mujeres y 42 hombres). fuente laboral para dedicarse
Según la Escala de Barthel, 91 completamente a los cuidados
de ellos poseen dependencia de los más longevos.
severa.

Queda en situación de Hijo o hija en situación de


dependencia a causa de estrés permanente con una
diversas enfermedades físicas carga emocional que no
y mentales que lo aquejan, expresa durante un largo

352
por lo que va perdiendo periodo (resultado de la Escala
cada vez más su autonomía e de sobrecarga del Cuidador de
independencia. Zarit). Destinan alrededor de
16 horas diarias a las tareas de
cuidado.

Viven inmersos en una cultura Se enfrentan constantemente


que promueve la dependencia a un dilema personal ético
(trato hacia los adultos entre la responsabilidad
mayores como niños, hace que que tienen de cuidar a su
sean menos autónomos). progenitor v/s priorizar su vida
familiar y personal enfrentando
problemas como separaciones,
divorcios, descuido de los hijos,
cesantía.

Sufren las consecuencias de Sentimiento de agobio


ser vistos como una “persona al generar conflictos (sin
carga”, y dejan de vincularse intención) con otros miembros
con hijos, nietos, y amigos de de su familia por el hecho
toda la vida. de solicitar apoyo (en los
cuidados más que económico)
constantemente y sin obtener
respuesta.
Fuente: elaboración propia en base a instrumentos de evaluación aplicados a los
grupos familiares del programa.

Con lo anterior, se pueden visualizar desde la realidad,


las distintas necesidades de apoyo que requieren estos grupos
familiares y para las cuales la co-responsabilidad de distintos
actores gubernamentales y de la sociedad civil deben actuar.

Llama principalmente la atención, cómo estos núcleos son


capaces de buscar estrategias innovadoras de convivir con la
dependencia, desde la forma de organización y división de tareas,
sumado a la aplicación de estrategias de cuidado y autocuidado.
Seguir la misma rutina diaria por años, no conversar y no compartir
sus sentimientos con nadie, encapsularse en una vivienda que
no cuenta con las condiciones básicas, sentir que el cuerpo se
deteriora, no tener acceso a un servicio de salud de calidad, entre

353
tantos otros sentimientos de frustración, son elementos que ni los
“manuales” le dan sentido a estos cuidadores que no cuentan la
formación idónea en la materia.

En el caso de un adulto mayor que vive en abandono y que


no tiene las herramientas, ¿cómo puede potenciar en su soledad,
sus habilidades cognitivas para evitar su deterioro mental? De
allí es que en la práctica se visualiza cómo implementan formas
arcaicas de manejar un presupuesto familiar, algunos elaboran
ayudas técnicas con materiales reciclados, idean estrategias
para convencer a vecinos y personas de la comunidad para que
ayuden y puedan lograr salir del domicilio, buscan soluciones a
dificultades cotidianas, como por ejemplo en la movilización del
adulto mayor, entre otras formas no convencionales de enfrentar la
dependencia. El problema se genera cuando las familias no tienen
apoyo, por lo tanto, este trabajo de sobrevivencia autodidacta se
transforma en depresión y deterioro para su autoestima.

Asumiendo esta realidad tal cual, revisemos cómo se


desarrollaron los objetivos del Programa Red Local de Apoyos y
Cuidados a través de sus líneas de acción:

Línea de acción 1: Gestión de la Red Local

Se mencionó que este aspecto considera la coordinación y


gestión del trabajo de la Red, en la comuna, durante la primera fase,
se realizó en primera instancia la tarea de constituir y formalizar una
red de apoyos y cuidados, respaldado por un decreto alcaldicio. Aquí
participaron actores de diferentes Instituciones y Programas, dentro
de los cuales se puede destacar programas municipales como el
Departamento de Protección Social, Oficina del Adulto Mayor, Oficina
de Capacidades Diferentes, Subsidios monetarios, y otras extra-
municipales como SENAMA y Centros de Salud Familiar (CESFAM)
con sus respectivos programas, SENADIS, SERVIU, Intendencia,
Gobernación, Hogar de Cristo, Chile Cuida, División de Salud, Hospital
Regional, Corporación de Asistencia Judicial, entre otros.

Con estos participantes, se generaron instancias mensuales


que tenían como finalidad, además de la difusión y exposición de
los avances del Programa, el trabajo colaborativo para dar respuesta
a las necesidades de las familias y la capacitación continua de los

354
profesionales que integran la red local. Las capacitaciones efectuadas
permitieron actualizar información y conocer en profundidad
el funcionamiento de los programas: Chile Cuida, Centro de
Rehabilitación Comunitaria, Subsidios Monetarios, Cuidados
Domiciliarios, Centro Diurno, Programa de Salud Mental y el Programa
de Atención Domiciliaria de Personas con Dependencia Severa.

Línea de acción 2: Preparación de instalación servicio de


atención domiciliaria

Esta línea permite proveer la contratación de recurso humano


para el reclutamiento y selección de cuidadoras, sin embargo,
en Rancagua no se ejecuta actualmente por la presencia de dos
Programas que ya emplean este servicio: Chile Cuida de la Fundación
de las Familias y Cuidados Domiciliarios de SENAMA, ejecutado
actualmente por el Hogar de Cristo. El gran avance en la instalación
de ambos dispositivos es la disminución del nivel de sobrecarga
existente en los núcleos, esto a partir del apoyo que reciben dos
veces a la semana, durante 4 horas, en las tareas de cuidado. Es
importante señalar, que los beneficiarios han reconocido como
clave en esta variable, el acompañamiento que les proporciona un
tercero durante los días de servicio, reconociendo así que la mayor
parte del tiempo se encuentran solos.

Por otro lado, es pertinente hacer referencia a la necesidad


de ampliar este tipo de prestaciones a personas dependientes
(moderadas y severas) de todas las edades, ya que se visualiza
una incoherencia entre lo que propone el SNAC versus la realidad
actual. Es decir, la oferta local que ofrece el servicio de atención
domiciliaria está destinada a adultos de 60 años y más, sin
embargo, se cuenta con un alto porcentaje de menores de 50
años que son dependientes y requieren del mismo apoyo.

Línea de acción 3: Servicios especializados de Apoyos y


Cuidados

Esta última línea de acción permite destinar y administrar


recursos para adquirir bienes o servicios (recursos humanos,
insumos, transporte, adaptaciones funcionales en la vivienda,
ayudas técnicas) que faciliten la atención integral y centrada en las
personas de acuerdo con sus necesidades, y que no puedan ser

355
provistos desde la red de servicios que se encuentran presentes en
el territorio. En este sentido, las más frecuentes se pueden dividir en:

- Necesidades en el ámbito de la salud: capacitación en


cuidados para los cuidadores familiares (de un kinesiólogo
o terapeuta ocupacional), evaluaciones médicas de
oftalmólogos, dentistas y otorrinos, atención psicológica
para el cuidador, ayudas técnicas que apoyen las
actividades de la vida diaria de las personas dependientes
y por último la necesidad de apoyo emocional tanto para
la persona dependiente como para el cuidador.
- Necesidades en el ámbito económico: insumos de
cuidado (pañales, apósitos), canasta de alimentos,
apoyo para medicamentos y exámenes médicos
particulares, emprendimiento y postulación a subsidios
gubernamentales.
- Necesidades de habitabilidad: instalación de rampas,
agarraderas y pasamanos, revestimiento término, retiro
de bañeras y mejoramiento de cielos y pisos.

En lo práctico, el Programa Red Local de Apoyos y Cuidados


con el aporte del Departamento de Protección Social de la Ilustre
Municipalidad de Rancagua, durante los seis primeros meses de
ejecución logró apoyar en:

N° de apoyos Descripción
Organizadores del cuidado (material didáctico y de
162
organización para el cuidado)
Ayudas técnicas: camas clínicas, sillas de rueda, andadores,
71
sillas de baño, bastones y/o muletas y colchones anti-escaras
Atenciones domiciliarias de Kinesióloga (dos visitas
60
mensuales) y Podóloga (una visita mensual)
10 Atenciones gratuitas por un profesional Oftalmólogo
75 Apoyos en insumos de cuidado
12 Exámenes médicos particulares

25 Ayudas en alimentación
Apoyos en trámites con Instituciones públicas y privadas
110 (derivaciones, gestión, proporcionar documentación en
domicilio)

356
Señalando el trabajo comprometido de los/las profesionales que
acompañaron a estas familias durante estos meses, es necesario
socializar una síntesis de todos aquellos elementos que permiten
iniciar una reflexión social frente a la población objetivo. A
continuación, se describen los principales.

Discusión y Resultados

Sobre la gestión de Red Local se visualiza una evidente


desinformación del funcionamiento de los distintos programas
del Gobierno en las familias y también en los profesionales de
la red. En el primer caso pudiera considerarse “normal”, ya que
el cuidador familiar con las tareas que desarrolla diariamente
no cuenta con el tiempo suficiente para realizar trámites e
informarse, sin embargo, en el caso de los profesionales, que son
expertos en su área, pero desconocen el funcionamiento de los
programas que trabajan para la misma población objetivo, lo que
genera un déficit importante para la gestión. Lo anterior, provoca
la derivación poco efectiva de las familias. Los usuarios se refieren
constantemente al “peloteo” (derivaciones burocráticas) que
les significa hacer un trámite, porque lamentablemente deben
recurrir a distintas instituciones antes de lograr encontrar una
solución idónea a su necesidad/problema. En la experiencia se
puede observar la descoordinación institucional que genera la
falta de información, causando un evidente grado de molestia y
desconfianza hacia funcionarios públicos, poniendo en riesgo su
credibilidad y profesionalismo.

Existe una necesidad importante de generar reuniones


periódicas entre Instituciones locales que avanzan en el
mejoramiento de la calidad de vida de grupos sociales vulnerables.
No es posible que se trabaje de forma aislada, puesto que sólo
se tiene como resultado intervenciones superficiales sin cambios
reales en las familias, la sobre-intervención, la dualidad en la
entrega de ayudas y la permanencia del llamado asistencialismo
en vez de entregar herramientas efectivas.

Posterior a la ejecución de la primera fase del Programa,


se procedió a la aplicación de un instrumento elaborado por el
equipo para evaluar la percepción de los profesionales de la
gestión de la red local. Algunos elementos que destacar:

357
a) existe un interés profesional en mantener su participación activa
en instancias como las mesas de trabajo que generó el Programa,
para efectuar derivaciones efectivas, mantenerse informado en
la materia, conocer la oferta social de la comuna, complementar
intervenciones sociales, apoyar iniciativas y aportar en la solución
de problemas.

b) reconocen el aporte y las fortalezas del Programa en el


mejoramiento de la coordinación interinstitucional.

Las Instituciones y Programas de la Red Local tienen


escasa autonomía en las decisiones, dando claras señales de
una burocratización horizontal y vertical. La consecuencia más
grave en este aspecto se demuestra con la pérdida de respuesta
rápida a problemas sociales actuales y emergentes. El Programa
debe coordinar la gestión de la red, pero además debe evaluar
permanentemente el trabajo colaborativo interinstitucional.

Respecto a los llamados servicios especializados, el apoyo


que se generó durante este periodo contribuyó en mejorar las
condiciones de vida de las personas que requieren apoyo en sus
actividades diarias y sus cuidadores. Como es de conocimiento
general que cada Programa trabaja en función de ciertos cupos, la
Red Local logró una descongestión de la demanda institucional,
específicamente en las atenciones de salud, que no son suficientes,
desde los CESFAM de la comuna. Aquí es pertinente señalar que el
Programa de Atención Domiciliaria de Pacientes con Dependencia
Severa, el cual se visualizaba como única red de apoyo para
estos hogares, en sus orientaciones técnicas se declaran tres
visitas anuales: visita domiciliaria integra, de tratamiento y/o
procedimiento y la visita de seguimiento (Ministerio de Salud,
2014, pág. 7). Se asume entonces por parte de los hogares, la
escasez de apoyo y seguimiento haciendo referencia a estas
insuficientes instancias. En este sentido, el acompañamiento de
los profesionales del Programa consiguió que los mismos usuarios
refirieran que hubo una disminución en la sensación de abandono
y soledad que manifestaban, aludiendo a comentarios como “al
fin alguien se preocupa por nosotros”.

Existe la necesidad explícita de las familias por un apoyo


económico. Actualmente, lo que más se acerca a suplir esta

358
dificultad es el Programa de pago de cuidadores de personas con
discapacidad, que permite a cuidadores y cuidadoras de personas
con dependencia severa acceder a un beneficio (estipendio) no
postulable que consiste en un pago máximo mensual de $26 mil
700 por la prestación de sus servicios. Pero actualmente, sólo
una parte de la totalidad de personas inscritas en el Programa lo
reciben, y conociendo a fondo su realidad familiar, el aporte es
insuficiente para satisfacer necesidades básicas de alimentación y
cuidados.

Una de las grandes virtudes del Programa Red Local de


Apoyos y Cuidados, es el cierto grado de autonomía presupuestaria
(respetando criterios) que permiten un acercamiento real a lo que
las personas necesitan. De esta forma se evita que recursos del
Estado se mal gasten, siendo los que diseñan las políticas públicas
quienes establecen en qué satisfactores sociales se deben priorizar
porque desconocen muchas veces lo que ocurre en la práctica.

En nuestro país, cada vez son más las personas que viven
solas, y las tasas de matrimonio y la cantidad de niños por hogar
están en declive, por lo tanto, estas nuevas tendencias que
modifican las estructuras familiares han promovido de cierta
forma la desconexión social y el aislamiento. Considerando todos
los aprendizajes, es posible dejar de lado la conducta egoísta
que muchas veces adoptamos, para pensar y actuar en pro de la
sociedad.

Se han revisado los grandes avances en la temática,


aquellas ventajas y las debilidades que se deben mejorar, a modo
de complemento se plantean a continuación cuatro grandes
desafíos en cuanto al envejecimiento de la población:

1. Uno de los desafíos, el más importante de orden cultural y el


que se verá reflejado a largo plazo: educar a la población en
el reconocimiento de los derechos humanos de las personas
mayores. Hablar de educación en DD.HH. no sólo implica la
difusión, sino más bien crear las condiciones para profundizar
en la temática, buscar estrategias para comprender, pero sobre
todo ejercerlos, esto es respetar, proteger y garantizar sus
derechos. No es extraño escuchar que el Estado es quien debe
garantizar las condiciones mínimas, pero a pesar de considerar

359
las obligaciones que tiene en la temática, es relevante que la
sociedad y específicamente la familia participe activamente en
este proceso.

Respecto a los derechos emergentes o nuevos derechos en


esta materia, se consagran: el derecho a la vida y dignidad en
la vejez (Art. 6) pero, ¿cuán responsable es la familia de que
las personas mayores vivan dignamente en la vejez hasta
la muerte? En la actualidad es muy fácil observar como son
los propios parientes quienes descuidan la salud sus adultos
mayores y eliminan su derecho la independencia y autonomía
con los trámites de interdicción (Art. 7). Entonces, el primer
gran paso es reconocer que la familia tiene un rol fundamental
en reconocer el valor de las personas mayores, en evitar su
soledad y abandono considerando que se constituyen una
de las principales causas de muerte anticipada y/o suicidio. El
aumento en residencias denota la escasa responsabilidad en
este asunto sin estar conscientes de que al realizar este acto
dejamos a nuestras adultos/as mayores privadas de libertad,
por lo tanto, debemos actuar de la misma forma que nos
ocupamos de proteger los derechos de los recién nacidos,
niños, niñas y adolescentes, debemos hacernos cargo de
realizar la misma tarea con las personas mayores.

En educación, el llamado no es sólo a educarnos, también cabe


mencionar y relevar la necesidad de la especialización en esta
temática. La escasez de profesionales especialistas no sólo
ocurre en salud, sino también en lo psicosocial.

2. Implementación de un Programa de Empleo para el Adulto


Mayor que permita una activación económica formal y que
fomente la integración social. El sentimiento de “pérdida de
utilidad” que conciben, se visualiza en el aislamiento que se
produce una vez que dejan sus fuentes laborales para dar paso
a la jubilación. De hecho, existen estudios, como recientemente
demostró la Universidad de Brigham Young (EE. UU.), que
millones de personas sobre los 40 años sufren de soledad
crónica y el riesgo de muerte que provoca este aislamiento
(Holt-Lunstad, Timothy B., Baker, Tyler, & Stephenson, 2015).
La creación de una iniciativa como esta permitiría que muchos
adultos mayores autovalentes puedan aumentar sus ingresos,

360
continuar desarrollando sus capacidades y manteniendo sus
relaciones sociales activas. Pero ¿qué tipos de empleo serían
óptimos? Existen muchos ejemplos: orientación y educación
a niños, niñas y adolescentes en riesgo social, coaching
especialistas en distintas áreas productivas para transmitir la
experiencia que tuvieron en su vida laboral activa, en el cuidado
de niños para que sus padres puedan mantener una fuente
laboral estable y con tranquilidad, en cuidados de personas
en dependencia (quienes han tenido a varias personas a su
cuidado durante la vida, puedan replicar esta experiencia, pero
con un incentivo económico), en la producción de alimentos,
como profesores jubilados que enseñen idioma a inmigrantes,
entre otros.

3. Potenciar la conformación de comunidades de vecinos,


conocido internacionalmente como co-housing, donde cada
uno tiene independencia económica en sus viviendas, pero que
comparten espacios para lograr relaciones vecinales estrechas.
Existen diversos casos exitosos en Singapur, Holanda, Alemania,
Noruega, Estados Unidos; en Latinoamérica la propuesta actual
de Argentina, que ha mostrado grandes avances en integración
social y en aumentar el sentido de vivir en comunidad. Es un
desafío desarrollar conjuntos habitacionales con espacios
comunes creados intencionalmente para que la gente se
conozca y cuide mutuamente. En Chile, lo más semejante a
esta forma de convivencia histórica son los Condominios de
Viviendas Tuteladas (SENAMA), sin embargo, en el común de
los barrios, aparte de las áreas verdes, los únicos espacios en
común son las sedes sociales. Pero seamos realistas, estos
espacios son poco utilizados, sin embargo se pueden formular
diversas estrategias para proveer mayor utilidad a estos
recintos que están al servicio de la comunidad: los vecinos
podrían preparar comidas y cenar juntos una vez a la semana;
niños que juegan solos durante las tardes cuando sus padres
trabajan, exponiéndose a factores de riesgo podrían compartir
con los adultos mayores del sector; un grupo de dueñas de
casas podrían tener un huerto donde cultiven frutas y verduras
para la comunidad, los jóvenes del barrio, aquellos con buen
rendimiento escolar, enseñándoles materias a otros más
débiles; solo es cosa de imaginar el sinnúmero de actividades
que se generarían si ocupáramos el capital social comunitario

361
de forma eficiente. Esta forma de convivencia aumentaría la
corresponsabilidad de los cuidados como tarea compartida
(entre todos, hombres y mujeres, equitativamente), además
de fomentar la participación social. Solo que ocurrirá cuando
todos esos “podrían” se vuelvan una realidad, y cuando se
considere el aislamiento social como uno de los riesgos más
importantes de enfrentar hoy en la salud pública.

Para avanzar en este desafío, en Rancagua, el equipo del


Programa consideró una medida innovadora, diseñó un
proyecto de Voluntariado de Adultos Mayores con el propósito
de otorgar compañía a sus pares, integrando un enfoque
territorial. Actualmente en su etapa de difusión, existe un gran
interés por parte de adultos mayores autovalentes que desean
participar en la ejecución de las distintas actividades que se
proponen: apoyo afectivo y emocional, diálogo y aprendizaje
generacional, manualidades, lectura, paseos en áreas verdes,
desarrollo de ejercicios de estimulación cognitiva. El voluntario
(con formación previa) debe visitar la vivienda de la persona
dependiente y su cuidador, cuyo domicilio se encuentra
en el mismo sector donde vive, lo que pretende desarrollar
nuevas redes de apoyo al interior de la comunidad, mejorar las
conexiones sociales entre las personas y aumentar el sentido
de pertenencia con su entorno.

4. Es conocido en nuestro país, que los trámites legislativos son


lentos y engorrosos, que muchas políticas públicas no se
ajustan a la realidad, sumando la tardanza en su aplicación.
Con un ejemplo concreto: un Gobierno puede tardar hasta dos
años para diseñar un programa social, otro año en su puesta
en marcha y un último año para revisar los principales avances.
¿Qué ocurre después? Un nuevo gobierno, que independiente
del sector político al que pertenezca, desea innovar, muchas
veces sin considerar el aprendizaje desde la práctica, por lo
tanto, lo hace desde el ejercicio del poder y que por lo demás
requiere popularidad, finalmente inicia todo un nuevo proceso
que impide atacar las causas de los problemas sociales en el
momento, es decir, los Gobiernos llegan tarde y solo a enfrentar
consecuencias tras consecuencias mientras van apareciendo
nuevas causas sociales.

362
Este no es un desafío fácil, por el contrario, también requiere
un cambio sociocultural. Pero mientras eso tarda en suceder,
se debe apoyar la coordinación inter-institucional por medio
la creación de una normativa que permita atender a esta
población con programas y servicios descentralizados y con
autonomía presupuestaria. El Programa Red Local de Apoyos
y Cuidados cuenta con cierta autonomía en lo presupuestario
y ha demostrado ser un aporte clave en el desarrollo. Si a lo
anterior agregamos innovaciones tecnológicas, como la
creación de una Red Informática de datos de usuarios con el fin
de que toda la Red Institucional de un territorio se mantenga
informado sobre una familia X: su historial, todos los problemas
sociales asociados a ese núcleo, qué beneficios ha recibido y
cuáles está recibiendo actualmente, mejoraría la calidad de
vida de la comunidad. Este recurso además puede ser utilizado
como un predictor de riesgo familiar, que contribuya en el
desarrollo de políticas públicas ajustadas a la realidad.

Por último, uno de los desafíos pendientes y muy importante


para mejorar la calidad de vida de las personas: eliminar la visión
del Trabajador Social como el profesional que simplemente
ejecuta acciones impuestas categóricamente. No seguimos siendo
promotores del asistencialismo, somos un real agente de cambio.
En todos los equipos profesionales que trabajan directamente con
la comunidad, existe un profesional idóneo, que está realmente
comprometido con su trabajo y que cuenta con las suficientes
competencias para transformarse en Asesor Social, que a su cargo
tendría toda la estrategia y gestión para obtener un trabajo social
real: territorial y colaborativo.

Supongan una proyección de estas propuestas,


obtendríamos cambios reales, tenemos la capacidad de ser un
país desarrollado. La vida avanza rápidamente, es tiempo de
cambiar estilos de vida, de mirar el cuidado con agrado y no como
carga, y no permitir que vivamos en soledad, porque la integración
social tiene más poder que la medicación. Todo lo demás está
demostrado, las buenas relaciones sociales (no en número, sino
en calidad) nos hará vivir muchos más años y mucho más felices.

363
Referencias

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desafío país. La dependencia y apoyos a los cuidados, un asunto de
derechos humanos, (págs. 60-67). Santiago de Chile.

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Dependencia y apoyo a los cuidados, un asunto de derechos
humanos. La dependencia y los cuidados de largo plazo: la visión
desde el sector salud (pág. 81). Santiago: Dirección Sociocultural
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el desempeño del rol del cuidador familiar de adulto mayor con
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Investigación.

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(2015). Perspectives on Psychological Science. Obtenido de http://
journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1745691614568352

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https://resultados.censo2017.cl/Region?R=R06

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364
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versión preliminar. Fase inicial de implementación. Santiago.

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Atención Domiciliaria a personas con dependencia severa. Santiago.

Ministerio Desarrollo Social. (s.f.). Ley N°19.353. 2015. Montevideo,


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Panamá: Carolina Ravera Castro.

Vallerand, F., & Collins-Bohler, D. (2007). Manejo del dolor en


pacientes con cáncer que reciben atención domiciliaria. 7-31.

365
Una mirada a la inclusión, diversidad
y educación superior en Chile*

Kevin Rivera Alfaro1


Franz Wormald Mora2
Gina Morales Acosta3
Isabel Castaño Idárraga4

Resumen

Se enuncian algunas ideas sobre la acción estatal en
la garantía del derecho a la educación superior en Chile para
colectivos étnicos y de discapacidad. Se expone que la protección
del derecho es insuficiente para acoger la diversidad; al respecto
se presentan algunos vacíos y la noción de educación superior
como derecho social.

Palabras Claves: Derecho a la Educación; Educación Superior;


Diversidad Cultural; Derechos Sociales y económicos.

Introducción

Actualmente, Chile transita de una educación superior con


régimen de autofinanciamiento a la gratuidad universal. Es decir,
de un Estado subsidiario, de componente neoliberal y privatizador
de la educación terciaria, con cargo a estudiantes y de subsidios
parciales a la población más vulnerada; a un Estado benefactor o
de bienestar que busca asumirla como un derecho social y se hace
responsable de la misma (Espinoza & González, 2016; Barrientos

* Trabajo presentado por los estudiantes en el marco de las actividades del Laboratorio
Virtual de Comunicación y Lenguaje del Programa de Iniciación a la investigación -
(D.E. Nº1/19) y acompañado por su directora Dra. Gina Morales y otras profesionales
miembros del grupo en ideas y escritura académica. Para correspondencia sobre el
texto dirigirse a: gina.morales@uantof.cl
1. Estudiante de Derecho. Universidad de Antofagasta.
2. Estudiante de Psicología. Universidad de Antofagasta.
3. Doctora en Ciencias de la Educación Intercultural. Docente e Investigadora, Universidad
de Antofagasta.
4. Maestría en Integración de Personas con Discapacidad, Docente e Investigadora,
Universidad del Valle.

366
et al., 2020).

El régimen de gratuidad en la educación superior se


implementa con la Ley Corta de g, sin cobertura universal y con
dependencia a destinación presupuestaria5 para cada año hasta
la fecha (Barrientos et al., 2020). En este contexto, coexisten
tres modalidades de financiación estudiantil: gratuidad, becas
gubernamentales e institucionales (de arancel y complementarias),
y créditos educativos. Con tres tipos de instituciones: estatales
gratuitas, privadas subsidiadas por el Estado y privadas con cargo
a estudiantes-familias. Las instituciones que ofertan cupos de
gratuidad son en su mayoría las organizadas en el Consejo de
Rectores de Universidades Chilenas – CRUCH- y algunas privadas
acreditadas. La educación gratuita se prioriza para los primeros
deciles de estudiantes - condiciones socioeconómicas más bajas
o vulnerables - y por meritocracia en desempeño a Prueba de
Selección Universitaria6 (PSU)7. Con la claridad que la gratuidad
cubre el arancel de la carrera de pregrado, pero no cubre otros
gastos directos como movilización, alimentación y materiales
(Espinoza & González, 2016).

Ante lo anterior y considerando que,

la Educación Superior opera como factor de movilidad social,


la tendencia a excluir a los sectores de menores recursos de
las universidades de excelencia contribuye a perpetuar las
desigualdades sociales existentes en la sociedad chilena

5. Destinación fiscal que aumenta cupos de cobertura o los disminuye, que en el segundo
caso podría dejar sin continuidad a un gran número de estudiantes en el tránsito de su
carrera con la posible deserción o el endeudamiento concomitante.
6. Para 2020 se da la última aplicación de la prueba tras posibles filtraciones e inoperancia
y se pasa a la Prueba de Transición (PDT) para el proceso de admisión a la educación
superior que se iniciará en enero de 2021. Según se prevé la prueba trae cambios
progresivos y la inclusión de evaluación de competencias. Se espera un instrumento
definitivo en 2023. Comunicación de Leonor Varas del 03 de agosto de 2020. En:
https://demre.cl/noticias/2020-08-03-empiezan-evaluar-competencias-el-centro
7. Según Eugenio Gioglio, Ph.D. en Economía, en su análisis indica que pareciera que
la gratuidad no hubiera traído consigo un cambio importante en la composición
socioeconómica de los estudiantes en la educación superior y por tanto un efecto
significativo en el acceso. Para los autores, esto podría sugerir como hipótesis que la
gratuidad se dirigió a un porcentaje de estudiantes que ya tenía proyectado acceder
a la educación superior y que se endeudaría según el régimen de Crédito con Aval del
Estado (CAE), lo cual requeriría ser estudiado a fondo. (Giolito, 2020)

367
(OCDE, 2004; OEI, 2013; Redondo, Descouvieres y Rojas,
2004; Universidad de Chile, 2014 citados por Cifuentes et
al., 2017:3).

La transición del sistema de educación chileno para


revertir la tendencia de exclusión con una cobertura parcial de
la gratuidad demanda una mayor claridad en cuanto a equidad
e inclusión para grupos poblacionales diversos e históricamente
excluidos en Chile, como son las comunidades etnias y colectivos
de discapacidad.

Inclusión y diversidad ¿el mismo camino? en la educación


superior

En los países latinoamericanos las palabras inclusión y


diversidad se han transformado según el sistema socioeconómico
y político dominante; el que a su vez estable los modelos o formas
de entender el proceso educativo que va de la primera infancia
con la educación inicial – de transición- a la adultez con la
educación superior técnica, tecnológica o profesional (Barrientos
et al., 2020).

En este sentido, diversidad e inclusión, si bien son conceptos


que van asociados, se enfrentan a ser usados de manera aleatoria
o sin distinción conceptual en el discurso político-normativo, o
a ser términos asilados y desprovistos de significado. Su amplia
dimensión conceptual no es necesariamente incorporada en
el sistema educativo universitario, tal vez porque este se ha
caracterizado por un dominio neoliberal cuyo fundamento es la
segmentación y diferenciación entre poblaciones y lo público-
privado, en una competencia de mercado donde la diversidad no
se alinea para competir con los más fuertes.

La atención socioeducativa a la diversidad se impuso


paulatinamente desde países europeos con una extrapolación
a condiciones sociopolíticas y culturales locales, sin las
adecuaciones pertinentes a las lógicas latinoamericanas. Aunque,
en un contexto chileno promovió y reforzó la individualización
como consecuencia de la apuesta privatizadora de la educación
de la década de 1970 hasta entrada la segunda década de 2010
(Barrientos et al., 2020). En esto se entendió

368
individuación (que la atención educativa debía
adaptarse a las características y aptitudes de cada uno[a]);
normalización (que se oponía al criterio de discriminación,
con la convicción que todas las personas han de tener
los mismos derechos como requisito para la equidad);
integración (como medio para lograr la normalización).
(Fernández, 2012:3).

Concepciones de individuación, normalización e


integración que movieron a la universidad tradicional, de formato
homogeneizador, ante la que se busca plantar una orientación hacia
la apertura mental y gradual donde la diversidad e inclusión tengan
cabida con la realización de acciones cotidianas y pertinentes.
Además, de tener sustento en principios interculturales de
educación, los que deben ser transversales a la política educativa
universitaria en cada institución (Unesco, 2006; 2009). Así, las
acciones deben implicar,

El reconocimiento, aceptación y valoración de la diversidad


cultural, sin etiquetar ni definir a nadie en función de
ésta, supone evitar la segregación en grupos, para el
fortalecimiento en la escuela [universidad] y en la sociedad
de los valores de igualdad, respeto, tolerancia, pluralismo,
cooperación y corresponsabilidad social. En la educación
requiere un profesorado capacitado para trabajar con la
diversidad (Arrollo, 2013:154).

Por lo anterior, cabe preguntarnos ¿por qué en el sistema


educativo chileno la diversidad cultural y por discapacidad
parece representar un obstáculo en materia de inclusión a la
educación superior? En el ámbito público se requiere una política
consecuente con un proyecto viable de país, vinculando la
inclusión de las diversidades, al margen de la lógica del mercado
o la especulación (Barrientos et al., 2020), que fomente en los
jóvenes universitarios el reconocimiento del otro como legítimo
otro (Maturana, 1992).

La afirmación anterior tiene correlación con el hecho que


se han naturalizado tres situaciones para el ingreso a la educación
superior en Chile. La primera, es la aceptación y sobrevaloración
del “mérito académico” que toma los puntajes más altos de la PSU y

369
otorga beneficios de gratuidad en correlación con una certificación
socioeconómica de vulnerabilidad8. Situación que elevó los
puntajes de ingreso a las universidades elegibles (Barrientos et
al., 2020). La PSU, a partir de 2017, incluyó adecuaciones de letra
en macrotipo, braille y lengua de señas chilena como acción
afirmativa de acceso y accesibilidad al diligenciamiento del
instrumento por parte de personas con discapacidad auditiva y
visual.

La segunda situación, se evidencia en que el ingreso


de estudiantes en diversidad por discapacidad se haga sin la
reglamentación para la continuidad del Programa de Integración
Escolar (PIE) o su correspondiente en el marco de la inclusión
educativa terciaria, que deja a voluntad de las universidades
dar los apoyos o desarrollar programas de acompañamiento a
la inclusión como el servicio de intérpretes en lengua de señas.
Hecho que influye en el desempeño académico producto de
las barreras de comunicación, movilidad y aprendizaje que
pueden generar deserción. En este contexto, sí la persona
requiere flexibilidad académica que implique más tiempo de lo
formal para culminar una carrera el beneficio de gratuidad no
le cubrirá el tiempo adicional. De tener crédito le costará más
dinero terminar la carrera, situación que precariza dado que las
personas con discapacidad se encuentran en los deciles con
menos acceso a recursos. Al respecto, los recursos de apoyo a la
inclusión para población con Necesidades Educativas Especiales
(NEE) se concentran en la escuela especial, básica y media con las
correspondientes diferencias entre las de educación especial, y las
de integración municipales, subvencionadas y privadas. Escuela
que de entrada parecen mostrar “una disparidad [… de los
egresados] al momento de poder ingresar a la educación superior,
razón por la cual se presenta un problema anterior al ingreso” a la
educación superior (Barrientos et al., 2020:171).

La tercera, es considerar que la mejor opción para el


ingreso a la educación superior sean los préstamos bancarizados
o de recursos del estado, que después del egreso se cancelan. Sin

8. La cual se realiza a partir del diligenciamiento del Formulario Único de Acreditación


Socioeconómica – FUAS.

370
embargo, el tiempo que toma el pago del crédito educativo se
puede alargar hasta por veinte años según el costo de la carrera
y el bajo acceso a empleos de élite y bien remunerados para
las personas de menos recursos, que además deben aportar a
sus familias y ver por su propio sustento, hecho que cuestiona
la tasa de retorno por inversión en educación superior. Todo
esto sin contar, que las personas que no accedieron a gratuidad
o beca no necesariamente tienen pésimos desempeños en el
PSU sólo quedaron por fuera de la línea de corte y deben optar
por universidades privadas sin acreditación institucional o por
formación técnica – profesional en los Centros de Formación
Técnica e Institutos Profesionales que no tienen exigencias como
las del CRUCH para su ingreso, pues las instituciones acreditadas
se cubren en su mayoría con gratuidad y becas.

En otros casos, los aspirantes presentaron bajos puntajes


en la PSU y requieren procesos de nivelación para el ingreso a la
educación superior al tener bajos conocimientos-desempeños
en áreas como matemáticas y lectoescritura que dependen,
en parte, de la calidad educativa de las escuelas medias de
egreso y a condiciones relacionadas con contextos de recursos
socioeconómicos bajos. La otra parte, son estudiantes con
Necesidades Educativas Especiales, que, en el caso de las personas
con discapacidad, generalmente tienen más bajos desempeños
educativos en la básica y secundaria debido a barreras en el acceso
al conocimiento y la información. Entonces, se podría suponer “que
potencialmente poseen la misma vulnerabilidad socioeconómica
de estudiantes que asisten a universidades pertenecientes al
CRUCH”, lo que sugeriría una forma de segregación y de no
acceso a la gratuidad (Barrientos et al., 2020:173). Más complejo
aún, es una diferenciación entre la calidad de la educación entre
quienes acceden a las instituciones CRUCH9 y los que no, por una
normativa diferencial de regulación de la educación superior;
que podría influir en una segmentación laboral con estructuras
de clase altamente marcadas. Sin negar que las universidades,
institutos y centros privados hacen su contribución al acoger
a una gran parte de esta población, que de otra manera vería

9. Es de anotar que Chile cuenta con normativa para el no lucro de las instituciones de
educación superior, aunque ha tenido sus críticas representa una medida de regula
plausible.

371
empeorada su situación.

Ante las situaciones expuestas, se podría concluir


parcialmente que la política educativa universitaria se encuentra
permeada de tensiones, ideales políticos, brechas y discusiones
que son parte sustancial para la formación de un proyecto
educativo público serio, aunque en el contexto presentado
indicaría falta a la equidad y no discriminación como principio
constitucional y derecho humano. Proyecto que, a la sazón, debe
considerar las formas más estilizadas de segregación y exclusión
social de poblaciones históricamente marginadas como los
colectivos étnicos y con discapacidad, precarizados por barreras
en acceso al conocimiento y a recursos. Entonces, se apela a
modelos de enseñanza a partir de la comprensión de un Otro
diverso como sujeto que se concibe igual en su dignidad humana
y como diferente en su realización individual, identidad étnica,
discapacidad o sin recursos económicos.

Según Zapata (2008), el concepto de Otredad considera que


cada persona es un mundo distinto y que su lenguaje, cultura y
contexto es diferente frente a un mismo hecho o connotación. En
este sentido, las discusiones y reflexiones en torno a la otredad
en la academia deben orientarse en términos de diversidad e
interculturalidad. No obstante, en este momento se queda sin
repercusiones en las políticas públicas y por tanto de las acciones
pedagógicas y de didáctica.

Los principios interculturales se reafirman, especialmente,


en el contexto de la educación básica-secundaria sin continuidad
latente en la educación superior donde se develan acciones
separatistas y segmentarias. Parte de este problema se produce en
el nivel macroestructural dado el centralismo latente y a pesar del
impulso de la regionalización. En la capital algunas instituciones
de educación superior han demandado y promueven espacios
académicos de reflexión sobre la temática.

En el mismo sentido, Matos (2018) plantea que Latinoamérica


tiene un gran desafío para la continuidad, el desarrollo y el
crecimiento de las políticas y prácticas de democratización,
particularmente en educación superior, en la interculturalidad
e inclusión de los pueblos indígenas y afrodescendientes.

372
Como respuesta a este reto se encuentra un primer avance en
el Ministerio de Desarrollo Social, mediante la Ley Nº 21.151 de
2019, que reconoce al pueblo tribal afrodescendiente chileno, lo
que inicia la garantía de derechos culturales, idioma, historia e
instituciones, ahora la tarea es llevar la ley a la práctica cotidiana
de las universidades con inclusión de afrodescendientes y el
desarrollo de cátedras con estudios afros en Chile, escasos por el
momento. Queda la tarea de revisar leyes y caminos para otros
colectivos étnicos y discapacidad.

Las instituciones no pueden estar ajenas a la diversidad,


menos aún, cuando se trata del ingreso y trayectoria, como
derecho fundamental a la educación. No obstante, este derecho
debe formar parte de las políticas de país y operacionalizarse en
planes y programas pertinentes en las distintas Instituciones de
Educación Superior (IES). Si bien, existen leyes que reconocen
alguna forma de diversidad, las instituciones carecen de programas
estructurales de inclusión y por ende de recursos que respondan
a una demanda política del Estado y la necesaria regulación.

Derecho social a la educación superior

Los derechos sociales se identifican en función de su


planteamiento, por lo que, para lograr entender de mejor manera
qué significa la educación como un derecho social, se debe
observar bajo la óptica de la educación como bien de mercado,
como comprensiones que obedecen a opuestos permiten un
acercamiento claro y pertinente en cuanto sus efectos en el marco
de un proyecto de desarrollo de país.

Atria (2014) identifica tres rasgos que capturan la idea


central de lo que llamamos mercado:

a) los individuos actúan motivados por su interés, no


por el interés ajeno; b) nadie tiene el deber de proveer
o el derecho a recibir antes de llegar a un acuerdo en un
contrato; c) cada uno es libre de sujetar su disposición a
contratar las condiciones que desee. En consecuencia, estos
tres elementos representan la lógica de la visión privada
de la educación en Chile. Es por esto que las condiciones
de acceso, que especifican los márgenes del derecho del

373
ciudadano han de estar fijadas en un protocolo público
aplicable a todos por igual (Atria, 2014:128).

En contraste, a los tres rasgos mencionados anteriormente


que identifican lo que se entendió por educación como bien de
mercado, podemos enunciar los principios correspondientes a los
derechos sociales, a saber, a) el proveedor sirve al interés de los
ciudadanos; b) los ciudadanos tienen derecho a la provisión, y el
proveedor tiene el deber de proveer; y c) el proveedor no establece,
unilateralmente, las condiciones especiales de provisión caso a
caso, esto corresponde al Estado.

Entre las oposiciones, el Estado debe optar por beneficiar a


los ciudadanos con una perspectiva social, por ser la que se dirige
a las personas en su dignidad, es decir, de ciudadanos del Estado
de Chile en reconocimiento de su aporte en todas las dimensiones
socioculturales y de fuerza de trabajo para un proyecto conjunto
de país. La capacidad adquisitiva queda en segundo plano y no
debe determinar el acceso y calidad de la educación superior.

Ahora bien, es necesario vislumbrar el problema de la


violencia fundacional inmanente a nuestra historia “entendida
como el espacio de producción de insumos -memoria/origen-
que erigen los sentidos de pertenencia de una comunidad –
identidad, cultura, entre otros (Fuster y Moscoso-Flores, 2015:23).
Violencia concebida y enunciada en el Decreto Nº 1 de 1973, para
la naturalización de una actualidad triunfal, democrática y legal, el
Estado de Derecho neoliberal, que se supone necesario, aunque
en contravía de un Estado Social de Derecho.

El Decreto viene a concebir la transición forzada de la


instauración, a través de la violencia, del modelo económico
neoliberal. Conforme a los Considerandos 1°, 2° y 3° se puede
englobar que el propósito es el llamado a “restaurar la chilenidad,
la justicia y la institucionalidad quebrantadas” (Fuster, Moscoso-
Flores, 2015). Pues, en razón a la década el Considerando 3°
expresaba el sentir que “Chile se encuentra en un proceso de
destrucción sistemática e integral de estos elementos constitutivos
de su ser, por efecto de la intromisión de una ideología dogmática
y excluyente, inspirada en los principios foráneos del marxismo-
leninismo”. Así, se entendió para su momento que algunos

374
derechos sociales como la educación superior gratuita era un acto
que no competía al ideal de nación que se quería preservar y por
tanto se deja a la lógica de mercado.

En tanto, que hay necesidad de cuidar a la nación de


amenazas, en particular de un colectivo académico “desviado”, así
en el Considerando 2° reafirma el propósito, a que quienes estaban
mencionados en el Considerando 1° del Decreto en comento, vale
decir, a la Fuerza Pública, “el Ejercito, la Armada, la Fuerza Aérea
y el Cuerpo de Carabineros que tienen una misión suprema, y
esta es justamente asegurar por sobre toda otra consideración,
la supervivencia de dichas realidades y valores que son los
superiores y permanentes de la nacionalidad chilena” (Decreto
Nº1 de 1973). Muchas de las persecuciones de la dictadura se
dirigieron a estudiantes y profesores que se oponían.

El Decreto Nº1 de 1973, presenta de forma directa

“el vínculo entre derecho y violencia que opera dentro del


orden jurídico dictatorial –en el decreto ley- permite sentar
las bases para la imposición de nuevo orden –de una historia
nueva pero que se presenta antigua, continua- y que se
resolverá en la disolución del vínculo violencia/derecho a
través de la invisibilización o la negación de la lucha que lo
funda y lo mantiene –la apelación a los valores nacionales
quebrantados” (Fuster y Moscoso-Flores, 2015:26).

Este nuevo orden impuesto desde 1973 fue el inicio del


ordenamiento del Estado de Derecho en el país, que permitió
posteriormente con el pronunciamiento de leyes sobre educación,
que la educación fuera considerada como un bien de mercado y
posicione este derecho social como derecho individual.

Por su parte, la instauración de un modelo económico


neoliberal de producción extractiva, además de traer con sigo
una serie de consecuencias que se observan y mantienen hoy en
cuanto a sus efectos negativos en la disminución de la diversidad
biocultural (Donato, 2010); trajo una educación superior al servicio
del mercado laboral como capital humano calificado según
lógicas de un dogma mercado-céntrico, lo que limitó el desarrollo
de todo el potencial de la universidad estatal y el capital social

375
chileno.

Derecho a la educación en la Constitución Política de Chile

Conforme la Constitución de 1980, Artículo 19 Numeral 10,


se enunció que el derecho a

la educación tiene por objeto el pleno desarrollo de la


persona en las distintas etapas de su vida. Los padres
tienen el derecho preferente y el deber de educar a sus
hijos. Corresponderá al Estado otorgar especial protección
al ejercicio de este derecho…

De este propósito, podemos dilucidar una manifestación


clara de la distancia que tomó el Estado en el desarrollo del
derecho a la educación como subsidiario y no de deber de
garantía, en que delegó a los padres y madres. Sin perjuicio de lo
anterior, como se mencionó antes, se debe decir que el Estado se
hizo cargo de la educación de la educación parvularia y educación
básica y media como responsable con la gratuidad y el objeto de
garantizar el acceso universal obligatorio. So pena de algunos
condicionamientos, del Artículo 19 Numeral 2, de “igualdad ante
la ley” ya presentados en el apartado anterior sobre la estructura
de segregación del sistema educativo sin prejuicio aparente de
la Ley General de Educación Nº 20.370 (Mineduc, 2009); a la vez
que se haga según la reforma constitucional de 2003, del Numeral
10 del Artículo 19, en el entendido que “la educación básica y la
educación media son obligatorias, debiendo el Estado financiar
un sistema gratuito con tal objeto, destinado a asegurar el acceso
a ellas de toda la población”.

En este escenario el Estado asumió un rol proteccionista


con el otorgamiento de financiación a las escuelas municipales,
de educación especial públicas y subvenciones a las particulares
como mecanismo de facilitación del acceso a la educación básica
y media obligatorias. Sin embargo, la educación superior, al no
consagrarse en la estructura del texto constitucional en calidad de
obligatoria y de cargo al Estado siguió delegándose en el deber
de garantía a los padres y/o apoderados. Si bien, ha cambiado
este panorama con la gratuidad al no encontrarse contenido el
derecho social como obligatorio y gratuito en la constitución en el

376
mediano y largo plazo presenta un panorama poco claro. Situación,
que se suma a la ya señalada de indicios, según las condiciones
naturalizadas de acceso, de faltas al principio constitucional
de equidad y no discriminación y su correspondiente derecho
humano para personas con discapacidad y colectivos étnicos.

Conclusión

Los alcances de la acción estatal en el deber de garantía


del derecho a la educación tienen un desarrollo reciente para
la población escolar de básica y media, y aún más reciente,
aunque con menores coberturas, para la terciaria. Sin embargo,
los colectivos de diversidad étnica y discapacidad como se refirió
poco se visibilizan. La educación superior comenzó a implementar
un sistema de gratuidad que aún no cumple con el objeto de
garantizar el acceso a toda la población, o universal. Lo cual
requiere una acción directa sobre el entramado constitucional y
normativo que defina la educación superior como derecho social
y deber de garantía por parte del Estado y gratuito, pues en la
transición actual se cuenta sólo con el Decreto 323 de 2016 y la
financiación vía presupuestos anuales que abogan a voluntades
políticas de los gobernantes. Además, de un sistema de selección
que puede estar dejando al margen a las mismas personas para
las que busca garantizar el acceso, los excluidos por bajos recursos
socioeconómicos. Para finalizar, cabe decir que se deben superar

las diferencias en las formas institucionales de protección


y realización de los derechos sociales [pues] los derechos
individuales son consecuencia de que mientras los primeros
corresponden a una comprensión de la ciudadanía
incompatible con el derecho liberal, los segundos son la
manifestación más perspicua del derecho liberal” (Atria,
2014:35).

Agradecimientos

Al grupo de estudios Interdisciplinarios del Laboratorio


Virtual de Comunicación y Lenguaje del Programa de Iniciación a la
investigación (D.E Nº 1/19). Universidad de Antofagasta, Chile.

377
Referencias

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379
A adaptação de Imigrantes e Refugiados na
sociedade Brasileira e o combate da Xenofobia
por meio da Educação em Direitos Humanos

Ana Laura Brito Coelho1


Ester de Sousa Gouveia2

Luciano Meneguetti Pereira3

Resumo

O principal objetivo da pesquisa é analisar a adaptação dos
imigrantes e refugiados no Brasil nas diversas áreas sociais, tais
como a inserção no mercado de trabalho, com a validação de seus
respectivos diplomas e admissão em empregos dignos; o acesso
às instituições de ensino básico, bem como à universidade; a
inclusão em programas sociais; o auxílio para o domínio do novo
idioma, assim como o próprio convívio com os demais cidadãos.
A pesquisa tem como foco a utilização da educação em direitos
humanos na conscientização contra a xenofobia, uma vez que
esta ferramenta é capaz de auxiliar no alcance da igualdade,
independente de nacionalidade.

Palavras-chave: direitos humanos; educação; refugiados;


imigrantes; xenofobia

Introdução

Ao falar de imigrantes, coloca-se em pauta os direitos


e garantias civis, políticos, sociais de grupos minoritário que
estão fora de seu país de origem e buscam em outro país desde
melhores oportunidades profissionais à mínimo existencial.

Esse grupo em especial necessita de políticas públicas que

1. coelhoe@hotmail.com
2. estergouveia@outlook.com.br
3. Orientador. Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, BRASIL.

380
reforcem ao nativo a conscientização de que todos somos iguais,
independente de nacionalidade ou a falta dela, tendo direito a
inserção no mercado de trabalho e no meio social. É necessário
educar para que as relações se harmonizem e sejam produtivas.
Dados de algumas organizações especializadas, análise das
políticas públicas criadas para esses grupos, juntamente com
relato dos próprios asilados, serão meios de obter respostas em
relação a vida que refugiados e imigrantes levam longe de seu
país nativo.

O presente artigo, além de representar a trajetória e atuais


políticas voltadas para imigrantes, analisará também as principais
dificuldades de adaptação e a discriminação sofrida por esse
grupo.

1. Refugiados e Imigrantes no Brasil

De acordo com o ACNUR, órgão da ONU, “refugiados são


pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados
temores de perseguição relacionados a questão de raça, religião,
nacionalidade, pertencimento, a um determinado grupo social, ou
opinião política, como também a grave e generalizada violação
de direitos humanos e conflitos armados; enquanto imigrantes
escolhem se deslocar não por causa de uma ameaça direta de
perseguição ou morte, mas principalmente para melhorar sua vida
em busca de trabalho, educação ou outras razões, os migrantes
continuam recebendo a proteção do seu governo.” (EDWARDS, A.;
ACNUR, 2015)

Nunca houve um número tão alto de deslocamentos no


mundo, sendo o conflito na Síria um dos principais responsáveis
por esse crescimento, seguido pelo Afeganistão e Sudão do Sul.
Calcula-se que até o final de 2019 79,5 milhões de refugiados no
globo (ACNUR, 2020), atingindo uma média em que uma a cada
43 pessoas encontra-se em situação de refúgio.

Trazendo para o contexto brasileiro, o Brasil carrega


um histórico de imigração desde o período colonial, com os
portugueses que se aventuravam no “Novo Mundo”; após a
Independência com a vinda de chineses e o grande número de
nativos da Europa Central que se fixaram em especial no sul do

381
Brasil; a economia cafeeira do século XIX atraiu mão de obra
europeia e japonesa. Em anos mais recente o país tem tido um
aumento no número de Haitianos, e oriundos da Ásia Ocidental.
(IDOETA, P. A.; BBC, 2018)

Com a intensificação do fluxo migratório para o Brasil,


especialistas se preocupam com a capacidade estrutural e
administrativa frente à chegada de milhares constantemente,
por outro lado, mesmo com ausência de legislações e escassas
políticas públicas próprias, há quem veja que o saldo positivo há
de sobrepor.

De acordo com dados da CONARE, o país atinge mais de 43


mil pessoas conhecidas como refugiados (Agência Brasil, 2020).

2. Atuais Políticas Publicas

2.1 Mercado de Trabalho

2.1.1 Revalidação de Diplomas e Inserção na Área de Atuação

Como já tratado, o que difere imigrantes e refugiados é a


capacidade de escolha. Enquanto o primeiro grupo opta por isso,
refugiados muitas vezes chegam ao Brasil com apenas a roupa
do corpo e a ausência de documentações que comprovem quem
são ou em que são graduados, por exemplo, dificulta que possam
exercer profissão na área que são formados.

Em 2017, dos 122.069 migrantes trabalhando no Brasil, de


acordo com dados do ministério do trabalho e relação anual de
informações sociais, 37.539 eram profissionais qualificados, ou
seja, possuíam ensino superior, o que equivale a 30,8% (OBmigra,
2018). Os empecilhos para a revalidação dos diplomas não
atrasam só o migrante como também o país que não aproveita
das qualificações que muitas vezes estão em falta, por exemplo,
engenharia do petróleo, muito cursado na Venezuela.

Atualmente, vigora no estado de São Paulo a lei nº 16.685, de


20 de março de 2018 que dispõe sobre a isenção de pagamentos
de taxas de revalidação de diplomas de graduação, mestrado e
doutorado para os refugiados no estado (BRASIL, PLANALTO,

382
2018). A lei em questão garante o benefício apenas as faculdades
estaduais. Outros estados como Rio de Janeiro (lei 7.844/18) e
Paraná (lei 18.465/15) possuem legislação similar que auxiliam ao
refugiado na revalidação.

Entretanto, há uma carência quanto a legislação federal. De


acordo com o artigo 4º da lei 9.474/97:

“O reconhecimento de certificados e diplomas, os requisitos


para a obtenção da condição de residente e o ingresso
em instituições acadêmicas de todos os níveis deverão
ser facilitados, levando-se em consideração a situação
desfavorável vivenciada pelos refugiados.” (BRASIL, PLANALTO,
1997)

É necessário que lei complementar defina “facilitados” e


políticas públicas que as cumpram. A ONG Compassiva e ACNUR
são os principais agentes responsáveis por esse processo.

Além disso, é necessária uma interpretação extensiva nesse


sentido, visto que aos imigrantes, cabe o custo oneroso para
revalidação que pode chegar até 20 mil reais.

2.1.2 Inserção no Mercado Profissional

É de direito a concessão de RNE (registro nacional do


estrangeiro), CTPS (carteira de trabalho e previdência social) e CPF
(cadastro de pessoa física), o que os torna aptos ao mercado de
trabalho. Entre as principais áreas ocupadas estão: produção de
bens e serviços industriais, trabalhadores dos serviços, vendedores
de comércio em lojas e mercados, profissionais das ciências e das
artes e trabalhadores de serviços administrativos. (OBmigra, 2018)

O Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados


(PAAR), é um dos programas de destaque, podendo inclusive contar
com o apoio do ACNUR e Caritas Brasil. O trabalho desenvolvido
é voltado para inserção de refugiados no mercado de trabalho.
Um de seus projetos, o Empoderando Refugiadas, conseguiu
um êxito em sua segunda edição com a contratações de 21 das
80 participantes. Ao longo do mês da campanha foram feitos
palestras e workshop a respeito do mercado de trabalho, direitos

383
e cultura brasileira, saúde e bem estar e empreendedorismo, além
de encaminhamento para entrevistas de emprego (PARR, 2017)

ACNUR em parceria com empresas privadas tem tentado


mostrar a importância da contratação e capacitação dos não
qualificados para que possam criar uma autonomia.

2.2 Inserção nas Instituições de Ensino

2.2.1 Alfabetização

Refugiados e imigrantes possuem os mesmos direitos de


ingresso nas instituições públicas de ensino no Brasil. O MEC, em
relação ao ensino primário, fundamental e médio é quem oferece
o melhor auxilio para introduzir essa parcela de crianças nas
escolas. E realizado uma prova de nivelamento a qual determina a
série que se inserirá o aluno

Bernardo Goytacazes, que já ocupou o cargo de secretário


Nacional de Modalidades Especializadas de Educação, defende
que o nivelamento é preferível no estado de fronteira, a exemplo
dos venezuelanos, a fim de que sejam interiorizados já com a série
definidas. Em uma entrevista a assessoria de comunicação social
do MEC, lembra: Ao receber esse refugiado, espera-se que todos
lhe deem plena condição de dignidade, inclusive no acesso ao
ensino de qualidade (MEC,2019).

2.2.2 Período pré Vestibular

O MEC oferece para adolescentes aptos a concluir o ensino


médio uma avaliação especifica de finalização que gera certificado
a fim de comprovar a conclusão do ensino e poder ingressar em
um curso de ensino superior. (MEC 2019)

Algumas instituições, a exemplo da FESPSP em parceria


com o Centro de Apoio e Pastoral do imigrante, entendendo que
as dificuldades desse período ultrapassam documentações, criou
monitorias de curso para o ENEM, potencializando as chances do
refugiado e imigrantes competir por uma vaga a fim de alcançar a
igualdade material. (FESPSP, 2019)

384
2.2.3 Universidades

De acordo com o ACNUR, atualmente 22 instituições de


ensino superior estão conveniadas à CSVM (Cátedra Sérgio Vieira
de Mello) que busca “garantir que pessoas refugiadas e solicitantes
de refúgio tenham acesso a direitos e serviços no Brasil” (ACNUR,
2019); Essas universidades possuem politicas vigentes que
facilitam o ingresso de refugiados e imigrantes. Contudo, aponta
que apenas 2 de cada 10 vagas são preenchidas, representando
um aumento significativo em relação a anos anteriores (BAZZO, G.
Folha Uol, 2018).

A UFPR, Universidade Federal do Paraná, através


do programa Pmub, destina as vagas remanescentes dos
processos seletivos para refugiados, migrantes, e pessoas com
visto humanitário em seus países. Em 2019 houve o primeiro
processo seletivo exclusivo para migrantes e refugiados. (UFPR,
Superintendência de Comunicação Social, 2018).

A UnB, Universidade de Brasília, preenche todos as vagas


decorrentes do desligamento e transferência de estudantes para
outras instituições e as vagas não preenchidas pelo vestibular. É
necessário que o refugiado não tenha concluído o ensino médio
no Brasil (MEC, 2019)

O Site do MEC fornece uma lista de relação das faculdades


conveniadas e seus respectivos sites com regulamento a respeito
do preenchimento das vagas.

2.3 Inclusão em Programas Sociais

Como já trabalhado, com exceção ao direito ao voto (votar


e ser votado) e ocupar alguns cargos executivos e administrativos,
como garante a lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 (BRASIL,
PLANALTO, 2017), os refugiados e imigrantes possuem os
mesmos direitos, deveres e acesso a programas sociais garantidos
pelo estado brasileiro. É possível que se inscrevam no Bolsa
Família, Minha Casa Minha Vida, Carteira do Idoso e afins, desde
que realizem o cadastro único nas secretarias municipais de
assistência social ou CRAS (centro de referência de assistência
social) (BANDEIRA, L.; BBC, 2015).

385
Na cartilha de refugiados no brasil, o ACNUR aponta e
especifica o direito a saúde pelo SUS, educação, liberdade religiosa,
reunião familiar e etc., com intuito de promover informação
e evitar que sejam enganados. Inclusive explica as instâncias
judiciais e garante assistência jurídica (ACNUR, 2015).

Há lacunas, como falta de registro a respeito na previdência,


por exemplo. Muitas vezes o migrante perde o registro dos anos
trabalhados em seu país de origem ou não há acordo internacional
para validar esse cálculo para aposentadoria (PANTERI, A; GARCIA,
C. C.; MARINS, C.; FERREIRA, C.; SANTANA, R; USP, 2017).

3. Adaptação

O maior fluxo migratório para o Brasil é de países da América


Latina, porém também há um grande número de imigrantes
vindos da Europa, Ásia e África, o que dificulta na comunicação
(ACNUR, 2019). Hoje as universidades, principalmente as
públicas, oferecem, em sua maioria, cursos de língua portuguesa,
assistência jurídica, atendimento psicológico, aulas sobre a
cultura e história brasileira, ministradas por alunos ou mestres.
A iniciativa é benéfica para ambos os lados, possibilitando uma
troca de conhecimento muito rica.

ONG’S e instituições privadas disponibilizam além desses


já citados, cursos de capacitação profissional para o mercado de
trabalho.

No caso de Mohamad Said Hajoul, o comerciante de 52 anos,


veio para o Brasil em 1992, devido à falta de emprego e dinheiro
por conta da guerra no Líbano. Como tinha parentes aqui, achou
que facilitaria na adaptação. Apesar não ter considerado seu
ingresso ao país burocrático, não recebeu apoio governamental
nem de ONG’s para se reestabelecer, sequer para aprender o
idioma, porém ser fluente em francês o ajudou.

Mohamad diz que procurou similaridade em algumas


palavras e através da conversação pôde aprender a se comunicar
em português. Ele afirma que no início, sem domínio da língua
portuguesa, haviam poucas oportunidades de trabalho. Passado
um longo período de adaptação, Hajoul constituiu sua família e

386
negócios no Brasil, e apesar de frequentemente viajar ao Líbano
não tem planos de deixar o Brasil.

4. Xenofobia

Xenofobia, definida de uma maneira mais básica, trata-se


de “desconfiança, temor ou antipatia por pessoas estranhas ao meio
daquele que as ajuíza, ou pelo que é incomum ou vem de fora do
país.” (SNYDERS, G; 2016, p. 36) A origem etimológica da palavra
é grega e se forma a partir das palavras “xénos” (estrangeiro) e
“phóbos” (medo). Essa aversão aos estrangeiros já foi tipificada
na legislação brasileira. Inicialmente a lei nº 7.716, de 5 de janeiro
de 1989, já previa punição para a discriminação racial, contudo
a redação desta sofreu uma alteração por outra norma, a lei nº
9.549 de 13 de maio de 1997 que possibilitou que outros tipos de
discriminações fossem criminalizados.

“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes
de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.” (BRASIL, PLANALTO,1997)

Tal mudança tutelou direitos de muitos estrangeiros que


são hostilizados por sua nacionalidade, como também por
religião. Entretanto na prática, conforme dados apresentados
pelo Ministério dos Direitos Humanos, em 2018 o disque
denúncia especializado em violações de Direitos Humanos
registrou 4.258 denúncias na categoria “outras violações”, deste
18,18% era referente a discriminação, ou seja quase 770 casos
registrados, apesar de que quase não há registros de denúncias
que prosseguiram na Justiça. (MMFDH, 2019)

Não precisa procurar muito para encontrar relatos e


vídeos onde estrangeiros sofreram algum tipo de hostilização e
humilhação.
Importante salientar que, como acontece em diversas outras
situações, a maioria das vítimas não denuncia, impossibilitando
uma percepção concreta da dimensão do problema.

Entre as ocorrências, há um vídeo que circulou nos


portais de notícia em agosto de 2017, onde um homem agride
um refugiado sírio que estava vendendo esfirras e doces em

387
Copacabana. Nas imagens o agressor aparece armado com dois
pedaços de madeira repetindo a frase “Sai do meu país” (O GLOBO,
2017) entre outras ofensas. Enquanto isso Mohamad Ali guarda
sua mercadoria para se retirar do local sem discutir.

Nessa situação é visível o violação de Direitos sofrida pelo


Sírio, que foi humilhado, teve que fechar sua barraca gerando um
possível prejuízo econômico, e ainda teve sua integridade física
colocada em risco. Sobre o caso o delegado da 12ª DP Gabriel
Ferrando disse na época:

“O ofendido não compareceu para registrar e denunciar o feito.


Ameaça e injúria dependem de manifestação de vontade da
vítima. Independente disso estamos analisando as imagens
para tentar localizar os envolvidos. Estamos diligenciando”.
(VIANA, G.; O GLOBO, 2017)

Sem a denúncia de Mohamad Ali, que disse em reportagem


que não queria confusão, apenas trabalhar em paz; os dispositivos
legais não podem ser aplicados, deixando que xenofóbicos saiam
impunes.

Outro caso, dessa vez cometido por grandes instituições


financeiras está registrado no filme “Brasil Cordial: Corações e
Refúgio”, onde um refugiado relata a dificuldade de abrir uma
conta bancária. Tal situação se repetiu com diversos solicitantes
de refúgio que tiveram esse direito negados pelas agências, que
não reconhecem o Protocolo de Pedido de Refúgio, emitido pela
Polícia Federal, como documento de identificação.

Tal atitude viola a Carta Circular n° 8.813, de 7 de abril de


2017, do Banco Central do Brasil, onde essa determina que a que
a Cédula de Identidade de Estrangeiro, o Registro Nacional de
Estrangeiros, o Protocolo de solicitação da CIE, o Protocolo do
Pedido de Refúgio, a Guia de Acolhimento são documentos de
identificação hábeis para abertura de contas.

O Ministério Público Federal processou seis bancos que


contrariaram normas do BC por não aceitarem documentos
de identificação. Além de requerer que os réus aceitem tais
documentos, sob pena de multa de R$10 mil para cada recusa,

388
ainda pede uma indenização de no mínimo R$500 mil pelos danos
morais já causados (MPF, 2018).

5. Educação Em Direitos Humanos

Segundo o Programa de Ética e Cidadania do Ministério da


Educação (MEC), Educação em Direitos Humanos é “influenciar,
compartilhar e consolidar mentalidades, costumes, atitudes,
hábitos e comportamentos que decorrem, todos, (...) de uma
cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e
da vivência dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da
solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz.” (BENEVIDES,
M.V. 2007)

Na visão de Vera Cadau, em seu livro Educação em Direitos


Humanos e Formação e de Educadores (2005, p.8) a EDH é “um
processo sistemático e multidimensional orientado a formação
do sujeito de direito e a promoção de uma cidadania ativa e
participante.

A articulação de diferentes atividades que desenvolvam


conhecimentos, atitudes, sentimentos e práticas sociais que
afirmem uma cultura de DDHH na escola e na sociedade.

Processos em que se trabalhe, no nível pessoal e social,


ético e político, cognitivo e celebrativo, o desenvolvimento da
consciência da dignidade humana de cada pessoa”. Disponibilizado
no periódico Educação (Porto Alegre impresso, 2013, p.62).

Em ambas definições surge uma ideia de formação de


indivíduo. A Organização Montessori do Brasil remete à Maria
Montessori, renomada médica e educadora, criadora do método
Montessori, o conceito de que:

“A primeira ideia que uma criança precisa ter é a da diferença


entre o bem e o mal. E a principal função do educador é cuidar
para que ela não confunda o bem com a passividade e o mal
com a atividade.” (MONTESSORI, M.; OMB)

Segundo o pensamento de Émilie Durkhein, antropólogo, o


indivíduo nasce da sociedade, e que educar é socializar. (VARES, S.

389
F; BORTULUCCE, V. B, 2014, p.6)

É possível reunir os pensamentos desses dois especialistas


em comportamento por concluir que a forma que uma criança
é educada influencia em como ela agirá socialmente, e numa
visão mais ampla a educação majoritária recebida afeta toda uma
geração.

Contudo muitas vezes os responsáveis pela educação


primária dos indivíduos em formação já carregam pensamentos
misóginos, homofóbicos e/ou xenofóbicos, fazendo com que
crianças a medida que crescem acreditam que as minorias
socais são humanos inferiores e que por isso não precisam ser
respeitados.

Tal discriminação deriva de um sentimento de legitimidade,


onde o autor não enxerga, muitas vezes, a dimensão que toma a
exteriorização de seu preconceito.

Portanto de acordo com o §2º da Resolução do Conselho


Nacional de Educação que estabelece as Diretrizes Nacionais
para a EDH (DNEDH), não basta apenas educar crianças para
demostrarem respeito e terem consideração para com os outros
seres humanos. É preciso educar os educadores, ou seja, eliminar
traços de preconceitos, muitas vezes velado, de quem tem
como função, ou obrigação, instruir, ensinar e por consequência
doutrinar os futuros adultos. (DNEDH, 2012)

Isso pode ser feito por meio das instituições de ensino


das próprias crianças, que desenvolvam para os professores,
cuidadores e pais, ações de EDH que se adequem as necessidades
e contextos locais, planejem melhorias nos métodos a partir dos
resultados observados entre os alunos e também na comunidade.

Ressaltando a importância de que crianças e adolescentes


também tenham acesso ao “reconhecimento e valorização das
diferenças e das diversidades”, como dos demais princípios que a
Educação em Direitos Humanos promove por meio da escola, que
apresenta os conhecimentos de forma sistemática. Esta é descrita
no Plano Nacional de Educação em Diretos Humanos como:

390
“Um espaço social privilegiado onde se definem a ação
institucional pedagógica e a prática e vivencia dos diretos
humanos. [...] local de estruturação de concepções de mundo
e de consciência social, de circulação e de consolidação
de valores, de promoção da diversidade cultural, da
formação para a cidadania, de constituição de sujeitos e de
desenvolvimento de práticas pedagógicas.” (PNEDH, 2018)

6. Conclusão

O trabalho trouxe a visão do refugiado e imigrante instalados


no Brasil. A situação desses quase 1% da população nacional, em
relação as atuais políticas e legislações.

Como visto há uma inegável dificuldade para a plena


inserção no mercado profissional e a validação de diplomas, o que
obriga muitos a atuar em profissões que não exerceriam em seus
países de origem.

O apoio do Estado para o direito a educação possa exercido


por esses grupos, fornecendo acesso a todos os níveis escolares,
a solicitude de Instituições para o fornecimento de vagas
universitárias, e primordialmente o empenho de ONG´s para o
ensino do Português, possibilitando a comunicação e adaptação
dos estrangeiros no Brasil.

A inclusão em programas sociais que fornecem direitos


básicos como saúde, no caso do SUS, e moradia, Programa Minha
Casa Minha Vida. Importante salientar que foi observado na
pesquisa a dificuldade desses estrangeiros para a obtenção da
aposentaria, devido à falta de determinados documentos.

Mesmo com vida estabelecida, seja com o apoio de ONG´s


e órgãos governamentais ou não, os que se deslocam até o
país enfrentam o crescente número de discriminação contra
estrangeiros em razão de um preconceito instigado na população
brasileira, foi observado as medidas legais para desencorajar
tal pratica. Apesar de tal crime continuar sendo praticado por
particulares e por grandes empresas, mas em tal foi possível ver a
atuação do Ministério Público para a defesa dos interesses desse
grupo mais vulnerável.

391
Considerou-se a aplicação da Educação em Direitos Humanos
como forma de reduzir a pratica xenofóbica. Foi analisada a
importância de educar aqueles que passam conhecimentos as
crianças, sendo necessário também inserir a EDH no cotidiano do
jovem, por meio de ações pedagógicas, como sugere o PNEDH.

Se devidamente aplicada, a EDH carrega consigo princípios,


como a Igualdade de direitos, valorização da diversidade, laicidade
do Estado, que podem diminuir significativamente os números de
discriminações ocorridas no território nacional. Resultando num
melhor padrão de vida e preservação da dignidade, tanto para
aqueles que planejaram vir para o Brasil para tentar ter melhores
condições, quanto para aqueles que abandonaram seu país para
sobreviver.

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397
A desigualdade de gênero e a educação
em Direitos Humanos para a inclusão
das Mulheres na Sociedade
Maria Clara Gimenez Bernardes Manicardia1
Maria Eduarda Costa de Almeida 2

Luciano Meneguetti Pereira3

Resumo

A influência do patriarcado na sociedade pós-moderna
ainda impacta as mulheres em diversos grupos sociais, porém,
tendo em vista os modos de tratamentos dos quais eram impostos,
elas ganharam um espaço significativo na contemporaneidade.
Mas para isso acontecer houveram diversas discussões que
nos dias de hoje ainda são muito frequentes. Para educarmos e
conscientizarmos essa sociedade machista, que através de uma
doutrina ou por influência de terceiros, menosprezam as mulheres
e seus direitos, leva tempo.

O presente artigo buscará estudar, como as mulheres


eram vistas, como estão nos dias de hoje e futuramente onde
estarão, analisando também a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, a Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, dentre outros
meios que comprovem um grande progresso que a sociedade
vem promovendo para combater qualquer forma de violência e
desigualdade de gênero.

Por fim, pretendemos demonstrar que, embora existam


diversos dispositivos normativos, tanto internacionais quanto
nacionais, somente a educação em Direitos Humanos, voltada à
inclusão das mulheres, trará efetividade às legislações vigentes,
corroborando para a redução significativa dos índices de violência

1. mariaclaramanicardi1107@gmail.com
2. duda.almeida20@hotmail.com
3. Orientador. Centro Universitário Toledo – Araçatuba/SP, BRASIL.

398
contra a mulher e dos alarmantes números de feminicídio. Além
disso, busca-se evidenciar medidas e políticas públicas, voltadas a
educação em Direitos Humanos, que surtiram efeitos e reduziram
as taxas verificadas e oportunamente analisadas em nosso estudo,
a fim de propor possíveis soluções para a desigualdade de gênero
e as formas de violência oriundas desta.

Palavras-Chave: Mulheres. Discriminação. Mercado de trabalho.


Direitos Humanos.

Resume

The influence of patriarchy on postmodern society still


impacts women in various social groups, but given the modes
of treatment from which they were imposed, they have gained
significant space in contemporary times. But for that to happen
there have been several discussions that these days are still very
frequent. To educate and raise awareness of this chauvinistic
society, which, through the doctrine or influence of others,
despises women and their rights, takes time.

This article will seek to study how women were viewed,


how they are today and in the future where they will be, and also
to look at the 1948 Universal Declaration of Human Rights, the
Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination
Against Women, among others. other means that prove the great
progress that society has been promoting to combat any form of
violence and gender inequality.

Finally, we intend to demonstrate that, although there are


several normative provisions, both international and national, only
human rights education, aimed at the inclusion of women, will
bring effective legislation into force, corroborating the significant
reduction in violence against women and women. of the alarming
numbers of femicide. In addition, we seek to highlight measures
and public policies aimed at human rights education, which had
effects and reduced the rates verified and timely analyzed in our
study, in order to propose possible solutions to gender inequality
and forms of violence. from this one.

Keywords: Women. Discrimination. Job market. Human rights.

399
2. Introdução

Falar expressamente sobre a desigualdade de gênero e a


educação, para que possamos reconstruir todo o patriarcado
enraizado presente, é de muita dificuldade, pois estamos em uma
sociedade julgadora e desigual.

Dizer que o mundo não evoluiu para que as mulheres


hoje, tomassem seu devido lugar, no caso, liderando, é mentira.
Há muitos anos a sociedade vem progredindo gradativamente,
fazendo com que o poder feminino tenha direito ao voto, direito
a tomar suas próprias decisões, se candidatar para presidente,
sancionar a lei do divórcio, efetivar a lei maria da penha e
atualmente a lei do feminicídio que trata hediondamente os
assassinatos de mulheres por discriminação de gênero.

O objetivo em foco é alcançar um método para que


possamos educar a sociedade de uma maneira subjetiva, fazendo
com que homens e mulheres compreendam a verdadeira
importância

3. Desenvolvimento

3.1. Começo de Tudo

Desde os primórdios, as mulheres eram vistas como símbolo


da fertilidade, sendo apenas usadas para reprodução. Com isso,
nos tratavam como deusas, durante a pré história. Portanto, os
homens acabaram impondo que as mulheres eram o “sexo frágil”,
sendo assim, faziam de tudo para nos proteger, diminuindo todo
poder feminino.

Nessa época as mulheres foram utilizadas apenas para


essas finalidades, não aprofundando assim um estudo detalhado
de como elas são imponderadas e fortes.

Passaram várias gerações e esse pensamento sexista e


machista se prevalece, tornando-se cada vez mais difícil de educar
devidamente o pensamento obsoleto da sociedade.

Uma das cidades que ainda existe uma grande desigualdade

400
de gênero, é Roma. Apenas mulheres de famílias ricas podem
exercer cargos políticos, já nos mostrando como a desigualdade
prevalece. Uma Matrona famosa por exercer essas funções é
Fúlvia, muito conhecida por suas atividades conspiratórias e sua
ambição política. Hoje é o símbolo da moeda romana.

Uma jovem com muita influência e que protegeu até o


último segundo de vida a igualdade e o direito das mulheres
é Malala Yousafzai, uma ativista paquistanesa de 15 anos que
fez de tudo para que o islã não fechasse o ensino das meninas
do paquistão, criou um blog em que lá se expressava sobre a
dificuldade que as moradoras do paquistão tinham. Devido ao
seu engajamento na mídia e toda a ira dos talibãs, Malala morreu
com um tiro desferido em sua cabeça. Logo, dois anos depois, foi
reconhecida pelo Prêmio Nobel da Paz por garantir o direito à
educação das mulheres.

3.2. Empoderamento Feminino

A luta das mulheres e do movimento feminista no


Brasil e no mundo vem reduzindo as discriminações contra
elas e transformando tanto as relações de gêneros quanto o
reconhecimento feminino dentro do mercado de trabalho.

Tendo em consideração a educação, a escolaridade das


mulheres brasileiras cresceu de maneira gradativa ao decorrer dos
anos e no ano de 2000 elas passaram a ser a maioria dentro das
escolas e universidades, representando 55,5% das matrículas nas
instituições de ensino superior e 59,2% dos/as concluintes, 1 e as
mulheres estudam, em média, 8,2 anos, enquanto os homens, 7,8
anos, seguindo tendências mundiais constatadas pela ONU.

A crescente escolarização das mulheres contribuiu para a


inserção delas no mercado de trabalho. Sua participação trabalho
remunerado aumentou 85% entre 1976 e 2007 e cresceu 33,9%
entre 2001 e 2013, enquanto a dos homens cresceu 28,1%³. Com
isso podemos destacar a superação delas em carreiras de alta
remuneração, tais como: Arquitetura, Direito, Administração,
Odontologia e Medicina. Tais conquistas aumentou sua
participação em cargos de chefias e gerências, assim como elas
continuam tendo participação majoritária em setores de serviços,

401
nos empregos domésticos e nos trabalhos tradicionalmente
‘’femininos’’.

Ainda que haja um grande avanço e conquistas das


mulheres no âmbito trabalhista, a discriminação, a violência e
desigualdade de gênero não deixou de existir e está muito longe
de cessar.

O Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa


das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2016
(4) registra que as mulheres brasileiras recebem 25% a menos
do que os homens mesmo atuando em áreas semelhantes e
desenvolvendo as mesmas tarefas do que eles.

Um dos principais motivos pelo qual acontece essa


discriminação é a ausência de linguagem inclusiva e abrangente
às compreensões de diversidade sexual, raça e gênero. Essa
ausência acarreta grandes problemas no crescimento intelectual
das crianças que precisam desse conhecimento para tolerar,
respeitar e aceitar as diferenças. Pois é na infância que são
formados os princípios e a educação de cada indivíduo. A falta
do protagonismo feminino destaca a importância de adotar
medidas para garantir que o currículo promova a igualdade e a
não-discriminação entre os gêneros e assim, fazer com que as
mulheres sejam reconhecidas e cresçam cada vez mais dentro do
mercado de trabalho.

Para melhorar a relação entre homens e mulheres e


proporcionar a equidade entre os gêneros e o empoderamento
feminino, a ONU Mulheres e o Pacto Global criaram os Princípios
do Empoderamento das Mulheres, tendo o total de sete princípios
que visam ‘’Empoderar mulheres e promover a equidade de gênero
em todas as atividades sociais e da economia são garantias para
o efetivo fortalecimento das economias, o impulsionamento dos
negócios, a melhoria da qualidade de vida de mulheres, homens
e crianças, e para o desenvolvimento sustentável.’’(5). São eles:

1. Estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de


gênero, no mais alto nível;
2. Tratar todas as mulheres e homens de forma justa no trabalho,
respeitando e apoiando os direitos humanos e a não-

402
discriminação;
3. Garantir a saúde, segurança e bem-estar de todas as mulheres
e homens que trabalham na empresa;
4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento
profissional para as mulheres;
5. Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas
de empoderamento das mulheres através das cadeias de
suprimentos e marketing.
6. Promover a igualdade de gênero através de iniciativas voltadas
à comunidade e ao ativismo social;
7. Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na
promoção da igualdade de gênero.

3.3. Conquistas

Referente aos dados de uma pesquisa realizada em 2017 do


Fórum Econômico Mundial, a desigualdade de gênero no mundo
é de 32%, ou seja, as mulheres possuem apenas 68% dos seus
direitos e oportunidades. De acordo com o estudo, se o ritmo da
população continuar nesta maneira, serão necessários 100 anos
para uma sociedade igualitária.

Em alguns países se comemora no dia 08 de Março o Dia


Internacional da Mulher, este dia foi marcado no final do século
XIX e no início do século XX no contexto das lutas feministas por
melhores condições de vida, trabalho e direito ao voto.

O movimento Feminista é um conjunto de movimentos


sociais, políticos, filosóficos e ideológicos, inicialmente ocorrido
durante o século XIX e início do século XX em dois países, Reino
Unido e Estados Unidos.Têm como objetivo os direitos equânimes
e também por sua vez uma vivência humana do empoderamento
feminino e do livramento de padrões patriarcais, fundamentado
em normas de gênero. O movimento destaca-se pela igualdade
entre homens e mulheres, promovendo os direitos femininos e seus
interesses. Este movimento vem se fortalecendo gradativamente
com os anos e formando assim uma legião de pessoas, na maioria
mulheres, dispostas a mudar todo o pensamento machista.

Uma outra figura que empoderou o século XV foi Joana d’Arc,


uma guerreira, santa, analfabeta que com apenas 19 anos liderou

403
o exército do Rei Carlos VII que possuía 4 mil homens. A batalha
para resgatar Orléans durou três dias e finalizada com sucesso pela
guerreira. Infelizmente Joana foi julgada injustamente pela Santa
Instância sendo condenada à fogueira por heresia. Depois de 15
anos, o papa Calixto III, publicou que o tribunal havia reconhecido
seu erro e declarou a inocência de Joana d’Arc, que foi absolvida
de todas as acusações anteriores, tornando-se assim a primeira
heroína da nação francesa.

3.4. Normas Jurídicas e as Mulheres

A Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Contra as Mulheres prescreve que ‘’Os Estados
partes tomarão em todas as esferas e, em particular, nas
esferas políticas, social, econômica e cultural, todas as
medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para
assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher,
com o objetivo de garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos
humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições
como homem.’’

A legislação brasileira promulgada, em 1988, a Constituição


da República Federativa do Brasil e, tendo em vista o passado
patriarcal e opressor do Brasil em relação às mulheres, dispõe
no seu artigo 5, inciso I que homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações. A teoria desse inciso é muito bem vista nos
dias atuais, porém, a prática é um pouco diferente do previsto na
Constituição. Tendo como prova disso, o capítulo exclusivo para
as mulheres na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Quando se discute a ingressão das mulheres no mercado


de trabalho brasileiro, vale ressaltar as normas da CLT que
contempla, desde a sua promulgação, a proteção das mulheres
nas áreas trabalhistas tendo, como dito anteriormente, um
capítulo exclusivo para elas. Neste capítulo, são demonstrados
diferentes meios de tratamentos especiais para as mulheres, por
conta de suas características naturais que são distintas às dos
homens, por exemplo: a norma prevista no artigo 390 que proíbe
a contratação de mulheres para “serviço que demande o emprego
de força muscular superior 20 quilos para o trabalho contínuo”.

404
Tendo em vista as normas da CLT e a CRFB, os meios de
tratamentos especiais para as mulheres são errados. Uma vez que,
é preciso tratar os indivíduos igualmente, colocando tratamentos
específicos de acordo com sua área de trabalho e não ao seu
gênero. Submetendo as mulheres em um tratamento diferenciado
por conta de sua natureza, estaríamos dando motivos para os que
aderem a expressão ‘’sexo frágil’’ para nós. Pesquisas científicas
comprovam que, em geral, os homens conseguem pegar mais
pesos do que as mulheres, porém, a ampla diversidade genética
da população nos mostra que dentro dessa ‘’regra’’ há inúmeras
exceções que devem ser consideradas. não havendo assim, uma
justificativa de que essa proteção se dá apenas por conta do
gênero feminino.

Em relação às mulheres e a Constituição Brasileira, o artigo


7 inciso XX ressalta a ‘’proteção do mercado de trabalho da
mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei’’. Isso
nos mostra que, independente das circunstâncias, as profissionais
não devem ter seus salários reduzidos ou inferiores aos dos
homens quando suas profissões forem as mesmas. Embora esteja
previsto na CRFB, o salário das mulheres continua sendo 30%
inferior ao do gênero oposto, segundo a especialista regional em
temas de Gênero da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
Lia Abramo. A violação e desobediência de qualquer mecanismo
de proteção às mulheres no mercado de trabalho pode acarretar
multa de até vinte valores de referência regionais, aplicadas pelas
Delegacias Regionais do Trabalho e Emprego ou por autoridades
que exerçam funções delegadas. (6)

É sabido que, o avanço normativo vem mostrando grandes


resultados na valorização das mulheres e de seus direitos dentro
e fora do mercado de trabalho, porém ainda exige uma grande
melhoria e muitas mudanças para que as leis não sejam apenas
prescritas, mas sim concretizadas e efetivadas. (7)

3.5. Convenção de 1979

A Convenção Sobre Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Contra às Mulheres é um tratado internacional
aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1979,
entrando em vigor em 1981 e ratificada por 188 países. Essa

405
Convenção pegou como base a Declaração Universal dos Direitos
humanos, a declaração tem como principal objetivo enfatizar que
todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade,
essa que foi conferida aos indivíduos antes mesmo de nascerem e
ficarão com eles até sua morte. ‘Toda pessoa pode invocar todos
os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem
distinção alguma, inclusive de sexo. Considerando que os Estados
Partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos
têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade
de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e
políticos.’(8).

Relembrando o passado das mulheres e sua luta para


conquistar um espaço significativo dentro da sociedade, e
ressaltando que a discriminação desse gênero, dentro e fora do
mercado de trabalho, viola a dignidade da pessoa humana e o
princípio da igualdade de direitos, os Estados Partes presente na
Convenção concordaram plenamente nos termos que ela exige
e se submeteram a lutarem, juntos, pela igualdade de gêneros
em seus determinados países. Incluindo-as no espaço político,
econômico, social e cultural.

Nos tempos primitivos, a única função da mulher na


sociedade era para ser submissa ao homem, ser ‘’dona de casa’’
e geradora de filhos. Visando esse passado desumano que
esse sexo tinha, o artigo 5b da Convenção, visa garantir que a
educação familiar inclua tanto o homem quanto a mulher no
que diz respeito à educação de seus filhos, entendendo-se que o
interesse deles consistirá na consideração primária em todos os
casos, ou seja, não depende apenas da mulher para educar e criar
os filhos, como era o papel principal delas antigamente.

O artigo 10 da Convenção, visa assegurar a igualdade de


direitos entre os gêneros na esfera da educação. Ela resguarda
as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e
capacitação profissional, acesso à escola e obtenção de diplomas
nas instituições de ensinos de todas as categorias, englobando a
educação pré-escolar, geral, técnica, técnica superior, profissional
e afins. Na parte ‘c’ do artigo citado está ressaltando a importância
da eliminação de todos os conceitos estereotipados dos
papéis masculino e feminino em todos os meios de educação

406
impulsionando uma educação mista e outros tipos que favoreçam
o alcance desses objetivos. Ressalta também a importância da
adaptação dos métodos de ensinos e modificação dos livros e
programas escolares.

Para esse texto é notório que destaquemos o artigo


11 da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Contra as Mulheres. Esse artigo objetiva a
importância da preservação da dignidade e direitos das mulheres
na área trabalhista. Uma vez que, elas estão ganhando um espaço
significativo na área trabalhista e assim como essa evolução, as
normas jurídicas e sociais também precisam evoluir. Algumas
medidas apropriadas são:

“a) O direito ao trabalho como direito inalienável de todo de todo


ser humano;
b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a
aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de
emprego;
c) O direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito
à promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios
e outras condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e
à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação
profissional superior e treinamento periódico;
d) O direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade
de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim
como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da
qualidade do trabalho;’’(8)

4. Conclusão

Se conclui que por mais que tenhamos muito preconceito,


a sociedade vem tentando mudar todo o pensamento arcaico,
educando desde crianças à adultos para que futuramente todos
tenham uma perspectiva mais sábia sobre as mulheres e todo o
seu amplo objetivo. Existem pequenas ações que podem mudar
a perspectiva de muitas pessoas, algumas delas são: dividir
tarefas domésticas, enquanto o pai lava a louça a mãe cuida do
filho; repreender atitudes machistas e racistas, não se calar ao
ouvir comentários e atitudes preconceituosas que humilham
mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQI e outros grupos;

407
eleja mulheres, pesquisar mulheres bem capacitadas e de
comunidades sub-representadas; observe sinais de violência,
busque ajuda e apoie as vítimas de violência doméstica e as
que estão em relacionamentos abusivos; denuncie instituições
e empresas que praticam a desigualdade salarial para homens e
mulheres que tenham o mesmo cargo.(9)

A educação em Direitos Humanos relacionada à


discriminação de gêneros é fundamental para se obter a equidade
de homens e mulheres. Ao estudar Direitos Humanos aprende-
se que esses direitos são destinados a todos os seres humanos
pelo simples fato de serem pessoas. Um conceito doutrinário
para essa expressão é que DH são um conjunto mínimo de
direitos necessários para assegurar a vida do indivíduo baseados
na liberdade, igualdade e dignidade. infelizmente, existe uma
problemática significativa na efetivação desses benefícios, o que
nos permite questionar quando haverá a violação da dignidade
humana.

Haverá essa violação sempre que o ser humano for reduzido


à condição de objeto. Em épocas passadas, as mulheres eram
tratadas como objetos sexuais e frágeis, deixando assim, vestígios
dessa época nos dias atuais. Gradativamente, o gênero feminino
foi ganhando espaço na sociedade, conquistando o direito ao
voto, consideradas cidadãs, dignas de direitos, reconhecidas
dentro e fora do mercado de trabalho. Porém, a luta feminina está
muito longe do fim e para conseguirmos almejas os objetivos
estabelecidos por cada feminista de antigamente, precisamos
educar toda a sociedade, de modo que ela compreenda que a
igualdade de gênero é necessária para a evolução mundial.

Referências

1- IBGE. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, IBGE, 2011

2-https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?view=noticia&
id=3&idnoticia=2296&busca=1&t=censo-2010-mulheres-sao-mais-
instruidas-que-homens-ampliam-nivel-ocupacao

3-https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/direitos-humanos/
mulheres-e-direitos-humanos-no-brasil-avancos-e-desafios

408
4- http://hdr.undp.org/en/2016-report/download

5-http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-
empoderamento-das-mulheres/

6-https://thaisafigueiredo.jusbrasil.com.br/artigos/127066269/o-
direito-da-mulher-no-mercado-de-trabalho

7 - h t t p s : / / j u s. co m . b r / a r t i g o s / 5 4 1 9 7 / d i r e i t o s - h u m a n o s -
discriminacao-da-mulher-no-mercado-de-trabalho

8- https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf000013938

9-https://believe.earth/pt-br/10-acoes-do-dia-dia-que-promovem-
igualdade-de-genero/

10- Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Contra as Mulheres, 1979.

409
A Diáspora no Brasil frente a Educação em
Direitos Humanos no Acolhimento de Refugiados

Pollyana Muniz Moda1

Resumo

O presente trabalho tem como escopo analisar o tema
educação em Direitos Humanos no acolhimento de povos
refugiados, sendo que o ponto de partida será a educação.
Temática amplamente justificada no atual contexto político-
econômico de países da América Latina, em que grande parte
da população se descobre obrigada a atravessar fronteiras. A
sondagem é alicerçada na realidade da sociedade contemporânea
brasileira, e na percepção da receptividade oferecida a essas
pessoas. É possível verificar um preconceito enraizado gerador
de uma xenofobia velada, resultante em violência física e verbal,
marginalização, intolerância e ódio. O estudo buscar debruçar-se
na seguinte análise: A eficácia da educação brasileira na promoção
em Direitos Humanos em seu Plano de Ensino, avaliando o atual
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH. O
estudo realizar-se-á por meio de um procedimento bibliográfico,
bem como via pesquisa de campo, tendo natureza aplicada e
objetivo explicativo, utilizando a técnica de entrevistas além de
observação de aulas ministradas in loco, verificando como o tema
é retratado dentro da sala de aula. O objetivo é avaliar a educação
transmitida na escola e seus efetivos resultados.

Palavras-chave: refugiados; educação; direitos humanos;

Introdução

A Educação em Direitos Humanos deve ser compreendida


como um caminho transformador. Um ambiente ideal para o
genuíno entendimento sobre diversidade e respeito. E o que é ser

1. pollyanamoda@hotmail.com
Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, Brasil

410
humano? Não existe definição mais complexa e encantadora. O
substantivo expressa a nossa origem e natureza biológica, nossa
igualdade em espécie. Contudo, observando mais atentamente, a
palavra revela significados ainda mais profundos.

Questione-se, eu sou humano? Se tal interrogativa foi feita


pelo nobre leitor, sim, você é de tal espécie. Mas reflita se além de
ser humano, também habita em você o conceito de humanidade.
Uma das principais mazelas da humanidade seja talvez a falta
da própria humanidade. O olhar de empatia àquele que assim
como você sente fome, sede e frio. O outro, não é apenas alguém
alheio aos seus interesses, mas um sujeito de direitos inerentes à
pessoa humana. Absorver essa compreensão é tratar a todos com
dignidade e respeito. Ser humano é uma virtude de ser homem.
O atual cenário político e econômico mundial tem ferido de morte
o conceito de humanidade. É fato notório o desastre de países
como a Venezuela, Bolívia ou Síria. Realidades que fomentam
o êxodo, e grande parte dessa população acaba buscando
abrigo no Brasil. Em respeito à Constituição Federal e Tratados
Internacionais, temos acolhido as mais diversas etnias.

A Declaração Universal dos Direitos humano, (1948),


assegura em seu artigo 2º que: “Todo ser humano tem capacidade
para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie (...)”. O documento
assegura direitos fundamentais, inseridos posteriormente na
Constituição Federal de 1988. A lei tem buscado dar proteção à
dignidade, ao respeito, à tolerância. Contudo, tais direitos só serão
verdadeiramente alcançados por meio de uma construção social
alicerçada na educação em Direitos Humanos, em humanidade.

Mais do que leis, é necessário prática. Externalizando


a concepção de respeito, internalizando o entendimento de
igualdade. A questão é assegurar a vida digna de nacionais e
estrangeiros, independentemente de raça, credo, classe social ou
opiniões políticas.

Apesar dos conceitos normativos expressos em tratativas


nacionais e internacionais, é imprescindível que, além de
signatário, o país também adote medidas para sua efetiva
aplicação. Surge assim a adoção de Diretrizes Nacionais para

411
a Educação em Direitos Humanos, que contribui para a melhor
compreensão e vivência do tema.

A recepção de quem sabe o significado de dignidade

A partir de uma entrevista realizada com um refugiado sírio


foi possível compreender melhor os anseios e experiências de
quem busca abrigo. (ANEXO 1).

Awni nasceu na Síria, numa família de cinco irmãos, hoje


cada um vive em um país do mundo. De família de comerciantes
trabalhava como vendedor e se dedicava à faculdade de
engenharia. Ao ser questionado sobre o que seriam Direitos
Humanos, o simpático refugiado respondeu: “O que é isso?”
Ao explicar o significado da expressão, ele disse: “Ah, sobre as
diferenças. A maioria nos recebe bem.” E citando a xenofobia,
contou: “Já disseram também: Por que eles vieram pra cá? Pra
destruir nosso país?”

Em março de 2011 o pais de Awni foi bombardeado. O bairro


em que moravam ele e aproximadamente 1 milhão de pessoas, já
não existe mais. O jovem perdeu sete pessoas da família além de
muitos amigos.

Sua história no Brasil começou em 2014. Há cerca de dois


anos chegou no interior do Estado de São Paulo, Araçatuba. O
refugiado conta que mesmo tendo sido bem recebido, sentiu
os olhares acusadores e posturas pouco hospitaleiras, sinais da
xenofobia. A palavra não faz parte da realidade dele hoje, mas
pode-se afirmar que está no comportamento de milhares de
brasileiros como veremos adiante.

A palavra xenofobia vem do grego, “xénos - estrangeiro” e


“phóbos - medo”. E, segundo dicionário online, significa aversão
a coisas ou pessoas estrangeiras. Cultivar a xenofobia é cultivar
o medo, o ódio, a aversão pelo próprio ser humano, sentimento
alicerçado numa única realidade: o ser diferente.

A recepção por parte de incontáveis brasileiros, além de


pouco hospitaleira, também é agressiva. A afirmação se dá devido
aos inúmeros casos já noticiados pela mídia que envolvem

412
estrangeiros e nacionais. Em 2017, um refugiado sírio foi agredido
em Copacabana, no Rio de Janeiro, local em que ele trabalhava
vendendo comidas típicas. Na época, o vídeo da agressão chegou
a ser compartilhado nas redes sociais.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada ao


Ministério de Desenvolvimento Humano, apresentou em 2018
um relatório que constatou crescimento de 633% nas denúncias
de xenofobismo entre 2014 e 2015. Entre as vítimas, os haitianos
somam quase 27%, e árabes, 15,4%.

Fonte: (Disponível em: <https://www.comunicaquemuda.com.br/


dossie/xenofobia/>. Acessado em: 12/08/2019)

A Realidade Das Fronteiras

Todos os dias, centenas de milhares de pessoas cruzam


as fronteira do Brasil, de Roraima ao Amazonas à procura de
abrigo. Os dados são do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística. São homens, mulheres e crianças. Seres humanos
tentando preservar a própria existência.

Segundo relatório 2018 do Conare - Comitê Nacional para


Refugiados, ligado ao Ministério da Justiça, só no ano passado, o
Brasil recebeu 33.866 pedidos de refúgio, de diversos países.

Um cenário sombrio, em que o caos fundamenta os motivos


do êxodo. O alicerce desse cenário é indubitavelmente a violação
aos direitos humanos. O cotidiano vivido por diversos países ao
redor do mundo é de ofensa à vida, à liberdade, à dignidade da

413
pessoa humana.

A realidade na Venezuela praticamente obrigou a saída


de seus moradores. A falta de alimentos, remédios e produtos
essenciais à sobrevivência é o que mais afeta a população do
país vizinho. No ano passado, a inflação chegou acima de 800%,
elevando absurdamente o valor de produtos básicos. A situação
desesperadora provocou a migração de venezuelanos a diversos
países vizinhos da América Latina, entre eles o Brasil.

Segundo a ACNUR - Agência da ONU para Refugiados, em


2018, foram 61.681 solicitações de refúgio de venezuelanos. E
81% das solicitações foram feitas no estado de Roraima.

O número de abrigados oriundos do oriente médio também


é expressivo. Segundo informações da ACNUR, a Síria soma mais
de 5 milhões de refugiados pelo mundo, sendo o país com o maior
número de refugiados pelo planeta. Desde 2011 o país passa por
uma guerra civil, o que gera abandono de território. População
que foge da morte, da violência, da miséria.

Segundo o relatório Refúgio em Números, do Ministério da


Justiça, 39% dos refugiados reconhecidos hoje no Brasil são de
origem Síria, sendo o Estado do São Paulo o que mais abriga essa
população. Ainda segundo o relatório, o Estado de São Paulo é
destino de 52% dos refugiados que entram no país, de todas as
nacionalidades.

O Ministério da Justiça divulgou o panorama mundial do


refúgio de 2018. O Refúgio em números, 4º Edição, em sua p. 05,
mostra que:

• Cerca de 70,8 milhões de pessoas foram forçadas a deixar


seus locais de origem por diferentes tipos de conflitos.
• Desses, cerca de 25,9 milhões são refugiados e 3,5
milhões são solicitantes de reconhecimento da condição
de refugiado.
• 67% dos refugiados no mundo vieram de três países:
Síria (6,7 milhões), Afeganistão (2,7 milhões) e Sudão do
Sul (2,3milhões).
• Os países que mais possuem refugiados são a Turquia (3,7

414
milhões), o Paquistão (1,4 milhão) e Uganda (1,2milhão).

O Relatório também divulgou o número de pessoas


refugiadas reconhecidas no Brasil, entre 2011 e 2018, p. 28.

Fonte: Relatório Refúgio em números – Ministério da Justiça

Toda essa população entra no país com sonhos e esperança


de uma nova vida. São seres humanos dotados de direitos,
brigando pela sua sobrevivência e a de sua família. Contudo,
já não bastasse a falta de humanidade sofrida em seu país de
origem, ao serem abrigados, muitos acabam tornando-se vítimas
de desemprego, ou de outra sorte, condição análoga à escravo,
precariedade no serviço público de saúde, além de questões
relacionadas principalmente à intolerância e violência.

EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS: As diretrizes brasileiras

O cenário atual vivido pelo país reforça a necessidade em se


compreender e vivenciar direitos humanos, algo só possível por
meio da educação.

A educação faz parte do processo da formação do caráter


do ser humano sendo garantida pela Constituição Federal de
1998. Historicamente, foi com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, (1948), que a busca pela igualdade educacional
começou. Em seu preâmbulo, encontramos os seguintes dizeres:
“(...) todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade... se

415
esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito
desses direitos e liberdades...”

Com a carta magna, surge a efetivação do direito


fundamental e suas ações, como o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos (PNEDH), além das diretrizes Nacionais
(EDH), que englobam o sistema educacional.

Em Direitos Humanos Aqui e Agora, título original Human


Rights Here and Now, uma contribuição para a Década das Nações
Unidas para a Educação dos Direitos Humanos, encontramos que:

A educação para os direitos humanos ajuda a desenvolver


as capacidades de comunicação e um pensamento crítico
e lúcido, essencial para o desenvolvimento da democracia.
Tem um enfoque multicultural e histórico promovendo a
luta universal pela justiça e dignidade humanas. A educação
para os direitos humanos implementa-se com o coração
e com o espírito. Promove junto dos alunos, enquanto
pessoas, a interrogação acerca do significado dos direitos
humanos e encoraja-os a transformar as suas preocupações
em ações esclarecidas e não violentas.” (FLOWERS, 2002,
p. 33).

Em 2012, o Ministério da Educação, juntamente com a


Secretaria Especial dos Direitos Humanos, estruturou Diretrizes
Nacionais, levando o conceito da Educação em Direitos Humanos
tanto para a Educação Básica, quando para o Ensino Superior. As
Diretrizes Nacionais estabelecem a Educação em Direitos Humanos
como um alicerce para a mudança social, sendo fundamental
para o combate direito às situações de desigualdade. Em 2018,
o Ministério dos Direitos Humanos lançou o mais recente Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos em sua terceira
reimpressão, assegurando que:

A implementação do Plano Nacional de Educação em


Direitos Humanos visa, sobretudo, difundir a cultura de
direitos humanos no país. Essa ação prevê a disseminação de
valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez
que o processo de democratização requer o fortalecimento
da sociedade civil, a fim de que seja capaz de identificar

416
anseios e demandas, transformando-as em conquistas
que só serão efetivadas, de fato, na medida em que forem
incorporadas pelo Estado brasileiro como políticas públicas
universais. (Ministério dos Direitos Humanos, 2018, p. 12)

O Estado de São Paulo trabalha atualmente com o Plano
Estadual de Educação em Direitos Humanos elaborado em 2017.
O Plano dividiu seu planejamento de ações com base no PNEDH.
A divisão deu-se da seguinte forma: como educar em Direitos
Humanos na Educação Básica, no Ensino Superior, na Educação
Popular, Nos Sistemas de Justiça e Segurança Pública, englobando
ainda o conceito de Educomunicação, isto é, Educação e Mídia.

Segundo o Ministério da Educação, através do Parecer CNE/


CP nº 8/2012:

Neste contexto, a Educação em Direitos Humanos emerge


como uma forte necessidade capaz de reposicionar os
compromissos nacionais com a formação de sujeitos de
direitos e de responsabilidades. Ela poderá influenciar na
construção e na consolidação da democracia como um
processo para o fortalecimento de comunidades e grupos
tradicionalmente excluídos dos seus direitos. Como a
Educação em Direitos Humanos requer a construção de
concepções e práticas que compõem os Direitos Humanos
e seus processos de promoção, proteção, defesa e aplicação
na vida cotidiana, ela se destina a formar crianças, jovens
e adultos para participar ativamente da vida democrática
e exercitar seus direitos e responsabilidades na sociedade,
também respeitando e promovendo os direitos das demais
pessoas. É uma educação integral que visa o respeito
mútuo, pelo outro e pelas diferentes culturas e tradições.
(BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012, p. 2)

Dentro do contexto educacional municipal, citam-se as


escolas de Ensino Básico. Em Araçatuba, interior de São Paulo,
a Secretaria Municipal de Educação insere em seu Projeto
Pedagógico diversas temáticas relativas a Direitos Humanos, desde
a primeira infância ao ensino fundamental. Sempre alicerçado no
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH).

417
Em âmbito Estadual as Escolas de Ensino Médio também
estão comprometidas com o plano, e procuram seguir as diretrizes
do Ministério da Educação, incluindo a temática em sua grade
curricular. Aprendizado para a liberdade do conhecimento.

APRENDENDO A SER “HUMANO”: Breves realidades das


escolas do Brasil

Fomos até Escolas da Educação Básica para relatarmos


a realidade de refugiados acolhidos, oportunidade em que foi
possível o diálogo com professores. (ANEXO 2).

Emanuel e Dominique são crianças recém chegadas


de países da América Latina e acolhidas por uma Escola de
Araçatuba, interior de São Paulo. Emanuel veio com os pais da
Colômbia. Dominique, é argentino, e também veio com os pais e
o irmão mais velho. Ambos estudam na mesma classe, e vão fazer
quatro anos de idade. Para os colegas de sala, uma descoberta,
afinal, eles chegaram falando espanhol. Mas como inseri-los nessa
nova realidade? No início foi desafiador, como relata a professora
Camila Patrícia Pereira. “Eles eram muito fechados, falavam e eu
não conseguíamos compreender, então no início foi complicado”.

Ainda que na primeira idade, os veteranos da sala chegaram


a excluir os novos alunos. Segundo a educadora, o isolamento
ocorreu tanto com Emanuel, quanto com Dominique, e durou
cerca de duas semanas. O trabalho de integração precisou ser
intenso, aproximando cada criança dos novos amigos. A mais
límpida realidade da Educação em Direitos Humanos.

No caso em estudo foi perceptível dois fatores: primeiro


o isolamento inicial da própria criança estrangeira, algo natural
devido à mudança de ambiente e insegurança, e segundo, a
atitude de distanciamento das outras crianças, que não conheciam
o colega “diferente” e acabavam com receio do novo. O trabalho
foi diário, com diversas intervenções, mas os resultados vieram
rápido. A educadora lembra que é sempre mais fácil ensinar o
amor e o respeito às diferenças ainda na primeira infância. “Em
pouco tempo já estavam juntos, brincando”. Disse Camila.

Segundo ela o preconceito é real, principalmente fora da

418
escola. “Existe o preconceito, tem muita gente que fala, mas é
colombiano? É refugiado? Então, eles precisam desde pequenos
entender que somos todos iguais, que não há diferença entre
todos eles.” Afirma Camila Patrícia Pereira.

As diretrizes estão no papel, mas é o professor em sala de


aula o responsável por executar tudo isso. A diretora da escola,
Luciana Cristina Rodrigues de Oliveira, lembra que o trabalho
do educador é fundamental, e que sem dúvida, o tema deve ser
tratado desde a primeira infância.

A educação em Direitos Humanos é importante desde o


começo. A gente começa a formar a personalidade, os valores
da criança, desde muito cedo. É preciso compreender,
aceitar o outro, respeitar o outro com as suas necessidades
e as suas diferenças. (ENTREVISTADA LUCIANA DE OLVEIRA)

Num contexto em que as escolas têm recebido crianças


estrangeiras, é mais do que latente a necessidade em se educar
nesse sentido. Segundo o Ministério da Educação, através do
Parecer CNE/CP nº 8/2012:

(...) a educação é reconhecida como um dos Direitos


Humanos e a Educação em Direitos Humanos é parte
fundamental do conjunto desses direitos, inclusive do
próprio direito à educação. Reconhecer e realizar a educação
como direito humano e a Educação em Direitos Humanos
como um dos eixos fundamentais do direito à educação,
exige posicionamentos claros quanto à promoção de
uma cultura de direitos. Essa concepção de Educação em
Direitos Humanos é refletida na própria noção de educação
expressa na Constituição Federal de 1988 e na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996).
(BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012, p.2)

A Rede Pública de Ensino busca caminhar por essas diretrizes.


A Escola Municipal Professora Leila Cristina de Freitas Machado fica
na periferia de Araçatuba e atende atualmente 265 crianças de até
cinco anos. Desde o Maternal até a chamada Etapa 2.

Durante os primeiros anos da Educação Básica, ainda que

419
pequenos, os estudantes são instruídos sobre a importância do
respeito às diferenças e o amor ao próximo. A escola segue o
Plano Municipal de Educação, e possui a liberdade de criar seus
próprios projetos na demanda de Direitos Humanos. Conceito
transmitido por meio de músicas, filmes, contação de histórias,
além de apresentações dos próprios alunos.

Fonte: Própria autoria

No primeiro semestre de 2019, a professora da Etapa 1,


Liege Macedo Bezerra Ferrari, trabalhou o tema “Bulling”. A busca
foi pela compreensão da palavra respeito. Temática que permitiu
o aprofundamento nas mais diversas diferenças, de cor de pele ao
cabelo. Na fala da educadora, um processo de colheita:

Temos que plantar a sementinha nessa idade, tem gente


que acha cedo, que não entendem, mas eles entendem sim.
Em bairros carentes as crianças estão exposta a tudo, então
precisamos plantar agora, porque não adiantar chegar na
adolescência e ensinarmos sobre Direitos Humanos. Se não
for cultivado desde o começo, se torna muito mais difícil
essa educação lá na frente. (ENTREVISTA: LIEGE FERRARI)

E uma transformação já está sendo vivenciada. No segundo


semestre foi perceptível uma significativa diminuição nas
agressões verbais em sala de aula, apelidos hostis, entre outras
brincadeiras pouco saudáveis. De acordo com a educadora foi
clara a mudança de comportamento dos alunos principalmente
em relação a uma coleguinha que possui deficiência intelectual

420
leve. Hoje ela está muito mais incluída.

Tudo isso desperta a empatia num período em que a


criança está desenvolvendo as primeiras construções
de seu caráter. São atitudes simples em sala de aula, que
com certeza vão fazer a diferença. No progredir do ensino
básico, já percebemos a diferença no convívio entre eles.
(ENTREVISTA: LIEGE FERRARI)

O papel da escola dentro da educação para diversidade


deve ser comprometido desde a base. A criança está passando
por processos, por uma construção, e precisa de concepções de
ética, respeito, valorização ao próximo. Isso é Direitos Humanos.
Compartilha desse entendimento a diretora da Escola em estudo,
Michele Fernanda Romão Datore.

São ideias de direitos humanos que temos que desenvolver


no ser humano como um todo, que acaba se perdendo, e que
na fase da adolescência ou adulto deve ser retomada, mas
que na primeira infância é fundamental. Existe uma base
curricular nacional que traz essa proposta da diversidade,
existe uma legislação que propõe uma escola humanitária.
Na rede municipal hoje, temos um material muito bacana
com essa vertente, mas quem enriquece tudo isso é o
professor. A nossa proposta de trabalho da diversidade foi
elaborada pelas professoras, dentro das características do
contexto escolar da nossa escola. (ENTREVISTADA MICHELE
FERNANDA ROMÃO DATORE)

Concluída a educação na primeira infância, os alunos estão


prontos para o ingresso no Primeiro ano do Ensino Fundamental
que atende crianças de seis a dez anos. Etapa em que os professores
dão continuidade ao desenvolvimento da compreensão de
valores como ética e respeito, introduzindo agora conceitos mais
específicos do tema.

No ensino fundamental a interdisciplinaridade é o foco.


O ensino ao respeito e à valorização do “colega” é constante, e
vai além de conteúdos estudados para provas. Esse ambiente
foi verificado em escolas de Ensino Fundamental também de
Araçatuba, interior de São Paulo. No colégio Índio Poti estudam

421
dois imigrantes japoneses que já foram bem acolhidos, e estão
em processo de alfabetização.

Quando acontece qualquer tipo de conflito com a criança,


a gente já tenta introduzir os direitos, a integridade da
pessoa humana. E dentro da sala de aula, os professores
fazem um trabalho mais específico, seguindo as diretrizes
que a Secretaria de Educação pede. (ENTREVISTA:
COORDENADORA PEDAGÓGICA DA ESCOLA ÍNDIO POTI,
MARILINI NUNES DE SOUSA ALBANÊS.)

A realidade da escola busca conformidade com as diretrizes


do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Desde o
primeiro ano do ensino fundamental as crianças têm contato com
o tema, dando continuidade a tudo que foi interiorizado ainda no
ensino infantil, só que agora, de forma mais concreta.

O Governo Federal disponibiliza para rede de ensino


materiais como cartilhas para a uniformidade e facilitação do
conteúdo. Educadores podem hoje utilizar o livro “Os Direitos
Humanos”, com a turma do menino maluquinho.

Fonte: Ministério da Educação

Neste ano, além do trabalho num contexto interdisciplinar


em todas as séries, há também o estudo direcionado do tema,

422
com a apresentação da Carta dos Direitos Humanos, além de
discussões sobre tais direitos. O trabalho realizado com os alunos
deve ser documentado e enviado bimestralmente à Secretaria
Municipal de Educação, que realiza o controle efetivo do emprego
das diretrizes. No documento, é necessário explicitar o conteúdo
programático tratado, além de demostrar os resultados efetivos
do projeto.

O exemplo retrata que o país tem buscado esclarecer a


dimensão do tema às novas gerações. Sabemos que a temática
Direitos Humanos é amplamente divulgada e debatida,
principalmente pela indústria midiática. Contudo, foi possível
observar que, mais do que falar sobre, a vivência vem sendo
plantada. Constatação relevante, para que daqui algumas décadas,
possamos ter índices menores de violência e agressão ao próprio
ser humano.

Conclusão

A educação vem sendo compreendida como o pilar para


que o conceito de Direitos Humanos seja vivenciado na prática.
Sem educação, não haverá realidade transformada.

Diante do grande número de refugiados buscando asilo no


Brasil, o país encontra-se num período crítico de enfrentamento
social. São claras as questões relacionadas à necessidade de
políticas públicas eficazes que socorram essa população, com
rede pública de saúde preparada e uma assistência social que
realmente funcione. Mas além das fronteiras, nos deparamos
ainda com a violência, o ódio, e a intolerância oferecida a milhares
de refugiados.

É perceptível a busca da Rede Pública de Ensino do Brasil


pela diversidade e temas ligados ao conceito de Direitos Humanos.
Uma construção diária que objetiva frutos que serão colhidos não
apenas hoje, mas ao longo dos anos. A luta é pela compreensão da
igualdade, gerando em crianças e adolescentes um sentimento, o
mais genuíno possível, de empatia e humanidade.

Para atingir tais objetivos de forma eficiente, o Governo


Federal deu início à aplicação do PNEDH - Plano Nacional de

423
Educação em Direitos Humanos, em toda Rede Púbica de
ensino. As diretrizes foram pautadas nos pilares dos principais
documentos já declarados acerca do tema.

Diante do apresentado, podemos afirmar que a Educação


em Direitos Humanos não está limitada a uma única área do
saber, mas, pelo contrário, vem sendo difundida e materializada
de maneira interdisciplinar. Um estudo apresentado de maneira
didática e inclusiva, respeitando a individualidade dos alunos
em sua faixa etária. Conteúdo que alicerça os pilares de uma
sociedade mais justa e humana.

Referências

MENEGUETTI, Luciano, Educação em Direitos Humanos na


América Latina, Editora Boreal, Birigui, São Paulo, 2019.

FLOWERS, Nancy, Direitos Humano Aqui E Agora, Título Original


Human Rights Here And Now, uma contribuição para a Década
das Nações Unidas para a Educação dos Direitos Humano,
1995-2004.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Direitos Humanos, Editora Lumen


Juris, Rio de Janeiro, RJ, 2011.

https://www.politize.com.br/xenofobia-no-brasil-existe/ Acesso
em 01 de agosto

https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/dados-
sobre-refugio-no-brasil/ Acesso em 01 de agosto

https://prograd.ufg.br/up/90/o/pcp008_12.pdf

http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/ Acesso em
10 de agosto

https://www.stoodi.com.br/blog/2018/02/28/refugiados-sirios-
entenda-o-que-esta-acontecendo-com-esse-povo/ Acesso em 12
de agosto

https://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/refugio-em-

424
numeros/ Acesso em 12 de agosto

https://www.comunicaquemuda.com.br/dossie/xenofobia/ Acesso
em 12 de agosto

https://www.cartacapital.com.br/politica/saia-do-meu-pais-
agressao-a-refugiado-no-rio-expoe-a-xenofobia-no-brasil/ Acesso
em 12 de agosto

425
A educação em Direitos Humanos como forma
de combate à Violação dos Direitos
dos Imigrantes e Refugiados no Brasil

Vitória Capuano Morais1

Resumo

A história da humanidade está marcada pela existência
de incontáveis correntes e fluxos migratórios ao longo dos
tempos, inclusive no Brasil, cuja formação populacional se deu
notadamente por imigrantes dos mais diversos países do globo.
Mais recentemente, assim como o restante do planeta, o Brasil
também recebeu muitos imigrantes e refugiados, situação
esta que levou ao surgimento de discriminação por parcela da
população, além de acarretar situações de desrespeito dos direitos
humanos, levando a situações de marginalização e, por vezes, ao
trabalho escravo. Diante desse cenário, evidencia-se o desrespeito
aos direitos humanos dessas pessoas, que muitas vezes passam a
figurar numa situação de vulnerabilidade. Também se evidencia no
país a falta de uma cultura de respeito e compreensão dos direitos
humanos dos imigrantes e refugiados. A mudança no que tange a
uma garantia mais eficaz na prática e no entendimento do que são
os direitos humanos depende da educação; e como a educação
é encarada como instrumento principal para essa mudança, o
desenvolvimento do presente artigo se baseia na análise do Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos, de documentos,
estudos, estatísticas, legislação, doutrina e jurisprudência, bem
como na exposição de sugestões de efetivação da educação em
todos os níveis, voltando-se a atenção também para indivíduos que
têm esses direitos infringidos, como os imigrantes e refugiados, que
podem inclusive ser sujeitos ativos na transmissão da educação.

Palavras-chave: direitos humanos; educação; imigrantes e


refugiados.

1. vicamoraiss@hotmail.com
Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, Brasil

426
Um país como o Brasil, formado eminentemente por
imigrantes das mais diversas origens, não pode se negar a receber
imigrantes e refugiados; de fato, nenhum país pode se achar no
direito de proibir a entrada de outros seres humanos ou permitir
a entrada e tratá-los com descaso, pelo simples fato de terem
nascido, ao acaso, em outro lugar. No entanto, no caso brasileiro,
essa recusa seria agravada em razão de tratar-se de um desrespeito
à própria história do país e sua formação populacional.

Atualmente sírios, angolanos, haitianos, venezuelanos,


outrora italianos, japoneses, portugueses, alemães, espanhóis,
libaneses. Embora as origens e momentos sejam diferentes, os
motivos dos deslocamentos são os mesmos: viver uma vida digna,
seja para fugir de guerras, da pobreza extrema ou para obtenção
de trabalho.

Não é possível viver uma vida digna sem paz, educação,


saúde, enfim, respeito aos direitos humanos pertencentes a
todos homens. Em um mundo ideal todos convivem em paz,
respeitando os direitos alheios como se seus fossem (e são, os
mesmos), porém trata-se de uma utopia. Infelizmente, a realidade
é muito diferente do idealizado, e com isso milhões de pessoas
sofrem por todo o globo em situações de guerra e pobreza, que
as levam a tentar seguir suas vidas em outros lugares. Dado esse
cenário, deve-se atentar a oferecer a esses estrangeiros, condições
para que sobrevivam e vivam dignamente em seu novo país, de
modo a superar os momentos de injustiça e terem seus direitos
respeitados.

Primeiramente, é importante que seja esclarecida a


diferença entre imigrante e refugiado. Segundo o artigo 1º, A,
item 2, da Convenção de 1951, refugiado é toda aquela pessoa
que:

Temendo ser perseguida por motivos de raça, religião,


nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se
encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode
ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção
desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra
fora do país no qual tinha sua residência habitual em
consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido

427
ao referido temor, não quer voltar a ele.

Enquanto que imigrante, segundo define a nova Lei


de Migração nº 13.445/17 em seu artigo 1º, §1º, Il, é aquela
“pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou
reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil”,
ou seja, aquele indivíduo que migra de um país para outro sem
necessariamente ter um motivo gravoso como o refugiado.

A história sempre foi marcada pela existência de incontáveis


correntes migratórias. Mais recentemente, assim como o restante
do planeta, o Brasil presenciou grande fluxo migratório de
refugiados e diante das violações aos direitos humanos existentes
nessas situações, surge a necessidade de atenção especial a essas
pessoas que tanto já viveram situações violadoras de seus direitos.
Os refugiados e os imigrantes que já tiveram seus direitos
humanos desrespeitados em seus países, muitas das vezes se
deparam a mais violações nos países para os quais vão. Além
das condições precárias as quais são submetidos, diversas vezes
enfrentam a violência verbal, em razão do comportamento
xenófobo de alguns. Ademais, essas pessoas acabam sendo
vítimas da marginalização, discriminação, algumas vezes vítimas
de trabalho escravo e sobretudo do desrespeito aos direitos mais
básicos desses seres humanos.

Ao nos depararmos com esses problemas e pensarmos


em tentativas de solução, percebemos que a educação poderia
resolver boa parte dessas situações. Educação em Direitos
Humanos, em diversos níveis e setores das sociedades globais, a
médio e longo prazo, por meio de abordagens distintas, pode ser
uma das formas de conscientização.

Falar que educação é a solução para tudo, apesar de parecer


clichê, é uma verdadeira maneira de resolver diversas questões
sociais. Pode-se tomar como exemplo a Coreia do Sul, que há
trinta anos era economicamente muito inferior ao Brasil e através
de elevado investimento na educação básica, que posteriormente
se estendeu ao nível médio e superior, qualificou seu sistema de
ensino e mudou positivamente o país como um todo. Contudo,
apesar da educação sempre ser citada como a salvadora dos
problemas, no Brasil não é valorizada na prática.

428
Os Direitos Humanos devem ser apresentados aos alunos
na escola desde a infância, esclarecendo quais são os direitos de
todos os seres humanos, a necessidade e importância de respeitá-
los e assegurá-los. Mas não só as crianças devem ser educadas em
Direitos Humanos: deve-se disseminar o conhecimento desses
direitos fundamentais, além do nível básico, em níveis médio e
superior, quando se trata do setor escolar.

É necessário também expandir a discussão e o ensino por


meio das mídias sociais, da imprensa, de palestras e eventos
promovidos por empresas que possam educar seus trabalhadores,
bem como aquelas organizadas pelos próprios governos abertas
ao público. Tudo isso de maneira a abranger a sociedade como
um todo.

Infelizmente, os Direitos Humanos nem sempre são


enfatizados como deveriam, mesmo em cursos de Direito. A
referida matéria deveria ser lecionada em vários semestres, assim
como mais livros ligados ao tema poderiam ser comercializados.
Quando se entra em uma livraria, poucas são as que possuem, no
setor do Direito, livros sobre Direitos Humanos. Assim, para que a
situação evolua para melhor, é preciso que as pessoas entendam
o que são e para quem são os Direitos Humanos, de maneira a
desconstruir o preconceito infiltrado em boa parte da sociedade
que diz se tratar de um “direito que protege bandido”.

A fim de modificar a visão que parte da população possui


sobre os Direitos Humanos e de concretizar ações para que tais
direitos sejam garantidos a toda a sociedade, existe o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Dentre
outros objetivos, o PNEDH estabelece como finalidade “enfatizar
o papel dos direitos humanos na construção de uma sociedade
justa, equitativa e democrática”, além de estimular o poder público
a praticar ações em conjunto com a sociedade civil, desenvolver
políticas educacionais voltadas para a construção de uma cultura
de direitos humanos, incentivar estudos e pesquisas, bem como a
criação e fortalecimento de organizações que tratem da educação
em Direitos Humanos nas esferas municipal, estadual e federal.

Como propostas para o atingimento desses objetivos,


estão estabelecidos no PNEDH: “sugerir a inclusão da temática

429
dos direitos humanos nos concursos para todos os cargos
públicos em âmbito federal, distrital, estadual e municipal”, que
corresponderia a uma maneira “forçada” de as pessoas buscarem
o conhecimento sobre a matéria; há também outras linhas de
ação como “incluir a temática da educação em direitos humanos
nas conferências nacionais, estaduais e municipais de direitos
humanos e das demais políticas públicas”, que serviria como
forma de aprendizagem e debate.

Ao analisar o referido Plano, observa-se a preocupação


em abordar o assunto na formação de diversos profissionais.
Como exemplo, cita-se a preocupação em promover a formação
continuada, tendo os Direitos Humanos como alicerce de
profissionais da área da educação e de outras áreas, agentes
sociais públicos e privados.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos é


dividido em tópicos que tratam especificamente sobre educação
básica, educação superior e também educação não formal. Esse
último tópico trata daquela educação que não está estabelecida
na grade curricular, que não é aprendida em um lugar específico;
trata-se daquela educação obtida na vida, através da socialização,
do contato com o outro, com a troca de experiências, e também
mediante projetos sociais que abordam temas como a inclusão
social e outros direitos das pessoas humanas.

Portanto, observa-se a existência de diversos níveis, setores


e formas de aplicar a educação em Direitos Humanos com o
objetivo de construir uma cultura de proteção aos direitos em
questão. Cultura no sentido de enraizar valores, alterar costumes
e mentalidade, promovendo o respeito a direitos assegurados a
todas as pessoas humanas; prerrogativas como o direito à vida, à
integridade pessoal, liberdade em sentido amplo, como liberdade
física, de expressão e religiosa, propriedade, igualdade, dignidade,
direito dos migrantes, das crianças, das pessoas com deficiência.

Direito à vida, que é tão primordial, mas que parece um


tanto quanto banalizado em nossa sociedade extremamente
violenta. Direito à integridade e liberdade, que foram suprimidos
em massa no período escravocrata e ditatorial, e que ainda hoje
são desrespeitados. Direito à moradia, que na prática não é

430
concretamente assegurado a grande parcela populacional. Todos
são exemplos de direitos desrespeitados ao longo da história da
humanidade e que na busca de salvaguardá-los foram subscritas
Convenções Internacionais como a Convenção Americana de
Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de San José da Costa
Rica”, Convenção Internacional Sobre a Proteção de Direitos de
Todos os Migrantes Trabalhadores e Membros de Suas Famílias,
dentre outros.

No âmbito interno, o Brasil substituiu sua antiquada


legislação aplicada aos estrangeiros, com a revogação da Lei
nº 6.815 de 1980, conhecida como Estatuto do Estrangeiro,
pela recente Lei de Migração nº 13.445 de 2017. Em oposição à
maneira como a antiga lei lidava com os não nacionais, a lei em
vigor não trata a imigração como uma questão de segurança
nacional que favorece somente os interesses do Brasil e de seus
trabalhadores; a nova Lei de Migração garante a recepção e
proteção dos imigrantes, estabelecendo que a política migratória
brasileira passa a ter como base a não criminalização da migração,
o repúdio e prevenção à xenofobia, o acolhimento dos imigrantes
bem como a regularização documental, inclusão social e laboral,
dentre outras garantias.

O artigo 24 da referida lei, estipula que “ao migrante é


garantida no território nacional, em condição de igualdade com
os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade (...)” e estabelece em
seus 16 (dezesseis) incisos uma série de direitos, dentre os quais
se destacam o direito de reunião familiar, direito de acesso aos
serviços públicos de saúde, assistência e previdência social, bem
como à educação pública, demonstrando a modernidade e
evolução da presente lei. Em seu artigo 26, estabelece inclusive a
simplificação do processo de naturalização para os apátridas.

No entanto, durante a tramitação do projeto da Lei


13.445/17, foi possível identificar comportamentos xenófobos por
parte de alguns parlamentares, que retratam o pensamento de
parcela da população. Foram utilizados argumentos relacionados
à criminalidade e economia. Porém, voltamos ao assunto
educação: caso os direitos aos imigrantes sejam assegurados
como devem, aliado a uma cultura de respeito aos Direitos

431
Humanos e educação, a economia tende a prosperar. Ademais,
a questão da criminalidade, assim como no caso dos nacionais,
pode ser evitada caso também se evite a marginalização desses
estrangeiros; por isso, os direitos humanos dos imigrantes e
refugiados devem ser respeitados, assim como dos nacionais.

No campo filosófico, John Locke, filósofo empirista


inglês, entende que a experiência fundamenta toda lógica do
conhecimento e faz o homem formular suas ideias. Tomando
por base, de maneira rasa, o entendimento de Locke, pode-se
imaginar os refugiados como sujeitos ativos na disseminação de
educação em Direitos Humanos por meio da transmissão de suas
experiências.

Propõe-se, portanto, uma troca de conhecimentos através


das experiências, de modo a proporcionar que imigrantes e
refugiados possam frequentar escolas para explicarem o porquê
de estarem naquele país, no sentido de que contassem para a
população do país em que se refugiam as situações que sofreram
no seu país de origem, passando pelo drama do refúgio, e até
mesmo sobre as dificuldades encontradas ao tentar reconstruir
suas vidas no novo país. Ouvir histórias reais, de violência,
perseguição, guerra, genocídio, vividas por aquelas pessoas
que se encontram ali em frente a elas, pode levá-las a uma nova
maneira de pensar, sensibilizar e também auxiliar na redução do
preconceito. A convivência mais constante também contribuiria
com a inserção dos estrangeiros na nova comunidade e por outro
lado, a comunidade teria interação e convivência com eles, o que
contribuiria para que aprendessem a lidar com o diferente.

Para melhor integração desses estrangeiros e para assegurar


de fato a proteção a eles e a seus direitos, deve-se criar projetos –
e expandir aqueles já existentes – que incluam vacinação, ensino
da língua portuguesa, qualificação profissional, facilitação para
obtenção de documentos, dentre outras iniciativas. A questão da
simplificação dos processos de obtenção de vistos humanitários,
documento pessoal como o RG e carteira de trabalho, também é
uma tentativa de evitar a marginalização dessas pessoas, inclusive
para que não haja aliciamento para o trabalho escravo, situação
a qual as pessoas com maior vulnerabilidade se encontram mais
sujeitas.

432
Os Direitos Humanos precisam sair do papel e serem
efetivamente respeitados, bem como deve-se colocar em prática
diversas das ações citadas a fim de construir uma cultura de
respeito e de compreensão, através da educação, do que são os
direitos humanos. Trata-se de uma questão mundial que deve
ter sua importância maximizada na América Latina por ser uma
região que possui histórico de violação de direitos, inclusive
relativamente recente com os governos ditatoriais que tomaram
conta do continente no último século.

A promoção da educação em Direitos Humanos deve


ocorrer em todos os setores da sociedade, é preciso que haja
uma verdadeira mobilização. No entanto, mudanças só serão
percebidas a médio e longo prazo, assim como a capacitação
de profissionais e estudantes para que se desenvolva o tema,
debatendo e fazendo surgir novas ideias.

A garantia de educação de qualidade a todos é, ao mesmo


tempo, um Direito Humano e uma solução para a proteção
destes direitos. Educação gera conhecimento, respeito, inclusão,
mudança de comportamento; enquanto que o desconhecimento
pode gerar revolta da população quanto ao acolhimento dos
imigrantes e refugiados.

Referências

Basso, M. Gazeta do Povo. Coreia do Sul deu salto ao priorizar


ensino básico – ao contrário do Brasil. Disponível em: https://bit.
ly/2Q6RNsj Acesso em: 5 jul. 2019.

BRASIL. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Lei de migração,


Brasília, DF, mai 2017. Disponível em: https://bit.ly/2Ebnqxf Acesso
em: 3 jul. 2019.

Fernandes, D; Silva, F; Rodrigues, G; Souza, J; Silva, L; Sprandel,


M; Andrade, P; Milesi, R. REFÚGIO, MIGRAÇÕES E CIDADANIA.
Caderno de debates 13, dez. 2018. Instituto Migrações e Direitos
Humanos (IMDH). Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR). Disponível em: https://bit.ly/2Z2asyk Acesso
em: 15 jul. 2019.

433
GENEBRA. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951),
adotada em 28 de julho de 1951 pela Conferência das Nações
Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e
Apátridas, convocada pela Resolução n. 429 (V) da Assembléia
Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1950. Entrou em
vigor em 22 de abril de 1954, de acordo com o artigo 43. Série
Tratados da ONU, Nº 2545, Vol. 189, p. 137. Genebra, Suíça, jul.
1951. Disponível em: https://bit.ly/2K04bbL Acesso em: 3 jul. 2019.

Nunes, T. O que é educação formal, informal e não formal?


Disponível em: https://bit.ly/30eJZub Acesso em: 15 jul. 2019.

Teruya, T; Gomes, I; Luz, M; Carvalho, A. AS CONTRIBUIÇÕES DE JOHN


LOCKE NO PENSAMENTO EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEO.
Disponível em: https://bit.ly/2ZaJtzN Acesso em: 3 jul. 2019.

434
A educação em Direitos Humanos como
instrumento de combate ao Racismo: Uma breve
análise da posição do negro no ensino superior do
Brasil 130 anos após a Lei Áurea

Mariana Ferreira de Camilo Melotti1

Resumo

O presente trabalho objetiva abordar a necessidade do
desenvolvimento da educação em direitos humanos como
mecanismo de combate ao racismo, a partir de uma análise crítica
da posição do negro na sociedade brasileira atual, sobretudo no
ensino superior. Primeiramente o trabalho aborda como ocorreu
o período escravocrata no país, as forças que atuaram no processo
abolicionista, bem como o impacto que o advento da Lei Áurea
gerou no destino dos ex-escravos e em seus descendentes. Após
mais de 130 anos deste marco, analisa-se alguns dos principais
marcos normativos de proteção ao negro no Brasil e é demonstrado
o panorama social em que os afrodescendentes vivem hoje no
país, mormente no ensino superior. E, por fim, se apresenta o
conceito de educação em direitos humanos, realizando uma
abordagem, ainda que sucinta, da EDH como um mecanismo
combate ao racismo e demonstrando o papel do ensino superior
na efetivação de uma cultura de respeito aos direitos humanos.

Palavras-chave: racismo; direitos humanos; ensino superior.

Introdução

A história de vários países foi marcada pela escravidão, seja


para o pagamento de dívidas, pelo cometimento de crimes, pela
ideia de superioridade cultural ou em razão de guerras, essa foi
desenvolvida de maneira diferente e específica em cada região do
mundo.

1. marianamelotti1@gmail.com
Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, Brasil

435
Nas civilizações antigas a escravidão ocorreu de forma
diversa do que nas colônias americanas por exemplo, no
Egito Antigo cabia aos escravos o trabalho militar, doméstico,
em pedreiras, construções e até artístico, porém eles não se
enquadravam no conceito de escravo-mercadoria, visto que
tinham maiores possibilidades, como de adquirir propriedade e
casarem-se com pessoas livres. Na Grécia Antiga esses, mesmo
sendo desprivilegiados e não cidadãos, podiam ocupar diferentes
posições sociais a depender de sua função, como domésticos,
artesãos ou em obras públicas, possibilitando que os homens
livres debatessem política e filosofassem. Já em território brasileiro
o trabalho escravo foi a base da produção do país durante os
séculos XVI ao XIX, mormente pelos africanos nas fazendas de
açúcar no litoral nordestino, nas minas de ouro em Minas Gerais
e, mais tarde, na produção cafeeira no Rio de Janeiro e em São
Paulo.

Embora também tenha havido a escravização dos índios


no Brasil, esses não possuíam comportamento compatível com
a produtividade que os colonizadores buscavam, visto que os
povos indígenas até então dedicavam-se ao trabalho somente
para garantir sua subsistência, utilizavam boa parte do seu tempo
em seus rituais, e, por estarem em seu território, tinham mais
condições de resistir à dominação. Além disso, há outros fatores
que contribuíram para a busca de outra fonte de mão de obra,
como as ações dos jesuítas contra a escravidão na defesa da
catequização e o fato de que os nativos não possuíam imunidade
contra as epidemias adquiridas no contato com os europeus e,
por isso, foram dizimados pelo contágio de doenças como a gripe.
Tendo em vista esse cenário, a importação de africanos tornou-se
a alternativa para mover o país, pois os portugueses já tinham tido
contato com a costa da África durante as Grandes Navegações e
conheciam as habilidades para o trabalho e capacidade produtiva
daquela população, bem como a lucratividade que essa prática
poderia gerar. Com isso, escravização de africanos passou a ser
utilizada em detrimento da mão de obra indígena.

Lembremos também o tratamento dado ao negro na


legislação. O contraste com os indígenas é neste aspecto
evidente. Estes contavam com leis protetoras contra a
escravidão, embora, como vimos, fossem pouco aplicadas e

436
contivessem muitas ressalvas. O negro escravizado não tinha
direitos, mesmo porque era considerado juridicamente
uma coisa e não uma pessoa (FAUSTO, 2015, p. 48).

O tratamento desumano iniciava-se desde a captura dos


africanos de sua terra, homens, mulheres e algumas crianças
arrancados de sua cultura e jogados nos porões dos navios negreiros,
conhecidos também como “tumbeiros”, que os transportavam até
a América em uma longa viagem na travessia do Oceano Atlântico,
sob terríveis condições, altas temperaturas, superlotação, entre
fezes, abusos sexuais, proliferação de doenças, escassez de água
e alimento, aqueles que morriam ou se revoltavam durante o
percurso eram simplesmente jogados ao mar.

Apesar da elevada taxa de mortalidade nesse percurso, o


tráfico de escravos africanos era lucrativo, tendo em vista a demanda
por sua força produtiva, principalmente na agricultura. Ressalta-
se que os navios de Portugal/Brasil eram um dos que mais saiam
da África trazendo escravos, ficando atrás somente da Inglaterra,
superpotência da época. Os escravos que sobreviviam ao trajeto até
o Brasil eram contabilizados logo após o desembarque e passavam
por um processo que mascarava sua real situação, eles eram
banhados, alimentados relativamente melhor, tinham os cabelos
aparados, recebiam estimulantes como tabaco e era passado óleo
em seu corpo a fim de disfarçar as moléstias que os atingiam, para
que os escravizados valessem mais ao serem negociados em leilões
ou em casas de comércio (GOMES, 2013).

Em pouco tempo o escravo africano já fazia parte da


estrutura de funcionamento de vários setores da colônia, não
somente nas monoculturas, mas também nas casas-grandes dos
mais abastados, com isso, a objetificação do negro, sua exclusão
e a hierarquia entre etnias, religiões, culturas e tons de pele foi se
desenvolvendo concomitantemente ao surgimento da sociedade
brasileira, ficando a ela profundamente arraigado, visto que tal
mentalidade foi corroborada pelas práticas sociais/políticas/
econômicas por mais de três séculos no Brasil.

O Advento da Lei Áurea e seus desdobramentos

A violência, em todas as suas formas, é a característica

437
que melhor sintetiza o que foi o período escravocrata, os negros
eram submetidos a uma jornada extenuante de trabalho, às mais
variadas e cruéis formas de castigos públicos, como chibatadas
seguidas de banho em salmoura, queimaduras com brasa,
utilização de instrumentos de tortura como o cepo, o vira-mundo e
a gargalheira (SCHWARCZ, 2015), bem como às terríveis condições
de vida nas senzalas, sem higiene, sem vestimenta adequada, os
escravos alimentavam-se de restos, ficavam expostos aos animais,
às variações climáticas e às doenças, ademais, havia uma total
sujeição aos seus proprietários, não podendo sequer olhar-lhes
diretamente, anulavam-se completamente, sem perspectivas,
como ocorria com as amas de leite, que deixavam seus filhos para
alimentar as crianças da casa-grande. Muito além das agressões
físicas, a escravidão e suas marcas acometeram a condição
humana do negro.

Diante do horrendo cenário descrito, não é crível que


durante mais de 300 anos os negros escravizados não tivessem
esboçado nenhuma reação contra o sistema, sendo apenas
sujeitos passivos do movimento abolicionista do fim do século
XIX, como relatam muitos livros de história. Longe disso, a luta
dos escravos atuou como relevante força social, vide a formação
de quilombos que ocorreu em todo o país durante o regime
escravista, muitos tinham uma complexa organização, o que
possibilitou a ocorrência dos levantes negros, destaca-se a Revolta
dos Malês, conhecida como Grande Insurreição de 1835, porém
essas rebeliões negras sofriam dura repressão, visto que geravam
medo nos senhores em razão do potencial que possuíam.

O escravo, no entanto, era apenas coisa, do outro lado era


ser. Por mais desumana que fosse a escravidão, ele não
perdia, pelo menos totalmente, sua interioridade humana.
E isto era suficiente para que, ao querer negar-se como
escravo, criasse movimentos e atitudes de negação ao
sistema. O escravo não foi aquele objeto passivo que apenas
observava a história. Não foram os escravos “testemunhos
mudos de uma história para a qual não existem senão como
uma espécie de instrumento passivo”, como quer Fernando
Henrique Cardoso, mas, pelo contrário, um componente
dinâmico permanente no desgaste ao sistema, através
de diversas formas, e que atuavam, em vários níveis, no

438
processo do seu desmoronamento (MOURA, 1987, p. 08).

Posteriormente, é que adveio a campanha abolicionista, essa


foi gerada por diversos fatores, como a influência do Iluminismo
com seus conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, bem
como pela pressão da Inglaterra, que iniciava sua industrialização
e enxergava potenciais consumidores nos escravos a serem
libertos, por isso exigia a imediata abolição do tráfico negreiro no
Brasil, e em razão disso em 1831 foi criada a primeira lei brasileira
de combate ao tráfico, só “para inglês ver”, pois o contrabando de
negros continuava. Em 1850 navios britânicos já fiscalizavam os
portos brasileiros para evitar essa prática, por isso criou-se a Lei
Eusébio de Queiroz, que realmente acabou com a importação de
escravos. Em 1871 adveio a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade
para os filhos de escravas nascidos depois daquela data, sendo que
os senhores podiam mantê-los na senzala até os 08 anos de idade
e depois entrega-los ao Governo para receber uma indenização
pecuniária ou ficar com eles até os 21 anos, a segunda opção era
a mais utilizada e a escravização permanecia.

Tendo em vista esse contexto, o movimento abolicionista


foi sendo disseminado em jornais, livros, o debate sobre o assunto
tornou-se popular, ganhou o apoio dos brasileiros e tomou as
ruas. Em razão da pressão social, em 1885 foi dado outro passo
em direção à abolição com a Lei dos Sexagenários, que libertava
os escravos com mais de 60 anos, esta foi muito ineficaz tendo
em vista a baixa expectativa de vida desses. Com a lentidão das
medidas “reformistas” do governo, a busca pelo fim da escravidão
tornou-se luta política de âmbito nacional, a população não dava
mais legitimidade e anuência ao escravismo, muitas alforrias já
tinham sido conquistadas, em razão do aumento de apoiadores
as rebeliões negras intensificaram-se e foram decisivas nesse
processo. Na tentativa de manter a ordem social, é que no dia 13
de maio de 1888 a princesa Isabel tomou uma inadiável medida
assinando a Lei Áurea e pondo fim a escravidão no país.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no Ocidente,


diferente do que prega o senso comum grande parte dos negros
já estavam libertos do trabalho escravo por esforços próprios
e apoio dos abolicionistas quando adveio a Lei Áurea. Esta não
trouxe verdadeiras mudanças no que se refere à qualidade de

439
vida dos negros, e, ainda, para agravar o problema, após a sua
criação foi estimulada a vinda de imigrantes europeus ao Brasil
para ocupar as oportunidades de trabalho livre, esses recebiam
terras e crédito para se estabelecerem no país e ainda geravam
o visado “branqueamento” da população brasileira. Desse modo,
os ex-escravos permaneceram completamente excluídos da
sociedade, sem condições de obter um trabalho digno, sem acesso
à educação, nem meios de prosperar social ou economicamente,
abandonados pelo Estado e malvistos pela sociedade.

A escravidão e a maneira como essa foi abolida, além de


ter assolado os recém libertos ante a ausência de medidas para
inserção social, deixou um legado que traz inúmeras barreiras
à população negra até hoje. O que desconstitui a falaciosa
concepção de que a Lei Áurea foi uma benevolência do governo
para com os escravos, que teria posto fim aos seus problemas e à
questão racial no país. Não é à toa que atualmente o movimento
negro do Brasil não comemora o “13 de maio”, somente o dia 20
de novembro, data da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos
Palmares e símbolo da resistência negra (ROSSI; GRAGNANI, 2018).

A Lei Áurea não impediu uma autêntica espoliação dos


ex-escravos pelos senhores. Não lhes foi concedida
qualquer garantia de segurança ou assistência econômica.
Abandonados à própria sorte, recém-egressos de um sistema
coercitivo e por ele deformados, não lhes restou outra
alternativa senão trabalharem as terras de outros homens
nas áreas rurais ou sujeitarem-se a ínfimas ocupações
nos centros urbanos. Permaneceram marginalizados,
enfrentando toda sorte de preconceitos e estereótipos, o
que levará Emília Viotti a considerar a abolição “apenas uma
etapa jurídica na emancipação do escravo”, uma realização
político-parlamentar das categorias dominantes, “mais
interessadas em libertar a sociedade do ônus da escravidão
do que em resolver o problema do negro” (...) Para o negro,
o 13 de maio não traria alívio ao fardo da condição e da cor
(QUEIROZ, 1987, p. 90-93).

A promulgação da Lei Áurea foi um importante passo


na história dos negros no Brasil, mas a conquista da liberdade
sem o amparo de outros direitos humanos gerou novas

440
grandes dificuldades para os ex-escravos, a desigualdade
entre brancos e negros institucionalizou-se. Desde que foram
lançados na sociedade passaram a ocupar as regiões periféricas,
gerando a formação de favelas e cortiços nos centros urbanos,
marginalizados, distantes do mínimo de dignidade que deveria
ser inerente a um ser humano, bem como de oportunidades de
integração e humanização. Com seu tom de pele e sua cultura
associados tão somente à pobreza, criminalidade, ignorância,
inferioridade, vivendo uma luta de lenta evolução que atravessa
gerações e ainda é pungente e latente no cotidiano brasileiro.

A Proteção ao Negro no Brasil: Marcos Normativos

Passados mais de 130 anos deste marco, vê-se que houve


imprescindíveis conquistas no que se refere à proteção legislativa
da população negra no Brasil. A Constituição Federal de 1988
normatizou conquistas fruto do ativismo negro. O artigo 3º
dispõe ser objetivo fundamental da República Federativa do
Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Estão no artigo 4º, dentre os princípios que regem as relações
internacionais do país, a “prevalência dos direitos humanos” e o
“repúdio ao terrorismo e ao racismo”. A Carta Magna estruturou-se
com base no princípio da isonomia, que garante a igualdade de
todos perante a lei, sem quaisquer distinções, também há previsão,
principalmente ao longo do artigo 5º, de igualdade racial, política,
jurisdicional, tributária, de gênero e de crença religiosa, dispondo
pela primeira vez em uma Constituição brasileira a prática do
racismo como crime inafiançável e imprescritível.

Foram criados no país relevantes decretos e leis no mesmo


sentido, de modo a construir um arcabouço normativo que
corrobore e viabilize a luta negra, como a Lei nº 7.716/1989,
conhecida como lei antirracismo, que define os crimes resultantes
de preconceito de raça ou de cor. A Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial foi criada em 2003 pela Lei nº 10.678.
Em seguida foram elaborados os decretos 4.885 e 4.886, ambos de
2003, que dispõe sobre a composição, estruturação, competências
e funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade
Racial e institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial,
respectivamente.

441
A Lei nº 10.639/2003 estabeleceu as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. O
Estatuto da Igualdade Racial foi gerado pela Lei nº 12.288/2010,
cujo objetivo está definido em seu artigo 1º: “destinado a garantir
à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades,
a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o
combate à discriminação e às demais formas de intolerância
étnica”. E a Lei nº 12.711/2012 declara que “em cada instituição
federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei
serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos,
pardos e indígenas”.

Entretanto, sem diminuir a importância/necessidade


do amparato legal formado, este, seja constitucional ou
infraconstitucional, por si só, não é capaz de promover as
transformações necessárias, tendo em vista o modo como a
discriminação racial está enraizada na sociedade e aliada à
segregação social e econômica. A legislação é um dos mecanismos
de enfrentamento da desigualdade, porque pode atuar de
forma repressiva quando necessário e isso é indispensável neste
processo. Porém, é preciso ir muito além da edição de leis, o que se
almeja é a concretização dos direitos dispostos de modo abstrato e
isso não é o que ocorre de fato, basta analisar superficialmente de
modo crítico a dinâmica social do Brasil para observar a existência
do racismo.

O racismo estrutura-se em três formas: (i) individual, aquele


praticado individualmente considerando as pessoas negras como
inferiores em razão de seus traços físicos; (ii) institucional, como
sendo as práticas, leis e costumes que refletem desigualdades,
intencionalmente ou não; e, (iii) cultural, que refere-se à
desvalorização da cultura de origem africana frente ao padrão
eurocêntrico (JONES, 1973).

Panorama Social sobre o Racismo

A forma como o racismo ocorre no Brasil fez com que fosse


criada a teoria de que se vive uma “democracia racial” no país,
termo que baseado no advento da Lei Áurea, da proclamação
da República, também em razão da miscigenação entre os

442
povos e das comparações com a forma de racismo praticada nos
Estados Unidos e na África do Sul. Porém, tais argumentos não
são capazes de atenuar ou infirmar a existência do racismo no
Brasil, na verdade, o que ocorre é apenas uma forma diferente
de discriminação racial, desenvolvida a partir de uma singular
construção histórica, mas que é tão reprovável quanto qualquer
outra.

Aliás, o fato de haver a negação da existência dessa questão


racial já é um forte indicativo da sua gravidade e enraizamento. É,
no mínimo, contraditório em um país que se autointitula como
“um país de todos”, acolhedor, da diversidade e cordialidade, ser
tão raro encontrar negros ocupando posições de prestígio social
ou em ambientes considerados mais sofisticados, e ser tão comum
vê-los em penitenciárias, bairros periféricos, escolas e hospitais
públicos e ouvir cotidianamente expressões como: “preto só é
gente quando tá no banheiro”, “preto da alma branca”, “não sou
tuas negas”, “inveja branca”, “serviço de preto”, “macaco”, “cabelo de
bombril”.

Percentuais demonstram como a desigualdade racial dá-se


atualmente no país, de acordo com o relatório Desenvolvimento
Humano para Além das Médias2, apresentado em 2017 pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e a
Fundação João Pinheiro (FJP), em 2010 o Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDHM) dos negros era de 0,679, sua expectativa
de vida 73,2 anos, sua Renda Mensal Domiciliar Per Capita (RDPC)
R$ 508,9 e somente 47,78% das pessoas negras com 18 anos ou
mais possuíam ensino fundamental completo. Enquanto o IDHM
da população branca era 0,777, sua expectativa de vida 75,3 anos,
sua RDPC R$ 1.097 e 62,14% das pessoas brancas com 18 anos ou
mais possuíam ensino fundamental completo.

Segundo o Levantamento Nacional de Informações


Penitenciárias3 - Infopen Junho/2016, 64% da população carcerária

2. http://w w w.ipea.gov.br/por tal/images/stories/PDFs/livros/livros/170510_


desenvolvimento_humano_para_alem_das_medias.pdf
3. http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-
informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf

443
é negra. O Atlas da Violência 20184, desenvolvido pelo Ipea e FBSP,
constatou: “Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros
foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra
40,2%). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa
de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa
entre os não negros teve uma redução de 6,8%. Cabe também
comentar que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71%
superior à de mulheres não negras.”

Os participantes da audiência pública promovida pela


Comissão de Direitos Humanos5 em abril de 2018 reconheceram
a falta de representatividade política dos negros, e o presidente
do Núcleo de Pesquisas Clóvis Moura da Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo descreveu o cenário político
daquele ano: “Dos 513 deputados federais, 24 são negros. Dos 81
senadores, 03 são negros. Dos 5.570 prefeitos, 1.604 são negros.
Dos 57.838 vereadores, 24.282, são negros. Dos governadores dos
estados e do DF, nenhum é negro. Dos ministros do STF, nenhum
é negro.”

Os dados citados corroboram a desmistificação da ideia


de democracia racial e evidenciam como o racismo é estrutural
e estruturante no Brasil, principalmente quando se parte do
pressuposto de que aproximadamente 54% da população de
país se autodeclara negra (pardos e pretos) segundo a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016. Porém, embora
esses índices impactem, eles não surpreendem, vez que somente
materializam em números a desigualdade racial, fenômeno tão
evidente no dia a dia do brasileiro. Diante do panorama formado,
em que é possível visualizar como essa disparidade dá-se em
diferentes segmentos da sociedade, vale destacar um deles, que é
ao mesmo tempo um reflexo das mazelas sociais que os atingem
e uma ferramenta de transformação dessa realidade: a posição do
negro no ensino superior.

4. http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_
atlas_da_violencia_2018.pdf
5. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/04/05/representatividade-dos-
negros-na-politica-precisa-aumentar-defendem-debatedores

444
Afrodescendentes no Ensino Superior do Brasil

Inicialmente, vale dizer, que a educação é um direito humano


fundamental, possuindo proteção nos âmbitos internacional e
nacional, conforme dispõem os artigos 26 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948 e 205 da Constituição Federal de
1988.

A educação, de forma geral, é um eficaz instrumento de


transformação social, e isto vai muito além do desenvolvimento
formal de habilidades e competências, implica na capacidade
de dar utilização prática ao que foi teoricamente apreendido e
está diretamente relacionada ao desenvolvimento da criticidade,
autonomia e cidadania. Em síntese, pode-se afirmar que a
educação é intrínseca à humanização. O acesso ao conhecimento
é meio idôneo para inclusão e ascensão social, capaz de dirimir
boa parte das desigualdades existentes, mormente no que se
refere ao poder econômico, à ignorância e à capacidade de
autodeterminação.

Nesse sentido, destaca-se a importância do ensino superior


no processo de empoderamento através da educação, em que
o ensino, a pesquisa e a extensão viabilizam o desenvolvimento
pessoal do indivíduo, gerando-o oportunidades diferenciadas,
mas também contribuem para sua formação como ser social, cuja
participação consciente e ativa nos meios político, econômico,
cultural, profissional é de extrema relevância para a defesa e
efetivação de seus direitos, do grupo a que pertence, bem como
dos mais vulneráveis.

O artigo 43 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


merece destaque em seus incisos III e VI, pois bem representam a
função social do ensino superior, ao disporem como finalidades
da educação superior:

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica,


visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da
criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive;

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo

445
presente, em particular os nacionais e regionais, prestar
serviços especializados à comunidade e estabelecer com
esta uma relação de reciprocidade;

Em que pese a notória relevância da educação superior,


vê-se que a formação universitária do negro brasileiro ainda
é defasada. Isso se deve a diversos fatores, a começar pelas
condições desfavoráveis ao estudo enfrentadas pela população
negra, visto que de acordo com os índices acima analisados os
ensinos fundamental e médio restam prejudicados nesse grupo
por exemplo. Isso se deve a diversos fatores que envolvem toda
a estrutura social, como condições as desfavoráveis para estudar:
maior exposição à violência, baixo poder econômico, necessidade
de trabalhar precocemente, má qualidade do ensino público, etc.

É forçoso reconhecer que diante deste cenário políticas


diferenciadas tornaram-se necessárias, o sistema de cotas raciais
surgiu nesse contexto através da referida Lei nº 12.711/2012
visando equalizar as oportunidades, e realmente alterou
consideravelmente a presença dos negros no ensino superior.
Segundo o GEMAA6 (2013), em 1997 apenas 4% de negros e
pardos da população brasileira cursavam ou portavam diploma
de graduação, já em 2013 esse número subiu para 19,8%.

Todavia, embora a adoção do sistema de cotas seja válida


nesse momento, essa não age no cerne da questão, por isso
não deve ser aplicada eterna ou isoladamente, visto que a
problemática da qualidade da educação básica pública, a questão
da permanência do negro no ensino superior e da discriminação
racial continuam.

A Educação em Direitos Humanos como mecanismo de


combate ao Racismo e sua relação com o Ensino Superior

Segundo o Plano Nacional de Educação em Direitos


Humanos (2007, p. 25),

a educação em direitos humanos é compreendida como

6. http://gemaa.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2018/03/Levantamento-GEMAA-1b.pdf

446
um processo sistemático e multidimensional que orienta
a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes
dimensões: a) apreensão de conhecimentos historicamente
construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os
contextos internacional, nacional e local; b) afirmação de
valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura
dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer
presente em níveis cognitivo, social, ético e político; d)
desenvolvimento de processos metodológicos participativos
e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais
didáticos contextualizados; e) fortalecimento de práticas
individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em
favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos
humanos, bem como da reparação das violações.

Assim, pode-se considerar a educação em direitos humanos


uma idônea ferramenta de combate ao racismo, tendo em vista
seu potencial de construir uma cultura de respeito à diversidade
e desmistificar o que são os direitos humanos, fazendo com que
eles sejam reconhecidos, exercitados, respeitados e defendidos.
Nesse sentido Aida Maria Monteiro Silva (2012, p.38), afirma que a
EDH

deve formar pessoas capazes de construir os conhecimentos


sobre os direitos e as responsabilidades que regem
a organização jurídica do país, os valores, atitudes e
comportamentos fundados no respeito integral aos direitos
universais das pessoas, independentemente de raça, etnia,
condição social, gênero, orientação sexual e opção política
e religiosa.

Mesmo havendo outros modos formais e não-formais de


promover a EDH, é preciso evidenciar a relevância do ensino
superior quando se fala no desenvolvimento da educação em
direitos humanos, visto que a função social desse meio vai muito
além da formação técnica profissional, o ensino superior possui
papel determinante na promoção da cidadania e de princípios
éticos fundamentais ao efetivo exercício dos direitos humanos.

A Educação em Direitos Humanos é essencialmente

447
a formação de uma cultura de respeito à dignidade
humana através da promoção e da vivência dos valores
da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da
cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, a formação
desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar e
consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e
comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores
essenciais citados – os quais devem se transformar em
práticas (BENEVIDES, 2000, p. 1).

Por isso, a presença dos afrodescendentes no ensino superior


é imprescindível, tanto como meio de ascender socialmente,
quanto como forma de reconhecer-se como sujeito de direitos,
autodeterminar-se e fortalecer a luta por preencher a lacuna
deixada desde a abolição da escravatura.

Conclusão

O trabalho buscou demonstrar que é possível combater


o racismo e fomentar a criação de uma cultura de respeito aos
direitos humanos através da efetivação da educação em direitos
humanos, sendo o ensino superior ambiente propício para isso.
Partindo de uma perspectiva histórica, analisou-se a maneira que
a abolição da escravatura ocorreu no Brasil e o modo como o
racismo impacta diversos segmentos da sociedade mesmo mais
de 130 anos após a sanção da Lei Áurea.

Ao longo desse tempo formou-se um aparato legislativo de


proteção ao negro, visando penalizar a discriminação e promover
a igualdade racial, embora o amparo legal seja indispensável
nesse processo, ainda vê-se rotineiramente práticas racistas e
fortes contrastes sociais, como a grande presença de negros em
zonas de pobreza, penitenciárias, falta de representatividade
política e maior defasagem escolar.

Diante disso, promover a educação em direitos humanos


nos âmbitos formal e não-formal torna-se indispensável no
combate ao racismo, pois trata-se de uma educação de natureza
permanente, continuada e global, voltada para mudança, para
atingir mentes e corações (BENEVIDES, 2000), capaz de educar
sobre o que são e como atuam os direitos humanos, difundindo

448
a necessidade de respeita-los e protegê-los, formando assim uma
cultura de direitos humanos.

Destaca-se a importância do ensino superior neste cenário,


pois além de ser um forte indicativo social que reflete como a
existência do racismo impacta a condição do negro na sociedade
brasileira, é locus privilegiado para transformação dessa realidade
através do ensino, da pesquisa e da extensão, pois esses
revolucionam mentalidades e favorecem o desenvolvimento da
educação em direitos humanos.

Referências

BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos, de que


se trata? Disponível em: <https://goo.gl/zUVWFV>. Acesso em 18
fev. 2019.

BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Comitê


Nacional de Educação em Direitos Humanos da Secretaria Especial
de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasília, DF.
2006. Disponível em: <https://goo.gl/bCx1hh>. Acesso em: 24 fev.
2019.

BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro


de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em: <https://goo.gl/xZdRu8>. Acesso em 18 ago. 2019.

FAUSTO, Bóris. História do Brasil. Didática, 1. 14. ed. São Paulo:


Editora da Universidade de São Paulo, 2015.

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Leite. São Paulo, Edgard Blüclher, Ed. Universidade de São Paulo,
1973.

MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. 7. ed. São Paulo:


Brasiliense, 1987.

QUEIROZ, Suely Robles Reis de. A abolição da escravidão. 4. ed. São


Paulo: Brasiliense, 1987.

449
ROSSI, Amanda; GRAGNANI, Juliana. A luta esquecida dos negros
pelo fim da abolição no Brasil. In: BBC Brasil. Disponível em:
<https://goo.gl/4nKxEZ>. Acesso em 25 fev. 2019.

SILVA, Ainda Maria Monteiro. Elaboração, Execução e Impacto do


Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: Estudo de
Caso no Brasil. In: BRAVO, Tânia Suely Antonelli Marcelino; REIS,
Martha dos (Org.), Educação em Direitos Humanos e exclusão social.
Marília: Cultura Acadêmica, 2012.

SCHWARCZ, Lilia & STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São


Paulo: Companhia das Letras, 2015.

450
A Educação em Direitos Humanos e a população
carcerária feminina no Brasil

Thais Neves Gonçalves1

Resumo

O presente estudo busca expor a temática das penitenciárias
femininas no Brasil e a dificuldade de se reinserir novamente as
mulheres reabilitadas na sociedade. Diante da necessidade dessa
reinserção, busca-se investigar as formas de incentivo para o
atingimento desse fim no Direito brasileiro, bem como as políticas
públicas na forma de educação em direitos humanos para a
consecução de uma efetiva reinserção social dessas mulheres. A
educação em direitos humanos voltada à instrução das presas,
conscientizando-as de seus direitos e deveres, bem como
apontando alternativas para a saída e abandono da criminalidade,
bem como a educação para a sociedade acerca de como
recebê-las e inseri-las novamente no convívio social se mostra
imprescindível. O maior desafio depois que se ganha a liberdade é
a busca por um emprego. Diante da atual crise econômica que se
encontra o Brasil, inserir-se no mercado de trabalho já é uma tarefa
complicada, o cenário se complica ainda mais quando a pessoa
que busca um emprego é uma ex-presidiária e, muitas vezes, mãe
de família. A abordagem da temática justifica-se, notadamente
em razão de a sociedade brasileira não estar preparada para essa
reinserção da mulher reabilitada, especialmente por conta do
preconceito existente em relação a tais pessoas. Muitas vezes,
por não encontrar uma oportunidade de emprego e de uma vida
melhor, a ex-detenta acaba voltando para a criminalidade. Nesse
ciclo vicioso e de difícil combate, busca-se por meio do presente
texto, apontar algumas soluções para a melhoria da condição da
mulher e do acesso ao emprego levando em consideração a lei de
execução penal de 1984, e como muitas vezes ela se torna falha e
apresentando os projetos instituídos pelo Conselho Nacional de

1. thaisneves.ata@hotmail.com
Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, Brasil

451
Justiça, que tem como objetivo promover ações educativas, de
capacitação profissional e de reinserção no mercado de trabalho
e uma vida digna junto à sociedade.

Palavras-Chave: penitenciarias femininas; reinserção; educação


em direitos humanos; políticas públicas; mercado de trabalho.

Introdução

O Brasil é considerado um dos países com a maior


população carcerária, sendo considerado pelo Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN) um dos dez maiores do mundo,
o que compreende o conjunto das unidades de regime aberto,
fechado e semiaberto, masculinas e femininas, incluindo
os estabelecimentos penais em que o recluso ainda não foi
condenado, sendo estas unidades chamadas de estabelecimento
penal (DAMÁSIO, 2010, p. 34).

Diante dessa enorme população carcerária, o Estado,


segundo a Constituição Federal, Código Penal e da Lei de Execução
Penal deve garantir um tratamento punitivo que respeite a
vida humana. Porém, na maioria das vezes, o Estado ignora tais
disposições normativas negando o princípio fundamental da
dignidade humana, pois as condições precárias e desumanas do
sistema prisional brasileiro violam sistematicamente os direitos
fundamentais.

Mulheres

O presente artigo tem como foco as penitenciarias


femininas, porém deve-se levar em conta o contexto histórico
onde se observa que o sistema carcerário foi feito por homens
e para homens. As mulheres são simplesmente tratadas como
homens que menstruam. Ou seja, o sistema as trata como se a
única diferença em relação aos presos fosse a menstruação.

Segundos dados do Departamento Penitenciário Nacional,


realizados em junho de 2016 no Brasil a população prisional
feminina é de 42.355, sendo que as vagas são de 27.029, e uma taxa
de ocupação de 156,7%. Se considerar os dados populacionais
globais, terá, uma taxa de 40,6 mulheres presas no Brasil para

452
cada grupo de 100 mil mulheres.

De acordo com o documentário “ As mulheres e o cárcere”


(Pastoral carcerária nacional; 2015), o encarceramento em massa
vem sendo mais acentuado entre as mulheres: entre 2000 e 2014
enquanto o crescimento da população carcerária masculina foi de
220%, o aumento do encarceramento de mulheres foi de 567%.

Desafios enfrentados

Normalmente, as mulheres que são submetidas ao cárcere


são jovens, têm filhos, são as responsáveis pelo sustento familiar,
possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais
desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de
trabalho informal em período anterior ao aprisionamento.

Deve-se observar que em torno de 68% das mulheres que


estão encarceradas possuem vinculação penal por envolvimento
com o tráfico de drogas não relacionado ás maiores redes de
organizações criminosas. Muitas dessas mulheres são usuárias,
sendo poucas as que exercem atividade de gerência de tráfico.
Em grande parte ocupam uma posição coadjuvante no crime,
realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio.

O primeiro ponto a se levar em consideração é a forma e


os vínculos com que as mulheres estabelecem suas relações
familiares, assim como o próprio envolvimento com o crime,
apresentam-se, em geral, de maneira diferenciada quando
comparado este quadro com a realidade dos homens privados de
liberdade. As mulheres são mães 24h por dia, e acaba agravando
na redução de pena porque elas não podem estudar ou trabalhar
dentro da penitenciaria. Precisam tomar remédios para secar o
leite gerando danos físicos e psicológicos (hipermaternidade),
acabam não sabendo o futuro do filho, pra onde ele vai.

Segundo ponto importante, é a falta de autonomia das


mulheres no tangente a escolha de como elas querem criar seus
filhos, aqueles filhos que nascem no sistema e de que maneira
esses filhos são de fato filhos delas ou parte de uma política de
contenção e de disciplinamento que retiram esses filhos delas

453
mesmo, eles estando nos colos delas (como vai ser a alimentação,
de que maneira o filho durma entre outros) ponto de bastante
violência, pode se considerar uma tortura psicológica pesada.

O documentário “As Mulheres e o cárcere” (Pastoral


carcerária nacional; 2015), traz relatos verídicos de algumas
situações que ocorrem em penitenciarias brasileiras como:
Penitenciaria Feminina Semiaberto. Macapá – Amapá - 2014. O
banheiro (onde fica o berçário) em situação precária para as presas
e crianças tomarem banho, o lugar é sem higiene, fechado, úmido,
sem circulação de ar, não tem papel higiênico e nem descarga.

Visita intima não é todas mulheres que tem o direito e não é


regulamentada, então cada unidade tem uma forma de proceder,
se uma gestora é mais homofobica ela não permite visitas do
mesmo sexo, se ela é mais aberta pode companheiro que não é
registrado oficialmente no papel como casados, tem lugares que
apenas casados no papel podem visitar, isso é também é uma
violência de direito sexual fundamental.

“Os homens abandonam, e elas não abandonam os


homens”, frase essa usada no documentário “As Mulheres e o
cárcere” (Pastoral carcerária nacional; 2015), sendo muito presente
na realidade das mulheres presas, pois quando os homens
estão presos as mulheres não deixam de fazer visitas e prestam
assistência, porém quando o quadro se inverte não ocorre o
mesmo, pois muitos companheiros abandonam a mulher.

Um ponto de extrema tristeza é em relação aos filhos que


moram fora da prisão, pois elas apartam dos filhos e acabam
rompendo laços com eles, muitas não gostam que os filhos vão
visitar por conta da revista vexatória que eles são submetidos na
entrada. Foi feita uma pesquisa pela Defensoria Pública no estado
de SP durante 1 ano, e se concluiu que a maioria das drogas e
arma entram por outro esquema e não pelos visitantes. A revista
acaba encobrindo este outro esquema e se torna uma forma de
humilhação a pessoa presa e aos familiares. Esta tem que ser
debatida pois é uma violência de direitos gravíssimas e que não
gera resultado.

454
Políticas públicas

O texto busca apresentar os direitos e deveres e, políticas


públicas de educação em direitos humanos em relação as
alternativas para saída e abandono da criminalidade.

Toda a estrutura prisional e o preso encontram na legislação


nacional e tratados internacionais mecanismos que garantem a
preservação de seus direitos, embora na sua grande maioria não
tem sido a aplicação destes direitos efetivados positivamente.
No Brasil existem direitos fundamentais estabelecidos
no ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo, a
Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLIX, assegura ao preso
o respeito à integridade física e moral. A Carta consigna, ainda, que
‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano
ou degradante, conforme o artigo 5º, inciso III, e ainda, a Lei de
Execuções Penais, em seu capítulo II, elenca o rol de assistências
assegurado aos presos. Assim, como direitos os presos também
tem deveres que são estabelecido no art. 39 da Lei de Execução
Penal.

Os direitos humanos são direitos básicos de todos os


seres humanos, simplesmente por essa condição: ser humano.
E através desse, busca-se o incentivo em uma educação em
direitos humanos, sendo essa uma importante ferramenta para a
garantia dos direitos humanos da população carcerária durante
a sua permanência na prisão, assim como para a efetivação de
direitos quando os indivíduos terminam o cumprimento da pena
e reingressam ao convívio social. Essa educação deve ser voltada
para a mudança, levando a sociedade a refletir em relação aos
problemas sociais, em relação a questão dos presos e dos presídios
brasileiros.

“Educar em direitos humanos é “criar uma cultura


preventiva, fundamental para erradicar a violação dos mesmos.
Com ela conseguiremos efetivamente dar a conhecer os direitos
humanos, distingui-los, atuar a seu favor e, sobretudo, desfruta-
los” (GORCZEVSKI, 2009, p.221).

“A Plano de Ação do Programa Mundial para a Educação em


Direitos Humanos, define a EDH como “um conjunto de atividades

455
de educação, de capacitação e de difusão de informação,
orientado para a criação de uma cultura universal de direitos
humanos” (PMEDH, 2012, p.3)

A população tem desinteresse pelos detentos, e isso faz


com que gere um grande desrespeito. A EDH é importante para
que os indivíduos em sociedade tenham uma visão diferenciada
e empática, contribuindo assim para a construção de um futuro
sustentável e pacifico. Com a valorização dessa visão, cria-se um
dever em cada cidadão. Educando a sociedade e que podemos
cobrar do Poder Público mudanças em relação a situação em que
se encontram os presos no Brasil.

O cenário do sistema prisional feminino brasileiro é


desumano e precário, isso só mostra a falta de compromisso do
Estado para com essa parte da sociedade. Grande parte desse
descaso é culpa da própria população, que ignora os problema
dos presos. A maneira como se prende no Brasil reafirma tanto
o descaso histórico com os direitos humanos, quanto a falta de
atenção a uma real assimetria de gênero.

“A educação sobre direitos humanos é a chave para lutar


contra as causas profundas da injustiça em todo o mundo. Quanto
mais sabem sobre os seus direitos, e os direitos do outro na
sociedade, melhor preparados estão para protege-los” (AMNISTIA
INTERNACIONAL).

Um ponto de extrema é importância é ressaltado no livro


de Educação em Direitos Humanos:

(...) ressalta-se a necessidade de melhores, mais amplas e


efetivas políticas educacionais para os presos no âmbito do
sistema prisional. Não apenas aquela educação genérica e
tradicional, mas sobretudo, uma educação técnica, geradora
de profissionalização e oportunidades para além da vida no
presidio. E também uma educação especifica em e para os
diretos humanos, para a cidadania e para a paz, com quais
possivelmente a grande maioria dos reclusos nunca tenha
tido contato (MENEGUETTI; OKANO, 2018, p. 71).

Essa educação técnica, geradora de profissionalização

456
seria uma porta de entrada para o mercado de trabalho, sendo
essa uma importante política pública. Pois dessa forma a presa
teria uma maior qualificação conseguindo um serviço melhor, e
evitando o retorno a criminalidade.

Mercado de trabalho

Após a saída de uma pessoa privada de liberdade, existe


um longo caminho pela frente até que ela consiga chegar a um
emprego. Diante dessa dificuldade algumas empresas, órgãos
públicos e instituições que se voltam para a assistência a presos
estão colhendo experiências positivas na inclusão destes em seus
quadros funcionais. Ultrapassando as barreiras do preconceito
e da falta de informação, a inserção de presos no mercado de
trabalho possibilita a ressocialização de condenados com efeitos
sobre a redução da reincidência criminal, fora os benefícios
financeiros com a contratação.

Segundo dados mais recentes do Departamento


Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DPN/MJ), em
2012, cerca de 112 mil presos participavam de programas
de trabalho interno ou externo. Aproximadamente 20%
atuavam fora do sistema penitenciário, contabilizando quase
22 mil trabalhadores. Nos programas de trabalho externo, as
contratações em empresas privadas representaram quase 53%
dos presos empregados. Já as parcerias com órgãos públicos
participaram com aproximadamente 20% das contratações.

Em relação a inserção de presos no mercado de trabalho, a


Lei de Execução Penal, traz diversos artigos sobre o trabalho e a
assistência ao egresso, sendo eles: Art. 1º A execução penal tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal
e proporcionar condições para a harmônica integração social
do condenado e do internado. Art. 17. A assistência educacional
compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do
preso e do internado. Art. 25. A assistência ao egresso consiste: I
– na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; Art.
27.O serviço de assistência social colaborará com o egresso para
a obtenção de trabalho. Art. 28. O trabalho do condenado, como
dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade
educativa e produtiva. (LEI DE EXECUÇÃO PENAL, 1984).

457
Como forma de ajudar na aplicação da Lei de Execução
Penal, o Conselho Nacional de Justiça, institui o Projeto Começar
de novo, que tem como objetivo a promoção de ações educativas,
de capacitação profissional e de reinserção no mercado de
trabalho. Para o juiz auxiliar da presidência do CNJ, a iniciativa
abre caminho para a completa reintegração do preso na
sociedade, concluindo a sua recuperação com efetiva diminuição
da reincidência criminal e o estabelecimento de um clima de paz.
“Tomara que todo condenado tome gosto pelo trabalho honesto
e tenha oportunidade de exercê-lo ao terminar de cumprir sua
pena”, ressaltou. (Luiz Carlos Rezende e Santos

Outra forma de incentivo são as Cartilha da Pessoa Presa e


a Cartilha do Empregador publicadas pelo Conselho que ajudam
a disseminar informações sobre os direitos dos presos e os
benefícios para quem os contrata. O CNJ também disponibiliza um
balcão de oportunidades que atualmente passa por reformulação.
“Queremos melhorar a disponibilidade dessas informações, de
forma a oferecê-las de maneira mais organizada”, pontuou Santos.

O programa já possibilitou a celebração de contratos com


22 empresas, além de oportunidades no Tribunal de Justiça da
Bahia (TJBA). Outras 16 propostas estão sob análise. Um exemplo
é a contratação de 10 detentas pela empresa de G-Ligth, do ramo
de reatores. “Neste caso, a empresa optou pela contratação de
mulheres já que a atividade, de montagem de reatores, exige
habilidades como minúcia e concentração”, apontou a gestora do
programa, Maria do Socorro Frerichs.

Essa experiência, segundo a servidora tem colecionado


bons resultados, com renovação e ampliação de parcerias. “É
verdade que o preso vem com um estigma, mas a experiência
mostra que, com a assistência oferecida desde a seleção, pelo
tribunal, é possível quebrar esse estigma e o preconceito”, avaliou
Maria do Socorro Frerichs.

Considerações Finais

A finalidade do presente capitulo foi demonstrar que apesar


do Estado garantir os direitos fundamentais para as presas, muitas
vezes esses direitos são ignorados submetendo elas a situações

458
desumanas e degradantes.

Enfim, após as análises feitas, e observadas as dificuldades


que são enfrentadas pelas presas tanto dentro da prisão e depois
que se tem a liberdade, chega-se à conclusão de que existem
diversas possibilidades de solução aos problemas das presas no
Brasil, essa solução seria a longo prazo com o incentivo as políticas
públicas.

As políticas públicas seriam em forma de educação em


Direito Humanos, proporcionando não só as presas mas também
a sociedade uma mudança no modo de pensar e agir. Fazendo
com quem essas mudanças proporcionasse uma melhora na
qualidade de vida oferecida dentro dos presídios, como uma
melhor reinserção da presa na sociedade e principalmente no
mercado de trabalho.

Referências

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humanos? Disponível em: https://goo.gl/xFTDat. Acesso em 16
ago. 2019.

BARROS, S. (2014). Inserção de Presos no mercado de trabalho


beneficia empresas e sociedade. Fonte: Conselho Nacional de
Justiça: https://bit.ly/2PkmnTN. Acesso em 16 ago. 2019.

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(LEP): Lei 7.210 de 11 de Julho de 1984.

OKANO, Mariana; MENEGUETTI, L. Os Direitos Humanos e o


sistema prisional brasileiro. In: MENEGUETTI, L. (Coord.). Educação
em Direitos Humanos. Birigui: Boreal, 2018.

DAMÁSIO, Daiane da Silva. O Sistema Prisional no Brasil: Problemas


e Desafios para o Serviço Social. Florianópolis, Universidade Federal
de Santa Catarina, 2010.

GARCIA, K. R. (novembro de 2018). O direito das mulheres


encarceradas. Fonte: artigo: https://bit.ly/2NLmy8p. Acesso em 16
ago. 2019.

459
GORCZEVSKI, C. Direitos humanos: dos primórdios da humanidade
ao Brasil. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005

ITTC - Instituto terra, t. e. (s.d.). Mulheres em Prisão. Fonte: http://


mulheresemprisao.org.br/. Acesso em 16 ago. 2019.

PASTORAL CARCERÁRIA NACIONAL. (2015). Fonte: As Mulheres e o


Carcere: https://www.youtube.com/watch?v=cTSgBhSU-dI. Acesso
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SANTOS, T., & VITTO, R. C. (junho de 2014). Departamento


Penitenciario Nacional - Ministerio da Justiça. Fonte: https://bit.
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SANTOS, T., & VITTO, R. C. (2018). Levantamento Nacional de


Informações Penitenciarias - Infopen Mulheres. Fonte: https://bit.
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SILVEIRA, L. (2014). Agência Conselho Nacional de Justiça. Fonte:


Inserção de presos no mercado de trabalho beneficia empresas
e sociedade: Disponível em <https://bit.ly/2PkmnTN>. Acesso em
16 ago. 2019.

460
A Educação em Direitos Humanos e o direito
das mulheres sob análise de “O Conto da Aia”,
de Margaret Atwood

Jéssica Ayumi Campana Narumya1

Resumo

Após uma revolução armada e a instituição de um Estado


teocrático e totalitário, a liberdade das mulheres foi eliminada
junto com vários outros direitos civis e humanos. Elas não podem
ler, não tem direito ao seu nome, são submetidas a trabalho
escravo e estupros. Quando não agem conforme o imposto,
sofrem torturas, mutilações, banimentos e condenações.

Esse meio distópico, é descrito por Margaret Atwood em “O


conto da Aia”, uma obra fictícia que nos desperta a uma realidade
ainda presente em muitos países, bem como a um passado sempre
prestes a retornar. O presente artigo visa, por meio de uma obra
literária, apontar os riscos que corremos quando naturalizamos
comportamentos intolerantes.

As mulheres ocidentais hoje usufruem de liberdades


que há cem anos atrás não existiam. Graças a luta feminista,
conquistamos o direito de competir igualmente com os homens
dentro da sociedade. Mesmo com a constante luta feminina por
conquista de direitos, há uma certa resistência ao movimento, com
a justificativa de que nossa situação é estável e nada a mudará,
pensamento um pouco ilusório e perigoso.

A intenção do artigo é destacar a importância da educação


em direitos humanos, e discorrer sobre o que é feminismo, hoje
ainda tabu na sociedade, não apenas para garantir a igualdade no
mercado de trabalho; a dessexualização do corpo feminino; o fim
da submissão - mas acima de tudo - para que os direitos básicos

1. jessica.a.campana@hotmail.com

461
conquistados até hoje não nos sejam retirados, em hipótese
alguma.

Palavras-chave: direitos humanos; direito das mulheres;


igualdade de gênero.

Introdução

O tema igualdade de gênero, no tocante à equidade no


tratamento e nos direitos entre homens e mulheres, sempre foi
objeto de discussão no seio de nossa sociedade, pois, apesar da
grande evolução histórica, ainda existem regiões do mundo em
que a mulher possui o dever de submissão, sendo impedida de
exercer direitos inerentes à dignidade da pessoa humana.

No ano de 2017, a temática acima descrita foi abordada


e aclamada pela série americana The Handmaid’s Tale,
disponibilizada pelo serviço de streaming Hulu. A história é
baseada no romance de 1985 da escritora canadense Margaret
Atwood, que retrata um cenário distópico, onde a sociedade
é acometida por uma alta taxa de infertilidade e de desastres
ambientais, ocasião em que, por meio de um golpe armado, é
instaurado um governo totalitário, que retira das mulheres toda
sua liberdade.

À primeira vista, pode-se pensar que se trata de um


contexto arcaico e ultrapassado, mas é notório que, em diversos
países, o papel desenvolvido pela mulher na sociedade é de mera
propriedade do homem, seja por questões sociais, culturais ou
religiosas.

No decorrer do artigo será demonstrado os variados


tipos de tratamento e restrições impostas às mulheres, no Brasil
e nos demais países, nos quais a desigualdade de gênero fica
assustadoramente acentuada.

O presente trabalho busca demonstrar a importância da


educação em direitos humanos, especialmente no que se refere
aos direitos das mulheres, que foram conquistados no decorrer
dos anos com muito esforço e coragem, bem como visa expor
o movimento feminista que é muito criticado e considerado um

462
tabu em nossa sociedade.

Contexto Histórico do Direito das Mulheres

Antes de aprofundarmos o tema e falarmos sobre o assunto


central do artigo, precisamos estabelecer alguns parâmetros
históricos acerca da evolução do direito da mulher no decorrer da
história, assim como apresentar os acontecimentos marcantes e
conquistas pela igualdade entre gêneros.

No Brasil, durante o regime patriarcal, a figura da mulher era


estritamente voltada aos afazeres de casa, sendo excluída da vida
social e política. Sobre esse sistema, a historiadora Mary Del Priore
(2000, p. 9) expõe algumas considerações:

O sistema patriarcal instalado no Brasil colonial sistema


que encontrou grande reforço na Igreja Católica que via as
mulheres como indivíduos submissos e inferiores, acabou
por deixar-lhes, aparentemente, pouco espaço de ação
explicita. Mas insisto: isso era apenas mera aparência, pois,
tanto na sua vida familiar, quanto no mundo do trabalho, as
mulheres souberam estabelecer formas de sociabilidade e
de solidariedade que funcionavam, em diversas situações,
como uma rede de conexões capazes de reforçar seu poder
individual ou de grupo, pessoal ou comunitário.

Esse quadro fático permaneceu imutável durante muitos


séculos. Somente com a Revolução Industrial, que teve início
na Inglaterra no século XVIII, a condição de exclusão da mulher
nas atividades laborais foi modificada. À medida que o processo
produtivo em grande escala era introduzido no mercado, um
número maior de mão-de-obra era exigido, o que acarretou na
necessidade da inserção da mulher no âmbito do trabalho, como
operária.

Nada obstante, importante pontuar que a radical mudança


do papel da mulher na sociedade causada pela Revolução
Industrial não a eximiu de cumprir suas funções domésticas e
familiares, bem como não garantiu a tão desejada igualdade
entre os gêneros, permanecendo-se a acentuada distinção no
tratamento das mulheres em relação ao homem.

463
No Brasil, no final do século XIX, já haviam mulheres
operárias nos setores de fiação e tecelagem, que, em sua grande
maioria, eram constituídos por imigrantes, visto que sua mão-de-
obra era abundante e mais barata. Sobre o tema, a historiadora
Margareth Rago (DEL PRIORE, 2004; p. 485/486) expõe, em seu
texto publicado na obra “História das mulheres no Brasil”, os
dados históricos representativos da presença da mulher na força
de trabalho nas fábricas, senão vejamos um trecho:

De acordo com o censo, em 1890, existiam no Brasil


119.581 mulheres estrangeiras contra 231.731 homens. De
modo geral, um grande número de mulheres trabalhava
nas indústrias de fiação e tecelagem, que possuíam
escassa mecanização; elas estavam ausentes de setores
como metalurgia, calçados e mobiliário, ocupados pelos
homens. Em 1894, dos 5.019 operários empregados nos
estabelecimentos industriais localizados na cidade de São
Paulo, 840 eram do sexo feminino e 710 eram menores,
correspondendo a 16,74% e 14,15%, respectivamente, do
total do proletariado paulistano.

Todavia, o fato das mulheres dominarem o ambiente


industrial não significou uma rápida e progressiva conquista
feminina pelo seu espaço na sociedade. É necessário reconhecer
que, apesar de existir uma garantia constitucional expressa de
igualdade entre homens e mulheres, no plano prático, ainda é
possível visualizar a forma de tratamento diferenciado dispensada
às mulheres.

A Constituição Federal promulgada em 1988 se traduz


em um marco histórico significativo na evolução dos direitos
das mulheres, de modo que as leis infraconstitucionais e atos
normativos posteriores devem estar em conformidade com os
termos basilares estipulados por ela.

Com efeito, com o advento da Carta Magna, a necessidade


de proteção do trabalho da mulher foi um dos principais fatores
que influenciaram a alteração das regras trabalhistas vigentes
à época, entre elas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
aprovada em 1º de maio de 1943, com redação modificada pela
Lei nº 9.799, de 26 de maio de 1999, inserindo-se um capítulo

464
unicamente para tratar sobre a proteção especial instituída em
favor das mulheres, conforme disposto nos artigos 372 e seguintes
do referido dispositivo.

No âmbito penal, foram também introduzidas medidas


para proteção da mulher, visando o combate a violência. Em
2006, foi sancionada a Lei nº. 11.340, conhecida como Lei Maria da
Penha, a qual vida coibir as agressões domésticas e familiar contra
a mulher. E, mais recentemente, no ano de 2015, foi criada a Lei nº
13.104, que modificou o Código Penal e incluiu no rol dos crimes
hediondo o feminicídio, que se trata do homicídio cometido
contra a mulher em razão da sua condição de sexo feminino.

Esses são apenas alguns exemplos dos efeitos da evolução dos


direitos das mulheres na sociedade contemporânea, ressaltando
a necessidade de normatização para efetivação da proteção a
essas garantias, resultado do reconhecimento constitucional da
equidade no tratamento entre homens e mulheres.

Contudo, não obstante as belas e poéticas garantias


fundamentais prevista na Constituição Federal e demais
dispositivos legais, o cenário fático é outro, pois ainda é nítida a
diferença no tratamento em relação às mulheres, seja no âmbito
profissional, social ou ainda familiar.

O fato é que a desigualdade entre os gêneros é resultado


de vários fatores culturais e morais consolidados durante anos,
predominantemente de acontecimentos históricos liderados
por movimentos machistas e conservadores, os quais pregavam
a submissão das mulheres perante ao homem, bem como a
exclusão da sociedade, ignorando-as como um sujeito de direito
e vontade própria.

Hoje, as mulheres ocidentais desfrutam de liberdade e


direitos que há anos não existiam, sendo certo que toda a evolução
do papel da mulher na sociedade decorreu das constantes lutas
feministas pela igualdade de direito. Ressalta-se que, ainda,
existem muitos obstáculos para alcançar a verdadeira equidade
entre os gêneros, mas devemos destacar a importância da
educação em direitos humanos e conscientização da população
quanto ao tratamento igualitário entre homens e mulheres.

465
“O Conto da Aia” e o seu impacto na sociedade contemporânea

O Conto da Aia, romance escrito por Margaret Atwood, em


1985, retrata os Estados Unidos moderno que, após um golpe
de estado, passa a ser comandado por uma ditadura teocrática,
fundamentalista e patriarcal, que frequentemente ataca as
minorias, e principalmente, rouba das mulheres todos os direitos
até então conquistados.

Em Gilead, nação distópica criada por Atwood, as mulheres


não podem mais ler, escrever, trabalhar, nem mesmo se expressar.
São submetidas a diversos tipos de tortura e controle masculino,
perdendo o poder sobre seus próprios corpos e escolhas.

Inicialmente, em um breve resumo da obra, e posteriormente,


suscitando assimilações com a sociedade contemporânea, esse
texto terá como objeto de análise os aspectos da dominação
masculina, de modo sutil ou não, para que, ao final, fique claro
que o movimento feminista pertence e é dever de todos que
desejam uma comunidade igualitária.

Como dito acima, após um período de grandes crises sociais


nos Estados Unidos, onde a terra e as mulheres já não eram, em
sua maioria, férteis, um grupo político toma o poder através de
uma revolução armada, instituindo a República de Gilead.

Nesse contexto, famílias foram separadas, extinguiu-se o


direito ao casamento homossexual, fronteiras foram fechadas e as
mulheres que ainda eram férteis tiveram seus corpos declarados
como propriedade do Estado.

O livro narra uma clara divisão de classes, onde, em seu topo,


predominam os homens brancos, militares e cristãos, chamados
“comandantes”. As mulheres dos comandantes são reconhecidas
através de sua vestimenta azul, enquanto que as “aias”, mulheres
férteis, utilizadas como instrumento de reprodução, utilizam trajes
vermelhos.

Não apenas as vestimentas dos cidadãos de Gilead os


diferenciam. As mulheres, sejam de escalão superior ou inferior
possuem funções exclusivamente domésticas. Elas sempre devem

466
se colocar em uma posição inferior aos homens, os quais possuem
o monopólio sobre a fala, escrita, leitura e “livre” manifestação do
pensamento.

Nessa perspectiva, as Aias sofriam constantes estupros,


no entanto, tais atos eram aceitos e incentivados, pois visavam
um bem maior, ou seja, a reprodução. Pode-se afirmar que
nessa lógica, as mulheres foram reduzidas ao uso do seu útero,
transformadas em meros receptáculos para a próxima geração,
possuindo sua liberdade e autonomia cerceadas.

Ademais, os homossexuais eram considerados “traidores


do gênero”, sendo enforcados e sumariamente sentenciados à
morte. Aqui, a violência por parte de um Estado comandado por
“homens de bons costumes” faz o seu papel de máxima coerção
social: os traidores do gênero eram executados por enforcamento,
seus corpos, pendurados em locais de ampla visibilidade.

Os cidadãos são diariamente rastreados, observados e


espionados. As crianças são arrancadas dos braços de suas mães
biológicas. As fronteiras são uma ameaça mortal a qualquer
um que tente fugir. A utilização de penas exemplares como
enforcamentos em praça pública, mutilações, torturas eram os
meios usados para manutenção da ordem.

Na sociedade retratada, o poder exercido pelos homens,


manifestado tanto pela violência física, como pela violência
simbólica, ocorre muitas vezes de modo invisível às pessoas ao
redor, indicando que as relações desiguais podem ocorrer com
certa anuência e assimilação de toda uma sociedade.

Embora trate-se de um conto fictício, onde a realidade


retratada é maximizada e dramatizada, a questão a ser levantada
é que podemos assimilar, em muitos pontos, situações que
ocorrem no livro com situações a que somos submetidos todos os
dias, em todos os ambientes que frequentamos, e que, na maioria
das vezes, passam despercebidos.

O romance de Atwood retrata, de um jeito assustador,


questões contemporâneas de nossa sociedade. Em comentário
para o The New York Times em 2017, Margareth Atwood conta

467
que tudo que está na obra já ocorreu alguma vez na história,
seja em um estado totalitário, regime militar ou ordem religiosa.
Questionada pelo Jornal El Pais sobre, de onde surgiam suas
ideias, Atwood responde: “Do lado mais escuro da realidade”.2

Nada obstante, a problemática discutida no presente


artigo visa apontar os riscos que corremos quando naturalizamos
comportamentos intolerantes. As mulheres ocidentais hoje
usufruem de liberdades que há cem anos atrás sequer existiam.
Graças a luta feminista, nunca estivemos tão perto de conquistar
o direito de competir igualmente com os homens dentro da
sociedade. Ocorre que, mesmo com a constante luta feminina pela
conquista de direitos, há uma certa resistência ao movimento, com
a justificativa de que nossa situação é estável e nada a mudará,
pensamento ilusório e perigoso.

As mensagens e a iconografia de “O Conto da Aia” parecem


mais aplicáveis do que nunca e, baseando-se nessa obra, discorre-
se aqui sobre a luta que as mulheres ainda necessitam percorrer
para que, acima de tudo, todos os direitos básicos conquistados
até hoje não nos sejam retirados, em hipótese alguma.

As mulheres antes e depois da Revolução Islâmica

No livro aqui discutido, as mulheres vestiam-se como


quisessem, o cumprimento de suas saias apenas eram coibidos
em comentários preconceituosos – bem como no mundo real.
Após a revolução, as mulheres passaram a usar somente um tipo
de vestimenta, sendo que cada cor indicava a que classe social as
mesmas pertenciam, no entanto, nunca lhes era permitido deixar
à mostra o colo ou as pernas. Perante tais relatos referentes à obra,
encontramos uma situação bem parecida no Irã, nos dias de hoje.

Antes da tomada do poder pelos aiatolás em 1979, as


iranianas se vestiam como qualquer mulher ocidental, usavam
jeans e biquínis como vestuários habituais. Hoje, a sharia, lei
islâmica vigente no Irã, coloca as mulheres abaixo dos homens em
uma hierarquia imposta, sendo que o hijab, espécie de véu que

2. https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/21/eps/1511282293_560656.html

468
cobre suas cabeças e seus rostos, são obrigatórios.

Dentre as diversas manifestações que ocorrem no Irã,


desde 2016, contra o governo instalado, as mulheres utilizam
comparações entre passado e presente como recurso de
expressão, principalmente nas redes sociais. O jornal El País
recolheu alguns testemunhos das mulheres que vivem no país,
alguns dos mais impressionantes são os seguintes: “Queremos
nós mesmas decidir como viver nossas vidas”; “tudo relacionado
com a diversão é proibido”; “o mais difícil de ser mulher no mundo
de homens é trabalhar com mais de 40 graus coberta da cabeça
aos pés”; “uma atividade tão simples em muitos países, como tomar
banho de sol de biquíni, aqui é preciso viajar quilômetros para chegar
ao meio do deserto e que ninguém a veja”.

3. “Eu antes e depois da Revolução Islâmica no Irã. Tive que começar a usar o véu quando
comecei a ir na escola. Eu odiava com toda minha força”.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/02/internacional/1514893958_214929.html

469
4

O estupro como privilégio

O estupro é rotineiramente retratado no conto. Como as


“Esposas”, ora, mulheres dos “Comandantes” são inférteis, as “Aias”,
propriedades do Estado e objetos de procriação temporária,
participam de uma “cerimônia” mensal que consiste no ato sexual
forçado com o intuito de fecundação. As “Aias” que engravidam
são mantidas na família até que a criança nasça, momento em
que mãe e filho são separados, sendo a “Aia” enviada a uma nova
família, para que novamente engravide e forneça seu filho à outra
mulher.

A sociedade misógina de Gilead encara essa situação como


um privilégio para as “Aias”, que pela sua condição fértil, estão
colaborando com a continuidade da humanidade. Algumas “Aias”’
inclusive incorporam tal papel, sentindo-se privilegiadas perante
a situação a que são expostas.

Inúmeras são as situações em que as mulheres são submetidas


à abusos pela simples condição de pertencerem ao sexo feminino.

4. “Irã antes e depois da Revolução Islâmica”

470
Inicialmente, podemos citar o caso de Valentina Shulz,
menina de apenas 12 anos, que ficou conhecida após participar
do reality show MasterChef Brasil transmitido pela emissora Band.
Nas redes sociais, a menor foi vítima de assédio e comentários
depreciosos sobre sua aparência.5 A jovem, em entrevista, conta:
“Quando você sofre qualquer tipo de assédio, você nunca vai se
recuperar 100% do que aconteceu. Você vai sempre se policiar,
infelizmente, mais do que você faria normalmente.”

Infelizmente, Valentina viveu o que a maioria das mulheres


vive a todo momento, assédios constantes nas ruas, policiamento
sobre o que vai vestir, mas, principalmente, medo rotineiro dos
homens.

Em 2016, uma adolescente de 16 anos foi vítima de um


estupro coletivo em uma comunidade da zona oeste do Rio de
Janeiro (Brasil). A menor foi dopada e violentada por 33 homens
que filmaram toda a situação.6 Tomando repercussão nacional,
apesar de obter grande apoio nas redes sociais, principalmente
dos movimentos feministas, a garota foi incansavelmente julgada,
diversas pessoas ainda afirmavam veementemente que a mesma
se expôs à situação, já que era usuária de drogas e frequentava
bailes funk. Vale colacionar alguns comentários, que inclusive,
fazem parte de um blog anônimo: “Vamos as informações “extras”,
mídia sua linda, expondo essa garota e a tarjando como -Menina
Flor-, beleza deram a ela “fama” na pior das situações, é isso que ela
ta ganhando. Beatriz, tem um perfil na rede social, Facebook, cujo
esta bem distante de ser de uma -Menina Flor-, fotos com fuzis, com
gestos obscenos, com traficante, com isso e com aquilo. Ah, e claro,
expondo suas opiniões, nada de anormal…E sem deixar de fora, o
fato de que ela é mãe. Então, me diz ai, quando que ela pensou no
filho enquanto saia a 1h da manhã, pra ir na casa de um ficante,
ficou chapada, dopada, não sei, ou pensou nele enquanto ostentava
dessa vida, cheia de armas, drogas, trafico, em fim.”7

5. https://gente.ig.com.br/fofocas-famosos/2018-11-30/valentina-schulz-desabafo-
masterchef.html
6. http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/05/vitima-de-estupro-coletivo-no-rio-
conta- que-acordou-dopada-e-nua.html
7. https://textosnaoidentificados.wordpress.com/2016/05/27/talvez-ela-nao-fosse-tao-flor-
assim/

471
Um homem julgar uma garota por suas roupas e atitudes,
inclusive acobertando um crime bárbaro não é exceção. Na
edição de 2018, o Atlas da violência (Ipea/FBSP) apresentou
uma análise sobre a violência sexual contra mulheres no Brasil.
Ao comparar dados registrados nos estados brasileiros e no
Sistema Único de Saúde adverte: “Certamente, as duas bases de
informações possuem uma grande subnotificação e não dão conta
da dimensão do problema, tendo em vista o tabu engendrado pela
ideologia patriarcal, que faz com que as vítimas, em sua grande
maioria, não reportem a qualquer autoridade o crime sofrido.”
Segundo a pesquisa, são registrados, no país, 135 estupros por
dia, no entanto, considerando que apenas 10% a 15% dos casos
são reportados oficialmente, teríamos, na realidade, por volta de
500 mil estupros por ano no Brasil.

A mulher como objeto reprodutor

Ainda quanto ao assunto tratado acima, discorreu-se


quanto à responsabilidade de reprodução das “Aias”. No livro, as
mulheres férteis precisam cumprir seu papel biológico, ou seja, a
maternidade. Pode-se afirmar que as mulheres foram reduzidas
ao uso do seu corpo, mais especificamente, ao útero, sendo assim,
toda sua autonomia lhe foi tirada.

Na sociedade de hoje ainda vemos grande hostilidade


quando alguma mulher afirma não possuir desejo de gerar filhos.
Em depoimento, uma mulher que decidiu não engravidar relata:
“Nunca tive vontade de ser mãe. Esperei o tão falado badalar do
relógio biológico, mas ele não aconteceu. Pensei e repensei a vida que
desejo ter, estabeleci minhas prioridades e concluí: não terei filhos. Por
conta dessa escolha, ouvi coisas inacreditáveis, que talvez fizessem
sentido dentro da arca de Noé, mas que são verdadeiras aberrações
em 2018 — ao menos para mim e para os 14% de mulheres brasileiras
que, segundo o IBGE, optaram por não ter filhos.”8

Ter filhos ou se dedicar somente à sua carreira depende


exclusivamente da escolha de cada mulher, porém, tais mulheres
são cotidianamente criticadas e coagidas à ingressarem na vida

8. https://oglobo.globo.com/ela/gente/artigo-nao-quero-ser-mae-22647540

472
materna. Butler afirma que as mulheres, na medida em que são
mães, constroem os interesses esperados pelo estado e sociedade.
E que a maternidade, na qual a define como uma “relação social”,
“(...) é uma situação específica das mulheres, comum em todas as
culturas.” (BUTLER, 1998).

Nada obstante, ainda quanto à maternidade imposta,


absurdamente, possuímos um exemplo real, quando Nicolai
Ceausescu, em 1966, em uma tentativa de aumentar as taxas de
natalidade na Romênia, criou políticas públicas de policiamento
à mulheres grávidas, proibição do aborto e proibição de
anticoncepcionais e camisinhas. As mulheres que não
engravidavam ou tinham menos de cinco filhos eram obrigadas a
pagar um imposto do celibato. O político afirmava “O feto é uma
propriedade da sociedade inteira e aquelas que tentam evitar os
filhos são desertoras das leis de continuidade nacional”.9

A questão do aborto

Em países onde o aborto é criminalizado e/ou legal apenas


em casos muito específicos, como no Brasil, um aborto clandestino
pode ser uma sentença de morte. Segundo a OMS, o aborto
inseguro é uma das principais causas de mortalidade materna no
mundo todo.10

No Brasil, entre 2011 e 2016, 4.262 adolescentes de 10 a 19


anos tiveram uma gestação resultante de estupro e o consequente
nascimento do bebê. Quase 73% desse número é representado
por meninas de 10 a 14 anos. Em 68,5% das ocorrências, o ato
violento foi cometido por um familiar, muitas vezes dentro do
próprio lar da vítima.11

Entre os fatores que levam brasileiras a não terem o direito


ao aborto garantido mesmo quando ele é legalizado, estão falta

9. https://saude.abril.com.br/blog/tunel-do-tempo/a-historia-bizarra-das-criancas-
romenas- que-nao-eram-amadas/
10. https://nacoesunidas.org/oms-proibicao-nao-reduz-numero-de-abortos-e-aumenta-
procedimentos-inseguros/
11. h t t p s : / / w w w. hu f f p o s t b ra s i l. co m / 2 0 1 8 / 0 7 / 3 1 / a b o r to - n o - b ra s i l - co m o - o s-
numeros-sobre- abor tos-legais- e- clandestinos- contribuem-no - debate- da-
descriminalizacao_a_23486575/

473
de informação, precariedade no atendimento na rede credenciada
e recusa de profissionais de saúde em realizar o procedimento.
Também estão envolvidas questões ligadas ao estigma social,
especialmente nos casos de estupro, devido às dificuldades em
denunciar o crime.

Em março de 2017, uma criança de 11 anos, abusada desde


os seus 8, que engravidou de seu padrasto, então abusador, não
foi autorizada a abortar o feto porque o tempo gestacional que
permite o procedimento já havia se excedido.12

A mulher e sua independência financeira

Em apenas alguns instantes assistindo os canais políticos


brasileiros, podemos nos dar conta que as mulheres ocupam uma
porcentagem ainda muito minoritária dos cargos políticos no país.
Desde 2014, elas ocupam apenas 16% das cadeiras no Senado e
10,5% na Câmara Federal. Quando se trata de representatividade
feminina no Congresso, o Brasil perde para 151 países, entre eles
Burkina Faso e Síria.13

Em Gilead, as mulheres não podem trabalhar e muito menos


possuem uma independência financeira. Pelo contrário, esses
foram os primeiros direitos retirados da população feminina. Em
um estalar de dedos, a personagem principal e suas colegas de
trabalho foram demitidas e tiveram todo seu dinheiro colocado
sob controle de seus maridos ou familiares do sexo masculino.

E a realidade de muitas mulheres em nosso mundo atual é


cruelmente similar à realidade das mulheres de Gilead.

É claro que muitas pessoas não entendem porque as


mulheres que deixaram relacionamentos abusivos frequentemente
retornam para seus agressores — ou muitas vezes sequer saem
deles. As razões pelas quais as mulheres retornam ou se mantém
em relacionamentos abusivos são extremamente complexas e

12. https://thinkolga.com/2017/09/25/a-descriminalizacao-do-aborto-e-para-o-bem-de-
todas- nos/
13. https://www.cartacapital.com.br/politica/o-papel-das-mulheres-como-candidatas-nas-
eleicoes-de-2018/

474
estão totalmente relacionadas aos efeitos do abuso. No Brasil,
de cada quatro mulheres que sofrem violência doméstica, uma
não denuncia o agressor porque depende financeiramente dele,
o que muitas vezes é reforçado pelo fato de que o agressor tem
todas as funções econômicas voltadas para si e o total controle
sobre as finanças da família.

As opções dessas mulheres são ainda mais limitadas pelo


fato de que muitas delas frequentemente enfrentam uma ou
mais barreiras adicionais, como filhos, desemprego ou falta de
experiência profissional, falta de moradia e falta de acesso a
dinheiro por contas bancárias e/ou crédito.

Estes são alguns - dos muitos - acontecimentos que


rodeiam e intimidam os direitos das mulheres no Brasil. Além
de leis que insistem em definir o modo com o qual as mesmas
devem utilizar seu próprio corpo, são sujeitas a ouvir palavras que
estigmatizam seu lugar e papel no mundo, além de sofrer certos
tipos de violência por pessoas próximas.

Conclusão

O trabalho buscou desenvolver e alertar sobre a importância


da comunicação e dos movimentos feministas para garantia dos
direitos das mulheres na sociedade.

Conforme se analisou, em diversos segmentos da sociedade


brasileira e mundial, é possível verificar-se diuturnamente
inúmeras formas de violação aos direitos humanos inerentes à
mulher.

A mudança desse triste quadro começa pela necessária


educação em direitos humanos e maior exposição das condições
das mulheres dentro da sociedade ao decorrer dos anos, levando
à compreensão e extinção de estereótipos.

Hannah Arendt, ao analisar a sociedade, dispõe que o


mal banal caracteriza-se pela ausência do pensamento, que
consequentemente provoca a privação de responsabilidade.
Deste modo, o sujeito praticante ou o sujeito omisso não se
interroga sobre o sentido da sua ação ou dos acontecimentos ao

475
seu redor.

Ao relacionar o mal ao vazio reflexivo, Arendt aponta


para uma possível compreensão da violência nas sociedades
contemporâneas, que se destinam especialmente às mulheres.

Pelo exposto, apenas com uma educação reflexiva e


empática, a ser imposta desde os primários da educação é que
podemos contornar a situação, ainda precária, das mulheres na
sociedade, e lutar, cada vez mais, pela total igualdade que tal
classe merece.

Referências

ATWOOD, Margaret. “O conto da aia”. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.

BUTLER, Judith. Fundamentos contingentes: o feminismo e a


questão do pós-modernismo. Cadernos Pagu (11), Campinas-SP,
Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, 1998, pp.11-42.

DEL PRIORE, Mary (org). História das mulheres no Brasil.


Coordenação de textos de Carla Bassanesi. São Paulo: Contexto,
2004. p. 678.

DEL PRIORI, Mary. Mulheres no Brasil Colonial. São Paulo: Editora


Contexto, 2000.

FEITAL, Yasmine et al. “The Handmaid’s Tale: A Representação Da


Mulher Na Série E A Proximidade Com A Realidade Brasileira”.

RELINES, Rufino de Abreu. “Vozes sociais e relações de poder em


The Handmaid’s Tale”.

TOLEDO, Cecília. “Mulheres: o Gênero nos Une, a Classe nos Divide”.


São Paulo: Sundermann, 2008.

https://www.bbc.com/portuguese/vert-cul-44294676

http://inovasocial.com.br/inova/the-handmaids-tale/

476
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/02/
internacional/1514893958_214929.html

https://revistacult.uol.com.br/home/violencia-e-banalidade-do-
mal/

477
A educação em Direitos Humanos no ensino
fundamental como ferramenta de
conscientização no combate às fake news
e à pós-verdade

Cauê Morais Marques1

Luciano Meneguetti Pereira2

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo abordar a


importância da educação em direitos humanos no ensino
fundamental como uma ferramenta de conscientização contra
as fake news e a pós-verdade, após sua ascendência no pleito
eleitoral ocorrido no Brasil em 2018. A pesquisa justifica-se em
razão de as liberdades de informação, comunicação e, em um
sentido mais amplo, de expressão, respectivos direitos humanos
fundamentais consagrados e legitimados na ordem jurídica
brasileira, terem sido lesados nos últimos anos, fato que tem
atingido adultos e crianças no nosso país, e que coloca em risco
o Estado Democrático de Direito. O presente artigo pretende,
então, no âmbito das pesquisas realizadas, apontar a necessidade
de uma conscientização sobre o uso responsável da internet,
notadamente das mídias sociais, prevenindo o compartilhamento
de conteúdo duvidosos, incentivando as instituições de
ensino a investirem em atividades para instruir as crianças e
adolescentes na checagem de notícias falsas, uma vez que a
divulgações de conteúdos como esses excedem a esfera privada
e política, chegando até as escolas, e diante do poder e rapidez
das informações, torna-se cada vez mais difícil o seu controle e
extinção nos casos de abuso no exercício do direito. Sendo assim,
tendo em vista o direito à educação e à verdade, abordados
como direitos humanos fundamentais, pretende-se no presente
artigo, estabelecer um raciocínio lógico sobre a importância da

1. caue_herreera@hotmail.com
2. Orientador. Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, BRASIL.

478
Educação em Direitos Humanos para o esclarecimento e análise
da realidade na era da informação e tecnologia.

Palavras-Chave: Fake News; Direitos Humanos; Direitos


Fundamentais; Liberdade de Informação; Educação.

Introdução

Nos últimos anos, com o avanço da tecnologia os governos


tiveram um grande obstáculo para proteger o estado democrático
de direito com eleições justas e imparciais. Eleitores e eleitorados
têm utilizado a mídia digital a seu favor de forma desleal, com o
fim de propagar notícias falsas contra seus opositores, fato este
que sempre ocorrera quando o assunto se trata de política, porém,
com uso de redes sociais o que atingia de modo individual passou
à uma disseminação global.

Assim, pode-se observar que o processo eleitoral a partir de


2016 tem demonstrado certa peculiaridade, no qual a tecnologia
digital teve um forte impacto, como por exemplo no pleito
eleitoral americano, em que promoveu a eleição do republicano
Donald Trump à frente a campanha da democrata Hillary Clinton,
bem como, teve bastante influencia no processo de saída do
Reino Unido da União Europeia, auto denominado Brexit, ambos
foram um absurdo nutrido e movido a fake news.

Tais acontecimentos foram responsáveis pela polarização


e fragmentação de uma nação, e principalmente em transformar
o modo de se fazer política, utilizando a internet como grande
protagonista no seu âmbito político.

A competição política é totalmente natural e saudável


em qualquer estado democrático de direito, porém, o que se vê
nos dias atuais é que, cada grupo fragmentado tem o objetivo
de desqualificar seu opositor, independentemente da razão e
veracidade dos fatos, sendo conduzido apenas pela emoção,
manifestando um tal desprezo com a verdade, em alguns casos
estimulando discursos de ódio.

Tem sido cada vez mais comum, ver pessoas cultas ou não
na mesma situação, compartilhando os maiores absurdos em

479
suas redes sociais, resultando em uma propagação em massa de
notícias falsa, qual é fundamentado por um analfabetismo digital.

Todo esse desafio crescente que a democracia tem


enfrentado, tem sido crucial para uma nova definição de políticas
internas e externas sobre tecnologia digital, com base na educação
em direitos humanos.

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo


analisar a utilização da tecnologia digital e dos novos meios
de comunicação para se fazer política e a consequência de seu
uso desonesto, bem como, as disseminações em massa de fake
news e pós verdade e como isso atinge a opinião pública. Em
sequência, abordaremos alguns casos reais que sofreram afronta
ao estado democrático por disseminação de fake news, e por
fim, versar sobre a importância de incluir a educação midiática
como educação em direitos humanos nas escolas para uma
consolidação da democracia.

Uma breve alusão sobre os fenômenos Fake news e pós


verdade, bem como um estudo sobre suas peculiaridades

Desde os tempos mais primórdios a mentira é um mal que


sempre acompanhou o homem em seu longo trajeto à evolução,
o qual é de fácil percepção sempre quando se observa ao misturar
com política e um discurso populista. Segundo o historiador
cultural e bibliotecário da Universidade de Harvard Robert
Darnton, notícias falsas são registradas desde o século VI surgindo
com Procópio, um historiador bizantino, que trouxe consigo
o livro “Anekdota”, “e ali ele espalhou “fake news”, arruinando
completamente a reputação do imperador Justiniano e de outros.”
(FOLHA, 2017).

Se nos séculos passados a mentira já se espalhava de forma


contagiosa, nos tempos atuais não poderia ocorrer de forma
diferente, vivemos em um mundo onde a tecnologia é movida
por redes sociais que interligam universos e realidades de pessoas
distantes uma das outras em um instante de segundo. As referidas
redes sociais deram vozes a milhares de pessoas ampliando o
impacto de suas opiniões, o que enquanto antes seu alcance era
limitado. Do mesmo modo, a tecnologia abriu espaço para jornais

480
independentes, tirando o monopólio de informações e notícias
dos jornais elitizados. Conforme aponta o escritor e filósofo
Umberto Eco (2015):

As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis


que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma
taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam
imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora
eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio
Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da
aldeia a portador da verdade.

Ao manifestar seu pensamento, Umberto Eco expressa um


ponto de vista elitizado com uma crítica voltada à socialização
dos meios de comunicação, uma vez que um cidadão leigo
sobre determinado assunto prefere dar ênfase em sua própria
perspectiva em vez de uma opnião de um especialista. Pode-se
dizer, que a rede social transforma um cidadão comum em um
economista, advogado, médico e dentre outras qualificações, e
isso acarreta nas diversas publicações totalmente grosseiras que
lotam a timeline do facebook. Neste contexto afirma Sergio Branco
(2017, p. 56):

Em razão disso, mesmo quando são abordados assuntos


extremamente técnicos e sobre os quais especialistas
sequer concordam (por exemplo, podemos citar aspectos
processuais da Operação Lava-Jato ou detalhes financeiros
sobre pedaladas fiscais), a população parece pronta a opinar.
O brasileiro, por tanto tempo tido como pouco interessado
em política, de repente se tornou jurista, cientista político,
sociólogo e economista.

Ademais, a democratização dos meios de comunicação não


pode ser em hipótese alguma condenada como algo ruim. Longe
disso, é na possibilidade de ouvir a todos sem distinção de cultura,
gênero ou origem que a internet encontra uma de suas maiores
virtudes. (BRANCO, 2017)

Seguir suas emoções e deixar a razão de lado, tem sido


algo um tanto comum nos feed de notícias, comentários e nas
publicações do facebook. Determinada valorização do sentimento

481
e do ponto de vista individual ao invés de seguir o objeto do pensar
racional tem acarretado um analfabetismo digital em massa, em
que diversas notícias falsas rodeiam o âmbito político de inúmeros
países pelo mundo, sucedendo consequências alarmantes na
democracia destes, como a polarização da sociedade que só tem
aumentado com passar do tempo.

Dessa maneira, Carolina Pina (ZARZALEJOS, JA et al, 2017, p.


41) faz uma importante observação:

Embora o acesso universal à informação e à opinião, graças


à Internet, devam ser bem-vindos, também fizeram com
que os meios de comunicação passassem não apenas a
informar e opinar, mas com que qualquer pessoa possa dar
publicidade a todo tipo de afirmações, verdadeiras ou não.
Daí surgem as fake news – notícias na forma, mas não no
conteúdo.

Notícias falsas ou fake news, são aquelas propagadas


por redes sociais, e outros meios de informação como rádio e
televisão, que se assemelham com notícias verdadeiras e que
em até algum momento poderiam ser verdade. Elas surgem
como uma notícia que aparenta ser confiável, com o viés de
confundir o leitor, fazendo-o acreditar que ela é uma informação
legitima, geralmente, “as notícias falsas atualmente buscam
disseminar boatos e inverdades com informações que não estão
100% corretas sobre pessoas, partidos políticos, países, políticas
públicas.” (POLITIZE, 2017)

Dessa maneira, o trabalho feito por Jen Weedon, William


Nuland and Alex Stamos (2017, p. 4, tradução nossa) denominado
Information Operation and Facebook, afirma que o “termo ‘notícia
falsa’ surgiu como uma frase que se refere a tudo, desde artigos de
notícias factualmente incorretas, bem como, artigos de opinião,
paródias e sarcasmo, boatos, ‘memes’, abusos e distorções factuais
de notícias.”

Nesse contexto, Otavio Frias Filho menciona em seu artigo


que fake news é um fenômeno capaz de:

embair a credulidade de muita gente por muito tempo,

482
revele seus fatores desencadeadores e mecanismos
de propagação. O que elas parecem ter em comum é
a propriedade de se alastrar de modo principalmente
oral entre camadas da população de menor instrução
e informação, além de obedecer a roteiros em geral
conspiratórios e delirantes. (FRIAS FILHO, 2018, p. 41)

Os autores Claire Wardle e Hossein Derakhshan (2017),


defendem que notícias falsas tenham três classificações: Dis-
information: são notícias falsas criadas e compartilhadas
intencionalmente com a intenção de prejudicar através de
contextos e conteúdos falsos uma pessoa, um grupo social, uma
organização ou um país; Mis-information: aquela notícia falsa que
detêm um cunho de conexões falsas e manchetes sensacionalistas
que chamam a atenção, e são compartilhadas por uma pessoa
desavisada que não tem a intenção de prejudicar ninguém; Mal-
information: são aquelas notícias que, apesar de terem fatores
reais, são manipuladas e disseminadas com o objetivo de causar
danos, como vazamentos e discursos de ódio.

Já a jornalista Claire Wardle (2018), que é a mesma autora


do relatório do Conselho da Europa, destaca sete gêneros de
conteúdo prejudiciais para a sociedade em um artigo publicado
pelo First Draft: Sátira ou Paródia: Nenhuma intenção para
causar dano, mas tem potencial para enganar; Manchete
Sensacionalista: Uso enganoso de informações para limitar um
problema específico; Conteúdo Falso: Quando os reais produtores
são representados; Conteúdo Fabricado: Conteúdo 100% falso,
projetado para enganar e prejudicar; Falsas Conexões: Quando
as manchetes, recursos visuais ou legendas não são compatíveis
com o conteúdo; Contexto Falso: Quando o conteúdo genuíno
é compartilhado com informações contextuais falsas; Conteúdo
Manipulado: Quando informações ou imagens genuínas são
manipuladas para enganar.

Dessa maneira, consequentemente a verdade perde seu


valor e sua relevância é colocada em jogo, fazendo surgir o termo
pós-verdade (post- truth), onde segundo Mathew D’anconna
(2018, p.14) é “o valor declinante da verdade como moeda de
reserva da sociedade e a difusão contagiosa do relativismo
pernicioso disfarçado de ceticismo legítimo.” De acordo com

483
o Dicionário Oxford, este termo “pós” menciona uma fase onde
a verdade já não é mais tão significativa quanto antigamente,
“pertencendo a um momento em que o conceito específico se
tornou irrelevante ou não é mais importante.”

Os termos Fake News e Pós-verdade, foram denominados


para explicar dois fenômenos que chamaram a atenção e a
opinião pública ao redor do mundo nos últimos anos. O primeiro
fenômeno foi a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia
que ficou mundialmente conhecida como Brexit, de Britain e Exit.
O segundo fato, foi a eleição que nomeou Trump como presidente
dos Estado Unidos, que junto a Cambridge Analytica transformou
o pleito eleitoral em um episódio recheado de notícias falsas e
conteúdos elícitos, que impactaram e convenceram a milhares de
americanos ao elegerem. A partir de então, o modo de se fazer
política transfigurou-se de tal modo, chegando a todo eleitorado
mundial com o objetivo de viralizar mentiras pelas redes sociais e
polarizar a sociedade, deixando-os à margem de um ponto cego.

Embora sua primeira aparição foi em um artigo na revista


“The Nation” em 1992, pelo escritor Steve Tseich, o termo pós
verdade teve ascensão de seu uso no ano de 2016, a qual extrema
relevância faz jus a sua eleição pelo Oxford Dictionaries como
palavra do ano, que se traduz “a circunstâncias nas quais os fatos
objetivos são menos influentes na opinião pública do que as
emoções e as crenças pessoais.” (EL PAÍS, 2016)

Para Armando Medeiros (ZARZALEJOS, JA et al, 2017,


p.23), o significado de “pós-verdade’’ nada mais é, que “apelos
emocionais que mobilizam crenças pessoais são mais eficazes
para conquistar a opinião pública do que fatos objetivos”, em
outras palavras, pós verdade é toda aquela informação falsa
em que se acredita ou finge acreditar mesmo sabendo que ela
não é verdadeira, pois em razão de apelos emocionais gostaria
que ela fosse real. Consequentemente, pode-se ver milhares de
pessoas instruídas, ou não, com ou sem formação acadêmica
compartilhando inúmeras notícias duvidosas apenas em razão de
seu desejo pessoal, social e intelectual. Segundo, Sergio Branco
(2017, p. 57):

Pessoas com nível superior, com educação formal e

484
supostamente cultas, passaram a compartilhar os maiores
descalabros acerca de quem quer que fosse, por mais
inverossímil que a informação parecesse, apenas porque
o que estava escrito estava em conformidade com o seu
desejo, mesmo que estivesse em absoluto desacordo com
a verdade. Ou, ao menos, com uma possível verdade.

A sociedade tem estado cada vez mais insegura como se essa


enxurrada de informações que os novos meios de comunicações
portam em seu bojo, tivessem levado as pessoas a um caminho
de incertezas onde seguir suas emoções e sentimentos tem
sido a melhor opção. Isso, nos mostra um lado ambíguo em
que aparentemente quanto mais informações possuem, mais
desinformada tem encontrado essas pessoas. Conforme aponta
José Antônio Llorente:

As crenças pessoais, irrefutáveis para muitos, ganharam


força frente à lógica e aos fatos e acabaram estabelecendo-
se como pressupostos compartilhados pela sociedade,
provocando a desordem da opinião pública. (ZARZALEJOS,
JA et al, 2017, p. 9)

Essas crenças pessoais dos usuários de rede sociais como


o Facebook têm ganhado cada vez mais força, pois vão se
ramificando pelos algoritmos, o qual desenvolvem as chamadas
“bolhas informativas”. Toda as informações que chegam até as
pessoas são filtradas por um algoritmo, o qual é sistematizado
com tudo aquilo que curtem, compartilham e interagem na
internet, deixando mais próximas das pessoas com quem se
tem mais afinidade, inclusive de publicações relacionadas a seus
posicionamentos políticos. Isso constrói uma bolha narcisista
digital, em que ver o mais do mesmo é a forma mais tolerável
e agradável ao usuário, e o objetivo é afirmar sua perspectiva
de mundo não dando espaço para o contraditório, o que
consequentemente provoca a limitação da bolha (BRANCO, 2017
p 52). Assim, pode-se concluir que:

o usuário segue recebendo indefinidamente conteúdo


postado por aqueles seus amigos e conhecidos com quem
já detém afinidade ideológica. Dessa forma, fica menos
sujeito a críticas e opiniões contraditórias, limitando, assim,

485
a gama de informações que recebe. (BRANCO 2017, p. 53)

Nesse contexto, exemplifica a pós-verdade Diogo Rais (2018,


p.149) e o que leva as pessoas compartilharem tais conteúdos
ilusórios:

Na ânsia de provar que estamos certos, costumamos a


nos apoiar em qualquer material que reforce aquilo que já
pensamos, e assim, baseado em uma notícia que se quer foi
checada, mas que caiu como uma luva para nossa prévia
convicção, compartilhamos ansiosamente esse conteúdo,
que pode ser uma desinformação, contribuindo assim para
poluir ainda mais o cenário político nacional.

Essa é a principal característica que configura o mundo


da era da pós- verdade, as pessoas vivem sem adotar um senso
crítico e lógico de avaliação para analisar determinado conteúdo
ou notícia. O que se vê por ai, é a escolha da verdade comparada
a escolha de um tênis em uma loja, optam-se por aquele que
melhor se encaixar ao seu pé. Mesmo tendo consciência que
tal conteúdo pode ser tendencioso e incoerente aderem para
si como se fosse real, pois querem ter confirmação de que seus
ideais estão corretos, podendo nomear tal ato de egocentrismo.
Pois, as pessoas criam uma bolha revestida por sua perspectiva
que as impossibilitam de enxergarem além, uma vez que se tem a
consciência de que ao olhar para fora poderá ser doloroso. Nesse
contexto, complementa Silvio Genesini:

Em suma, quem sustenta que as notícias falsas são


responsáveis por estarmos vivendo em um mundo pós-
verdadeiro acha que antes havia um mundo em que a
verdade existia e era objetiva. O real é que tal mundo
nunca existiu. A impossível e improvável expectativa de
que algum dia as notícias falsas desaparecerão não trará de
volta o nirvana de uma verdade perdida que nunca houve.
A verdade, quase sempre, é subjetiva e não conhecível.
(GENESINI, 2008, p.48)

Assim, não se deve culpar somente as redes sociais, visto


que grande peso desse fardo é carregado pelos seus usuários,
pois “as portas estão abertas, mas ninguém sai.” (BRANCO 2017, p.

486
53). Conforme aponta Cristopher Lasch (1983; p. 30) “o narcisista
depende de outros para validar sua autoestima”. O que, o escritor
quis dizer com essa frase é que, as pessoas precisam de plateia,
da interação positiva de outras pessoas para alimentar seu ego,
dando-lhe uma falsa sensação de poder em que possa superar
sua insegurança. Bem como, se contrariado, o usuário narcisista
poderá dar unfollow (parar de seguir), excluir seu comentário, ou
até mesmo bloquear outro usuário que se opôs a sua opinião,
o qual gera uma segregação de informação e ponto de vista.
E é nesse uso particular da internet, que estamos falhando
miseravelmente. (BRANCO, 2017, p 54)

Assim, pode-se concluir que não existe nada de novo na


tentativa de falsificação política através da disseminação de fatos
e informações falsas. A novidade é que, atualmente vive-se novos
tempos, uma nova era definida pela internet e por suas redes
sociais com o seu crescimento viral e um efeito extremamente
intenso. A novidade está no Facebook, Google e Twitter, bem como
na relação e reações das pessoas quanto a isso, e não na tentativa
de disseminar notícias fraudulentas ou conteúdo enganoso, que
sempre existiram na vida do homem médio.

Análise de fatos que ameaçaram a democracia como um


impulso do ensino em direitos humanos como ferramenta
para educação midiática

O ano de 2016 foi marcado por um excesso de notícias


falsas, e discussões acaloradas sobre as eleições presidenciais
estadunidenses, e a saída do Reino Unido da União Europeia, cujo
mesmo recebeu o nome de Brexit, que influenciaram debates e
eventos políticos.

Afirmações como, o “Reino Unido não vigiava as fronteiras


permitindo a entrada de refugiados”, e outras expressões, “se
não saísse da União europeia custaria mais de U$ 470 milhões
ao país”(Matheus Mans, 2018, p.6), sucederam ao processo de
saída do Reino Unido da União Europeia, e principalmente em
um antagonismo político e social. Nesse contexto aponta Russell
Foster, especialista em Brexit em entrevista para o jornal O Globo:

Nada mais acontece na política britânica, e a nação se

487
dividiu em facções que se acusam sem parar. Todo mundo
quer que isso acabe, mas não existe um final à vista. De
alguma maneira, as pessoas se resignaram com o fato de
que o Brexit vai continuar se arrastando. (O Globo, 2019)

A votação do Brexit se deu por causas totalmente opostas


uma das outras, contendo em seu âmbito desde razões de pessoas
muito pobres às perspectivas multimilionárias, contra a União
Europeia e David Cameron, contra a imigração e antiglobalização,
bem como em favor de retomar o controle da economia. (BUENO,
2016).

Em 2018 houve um crescimento de opositores da


separação para 45%, enquanto para simpatizantes 42% (Época,
2018), isso representa um Reino Unido apartado, não por
questões étnicas ou sociais, mas sim entre pessoas que desejam
a saída ou permanência na União Europeia. Dessa maneira,
formam-se atualmente um grupo de pessoas chamado Bregret,
o qual é estruturado por diversos eleitores que se sentem traídos
pelas promessas de campanha do governo, o que levou a uma
manifestação nas ruas de Londres para uma nova votação.

Não somente os cidadãos britânicos tem se encontrado


emocionalmente abalados e fragmentados, o governo também
tem demonstrado uma certa fragilidade durante esses três anos
definido por pelejas e polarização, essa perplexidade levou o
governo a uma exausta crise política. Segundo professor Russell
Foster, reconhece que:

Uma característica que define o Brexit é a emoção, e


governos não conseguem controlar isso. Governos podem
legislar sobre fronteiras, tributos, acordos comerciais, mas
não sobre emoções. Não existe política capaz de lidar
com ressentimento. Nenhum projeto de lei pode tratar de
nostalgia. Nenhuma eleição pode apaziguar ansiedade e
medo em massa. É deprimente admitir isso, mas nenhum
governo pode resolver essa confusão do Brexit. (O Globo,
2019)

Theresa May, primeira ministra do Reino Unido e líder do


partido Conservador manifestou sobre tal polarização:

488
As palavras têm consequências. E as palavras mal-
intencionados, se não são questionadas, são o primeiro
passo para irregularidades e para um lugar muito mais
escuro, no qual o ódio e o preconceito conduzem não só o
que as pessoas dizem, mas o que elas fazem. (Estadão, 2019)

É importante ressaltar, que em sua declaração a mesma


aponta a importância do modo de como são utilizadas as
palavras, seja em notícias, jornais ou até mesmo em diálogos de
WhatsApp, se não questionada ou fundamentada isso tem um
impacto de grande relevância na população, podendo promover
a propagação de discursos de ódios.

Nos Estados Unidos, a pós verdade evidentemente também


interferiu nas eleições americanas de 2016 entre o republicano
Donald Trump e a democrata Hillary Clinton, e tornou o republicano
como quadragésimo quinto presidente dos Estados Unidos.

As declarações do presidente Donald Trump no ano de 2015


e 2017 foram premiadas como a Lie of The Year da PolitiFact, que é
um site que checa informações e foi ganhador do prêmio Pulitizer,
onde o mesmo apontou que as declarações do presidente são
em 69% “predominantemente falsas”, “falsas” ou “mentirosas”
(D’ANCONA, 2018).

Entre as afirmações de Donald Trump que tiveram maior


magnitude no pleito eleitoral americano de 2016, encontra-se,
a de que “Hillary Clinton liderava um esquema de tráfico sexual
de crianças em um restaurante” (Matheus Mans, 2018, p.8), o que
levou a um homem entrar armado em determinado restaurante,
cujo não havia indícios que este praticava tal ato, levando a prisão
do cidadão. Nesse sentido, continuam apropriadas as palavras do
matemático e teólogo francês Bernard Lamy (apud ROSE, 2018):

Para convencer o povo de que se diz a verdade, basta falar


com mais ousadia do que seu adversário; basta gritar mais
alto e dizer-lhe mais injúrias do que ele diz, queixar-se dele
com mais aspereza, afirmar tudo o que se adianta como
oráculos, zombar de suas razões como se fossem ridículas,
chorar, se for preciso, como se a verdade que se estivesse
defendendo provocasse uma verdadeira dor quando

489
atacada e obscurecida. Aí estão as aparências da verdade.
O povo só vê essas aparências, e são elas que convencem

Outra notícia que teve alta repercussão e talvez uma


das maiores pós-verdade do período atual, foi a de que Papa
Francisco apoiava a campanha de Donald Trump. Tal informação
foi publicada originariamente pelo site WTOE 5 News, antes de
ser copiada e compartilhada por uma editora conhecida hoje por
espalhar notícias falsas, cujo nome é Ending the Fed, o que levou
milhares compartilhamentos no facebook. Em 2 de outubro, o
Papa Francisco se manifestou sobre o assunto em uma coletiva de
imprensa, dizendo: “Eu nunca disse uma palavra sobre campanhas
eleitorais”. (CNBC, 2016)

Em busca de sua reeleição em 2020 nos Estados Unidos,


Trump, ao utilizar o twitter digitou 19 palavras, dentre estas, 3
dados falsos foram constados (LUPA, 2019). À vista disso, segundo
Matthew D’ancona (2018):

As manipulações e as falsidades políticas enfaticamente


não são o mesmo que a pós-verdade. A novidade não é
a desonestidade dos políticos, mas a resposta do público
a isso. A indignação dá lugar à indiferença e, por fim, à
conivência. A mentira é considerada regra, e não exceção,
mesmo em democracias.

Essa crescente desorientação que as pessoas vêm sentido


entre o que sabem ser verdade, o que acham ser verdade e o senso
comum se dá por diversos motivos, um deles é o boicote de líderes
políticas à veículos de informação, visando utilizar as redes socias
como um pilar para transmitir uma perspectiva hiperpartidária
com o objetivo de envenenar seus eleitores contra o jornalismo
de massa que poderiam questionar suas ideias, ações e ponto de
vista. (KAKUTANI, 2018)

No Brasil, o presidente Jair Messias Bolsonaro e seus principais


apoiadores como Luciano Hang afirmaram não compactuar com
“jornalismo ideológico” e incentivando outros empresários a
suspender a veiculação de anúncios publicitários nos canais de
comunicação, tendo como um dos principais alvos a Rede Globo.
Segundo os apoiadores do presidente, diz ser uma medida de

490
protestar contra disseminação de matérias sensacionalistas que
atacam e perseguem a imagem do presidente. (SARDINHA, 2019)

Esse discurso indagado pelo presidente e seus apoiadores


em repúdio a certos veículos de informação aparenta ser um jogo
político, em que o foco é incentivar seus seguidores a buscarem
veículos alternativos de informação de menos credibilidade, que
tem finalidade de propagar notícias com o mesmo viés ideológico
de seus apoiadores, como uma busca incessante de se proteger
da oposição.

O mesmo ocorreu nos Estado Unidos, um boicote aos


veículos de informação em massa, resultou na criação de meios
de informações alternativos expandindo o universo da mídia
como foi o caso do Breitbart News e a rede Sinclair, ao lado de
sites e canais do YouTube em que o assessor político de Trump,
Steve Bannon relatou como uma “plataforma para a direito
alternativa”, que atinge em torno de 38% dos americanos. Sinclair,
fez com que âncoras da imprensa local lessem uma mensagem
sobre as fake news que iterava a retórica que Donald Trump usa
para lesar reportagens baseadas em fatos. Pode-se observar que o
problema, é que os referidos canais não se esforçam para fornecer
informações ou fatos verificáveis, tendo Breitbart News publicado
inúmeras notícias falsas e teorias de conspiração, bem como
histórias intencionalmente enganosas. (KAKUTANI, 2018, p.138-
139)

É neste degradante cenário global em que vivemos, uma


época marcada pela aniquilação da verdade como um todo, onde
a responsabilidade de uso da internet e as verificações de fatos são
constantemente discutidas, assim como, a reação da população
sobre a desonestidade de líderes político em suas declarações.

À vista disso, o escritor sérvio-norte-americano Steve Tesich


faz uma crítica ao desmoronamento da verdade:

Estamos rapidamente nos tornando protótipos de um povo


que os monstros totalitários podem babar em seus sonhos.
Todos os ditadores até agora tiveram de trabalhar duro
para suprimir a verdade. Por meio de nossas ações, estamos
dizendo que isso não é mais necessário, que adquirimos

491
um mecanismo espiritual capaz de despojar a verdade de
qualquer significado. De uma maneira bastante radical,
como povo livre, decidimos livremente que queremos viver
em um mundo da pós-verdade (D’ANCONA, 2018, p. 21).

Viver em um período de pós-verdade em ascensão, é viver


em um período fragilizado democraticamente. Com isso, é preciso
se adequar ao momento e procurar uma saída, com esse intuito
foi criado em 2003 o primeiro site independente de fact-checking,
o FactCheck.org, que originou diversos outros sites importantes,
como por exemplo, PolitiFact.com ganhador do prêmio pulitizer.
(LUPA a, 2015)

No Brasil encontra-se a Agencia Lupa, a primeira agencia


brasileira em se especializar no fact-checking. Fundada em
2015, já produziu checagem de áudio, vídeo e texto, sendo seu
objetivo estimular o debate político baseados em fontes oficiais
e transparentes. Em 2017, a Lupa criou o LupaEducação, o qual é
responsável pela capacitação em fact-checking de estudantes e
profissionais de diversas áreas. (LUPA b, 2015) Isto posto, José Brito
Cunha, um dos conselheiros da Lupa, aponta a importância da
educação do fact-checking:

No momento em que o Brasil passa por um grande debate


sobre o Ensino Médio, estas oficinas de educação digital
e checagem têm um papel fundamental na formação
de adolescentes e jovens. “Ampliar o repertório dessa
geração com acesso a plataformas digitais e temáticas
contemporâneas pode ajudar e muito na ampliação de
repertório dos estudantes, dando a eles a chance de
participar do processo com mais responsabilidade.” (LUPA,
2018)

Em 2018, as notícias falsas ultrapassaram o âmbito político


chegando até as escolas, o que preocuparam os professores e que
fizeram tomar providencias enquanto a isso, levando algumas
instituições terem investido em dinâmicas para educar os seus
alunos, como foi o caso da escola paulistana CEU Casa Blanca,
que faz seu trabalho por meio do projeto “Rádio escola/Imprensa
jovem”. Outra escola de São Paulo também implementou a
educação midiática, que é o caso do projeto “Construindo

492
opiniões” no Colégio Rio Branco, onde alunos abordaram temas
relacionados ao contexto eleitoral e disseminação de fake news.
(GLOBO 2018)

É de tamanha importância abordar o tema fake news


em salas de aula, como um assunto de educação em Direitos
Humanos preparando a sociedade lidar com um período de pós
verdade, uma vez que o direito a verdade é um direito inerente
à pessoa humana. Instruir os jovens para um uso responsável da
internet, permite que os mesmos reconheçam a veracidade de
um fato e o impacto que ele pode causar quando compartilhado,
o qual promove uma sociedade mais ciente, crítica e um estado
democrático mais sólido. Diante disso, sendo um dos objetivos
preparado pela UNESCO a alfabetização midiática:

A alfabetização midiática visa a empoderar cidadãos,


fornecendo-lhes competências (conhecimento, habilidades
e atitudes) necessárias para envolver a mídia tradicional
com as novas tecnologias, incluindo os seguintes elementos
ou resultados de aprendizagem: compreender o papel
e as funções da mídia nas sociedades democráticas;
compreender as condições sob as quais a mídia pode
exercer suas funções; avaliar criticamente os conteúdos de
mídia; envolver-se com a mídia para se expressar e participar
democraticamente; e revisar habilidades (incluindo
habilidades em TIC) necessárias para produzir conteúdos
produzidos por usuários. (UNESCO, 2019)

Assim, está claro que a educação, principalmente em


direitos humanos é um processo contínuo e complexo. Porém, se
mostra essencial como um direito individual capaz de promover
a liberdade, na medida em que o indivíduo é educado e ele se
reconhece como cidadão detentor de direitos e ciente de suas
obrigações, com a finalidade de demonstra a igualdade e promoção
do desenvolvimento nacional. (ANDREUCCI; JUNQUEIRA, 2017)

Isto posto, os recentes avanços tecnológicos também têm


exposto ferramentas que comprometem a viabilizar e inserir em
nossa cultura a educação em direitos humanos como instrumento
proteção e educação em direito cibernético nas escolas, do qual
ajuda a promover a utilização transparente dos meios digitais

493
pelos cidadãos e futuramente protegê-los de ataques de governos
autoritários favorecendo eleições mais justas e livres de fake news
e pós-verdade.

Conclusão

Conforme apresentado ao longo do presente artigo, foi


possível observar que os tempos não são mais os mesmos, que
a mentira sempre existiu no âmbito político, mas que a novidade
são as introduções do mundo cibernético nessa esfera.

Com o passar do tempo, houve uma democratização dos


meios de informações, no entanto, ficou expresso que a utilização
dessa ferramenta ao propagar mentiras para se fazer política
pode ser desastroso, causando diversas investidas contra o estado
democrático de direito, o qual o estado e a sociedade deve-se
estar prevenido para repelir tais atos.

À exemplo disso, foram os eventos universais citados no


presente artigo, no qual, ficará na memória por sua disseminação
de notícias falsas em massa, por ser responsável por uma enorme
polarização de seu povo, e pelo impacto que excedeu o limite de
seus países, chegando aos quatro cantos do mundo.

Isto posto, a disseminação de fake-news popularizou-se


pelo mundo atingindo diversos setores da sociedade, tendo
sua repercussão não somente no setor político, mas também,
dirigindo-se para dentro das salas de aulas propagando-se entre
os alunos.

Felizmente, com o resultado dessa disseminação


desenfreada de fake-news, sites especializados em checagem de
fatos e algumas escolas, chamaram a responsabilidade para si de
fornecer educação midiática para população e seus respectivos
alunos, no qual visa proteger os direitos violados por esse período
de pós-verdade.

Diante disso, ter evidenciado o engajamento de pessoas


e entidades preocupadas com a promoção do uso ciente da
tecnologia como defesa do direito humano, ensinando os riscos
e consequência da falta de veracidade de um fato, dando-

494
se a esperança de um futuro melhor em que se estabeleça a
livre informação, protegendo de governos totalitários e por
consequência constituir eleições mais justas.

Entretanto, pode-se concluir este presente trabalho busca


enfatizar a importância de uma atenção cada vez maior com a
educação midiática objetivando resguardar a verdade como um
direito humano fundamental, através da introdução da educação
em direitos humanos na cultura brasileira, para uma maior
proteção ao estado democrático de direito.

Referências

ANDREUCCI, Ac; JUNQUEIRA, Ma. Crianças visíveis e direito à voz


como direito humano fundamental: contribuições jurídicas-
sociais do marco legal da primeira infância para o desenho de
políticas públicas participativas no Brasil. Cadernos de Dereito
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498
A intolerância contra a comunidade
Lgbtqia+ E A importância da educação
em Direitos Humanos no Brasil

Octávio Bueno do Prado Neto1


Débora Cristina Camargo Gil2

Luciano Meneguetti Pereira3

Resumo

A história demonstra, desde os tempos mais remotos, a
existência da homossexualidade entre diversos povos e também
um quadro de discriminação histórica contra essas pessoas.
Embora ao longo dos tempos seja evidente o avanço na legislação
interna e também no âmbito internacional, relativamente à
proteção dos direitos humanos, atualmente é possível verificar
altos índices de violência em vários países, inclusive no Brasil,
motivados pelo preconceito contra a comunidade LGBTQIA+.
Tais indicadores são bastante expressivos, conforme aponta
recente mapeamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB),
demonstrando que no Brasil, entre os anos de 2016 e 2017, houve
aumento de 30% no número de homicídios de homossexuais e
transgêneros no país, tornando-o o mais violento do mundo em
termos de LGBTfobia.

Diante disso, o presente estudo visa demonstrar quais


os progressos da legislação nacional e internacional quanto à
proteção dos direitos humanos fundamentais, desde garantias
civis à punições contra a discriminação no âmbito penal, que
deveriam, em tese, proporcionar uma redução da elevada de
intolerância. Contudo, não é o que se verifica na prática, vez que
apenas a legislação existente não é suficiente para alteração deste
quadro crônico de discriminação contra as pessoas LGBTQIA+.

1. octaviobueno7@gmail.com
2. deboracamargg@hotmail.com
3. Orientador. Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, BRASIL.

499
Tem-se revelado evidente, a necessidade do desenvolvimento e
fortalecimento de uma educação em direitos humanos, voltada
para a defesa da diversidade de gênero e sexual, inclusive por meio
de políticas públicas governamentais e reforçada diariamente
junto à sociedade, notadamente conservadora como a do Brasil.

Constituirá objeto de pesquisa os mecanismos formais e


informais de proteção dos direitos humanos, além das políticas
públicas, utilizadas nos países com as menores taxas de LGBTfobia,
a fim de constatar que somente através da Educação em Direitos
Humanos (EDH) que uma cultura de intolerância, discriminação
e preconceito pode evoluir, em nível de respeito, à dignidade
da pessoa humana através do reconhecimento da igualdade,
liberdade e tolerância, atingindo, então, justiça e paz.

Palavras-chave: direitos humanos; educação; LGBTQ.



Introdução

É notável que há muito tempo a violência motivada pela


diversidade sexual e de gênero tem aumentado exponencialmente,
não se restringindo ao Brasil, alcançando níveis mundiais nunca
percebidos. O que corresponde a certa controvérsia, vez que
atualmente, como será demonstrado posteriormente neste
estudo, diversos são os países cujas legislações foram radicalmente
alteradas, deixando a homossexualidade o rol de criminalização e
passando a receber especial proteção do Estado, sendo, portanto,
a homotransfobia, veementemente condenada.

Significa dizer que, à medida que os países evoluíram suas


legislações, expressando significativo avanço na concepção de
gênero, sexo e sexualidade, a transgressão de direitos, vivenciada
pelos Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros,
não diminuiu como se esperava, pelo contrário, os números
revelam expressivo aumento das ofensas, homicídios, agressões
e discriminações motivadas pela identidade de gênero e
sexualidade, sejam elas reais ou supostas.

Embora tenha se verificado a evolução do pensamento,


revelada na aceitação da homossexualidade e da transexualidade
como fatores naturais da constituição do ser humano, assim como

500
a heterossexualidade e a cisgeneridade são desde os tempos
mais remotos, ainda são inúmeros os obstáculos experimentados
diariamente por aqueles que ousam ultrapassar os limites
impostos pela ideologia de gênero heteronormativa, que
além de determinar os padrões a serem seguidos, define quais
consequências estão sujeitos os que transgredirem as referidas
imposições, expressas de diversas formas no nosso cotidiano e
repetidos por membros dos mais variados níveis sociais, a título
de exemplo temos o recente pronunciamento da Ministra da
Mulher, Família e Direitos Humanos do Brasil, Damares Alves, em
que, reforçando estereótipos de gênero afirmou que “menino
veste azul e menina veste rosa”.

Portanto, o presente trabalho buscou elaborar um


panorama atual da violência sofrida pela população de gays,
lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e demais
variações de orientação sexual e identidade de gênero, resumidas,
para finalidade didática, à sigla LGBTQ, com o intuito de evidenciar
a situação dessa comunidade que, por longos períodos da
história, sequer tiveram direitos e garantias constitucionais ou
internacionais, vez que, em diversos momentos e por influências
diversas, incluindo a religião, essas pessoas tiveram a sua
condição de humanos e de sujeitos de direitos ignorada, sendo,
por consequência, marginalizados e excluídos socialmente.

Ademais, nessa pesquisa será exposta a importância


da educação para expandir e consolidar os direitos humanos
como sendo aqueles sem os quais a digna existência torna-
se impossível. Além disso, o presente trabalho evidenciará o
quanto se faz urgente a Educação em Direitos Humanos, voltada
para a diversidade sexual e de gênero desde o ensino básico,
desconstruindo estereótipos de gênero, desmistificando falácias
construídas historicamente e aceitas socialmente como verdades
absolutas, com a finalidade de eliminar as diversas formas de
preconceito e intolerância, visto que a discriminação, seja ela qual
for, funda-se na ignorância, como bem apontou o ilustre Nelson
Mandela,

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele,


por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as
pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar,

501
elas podem ser ensinadas a amar” (Nelson Mandela).

Desenvolvimento

Conceituação Teórica

Antes de analisar o panorama histórico, a conquista de


direitos e a importância da Educação em Direitos Humanos (EDH),
imperioso se faz definir alguns conceitos que serão estudados
separadamente, evitando, portanto, a ignorância, fonte de toda
forma de preconceito. Entre eles pode-se verificar a orientação
sexual e a identidade de gênero que serão definidos a seguir:

A orientação sexual corresponde aos impulsos que levam


uma pessoa a se atrair por outra, sobretudo, sexual ou afetivamente,
comumente chamado de atração sexual.

[...] uma componente da sexualidade enquanto conjunto


de comportamentos relacionados com a pulsão sexual e
com sua concretização. Se a atração sexual é dirigida para
pessoas do mesmo sexo, designamos tal orientação por
‘homossexualidade’; se ela se inclina para o sexo oposto,
trata-se da ‘heterossexualidade’; e, ainda, de ‘bissexualidade’,
se o sexo do parceiro é indiferente (BORRILLO, 2010, p. 23).

Por sua vez, a identidade de gênero corresponde a


identificação ou ausência desta ao sexo biológico, atribuído no
nascimento, entre outros fatores. Sendo denominado cisgênero
aquele que se identifica com o seu sexo biológico e transgênero
aquele que não possui a referida assimilação.

[...] experiência interna e individual do gênero de cada


pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído
no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que
pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência
ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros)
e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo
de falar e maneirismos (CENTRO LATINO-AMERICANO EM
SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 07-10).

Por fim, o sexo, diferentemente do que muitos acreditam

502
ser, não é formado unicamente por fatores biológicos,
correspondidos como o pênis no homem e a vagina na
mulher, pelo contrário, é correlacionado também a fatores
psicossociais, como afirma Maria Berenice Dias,

A sexualidade não se limita à anatomia dos órgãos genitais,


mas sim a um conjunto de fatores psicológicos, sociais e
culturais” (Dias, 2011, apud Vecchiatti, 2015, p. 280).

E, sobre as noções de masculino e feminino, e da variação


destas em cada sociedade que tomemos por analisar, são as
palavras de Paulo Roberto Iotti Vecchiatti:

Em contraponto a este posicionamento tradicional,


com base no pensamento construtivista, os conceitos
de feminilidade e masculinidade devem ser entendidos
como relativos e variantes de acordo com cada sociedade
e seus valores,[2] com o consequente repúdio a qualquer
argumento que vise “cientificar” atitudes e características
que sejam inerentes ao “sexo biológico”[3] (Vecchiatti,
2015).

Finalizando a conceituação teórica, imperioso se faz


delimitar quais os limites interpretativos do termo homotransfobia,
que passou a ser utilizado para designar as diversas formas de
violência sofrida não somente por Homossexuais, mas também
por Travestis e Transexuais. Daniel Borillo define a homofobia
como sendo

[...] [a] hostilidade, geral, psicológica e social, em relação


àqueles e àquelas de quem se supõe que desejam
indivíduos de seu próprio sexo ou tenham práticas sexuais
com eles. Forma específica de sexismo, a homofobia rejeita
a todos os que não se conformam com o papel determinado
por seu sexo biológico. Construção ideológica consistente
na promoção de uma forma de sexualidade (hétero) em
detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma
hierarquização das sexualidades e extrai dela consequências
políticas (BORRILLO, 2001, p. 36, tradução nossa).

503
Panorama histórico

Passemos agora a análise da evolução dos direitos adquiridos


pela população LGBTQ, sobretudo nas últimas décadas, em que o
progresso deixo de ser mero desejo ou idealismo e passou, ainda
que de forma contida, a concretizar-se.

Atualmente, como é de conhecimento público, muitos


são os países que, influenciados pela evolução tecnológica,
industrial e científica, felizmente, tiveram antigos estigmas sociais
convertidos à condição de naturalidade, encontrando-se em vias
de aceitação por grande parte da população mundial. Entre eles,
a questão da diversidade sexual e de gênero, correspondida,
especificamente, pela população LGBTQ, que deixou de ser
considerada como aberração e foi também retirada do rol de
transtornos mentais, passando a ter seus direitos reconhecidos e
postulados no arcabouço normativo de diversas nações.

É válido ressaltar que diversos avanços sociais ocorreram ao


longo das últimas décadas, o que deve ser comemorado por toda
a população, haja vista a consagração de direitos de um grupo,
até então estigmatizado e marginalizado, o que demonstra certo
progresso da nação quanto a temática da defesa dos Direitos
Humanos frente a Estados que legitimam, em pleno ano de
2019, a condenação à pena de morte do indivíduo que destoa
dos padrões heteronormativos impostos, isto é, aqueles que
compõem a comunidade LGBTQ, como ocorre no Sudão, Arábia
Saudita, Nigéria, Irã, entre outros.

Significa dizer que o casamento civil de pessoas do mesmo


sexo, a adoção de crianças por casais homoafetivos, a troca de
nome na cédula de identidade, a cirurgia para mudança do sexo
biológico oferecida pelo SUS, entre outras conquistas, apontam
o avanço no cenário misógino, machista, homofóbico e sexista
no qual estamos submetidos. Contudo, são apenas através de
decisões judiciais que os referidos direitos foram adquiridos,
ou seja, inexiste mandamento legal expresso no sentido de
reconhecer, por exemplo, o casal homossexual como entidade
familiar, podendo haver, portanto, questionamentos perante
o poder judiciário acerca da legalidade do casamento civil de
dois homens, ou da adoção realizada por um casal homoafetivo,

504
gerando assim, enorme insegurança jurídica. Nesse sentido afirma
Maria Berenice Dias

Enquanto não estiverem no Código Civil essas decisões não


têm o peso e força de lei e ainda podem ser contestadas.
Por isso é importante que nossa legislação também avance
(Maria Berenice Dias).

Ademais, não se pode afirmar que ser Gay, Lésbica, Bissexual,


Transexual, Travesti, Transgênero e afins, é extremamente tolerável
socialmente e livre de óbices das mais diversas naturezas, vez
que os índices de violência (física, verbal ou psicológica) são
preocupantes. Como exemplo, basta observar nosso próprio país,
que, infelizmente, ocupa o posto de um dos mais violentos em
termos de LGBTfobia. Ou seja, segundo dados apurados através
do disque 100, do Transgender Europe e do Grupo Gay da Bahia
(GGB), um membro da comunidade LGBTQ é morto a cada 23
horas, vítima da homofobia. E, em que pese a gravidade desse
número, os dados referentes a homotransfobia, isto é, as diversas
formas de agressão motivadas pela aversão à homossexualidade,
bissexualidade, transexualidade etc, são oriundos de fontes não
oficiais, que podem conter divergência com a realidade das
vítimas, visto que os números soam reduzidos quando pensamos
nos casos não denunciados por incontáveis motivos, entre eles, o
medo do agressor, da família, dos amigos, a humilhação ocorrida
por vezes nos espaços sociais que frequenta. Não obstante, deve-
se contabilizar também a taxa de suicídios de LGBTQs, decorrentes
da LGBTfobia dentro da família e dos demais círculos que a pessoa
possa integrar.

Violências contra a população LGBT estão presentes nos


diferentes grupos de convivência social e formação de
identidades. As ramificações se fazem notar no meio
familiar, nas escolas, na igreja, na rua, no posto de saúde,
na mídia, nos ambientes de trabalho, nas forças armadas,
na justiça, na polícia, em diversas esferas do poder público
e na falta de políticas públicas afirmativas que contemplem
a comunidade LGBTT (Mott, 2006).

Em termos mundiais, o alcance dos direitos mais básicos,


sem os quais sequer pode existir dignidade para o exercício dos

505
demais, somente passou a ser possível com a despatologização
da homossexualidade, ocorrida em 1973, por parte da Associação
Americana de Psiquiatria. Assim afirma o Doutor Paulo Roberto
Iotti Vechiatti:

Esse quadro começou a se alterar positivamente quando,


em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a
homossexualidade de seu índex de patologias. Em 1985,
no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia e o Conselho
Federal de Medicina passaram a não mais considerar a
homossexualidade como um desvio sexual e, em 17 de maio
de 1990, a Assembleia-Geral da Organização Mundial de
Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação
Internacional de Doenças (CID) (VECCHIATTI, 2013, p. 34).

Seguindo com a análise do recente cenário de conquistas da


comunidade LGBT ao redor do globo, motivados pela consagração
e expansão dos Direitos Humanos, expressos na Carta das Nações
Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos
tratados internacionais de Direitos Humanos, os quais reiteram
exaustivamente que “todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e direitos”, descriminalizaram a homossexualidade
e passaram a repudiar e penalizar a LGBTfobia, como apresenta
recente relatório da ILGA (International Lesbian, Gay, Bisexual,
Trans and Intersex Association), que primeiramente demonstra as
três etapas para que os direitos LGBTQs sejam reconhecidos, quais
sejam: “a descriminalização da homossexualidade, a proteção
(com leis antidiscriminação e medidas afirmativas de inclusão)
e o reconhecimento de direitos, como a adoção ou o casamento
homoafetivo, por exemplo”. Em seguida, o relatório apresenta os
42 países que, dentre os membros da Organização das Nações
Unidas (ONU), prevê um preceito secundário para o tipo penal
genericamente definido como LGBTfobia, incluindo as agressões
e ofensas motivadas pela diversidade sexual e de gênero da
vítima, real ou suposta.

Oportuno registrar que o Brasil passou a figurar entre


esses países através de recente decisão judicial, proferida pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento conjunto
da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26
e do Mandado de Injunção (MI) 4733, devido a mora do Poder

506
Legislativo em editar lei capaz de frear a intolerância contra
membros da comunidade LGBTQ, que posicionou o nosso país
no primeiro lugar entre os países que mais matam Travesti e
Transexual no mundo, diminuindo a expectativa de vida desses
grupos para 35 anos, enquanto o resto da população é vive, em
média, 75 anos.

Em contrapartida, muitos são os países que, além de


não conferir proteção à população LGBTQ, ainda aplicam
severas sanções para as relações homossexuais, isto é, pune-se
gravemente, inclusive com pena de morte, àquelas pessoas que
não se amoldam ao conceito pré-concebido de família, com a
finalidade unicamente reprodutiva, imposto pela Igreja, ao longo
de séculos, onde o intuito do casamento se baseia exclusivamente
na reprodução e, por conseguinte, ampliação dos números de
fiéis

Exemplificando os países que criminalizam a


homossexualidade, o ILGA, através do levantamento Homofobia
de Estado, verificou que o número atual é de 68 países, variando
a pena entre multa e prisão perpétua, ou, ainda, em casos mais
severos, como o Irã, a Arábia Saudita ou o Sudão, a pena de morte.

Ainda em relação ao relatório Homofobia de Estado,


publicado em 2019, pelo ILGA, pode-se inferir significativo avanço
em comparação com o último, publicado em 2017. Ou seja, a
redução da criminalização da homossexualidade passou de 72
para 70 países, mas ainda mais importante é o fato de que um
dos Estados que retirou a tipificação das relações homoafetivas da
sua lei penal foi a Índia. Em outras palavras, o segundo país mais
populoso do mundo e aquele que detém a maior democracia,
deixou de punir atos sabidamente naturais. Logo, a população
homo e transexual que vivia sob perseguição, em face da lei assim
determinar, apresentou efetiva diminuição, saindo de 74% em
1969, para 41%, antes da alteração da legislação indiana, sendo,
atualmente, de 23%.

Educação em Direitos Humanos (EDH)

Então, nos restam alguns questionamentos, pois como é


possível uma onda de universalização dos direitos humanos e uma

507
união dos Estados para combater atrocidades, como as verificadas
no nazismo, coexistir com elevados índices de homotransfobia?
Ademais, como afirmamos que o Brasil é um país multifacetado,
organizador da maior Parada do Orgulho LGBT do mundo e o
que mais mata Travestis e Transexuais? Ou ainda, quais fatores
corroboram para que a alteração da legislação dos Estados ou até
mesmo da jurisprudência dominante (onde a homossexualidade
e a transexualidade deixaram de ser consideradas atitudes
criminosas, recebendo especial proteção, expressa na punição
dos atos de homotransfobia) não tenha sido eficaz no combate à
intolerância e preconceito à diversidade sexual e de gênero que
assola a vida cotidiana de todos os membros da comunidade
LGBTQ ao redor do mundo? E, por fim, se existem políticas
públicas de combate a LGBTfobia no Brasil e no mundo, por que
não cumprem o papel para o qual foram criadas de forma efetiva?

Para responder às questões suscitadas acima, debrucemo-


nos sobre o ponto crucial e a forma mais eficaz de gerar pessoas
conscientes e respeitosas às diferenças sexuais e de gênero, ou
seja, a criação de uma cultura universal de direitos humanos
somente se torna possível com a educação, sobretudo a Educação
em e para os Direitos Humanos.

Neste momento, passamos a analisar a previsão legal


da EDH no nosso ordenamento jurídico, afinal, este é o único
meio efetivo de construirmos uma nação pluralizada e livre da
homotransfobia.

Muitos são os documentos que expressam a centralidade e


a importância da EDH, traçando metas, objetivos, diretrizes e até,
no âmbito pedagógico, expressando como essa forma de educar
deve ser. Entre eles temos: a Constituição Federal, em seu artigo
214, inciso V, o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014);
o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)
(BRASIL, 2007) e o Programa Nacional de Direitos Humanos
(PNDH-1, BRASIL, 1996) (PNDH-2, BRASIL, 2002) (PNDH-3, BRASIL,
2009).

Definindo-se a Educação em Direitos Humanos, o Plano


Nacional de Educação em Direitos Humanos assim o faz:

508
a disseminação de valores solidários, cooperativos e de
justiça social, uma vez que o processo de democratização
requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que seja
capaz de identificar anseios e demandas, transformando-as
em conquistas que só serão efetivadas, de fato, na medida
em que forem incorporadas pelo Estado brasileiro como
políticas públicas universais. (PNEDH, 2007, p. 26).

Dessa forma, tem-se o entendimento de que o conhecimento


dos nossos direitos é fundamental para o exercício e exigência
dos mesmos, bem como para aquisição de nossa cidadania, isto
é, nosso “direito a ter direitos” (Arendt, 1991, p. 22), e essa noção
somente torna-se possibilitada com a efetiva Educação em e para
Direitos Humanos. Assim afirma Norberto Bobbio:

Uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-


lo efetivamente. A linguagem dos direitos tem
indubitavelmente uma grande função prática, que é
emprestar força particular às reivindicações dos movimentos
que demandam para si e para outros a satisfação de
novos crescimentos materiais e morais; mas ela se torna
enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o
direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido.

Não obstante, compreendemos que a educação deve ser


norteada pelos valores que compõe a sociedade na qual esteja
inserida, respeitando sempre a dignidade da pessoa humana e a
diversidade ou multiculturismo existente dentro da mesma, nessa
linha também propõe o PNEDH (BRASIL, 2007, p. 25):

A educação em direitos humanos é compreendida como


um processo sistemático e multidimensional que orienta
a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes
dimensões: a) apreensão de conhecimentos historicamente
construídos sobre direitos humanos e a sua relação com
os contextos internacional, nacional e local; b) afirmação
de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a
cultura dos direitos humanos em todos os espaços da
sociedade; c) formação de uma consciência cidadã capaz
de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e
político; d) desenvolvimento de processos metodológicos

509
participativos e de construção coletiva, utilizando
linguagens e materiais didáticos contextualizados; e)
fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem
ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção
e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação
das violações. Sendo a educação um meio privilegiado na
promoção dos direitos humanos, cabe priorizar a formação
de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal
e não-formal, abrangendo os sistemas de educação, saúde,
comunicação e informação, justiça e segurança, mídia,
entre outros.

E, o mesmo documento, propõe a educação inclusiva,


voltada para questões relativas a gênero e orientação sexual, ao
estabelecer suas metas:

9. fomentar a inclusão, no currículo escolar, das temáticas


relativas a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião,
orientação sexual, pessoas com deficiências, entre outros,
bem como todas as formas de discriminação e violações
de direitos, assegurando a formação continuada dos(as)
trabalhadores(as) da educação para lidar criticamente com
esses temas (BRASIL, 2007, p. 33).

Depreende-se, portanto, que a Educação em Direitos


Humanos está visceralmente ligada à temática da inclusão
e respeito às diversidades, sejam elas quais forem, afinal o
conhecimento é capaz de modificar o pensamento de toda
uma nação, vez que onde há conhecimento inexiste ignorância
e, por consequência, não sobra espaço para o preconceito e a
intolerância. Confirmando esse pensamento são as palavras de
Antônio Rodrigues Neto e Ana Cláudia dos Santos Rocha (ROCHA;
NETO, 2017, p. 221):

Dessa forma, educar em gênero e diversidade sexual


(difundindo pedagogicamente informações acerca da
temática) é, também, um meio de se educar em direitos
humanos, porque esta representa uma educação inclusiva e
democrática, pautada no respeito à diferença e na interação
entre políticas públicas de igualdade e políticas públicas de
identidade.

510
Logo, compreende-se a urgência da EDH, voltada a atender
as diversas demandas sociais que, por vezes, são desconhecidas da
maior parte da população e, por essa razão, motiva a intolerância
e o preconceito em larga escala, como supracitado.

Conclusão

Partindo-se do pressuposto de que a Educação em Direitos


Humanos deve sempre colaborar para reafirmação e efetivação
dos Direitos Humanos, bem como seguir a evolução de nossa
sociedade, é compreensível que o ensino deve respeitar as
diferenças existentes dentro da sala de aula, ou seja, o direito à
diferença deve ser unânime, afinal, se esse é o intuito da EDH,
voltada a temática de gênero e sexualidade, não poderia ser outra
a proposta.

Além disso, com o presente trabalho, concluímos que a EDH


deve ser iniciada no ensino básico e prolongada até os bancos das
universidades, demonstrando o quão plural somos e que não há
nada de incomum, menosprezável ou diminuto em, por exemplo,
ser LGBTQ.

Tanto é assim que o documento do Governo Federal,


denominado “Gênero e Diversidade na Escola” preleciona o “olhar
transdisciplinar” à EDH voltada ao ensino do gênero, sexualidade
e orientação sexual.

Espera-se, portanto, que uma prática educativa de


enfrentamento das desigualdades e valorização da
diversidade vá além, seja capaz de promover diálogos, a
convivência e o engajamento na promoção da igualdade.
Não se trata, simplesmente, de desenvolver metodologias
para trabalhar a diversidade e tampouco com “os diversos”.
É, perspectiva do respeito à diversidade e de construção da
igualdade, contribuindo para a superação das assimetrias
nas relações entre homens e mulheres, entre negros/
as e bancos/as, entre brancos/as e indígenas, entre
homossexuais e heterossexuais e para a qualidade da
educação para todos e todas. (2009, p. 34).

Por fim, nunca nos desviemos do combate à todas as formas

511
de discriminação e preconceito, lembrando sempre que o ponto
inicial para superação de toda a intolerância, expressa em diversas
formas de violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis,
transexuais etc., é a Educação em Direitos Humanos, voltada a
diversidade sexual e de gênero. Somente dessa forma viveremos
em uma sociedade com equidade de direitos e oportunidades,
com justiça e respeito à dignidade da pessoa humana, inerente à
cada um de nós.

Não deixemos, portanto, que ideias retrógradas,


fundamentalistas e conservadoras excluam a possibilidade de
progredirmos enquanto sociedade, na luta que cabe a cada
um de nós, defensores do direito à igualdade, conscientes da
pluralidade que nos cerca e crentes na Educação em Direitos
Humanos como forma, única e exclusiva de efetivar os Direitos
Humanos construídos historicamente e moldados à feição do
multiculturalismo e diferenças que nos tornam humanos.

Referências

BRASIL, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos/ Comitê


Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério
da Justiça, UNESCO, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/U8Jq86>.
Acesso em 30 de agosto de 2019.

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Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

BRASIL, Gênero e Diversidade na Escola – Formação de Professas/


es em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações Étnico-
Raciais. Livro de conteúdo. Versão 2009. - Rio de Janeiro: CEPESP;
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Acesso em 30 de agosto de 2019.

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nº 1.904, de 13 de maio de 1996. Disponível em: <https://goo.gl/
eLG6f8>. Acesso em 30 de agosto de 2019.

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Decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002. Dispõe sobre o Programa

512
Nacional de Direitos Humanos – PNHD, instituído pelo Decreto nº
1.904, de 13 de maio de 1996, e dá outras providências. Disponível
em: <https//goo.gl/p5s6td>. Acesso em 30 de agosto de 2019.

BRASIL, Programa Nacional de Direitos Humanos (PNHD-3) /


Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República. Brasília: SEDH/PR, 2009. Disponível em: <https://goo.
gl/44pr6t>. Acesso em 30 de agosto de 2019.

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus,


2002.

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Ministério dos Direitos Humanos, 2018. Disponível em:
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agosto de 2019.

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Disponível em <https://ilga.org/downloads/ILGA_State_Sponsored_
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20 anos. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/ciencia/7-
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Acesso em 30 de agosto de 2019.

ÉPOCA. Reduzida por homicídios, a expectativa de vida de um


transexual no Brasil é de apenas 35 anos. Disponível em: <https://
epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/01/reduzida-por-homicidios-
expectativa-de-vida-de-um-transexual-no-brasil-e-de-apenas-35-
anos.html>. Acesso em 30 de agosto de 2019.

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VECCHIATI; VIANA. LGBTI E O SISTEMA INTERAMERICANO DE


DIREITOS HUMANOS: A construção da cidadania internacional

513
arco-íris. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/
artigos/?cod=a3f66d3a6aab9fa2>. Acesso em 30 de agosto de
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Sexualidade e Direitos Humanos, 2010. Princípios sobre a aplicação
da legislação internacional de direitos humanos em relação à
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www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.
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CAMBAÚVA. Diversidade sexual e identidade “trans”: modificação


do prenome e adequação do estado sexual como proteção
jurídica à identidade de gênero. Disponível em: <http://www.
revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.
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Disponível em: <https://www.academia.edu/23736237/
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514
A educação em Direitos Humanos
como instrumento de efetivação da Liberdade
Religiosa e combate à intolerância

Isabela Corrêa Marcos1


Thais de Souza Redoval Moura2

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma
análise crítica a respeito da intolerância religiosa no Brasil
como problemática jurídica e, sobretudo, social, buscando-
se demonstrar que a educação em direitos humanos constitui
um instrumento eficaz para a proteção do direito humano
fundamental à liberdade religiosa, bem como de prevenção e
combate à intolerância nesse sentido. A pesquisa justifica-se em
razão do amplo quadro de intolerância religiosa existente no
Brasil, sendo que violação da liberdade de religião decorre de
resquícios históricos de uma fase confessional do país, em que o
catolicismo predominava como religião oficial, de modo que as
demais crenças só eram permitidas de forma reservada, momento
em que, inclusive, era vedada a construção de templos religiosos
que não os católicos. Além disso, o multiculturalismo decorrente
do processo de imigração e a desinformação de uma sociedade
alienada que carece de base educacional em direitos humanos,
são fatores significativos que contribuem para a formação de
cidadãos intolerantes. Isto posto, considerando a dignidade da
pessoa humana, a liberdade de crença, de culto, de consciência
e de organização religiosa, este artigo objetiva, notadamente,
fomentar o entendimento da importância do investimento em
políticas públicas que visem a educação em direitos humanos
para a formação de uma sociedade mais fraterna e tolerante.

Palavras-chave: direitos humanos; educação; liberdade religiosa;


intolerância.

1. marcosisabela_1999@hotmail.com
2. thais-redoval@hotmail.com
Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) – Araçatuba/SP, Brasil

515
Introdução

Atualmente, é facilmente verificável na sociedade brasileira


violações aos direitos humanos, estes podem ser entendidos como
um conjunto de garantias fundamentais para uma vida digna,
sendo assegurados à todas as pessoas pelo simples fato de serem
humanas. Dentre os direitos humanos há o direito à liberdade
religiosa, considerado como humano e também fundamental,
termos que ao longo do trabalho serão conceituados.

O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de diversas


legislações em seus textos constitucionais e instrumentos
internacionais garantias ao direito à religião, apesar disso a
intolerância religiosa existe e é uma realidade no país. Dessa
forma, o presente artigo aborda a problemática da intolerância
religiosa, bem como evidencia fatores históricos que contribuíram
para tal prática e, ainda, expõe uma contextualização do passado
nesse sentido, deixando claro como ele possui influência e deixa
vestígios nas questões sociais.

Fazer-se-á uma análise do multiculturalismo no país,


que compreende uma diversidade cultural elevada, derivada
do processo de imigração e como isso interfere no que tange a
liberdade religiosa.

Ainda que consagrada em numerosos instrumentos de


proteção, nota-se que sua efetividade não é satisfatória. Portanto,
a realidade acaba por se diferir em muitos aspectos, uma vez que
não basta apenas a previsão em lei, mas sim, apresentar uma
efetividade concreta.

Para a elaboração deste artigo foram utilizadas pesquisas


em artigos científicos, notícias, estatísticas sociais, entre outras
referências bibliográficas a fim de abordar as particularidades
a respeito da liberdade religiosa, com o propósito de encontrar
uma solução adequada para a questão.

Fatores históricos que contribuem para a intolerância


religiosa no Brasil

O modelo democrático que temos hoje, o qual garante o

516
respeito à liberdade de crenças e muitos outros direitos é uma
conquista do Estado de Direito, que se deu com a promulgação
da Constituição Federal de 1988. Porém, o Estado laico se deu
com a publicação da Constituição Republicana de 1891. Segundo
Roberto Arriada Lorea (2011, p. 1), a laicidade pode ser definida
como:

[...] o regime de convivência no qual o Estado se legitima


pela soberania popular e não mais por algum poder divino,
não é contra as religiões. Ao contrário, o Estado laico não
discrimina por motivos religiosos, não afirma nem nega a
existência de Deus, tampouco estabelece hierarquia entre
as milhares de crenças professadas no país, relegando essa
questão à liberdade de consciência de cada cidadão.

Daniel Sottomaior faz a seguinte colocação em seu livro


intitulado “O Estado Laico”(2014, p.15):

Segundo o dicionário Priberam, o adjetivo “laico” se refere


a ”quem não pertence ao clero ou não fez votos religiosos”;
é sinônimo de “leigo” e “secular”, antônimo de “eclesiástico”
e “religioso”. Esse Estado, que não pertence ao clero e não
faz votos religiosos, que não é eclesiástico nem religioso,
que não privilegia nem desfavorece qualquer posição com
relação à religião, esse é o Estado Laico[...]

Outrora à decretação do Estado laico, o Brasil tinha como


religião oficial o catolicismo. Durante essa fase confessional,
a Igreja Apostólica Romana e o Estado possuiam uma relação
estreita, pois a igreja desempenhava tarefas administrativas, tais
como registro de óbito, casamento e nascimento. Ao passo que o
Estado executava funções que hoje são da igreja, como nomeação
de bispos (PINTO, 2019). O Estado e a Igreja se separaram
formalmente após a proclamação da República em 1889.

Na Constituição Federal de 1824 em seu artigo 5º dizia que “a


Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião
do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu
culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem
fórma alguma exterior do Templo.” Logo, pela Constituição de
1824 dava-se o direito de liberdade de crença, mas restringindo a

517
liberdade de culto.

A Constituição de 1891, em seu artigo 72, § 3º, diz que


“todos os individuos e confissões religiosas podem exercer
pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e
adquirindo bens, observadas as disposições do direito commum.”
Verifica-se que essa previsão foi seguida por todas as Constituições
posteriores. Ainda neste artigo, entretanto no §5º, disciplina que
os cemitérios não teriam mais qualquer vínculo com a igreja,
sendo administrados pelo Poder Municipal.

Os cemiterios terão caracter secular e serão administrados


pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos
religiosos a pratica dos respectivos ritos em relação aos seus
crentes, desde que não offendam a moral pública e as leis.

É inegável afirmar que o passado deixa marcas que


influenciam até os dias atuais. A exemplo disto vemos,
habitualmente, a veiculação de notícias quanto à violação
dos direitos humanos no tocante à liberdade de crença, culto,
consciência, organização religiosa e, acima disto, à dignidade da
pessoa humana (PEREIRA, 2017, p.02), como por exemplo uma
idosa candomblecista de 65 anos, moradora de Nova Iguaçu,
agredida à pedradas quando resolveu se impor diante de ofensas
proferidas por uma vizinha por conta de sua religião (G1 RIO, 2017)
ou uma jovem de 15 anos, também candomblecista e vítima de
ofensas por parte de estudantes dentro da sala de aula em uma
escola pública de São Gonçalo/RJ (EXTRA, 2017).

Para demonstrar como o passado possui influência em


nossa realidade é possível fazer uma alusão com a desigualdade
de gêneros, que é fruto de um passado em que o homem era o
chefe da família e a mulher era considerada relativamente incapaz,
em consequência disto precisava de autorização de seu marido
ou pai para praticar atos da vida civil.

De acordo com o IBGE (2010), as estatísticas revelaram


que houve um crescimento da diversidade religiosa, apesar
disso o catolicismo ainda é predominante. Mesmo com a
pluralidade religiosa existente hoje em nosso país, a população
tem dificuldade de aceitar e respeitar as minorias. As que mais

518
sofrem discriminação são a umbanda, candomblé e evangélica,
conforme número de denúncias registradas em 2018 (CORREIO
BRAZILIENSE, 2018).

O Poder Legislativo Brasileiro protege as minorias com base


na ratificação do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, que ocorreu
em 1992, em seu artigo 27 (VIEIRA; BRITO, 2014):

Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou


lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não
poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com
outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de
professar e praticar sua própria religião e usar sua própria
língua.

A existência desta pluralidade religiosa no Brasil está


relacionada ao processo de imigração, que se iniciou com as tribos
indígenas. De acordo com o Dicionário do Aurélio, imigrante é
definido como: “Que ou quem imigra ou se estabelece em região
ou país diferente do seu”, ou seja, indivíduos que saem do seu país
de origem e se estabelecem em outro. Desta forma, cada povo
que ingressa no território brasileiro traz consigo seus costumes,
valores culturais, religião e forma de pensar, contribuindo para
essa diversidade cultural que é emblemática.

Liberdade Religiosa como Direito Humano fundamental:


Marcos Normativos

O advogado José Barcellos Mathias (apud CARVALHO,


2017) interpreta os direitos fundamentais como aqueles previstos
na Constituição Federal à medida que os direitos humanos têm
previsão em âmbito internacional, como por exemplo a Declaração
Universal de Direitos Humanos e os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos. Veja:

O termo direitos fundamentais se aplica para aqueles


direitos do ser humano reconhecidos e positivados na
esfera do direito constitucional positivo de um determinado
Estado, ao passo que a expressão direitos humanos
guardaria relação com os documentos internacionais por
referir-se aquelas posições jurídicas que se reconhecem ao

519
ser humano como tal, independente de sua vinculação com
determinada ordem internacional, e que, portanto, aspiram
a validade universal, para todos os povos e tempos de tal
sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional
(internacional).

Seguindo essa linha de pensamento e considerando que a


liberdade religiosa está positivada na Constituição Federal, pode-
se afirmar que é, portanto, um direito fundamental da pessoa
humana.

A respeito da Constituição Federal, seu preambulo em si não


é juridicamente relevante, mas deve ser usado como um elemento
de interpretação para a diversidade de artigos que lhe seguirão.
Ele deve servir como uma fonte de interpretação para acabar
com as obscuridades que podem surgir no tempo, mas não deve
ser usado como forma de declarar normas inconstitucionais. Ao
analisa-lo nota-se que não vem para proteger e garantir direitos a
todos os cidadãos, mas para demonstrar seus objetivos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em


Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL.

O preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como


documento de intenções do diploma, e consiste em uma
certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma
proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com
o ordenamento constitucional anterior e o surgimento
jurídico de um novo Estado. (MORAES, Alexandre, livro
Direito Constitucional, 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003. pag.
39)

520
A seguir tem previsão em seu artigo 5º, inciso VI, na qual
dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias” (BRASIL, 1988),

Nesta redação é possível identificar três direitos distintos,


mas que possuem uma interdependência complexa, quais sejam:
liberdade de consciência, crença e culto.

Teresinha Inês Teles Pires (2012), Promotora de Justiça do


Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), faz a
seguinte colocação em um de seus artigos:

O aspecto subjetivo do direito à liberdade de consciência


e de crença, como já adiantado, associa-se aos direitos à
intimidade, à identidade e à formação da personalidade,
e seu aspecto objetivo, à garantia da neutralidade estatal,
que, diante do livre exercício de profissões religiosas, deve
abster-se de favorecer a prevalência de uma doutrina
específica no âmbito do espaço público.

Com tais colocações é possível concluir que o Estado nos


assegura a liberdade de escolher uma religião ou não, como
por exemplo os ateus, que exercem a liberdade religiosa de
forma negativa, significa dizer que eles se abstêm de adotar ou
seguir uma religião (PEREIRA, 2017). Além disso, a liberdade de
culto garante a possibilidade de professar atos característicos de
manifestações religiosas, sejam elas em público ou não. “O direito
de culto é o que garante que os cidadãos poderão manifestar
suas crenças livremente, podendo externar suas convicções e
materializá-las” (VIEIRA; BRITO, 2014).

Ainda no artigo 5º, porém, no inciso VIII, a Constituição


Federal (1988) prevê que

ninguém será privado de direitos por motivo de crença


religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta
e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

521
Ademais, a liberdade religiosa encontra-se disposta
também em ordem internacional, na Declaração Universal de
Direitos Humanos (1948), sendo este “o primeiro documento
internacional a incluir o direito de ter e praticar uma religião como
um dos direitos fundamentais dos seres humanos” (EGHRARI,
2007, p. 02), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969,
promulgado pelo decreto no 678, de 6 de novembro de 1992
e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, um
tratado firmado pela Organização das Nações Unidas em 1966,
que fortaleceu o direito à liberdade de religião, promulgado pelo
decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Dessa maneira, enquanto
positivada em documentos internacionais pode-se ser classificada
como direito humano.

Artigo XVIII. Todo ser humano tem direito à liberdade de


pensamento, consciência e religião; este direito inclui a
liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática,
pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
(DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS, 1948)

Artigo 12. Liberdade de Consciência e de Religião:

§1º Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e


de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar
sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de
crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua
religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto
em público como em privado.

§2º Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que


possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou
suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.

§3º A liberdade de manifestar a própria religião e as


próprias crenças está sujeita unicamente às limitações
prescritas pelas leis e que sejam necessárias para proteger a
segurança, a ordem, a saúde ou moral pública ou os direitos
ou liberdades das demais pessoas.

522
§4º Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a
que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa
e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.”
(CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS,
1992).

Artigo 2º, §1º. Os Estados Partes do presente pacto


comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos
que se achem em seu território e que estejam sujeitos a
sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto,
sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo.
língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, situação econômica, nascimento
ou qualquer condição. (PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, 1966)

Todos os direitos ora explicitados estão intrinsicamente


ligados à um princípio fundamental, qual seja o da dignidade da
pessoa humana, positivado na Constituição Federal logo em seu
primeiro artigo, amparando o Estado na interpretação e aplicação
das leis.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Denota José Afonso Da Silva (1998, p. 91) em sua obra “A


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO VALOR SUPREMO DA
DEMOCRACIA”:

Portanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação


constitucional, pois ela é um desse conceitos a priori, um
dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como
a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a
sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor
supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil constituída
em Estado Democrático de Direito. (SILVA, p. 91, 1998)

523
Educação em Direitos Humanos como instrumento de
combate a Intolerancia Religiosa e papel do Estado

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos


(2019) divulgou em seu balanço anual que no ano de 2018 foram
registradas mais de 500 denúncias de casos de intolerância
religiosa.

Não há dúvidas de que a convivência social em Estados


multiculturais, como são os latino-americanos, tem como
custo o respeito e a tolerância à diversidade religiosa. Em
países com tamanha heterogenia religiosa, como o Brasil,
a intolerância e a perseguição religiosa são ainda mais
inadmissíveis. Por isso, o olhar para a educação em direitos
humanos na América Latina precisa estar centrado no
cultivo de uma nova mentalidade de respeito e tolerância
religiosa, onde independente da religião que se adote,
dos dogmas em que se acredite, da convicção religiosa
que se tenha ou até mesmo se deixa de ter, haja o devido
e necessário respeito ao próximo e às suas crenças, não
por ele ser cristão, evangélico, católico, judeu, islamita ou
mulçumano, mas simplesmente por se tratar de um ser
humano. (PEREIRA, 2017, p. 69)

Visto que temos uma vasta gama de direitos que protegem


a liberdade de escolha, culto e manifesto à qualquer religião, os
números apontam uma outra realidade, portanto, observa-se que
não basta apenas a previsão em lei, mas sim a efetividade desta
em si.

Com base nisso, Jorge Miranda (2000, p. 409, aput FERREIRA,


1998) afirma que não basta o Estado apenas decretar a proteção
destes direitos, como também fornecer condições para que estes
se efetivem concretamente:

A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a


ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir
de professar determinada crença. Consiste ainda, por um
lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir
determinada religião o cumprimento dos deveres que dela
decorrem (em matéria de culto, e família ou de ensino, por

524
exemplo) em termos razoáveis.

As escolas são de fundamental importância e devem ser


observadas como um espaço de construção do indivíduo, sendo
este espaço seu primeiro contato para com as relações sociais,
ou seja, interação com outros grupos existentes na sociedade.
(VALDAMERI, 2018). No artigo 210 da Constituição Federal tem-se
uma previsão de ensino religioso nas escolas, como professa:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino


fundamental, de maneira a assegurar formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais
e regionais.
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental.

Tem-se a previsão para ensinar estudantes do ensino


fundamental sobre a diversidade de religiões e também sobre
as mais variadas formas de pensamento. Saliente-se que essa
previsão constitucional deve então se adequar nas diversas formas
de pensamentos, vistos que o país é laico e nele se manifesta as
mais variadas formas de religião dentro os limites permitidos em
lei. Isto é, tem previsão constitucional, porém um professor para
se manifestar sobre uma religião deve ser como um juiz imparcial,
já que ele não deve se expressar tão somente sobre uma crença ou
ensinar que aquela religião é algo impróprio ou errado, pois sua
função é lecionar e, de maneira alguma, exprimir suas convicções
pessoais.

Temos então de forma destacada que primeiramente


não se poderá instituir apenas o ensino religioso de uma única
religião e nem sequer impor aos alunos uma doutrina religiosa.
Segundamente, a Constituição também prevê que essa matéria
seja facultativa, tendo em vista que existem pessoas que não
adequam-se a nenhuma forma de fé, ou seja, garantindo liberdade
ao ateísmo e agnosticismo.

Enfatiza a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

525
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte
integrante da formação básica do cidadão e constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo.

Aproveitando o adendo em relação a educação, a sociedade


carente de estudo em direitos humanos consiste em um problema
social e, acima de tudo, jurídico. Assim, como já demonstrado,
o papel do Estado é de suma importância para dar efetividade à
legislação que trata da liberdade de religião, logo uma ferramenta
eficaz para tal é educar a sociedade para que seja mais fraterna e
tolerante. Maria Victoria Benevides em seu trabalho denominado
“Educação em Direitos Humanos: de que se trata?” (2007, p. 05 e
06) expõe:

Que efeitos queremos com esse processo educativo?


Queremos uma formação que leve em conta algumas
premissas. Em primeiro lugar, o aprendizado deve estar
ligado à vivência do valor da igualdade em dignidade e
direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento
de sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade.
Ao mesmo tempo, a educação para a tolerância se impõe
como um valor ativo vinculado à solidariedade e não
apenas como tolerância passiva da mera aceitação do
outro, com o qual pode-se não estar solidário. Em seguida, o
aprendizado deve levar ao desenvolvimento da capacidade
de se perceber as conseqüências pessoais e sociais de cada
escolha. Ou seja, deve levar ao senso de responsabilidade.
Esse processo educativo deve, ainda, visar à formação do
cidadão participante, crítico, responsável e comprometido
com a mudança daquelas práticas e condições da sociedade
que violam ou negam os direitos humanos. Mais ainda, deve
visar à formação de personalidades autônomas, intelectual
e afetivamente, sujeitos de deveres e de direitos, capazes
de julgar, escolher, tomar decisões, serem responsáveis
e prontos para exigir que não apenas seus direitos, mas
também os direitos dos outros sejam respeitados e
cumpridos.

526
Ao Estado cabe investir em políticas públicas socioeducativas
para a promoção de educação em direitos humanos. Neste
sentido, Luciano Meneguetti Pereira (2017, p. 57) manifesta:

A intensificação da globalização, o pluralismo cultural e a


proliferação de diversas religiões pelo mundo, impõe aos
Estados e aos poderes públicos a adoção de posturas e
medidas que visem salvaguardar os direitos protegidos,
o que deve ocorrer inclusive, por meio da adoção de leis
específicas e políticas públicas destinadas à plena proteção
da liberdade religiosa, capazes de assegurar a efetividade
do exercício dessa liberdade, bem como coibir toda forma
de intolerância, discriminação e outras ofensas.

Eloisa De Mattos Höfling (2001) em sua obra define políticas


públicas da seguinte maneira:

Políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em


ação” (Gobert, Muller, 1987, apud HÖFLING, 2001, p. 31); é
o Estado implantando um projeto de governo, através de
programas, de ações voltadas para setores específicos da
sociedade.

Cabe ao governo, na destinação de recursos para a


educação, dispô-los de mesmo modo para a ampliação do ensino
em direitos humanos, isto através de um projeto que deve ser
arquitetado com muita cautela observando as condições do país
e verbas necessárias para tal. Este projeto de governo deve visar
uma mudança cultural através do espaço escolar para que as
crianças e adolescentes já cresçam com a consciência e cultura
de respeito para com seu próximo e também saibam que seus
direitos estão protegidos.

Onde podemos educar em direitos humanos? Temos várias


opções, com diferentes veículos e estruturas educacionais.
Podemos fazer uma escolha, dependendo dos recursos e
das condições objetivas, sociais, locais e institucionais, de
cada grupo, de cada entidade. Há que distinguir entre as
possibilidades da educação formal e da educação informal.
Na educação formal, a formação em direitos humanos será
feita no sistema de ensino, desde a escola primária até a

527
universidade. Na educação informal, será feita através dos
movimentos sociais e populares, das diversas organizações
não-governamentais – ONGs – , dos sindicatos, dos
partidos, das associações, das igrejas, dos meios artísticos,
e, muito especialmente, através dos meios de comunicação
de massa, sobretudo a televisão. (BENEVIDES, 2007, p. 06)

Conclusão

Em termos conclusivos, a violação à liberdade religiosa no


Brasil, em sua grande parte, é um efeito colateral de um passado
confessional em que não se permitia professar crença diversa
da adotada oficialmente pelo país, bem como da pluralidade de
religiões em nossa sociedade, devido ao processo de imigração,
logo temos a necessidade de uma cultura de tolerância.

É notório que somente a positivação em termos de


liberdade religiosa como direito humano e fundamental não é
suficiente para que esta conquiste seu devido respeito. Dessa
forma, com base no objetivo do trabalho que pretendeu analisar a
intolerância religiosa nos dias atuais, apresentar indícios históricos
que à justifiquem e encontrar uma saída, a solução mais plausível
é o Estado intervir nestes conflitos religiosos através da educação.

Faz-se necessário uma mudança na mentalidade dos


cidadãos para que entenda seus direitos e possam exercê-los
livremente e, consequentemente, cumprir com seus deveres,
quais sejam os de respeitar o direito do outro e suas escolhas de
consciência e foro íntimo pelo simples fato de se tratar de um ser
humano.

Investir em políticas públicas aptas à educar a sociedade


em direitos humanos é o mais sensato instrumento que o
Estado pode adotar, pois só assim haverá uma mudança cultural
que busca consolidar o respeito e tolerância entre aqueles que
possuem ideologias teológicas opostas.

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531
Educação em Direitos Humanos: uma forma de
combate a discriminação contra os Migrantes1

Ana Cláudia dos Santos Rocha2

Resumo

Com o aumento do fluxo de migrações forçadas
internacionais nas últimas décadas, envolvendo grupos que se
deslocam por razões variadas, as discriminações em face desses
indivíduos também passou a aumentar em distintas partes do
globo, no qual rechaços em razão da etnia, da origem, da cultura
e, dentre outros fatores, fazem com que os migrantes passem a
ter seus direitos humanos violados com maior constância. Diante
dessa realidade, a educação em direitos humanos torna-se uma
importante medida para modificar a visão e postura dos órgãos de
Estado, bem como da população local sobre os pontos positivos
da migração. Para o desenvolvimento da presente investigação
tem por escopo a analise, por meio de uma metodologia
qualitativa e dedutiva, calcada em pesquisa bibliográfica e
exploratória, as normas de direito internacional e brasileira sobre
os migrantes econômicos e os refugiados, focando a situação
de vulnerabilidade social desses indivíduos, tendo-se por base
doutrinas, tratados internacionais, legislação pátria, sites oficiais
e não oficiais. Concluiu-se que enquanto o direito a educação é
efetivado, mesmo que de modo nem sempre a incluir eficazmente
os migrantes internacionais de forma homogênea, a educação
em direitos humanos é algo ainda incipiente e pouco tratada no
meio escolar. A menos que haja um trabalho conjunto com todos
os profissionais da educação, familiares e o próprio estudante
migrante forçado, refrear as discriminações e xenofobia se torna

1. Eje temático: Educación en Derechos Humanos y Diversidades.


2. advaclaudia@gmail.com. Professora Adjunta no Curso de Direito da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas (CPTL). Doutora em Educação
pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Mestre em Direito pela
Universidade Metropolitana de Santos. Especialista em Direito e Gestão Empresarial
pela Associação de Ensino e Cultura do Mato Grosso do Sul.

532
um trabalho árduo.

Palavras-chave: Migração. Educação. Direitos Humanos.

Abstract

With the increase in the flow of international forced


migration in the last decades, involving groups that move for
different reasons, the discrimination against these individuals also
began to increase in different parts of the world, in which rejections
due to the ethnicity, the origin, the culture and, among other
factors, cause migrants to have their human rights violated with
greater constancy. Faced with this reality, human rights education
becomes an important measure to modify the vision and posture
of state organs as well as the local population on the positive
aspects of migration. For the development of this research has
as its objective the analysis, through a qualitative and deductive
methodology, based on bibliographic and exploratory research,
the norms of international and Brazilian law on economic migrants
and refugees, focusing on the situation of social vulnerability
of these individuals, having based on doctrines, international
treaties, national legislation, official and unofficial websites. It
was concluded that while the right to education is enforced,
even if not always effectively including international migrants in
a homogeneous way, human rights education is still incipient and
little addressed in the school environment. Unless there is joint
work with all education professionals, family members and the
migrant student himself, curbing discrimination and xenophobia
becomes hard work.

Key-words: Migration. Education. Human Rights.

Contexto

Os movimentos migratórios não são um fenômeno recente


na história da humanidade, contudo, no século XXI algumas
características marcantes passaram a fazer parte dos deslocamentos,
dentre as quais está a denominada migração mista.

As migrações mistas “contemplam, a um só tempo, a


mobilidade de migrantes [econômicos e por outras razões] e de

533
refugiados”3, em que as motivações que levam ao deslocamento
são variadas e se dão em função de guerras, desastres ambientais,
questões econômicas, perseguições políticas, religiosas e raciais,
deslocando-se muitas vezes de forma irregular.

Além disso, vem se percebendo uma migração não apenas


sul- norte, ou seja, uma movimentação de indivíduos oriundos de
países pobres e subdesenvolvidos em direção a Estados centrais,
ricos e desenvolvidos, como também de uma migração sul-sul e
intrarregional, sendo esse o caso de migrantes na “América Latina
e no Caribe [dos quais] em 2013, 64 por cento dos migrantes
internacionais [...] estavam vivendo na grande área em que eles
nasceram”.4

Hodiernamente há um crescente aumento de migrações


em distintas partes do planeta, dantes até então sem precedentes,
em que a somatória de deslocados no ano de 2018 chegou a
um total de 70,8 milhões, dos quais 25,9 milhões era composto
por refugiados e outros 3,5 milhões de solicitantes de refúgio5,
superando a marca anterior de 40 milhões após a Segunda Guerra
Mundial, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas
(ACNUR).6
Numa mescla de situações que desencadeiam as migrações,
esses milhões de indivíduos passam a ter em comum a dificuldades
em viver dignamente no local onde escolherem viver, seja dentro
do próprio Estado (deslocados internos) ou em outros países
(migrantes, solicitantes de refúgio e refugiados).

Um dos motivos principais para os obstáculos vivenciados é


a discriminação, que segundo as Nações Unidas tem relação com

3. JAROCHINSKI SILVA, João Carlos. BÓGUS, Lucia Maria Machado. GIMENEZ, Stéfanie
Angélica. Os fluxos migratórios mistos e os entraves à proteção aos refugiados. Revista
bras. Est. Pop., Belo Horizonte, v.34, n.1, p.15-30, jan./abr. 2017, p. 17.
4. BARTLETTI, Lesley. RODRÍGUEZ, Diana. OLIVEIRA, Gabrielle. Migração e educação:
perspectivas socioculturais. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1155, dez.,
2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v41nspe/1517-9702-ep-41-spe-1153.
pdf. Acesso em: 01 jun. 2019.
5. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Refúgio em Números. 4ª Edição.
Disponível em: https://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/refugio-em-numeros.
Acesso em: 23 ago. 2019.
6. ACNUR. Dados sobre o Refúgio. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/dados-
sobre-refugio/. Acesso em: 15 mar. 2019.

534
Movimentos extremistas racistas baseados em ideologias
que buscam promover agendas populistas e nacionalistas
[e que] estão se espalhando em várias partes do mundo,
alimentando o racismo, a discriminação racial, a xenofobia
e a intolerância correlata, muitas vezes visando migrantes e
refugiados, bem como pessoas afrodescendentes.7

Para além da questão racial, outras intolerâncias


são vivenciadas pelos migrantes em função da origem, da
religião, da etnia, da cultura, bem como de outros fatores que
mitigam a inclusão social na sociedade em que se encontram,
independentemente da região do globo.

No caso do Brasil, país por muito tempo reconhecido como


cordial e acolhedor, também vem experimentando situações que
configuram ora discriminação, ora racismo, ora preconceito, em
face de nacionais e, mais recentemente, também de xenofobia
contra os não nacionais, sejam migrantes econômicos ou
solicitantes de refúgio e refugiados, em que

[...] a repulsa ao estrangeiro, a xenofobia, revela o traço comum


a discriminações que incluem, de acordo com o grupo,
racismo (no caso de africanos e haitianos) e intolerância
religiosa (especialmente no caso de muçulmanos e adeptos
de religiões de matriz africana).8

A título de exemplo, durante o VII Fórum Social Mundial


sobre Migrações, ocorrido na cidade de São Paulo no ano de 2016,
foi relatado grande comoção diante da notícia do menino sírio
Aylan Kurdi, que faleceu numa praia da Turquia ao tentar, com sua
família, chegar ao continente europeu. Contudo, o representante
da Organização Não Governamental (ONG) ADUS informou que,
apesar de receberem várias ligações com o escopo ajuda aos
refugiados no Brasil, os “doadores” deixavam claro que o dinheiro
deveria ser destinado tão somente aos sírios, não podendo ser

7 NAÇÕES UNIDAS BRASIL. ONU e a luta contra a discriminação racial. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/acao/discriminacao-racial/. Acesso em: 05 jun. 2019.
8. FARAH, Paulo Daniel. Combates à xenofobia, ao racismo e à intolerância. Revista USP:
São Paulo, nº 114 - julho/agosto/setembro de 2017, p. 14.

535
aplicado para os indivíduos provenientes do continente africano,9
numa clara ação de racismo contra os refugiados da África negra,
tais como angolanos, congoleses e bengaleses.

Diante dessa realidade, a Secretaria Especial de Direitos


Humanos do governo federal, informou que cresceu nos
últimos anos não somente o número de solicitantes de refúgio
e refugiados no país, mas também de denúncias de xenofobia e
intolerância religiosa no Brasil. Violações dos direitos de migrantes
e refugiados, ou seja, atos xenófobos, aumentaram 633% em 2014
e 2015 (330 denúncias foram acolhidas em 2015, contra 45 no ano
anterior). O então secretário de Direitos Humanos, Rogério Sottili,
citou como exemplos perseguições contra haitianos, palestinos e
nordestinos que vão para o sul do país.10

Para coibir tais posturas,

Uma escola pública do bairro do Pari, zona central de São


Paulo, tem utilizado a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) como base para projetos que visam ao
combate à discriminação contra migrantes e refugiados,
que representam 21% do total de 574 alunos da unidade
hoje considerada modelo de integração.11

Para suplantar os impedimentos à fruição de direitos


individuais, sociais e coletivos, diante de discriminações perpetradas
pelo próprio Estado e/ou sua população, a principal arma a ser
utilizada pelo Estado e pela sociedade civil é a educação, que para
além de ser considerada um direito social, tem relação estreita
com os direitos da pessoa humana, estando consubstanciada em
tratados internacionais e na legislação nacional de grande parte
dos Estados soberanos.

9. HAYDU, Marcelo. Membro da Organização Não Governamental ADUS, em Mesa


Redonda sobre Refugiados no Brasil realizada no VII Fórum Social Mundial sobre
Migrações em 08 de julho de 2016 na Faculdade Zumbi dos Palmares, São Paulo/SP.
10. O GLOBO. Denúncias de xenofobia no Disque 100 crescem 633% em 2015. Disponível
em:https://oglobo.globo.com/brasil/denuncias-de-xenofobia-no-disque-100-crescem-
633-em- 2015-18554954. Acesso em: 08 jun. 2019.
11. NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Em SP, escola usa Declaração dos Direitos Humanos para
combater xenofobia e discriminação entre alunos. Disponível em: https://nacoesunidas.
org/em-sp-escola-usa-declaracao-dos-direitos-humanos-para- combater-xenofobia-e-
discriminacao-entre-alunos/. Acesso em: 04 jun. 2019.

536
Problema

O direito à educação é reconhecido universalmente


como direito humano que deve ser gozado por todos,
independentemente da condição nacional, social, religiosa
ou outro fator de distinção que possa levar a situações de
discriminação, preconceito, racismo ou xenofobia.

No caso específico dos migrantes (econômicos ou não), “la


educación permite a todos los sujetos, en mayor o en menor medida,
la posibilidad de formarse en aquellos valores que permiten una
mejor integración dentro de la sociedad en la que habitan”.12

Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) enfatiza que a educação
é “uma ferramenta essencial para combater preconceitos,
estereótipos e a discriminação. Se forem mal planejados, os sistemas
educacionais podem promover representações negativas, parciais,
excludentes ou depreciativas de imigrantes e refugiados”.13

Apesar de um grande número de tratados internacionais


abordar a educação como um direito de todos – a exemplo da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, artigo
26; do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, de 1966, artigo 13, nº.1 e 2; a Declaração Mundial sobre
Educação para Todos (Conferência de Jomtien), de 1990, artigo 1º,
4; e no caso específico de crianças e adolescentes a Declaração
dos Direitos da Criança de 1959, que traz em seu princípio 7 e; a
Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, artigo 28 – na
prática, poucas são as políticas públicas existentes no que tange a
integração social no país que os recepciona, via educação.

Ademais, além de políticas educacionais que incluam


os migrantes internacionais nos sistemas de ensino e,
consequentemente, o integrem a sociedade, entende-se necessário
também que alunos e profissionais da educação estejam receptivos

12. ESTER SÁNCHEZ, Antonio Tirso. El Pluralismo como Fundamento de la Educación


Multicultural In: Quaestio Iuris, vol.11, nº. 01, Rio de Janeiro, 2018. p. 395.
13. UNESCO. Relatório de monitoramento global da educação, resumo, 2019: migração,
deslocamento e educação: construir pontes, não muros, p. 10. Disponível em: https://
unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000265996_por. Acesso em: 17 mai. 2019.

537
a acolher tais pessoas, apresentando-se a educação em direitos
humanos, nos moldes do Plano Nacional de Direitos Humanos
(PNDH) e do Plano de Ação do Programa Mundial para Educação
em Direitos Humanos, como instrumento hábil para tal mister.

Métodos

O presente trabalho tem como objetivo analisar, por meio de


uma metodologia qualitativa, descritiva e exploratória, a importância
da educação em direitos humanos, no combate as discriminações
perpetradas em face dos migrantes, especialmente os que se
deslocam forçadamente para além das fronteiras de seus países.

Neste interim, pauta-se a pesquisa na valorização dos sujeitos,


ou seja, analisar a migração internacional em seus contextos,
práticas e experiências. Discutindo o tema por meio de processos
sociológicos, psicológicos e culturais, portanto, com enfoques
multidisciplinares.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados para o desenvolvimento


estão calcados em doutrinas, tratados internacionais, legislação
brasileira, sites oficiais e não oficiais sobre a temática.

Assim, adotou-se como instrumento de coleta de dados, a


pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica.

A pesquisa documental segundo Lüdke e André14 inclui o


levantamento e análise de quaisquer materiais escritos, como por
exemplo, leis, tratados, jornais e revistas, cartas, pareceres etc.

Pautou-se a pesquisa documental no contexto social em que


foi produzido o documento, seu(s) autor(es), a autenticidade e a
confiabilidade do texto, sua natureza e seu conceito-chave, nos
moldes preceituados por Cellard.15

14. LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.


São Paulo: EPU, 1986, p. 38.
15. CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean. A pesquisa qualitativa
Enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

538
A pesquisa bibliográfica, por seu turno, refere-se a pesquisa
em doutrinas da área jurídica e afins, acerca do tema.

Procedimentos

A investigação é baseada numa orientação teórica, cujos


dados recolhidos são predominantemente descritivos, sendo
feita análise sobre a realidade atual relacionando-a com as
normas internacionais e nacionais sobre o direito a educação e a
educação em direitos humanos para a coibição de discriminações
e inserção dos migrantes a sociedade local.

Desta feita, adotou-se como procedimento de análise


destes dados a análise de conteúdo, procedendo-se a pré-análise;
a exploração do material; o tratamento dos resultados; a inferência
e a interpretação.16

Discussões

A Educação vem sendo tratada como um direito social


desde o século XIX, estando relacionada a busca da igualdade
que caracteriza os direitos da Segunda Geração ou Dimensão.
Desde então, distintos instrumentos internacionais, bem como
a legislação nacionais dos Estados vêm tratando esse direito como
fundamental para o desenvolvimento humano.

No Brasil este direito apenas foi reconhecido como um


direito social na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º,
de forma genérica, sendo tratado de modo detalhado nos artigos
205 e 206 e incisos, prevendo, respectivamente, que:

Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e


da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.

16. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Tradução de Luís A. Reto e Augusto Pinheiro.
5ed.Lisboa: Edições 70, 2009, p.121.

539
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
I. igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola;
II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III. pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas
e coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino;
IV. gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais;
V. valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na
forma da lei planos de carreira para o magistério público,
com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente
por concurso público de provas e títulos;
VI. gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII. garantia de padrão de qualidade.17

Com base no acesso e permanência nas escolas e no gozo


de um ensino de qualidade, “[...] los padres provenientes de países
pobres o en desarrollo suelen ver en la educación una instancia
generadora de oportunidades y, a medio plazo, una vía de ascenso
social [...],”18 passando as escolas a serem consideradas pelos
migrantes

[…] como instancias de cuidado que son, constituyen la


primera y única institución de socialización con la que
interactúan los refugiados, pudiendo proporcionarles una
fuente estable de apoyo en tanto se adaptan a una nueva
sociedad. Cumplen funciones de prevención en todo tipo de
desórdenes y ayudan a mejorar la resiliencia en niños y jóvenes,
con la ventaja añadida en los programas de intervención
educativa (poco abundantes) de tener en cuenta factores
culturales y contextuales.19

17. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado


Federal, 1988.
18. REGO, Miguel A. Santos (Coord.) RUIZ ROMÁN, Cristóbal. BALLESTER BRAGE Lluis.
Migraciones y Educación: claves para la reconstrucción de la ciudadanía. SITE 2017:
Educación para la vida ciudadana en una sociedad plural, p. 4.
19. Ibidem, p. 5.

540
Contudo, conforme destaca Antonio T. Ester Sánchez, “el
sistema educativo que opera dentro de un determinado Estado
constituye un reflejo más o menos fidedigno del tipo de gobierno
imperante”.20 Desse modo, o combate as discriminações, racismos
e xenofobia, varia conforme a realidade jurídico, político e social
de cada país.

Vale aqui fazer um parêntesis para tratar a discriminação,


o racismo, o preconceito e a xenofobia, tendo em vista que
“preconceito, racismo e discriminação são, portanto, o resultado
da intolerância à diferença existente no outro”21 em que a
“discriminação é a exteriorização do preconceito”22, podendo tais
situações existirem com relação aos nacionais e não nacionais.

Simone Savazzoni sintetiza a definição dos três primeiros,


diferenciando-os do seguinte modo:

O preconceito e sua disposição em julgar os homens


por causa da diferença; o racismo, com sua prepotência
ideológica, que pretende tornar alguns superiores a outros;
e a discriminação, conduta injusta por excelência, dão vazão
a determinadas atitudes que conduzem ao desequilíbrio
das relações humanas.23
No que tange à xenofobia, a Organização Internacional
para as Migrações (OIM), estabelece-a como:

Odio, repugnancia u hostilidad hacia los extranjeros. En


el ámbito internacional no hay una definición aceptada
de xenofobia aunque puede ser descrita como actitudes,
prejuicios o conductas que rechazan, excluyen y, muchas
veces, desprecian a otras personas, basados en la condición

20. ESTER SÁNCHEZ, Antonio Tirso. El sentido de la enseñanza de los derechos humanos
en la sociedad democrática. In: Dikaisonave - Revista de filosofía práctica Grupo de
Investigaciones Filosofía, Derecho y Sociedad Centro de Investigaciones Jurídicas.
Facultad de Ciencias Jurídicas y Políticas. Universidad de los Andes: Mérida/Venezuela.
Diciembre 2015, Año 18. Nº 30, p. 83.
21. SAVAZZONI, Simone de Alcântara. Preconceito, Racismo e Discriminação. Revista do
Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 12, n. 12, 2015, p. 40.
22. VITORINO, Cleide Aparecida. VITORINO, William Rosa Miranda. Xenofobia: política de
exclusão e de discriminações. Revista Pensamento Jurídico – São Paulo – Vol. 12, Nº 2,
jul./dez. 2018, p. 96
23. SAVAZZONI, Simone de Alcântara. Op. cit., p. 42.

541
de extranjero o extraño a la identidad de la comunidad, de
la sociedad o del país. Hay una relación muy estrecha entre
racismo y xenofobia, términos difíciles de separar.24

Uma das dificuldades no combate a tais exclusões está


justamente no fato de que,

Debemos tratar de ver el interculturalismo más allá de una


perspectiva multicultural, pues plantea un enfoque positivo,
un modelo de relaciones entre las culturas, que sitúa la
interacción cultural como un hecho educativo en sí mismo […]
hay que potenciar la responsabilidad y el respeto, y desarrollar
una educación no discriminatoria, orientada a la igualdad de
las personas y de sus posibilidades de realización.25

Mas o respeito à cultura, religião e costumes do outro passa


pela educação em direitos humanos, no qual deve-se incentivar a
participação conjunta do Poder Público e da sociedade civil, nas
diferentes esferas educacionais, com o escopo de conciliar o que,
a priori, é fator de rechaço, visando uma nova forma de pensar e
agir com relação ao outro/estrangeiro.26

No caso do Brasil, a Lei nº 13.445/2017, também conhecida


como Nova Lei de Migração (NLM), traz como um de seus pontos
fortes a garantia de direitos e proteção dos estrangeiros contra
discriminação.

Mas para coibir as intolerâncias em face dos migrantes


estrangeiros, necessário não apenas a educação formal, mas uma
educação em direitos humanos, tendo em vista que:

La enseñanza de los derechos humanos en las escuelas sería


realmente positiva para la construcción de una nueva sociedad
en la que no sólo se tuviera en cuenta la filosofía que inspira

24. OIM. Organização Internacional para a Migração. Glosario sobre Migración. nº 7.


Ginebra, 2006.
25. FERNANDEZ BATANERO, J.M. La presencia de alumnos inmigrantes en las aulas: un reto
educativo. Educación y Educadores. Volumen 7. Universidad de la Sabana, Facultad de
Educación. 2004, p. 42-43.
26. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA (MEC). Disponível em:<http://portal.
mec.gov.br/>. Acesso em: 13 jun. 2013.

542
su reconocimiento jurídico, sino que también se diluyeran
los tratos discriminatorios en consideración a las supuestas
diferencias humanas, raciales, culturales, ideológicas y de
cualquier índole que llevasen a una tajante separación entre
los seres humanos.27

Essa formação é de suma importância tendo em vista que

La desigual distribución de la población extranjera en el


territorio ha dado pie a dos de las principales líneas de
investigación sobre población extranjera: la segregación
espacial del conjunto de la población y la segregación escolar.
La segregación escolar se refiere al grado con el que dos o más
grupos asisten a la escuela de forma diferenciada en un área
geográfica específica.28

Exemplo dessa realidade é a França, onde há classes ou


mesmo escolas específicas para crianças migrantes, em situação
de refúgio ou não, sem se aterem às necessidades especiais desse
grupo vulnerável, numa nítida segregação entre nacionais e
não nacionais. Essa situação pode influir direta e negativamente
tanto no desempenho dos estudantes, quanto nas chances de se
trabalhar os direitos humanos em sala. O Brasil em contrapartida
coíbe situação similar em seu território, uma vez que a legislação
nacional não faz diferença, no campo educacional, entre os
nacionais e migrantes internacionais.

Não obstante, percebe-se que além de se tratar do direito


a educação, primeira etapa com o acesso e permanência nas
instituições de ensino, deve-se abordar também a educação em
direitos humanos, numa etapa subsequente com o escopo de
tratar os valores e respeito à dignidade humana de forma global
e continuada, preparando os migrantes para se sentirem e agirem

27. BELLVER CAPELLA, Vicente. La educación de acuerdo con los derechos humanos. In:
MARTÍNEZ MORAL, N.; MARCOS DEL CANO, A. JUNQUERA DE ESTÉFANI, R. (Coord.),
Derechos Humanos: problemas actuales. Estudios en homenaje al Profesor Benito de
Castro Cid, vol. I, Universitas, Madrid: España, 2013, p. 284 – 285.
28. REGO, Miguel A. Santos (Coord.) RUIZ ROMÁN, Cristóbal. BALLESTER BRAGE Lluis.
Migraciones y Educación: claves para la reconstrucción de la ciudadanía. SITE 2017:
Educación para la vida ciudadana en una sociedad plural, p. 9.

543
como cidadãos no dia-a-dia, o que é o mais complicado, razão
pela qual se faz necessário ocupar-se inclusive da

[…] propio lenguaje de la regulación normalmente establecida


para proceder a la aplicación del derecho a la educación, que
puede resultar en determinados casos un tanto ofensiva para la
propia persona del inmigrante, contribuyendo cuando así sucede
a la acentuación de su proceso de baja estima o desvalorización
general. Esta situación ocurre, por ejemplo, cuando se utilizan la
expresión “alumnos con necesidades educativas especiales”, u
otras expresiones semejantes, sobre las que se trata de estructurar
la educación compensatoria que reclama la necesidad de
adaptar el sistema educativo a las particulares condiciones
lingüísticas o culturales de los inmigrantes.29

Vale frisar que o exercício da cidadania se conecta ao princípio


da dignidade da pessoa humana, princípio jurídico esse tido como
um dos mais importantes do ordenamento jurídico pátrio30, e

Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento


dos indivíduos como pessoa integrada na sociedade estatal.
Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará
submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-
se com o conceito de soberania popular, com os direitos
políticos e com o conceito de dignidade da pessoa humana,
com os objetivos da educação, como base e meta essencial
do regime democrático.31

Desse modo, deve-se trabalhar em conjunto o direito a


educação com a educação em direitos humanos, para que

la educación en la tolerancia constituye el camino a seguir


para garantizar una sociedad más libre y respetuosa. Pero eso
no impide reconocer que a la idea de tolerancia le subyace

29. ESTER SÁNCHEZ, Antonio Tirso. El Pluralismo como Fundamento de la Educación


Multicultural In: Quaestio Iuris, vol.11, nº. 01, Rio de Janeiro, 2018. p. 388.
30. “Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: [...] II - Cidadania; III - A dignidade da pessoa humana [...]. BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
31. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros
Editores, 1992. p.96.

544
un planteamiento en cierto modo jerárquico de los sujetos
implicados, tolerante y tolerado.32

Essa medida é de grande relevância, pois

El hecho de que en la actualidad las aulas tengan alumnos


social y culturalmente plurales exige que la enseñanza que en
ellas se imparta esté desde luego muy bien informada y que
los maestros encargados de su impartición tengan la mente
abierta a la posibilidad de que se produzca en ocasiones un
razonable desacuerdo acerca del valor que se pueda atribuir a
los presupuestos culturales de cada individuo.33

Aliás, distintos são os países que têm de lidar com essa


dificuldade, dentre os quais a Espanha, França e o Brasil, em que os
entraves nessa seara dizem respeito desde ao desconhecimento
das dificuldades dos migrantes em fase escolar, problemas
cognitivos, desconhecimento do idioma do país receptor por
parte do migrante e/ou dos agentes públicos em relação a língua
do migrante, além de outros equívocos perpetrados, seja pelo
Poder Público, trabalhadores dos setores privado e mesmo pela
população, de modo geral.

Diante dessa realidade Sanchez ressalta que

Se defiende, por tanto, que un proyecto educativo que tenga


en sus planes de estudios las garantías exigibles a todas las
personas sin discriminación cultural, garantiza un mejor
desarrollo en el avance del reconocimiento de los derechos de
los inmigrantes.34

Fica evidente que é preciso educar em/para direitos

32. ESTER SÁNCHEZ, Antonio Tirso. El Pluralismo como Fundamento de la Educación


Multicultural In: Quaestio Iuris, vol.11, nº. 01, Rio de Janeiro, 2018, p. 88.
33. ESTER SÁNCHEZ, Antonio Tirso El sentido de la enseñanza de los derechos humanos
en la sociedad democrática. In: Dikaisonave - Revista de filosofía práctica Grupo de
Investigaciones Filosofía, Derecho y Sociedad Centro de Investigaciones Jurídicas.
Facultad de Ciencias Jurídicas y Políticas. Universidad de los Andes: Mérida/Venezuela.
Diciembre 2015, Año 18. Nº 30, p. 87.
34. ESTER SÁNCHEZ, Antonio Tirso. El Pluralismo como Fundamento de la Educación
Multicultural In: Quaestio Iuris, vol.11, nº. 01, Rio de Janeiro, 2018. p. 395.

545
humanos, tanto na educação formal (desde os níveis iniciais da
escola) como não formal, propiciando às pessoas a consciência
de que são sujeitos de direito, fomentando reflexões acerca de
violência e paz, preconceito, discriminação, racismo, autoestima,
dinâmicas de convivência, reconhecimento das diferenças, entre
outros elementos aptos a formação para a cidadania, fraternidade,
solidariedade e construção de uma cultura de paz.35

Somente dessa forma poder-se-á propiciar que o migrante


possa verdadeiramente ser e se sentir cidadão. Para que isso possa
ocorrer efetivamente, a temática deve ser trabalhada dentro e fora
de sala de aula, pois “eles [os alunos/as] não têm a menor noção
do que é cidadania, do que significa lutar por alguma coisa [...]
Seus interesses são imediatos”.36

Mas para despertar o alunado, necessário a sensibilização,


formação e capacitação dos profissionais da educação para trabalhar
com os migrantes internacionais, tais como: o conhecimento do
idioma materno do alunado estrangeiro; diferença entre refugiado
e migrante econômico; dentre outros pontos, bem como habilita-
los para atuar com a educação em direitos humanos, algo que
ainda não ocorre em âmbito nacional.

Do mesmo modo, deve-se alterar a estrutura escolar, ainda


engessada, tendo em vista que

Na maior parte das vezes, o único que se consegue é


introduzir no currículo formal alguns conteúdos. Outra coisa
se torna muito difícil, pois a maneira de se conceber a cultura
escolar já de alguma forma, entra em choque coma cultura
dos direitos humanos.37

35. SACAVINO, Suzana; CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação em direitos humanos: temas,
questões e propostas. Petrópolis: DP et al., 2008.
36. SACAVINO, Susana. CANDAU, Vera Maria. ARAÚJO, Cinthia M. de et. al. Sociedade,
direitos humanos e cidadania: desafios para a educação no Brasil. In: SACAVINO,
Susana. CANDAU, Vera Maria (orgs.). Educação em Direitos Humanos. Temas, questões
e propostas. Petrópolis: DP et al., 2008, p. 46.
37. CANDAU, Vera Maria. Educação em direitos humanos e formação de professores/as.
In: SACAVINO, Susana. CANDAU, Vera Maria (orgs.). Educação em Direitos Humanos.
Temas, questões e propostas. Petrópolis: DP et al., 2008, p. 81.

546
Vale ressaltar que para os migrantes, em situação de refúgio
ou não,

El concepto tradicional de educación ha ido transformándose


hacia un nuevo enfoque influenciado por el fenómeno
migratorio fruto de la globalización mundial que conlleva la
confluencia de individuos culturalmente diversos procedentes
de otros países y que ha obligado a reconstruir los sistemas
educativos de forma progresiva fundamentalmente en
aquellas sociedades en donde se experimenta un acelerado
crecimiento de población extranjera con culturas y tradiciones
propias que pudieran entrar en colisión con el modo de pensar
prevalente en las sociedades de acogida.38

Essa transformação é crucial, inclusive com o reconhecimento


das diferenças culturais, para adequar a realidade sociopolítica
e econômica do Estado receptor ao migrante internacional,
independentemente da situação em que se encontra, isto é
regular ou irregular, migrante econômico ou solicitante de refúgio
e refugiado, tendo em vista que o migrante tende a contribuir
não apenas culturalmente, mas também no campo econômico,
pontos positivos da migração muitas vezes esquecidos pelo
próprio Estado e pela população do país de acolhida.

Resultados

Enquanto o direito a educação, como um direito social,


costuma ser efetivado, mesmo que de modo nem sempre a incluir
eficazmente os migrantes internacionais de forma homogênea, a
educação em direitos humanos é algo ainda incipiente e pouco
tratada no meio escolar e na sociedade como um todo.

Além do desconhecimento sobre as distintas formas de


migração internacional, envolvendo o migrante econômico, o
solicitante de refúgio o refugiado e até o apátrida, dentre outras
formas de migração forçada, ignora- se a importância de se educar

38. ESTER SÁNCHEZ, Antonio Tirso. “Las alternativas existentes en la realización del
derecho a la educación en las sociedades multiculturales”. Quaestio Iuris vol. 09, nº. 04,
Rio de Janeiro, 2016. p. 2055.

547
em direitos humanos, tanto no que tange aos nacionais quanto
aos não nacionais.

Desse modo, mediante a educação e, em especial a educação


em direitos humanos é possível combater as discriminações
e xenofobia, elaborar currículos que permita inserir o outro/
migrante internacional, bem como criar igualdade de condições
e dar oportunidade em diversas searas.

Contudo, a menos que haja um trabalho conjunto entre o


Poder Público, os profissionais da educação, familiares e o próprio
estudante migrante, refrear as discriminações contra os migrantes
será um trabalho árduo e com pouca efetividade.

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551
Educação Inclusiva e Diversidade
Uma questão dos direitos humanos

Jessica Fernanda Esteves Vieira1

Resumo

A presente pesquisa surgiu como proposta de promoção
ao debate que se faz necessário sobre a efetivação da educação
inclusiva e da diversidade, sob a perspectiva dos Direitos Humanos.
O trabalho possui como metodologia uma natureza básica
descritiva com abordagem qualitativa e pautou-se em revisão de
literatura fundamentada em obras, artigos de periódicos e em
documentos oficiais de governo. O texto busca fazer uma análise
e revisão dos contextos históricos, além de captar a historicidade
sobre tal temática ao analisar obras e teores documentais sobre
a educação inclusiva e diversidade no rol Direitos Humanos.
Com efeito, é necessário está sempre em alerta para que esses
direitos indispensáveis e conquistados a duras penas, sobretudo
a partir do holocausto da segunda grande guerra mundial não
sejam constantemente ameaçados por aqueles que se dizem
representantes do povo, porém apenas querem alcançar o poder
por capricho e fetiche desfilando seus ódios, rancores e temores
às classes pobres e as minorias já amplamente castigadas.

Palavras-chave: educação; inclusão social; diversidade.

Introdução

Desde que foi proclamada em 1948 a Declaração Universal


dos Direitos Humanos (DUDH) sempre tem estado debaixo
de alguma polémica. A sua aspiração de consagrar direitos
“universais” tem sido repetidamente desafiada por críticas que
sublinham as circunstâncias de tempo e de espaço em que esta
declaração foi concebida.

1. jessica.fernandaevieira@gmail.com
Afiliação: Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

552
Estas críticas colocam em discussão a parcialidade e a relatividade
dos direitos humanos tal como foram entendidos e proclamados
na declaração e assim reduzir-lhes o impacto, ao tornarem-nos
fruto de uma conjuntura e mera expressão de um conjunto de
circunstâncias.

Parece inequívoco que a DUDH atribui à educação um


estatuto que não é a de um simples direito (“Toda a pessoa tem
direito à educação…”), mas também lhe atribui o papel de ser uma
ferramenta, um meio, para que todos os outros direitos proclamados
na declaração sejam desenvolvidos e efetivados (“A educação
deve visar (…) o reforço dos direitos humanos…”). Este duplo
papel da educação enquanto direito em si próprio e em meio
indispensável para que se concretizem todos os outros direitos é
extraordinariamente ambicioso e responsabilizador. Desafia-nos
a conceber um sistema educativo que possa cumprir aquilo que a
declaração proclama e que cada país subscreveu: uma educação
que para além de ser verdadeiramente universal possa contribuir
decisivamente para concretizar todos os outros direitos humanos.

Se a educação deve “reforçar os direitos humanos (…),


as liberdades (…) e favorecer a compreensão, a tolerância e a
amizade (…)”, será que ela se pode organizar fora dos valores da
inclusão? Pareceria muito estranho que pudesse ser favorecida
a “compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
todos os grupos raciais ou religiosos” sem que estes desideratos
pudessem ser desenvolvidos fora de uma perspectiva inclusiva.

É absurdo pensar que se pode encorajar o conhecimento da


diferença criando os ambientes restritivos e homogêneos. Como se
poderia conhecer e compreender o outro limitando o convívio com
a diversidade? Lembraria a este propósito que a inclusão tem como
base princípios educacionais, a valorização da aprendizagem de
todos os alunos num mesmo contexto educacional (agrupamento,
escola, turma), sendo por isso fundamental que a escola possa
diversificar os conteúdos, as estratégias e as experiências de
aprendizagem para que ninguém fique privado da melhor
educação a que tem direito.

553
Direitos Humanos

Os Direitos Humanos (DH), de maneira geral, sob a ótica,


muitas vezes do senso comum, além de pouco conhecidos e
debatidos ainda está envolto de concepções arcaicas e cobertas
de interpretações levianas e perigosas. Deste modo, o Estado
de Direitos não se consolida numa sociedade que desconhece,
desrespeita e viola os Direitos Humanos. A abordagem e os
avanços de compreensão sobre o tema Direitos Humanos
permanecem prejudicados e deturpados no seio da opinião
pública devido a manipulação ensejada pela mídia perversa ou
por alguns oportunistas da tribuna de vozes. É de interesse dessas
classes que o obscurantismo e a visão distorcida sobre os Direitos
Humanos continuem, pois, isso é pedra base para a continuação
das profundas desigualdades sociais e a prevalência da enorme
distância existente entre os extremos (base e o topo) da pirâmide
socioeconômica. Daí a necessidade das distorcidas interpretações
dos Direitos Humanos serem vinculadas à defesa e proteção da
violência e da criminalidade.

É racional lembrar que os Direitos Humanos são conquistas


na luta por melhores condições de vida da humanidade. A história
de luta por garantia dos Direitos Humanos vem desde os tempos
mais remotos da vida em sociedade.

Todavia, a conquista desses direitos se deu, sobretudo,


com a fundação do Estado-Nação, pós-Revoluções Americana
(1776) e Francesa (1789). Direitos Humanos, dizem respeito,
essencialmente, às conquistas de meios necessários à
manutenção da vida e, muito mais, da vida vivida com dignidade.
Ao longo da historicidade dos direitos humanos, é perceptível
sua inserção e inscrição nos textos constitucionais mediante a
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela
Assembléia Nacional Francesa, em 1789, Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948) e, para nós brasileiros, grande parte
desses direitos está inserida na Constituição Federal de 1988 que
determina e caracteriza o Estado Constitucional de Direitos.

Os direitos humanos são universais, históricos e


interdependentes. Por outro lado, os direitos do cidadão
são aqueles atribuídos individualmente como membros

554
de dada sociedade, nacionalidade. Mas, Duguit sustenta
que os diretos do cidadão não são distintos dos direitos do
homem. (FARIA, 2003, p. 54).

Conforme Soares (1998), os Direitos Humanos são indivisíveis


e interdependentes na medida em que são acrescentados aos
outros direitos fundamentais da pessoa humana não podendo
mais serem fracionados ou direcionados para um grupo, classe
social, indivíduos, etnia ou a qualquer outro, separadamente.

Os Direitos Humanos são classificados em primeira,


segunda, terceira e quarta gerações. Os direitos humanos de
primeira geração são os direitos civis e políticos surgidos no final
do século XVIII pós-Revoluções Americana e Francesa. São direitos
individuais fundamentados no contratualismo do Estado liberal.
São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como
direitos naturais, uma vez que antecedem o contrato social. Esses
direitos foram formalizados contra o poder absoluto do Estado de
tudo poder fazer, inclusive, sem leis regulamentadoras ou com leis
próprias de um tirano. A formalização desses direitos possibilitou
a liberdade de associações que formaram, posteriormente, os
partidos políticos e os sindicatos e demais agremiações (LAFER,
1991, p. 127).

Os Direitos Humanos de segunda geração, ou direitos


socioeconômicos surgiram a partir do século XX, como
reivindicação do “bem-estar social”. Esses direitos são a garantia
de trabalho, saúde, educação, segurança civil etc. São direitos a
serviços públicos que o indivíduo como sujeito ativo deve exigir
do Estado que os faça cumprir.

Vale ressaltar que os Diretos Humanos e os demais direitos


são interdependentes, sobretudo com os direitos e garantias de
proteção social e trabalhista. Estes foram reconhecidos como
dever do Estado desde a promulgação da Constituição Francesa
de 1848, no período que ficou conhecido como o da Revolução
Social na Europa em função da onda de movimentos sociais
por melhorias e garantias de leis trabalhistas. Contudo, esses
direitos sociais considerados como um legado do socialismo,
somente vai estar presente nos textos constitucionais no século
XX, como consequência das Revoluções: Mexicana, Russa, e com

555
a Constituição de Weimar, em 1919 (CASTEL, 2005; LAFER, 1991;
FARIA, 2003).

Os Direitos Humanos de Terceira e quartas gerações são


direitos cujo titularidade pertence a coletividade. Neste sentido,
esses Direitos Humanos têm como titular sujeitos diferentes do
indivíduo, isto é, são grupos humanos como o povo, a família,
a associação, o sindicato, a nação, coletividades regionais e a
própria humanidade como um todo (LAFER, 1991).

A universalização e abrangência dos Direitos Humanos vão


se dá a partir do fim da 2ª Guerra Mundial devido ao aumento
da quantidade de bens merecedores de tutela; a extensão da
titularidade de alguns direitos humanos típicos a sujeitos diversos
do homem individual, os direitos da coletividade. Daí por diante,
surgiram, gradativamente, diversas declarações de direitos
humanos destinados às minorias e categorias de pessoas, como
da criança, do doente mental, do doente físico, da mulher etc
(BOBBIO, 1992a).

Retornando ao pensamento de Faria (2003), diversos


pensadores têm desenvolvido inúmeras teorias com o objetivo
de justificar e esclarecer os fundamentos dos direitos humanos.
Destacando-se entre essas teorias a jusnaturalista, a positivista e a
moralista.

Conforme Faria (2003), a jusnaturalista fundamenta os


Direitos Humanos em uma ordem superior universal, imutável
e inderrogável, são de caráter natural e estão presentes na
consciência de cada ser humano. Deste modo, os direitos
humanos não são criação de legisladores, tribunais ou juristas. Em
contrapartida, a teoria positivista busca sedimentar a existência
dos direitos dentro de uma ordem normativa como legítima
manifestação da soberania popular. Neste sentido, apenas aqueles
direitos expressamente previstos e definidos no ordenamento
jurídico positivado devem ser considerados como direitos
humanos. Por último, a teoria moralista fundamenta a existência
dos direitos humanos na própria experiência e consciência
moral de um determinado povo. A formulação de leis tem como
base a observação da conduta e da prática consuetudinária dos
indivíduos e das coletividades.

556
É fato que a abordagem acerca de direitos humanos tem sido
exaustivamente produzida nos meios acadêmicos, nas associações
de bairros, lideranças comunitárias, mecanismos e representações
governamentais, Organizações Não-Governamentais (ONGs),
organismos internacionais, constituições dos países, enfim, num
amplo leque de considerações oficiais e não oficiais. A guisa de
exemplo, a Constituição brasileira de 1988 traz, em seu artigo
5º, 77 incisos, 24 alíneas e dois parágrafos, com referências aos
direitos e deveres individuais e coletivos. Desses direitos cinco são
destacados: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade. Estes direitos figuram como principais ou
fundamentais.

Os demais direitos enunciados nos outros incisos


constitucionais são derivações desses Direitos fundamentais
universais e inalienáveis (BRASIL, 1988). Com efeito, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada pelas Nações
Unidas, em 10 de dezembro de 1948, em Paris, logo após o
holocausto (Segunda Guerra Mundial) foi resultado de uma
complexa correlação de forças políticas. Sabe-se que por ocasião
da Segunda Guerra Mundial, os países capitalistas se aliaram a
então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS contra
o avanço das forças nazi-fascistas. Todavia, após 1945, houve a
bipolaridade pela qual o mundo foi dividido em dois blocos: o
dos países capitalistas, liderados pelos EUA e o bloco dos países
socialistas, liderados pela ex-URSS, consolidando o processo da
chamada “Guerra Fria”.

A DUDH, aprovada em 1948, teve como inspiração originária


a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada
pela Assembléia Nacional Constituinte Francesa, em 26 de agosto
de 1791. Nesta Declaração os direitos naturais, inalienáveis e
sagrados do homem, foram definidos e previstos. Na realidade, os
Direitos Humanos e demais direitos de cidadania estão descritos,
definidos e fundamentados numa multiplicidade de documentos,
o problema, como acentua Bobbio (1992a, p. 25), trata-se de
saber “qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir
que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente
violados.”

557
Educação Inclusiva e diversidade na perspectiva dos direitos
humanos

Com efeito, os Direitos Humanos são prerrogativas


garantidoras dos demais direitos da sociedade, inclusive do direito
à educação inclusiva e a diversidade, setores historicamente
prejudicados, sobretudo nos países e coletividades não
democráticos e/ou de democracias tardias e não consolidadas.
Neste sentido, em seu Artigo 26, a DUDH estabeleceu que:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será


gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais.
A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-
-profissional será acessível a todos, bem como a instrução
superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada
no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do
ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução
promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre
todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará
as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção
da paz.

Como é perceptível, a DUDH prever a educação, com o


cognome de instrução de forma global estando esta, portanto,
inclusa nos Direitos Humanos. Em sua parte final do item 2, fica
claro que a educação a que se refere a DUDH, além de inclusiva
visando o desenvolvimento pleno da personalidade e respeito
às liberdades fundamentais, é também extensiva à diversidade
quando a referida DUDH prever que a educação deve pautar-se
em promover a “compreensão, a tolerância e amizade entre todas
as nações e grupos raciais ou religiosos”.

Todavia, é racional destacar que somente a partir da década


de 1990, mais especificamente após a Declaração de Salamanca
de 1994, a educação inclusiva e suas demais variações, como a
educação especial e/ou voltada para as minorias, ganhou atenção
com maior consistência.

Contudo e mais recentemente, por ocasião do Fórum


Mundial de Educação, Incheon, Coreia do Sul, em 2015, foi

558
elaborada a Declaração de Incheon. Tal declaração reitera a
Declaração da Educação para Todos, a de Jomtien (1990) e a
declaração de Dakar de 2000, que prever ações e estratégias
educacionais voltadas para o alcance dos “interesses de crian-
ças, jovens, e adultos, com relação às necessidades básicas de
aprendizagem, incluindo o aprender a aprender, a fazer, a conviver
e a ser” (NOZU; ICASATTI; BRUNO, 2017, p. 28).

Além disso, a Declaração de Incheon [...]

realizou um balanço das metas mundiais para a educação


de 2000-2015 e sistematizou o compromisso para os
próximos 15 anos (2016-2030), tendo como visão “assegurar
a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para
todos” (UNESCO, 2015). A proposta é inspirada “por uma
visão humanista da educação e do desenvolvimento, com
base nos direitos humanos e na dignidade; na justiça social;
na inclusão; na proteção; na diversidade cultural, linguística
e étnica; e na responsabilidade e na prestação de contas
compartilhadas.” (UNESCO, 2015). (NOZU; ICASATTI; BRUNO,
2017, p. 28).

A Declaração de Incheon é mais um dispositivo legal que


corrobora com os Direitos Humanos na luta por uma educação
inclusiva e voltada para o respeito e reconhecimento à diversidade
em seus mais difusos aspectos humanísticos. Todavia, assim
como os diversos documentos anteriores e campanhas que não
surtiram os efeitos almejados é necessário que a sociedade de
uma maneira geral e organizada faça valer tais direitos, sob pena
desses dispositivos mais recentes chanceladores da educação
inclusiva e da diversidade na perspectiva dos Direitos Humanos
permanecerem apenas previstos nos discursos e na letra morta da
lei.

Considerações Finais

O presente artigo buscou a promoção do debate sobre


a importância e conhecimento sobre os Direitos Humanos
na perspectiva da educação inclusiva e do reconhecimento e
respeito à diversidade. Conforme a discussão foi ocorrendo ficou

559
clarividente que a educação de uma forma global e em suas
demais modalidades fazem parte das previsões da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.

No texto também restou demonstrado que existem muitas


leis, normas, diretrizes e convenções nacionais e internacionais
que sustentam e preceituam a educação em sua totalidade
como fator preponderante para o desenvolvimento tecnológico,
pacífico e humanístico da sociedade em suas diferentes e diversas
formas de sobrevivência.

Com efeito, é necessário está sempre em alerta para que


esses direitos indispensáveis e conquistados a duras penas,
sobretudo a partir do holocausto da segunda grande guerra
mundial não sejam constantemente ameaçados por aqueles que
se dizem representantes do povo, porém apenas querem alcançar
o poder por capricho e fetiche desfilando seus ódios, rancores e
temores às classes pobres e as minorias já amplamente castigadas.

Referências Bibliográficas

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus,


1992a.

BRASIL. República Federativa do Brasil. Constituição Federal.


Brasília, Senado Federal,1988.

CASTEL, Robert. A insegurança social; o que é ser protegido?


Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

CHÂTELET, François, DUHAMEL, Olivier & PISIER – KOUCHINER,


Evelyne. História das Ideias Políticas; tradução, Carlos Nelson
Coutinho. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO – 1789,


França, 26 ago.1789. Disponível em: Acesso em: 31 mar. 2019.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e


proclamada pela Resolução nº 217 A (III). Assembléia Geral das
Nações Unidas 10 de dez. 1948. Assinada pelo Brasil na mesma
data. Disponível em; Acesso em: 31 mar. 2019.

560
FARIA, Aureci Gonzaga. A Polícia e o Ideal da Sociedade. Campina
Grande: EDUEP.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo


com o pensamento de Hannah Arendt. 2. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998.

NOZU, Washington Cesar Shoiti; ICASATTI, Albert Vinicius; BRUNO,


Marilda Moraes Garcia Educação inclusiva enquanto um direito
humano. Inc.Soc., Brasília, DF, v.11 n.1, p.21-34, jul./dez. 2017.

RODRIGUEZ, Graciela S. Os Direitos Humanos das Mulheres. In:


ALENCAR, Chico (orgs.). Direitos mais humanos. Rio de Janeiro:
Garamond, 1998.

561
Enfrentamento, prevenção, proteção e cuidado
para infâncias e juventudes e a educação
em Direitos Humanos
Simone Muniz do Carmo Staniszewski1
Mirian Célia Castellain Guebert2

Direitos humanos e educação em políticas públicas: planos


nacionais e marcos legais.

Resumo

Este estudo tem como tema o Enfrentamento, prevenção,


proteção e cuidado para infâncias e juventudes e a educação em
direitos humanos. O problema abordado é como as inovações
sociais podem ser utilizadas para a redução das desigualdades
e das violências das infância e juventudes na promoção dos
Direitos Humanos, da diversidade e da inclusão? O objetivo
geral é desenvolver inovações sociais para a redução das
desigualdades e das violências das infâncias e juventudes na
promoção dos Direitos Humanos, da diversidade e da inclusão.
Chega-se ao entendimento de que não é por ausência de leis e
políticas públicas que se dão os problemas envolvendo crianças
e adolescentes. Compreende-se, em uma breve análise, que as
mazelas que devastam a infância e a juventude contém causas
muito profundas, de fundo político e social. Desta forma, efetivar
as políticas públicas e sociais já existentes e ampliá-las para
desenvolver táticas de desenvolvimento social, para população
em situação de vulnerabilidade social é um requisito primordial
da sociedade contemporânea. Da humanização e do pacto
político combinado, insurge a eficácia capaz de transformar a
realidade social. O desafio está na superação da visão restrita
das políticas públicas como simples atendimento dos ‘mínimos’

1. simonepedago@gmail.com. Professora da Prefeitura Municipal de Curitiba - Mestranda


em Direitos Humanos e Políticas Públicas PUCPR -Brasil
2. mirian.castellain@pucpr.br. Professora do Programa de Pós-graduação em Direitos
Humanos e Políticas Públicas- PUCPR -Brasil

562
necessários para a sobrevivência humana e investir em programas
preventivos. As ações de caráter preventivo ganham importância
enquanto ferramenta política de garantias dos direitos humanos,
da segurança social e da proteção social.

Palavras-Chaves: INFÂNCIAS, VIOLÊNCIAS, DIREITOS HUMANOS.

Enfrentamento, prevenção, proteção e cuidado para infâncias


e juventudes e a educação em Direitos Humanos

O presente estudo tem como objetivo central desenvolver


inovações sociais para a redução das violências nas infâncias e
juventudes na promoção dos Direitos Humanos, da diversidade e
da inclusão no município de Curitiba-Paraná/Brasil. Está vinculado
à linha de pesquisa “Políticas Públicas e Educação em Direitos
Humanos”, do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos
na Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Com foco na metodologia da pesquisa ação, especialmente,


visando soluções que correspondam à transversalidade dos
direitos humanos nas políticas públicas e em contextos educativos,
bem como a formação de recursos humanos, visa a promoção de
políticas públicas de prevenção proteção e cuidado para infâncias
e juventudes; redução de danos; políticas e tecnologias inclusivas;
promoção do protagonismo de crianças adolescentes e jovens;
trabalho em rede; democracia e administração deliberativa para
a qualificação de políticas públicas.

O interesse em investigar esta temática surge com a


publicação do Decreto N.º 9603 de 2018, que Regulamenta a
Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, a qual estabelece o sistema
de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou
testemunha de violência, na busca de conferir relevância social
por meio da cooperação com órgãos públicos, sociedade civil
e organizações em direitos humanos, comprometidos com a
dignidade humana e qualificação dos serviços públicos prestados
à população, colaborado para inovações, com incidência em
políticas públicas e direitos humanos.

Em cooperação com o Ministério Público do Paraná, órgão

563
este, que tem como papel fiscalizar e proteger os princípios
e interesses fundamentais da sociedade e que tem o seu
funcionamento independente de quaisquer dos três poderes,
(Executivo, Legislativo ou Judiciário), juntamente com outras
universidades públicas e privadas, busca efetivar uma rede
de proteção para crianças e adolescentes em consonância
as legislações sociais especialmente a Lei 13.431/2017 que
normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança
e do adolescente vítima ou testemunha de violência.

Este estudo tem como foco auxiliar na implementação


dessa lei, para tanto, busca analisar e propor soluções políticas
e institucionais sobre a relação entre o sistema de justiça e as
políticas sociais na prevenção, proteção e cuidado de crianças e
adolescentes em risco.

A relevância do caráter interdisciplinar do estudo, se dá


pela necessidade de analisar a relação entre políticas públicas,
direitos humanos e administração pública deliberativa, pelas
fragilidades na atuação integrada sobre fenômenos complexos
e a particularidade da realidade social no município de Curitiba,
que se caracteriza especialmente quanto aos constrangimentos
da formação social, da fragmentação das ações, da reprodução a
desigualdade e desrespeito à dignidade e aos direitos humanos.

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e


do Adolescente (Lei Federal nº 8.609/1990) estabelecem que os
direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados
com absoluta prioridade, o que compreende a primazia de
atendimento, a preferência na formulação e na execução de
políticas públicas e a destinação privilegiada de recursos públicos.

O Paraná tem 3.201.539 meninas e meninos de 0 a 19 anos,


o que representa 28% da população do estado, de acordo com a
projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
para 2018, ao considerar estes dados, percebe-se que existem os
desafios para promover, proteger e defender o desenvolvimento
integral a esse público.

Segundo dados do Ministério da Saúde/SVS - Sistema de


Informação de Agravos de Notificação (SINAN), a quantidade

564
absoluta de ocorrências notificadas aos sistemas de saúde de
violências contra crianças e adolescentes, entre zero e 19 anos de
idade, na cidade de Curitiba, em 2017 ultrapassou 13.431 casos,
caracterizados os vários tipos de violências, como física, sexual,
psicológica, negligência, omissão e ou institucional.

Outra fonte de dados, o Sistema de Informações sobre


Mortalidade (SIM), quanto à violência letal, somente em 2013
ocorreram 57.396 homicídios no Brasil. Desses, 10.723 foram
assassinatos de crianças e adolescentes com idade entre zero e
19 anos (18,7% dos homicídios), o que representa uma taxa de,
aproximadamente, 16,7 homicídios por 100 mil habitantes de
zero a 19 anos, sendo esta, a principal causa de morte. Ainda, 79%
(8.454) dessas mortes foram causadas por armas de fogo.

Quanto à violência sexual, de acordo com os casos notificados


no sistema de saúde em 2011, mais de 70% dos estupros foram
cometidos contra crianças e adolescentes no Brasil – isso porque,
estima o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apenas
10% dos casos são notificados no país (Nota Técnica: Estupro no
Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde. IPEA, 2014). A
pessoa apontada como agressor, em 71% dos casos, é familiar ou
pessoa próxima da vítima.

A partir deste cenário, torna-se fundamental discutir e


implementar políticas públicas voltadas à prevenção, redução e
a quebra de ciclos da violência, contra crianças e adolescentes,
efetivando a princípio da proteção integral insculpida na
Constituição Federal.

As mais variadas formas de violência cometidas contra


crianças e adolescentes são relatadas desde as mais antigas
civilizações enraizadas nas diferentes culturas, motivadas pelas
diferentes práticas econômicas e naturalizadas nas relações
sociais.

A violência sexual está presente em todos os países,


ocorrendo com maior frequência nos lares, sendo o agressor
na maioria das vezes identificado por alguém da família ou por
pessoas muito próximas, não negando os casos que ocorrem nos
diferentes segmentos como escolas, instituições de assistência,

565
espaços religiosos e nas várias esferas da comunidade.

Segundo Minayo (2001, p. 26),

a violência contra crianças e adolescentes é todo ato ou


omissão cometido pelos pais, parentes, outras pessoas
e instituições capazes de causar dano físico, sexual e/ou
psicológico à vítima. Implica, de um lado, uma transgressão
no poder/dever de proteção do adulto e da sociedade
em geral e, de outro, numa coisificação da infância. Isto é,
uma negação do direito que crianças e adolescentes têm
de serem tratados como sujeitos e pessoas em condições
especiais de desenvolvimento.

A condição de vulnerabilidade da criança, sua dificuldade


de se defender, resistir e de entender os fatos, até a eventual
revelação do crime, pode não representar perigo evidente/
imediato, para quem o comete e tais situações favorecem a
violação dos vulneráveis nas mais variadas idades.

A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989),


em seu artigo 34, obriga os países a “proteger a criança contra
todas as formas de exploração e abuso sexual”. O Brasil é um dos
países que ratificou o tratado e considera a violência sexual como
crime hediondo e inafiançável, previsto no Código Penal como
estupro (art. 213), atentado violento ao pudor (art. 214), sedução
(art. 217), corrupção de menores (art. 218) e a pornografia (art.
234).

Porém, o enfrentamento à violência junto as infâncias


e juventudes, requer uma articulação permanente entre
as diferentes áreas das políticas públicas, para que sejam
desenvolvidas medidas intersetoriais de prevenção, atendimento
e responsabilização, incluindo ações educativas que considerem
a participação infantil na autoproteção, bem como a coleta e o
monitoramento eficiente de dados de violência para tomadas de
decisão mais assertiva. (Fórum DCA/PR,2019)

NA busca da implementação dos dispositivos previstos na


Lei nº 13.431/2017 (Depoimento especial e escuta especializada),
que normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da

566
criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência,
busca-se gerar encaminhamentos e orientações que promovam
direitos, fortalecimento de vínculos e rompimento dos ciclos de
violência.

Entendendo que a intersetorialidade torna-se necessária


para a compreensão de fenômenos familiares e particularmente
para os casos de violência ocorridos no ambiente doméstico,
o grupo de pesquisadores estão buscando identificar alguns
sintomas da violência, utilizando-se dos espaços escolares como
um canal importante de detecção, comunicação e intervenção
para o problema social que acomete o município de Curitiba.

Nesse sentido, a pesquisa ora apresentada visa compreender


os padrões de violências a partir de sua tipificação, além de notificar
a rede de proteção do município, compostas por segmentos
de acolhida, denuncia e atendimento as vítimas e agressores,
considerando as competências de cada serviço disponível no
município.

A ênfase se dá no trabalho intersetorial com a rede


de educação, a partir de observações no campo profissional
onde foi possível perceber a dificuldade de entendimento e
encaminhamento institucional, acerca das violências manifestadas
na comunidade escolar.

Assim, buscou-se por meio de revisão bibliográfica


compreender as narrativas expressas em legislações e instrumentos
normativos que contribuem para a efetivação dos dispositivos
municipais de proteção, assim como as demandas de acesso aos
atendimentos de cada órgão.

Esta pesquisa visa a ampliação em escala dos estudos


sobre os temas transversais em Educação em Direitos Humanos
e Diversidade, na direção da produção de pesquisa e inovação
com potencial de incidência e aplicação nas políticas públicas
e instituições, com o propósito de auxiliar a implementação da
Lei 13.431/2017 que normatiza e organiza o sistema de garantia
de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha
de violência, com a atuação sobre fenômenos complexos,
desenvolvendo novas soluções que fortaleçam o trabalho em

567
rede, e contribuam para a prevenção e a promoção da diversidade.

As pesquisas integradas favorecem a produção


de conhecimentos relevantes e enraizados socialmente,
especialmente pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão, a transversalidade dos direitos humanos e da promoção
da alteridade por meio do desenvolvimento da metodologia da
pesquisa ação.

Tomando como prerrogativas o Estatuto da Criança e


Adolescente (ECA), de 1990, com especial atenção para os
artigos que garantem proteção integral aos que estão em
desenvolvimento, e as tipificações de violências registradas nos
canais de denúncia, os dados serão organizados e analisados
para subsidiar a elaboração de material didático sobre a temática,
a efetivação de intervenção com orientação sobre educação
em direitos humanos, com vistas a prevenção, mecanismos de
detecção, denúncia e rompimento do ciclo de violências.

As estratégias que se lança mão para a implementação da


legislação, são vislumbradas da seguinte forma:

a) produção de novas metodologias de educação em direitos


humanos em espaços formais e informais de educação;

b) formação de recursos humanos e pesquisadores na linha


de políticas públicas e educação em direitos humanos, com
consequente fortalecimento do Programa de Pós-Graduação
em Direitos Humanos e Políticas Públicas;

c) modelagem de mecanismos e dispositivos de gestão com


maior potencial de reversão de vulnerabilidades sociais,
violações de direitos e fragilidades nos vínculos sociais e nas
redes;

d) desenvolvimento de mecanismos para promoção das políticas


públicas.

e) disseminação de conhecimentos transformadores e inovadores;

f ) promoção da diversidade, da interculturalidade, do acesso a

568
direitos e políticas públicas;

g) incidência em políticas públicas visando a qualidade dos


serviços prestados.

Como desenvolveremos pesquisa ação, estamos em fase


de formação dos pesquisadores para desenvolver grupo focal,
observação e intervenção junto à comunidade local.

Esta formação dos pesquisadores, contempla estudo


teórico e elaboração de instrumentos para coleta dos dados. Todo
o processo de intervenção atende as normativas e está previsto
pelo comitê de ética brasileiro.

Considerações

Ao reconhecer o quadro de violência a que estão submetidos


crianças e adolescentes no município de Curitiba-Paraná/Brasil,
este estudo, mobiliza e provoca pesquisadores da educação em
direitos humanos a colocar-se junto aos enfrentamentos sociais
como elementos da rede de proteção, conforme recomendação
101, do Relatório da ONU (2006) quando descreve:

[...] a capacidade de todas as pessoas que trabalham com e


para crianças visando contribuir para eliminar todas as formas
de violência contra elas seja desenvolvida. Uma capacitação
inicial e em serviço que transmita conhecimentos e o
respeito aos direitos da criança deve ser oferecida. Os
Estados devem investir em programas educacionais e de
capacitação sistemáticos para profissionais e leigos que
trabalham com ou para crianças e famílias com vistas a
prevenir, detectar e responder à violência contra crianças.
Códigos de conduta e normas claras para práticas devem
ser formuladas e implementadas, incorporando a proibição
e a rejeição de todas as formas de violência. (ONU, 2006)

Nesse sentido, como corresponsáveis com a formação de


formadores, somos convocados a participar do sistema de garantia
dos Direitos da Criança e do Adolescente, a partir do conhecimento
evidente e a ser produzido a partir dos vários aspectos e a rede de
proteção se relaciona com as principais modalidades de violência

569
presentes no cotidiano de grande parcela da população infantil.

A violência não é um fenômeno abstrato: ela é concreta e ocorre


diariamente, em vários espaços sociais, por isso, há necessidade
de realizar estudos locais e operacionais. São necessárias também
estratégias intersetoriais de enfrentamento. Dependendo das
situações concretas, as ações coletivas demandam atendimento
interdisciplinar, com as áreas da educação, saúde, justiça, segurança
pública, ministério público, poder legislativo, com o envolvimento
direto das redes de proteção nas mais variadas formas, com vistas
à promoção de uma sociedade cujo valor primordial seja a vida e à
convivência saudável de seus cidadãos.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto


constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as
alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a
68/2011, pelo Decreto Legislativo n. 186/2008 e pelas Emendas
Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. 35. ed. Brasília: Câmara
dos Deputados; Edições Câmara, 2012.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto


da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília,
1990.

MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e


criatividade. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

ONU. Relatório sobre o estudo das Nações Unidas sobre a


violência contra crianças. PINHEIRO, P. S. (Org.). [S.l.: s.n.], 2006.
Disponível em: <http://www.unviolencestudy.org>. Acesso em 13
dez. 2006

570
Entre o direito e a invisibilidade:
os LGBTs na política educacional contemporânea

Hiago Henrique Figueira Lins1

Secretaria de Estado de Educação do Governo


do Distrito Federal

Palavras- Chave: Movimento LGBT; Educação em Direitos


Humanos; Políticas Educacional.

Resumo

Este trabalho investiga e discute as tensões na garantia


do reconhecimento de direitos das minorias sociais no Brasil,
focalizando os avanços do movimento de Lésbicas, Gays, Travestis,
Transexuais e Transgênicos (LGBTs) na política educacional, a
literatura na temática tem demonstrado que a educação é o lócus
privilegiado de mudanças sociais e um instrumento primordial
para a garantia de direitos desta comunidade, seja pelo direito
ao acesso e permanência na escola ou pela construção de
agendas políticas na temática dos direitos sexuais. Dito isto, o
objetivo geral delimitou-se em: Compreender em que medida
o movimento LGBTs tem conquistado inserção nas políticas
educacionais no Brasil, por meio da atuação direta na Conferências
Distrital e Nacional de Direitos Humanos e LGBTs. A partir deste
questionamento analiso os documentos propositivos das
Conferências afim de mapear a inserção das categorias de Gênero
e Sexualidade nas Políticas Educacionais como uma demanda do
movimento LGBT. A estratégia metodológica se desenvolve de
maneira empírica e é variada, percorrendo observação e análise
documental. Desta forma demonstro a importância de mecanismo
de participação direta da sociedade civil para a inclusão de pautas
das minorias sexuais na educação. Por fim, relato a relação entre
os marcos regulatórios das políticas educacionais voltados para o

1. linshiago@gmail.com

571
combate as discriminações contra o movimento LGBT e o direito
a educação, pensando o avanço da consolidação de práticas
e metodologias voltadas para a Educação em/para os Direitos
Humanos na escola pública do Distrito Federal.

Considerações iniciais

Este trabalho Final tem por objetivo geral responder a


seguinte questão de investigação: Em que medida os avanços do
movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais
e Transgênero (LGBTs) tem conquistado inserção nas políticas
educacionais no Distrito Federal, por meio da participação direta
nas Conferências Distritais e Nacionais de Direitos Humanos e
LGBTs?

A escolha da temática inicialmente se justifica pela trajetória


pessoal e acadêmica do autor enquanto homem gay, pesquisado
e militante dos direitos humanos da comunidade de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais, transgênero LGBT e
estudante de pedagogia, no combate as formas de discriminações
e preconceitos e demais violências correlatas as sexualidades não
heterocentradas.

Historicamente, a escola tem instituído pelo ensino o modo


como meninos e meninas devem aprender as práticas sociais do
gênero e da sexualidade. Instituídas num currículo aparentemente
neutro em primeira análise, mas que revela saberes centrados
nos arranjos heteronormativos saberes são distribuídos entres as
disciplinas as vezes explícitos e as vezes implícitos nos conteúdos.
As práticas de gênero e sexualidade são constituídas por práticas
discursivas de naturalização dos corpos sexuados das crianças e
das características previamente esperadas dos gêneros. A escola
nesse sentido normatiza e disciplina os corpos, os desejos, os
afetos, as brincadeiras, as expectativas de desempenho para
cada gênero e cada sexualidade que ocupa a sala de aula. A
sexualidade é neutralizada, mesmo que por um lado se espere
que meninas e meninos tenham desejos e afetos heterocentrados,
os comportamentos afetivos são reprovados e por vezes as
sexualidades não-hétero invisibilizadas (LOURO, 2008).

Além do contexto de sala de aula as categorias gênero e

572
orientação sexual têm desencadeado discussões e tencionando
proposições de políticas da educação. Disputas de espaço para
consolidação do combate as distintas formas de discriminação,
a exemplo a inclusão destas temáticas no Plano Nacional de
Educação - PNE (Lei 13.005, de 25 de junho de 2014). As lutas
travadas entre os movimentos sociais e professionais da educação
comprometidas com a causa LGBT contra a bancada evangélica
e a ala de políticos conservadores contrários a inclusão do tema
no PNE, resultaram na retirada completa dos termos “gênero” e
“orientação sexual” do corpo textual do documento.

O mesmo se segue nos planos estaduais Brasil a fora. As


forças contrárias à discussão destas temáticas na educação são
representadas pela bancada religiosa no Congresso Nacional, nas
Câmaras Estaduais e municipais e tem eco na sociedade civil. O
discurso de combate a “ideologia de gênero” que é um discurso
construído dos críticos das teorias feministas e da sexualidade,
para minar os esforços e legitimidades de ações de igualdade de
gênero e sexual; na escola se propagou em âmbito nacional e tem
colocado barreiras para os temas da diversidade se desenvolverem
na educação.

Marcos legais da educação para a população LGBT.

A Lei maior, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as
diretrizes e a base da educação nacional e aborda desde os
princípios e fins da educação entre destaca-se

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na


escola.

IV - Respeito a liberdade e apreço a tolerância

Da mesma forma e alinhada a essa orientação os Parâmetro


Curriculares Nacionais – (PCN), que trata dos temas de diversidade
sexual e de gênero são abordados como temas transversais,
contudo, o termo orientação sexual é entendido nos PCN como
sinônimo de educação sexual, organizada em três blocos de
temas do corpo: matriz da sexualidade; relações de gênero;
prevenção da DST/AIDS, não há elementos para se compreender

573
as singularidades específicas expostas no primeiro capítulo que
definem os LGBTs como elementos de políticas específicas de
ações afirmativas das políticas educacionais.

O Decreto nº 5.397, de 22 de março de 2005, dispõe sobre


a composição, a competência e o funcionamento do Conselho
Nacional de Combate à Discriminação – CNCD, o qual compete
compor, acompanhar e avaliar as políticas públicas afirmativas de
promoção da igualdade e de proteção dos direitos de indivíduos e
grupos sociais étnicos afetados por discriminação racial e demais
formas de violência. Esse conselho é composto por além de órgão
ministeriais, representantes e entidades e organizações não –
governamentais da população negra, indígena, e o segmento
LGBT, estabelecendo se combinado com os dois anteriores
respalda ações educacionais de combate as discriminações que
ocorrem na sociedade brasileira.

A Portaria nº. 4032, de 24 de novembro de 2005, instituiu


o Grupo de Trabalho para acompanhar a implementação do
Programa Brasil sem Homofobia no Ministério da Educação. Além
de outras finalidades esse GT propõe “a formulação de ações
que garantam o direito a educação da população LGBT e que
promovam o respeito a diversidade de orientação sexual e de
identidade de gênero nos sistemas educacionais”.

Da mesma forma a Portaria nº 928, de 26 de abril de 2006,


que designa membros representantes de diversas instituições
governamentais e não governamentais, além de instituições
de Ensino –Superior (IES) para compor o Grupo de Trabalho de
acompanhamento da implementação do esse programa Brasil
sem Homofobia no Ministério da Educação.

Em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi


lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) I,
elaborado pelo ministério da Justiça e pela secretaria de Estado
e Direitos Humanos que posteriormente se tornaria a Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República e atualmente
Ministério dos Direitos Humanos. O plano Nacional de Direitos
Humanos foi criado para tender a uma demanda da Conferência
Mundial dos Direitos Humanos em 1993, Viena, com objetivo
de identificar os principais obstáculos a promoção e proteção

574
dos Direitos Humanos no Brasil, eleger prioridades e apresentar
propostas concretas de caráter administrativo, legislativo e
político-cultural para equacionar os problemas mais graves que
dificultam a realização dos Direitos Humanos (BRASIL, 2009,
p.188).

O PNDH I ainda muito singelo não apresentou nenhuma


proposta específica para a comunidade LGBT mas abriu uma
brecha para a inclusão destas temática e o governo, com a pressão
dos demandantes posteriormente com os plano seguintes.

Em 2002 foi lançado o Programa Nacional de Direitos


Humanos II, ainda no governo de FHC. Nessa nova versão, a
atenção as demandas da população LGBT adquire maior destaque,
aparecendo em diversos eixos na forma de ações específicas,
nos campos da saúde, educação e trabalho, por exemplo, o
tópico orientação sexual integrante do eixo garantia de direito
à liberdade, traz cinco ações específicas e um tópico intitulado
Gays,

Lésbicas, Bissexuais, Travestis, apresentando 10 ações


dentre as quais destacam-se três especificamente articulados, a
formação por meio da formação de profissionais a saber:

242. Apoiar programas de capacitação de profissionais de


educação, policiais, juízes, operadores e direito em geral para
promover a compreensão e a consciência ética sobre a diferenças
individuais e a eliminação dos estereótipos depreciativos com
relação aos LGBTs;

245. Estimular a formulação, implementação e avaliação de


políticas públicas, públicas para a promoção social e econômica
da comunidade LGBT;

246. Incentivar programas de orientação familiar e escolar


para a resolução de conflitos relacionados a livre orientação
sexual, com o objetivo de prevenir atitudes hostis e violentas;

A despeito do seu ineditismo, o PNDH II não foi um


instrumento eficaz, sequer acionado em seus 7 anos de
vigência para garantir direitos sexuais que estão fora da norma

575
heterossexual. Sua existência não foi suficiente, para fazer pressão
sobre o Congresso Nacional, por exemplo, para fazer garantir
as leis que assegurem a criminalização da homofobia. Há de
se fazer pesquisas mais aprofundadas para uma compreensão
mais acurada dos reais obstáculos interpostos para afim da já
anunciada característica conservadora de viés patriarcal da
sociedade brasileira.

Um passo qualitativamente superior a promoção de


materiais a respeito de LGBTs no espaço da escola foi dado a partir
de 2008 com a realização da Conferência Nacional DE Educação
Básica (CONEB/2008) e da Conferência LGBT, agregando nesse
processo a participação da sociedade civil na formulação das
propostas desenvolvidas no âmbito desta conferencias.

A CONEB 2008 e contou com delegados de todos os Estados


e do Distrito Federal, anteriormente a Conferencia Nacional foram
realizadas Conferencias estaduais preparatórias, que reuniram,
gestores, representantes da sociedade civil e profissionais
da educação, o que é relevante para aqui o eixo IV- Inclusão
e Diversidade n Educação Básica, no qual são apresentados
propostas relativas aos temas educação e educação das relações-
étnico raciais, educação indígena e educação e diversidade
sexual, e relação a diversidade sexual são apontadas ações para as
políticas de educação, a saber:

Desenvolver e ampliar programas de formação inicial


e continuada em sexualidade e diversidade, visando superar
preconceitos, discriminação, violência sexistas e homofóbica
no ambiente escolar, e assegurar que a escola seja um espaço
pedagógico, livre e seguro para todas/todos, garantindo a
inclusão e a qualidade de vida;

Rever e implementar diretrizes, legislações e medidas


administrativas para os sistemas de ensino promoveram a cultura
do reconhecimento da diversidade de gênero, identidade de
gênero e orientação sexual no cotidiano escolar;

Garantir que a produção de todo ou qualquer matéria


didática pedagógica incorpore a categoria gênero como
instrumento de análise, que não se utilize de linguagem sexista,

576
homofóbica e discriminatória;

Inserir os estudos de gênero e diversidade sexual no


currículo das licenciaturas;

Um estudo aprofundado sobre a identificação das


principais pautas do movimento LGBT, foi um dos eixos sugeridos,
há de verificar a atualidade dada as políticas educacionais por
grupos minoritários. A Conab (2008) assim como a Conferência
Nacional de Educação (2010), ocorrida no DF, possuem textos
bem diferentes.

A conferência Nacional LGBT, foi realizada em junho de 2008


com a presença de 1118 participantes, sendo 569 representantes
do poder público e da sociedade civil, 108 convidados e 441
observadores (BRASIL, 2008, p. 313-314). Com o resultado de grupo
de trabalho composto por 112 participantes, foram aprovadas
60 deliberações no eixo educação, com temas sobre fomento
à pesquisa produção de matérias didáticos e para didático que
promovam o reconhecimento e o respeito a diversidade sexual,
e identidade de gênero, bem como a criação de coordenações
específicas para LGBTs no Ministério da educação.

Nos indícios que aparecem em maiores pesquisas, permite


inferir que no caso dos LGBTs, a situação é mais gritante do que em
relação para a educação das relações étnico raciais, por exemplo,
afinal as populações negra conseguiu pela pressão do movimento
negro que a Lei 10639/2003 incidisse e alterasse o artigo 26 da
LDBEN 9394/96 e tornasse obrigatório o ensino de História da
África de Cultura Afro-brasileira e com a Lei 11.645/2008 que
ensinasse também a obrigatoriedade da História Indígena
(GARCIA, 2015).

Assim sendo menos amadurecido o movimento LGBT,


apesar do marco legal apresentado, encontra-se razoavelmente
desamparado na LDBEN, da mesma forma não tão articulado, o
Plano Nacional de Educação: Diretrizes e estratégias de educação.
No contexto da participação da sociedade civil, passou por etapas
estaduais e municipais, na lógica da gestão democrática, e tem
em seus texto algumas das propostas contidas na Conferência
Nacional de Educação de 2010 que nos eixo XI – Justiça Social

577
Educação e Trabalho contemplam 25 propostas para o tema de
gênero e diversidade sexual, número bem maior comparado as
propostas da Conferência de 2008, seguramente a participação
dos ativistas LGBTs nas Conferência de Educação de 2010 fez
com o que o número de proposta toma-se um corpo mais
expressivo, decorrente do fruto da participação e articulação
com representantes do governo e demais atores sociais, essa
configuração foi decisiva, a aprovação do número de propostas
variou de maneira a aumentar a inserção dos temas na política
educacional, dentre as quais são relevantes:

Introduzir a garantir a discussão de gênero e diversidade


sexual na política de valorização e formação inicial e continuada
das/dos profissionais da educação nas esferas federal, estadual
e municipal, visando o combate ao preconceito das pessoas
lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero e
mulheres;

Construir uma proposta pedagógica sobre gênero e


diversidade sexual para nortear o trabalho na rede escolar de
ensino e das políticas públicas de educação, presentes no Plano
Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBTs,
lançado em 2009;

Criar Grupos de trabalho permanentes nos órgãos gestores


da educação dos diversos sistemas, para discutir, propor e avaliar
políticas educacionais para a diversidade sexual e relações de
gênero, compostos por representantes do poder público e da
sociedade civil;

Visto a quantidade de decretos, leis e conferências ocorridas


no Brasil nos últimos 20 anos para tratar das temáticas da inclusão
da diversidade sexual e de gênero na educação, é possível afirmar
que a aproximação do movimento LGBT por meio da atuação de
governos que articulam mecanismos de participação social da
sociedade civil, possibilitou, a criação de propostas e diretrizes
para atender demandas específicas de problemas público da
violência contra a diversidade, tem ganhado força no últimos
anos, apesar da onda conversadora de alas política do Estado,
como as ligadas a setores religiosas e econômicas.

578
Do ponto de vista legal, há documentos produzidos por
vezes em parceria com o movimento LGBT que respaldam a prática
do professor em sala de aula quando sensibilizados por elas; no
entanto, é necessário mais do que sensibilidade dos professores
para que a LGBTfobia seja superada, a compreensão da repressão
e ódio a LGBTs na educação não pode deixar de ser entendida
como um imperativo cultural, e as normas servem para respaldar
a prática do professor e garantir que o governo mantenham
formação inicial e continuada visando instrumentalizar os
professores para a adequada atuação na área.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais se tornaram ainda


neste processo, o primeiro documento no Brasil a começa a
abordar sobre sexualidade na educação, como destacado por
Gomes (2016). Nesse sentido, a partir dos anos 80 o Brasil passou a
discutir muito mais a sexualidade e a homossexualidade em várias
instâncias sociais, inclusive na escola, o Ministério da Educação
passou a estimular projetos de educação sexual (LOURO, 2008).

No entanto deve-se ressaltar que as inclusões das


temáticas LGBTs nas políticas educacionais só ocorreram
após as recomendações das Conferências das Nações Unidas
e a mobilização da sociedade civil organizada, em especial
a Conferência Internacional sobre População de Pobreza e
Desenvolvimento (1994), a II Conferência Mundial sobre Mulheres
(1995) e a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (2001), as
quais o Brasil signatário.

Por fim, como demonstrado, os marcos das políticas


educacionais para a inserção das temáticas de gênero e
sexualidade, só puderam ocorrer no Brasil em decorrência de
dois fatos, o primeiro relacionado as Conferências da ONU, que
impulsionaram o Brasil a realizar políticas específicas para os
LGBTs e segundo e mais relevante, a Luta do Movimento LGBTs
no Brasil, destaco como resultado deste trabalho no próximo
capítulo as Conferências Distritais de Direitos Humanos e
Conferência Nacional de direitos Humanos e LGBTs, para o
combate de violências e discriminações que atentam contra a
vida das minorias sexuais no Brasil.

579
Recursos Metodológicos

A estratégia metodológica se desenvolve de maneira


empírica e é variada, percorrendo observação e análise documental.
A pesquisa se utilizou da observação e da participação do autor
como delegado na Conferencia além da análise documental do
relatório final da 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas
de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais, como técnica de coleta de dados para a sua realização.
A análise documental constitui uma técnica importante na
pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas
por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema
ou problema (Ludke e André, 1986).

Conferência Nacional de Direitos Humanos e LGBTs, a garantia


do direito à vida pela educação em Direitos Humanos.

Segundo a antiga Secretaria de Direitos Humanos da


Presidência da República, a 12ª Conferência Nacional dos Direitos
Humanos, com o tema “Direitos Humanos para Todas e Todos:
Democracia, Justiça e Igualdade”, representa a oportunidade de
consolidar as Políticas de Direitos Humanos no Brasil, e também
de reafirmar os compromissos contidos no Programa Nacional
dos Direitos Humanos – (PNDH 3) O programa é o principal
documento que orienta as políticas públicas em direitos humanos
no país.

A conferência representou um espaço amplo e diverso de


participação social, que interliga segmentos e políticas, e que
resulta em uma ação conjunta de todos os públicos envolvidos
em Direitos Humanos no Brasil, contou com a participação de
convidados e de dois mil delegados: 1,2 mil escolhidos nas etapas
estaduais e distrital, e, visando a efetiva transversalidade dos
temas, 400 eleitos nas etapas estaduais e distrital das conferências
da Criança e do Adolescente, Pessoa Idosa, Pessoa com Deficiência
e LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; Além
de 400 delegados membros titulares dos conselhos, comissões,
comitês e fóruns oficiais das temáticas relacionadas às pautas da
Secretaria de Direitos Humanos.

Com a finalidade de fortalecer as discussões e deliberações,

580
em um processo transversal e federativo, a conferência teve como
metas prioritárias para a educação, das quais destaco aquelas
diretamente relacionadas a educação:

Discutir e propor ações amplas de educação em direitos


humanos;

Articular o Sistema Nacional de Direitos Humanos com


vistas a sua institucionalização para implementação da terceira
versão do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNEDH-3);

Consta-se que apenas 2, num roll de 12 propostas se


dedicaram a questão do direito a educação, isso demonstra que o
direito a educação não foi o foco do eixo de educação em direitos
humanos, visto que as demais 12 propostas estão relacionadas
as condições sociais para a implementação do Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos 3, e não propostas de ação,
programas a serem desenvolvidos a partir das diretrizes do plano.
A demanda do combate que extingue a vida de LGBTs no Brasil
tornou-se foco nas discussões dos eixos de trabalho e proposições
afim de pautar o preconceito contra a população LGBT, este ainda
sendo é amplamente aceito no Brasil, em relação ao preconceito
e discriminação sexual podemos destacar que este ocorre de
diversas formas, na medida em que essas violências se consolidam
em discriminação que afeta a dignidade de direitos e cidadania, o
que para a os direitos internacionais se constituem na violação de
direitos humanos (ABGL, 2010).

Entende-se por homofobia uma manifestação arbitrária que


consiste em designar o outro como inferior, contrário, anormal,
por sua diferença irredutível, fazendo os LGBTs se posicionarem
a distância, fora do universo comum dos humanos (BORRILLO,
2010).

A heterossexualidade ocupa uma posição central, é


considerada a posição não problemática, as outras posições dos
sujeitos estão ligadas e subordinadas a ela. A homossexualidade
de maneira análoga nesse sentido, conforme registra o dicionário
seria a posição do excêntrico, aquilo que está fora do centro,
o esquisito, é também o que tem o outro como centro, a
heterossexualidade (LOURO, 2013).

581
O ódio então contra a diversidade sexual no Brasil, implica
a criação urgente de mecanismo na educação que combatam
o extermínio de LGBTs, de forma tal que a Conferência Nacional
de Direitos Humanos focalizou em demandas de criação do
mecanismo de manutenção de políticas de proteção a vida e
combate a LGBTfobia, em detrimento do direito a educação
propriamente dito, a luta se concentra em construir uma educação
pela vida, capaz de garantir que por meio da educação em direitos
humanos a incidência de morte de LGBts diminua.

Essa constatação revela a gravidade da vulnerabilidade


deste grupo e o grau de violência que o atinge, estar e permanecer
vivo parece a pauta central. A grande questão que se coloca é o
enfrentamento da violência motivada por diferenças de gênero,
raça ou etnia, idade, orientação sexual, identidade de gênero e
situação de vulnerabilidade:

Enfrentamento ao extermínio da juventude negra;


Enfrentamento à criminalização dos movimentos sociais e defesa
dos direitos dos defensores de direitos humanos;

Devido a conjuntura política de retrocessos tanto no campo


social, quanto no campo da educação, vivenciados nos últimos
anos com a nova onda conservadora e fascista no Brasil;

Eixo I destacado a seguir pontua o processo de


fortalecimento da democracia para a garantia de direitos das
minorias sexuais bem como a implementação do Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos na sua terceira versão.

Afirmação e fortalecimento da democracia com destaque


para a educação em direitos humanos e Sistema Nacional
de Direitos Humanos para implementação da terceira versão
do Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH-3). As únicas duas voltadas para a educação em meio a
14 itens distribuídos nos eixos Eixo II - Garantia e universalização
de direitos, Eixo III - Promoção e consolidação da igualdade.

Embora na Conferência Nacional de Direitos Humanos LGBT,


as deliberações tenham ocorrido baseadas em acordos políticos
entres os atores do movimento, representando a sociedade civil

582
e os agentes gestores do Estado na construção de propostas
para a educação, ficou visível nos debates e nas propostas que,
no caso dos LGBTs, que o princípio básico do direito à vida está
ameaçado e sobre ele que os eixos e seus itens se debruçam,
neste sentido educar em direitos humanos é tornar explicito, o
quão absurdamente violenta, desrespeitosa e agressiva é nossa
sociedade, nesse sentido a EDH é necessárias, como parte do
direito à educação e, ao mesmo tempo, um direito humano
fundamental de toda pessoa em se informar, saber e conhecer
seus direitos humanos e os modos de defendê-los e protegê-los
(ZENAIDE, 2008).

Apesar das diferenças entre os compartilhamentos de


saberes, a necessidade de criação de políticas educacionais para
as pessoas trans se destacou como uma gravidade ainda maior;
uma demanda nacional. No relatório final da conferência (2016),
o respeito a identidade de gênero das trans, se tornava expressiva
como uma pauta prioritária do movimento. Essa necessidade se
fazia presente, para o combate à evasão de trans da educação
básica, principalmente nas séries iniciais, da mesma forma, que a
criminalização da LGBTfobia, se destacou neste contexto.

No caso da delegação do Distrito Federal, por exemplo,


surgiu uma demanda bastantes especifica para ser levada a
plenária final, a criação do conselho LGBT de direitos humanos,
e após a votação no GT da educação, teve seu texto aprovado
e encaminhado a votação de todos delegados do Brasil. Isso
demonstra a capacidade de articulação dos movimentos
sociais em conseguir e apoiar pautas mesmo que distantes da
sua realidade, afim de dar força e continuidade aos esforços
emprenhados dos delegados do Distrito Federal, ou seja, os
delegados da conferencia permitiram, que a proposta de criação
fosse efetivada, hoje no distrito federal o conselho de direitos
humanos LGBT já está atuando nas violações de direitos que a
comunidade do DF está exposta.

A criação de um órgão participativo e de monitoramento


dentro do governo local capaz de agir em casos de violação de
direitos humanos, só foi possível, por meio da organização política
dos LGBTs, situados no contexto de um evento, aprovado pelo
decreto presidência de Dilma Rousseff (2016), que convocava a

583
conferência.

Com a aproximação do movimento LGBTs do governo do


Partido dos Trabalhadores, foi possível consolidar mecanismo
de participação da sociedade civil nas políticas públicas que
pudessem interferir diretamente nas questões mais alarmantes
de violência contra LGBTs no DF.

A Conferência se mostrou um espaço de construção de


alianças políticas nacionais do movimento LGBT, articulada ao
fortalecimento do exercício de participação direta na decisão
do ciclo das políticas públicas para a educação, além do
fortalecimento do que foi proposto no PNDH3 como diretriz de
educação em direitos humanos, no sentido de criar um espaço
de formação ativista e politicamente dedicada a valorização dos
direitos humanos.

Argumento definido pelo Relatório final da Conferência


Nacional ao contextualizar como o ambiente escolar pode ser
um lugar adverso a sexualidades não heterossexuais. Apesar de
o direito humano à educação ser previsto tanto na Constituição
Federal de 1988, quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (1996) e demais normas, parcela significativa do público
LGBT tem sido constantemente alvo de desrespeito, intolerância,
perseguição, constrangimento, discriminação e violência nas
instituições educativas. Embora a escola deva ser, por excelência,
um espaço democrático de criação, integração, livre expressão
de ideias, socialização e emancipação, ela pode também
funcionar como ambiente competitivo, conservador e repressor
que disciplina e normatiza corpos, performances, gêneros e a
sexualidade (BRASIL, 2016).

De outra parte fora deste ambiente educacionais, as


violações continuam, somam-se a interferência da religião que
evocou a educação em direitos humanos, de forma combativa
e em defesa da educação pública laica, e foram definidas como
prioridade máxima no eixo II, e que mais nos interessa, a realização
de seminários nacionais sobre o Estado Laico, que envolvam
participação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
para a discussão da relação da interferência do cristianismo nas
ações de promoção de direitos LGBTs, no caso em específico, em

584
decorrência do ataque sofrido ao programa Escola sem Homofobia
pela bancada evangélica, levando a presidenta Dilma Rouseff na
época 2011 a vetar a entrada de matérias educativos sobre o tema
nas escola de educação básica.

O projeto Escola sem Partido (PLS 193/2016, PL 1411/2015


e PL 867/2015) está pretendendo reformar os esforços alcançados
no campo da educação em direitos humanos nos últimos 20 anos,
este projeto de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), visa a
neutralizar o caráter político da educação no Brasil, outro caminha
de forma independente na Câmara dos Deputados, apresentado
pelo deputado Izalci Lucas (PSDB-DF). Ambos pretendem alterar
a LDBEN e se sustentam no discurso da disseminação da ideologia
de gênero na sala de aula.

O quadro em tela é tão estarrecedor que mostra o quão


crônico o problema da LGBTfobia no Brasil, assim educação
em direitos humanos, conforme o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos (PNEDH, 2006), deve ser compreendida
como um processo sistemático e multidimensional que orienta
a formação do sujeito de direitos, articulando conhecimentos
historicamente construídos, a afirmação de valores, atitudes
e práticas sociais, a formação de uma consciência cidadã, o
desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de
construção coletiva e o fortalecimento de práticas individuais e
sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção,
da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da
reparação das violações (BRASIL, 2016, p. 13).

Outro ponto abordado como prioridade para a educação


direcionada a ação do Estado foi a necessidade do Ministério da
Educação, em parceria com o Ministério da Cultura, promovam um
plano de ação para formação inicial e continuada socioeducativa
sobre a cultura da população LGBT aos profissionais da educação
e à população.

No ensino superior pensar ações educacionais visando


o combate à evasão de estudantes LGBTs, a prioridade para as
pessoas Trans nos programas de Bolsas Permanência, auxílio
moradia e casa do estudante em todos os programas de graduação
e pós-graduação das universidades públicas, como forma de

585
contribuir para o princípio da isonomia.

No geral é visível que as políticas precisam ser articuladas em


ações à garantia da educação como direito humano da população
LGBT devem compreender o acesso e a permanência respeitosa
desse segmento nas instituições educativas, o desenvolvimento
de políticas de auxilio sócio econômico, para aqueles/as que
precisam de assistência social para permanecerem no espaço
educativo, professores/as preparados/as para abordar de maneira
adequada a temática da diversidade sexual e de gênero, materiais
e livros didáticos que não estigmatizem e visibilizem a população
LGBT, conteúdos curriculares que problematizem o preconceito
e a discriminação na sociedade, práticas educativas inclusivas,
democráticas, justas e laicas e a efetivação do PNEDH e das
Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (2012) em
todo território nacional (BRASIL, 2016).

Na escola, o trabalho voltado a problematizar e a subverter


a homofobia (e outras concepções preconceituosas e práticas
discriminatórias) requer, entre outras coisas, pedagogias, posturas
e arranjos institucionais eficazes para abalarem estruturas e
mecanismos de (re)produção das desigualdades e das relações de
forças. (JUNQUEIRA, 2009).

As discriminações sofridas pelo movimento LGBT, são


entendidas como violações de direitos humanos, e necessitam de
ações preventivas no campo das políticas educacionais para se
combater o extermínio das vidas dessas pessoas, são necessárias
criação de cursos de formação de professores, inserção de
temáticas de gênero e sexualidade no PNE, e nos Planos Distritais
de Educação (PDE), de todo o território Brasileiro (ZENAIDE, 2010).

É necessário resgatar e investir no caráter transformador da


educação, tal como defendido por Paulo Freire (2013), essencial
para conquistar a dignidade, a igualdade e a liberdade da
população LGBT. Para tanto, é preciso um conjunto de posturas,
ações e políticas educacionais que garantam uma educação de
boa qualidade. Desse modo, a educação é compreendida como
um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a
outros direitos (BRASIL, 2016).

586
Contudo, após todo o processo de luta histórica do
movimento LGBT é possível afirmas que nos últimos, em
decorrência da efetivação de mecanismo de participação
direta nas definições de políticas públicas o Estado por meio
das conferências tem garantido o direito das pessoas LGBTs,
no entanto esses esforços tem sido minados e silenciados pelo
avanço do conservadorismo e das disputas de poder no âmbito
do Estado brasileiro, isso demonstra de certa forma a dificuldade
do Ministério da Educação de estabelecer políticas de Educação
em Direitos Humanos, para desta forma realizar nas escolas
um trabalho pedagógico que reflitam o conteúdo das normas,
decretos, leis e documentos, por meio de projetos e ações sejam
capazes de reparar a discriminação sistêmica que os LGBTs
vivenciam. Para que a pauta da Conferência seja os avanços já
conquistados na educação e não como criar mecanismo que
garantam que LGBTts continuem vivos no Brasil.

As poucas políticas educacionais voltadas para com


combate a LGBTfobia foram conquistadas com muita luta pelos
movimentos sociais. Diante desse panorama a luta pela vida se
expressa como a maior pauta do Movimento na atualidade, e
precisa ser apoiada com medidas educativas preventivas e de
valorização da diferença, busca da equidade, e reparação de
violência cometidas contra Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e
Transgênero.

Considerações Finais

Nos últimos anos temos acompanhando avanços na


política educacional voltados para a população LGBT, presentes
nos PCNs, na LDBEN, PNEDH 3, e em ações mesmo que localizadas
em estados do Brasil como os programas Educatrans em São
Paulo e Curitiba que buscam garantir o direito a educação para a
população LGBT.

Este trabalhou buscou relatar a experiência das Conferências


Distritais e Nacionais de DH e LGBT para a consolidação de
mecanismos de participação social e de contração de políticas
educacionais que visem a inserção de gênero e sexualidade
nos currículos escolares da educação básica, para o combate a
discriminações e violências contra LGBTs.

587
Esse processo que se iniciou com a epidemia de AIDS, na
época as políticas criadas pelo presidente FHC marcaram o ciclo
de inclusão das minorias sexuais nas agendas de políticas públicas
nas décadas de 80 e 90, permitindo assim, que o movimento
reorganiza-se pós abertura democrática, tendo como força de
expressão as denúncias do assassinato de LGBTs e contou com
as reportagens, relatórios dos órgãos públicos e com a mídia
nacional para ter expressão e ter sua voz ecoada (MOTT, 2015).

Contudo, somente no Governo do Partido dos Trabalhados


que as pautas LGBT tomaram uma proporção maior no poder
público, sendo incluídas na elaboração de políticas educacionais
nas SECAD-MEC, pactuando políticas junto com a sociedade civil,
com destaque para o protagonismo das demandas do movimento,
como por exemplo, a criação do Programa Brasil sem Homofobia.

Esses esforços apesar de importante, ainda são muito


singelos comparado a situação de fragilidade das pessoas LGBTs,
em especial na educação, onde não consegue concluir os anos de
escolarização necessários para se incluir no mercado de trabalho
formal, ou para ter acesso a outros direitos.

A criação de políticas educacionais voltadas para o combate


a LGBTfobia é mais que necessária, não se pode permitir que as
violações de direitos humanos contra a comunidade LGBT sejam
toleradas em especial contra as pessoas Trans, sujeitos mais
fragilizados da diversidade sexual e de gênero.

As conferências buscaram manter o que já havia sido


conquistado pelo movimento em termo de direito a educação,
já que de avanços não se teve muitos resultados positivos na
consolidação de políticas de valorização da diversidade, me
parece que pela ausência destes avanços a educação ficou muito
fragilizada como pauta prioritária das CNDH e LGBTs, devido ao
contexto político da época, marcado pelos retrocessos no estado
democrática de direito.

No entanto, a Educação em Direitos Humanos (EDH) e


o PNEDH 3, PCNs da Diversidade e LDBEN, ainda se mantem
vigentes no país e necessitam de esforços conjuntos na educação
para se fazerem implementados afim e combater a LGBTfobia.

588
Por fim concluo que felizmente apesar do contexto de
dificuldades enfrentado pelo LGBTs os pouco avanços na política
educacional demonstram a abertura do Estado a discussões da
diversidade sexual mesmo que se localizem nas tensões entre a
sociedade civil e os atores políticos dos governos na construção de
mecanismo de valorização dos direitos humanos, que nem sempre
tendem a garantir os direitos desta população, as conferências
se fizeram necessárias e suas propostas mesmo poucas para a
educação deram continuidade aos avanços do movimento LGBTs
na construção de políticas educacionais.

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591
Formación y capacitación en materia
de Género para Jueces y Juezas:
Análisis de la jurisprudencia de la
Corte Interamericana de Derechos Humanos

Pilar Maturana Cabezas1

Resumen

La Corte Interamericana de Derechos Humanos, a principios


de este siglo, incorporó en las sentencias como garantía de no
repetición la obligación de los Estados de implementar programas
o cursos en materia de género destinado, entre otros, a jueces y
juezas. Dada la importancia que reviste la formación de quienes
toman decisiones que impactan en la vida de las personas, desde
su especial lugar de garantes de los derechos y libertades de las
persona, y reconociendo que las promesas de la Modernidad de
igualdad, libertad y fraternidad se mantienen incumplidas para las
niñas y mujeres en el mundo, y, en especial, en nuestro continente,
me planteo como objetivo del trabajo analizar las sentencias en
las cuales la Corte ordenó a los Estados implementar programas
y cursos de capacitación en temas de género, buscando con ello
fijar ya al final del trabajo los estándares aportados por la Corte en
esta materia.

Introducción

Una vez que la Corte Interamericana de Derechos Humanos


(en adelante Corte IDH o Corte) establece la responsabilidad

1. Abogada, Licenciada de Ciencias Jurídicas de la Universidad Católica del Norte;


Máster en Derechos Fundamentales de la Universidad Carlos III de Madrid; Máster
en Argumentación Jurídica de la Universidad de Alicante; Experta Universitaria en
Pueblos Indígenas, Derechos Humanos y Cooperación Internacional de la Universidad
Carlos III de Madrid; Diploma de Postítulo en Recurso de Protección: Dogmática y
Jurisprudencia, de la Facultad de Derechos de la Universidad de Chile; directora
de la Asociación de Magistradas Chilenas y de la Red Interamericana de Mujeres
Profesionales por los Derechos Humanos; Jueza del Tribunal de Familia de Colina.
pilarcabezas@gmail.com

592
internacional del Estado surge para éste la obligación de reparar;
así desde su primera sentencia la Corte estableció que es un
principio de Derecho Internacional “que toda violación a una
obligación internacional que haya producido un daño comporta
el deber de repararlo adecuadamente”2, desarrollando a través
de su jurisprudencia el concepto e idea de reparación integral,
catalogada como una de las contribuciones más importante de
este tribunal al derecho internacional de los derechos humanos
(Saavedra, 2016). Entre las reparaciones se encuentran las garantías
de no repetición, mediante las cuales, siguiendo a Claudio Nash
(2009) la Corte ha buscado enfrentar las causas de fondo de los
casos que conoce, muchos de ellos vinculados a situaciones
estructurales de violaciones de derechos humanos, en los cuales
la organización del Estado permite y facilita las mismas, y donde
concurre además “un elemento cultural relevante (invisibilizando
la violación e incluso justificándola), y donde la solución requiere
de la actuación de diversos actores estatales”3.

Entre las garantías de no repetición que la Corte ha


incorporado en su jurisprudencia, se encuentran aquellas
relativas a la educación en materia de derechos humanos, en
cuanto herramienta fundamental para evitar la repetición de los
hechos; la educación en derechos humanos se va proyectando en
las sentencias de la Corte, incorporando entre las temáticas de los
cursos y programas de formación aquellos relacionados con temas
de género, dirigidos a distintos funcionarios y funcionarias del
Estado, entre otros, a integrantes del Poder Judicial; precisamente
en estos últimos me detendré para la realización del trabajo, el
cual se centrará en la formación en esta materia de jueces y juezas
ordenas como garantías de no repetición en la jurisprudencia
de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, buscando
determinar los estándares fijados por Corte en esta materia.

El trabajo se estructura, entonces, de la siguiente forma: en

2. Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez. Sentencia de 21 de julio de 1989 (Reparaciones


y Costas). Serie C No 7, §25.
3. En tal sentido Manuel Ventura (2012), ex juez de la Corte, sostiene que el régimen
de reparaciones se caracteriza por su perspectiva integral y no solo patrimonial que
buscan asegurar, entre otros, la no repetición de los hechos lesivos, ordenado la
Corte IDH, entre otras formas de reparación, la formación y capacitación en derechos
humanos.

593
primer lugar, me referiré en términos generales a la incorporación
de la obligación del Estado de implementar o continuar
implementando programas de formación y capacitación en
derechos humanos, determinando algunas de las materias que se
introducen y quienes son sus destinarios/as, en especial cuando
son funcionarios/as judiciales, y los objetivos de las mismas. En la
segunda parte analizaré brevemente la importancia de la formación
de jueces y juezas, lo que me llevará a plantear el tema, desde
un punto de vista teórico acerca de la labor que éstos cumplen.
Luego, me detendré en la capacitación de estos media en materias
de género, para lo cual me referiré de manera breve al concepto
género y su incorporación como metodología de análisis. En el
punto 4 analizaré las sentencias de la Corte en las que introdujo
esta garantía de no repetición, lo que permitirá además en la última
parte del trabajo referirme a los estándares que aquella ha fijado.

Las medidas de formación y educación en la jurisprudencia


de la Corte Interamericana de Derechos Humanos

La Corte IDH a principios de este siglo comenzó a incorporar


en las reparaciones ordenadas en sus sentencias la obligación
de los Estados de formar y capacitar en derechos humanos,
especificando diversas temáticas que dependerán principalmente
de los derechos que fueron declarados por la Corte violados por
parte del Estado. Así, por primera vez, en el Caso del Caracazo4
la Corte IDH incorporó entre las garantías de no repetición
la formación y capacitación sobre los principios y normas de
protección de los derechos humanos destinada a los miembros
de los cuerpos armados y de sus organismos de seguridad (Punto
4 a, parte resolutiva); para justificar tal medida argumentó que:

“[Las características de los hechos de este caso, revelan que


los cuerpos armados y los organismos de seguridad del
Estado no estaban preparados para encarar situaciones de
perturbación del orden público mediante la aplicación de
medios y métodos respetuosos de los derechos humanos.
Es menester impedir a toda costa que vuelvan a repetirse
las circunstancias descritas”. (p. 127)

4. Corte IDH, Caso del Caracazo Vs. Venezuela. Sentencia de 29 de agosto de 2002
(Reparaciones y Costas). Serie C No. 95.

594
Al año siguiente en el caso Myrna Mack Chang5 la Corte
estableció que los hechos del caso “revelan que los cuerpos armados,
cuerpos de policía y los organismos de seguridad e inteligencia
del Estado actuaron extralimitadamente. mediante la aplicación
de medios y métodos que no fueron respetuosos de los derechos
humanos”, por lo que se hace imperativo impedir que vuelvan a
repetirse las circunstancias y los hechos descritos (§ 281), razones
por las cuales ordenó al Estado “incluir, dentro de los cursos de
formación de los miembros de sus fuerzas armadas, de la policía y de
sus organismos de seguridad, capacitación en materia de derechos
humanos y de Derecho Internacional Humanitario” (p. 281).

La Corte a partir de estas primeras sentencias, a través de


su jurisprudencia, irá especificando (i) las materias de esos cursos
y programas de formación, entre otras, principios y normas de
protección de los derechos humanos6; derecho internacional
humanitario7; derechos humanos de los pueblos y comunidades
indígenas8; y, (iii) sus destinatarios/as, por ejemplo, servidores
públicos de la jurisdicción penal militar y la fuerza pública9; fuerzas
armadas10; personal de salud11; y, policías12.

5. Corte IDH, Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. Sentencia de 25 de noviembre de
2003 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 101.
6. Por ejemplo, Corte IDH, Caso Blanco Romero y otros Vs. Venezuela. Sentencia de 28 de
noviembre de 2005 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 138.
7. Cfr. Corte IDH, Caso de la “Masacre de Mapiripán” Vs. Colombia. Sentencia de 15 de
septiembre de 2005. Serie C No. 134; y, Corte IDH, Caso de las Masacres de Ituango Vs.
Colombia. Sentencia de 1 de julio de 2006. Serie C No. 148, y,
8. Por ejemplo, Corte IDH, Caso Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Ecuador. Sentencia
de 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). Serie C No. 245
9. Por ejemplo, Corte IDH, Caso Gutiérrez Soler Vs. Colombia. Sentencia de 12 de
septiembre de 2005. Serie C No. 132.
10. Cfr. Caso de la “Masacre de Mapiripán” Vs. Colombia, supra; Caso Blanco Romero y otros
Vs. Venezuela, supra; Caso de las Masacres de Ituango Vs. Colombia, supra; Corte IDH,
Caso Vargas Areco Vs. Paraguay. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie C No.
155; y, Corte IDH, Caso Nadege Dorzema y otros Vs. República Dominicana. Sentencia de
24 de octubre de 2012 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 251.
11. Cfr. Corte IDH Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Sentencia de 4 de julio de 2006. Serie C No.
149; Corte IDH, Caso Albán Cornejo y otros Vs. Ecuador. Sentencia de 22 de noviembre
de 2007 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 171; Corte IDH, Caso Fernández
Ortega y otros Vs. México. Sentencia de 30 de agosto de 2010 (Excepción Preliminar,
Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 215; y, Corte IDH, Caso Rosendo Cantú y
otra Vs. México. Sentencia de 31 de agosto de 2010 (Excepción Preliminar, Fondo,
Reparaciones y Costas). Serie C No. 216.
12. Cfr. Corte IDH, Caso Torres Millacura y otros Vs. Argentina. Sentencia de 26 de agosto de
2011 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 229; Corte IDH, Caso Familia Barrios

595
Del análisis de las distintas sentencias en las cuales la Corte
incorpora esta garantía de no repetición, se pueden extraer
las siguientes ideas fuerza sobre las mismas: (i) tienes por fin
garantizar la efectiva protección de los derechos13; (ii) son un factor
crucial para la prevención de los hechos14; (iii) así como para la no
repetición de violaciones de derechos humanos15; y, (iv) buscan
fortalecer las capacidades institucionales16 de manera de brindar
al funcionario público “nuevos conocimientos, desarrollar sus
capacidades, permitir su especialización en determinadas áreas
novedosas, prepararlo para desempeñar posiciones distintas
y adaptar sus capacidades para desempeñar mejor las tareas
asignadas”17, así como fomentar valores18.

Vs. Venezuela. Sentencia de 24 de noviembre de 2011 (Fondo, Reparaciones y Costas).


Serie C No. 237; y, Corte IDH, Caso Ruano Torres y otros Vs. El Salvador. Sentencia de 5
de octubre de 2015 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 303.
13. Cfr. Corte IDH, Caso Montero Aranguren y otros (Retén de Catia) Vs. Venezuela. Sentencia
de 5 de julio de 2006 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C
No. 150; Corte IDH, Caso del Penal Miguel Castro Castro Vs. Perú. Sentencia de 25 de
noviembre de 2006 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 160; Corte IDH, Caso
La Cantuta Vs. Perú. Sentencia de 29 de noviembre de 2006 (Fondo, Reparaciones y
Costas). Serie C No. 162; Corte IDH, Caso Zambrano Vélez y otros Vs. Ecuador. Sentencia
de 4 de julio de 2007 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 166; Caso Nadege
Dorzema y otros Vs. República Dominicana, supra; y, Corte IDH, Caso Favela Nova Brasília
Vs. Brasil. Sentencia de 16 de febrero de 2017 (Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas). Serie C No. 333.
14. Cfr. Caso Gutiérrez Soler Vs. Colombia, supra.
15. Cfr. Corte IDH, Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs. Bolivia. Sentencia de 1 de septiembre
de 2010 (Fondo, Reparaciones y Costas) Serie C No. 217; Caso Torres Millacura y otros
Vs. Argentina, supra; Corte IDH, Caso Mendoza y otros Vs. Argentina. Sentencia de 14 de
mayo de 2013 (Excepciones Preliminares, Fondo y Reparaciones). Serie C No. 260; Caso
Ruano Torres y otros Vs. El Salvador, supra; Corte IDH, Caso Alvarado Espinoza y otros Vs.
México. Sentencia de 28 de noviembre de 2018 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie
C No. 370; y, Corte IDH, Caso Ruiz Fuentes y otra Vs. Guatemala. Sentencia de 10 de
octubre de 2019 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 385.
16. Cfr. Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs. Bolivia, supra; Corte IDH, Caso Gomes Lund
y otros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil. Sentencia de 24 de noviembre de 2010
(Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 219; Corte IDH,
Caso Cabrera García y Montiel Flores Vs. México. Sentencia de 26 de noviembre de 2010
(Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 220; y, Caso Mendoza
y otros Vs. Argentina, supra.
17. Cfr. Corte IDH, Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile. Sentencia de 19 de septiembre de
2006 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 151, § 19; Corte IDH, Caso Escher
y otros Vs. Brasil. Sentencia de 6 de julio de 2009 (Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas). Serie C No. 200, §251; Corte IDH, Caso Radilla Pacheco Vs.
México. Sentencia de 23 de noviembre de 2009 (Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas). Serie C No. 209, §346; y, Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs.
Bolivia, supra, § 257.
18. Corte IDH, Caso Rochac Hernández y otros Vs. El Salvador. Sentencia de 14 de octubre de
2014 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 285.

596
Respecto del personal judicial como destinatarios de esta
garantía de no repetición, la Corte los incorporó por primera vez
en la sentencia del Caso Tibi19 en la cual ordenó al Estado realizar
programas de formación y capacitación sobre los principios y
normas de protección de los derechos humanos de personas
detenidas y privadas de libertad (§263); esta garantía la Corte la
fundamentó al establecer que “el Estado, como responsable de los
establecimientos de detención, es el garante de estos derechos
de los detenidos” (§262). Garantía que se ha reiterado en una serie
de sentencias de la Corte20, de cuya lectura resulta interesante
destacar (i) que no basta con disponer protecciones y garantías
judiciales si los operadores del proceso carecen de capacitación
suficiente21; y, (ii) que la capacitación tiene por fin de que estos
operadores “cumplan efectivamente con su rol de garantes de
los derechos”22. Estas últimas dos ideas fuerza contenidas en
la jurisprudencia de la Corte IDH son las que desarrollaré en el
apartado siguiente.

Sobre la relevancia de la formación y capacitación de jueces


y juezas

Los jueces y juezas han alcanzado un enorme protagonismo

19. Corte IDH, Caso Tibi Vs. Ecuador, supra.


20. Cfr. Corte IDH, Caso Servellón García y otros Vs. Honduras. Sentencia de 21 de septiembre
de 2006. Serie C No. 152; Caso La Cantuta Vs. Perú; Corte IDH, Caso Anzualdo Castro
Vs. Perú. Sentencia de 22 de septiembre de 2009 (Excepción Preliminar, Fondo,
Reparaciones y Costas). Serie C No. 202; Caso Radilla Pacheco Vs. México, supra; Corte
IDH, Caso de la Masacre de Las Dos Erres Vs. Guatemala. Sentencia de 24 de noviembre
de 2009 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 211; Caso
Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs. Bolivia, supra; Caso Cabrera García y Montiel Flores Vs.
México, supra; Caso Gelman Vs. Uruguay, supra; Corte IDH, Caso Fleury y otros Vs. Haití.
Sentencia de 23 de noviembre de 2011 (Fondo y Reparaciones). Serie C No. 236; Corte
IDH, Caso Atala Riffo y niñas Vs. Chile. Sentencia de 24 de febrero de 2012 (Fondo,
Reparaciones y Costas). Serie C No. 239; Corte IDH, Caso Fornerón e hija Vs. Argentina.
Sentencia de 27 de abril de 2012 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 242;
Caso Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Ecuador, supra; Corte IDH, Caso Artavia
Murillo y otros (Fecundación in Vitro) Vs. Costa Rica. Sentencia de 28 de noviembre de
2012 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas), Serie C No. 257; Corte
IDH, Caso Pacheco León y otros Vs. Honduras. Sentencia de 15 de noviembre 2017
(Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 342; y, Corte IDH, Caso Azul Rojas Marín
y otra Vs. Perú. Sentencia de 12 de marzo de 2020 (Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas). Serie C No. 402.
21. Caso Fornerón e hija Vs. Argentina, supra, §180.
22. Corte IDH, Caso Chinchilla Sandoval y otros Vs. Guatemala. Sentencia de 29 de febrero
de 2016 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 312, §274.

597
en las sociedades actuales, decidiendo sobre cuestiones
complejas y variadas. Es una figura—como tercero imparcial que
aplica e interpreta las normas—erigida como uno de los pilares
fundadores del estado constitucional (Sousa, 2009) que ejercen
la potestad jurisdiccional, entendida en términos simples como
conocer, juzgar y ejecutar lo juzgado—. Por otro lado, tal como ha
reconocido la Corte IDH, cumplen el rol de garantes de los derechos
y libertades fundamentales que constituyen un elemento esencial
del sistema de legitimidad en el que se apoya el Estado de Derecho,
convirtiéndose, afirma Barranco (2005) “en los criterios materiales
últimos de validez de las restantes normas del sistema” (p. 116).
Por ello, tomar en serio la jurisdicción, atendiendo especialmente
a ese rol de garantes, conlleva necesariamente ocuparse de la
formación de juezas y jueces; en palabras de Blasco (2000) “se
trata de una cuestión capital en una sociedad que proclama como
valores superiores de su ordenamiento jurídico, entre otros, la
libertad y la justicia y como principios básicos los de legalidad,
seguridad jurídica y proscripción de la arbitrariedad” (p.17).

La importancia de la capacitación de estos media es


recogida en el Código Iberoamericano de Ética Judicial en el que
se especial hincapié en la estrecha relación entre la exigencia sobre
el conocimiento y capacitación y prestar un servicio de calidad a
los justiciables; cuestión que adquiere especial intensidad en el
tema de la capacitación en materia de derechos humanos23.

Por lo anterior, “el cumplimiento del deber de capacitación


judicial no obedece solamente a un inquietud intelectual o a un
asunto de estatus social. Se trata de una materia estrechamente
vinculada con la eficacia y la eficiencia de la administración
de justicia” (Onfray, 2012, p. 24), y es, sin duda, “el principal
instrumento para afianzarlos y protegerlos” (Asis, 2006, p. 10), y
un presupuesto vital para cualquier sociedad democrática, dirá

23. En el capítulo IV reconoce que la exigencia sobre el conocimiento y capacitación se


relaciona con “el derecho de los justiciables y de la sociedad en general a obtener
un servicio de calidad en la administración de justicia” (artículo 28), extendiéndose
“tanto a las materias específicamente jurídicas como a los saberes y técnicas que
puedan favorecer el mejor cumplimiento de las funciones judiciales” (artículo 30);
conocimiento y capacitación que adquieren una especial intensidad en “relación con
las materias, las técnicas y las actitudes que conduzcan a la máxima protección de los
derechos humanos y al desarrollo de los valores constitucionales” (artículo 31).

598
Gregorio Peces Barba (2006).

Capacitación en temas de género: una cuestión de derechos


humanos

La relevancia de la capacitación de jueces y juezas en


materias de género, siguiendo a Ronconi y Vita (2013) parte
del supuesto que “existe una relación de pertinencia entre la
capacitación que reciben quienes aspiran a ocupar o desempeñan
cargos en la magistratura y un perfil de juez que colabore con
la construcción de un modelo de sociedad igualitario” (p. 115),
pudiendo no solo el Derecho reproducir las desigualdades entre
hombres y mujeres, sino que los jueces y juezas a través de la
aplicación del mismo, consolidando jerarquizaciones de género.
En tal sentido, Laura Pautassi (2020) se refiere al enorme impacto
que el enfoque de género produce:

“a nivel del conocimiento, de ruptura epistemológica al


incluir la idea de prisma que atraviesa los procesos y las
interpretaciones, buscando incomodar y desestabilizar los
órdenes dados, pero particularmente dejando en claro la
existencia de una asimetría de poder que impacta en todos
los ámbitos del saber, de la política, de la economía y de las
relaciones interpersonales”. (p.9)

En este punto me detendré, de manera breve, pese a la


complejidad del concepto y de sus implicancias, sobre el género
introducido por el feminismo académico de los años setenta del
siglo pasado, en el seno feminismo radical. Alicia Puleo (2007)24
explica que la utilización de esta categoría busca “rechazar los
rasgos adscritos ilegítimos adjudicados por el patriarcado a través
del proceso de naturalización de las oprimidas” e introducido
para distinguir los aspectos socio-culturales (construidos) de
los innatos (biológicos); el género, entonces, se constituye en
un elemento crítico que es desarrollado por el análisis feminista
“como un sistema de organización social basado en el control y

24. Explica que éste concepto se originó en los movimientos contestatarios de los años
sesenta del siglo xx, en el seno del feminismo radical que se define como tal porque
se propone buscar la raíz de la dominación, y entre sus puntos comunes destaca la
utilización de la categoría género.

599
la dominación sobre las mujeres” (38-42). Joan Scott (2011) —una
de las teóricas que más contribuyó al desarrollo de este concepto
(Martín, 2018: 39)— sostiene que la interrupción de esta categoría
visibiliza las construcciones de poder — no es el único poder, pero
sí el que más tiempo ha sobrevivido—, buscando erradicarlas
de raíz en todos y cada uno de los espacios y formas a través de
los cuales se articula la sociedad, tanto en lo público como en lo
privado (11-15; 22; 53; 64-68).

El género, incorporado como metodología —gender


mainstreaming25—, nos dirá Facio (1999) se enmarca entre aquellas
que revelen, en vez de ocultar, las relaciones de dominación
masculina y subordinación femenina, utilizando la reconstrucción
de los conceptos supuestamente neutrales para demostrar
su verdadera naturaleza androcéntrica, reconociendo que el
Derecho no refleja objetivamente la realidad social y biológica de
mujeres y hombres, admitiendo el rol preponderante del Derecho
en el mantenimiento y reproducción de todas la desigualdades
de género (p. 19). Proyectada este metodología en ámbito de los
derechos humanos, siguiendo a Carmona (2015) supone tener en
cuenta (i) las diferencias en el goce y violación de los derechos entre
hombres y mujeres; (ii) que determinadas violaciones tienen lugar
en contra de las mujeres por el solo hecho de serlo; (iii) requiere
un estudio de las relaciones reales entre hombres y mujeres; y,
finalmente (iv) una reflexión sobre los estereotipos que posibilitan
determinadas violaciones de los derechos de las mujeres (pp. 32-
37). En tal sentido, la incorporación de la perspectiva de género
“lleva de suyo un concienzudo análisis del principio/derecho de
igualdad” (Torres, 2013, p. 629), en ese paso hacia la consecución
de la igualdad material y que se conecta con la “reflexión sobre los
derechos de quienes habían sido “excluidos” de la representación
liberal del titular de derechos y que justifica tratamiento diferentes
en la existencia de diferentes necesidades que modulan el modo
en que los derechos formalmente concedidos pueden ejercerse” e
implica “hacer realidad el derecho a la igualdad. Responde a una
obligación de combatir la discriminación por medio del quehacer
jurisdiccional para garantizar el acceso a la justicia y remediar, en

25. Sobre el origen y recorrido histórico de esta metodología se puede consultar Carmona
(2015).

600
un caso concreto, situaciones asimétricas de poder” (Protocolo,
2013, p. 73).

La Corte IDH en su jurisprudencia ha ido incorporando


progresivamente la perspectiva de género desde los primeros
años de este nuevo siglo26; será en la sentencia del caso Penal
Castro Castro en la cual la Corte reconoció al inicio del análisis
de la determinación de la violación del artículo 5 de la CADH que
“especificará los efectos particulares de los hechos con respecto
a las internas en general y a las internas embarazadas” (p. 275)27
como de los aspectos específicos de la violencia contra la mujer
(p. 276)28, incorporando por primer vez entre sus argumentos la
Convención Interamericana para Prevenir, Sancionar y Erradicar
la Violencia contra la Mujer29. En materia de garantías de no
repetición la Corte ordenó al Estado implementar programas
de educación en derechos humanos dirigidos a agentes de las
fuerzas de seguridad (p. 452). Tres años después en la sentencia
del Caso González y otros, la Corte incorpora por primera vez,
entre las garantías de no repetición, programas de capacitación
y formación en materia de género, destinada, entre otras
autoridades, a las judiciales.

26. Previo a esta sentencia, la Corte IDH tímidamente en la sentencia sobre reparaciones
en el caso Plan Sanchez consideró que la violencia sexual contra las mujeres fue una
practica del Estado dirigida a destruir a la dignidad de la mujer a nivel cultural, social y
familiar e individual (reparaciones, §49.19). Corte IDH, Caso Masacre Plan de Sánchez
Vs. Guatemala. Sentencia de 29 de abril de 2004 (Fondo). Serie C No. 105.
Al año siguiente, en la sentencia del caso Masacre de Mapiripapin si bien determinó
que las mujeres sufren mayor vulnerabilidad en la situación de desplazamiento
forzado interno (§96.59), no realizó un mayor análisis sobre el impacto diferenciado
que genera ese tipo de violencia contra las mujeres.
27. En tal sentido la Corte reconoció que “las mujeres se vieron afectadas por los actos de
violencia de manera diferente a los hombres”, tanto las embarazadas (§290), como las
madres durante la incomunicación a las que fueron sometidas después del Operativo
Mudanza 1 (§330) y aquellas que fueron obligadas a estar desnudas (§306).
28. Iniciando así junto el desarrollo de estándares en materia de violencia sexual contra las
mujeres y la violación sexual.
29. Instrumento, dirá la Corte, “que complementa el corpus juris internacional en materia
de protección de la integridad personal de las mujeres” (§276), debiendo el Estado
observar la obligación de actuar con la debida diligencia para investigar y sancionar
la violencia contra la mujer contenido en el artículo 7.b de dicho tratado (§§344 y 379,
entre otros).

601
Programas de capacitación y formación en materia de género
en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos

Será en la sentencia del caso González y otras30 en la cual


la Corte IDH incorporó por primera vez entre sus garantías de
no repetición el deber del Estado de continuar implementando
cursos y programas (i) de educación y capacitación en derechos
humanos y género; (ii) perspectiva de género para la debida
diligencia en la conducción de averiguaciones previas y procesos
judiciales relacionados con discriminación, violencia y homicidios
de mujeres por razones de género; y, (iii) superación de estereotipos
sobre el rol social de las mujeres dirigidos a funcionarios públicos p.
541)31. Garantía que la Corte ha ido replicando en la jurisprudencia
destinada tanto a jueces y juezas; fiscales; policías32; integrantes
de las fuerzas armadas33; profesionales de la salud34 e incluso a
la población en general35. Atendida el objetivo de este trabajo
me detendré únicamente en los casos en que esta garantía es
ordenada respecto de jueces y juezas.

En el caso “Campo Algodonero” la Corte sostuvo que


las medidas de reparación solicitadas por la Comisión y los
representantes fueron valoradas de forma que, entre otros
criterios, (i) se refieran directamente a las violaciones declaradas

30. Corte IDH, Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Sentencia de 16 de
noviembre de 2009 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No.
205.
31. Cursos dentro de los cuales deberá hacerse una especial mención a la sentencia y a los
instrumentos internacionales de derechos humanos, específicamente, a los relativos a
violencia por razones de género, entre ellos la Convención Belém do Pará y la CEDAW
(§ 542).
32. Cfr. Corte IDH, Caso Mujeres Víctimas de Tortura Sexual en Atenco Vs. México. Sentencia
de 28 de noviembre de 2018 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas).
Serie C No. 371; y, Corte IDH, Caso López Soto y otros Vs. Venezuela. Sentencia de 26 de
septiembre de 2018 (Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C nº 362.
33. Cfr. Caso Nadege Dorzema y otros Vs. República Dominicana, supra, supra; Caso Masacres
de El Mozote y lugares aledaños Vs. El Salvador, supra.
34. Cfr. Caso López Soto y otros vs. Venezuela, supra.
35. En el caso González y otras (Campo Algodonero) la Corte IDH ordenó al Estado,
“teniendo en cuenta la situación de discriminación en contra de la mujer reconocida
por el Estado” que éste realice un programa de educación destinado a la población en
general del estado de Chihuahua, con el fin de superar dicha situación (§543).
También lo ordenó en la sentencia Corte IDH, Caso Velásquez Paiz y otros Vs. Guatemala.
Sentencia de 19 de noviembre de 2015 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones
y Costas). Serie C No. 307, §247.

602
por el Tribunal; (ii) se orienten a identificar y eliminar los factores
causales de discriminación; (iii) reestablezcan en la mayor medida
de lo posible a las víctimas en la situación anterior a la violación en
aquello en que no se interfiera con el deber de no discrimina; y, (iv)
se adopten desde una perspectiva de género, tomando en cuenta
los impactos diferenciados que la violencia causa en hombres y en
mujeres (p. 451). Por otro lado, la Corte razonó en el sentido que
este caso considerando la situación de discriminación estructural
en la que se enmarcan los hechos ocurridos, las reparaciones
“deben tener una vocación transformadora de dicha situación, de
tal forma que las mismas tengan un efecto no solo restitutivo sino
también correctivo”, resultando, por ende, inadmisible en este
caso una restitución a la misma situación estructural de violencia
y discriminación (p. 450).

Lo anterior permite relacionar los cursos y programas en


temas de género ordenados, con dos cuestiones centrales en la
argumentación de la sentencia de la Corte a la hora de determinar
la responsabilidad del Estado mexicano en la violación de los
derechos en perjuicio de Claudia Ivette González, Laura Berenice
Ramos Monárrez y Esmeralda Herrera Monreal. Por un lado, la
reconoció que los hechos de la desaparición y homicidio de las
tres jóvenes se enmarca en un contexto general de violencia en
contra de las mujeres —que el Estado, sostiene la Corte reconoció
ante la CEDAW—, que están “influenciados por una cultura de
discriminación contra la mujer basada en una concepción errónea
de su inferioridad” (p. 132); cultura que contribuyó “a que los
homicidios de mujeres en Ciudad Juárez no fueron percibidos en
sus inicios como un problema de magnitud importante para el
cual se requerían acciones inmediatas y contundentes por parte
de las autoridades competentes” (p. 398).

Por otro lado, la Corte IDH relacionó la subordinación de la


mujer:

“a prácticas basadas en estereotipos de género socialmente


dominantes y socialmente persistentes, condiciones que
se agravan cuando los estereotipos se reflejan, implícita o
explícitamente, en políticas y prácticas, particularmente en
el razonamiento y el lenguaje de las autoridades de policía
judicial, como ocurrió en el presente caso. Así la creación

603
y uso de estereotipos se convierte en una de las causas y
consecuencias de la violencia de género en contra de la
mujer” p. 401).

Incorporando a su argumentación el concepto de


estereotipo de género que se refiere a una “pre-concepción de
atributos o características poseídas o papeles que son o deberían
ser ejecutados por hombres y mujeres respectivamente”(p. 401),
que estuvieron contenidos en “los comentarios efectuados por
funcionarios en el sentido de que las víctimas se habrían ido con
su novio o que tendrían una vida reprochable y la utilización de
preguntas en torno a la preferencia sexual de las víctimas”, los que
la Corte consideró que constituyen estereotipos (p. 208)36.

Al año siguiente en los casos Fernández Ortega y otros, y


Rosendo Cantú y otras, ambas sentencias condenatorias en contra
de México (2010), la Corte ordenó reparaciones en las cuales no
perdió de vista que la señora Fernández Ortega “es una mujer
indígena, en una situación de especial vulnerabilidad” (p. 223)
y, por su parte, la señora Rosendo Cantú es “una mujer indígena,
niña al momento de ocurridas las violaciones” p. 206); ordenando
en ambos casos como garantía de no repetición programas y
cursos permanentes “sobre investigación diligente en casos de
violencia sexual contra las mujeres, que incluyan una perspectiva
de género y etnicidad”37.

La Corte IDH ha incorporado progresivamente en su


jurisprudencia la garantía de no repetición de implementar
programas y curso permanente de educación y capacitación en
género en los casos Espinoza Gonzáles y otros Vs. México; Caso
Velásquez Paiz y otros Vs. Guatemala; Caso V.R.P., V.P.C. y otros VS.
Nicaragua38; y, Caso López Soto y otros Vs. Venezuela.

36. Estereotipos de género que junto con la inacción estatal al comienzo de la investigación,
y sus consecuencias respecto de la impunidad “envía el mensaje de que la violencia
contra la mujer es tolerada, lo que favorece su perpetuación y la aceptación social del
fenómeno, el sentimiento y la sensación de inseguridad en las mujeres, así como una
persistente desconfianza de éstas en el sistema de administración de justicia” (§400).
37. Caso Fernández Ortega y otros Vs. México, supra, §260; y, Caso Rosendo Cantú y otras Vs.
México, supra, §246.
38. Corte IDH, Caso V.R.P., V.P.C. y otros Vs. Nicaragua. Sentencia de 8 de marzo de 2018
(Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). Serie C No. 350

604
Estándares

La revisión de las sentencias en las cuales la Corte IDH


ha incorporado como garantía de no repetición programas o
cursos de formación en temas de género para jueces y juezas,
me permitirá mencionar los estándares fijados por la Corte en
este temas, respecto a materiales, metodología y objetivos. Cabe
mencionar que en reciente sentencias la Corte estableció que “las
reparaciones deberán incluir un análisis que contemple no sólo el
derecho de la víctima a obtener una reparación, sino que, además,
incorpore una perspectiva de género, tanto en su formulación
como en su implementación”39.

En lo referentes a las temáticas la Corte ha incluido cursos y


programas de formación en (i) derechos humanos y género40; (ii)
perspectiva de género para la debida diligencia en la conducción
de averiguaciones previas y procesos judiciales relacionados con
discriminación, actos de violencia y violación sexual violencia y
homicidios de mujeres por razones de género41; (iii) superación
de estereotipos de género42; (iv) investigación diligente en
casos de violencia sexual contra las mujeres, que incluyan una
perspectiva de género y etnicidad43; (v) estándares en materia
de prevención, eventual sanción y erradicación de homicidios de
mujeres y capacitación sobre la debida aplicación de la normativa
pertinente en la materia44; y, (vi) estándares de debida diligencia
en la investigación de casos de violencia sexual contra niñas45.

Por otra parte, la Corte ha dispuesto que una capacitación


con perspectiva de género implica no solo un aprendizaje de

39. Caso V.R.P., V.P.C. y otros Vs. Nicaragua, supra, §. 337; y, Caso López Soto y otros Vs.
Venezuela, supra, §338;
40. Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México, supra; y, Caso Espinoza González
Vs. Perú, supra.
41. Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México, supra; Caso Espinoza Gonzáles
Vs. Perú, supra;
42. Caso González y otras vs. México, supra; Caso Espinoza González; Caso V.R.P., V.P.C. y otros
Vs. Nicaragua, supra; Corte IDH. Caso López Soto y otros Vs. Venezuela, supra.
43. Caso Fernández Ortega y otros Vs. México, supra; y, Caso Rosendo Cantú y otras Vs. México,
supra; y, Caso López Soto y otros Vs. Venezuela, supra.
44. Caso Véliz Franco y otros Vs. Guatemala, supra; y, Caso Velázquez Paiz y otros Vs.
Venezuela, supra.
45. Caso V.R.P., V.P.C. y otros Vs. Nicaragua, supra, §392.

605
las normas, sino el desarrollo de capacidades para reconocer
la discriminación que sufren las mujeres en su vida cotidiana,
tomando en cuenta cómo ciertas normas o prácticas en el derecho
interno, sea intencionalmente o por sus resultados, tienen
efectos discriminatorios en la vida cotidiana de las mujeres46,
como también para “deconstruir los estereotipos de género
negativos o perjudiciales y así asegurar que las investigaciones y
enjuiciamientos de este tipo de hechos se realicen de acuerdo a
los más estrictos estándares de debida diligencia”47.

En cuando a aspecto metodológicos, la Corte ordena que la


formación en estas materias sea continua y debe extender durante
un lapso importante para cumplir sus objetivos48. Finalmente
plantea como objetivos de estas garantías de no repetición
(i) deben generar que todos los funcionarios reconozcan las
afectaciones que generan en las mujeres las ideas y valoraciones
estereotipadas en lo que respecta al alcance y contenido de los
derechos humanos49; (ii) deconstruir estereotipos de género y
falsas creencias en torno a la violencia sexual, para asegurar que
las investigaciones y enjuiciamientos de estos hechos se realicen
de acuerdo a los más estrictos estándares de debida diligencia50.

Reflexiones finales

A contar de 2009, la Corte introduce en las sentencias


como garantía de no repetición la obligación de los Estados
de implementar programas o cursos en materia de género,
reconociendo la importancia que reviste la formación y capacitación
en este tema de quienes son los y las llamadas a garantizar los
derechos humanos. Su incorporación a través de programas de
formación permanente en diversas materias busca no sólo el
conocimiento de una serie de normas, estándares, jurisprudencia,
entre otras, sino que a través de dicho conocimiento que jueces

46. Cfr. Caso González y otras Vs. México, supra; y, Caso Espinoza González y otros Vs. Perú,
supra.
47. Caso López Soto y otros Vs. Venezuela, supra, § 338.
48. Cfr. Caso González y otras Vs. México, supra; y, Caso Espinoza Gonzáles y otros Vs. Perú,
supra.
49. Cfr. Caso González y otras VS. México, supra.
50. Caso V.R.P., V.P.C. y otros Vs. Nicaragua, supra; y, Caso López Soto y otros Vs. Venezuela,
supra.

606
y juezas logren reconocer lo que la incorporación del género
no ha develado: las históricas situaciones de discriminación
que vivencian en nuestro continente niñas y mujeres, que se
entrecruzan con otras formas subordinación, pensemos por
ejemplo en la niña V.R.P. o de la señora Inés Fernández Ortega,
y que se ven amparadas, muchas veces, por un sistema judicial
que no ha cumplido debidamente con su rol de garante de sus
derechos, perpetuando la impunidad ante graves situaciones de
violencias en su contra.

La formación y capacitación de jueces y juezas se vuelve


un imperativo en la impostergable visibilización y erradicación
de esa cultura de discriminación, buscando deconstruir
anquilosadas estructuras históricas de poder y estereotipos
negativos de género que han impactado negativamente en la
vida de las niñas y mujeres en nuestro continente, y que, pese a el
reconocimiento de la plena igualdad entre hombres y mujeres, de
normas específicas en materia de derechos humanos de la mitad
del mundo, se mantiene.

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609
Breve análise da união estável e do casamento
homoafetivos no Brasil

Carolina Alves Ferri 1


Gabrielly Alberto da Conceição1

Centro Universitário Cenecista de Osório (UNICNEC), Osório/RS,


Brasil
Educación en Derechos Humanos y Diversidades
Homossexuais. Casamento. Legislação.

Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de apresentar


questões referentes à união estável e ao casamento entre casais
homossexuais no Brasil. Através da apresentação do contexto
histórico dessas relações no Brasil e no mundo e da evolução
social e legislativa quanto ao reconhecimento e proteção
dessas relações, serão demonstrados pontos controvertidos do
assunto e questões de difícil compreensão perante a sociedade
brasileira. Além disso, a fim de enriquecer o presente estudo,
será apresentado o processo judiciário e a conclusão da Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, julgada pelo Supremo
Tribunal Federal e que trata sobre a união estável homossexual e
a autorização para realização dessa. Para tanto, serão descritos os
votos e argumentos dos Senhores Ministros, de forma resumida,
com o propósito de expor o entendimento da Suprema Corte
brasileira acerca da igualdade entre as pessoas e da omissão
legislativa quanto à família homossexual brasileira. Por fim, serão
exibidas algumas movimentações legislativas atuais que tratam
tanto da proteção dessas relações quanto da sua proibição e
desqualificação no Brasil. Esse trabalho tem, em síntese, a intenção
de conscientizar acerca da importância da tutela e do respeito a
todas as pessoas, sem qualquer discriminação do ordenamento
jurídico ou da sociedade.

Palavras-chave: Homossexuais. Casamento. Legislação.

1. Acadêmica do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Cenecista de


Osório - UniCnec.

610
Abstract

The present work has the objective of presenting


questions regarding the stable union and the marriage between
homosexual couples. Through the presentation of the historical
context of these relations, of repression, prejudice, social and
legislative evolution regarding the recognition and protection
of homosexuals, controversial points of the subject will be
demonstrated and questions difficult to understand before
society in general. In addition, in order to enrich the present
study, the judicial process and the conclusion of ADI 4277 will
be presented, which deals with the stable homosexual union
and the authorization to perform it. In order to do so, the votes
and arguments of the Ministers will be described in summary
form, with the purpose of exposing the Federal Supreme Court’s
understanding of equality between persons and of legislative
omission regarding the homosexual family. Finally, there will be
some current legislative moves that address both the protection
of these relations and their prohibition and disqualification. This
work has, in summary, the intention to raise awareness about the
importance of guardianship and respect for all people, without
any discrimination of the legal order or society.

Key words: Homossexuals. Marriage. Law.

Introdução

Nos dias atuais, a maior parte da população vive em


sociedade respeitando as diferenças e escolhas das pessoas que
os cercam. Porém, quando o assunto é a homossexualidade,
a sociedade reage de forma violenta e vingativa. Nota-se que,
apesar da evolução dos povos, questões que tratam sobre pessoas
do mesmo sexo em um relacionamento ainda causam repulsa em
alguns indivíduos. Essa manifestação, entretanto, não condiz com
a realidade jurídica do país, uma vez que a todos os cidadãos, sem
qualquer discriminação, são assegurados os direitos fundamentais
à igualdade, à liberdade pessoal, à dignidade da pessoa humana e
à segurança jurídica.

A homossexualidade sempre esteve presente em todas as


sociedades, assim como o preconceito. Entretanto, o cristianismo

611
consolidou a repressão que hoje se reflete nessas declarações
fundadas em viés religioso, bem como na legislação brasileira que
se apresenta omissa quanto à proteção das relações homoafetivas.
A fim de minimizar os danos causados por essa lacuna, o Brasil
encontrou meios através dos quais poderia tangenciar a legislação
repressiva e proporcionar maior proteção jurídica a essas relações.
Essas decisões encaminharam o país a se tornar uma sociedade
mais justa e menos preconceituosa, como se reflete no julgamento
da ADI 4277, pelo Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, tendo em vista que muitos dos projetos


legislativos atuais tratam acerca da proibição e repressão das
relações homoafetivas e, consequentemente, fundamentam a
disseminação do preconceito, o Brasil ainda tem muito o que
caminhar para se tornar um exemplo de combate à homofobia
tanto para sua própria população quanto para o mundo.

1. A história das relações homoafetivas pelo mundo

Diferentemente do que a sociedade atual faz parecer, as


relações homoafetivas sempre estiveram presentes na história da
humanidade. Entre os povos antigos, as relações entre pessoas do
mesmo sexo eram aceitas apenas entre os homens, valorizando-
se exclusivamente o “polo ativo” uma vez que essa condição
significava o poder sobre si mesmo enquanto a passividade
refletia a submissão feminina.2

Conhecida como pederastia3, a relação entre pessoas do


sexo masculina tinha caráter ritualístico. Na Grécia e em outras
civilizações, as relações faziam parte de um ritual de iniciação dos
jovens para a vida pública, momento no qual o menino “adquiria
identidade e se integrava à comunidade masculina”4.

Já em Esparta, sociedade que tinha seu foco no


desenvolvimento militar, o relacionamento entre homens era
incentivado dentro dos exércitos com o objetivo de que os

2. DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os Direitos LGBTI. 6ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 47.
3. Prática sexual entre um homem e um rapaz mais jovem (Dicionário Google).
4. Idem. Ibidem, p. 48.

612
guerreiros fossem para os combates para, além de lutar por sua
cidade-estado, lutar também pela vida de seu companheiro, o
que aumentava a dedicação na batalha.5

Na sociedade romana, por sua vez, as relações eram


chamadas de sodomia6 e o preconceito existia em desfavor
daqueles que assumiam a condição de passividade, relacionando-a
à incapacidade política e debilidade de caráter. Uma das mais
evidentes diferenças entre o povo romano e o povo grego é que,
na Roma, as relações só eram permitidas com jovens escravos, já
que tinham a característica de dominação enquanto na Grécia o
amor por meninos livres era comum.7

Com o advento do cristianismo, o sexo passa a ser visto como


pecado e permitido exclusivamente no âmbito matrimonial e para
procriação. Na Idade Média, o casamento torna-se sacramento. A
partir daí, as uniões abençoadas pela igreja passam a ser as únicas
válidas e indissolúveis. Foi nessa época que ocorreu a maior
perseguição aos homossexuais, através da Santa Inquisição, e
que, em no ano de 1179, o III Concílio de Latrão tornou crime a
homossexualidade. Após, as legislações passaram a penalizar a
sodomia e, inclusive, punir a homossexualidade com a pena de
morte.8

Com o passar dos anos, importantes mudanças sociais foram


fundamentais para o reconhecimento das relações homoafetivas
e a manifestação de uma sociedade menos preconceituosa: a
distanciação entre Estado e igreja fez com que as pessoas não mais
se sentissem pecadoras, a autorização da dissolução do casamento
celebrado pelo Estado desconstituiu a santidade do matrimônio, a
sociedade passou a aceitar novas constituições familiares baseadas
no afeto e a orientação sexual passou a ser, além de uma opção,
um direito. Essas mudanças levam as sociedades a se tornarem
mais tolerantes, principalmente após o século XX com a ascensão
das normas de proteção aos direitos humanos.9

5. Idem. Ibidem, p. 47.


6. Coito anal entre indivíduos do sexo masculino ou entre um homem e uma mulher
(Dicionário Google).
7. Idem. Ibidem, p. 49.
8. Idem. Ibidem, p. 50.
9. Idem. Ibidem, p.54.

613
1.1 A trajetória social e legislativa das relações homoafetivas
no Brasil

No Brasil, a Igreja Católica teve grande influência na


construção do pensamento social e legislativo, uma vez que, até
1889, essa era a religião oficial do país.10 A partir do século XX,
as relações homossexuais deixaram de ser crime e passaram a
ser consideradas doença (em 1985 o “homossexualismo”11 deixa
o catálogo de doenças da Organização Mundial da Saúde e a
partir de 1995 se passa a tratar como homosexualidade12)13. Nesse
período, o preconceito se tornou mais forte e rancoroso que
aquele difundido na Idade Média, baseado na antinaturalidade
das relações homoafetivas masculinas por representarem
desperdício de sêmen.14

A influência do catolicismo na codificação brasileira fez com


que o legislador fosse omisso quanto a regulamentação e proteção
das relações homoafetivas. Conforme argumenta Maria Berenice
Dias, a falta dessa normatização é uma “tentativa de exercitar certo
controle social, a tendência sempre foi emprestar juridicidade
somente às relações heterossexuais”15. Para suprir essa omissão
da legislação e atribuir efeitos jurídicos às uniões homoafetivas, a
justiça invocava os art. 4º16 e 5º17 da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro e o art. 12618 do já ultrapassado Código de
Processo Civil de 1973.

A Constituição cidadã de 1988 foi marco importante para

10. DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os Direitos LGBTI. 6ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 54.
11. O sufixo “ismo” sugere uma condição patológica.
12. O sufixo “dade” sugere o modo de ser da pessoa.
13. SARMENTO, Daniel. Casamento e União Estável entre Pessoas do Mesmo Sexo:
Perspectivas Constitucionais. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 620.
14. DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os Direitos LGBTI. 6ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 55.
15. Idem. Ibidem, p. 141.
16. LINDB, art. 4º: quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,
os costumes e os princípios gerais do direito.
17. LINDB, art. 5º: na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
18. CPC/73, art. 126: o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou
obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as
havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito.

614
a evolução do reconhecimento das famílias homoafetivas uma
vez que consolidou os princípios fundamentais da igualdade,
que repele todas as formas de preconceito e discriminação, da
liberdade pessoal, garantindo o poder de decisão condicionado
à circunstâncias naturais, psíquicas, culturais, econômicas e
históricas, da dignidade da pessoa humana, que trata do espaço
de integridade a ser assegurado a todas as pessoas pelo simples
fato de serem pessoas, certificando condições materiais mínimas
para a existência, integridade física e valores morais e espirituais e
o princípio da segurança jurídica que busca regular a estabilidade
das relações jurídicas e a proteção da confiança do cidadão no
sistema judicial.19

Baseadas nesses princípios e interpretando analogicamente


o art 226, §3º20 da Carta Magna, algumas importantes decisões
foram proferidas no âmbito da justiça nacional. Algumas delas
são relembradas por Daniel Sarmento21: em 1989 o Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, reconheceu como sociedade de
fato a união entre o artista plástico Jorge Guinle FIlho e seu
companheiro, com quem viveu durante 17 anos (Apelação Cível
nº 731/89, julgado em 08.08.89), em 2000, o Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul se manifestou atribuindo competência às
varas de família para julgamento das dissoluções de uniões entre
pessoas do mesmo sexo (Agravo de Instrumento nº 599075496,
julgado em 29.06.00), em 2005, Ação Civil Pública impetrada
pelo Ministério Público Federal e julgada pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região condenou o INSS22 a conceder os direitos
previdenciários aos companheiros homossexuais da mesma forma
que aos heteressexuais (Apelação Cível nº 2000.71.000.009347-
0/RS, julgada em 27.07.05) e em 2006, o TJRS reconheceu como
entidade familiar a união homoafetiva ao admitir a adoção por
casais formados por duas pessoas do mesmo sexo (Apelação Cìvel
nº 70013801592, julgada em 05.04.06).

19. BARROSO, Luis Roberto. Diferentes, mas Iguais: O Reconhecimento Jurídico das
Relações Homoafetivas no Brasil. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 661/694
20. Reconhece como entidade familiar a união estável entre homem e mulher.
21. SARMENTO, Daniel. Casamento e União Estável entre Pessoas do Mesmo Sexo:
Perspectivas Constitucionais. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 623/634.
22. Instituto Nacional de Seguro Social

615
Em 2013, como um marco para o reconhecimento das
relações homoafetivas, a Resolução 175 do Conselho Nacional
de Justiça proíbe as autoridades competentes de se recusarem
a realizar a habilitação ou celebração de casamento civil ou de
conversão de união estável em casamento entre pessoas de
mesmo sexo, submetendo os transgressores à procedimento
administrativo disciplinar.

A partir dessas manifestações da justiça brasileira,


foi inaugurado um processo de maior preocupação com a
regulamentação das relações entre pessoas do mesmo sexo.
Esse processo, mesmo que uma grande vitória para toda a
sociedade, ainda tem grandes defeitos, uma vez que essas
relações não estão devidamente normatizadas, ficando a
mercê de decisões e resoluções vulneráveis a mudanças de
entendimento e revogações. Por isso, no sentido de garantir os
princípios constitucionais da liberdade, igualdade, dignidade da
pessoa humana e da segurança jurídica e evitar que a legislação
permaneça omissa quanto à existência de outras formas de amor,
é preciso que o Brasil tome decisões vinculantes e crie legislações
de caráter cogente.

2 ADI 427723

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 ficou


consolidado que a Carta Magna de 1988 veda o preconceito em
razão do sexo do indivíduo, isso por força do seu art. 3º, inciso IV24.
Frisou-se que o vocábulo sexo compreende não só a diferença
dicotômica entre homem e mulher, mas também a orientação
sexual de cada um desses.

A Constituição Federal não traz em seu bojo qualquer


proibição quanto à relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo.
Desse modo, o STF adotou a teoria da “norma geral negativa” de

23. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4277 DF. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília,
05 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.
asp?id=400547&tipo=TP&descricao=ADI%2F4277> Acesso em: 21.11.2018
24. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV
- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.

616
Kelsen, segundo a qual o que não estiver juridicamente proibido,
ou obrigado, está juridicamente permitido. A Corte frisou,
também, que o direito à opção sexual deriva dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade.

Além disso, assentou que a Constituição não dá ao


substantivo família um conceito fechado. Sua formação não se
limita aos casais heteroafetivos, uma vez que se trata de uma
instituição privada e voluntariamente constituída. Do mesmo
modo, sob o prisma constitucional, não há supremacia de um tipo
de família sobre o outro. Diante disso, o STF julgou procedente a
ADI 4277, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, aplicando-
se à união estável homoafetiva as mesmas regras da união
heteroafetiva.

2.1 Processo da ADI

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 foi inicialmente


processada como Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 178-DF, de autoria da então Procuradora-Geral
da República, Dra. Déborah Duprat.

A ADPF 178 foi distribuída ao Min. Gilmar Mendes que


determinou a reautuação dessa como ADI 4277, porquanto não
havia no pedido principal objeto específico e delimitado capaz
de ser impugnado pela via eleita, o que tornou a inicial inepta,
de modo que foi apreciado o pedido subsidiário para que o art.
1.72325 do Código Civil de 2002 fosse interpretado conforme a
Constituição Federal. No mesmo sentido, a ADPF 132-RJ já havia
sido distribuída ao Min. Ayres Britto em data anterior e, em razão
da identidade parcial entre os objetos das ações em comento, a
ADPF 132-RJ foi redistribuída ao Min. Britto por prevenção (art.
77-B RISTF)26 para serem julgadas em conjunto.

25. Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com
o objetivo de constituição de família.
26. Art. 77-b. Na ação direta de inconstitucionalidade, na ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, na ação declaratória de constitucionalidade e na
arguição de descumprimento de preceito fundamental, aplica-se a regra de distribuição
por prevenção quando haja coincidência total ou parcial de objetos.

617
A ADPF 132-RJ, proposta pelo Governador do Estado do
Rio de Janeiro, em seu pedido principal requereu a interpretação
conforme à Constituição do art. 19, incisos II e V27 e do art. 3328 do
Decreto-Lei nº 220/1975 a fim de afastar qualquer entendimento
que dificultasse aos servidores homoafetivos que viviam em
união estável o acesso aos benefícios previstos nos referidos
dispositivos.

Por outro lado, como pedido subsidiário, foi requerida a sua


recepção como ADI, para que não só os artigos supramencionados
do Decreto-Lei 220/1975 fossem interpretados conforme à
Constituição, mas também o art. 1.723 do Código Civil. No
entanto, o Min. Ayres Britto considerou que o art. 1º, §7º da Lei
nº 5.034/200729 equiparou os companheiros homoafetivos à
condição de companheira ou companheiro, ainda que somente
para fins previdenciários (desde que respeitadas as exigências da
configuração de união estável), o que resultou na perda de objeto
parcial da ADPF 132, recebendo-a, portanto, como Ação Direta de
Inconstitucionalidade de nº 4277.

2.2 Dos Votos

Presentes e votantes os Srs. Ministros Ayres Britto


(relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio, Celso de Mello
e Cezar Peluso, após apresentados todos os votos e discutidos os
argumentos, decidiram os ministros em conhecer da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, como Ação
Direta de Inconstitucionalidade, julgando-a em conjunto com
a ADI 4277. Com unanimidade, julgaram procedente as ações,
com efeito erga omnes e vinculante, tendo as mesmas regras e

27. Art. 19 - Conceder-se-á licença:


II - por motivo de doença em pessoa da família, com vencimento e vantagens integrais
nos primeiros 12 (doze) meses; e, com dois terços, por outros 12 (doze) meses, no
máximo;
V - sem vencimento, para acompanhar o cônjuge eleito para o Congresso Nacional
ou mandado servir em outras localidades se militar, servidor público ou com vínculo
empregatício em empresa estadual ou particular.
28. Art. 33 - O Poder Executivo disciplinará a previdência e a assistência ao funcionário e à
sua família, compreendendo:
29. Dispõe sobre a averbação, pelos servidores públicos estaduais, da condição de
companheiros do mesmo sexo, para fins previdenciários e dá outras providências.

618
consequências da união estável heteroafetiva, em sessão presidida
pelo Ministro Cezar Peluso. A seguir, serão apresentados, de forma
resumida, os votos dos ministros e os argumentos utilizados
durante o julgamento.

2.2.1 Ministro Ayres Britto (Relator)

Primeiramente, o Sr. Ministro Ayres Britto analisou o pedido


inicial do autor da ADPF 132-RJ, acerca da aplicação da técnica
de “interpretação conforme à Constituição” do Decreto-Lei nº
220/1975 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do
Rio de Janeiro), incisos II e IV do art.19 e art. 33. Usa-se a técnica
da “interpretação conforme” a fim de eliminar o entendimento
desfavorecido acerca da convivência estável de qualquer
servidor homoafetivo, equiparando à união estável de servidores
heterosexuais. Para o Ministro, tal comparação seria viável. Na
mesma oportunidade, menciona que desde 2007, nos artigos
1º e 2º da Lei nº 5.034/2007 do Rio de Janeiro, há a equiparação
da condição de companheiro aos parceiros homoafetivos
que mantenham relação civil permanente. Seguindo com sua
manifestação, o ministro conhece a ADPF 132 como Ação Direta
de Inconstitucionalidade, submetendo o art. 1.723 do Código
Civil também à referida técnica de “interpretação conforme à
Constituição”.

Superada as questões preliminares, passa a se manifestar


quanto ao mérito da causa. O Ministro, de plano, comunica que
merecem acolhimento os petitório de ambas as ações e faz
menção que o termo “homoafetividade”, usado no presente feito,
não consta no dicionário, mas é aplicável para demonstrar o
vínculo de amor e afeto de pessoas do mesmo sexo. Na mesma
linha, Ayres Britto afirma que o sexo das pessoas não deveria
servir de alicerce para desigualdades jurídicas e faz menção ao art.
3º, inciso IV da carta magna, que afirma ser vedado o tratamento
desigual ou discriminatório acerca do fator sexo. Qualquer
pessoa que não respeite esse entendimento, vai contra à máxima
constitucional de promover o bem de todos.

Por fim, o Ministro explica que a família é amorosa e não


biológica, não sendo extraído nenhum sentido rigoroso ao seu
uso na Constituição Federal. Com uma bela explanação acerca

619
da “entidade familiar”, o ministro encerra seu voto eliminando
qualquer interpretação que não reconheça a união contínua,
duradoura e pública entre pessoas do mesmo sexo, à que se refere
o art. 1.723 do Código Civil.

2.2.2 Ministro Luiz Fux

O Sr. Ministro Luiz Fux inicia acompanhando o voto


do relator no recebimento da ADPF 132 como Ação Direta
de Inconstitucionalidade e apreciando, subsidiariamente, a
“interpretação conforme à Constituição” do art.1.723 do CC.
Passando ao exame do mérito, Luiz Fux expõe algumas premissas
com o fito de apreciar a causa, quais sejam: a homosexualidade é
um fato da vida; é uma orientação e não uma opção sexual; não
constitui distúrbio mental ou doença, mas uma característica
da personalidade do indivíduo; um indivíduo é homosexual
simplesmente porque o é (não interessando a origem de sua
homosexualidade); a homosexualidade não é uma ideologia
ou uma crença; os homossexuais constituem entre si relações
contínuas e duradouras de afeto e assistência recíprocos, com o
propósito de compartilhar meios e projetos de vida; e a última
premissa, que não é um fato mas parte do entendimento jurídico:
não existe nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade
no estabelecimento da união homoafetiva, não há no direito
brasileiro uma proibição às uniões homoafetivas.

Seguindo com sua manifestação, o Ministro afirma que


a questão não é saber “se” a constituição dá amparo a união
homoafetiva, pois sabe-se que sim. A verdadeira questão é saber
qual o tratamento dar à essa união. Ademais, conclui que canetas
de magistrados não são capazes de acabar com o preconceito
de uma sociedade, mas são o começo da garantia de direitos
positivados para as minorias. Pelo exposto e por inúmeros outros
motivos,manifestou-se pela procedência dos pedidos da ação,
a fim de dar ao art.1.723 a mesma aplicabilidade às relações
homoafetivas e declarou que o STF estará garantindo aos casais
gays mais que um projeto de vida, um projeto de felicidade.

2.2.3 Ministra Cármen Lúcia.

Inicialmente, a Sra. Ministra destaca que, para uma geração

620
que nasce com direitos consolidados, é difícil imaginar o quão
árduo foi o processo de aquisição destes. Cármen Lúcia cita o
autor Norberto Bobbio, nos seguintes dizeres: “Bobbio afirmou, na
década de oitenta do séc. XX, que a época não era de conquistar
novos direitos, mas tornar efetivos os direitos conquistados“30.
Para Carmen, há uma longa luta para a conquista de novos direitos,
haja vista que as minorias são violentadas e a discriminação ainda
impera.

Assim, a Ministra acompanha o voto do ministro Luiz Fux,


a fim de reconhecer a aplicação do art.1.723 também a relações
homoafetivas, tendo em vista que para toda manifestação de
preconceito, contra qualquer um, há o direito constitucional
como proteção.

Encaminhando-se ao fim de seu voto, a douta magistrada


afirma que não se pode considerar como pessoas de classe inferior
ou praticar desigualdades com aqueles que escolhem viver uma
união homoafetiva, simplesmente por não adotarem uma vida
heterossexal. Desse modo, haja vista que as jurisprudências atuais
já reconhecem a união de pessoas do mesmo sexo para fins de
direitos sociais, previdenciários e fiscais, votou a favor da ação.

2.2.4. Ministro Ricardo Lewandowski

O Sr. Ministro inicia a sua declaração estipulando que existem,


pelo menos, três tipos de famílias identificadas na Constituição
Federal: a que se denomina monoparental, a configurada pela
união estável e a constituída pelo casamento. Para o ministro, não
há como enquadrar pessoas do mesmo sexo em nenhuma das
entidades familiares citadas. Ricardo ressalta que o art. 226, §3 da
CF é minucioso em descrever que será reconhecida união estável
entre homem e mulher. Já que a lei traz essa especificação, como
equiparar a união de pessoas do mesmo sexo à união estável do
referido artigo? indaga Ricardo.

Para o Ministro, deveria ser criada uma nova entidade

30. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4277 DF. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, 05
de maio de 2011, p. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.
asp?id=400547&tipo=TP&descricao=ADI%2F4277> Acesso em: 21.11.2018

621
familiar a fim de contemplar a união homoafetiva, surgindo-se
de uma leitura sistemática do texto constitucional, haja vista a
necessidade de cumprir com os princípios pilares do ordenamento
pátrio: à dignidade da pessoa humana, liberdade, preservação da
intimidade e a igualdade das pessoas do mesmo sexo.

Por fim, ressalta que a união homoafetiva é uma realidade


da atual sociedade e que embora o art. 226 tenha sido objetivo,
não quer dizer que não possa conhecer desta a união duradoura,
contínua e estável das pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido, o
Ministro julgou procedente os pedidos contidos na ADI 4277.

2.2.5 Ministro Joaquim Barbosa

De início, o senhor Ministro ressaltou que esta situação


demonstra claramente a diferença entre o mundo real dos fatos
e o universo do Direito. Discutiu também que, nesta situação,
as questões jurídicas não foram capazes de acompanhar as
mudanças da estrutura da nossa sociedade, e este quadro não se
encontra apenas na esfera do nosso país, e sim em esfera global.
Em relação a este descompasso, o Senhor Ministro referiu que
não estava se referindo especificamente a questão homoafetiva,
referiu sim sobre a progressiva abertura da sociedade, em
reconhecer, aceitar e respeitar os indivíduos que possuem
orientação sexual diferente da sua. Até porque, essas relações em
nada diferem das relações afetivas heterossexuais, a não ser pelo
fato de serem compostas por pessoas do mesmo sexo, realidade
esta que é incontestável, o que muda é a visão da sociedade em
relação ao próximo.

Deixou claro também, que não acredita que a Constituição


Federal se omite sobre o assunto, e sim que não existe nenhuma
manifestação a favor sobre o assunto, porém, que não há, no
texto constitucional, qualquer alusão ou mesmo proibição ao
reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas. Desse modo,
votou favorável a ação.

2.2.6 Ministro Gilmar Mendes

Inicialmente, argumenta que o que se pede na presente


ação é uma proteção mínima e institucional de possíveis futuras

622
discriminações. Expôs que essa devida proteção deveria ser feita
tanto no Congresso Nacional, quanto nos tribunais regionais,
porém, entende a grande dificuldade na resolução do tema tendo
em vista as controvérsias de pensamento.

Frisou que tratavam-se de direitos fundamentais básicos da


sociedade, que, apesar de muito importantes, a doutrina nacional
não tem se ocupado como deveria, pois, se o fizesse, teríamos um
dispositivo do direito comparado para ser tomado como base
concreta. Entretanto, alegou que isso não impediria de analisar a
questão a partir do direito de liberdade, no qual se enquadra a ideia
de sexualidade como autodesenvolvimento do indivíduo, motivo
pelo qual deu provimento. Ainda, argumentou que a falta de um
modelo constitucional que permita essa institucionalização acaba
contribuindo para a discriminação, votando pelo provimento da
ADI 4277.

2.2.7 Ministro Marco Aurélio

Após breve relato do feito, o Senhor Ministro relatou que


leu um artigo publicado em 19 de agosto de 2007, intitulado
“A igualdade é colorida”, que tratava de relatos sobre a vida e
o cotidiano dos homossexuais e os preconceitos sofridos. No
mesmo artigo, se demonstrava também que essas pessoas pagam
impostos, votam, sujeitam-se a normas legais, mas, ainda assim,
são vítimas preferenciais de preconceitos, discriminações, insultos
e chacotas, sem que lei específica coíba isso.

Marco Aurélio lembrou que quando o assunto é homofobia,


o Brasil está em primeiro lugar, com grande número de homicídios
anuais em que as pessoas são vítimas apenas pelo fato de serem
homossexuais. Demonstrou também um ponto positivo quando
ressaltou que se encontram cada vez mais pessoas tomando
a frente e participando de manifestações para conscientizar e
acabar com o preconceito. Destacou ainda que, mesmo em países
em que o casamento homossexual está positivado, o preconceito
não foi superado como no Brasil nos últimos tempos.

O que faz o Brasil lidar de forma clara com esta questão,


é que, mesmo tendo o direito à liberdade religiosa, o Estado é
laico, o que impede que concepções morais e religiosas guiem

623
o tratamento estatal que dispense os direitos fundamentais,
como a autodeterminação, direito à privacidade, à liberdade e a
orientação sexual, votando a favor da ação.

2.2.8 Ministro Celso De Mello

Após breve relato do fato e análise da questão histórica


de nosso país, o Senhor Ministro frisou de forma extrema, que
agora, mais do que nunca, ninguém pode ser privado de direitos
constitucionais e nem sofrer quaisquer restrições de ordem
jurídica por motivo de orientação sexual.

Demonstrou também que é inaceitável qualquer estatuto


que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância
e que desrespeite e estimule a desigualdade das pessoas em
relação a sua orientação sexual. Segundo o Senhor Ministro, o
julgamento da ADI marcará a vida desse país e imprimirá novos
rumos à causa da comunidade homossexual, manifestando-se
pela procedência desta.

2.2.9 Ministro Cezar Peluso (Presidente)

Iniciando, o Senhor Ministro demonstrou sua preocupação


em relação à lacuna existente na lei quando se fala sobre esta
entidade familiar reconhecível à vista de uma interpretação
sistemática das normas constitucionais. Exprimiu também a sua
vontade de fazer com que existam leis sobre isso para que este
direito constitucional seja positivado e passado à população com
mais segurança e certeza.

Ainda, argumentou que deve ser aplicada a mesma regra,


apesar de não existirem leis específicas, porque como nas relações
heterossexuais, essas uniões são marcadas, sobretudo, por
afetividade, e não podem ser levadas em conta por análise de leis
que tratam sobre a ordem econômica ou comercial. O presidente
votou pela procedência da ação.

3 Propostas legislativas contra e a favor do casamento e da


família homoafetiva

Para se fazer uma análise de como está o cenário político

624
quanto ao casamento homoafetivo, a sua proteção, legalidade e
reconhecimento, é essencial observar os projetos de lei e decretos
que estão em andamento na Câmara de Deputados do país. A
fim de apresentar alguns pontos controversos na atual situação
legislativa brasileira, expõem-se os seguintes projetos:

3.1 PL 4508/2008

Atualmente encontra-se apensado ao PL 2285/2007. Tem


como objetivo modificar o artigo 1.618 do Código Civil, passando a
proibir legalmente a adoção de crianças por casais homossexuais,
fundamentado nos argumentos de que crianças adotadas por
casais homoafetivos serão expostas a constrangimento por não
terem ou um pai ou uma mãe, bem como sofrerão com um “vácuo”
parental. Ainda, ressalta que o Estado tem o dever constitucional
de cuidar das crianças.31

3.2 PL 5167/2009

Apensado ao PL 580/2007, tem como objetivo estabelecer


uma diferenciação entre o casamento entre homossexuais e
heterossexuais. Utiliza como justificativa as cláusulas pétreas da
Constituição, o conceito de família adotado pela Carta Magna,
bem como pelas Leis da Bíblia, inclusive citando passagens e
versículos bíblicos com a intenção de mostrar à população que
Deus “criou Adão e Eva, e não Adão e Adão”. Ainda, utiliza como
fundamento o argumento de que os valores cristãos e espirituais
do povo brasileiro precisam ser protegidos.32

31. BRASÍLIA. Câmara de Deputados. Projeto de Lei nº 4508/2008. Altera o


parágrafo único do art. 1.618, da Lei nº 10.406, de 2002 que trata sobre
adoção. Disponível em: <https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=626318&filename=PL+4508/2008>. Acesso em: 22 nov 2018.
Texto Original.
32. BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5167/2009. Altera o art. 1.521 da
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil para estabelecer
que nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento
ou a entidade familiar. Disponível em:<https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra?codteor=653047&filename=PL+5167/2009> Acesso em: 22 nov
de 2018. Texto Original.

625
3.3 PL 6583/2013

Atualmente aguardando deliberação do recurso na mesa da


Diretora da Câmara dos Deputados desde 27/10/2015. O objetivo
do PL é a criação do Estatuto da Família. Apesar de apresentar
propostas relevantes, como o aperfeiçoamento de apoio a
adolescentes grávidas e o melhoramento das políticas referentes
à violência doméstica, o projeto descreve, explicitamente, que a
família é constituída por homem e mulher.33

3.4 PL 620/2015

Apensado ao PL 1432/2011, este projeto tem como objetivo


impedir que crianças fossem adotadas conjuntamente por
casais homoafetivos. Em justificativa, foram utilizados os mesmo
argumentos do PL 4508/2008, com a ressalva de que a legalização
do casamento homoafetivo não implica automaticamente o
direito destes casais a adotarem crianças. Importante frisar a
seguinte frase retirada da proposta em seu inteiro teor: A adoção
é instituto funcionalizado para alcançar o superior interesse do
adotando e não para garantir filhos a quem não os pode gerar.34

3.5 PDC 639/2017

Este projeto foi arquivado em 31/01/2019. Tratava-se de


projeto de decreto legislativo de sustação de atos normativos
do poder executivo com o propósito de sustar a Resolução nº
175/2013 (proíbe que as autoridades competentes se recusem
a celebrar atos destinados ao casamento de pessoas do mesmo
sexo). Como evidente, pretendia interromper o resquício de
direito adquirido das pessoas homossexuais de constituírem uma
união estável reconhecida no ordenamento jurídico brasileiro.

33. BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6583/2013. Dispõe sobre o
Estatuto da Família e dá outras providências. Disponível em: <https://www.camara.gov.
br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1159761&filename=PL+6583/2013>
Acesso em: 22 nov 2018. Texto Original.
34. BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 620/2015. Altera a Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para vedar a adoção conjunta
por casal homoafetivo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra?codteor=1306827&filename=PL+620/2015> Acesso em: 22 nov
2018. Texto Original.

626
Possuía como justificativa o fato da Resolução ser ilegal, visto que
tal assunto deve ser regulamentado por Lei.35

3.6 PL 580/2007

Contrariamente aos outros projetos apresentados, este tem


o objetivo de dissipar o preconceito e regulamentar o contrato de
união homoafetiva no país, criado pelo falecido deputado Clodovil
Hernandes. O PL está, atualmente, aguardando Parecer do Relator
na Comissão de Seguridade Social e Família. Em 24/04/2019 foi
encerrado o prazo para apresentação de emendas ao projeto, não
sendo apresenta nenhuma.36

3.7 PL 5120/2013

Criado pela deputada Erika Kokay do PT/DF e pelo deputado


Jean Wyllys do PSOL/RJ, este projeto encontra-se apensado ao PL
580/2007. Possui o objetivo de regulamentar o casamento civil
homoafetivo. Como justificativa foram utilizados argumentos
referentes à luta dos homossexuais por espaço social, bem
como a conquista de seus direitos especialmente em relação ao
casamento civil. Realizado, também, um panorama histórico sobre
os preconceitos vivenciados pelos homossexuais. Além disso, foi
mencionado que o preconceito referido ainda continua presente
na sociedade brasileira, fazendo-se menção à Constituição Federal
que estabelece que todos são iguais perante a Lei, sem nenhum
tipo de discriminação.37

35. BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto Legislativo nº 639/2017. Susta a
Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que “dispõe
sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em
casamento, entre pessoas de mesmo sexo”. Disponível em: <http://www.camara.gov.
br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1550566&filename=PDC+639/2017>
Acesso em: 22 nov 2018. Texto Original.
36. BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil, para dispor sobre o contrato civil de união homoafetiva. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=446458
&filename=PL+580/2007> Acesso em: 27 nov 2018. Texto Original.
37. BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Altera os arts. 551, 1.514, 1.517, 1.535, 1.541,
1.565, 1.567, 1.598, 1.642, 1.723 e 1.727 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de
2002, para reconhecer o casamento civil e a união estável entre pessoas do
mesmo sexo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=1064244&filename=PL+5120/2013> Acesso em: 27 nov 2018.
Texto Original.

627
3.8 PLS 134/2018

Este projeto de lei do Senado Federal foi desenvolvido


pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa
após apresentação de anteprojeto pela Comissão Especial
da Diversidade Sexual e de Gênero pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de instituir um Estatuto
da Diversidade Sexual e de Gênero, o qual garante e preserva
direitos ao público LGBT, além de ter o objetivo de combater
todo e qualquer tipo de preconceito. Além disso, o projeto inicial
do Estatuto estabelece políticas públicas de inclusão social
deste público, bem como positiva o casamento e as famílias
homoafetivas. No entanto, apesar de ser um importante projeto
para combate a discriminação, possui um alto nível de rejeição na
consulta pública disponível no site da Câmara de Deputados.38

Observa-se, portanto, que existem projetos de leis e


decretos tanto contra como a favor do casamento e da família
homoafetiva. No entanto, nota-se que, por conta de alguns
projetos serem muito antigos, o assunto não é tratado como
prioridade e como relevante pelos nossos representantes.

Considerações Finais

Através do estudo realizado foi possível identificar


que a lacuna presente na legislação brasileira em relação a
regulamentação, reconhecimento e proteção de pessoas
homossexuais ainda é muito grande, o que dificulta de forma
explícita a garantia de direitos humanos para estes indivíduos,
gerando desta forma, uma margem maior para que ocorra a
discriminação e o preconceito pela sociedade em geral.

Apesar do resultado positivo da ADI especificada no


presente trabalho em relação a busca desses direitos individuais
e coletivos notamos na argumentação dos Senhores Ministros
a necessidade de adequação de leis positivadas para garantir a

38. BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Institui o Estatuto da Diversidade Sexual e de


Gênero. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/132701>. Acesso em: 28 ago 2019. Texto Original.

628
essas uniões o direito fundamental à segurança jurídica.

Baseados nessa insegurança social e legislativa e no


preconceito impregnado na sociedade brasileira através da
cultura cristã, é possível observar a existência de inúmeros
projetos que são contra o reconhecimento e regulamentação das
uniões homoafetivas. Entretanto, com pessoas e profissionais de
todas as áreas buscando sempre a liberdade e felicidade de todos
e, principalmente, de grupo considerado minoritário, percebe-se
também que, vagarosamente, o sistema de justiça se aprimora a
fim de eliminar o preconceito e garantir os direitos constitucionais
da igualdade, liberdade pessoal, dignidade da pessoa humana e
segurança jurídica àqueles que desses são privados por terem
escolhido outra forma de amor.

Referências

DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os Direitos LGBTI. 6ª


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

SARMENTO, Daniel. Casamento e União Estável entre Pessoas do


Mesmo Sexo: Perspectivas Constitucionais. Igualdade, Diferença
e Direitos Humanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BARROSO, Luis Roberto. Diferentes, mas Iguais: O


Reconhecimento Jurídico das Relações Homoafetivas no Brasil.
Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.

BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Altera a Lei nº 10.406,


de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para dispor
sobre o contrato civil de união homoafetiva. Disponível
e m : <http://w w w.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=446458&filename=PL+580/2007> Acesso
em: 27 nov 2018. Texto Original.

BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Altera os arts. 551, 1.514,


1.517, 1.535, 1.541, 1.565, 1.567, 1.598, 1.642, 1.723 e 1.727
da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, para reconhecer o
casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/

629
prop_mostrarintegra?codteor=1064244&filename=PL+5120/2013>
Acesso em: 27 nov 2018. Texto Original.

BRASÍLIA. Câmara de Deputados. Projeto de Lei nº


4508/2008. Altera o parágrafo único do art. 1.618, da Lei
nº 10.406, de 2002 que trata sobre adoção. Disponível
e m : <https://w w w.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=626318&filename=PL+4508/2008>.
Acesso em: 22 nov 2018. Texto Original.

BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº


5167/2009. Altera o art. 1.521 da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, que institui o Código Civil para estabelecer
que nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode
equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar. Disponível
e m : <https://w w w.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=653047&filename=PL+5167/2009>
Acesso em: 22 nov de 2018. Texto Original.

BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº


620/2015. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
- Estatuto da Criança e do Adolescente, para vedar a
adoção conjunta por casal homoafetivo. Disponível em:
< h t t p : / / w w w. c a m a r a . g o v. b r / p r o p o s i c o e s We b / p r o p _
mostrarintegra?codteor=1306827&filename=PL+620/2015>
Acesso em: 22 nov 2018. Texto Original.

BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto Legislativo


nº 639/2017. Susta a Resolução nº 175, de 14 de maio de
2013, do Conselho Nacional de Justiça, que “dispõe sobre a
habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de
união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo”.
Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=1550566&filename=PDC+639/2017>
Acesso em: 22 nov 2018. Texto Original.

BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6583/2013.


Dispõe sobre o Estatuto da Família e dá outras providências.
Disponível em: <https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra?codteor=1159761&filename=PL+6583/2013>
Acesso em: 22 nov 2018. Texto Original.

630
BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Institui o Estatuto da
Diversidade Sexual e de Gênero. Disponível em:<https://www25.
senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132701>. Acesso
em: 28 ago 2019. Texto Original.

631
O enfrentamento do Programa de Proteção a
Crianças e Adolescentes ameaçados de morte
(Ppcaam) e a sua importância na Educação em
Direitos Humanos

Letícia Garcia Rodrigues de Carvalho San Martino1


Luciano Meneguetti Pereira2

Resumo

Este trabalho tem como finalidade analisar e refletir sobre
o Programa de Proteção às Crianças e Adolescentes Ameaçados
de Morte (PPCAAM), questão que aborda a proteção de crianças e
adolescentes expostos a grave e iminente ameaça de morte, quando
esgotados os meios convencionais ou não, por meio da prevenção
ou da repressão da ameaça. Pretende-se demonstrar que a
questão pode ser melhor enfrentada através do desenvolvimento
de uma educação em direitos humanos (através da formulação
e implementação de políticas públicas adequadas), que tenha
como objetivo a efetivação dos direitos humanos e fundamentais
das crianças e adolescentes, consagrados na Constituição
brasileira e nos tratados internacionais dos quais o país é parte.
O estudo aponta, ainda, que os homicídios já correspondem
a 45% das mortes nesta faixa etária; além disso, armas de fogo
aparecem como o principal instrumento utilizado, com uma
incidência 3 vezes maior dos que os demais instrumentos. Quais
são os motivos para isso acontecer? O que fazer para combatê-
los? O tema é muito importante e substancialmente atual, uma
vez que foi instituído no país em 2007 e alterado em 2018 pelo
Decreto 9371/18, ensejando severos debates em todos os meios
de comunicação e no âmbito social, visto que sua proteção são
indivíduos vulneráveis na sociedade.

1. Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Toledo e Integrante do Grupo de


Pesquisa em Direito Internacional Contemporâneo da UniToledo.
2. Orientador. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Toledo; Mestre em
Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino; Especialização em Direito,
Universidade Potiguar, UnP.

632
Espera-se demonstrar que o investimento em políticas públicas
educacionais específicas e numa efetiva educação em direitos
humanos poderão constituir mecanismos eficazes para o
tratamento da questão no Brasil. Trata-se de um problema social,
pois falta estrutura familiar e principalmente estrutura oferecida
pelo Estado, que só recentemente criou esse mecanismo, ainda
novo, e que precisa de ajustes para se tornar mais efetivo.
Enquanto essa situação for encarada como casos isolados e sem
tanta repercussão, apenas aos olhos jurídicos e não sociais, esse
problema não será sanado. Uma atenção voltada para a educação
e promoção de outros direitos sociais em prol dos menores e seus
familiares afetados poderá reduzir o número de despesas com a
segurança nacional e consequentemente uma melhor qualidade
de vida a àqueles que constituem o futuro do Brasil.

Palavras-Chave: crianças e adolescentes; proteção; normas


legais; educação; combate e alternativas.

Abstract

The purpose of this paper is to analyze and reflect on the


Program for the Protection of Children Threatened with Death, an issue
that addresses the protection of children and adolescents exposed to
a serious and imminent threat of death, when conventional or non-
conventional ways of helping are exhausted, preventing or repressing
the threat. It is intended to demonstrate that the issue can best be
addressed through the development of human rights education
(through the formulation and implementation of appropriate public
policies), which aims to realize the human and fundamental rights
of children and adolescents enshrined in Brazilian constitution and
international treaties to which the country participate. The study also
points out that homicides already account for 45% of deaths in this
age group; In addition, firearms appear as the main instrument used,
with an incidence 3 times higher than the other instruments. What are
the reasons for this to happen? What to do to fight them? The theme
is very important and substantially current, since it was instituted in
the country in 2007 and changed in 2018 by Decree 9371/18, giving
rise to severe debates in all media and in the social atmosphere, since
their protection is vulnerable individuals in the society.

It is hoped to demonstrate that investment in specific

633
educational public policies and effective human rights education
could be effective mechanisms for addressing the issue in Brazil. This
is a social problem, since it lacks family structure and mainly state-
provided structure, which has only recently created this mechanism,
which is still new and needs adjustment to be more effective. As
long as this situation is viewed as isolated cases and without much
repercussion, only in the legal and non-social eyes, this problem will
not be solved. Focusing on the education and promotion of other
social rights for minors and their affected family members may reduce
the number of national security expenditures and consequently a
better quality of life for those who constitute Brazil’s future.

Key-Words: children and teenagers; protection; legal regulations;


education, combat and alternatives.

Introdução

O objeto de estudo denominado: “Programa de Proteção


a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM)” foi
criado em 2003, como uma das estratégias do Governo Federal
para enfrentar o tema da letalidade infanto-juvenil. Foi instituído
oficialmente em 2007, pelo Decreto 6.231/07, que acabou
integrando a Agenda Social Criança e Adolescente, no âmbito do
Projeto “Bem me Quer”. Outro marco para a proteção de crianças
e adolescentes ameaçadas de morte foi a criação do Sistema de
Proteção no PPA 2008-2011 e a vinculação do PPCAAM a este
Sistema.

O PPCAAM tem por objetivo preservar a vida das crianças e


dos adolescentes ameaçados de morte, com ênfase na proteção
integral e na convivência familiar. É executado em diferentes
estados (Espírito Santo, Minas Gerais, Pará Pernambuco, Rio de
Janeiro e São Paulo), devendo ser implantado nos seguintes
estados: Distrito Federal e Paraná, através de um convênio entre
a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,
Governos Estaduais e Organizações Não Governamentais.

A identificação da ameaça e a inclusão no PPCAAM é


realizada por meio do Poder Judiciário, dos Conselhos Tutelares
e do Ministério Público, sendo estas instituições também
responsáveis pela fiscalização e aplicação da garantia dos direitos

634
das crianças e dos adolescentes.

O Programa atua em dois níveis, sendo eles:

1 – O atendimento direto aos ameaçados e suas famílias,


retirando-os do local da ameaça e inserindo-os em novos espaços
de moradia e convivência. Por meio desta medida, procura-se
oferecer oportunidades aos protegidos, tanto no que se refere
ao acompanhamento escolar, como na inserção em projetos
culturais e profissionalizantes, entre outros;

2 – Na prevenção por meio de estudos e pesquisas, bem como no


apoio a projetos de intervenção com adolescentes em situação de
vulnerabilidade.

Neste sentido, em julho de 2009, foi lançado o Programa de


Redução da Violência Letal (PRVL) juntamente com Observatório
de Favelas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) e o
Laboratório de Análise da Violência da UERJ.

O PRVL busca sensibilizar a sociedade e os poderes públicos


para o grave problema da letalidade de adolescentes e jovens
no país, com o intuito de construir uma agenda comum de
enfrentamento em diferentes eixos, a saber:

1 - Articulação Política – com ações de advocacia nacional e de


mobilização, buscando desenvolver estratégias de atuação e
fortalecimento das redes locais;

2 - Produção de Indicadores – construção de mecanismos


de monitoramento dos homicídios de adolescentes e jovens
destinados a subsidiar as políticas de prevenção da violência letal.

Estatísticas

O perfil das pessoas que estão sob proteção no PPCAAM é


o seguinte:

Sexo masculino (76%), raça negra (75%), faixa etária entre


15-17anos (59%), ensino fundamental incompleto (95%), morador
da capital (63%), tem a genitora como principal referência familiar

635
(75%), renda familiar é de até 1 SM (57%), e a ameça se deve ao
envolvimento com o tráfico (60%). A porta de entrada principal
é o Conselho Tutelar ou o Poder Judiciário (70%). O protegido é
acolhido na modalidade familiar (42%) e institucional (34%), e
o tempo de permanência no PPCAAM é de cerca de 06 meses
(53%). O desligamento ocorre por consolidação da inserção social
e cessação da ameaça (50%).

Além disso, foi criado o Índice de Homicídios na Adolescência


(IHA), ao qual estima o risco de mortalidade por homicídios de
adolescentes em um determinado território. Desenvolvido para
cidades com mais de 100 mil habitantes, apontou que cerca de
33 mil adolescentes seriam vitimados por homicídio até o final
de 2011, caso as condições perpetuassem as mesmas. Deste
montante, 15 mil perderão a vida somente nas capitais do país. O
estudo aponta, ainda, que os homicídios já correspondem a 45%
das mortes nesta faixa etária; além disso, a análise do risco relativo
indica que o risco de morte para os homens é 12 vezes maior do
que para as mulheres. No que tange à raça, os negros possuem
2,6 vezes mais probabilidade de serem assassinados e as armas de
fogo aparecem como o principal instrumento utilizado, com uma
incidência 3 vezes maior dos que os demais instrumentos.

Em função desse diagnóstico, foi constituído um Grupo


de Trabalho Nacional, já em andamento, com participação de
gestores municipais, estaduais e governo federal, que tem como
objetivo identificar estratégias de enfrentamento ao problema,
bem como formular as bases para a construção de uma política
nacional de redução da violência letal.

Objetivos

No presente artigo, tem-se como objetivo a análise de


um programa ao qual tem como objetivo o auxílio de crianças e
adolescentes que são ameaçados de morte, o que representa um
contexto social muito presente nos dias atuais e sua educação
em Direitos Humanos. Com base na legislação e em informações
divulgadas por órgãos nacionais e internacionais, busca-se chamar
a atenção para este tema tão relevante, a fim de apresentar a
situação vivida por muitas pessoas, demonstrando estatísticas
das pessoas afetadas, procedimento e sua efetividade e sugerindo

636
algumas alternativas para a educação em direitos humanos.

Metodologia

O desenvolvimento deste trabalho se deu por meio do


estudo do tema através da obtenção de dados estatísticos
levantados por órgãos especializados, análise de casos reais e
verificação de legislações específicas.

Resultados

Em suma, os resultados obtidos após o estudo do tema, são


os entendimentos a seguir retratados. É necessário, primeiramente,
que haja o conhecimento da realidade retratada no presente
projeto, para que voltadas as atenções para o tema, haja uma
mobilização da população no que tange a conscientização
do entendimento, utilização e auxílio a este programa criado.
Concomitantemente, faz-se necessária a prática das políticas
públicas normatizadas, para que a solução não fique restrita às
palavras contidas na legislação.

O programa e sua efetividade

O programa possui ideais muito bons aos quais priorizam


a criança e ao adolescente, respeitando os princípios bases como
saúde, vida, educação, contato com a família, dentre outros.

Há um certo impasse quanto ao contato com a família,


como a própria Constituição Federal assegura em seu artigo 226:
“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a


união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a


comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

637
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal
são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa


humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar
é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa


de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir
a violência no âmbito de suas relações.”.

Muitas vezes as próprias famílias não compreendem


a situação de risco que estes vulneráveis estão se sujeitando
naquele momento, e por muitas vezes acabam dificultando o
procedimento de proteção. Há inclusive um dado curioso ao qual
a maioria dos casos apresentados pelo PCCAAM contam com
a inclusão da família no programa, ou seja, não só o afetado é
receptor desse atendimento, como a sua própria família também
é integrada a ele e recebe o mesmo tratamento conforme a
necessidade de cada um.

Tendo por consequência um crescimento no quesito


comunitário, pois crianças e adolescentes estabelecem uma
afinidade que podem contribuir para uma afirmação em questões
de identidade afetivas e coletivas.

Por outro lado podemos analisar a questão psicológica


dessas indivíduos afetados, pois ao final desse programa, tem
como objetivo a reinserção social, ao qual muitos deles são
afetados, uma vez que são retirados de um contexto e inseridos
em outro, que muitas das vezes exigem uma certa autonomia
dos mesmos (quando sem a família) ou até mesmo dificuldades
de adaptação a nova realidade (quando a própria família os
acompanham).

Lembrando que é importante ressaltar, que neste contexto

638
a família não é classificada e determinada apenas por questões
sanguíneas, pode ser também equiparadas essa classificação em
laços de afetividade e convivência.

Educação em Direitos Humanos

Se faz necessário entender que a educação em direitos


humanos deve ser permanente, continuada e global, voltada a
mudança e principalmente não apenas em uma transmissão de
conhecimento, mas fazer com que essa educação faça parte de
um pensamento e crie uma fusão de pensamentos que leve o
indivíduo a se identificar com a causa e colocá-la em prática.

É de extrema importância efetivar essa educação em todas


as faixas etárias, sejam crianças, adolescentes, adultos e idosos.
O propósito é fazer com que tenha uma educação nas escolas
para crianças e adolescentes (respeitando suas faixas etárias e
primordialmente a utilização de linguagem acessível e clara para
que a mensagem seja transmitida a todos), já os mais velhos, como
por exemplo: adultos e idosos, é necessário o investimento em
meios de comunicação e programas voluntários, com o intuito de
trazer essa conscientização da importância do assunto abordado.
O objetivo dessas iniciativas apresentadas anteriormente, é trazer
diretrizes que o próprio direitos humanos defende, no caso em
discussão, a proteção de crianças e adolescentes e principalmente
a valorização da vida, tendo como prioridade a educação, que irá
ser colocada em prática com o atendimento a estes indivíduos em
situações de risco.

Conforme o Documento Oficial de Declaração de Direitos


Humanos:

• Artigo 3: “Todas as pessoas têm direito á vida, á liberdade


e á segurança pessoal.”
• Artigo 22: “Toda a pessoa, como membro da sociedade,
tem direito à segurança social; e pode legitimamente
exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e
culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional
e à cooperação internacional, de harmonia com a
organização e os recursos de cada país.”
• Artigo 26: “Toda a pessoa tem direito à educação. A

639
educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente
ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar
é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser
generalizado; o acesso aos estudos superiores deve
estar aberto a todos em plena igualdade, em função do
seu mérito.

A educação deve visar à plena expansão da personalidade


humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância
e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou
religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das
Nações Unidas para a manutenção da paz...”

O intuito dessa educação é fazer com que essas pessoas


identifiquem o indivíduo e sua situação de risco, para que possa
orientá-lo de forma que ele consiga ter acesso a esse programa,
também fazer com que aqueles que estejam de alguma forma
passando por essa situação, saibam se direcionar ao órgão
responsável para que sejam tomadas as providências necessárias.
Além do que cidadãos educados a valorizar os direitos humanos,
consequentemente no futuro demonstram bons resultados na
diminuição de violência contra estes vulneráveis.

Conclusão

Enfim, após as análises feitas, chega-se à conclusão de


que existem diversas possibilidades de educação em direitos
humanos no eixo temático de crianças e adolescentes quando se
aborda o tema: “Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PCCAAM)”, tanto a longo prazo, como a
curto prazo. Entre àqueles cuja solução se dá a longo prazo, cita-
se o investimento na educação para crianças e adolescentes e
entre àquelas soluções a curto prazo, encontram-se a transmissão
dessas orientações por meios midiáticos para adultos e idosos,
uma vez que a legislação é bem escrita e possui um parâmetro de
metas de efetividade.

640
Referências

Declaração Universal de Direitos Humanos (https://nacoesunidas.


org/wp- content/uploads/2018/10/DUDH.pdf).

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (https://


www.mdh.gov.br/navegue-por-temas/programas-de-protecao/
ppcaam-1/ppcaam).

Palestra de abertura do Seminário de Educação em Direitos


Humanos, São Paulo, 18/02/2000, Professora de Sociologia da
Faculdade de Educação da USP e vice-coordenadora da Rede
Brasileira de Educação em Direitos Humanos (http://www.
hottopos.com/convenit6/victoria.htm).

Um novo olhar PCCAAM, Programa de Proteção a Crianças e


Adolescentes Ameaçados de Morte, 22º Edição (http://www.
crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ppcaam/um_novo_
olhar_ppcaam_2017.pdf

641
O Racismo Explicito e Velado Dentro do
Ambiente Educacional: Estudo de Caso na Escola
Estadual São Carlos no Município de Três Lagoas
Romulo Wendell da Silva Ferreira 1

Resumo

Nos tempos atuais se faz necessária a construção de uma
geração com substancial democracia, a qual tem padecido
por um viés ideológico que vem desconstruindo ao longo dos
últimos anos todas ações afirmativas que buscaram e buscam
reconhecer direitos as minorias principalmente negros. Neste viés
o trabalho buscou demonstrar o papel do professor no combate
a discriminação racial e o complexo de inferioridade contido nas
crianças negras do ensino fundamental da Escola São Carlos na
cidade de Três Lagoas no Mato Grosso do Sul.

Desta forma este trabalho demonstra a importância do


educador como agente de mudança da realidade discriminatória
racial existente no ambiente escolar, por parte dos alunos, e
também identificar a baixa estima já inserida nos alunos negros e
negras do ensino fundamental, afetando assim seu desempenho
e posicionamento dentro do ambiente educacional.

Estudos comprovam que o desenvolvimento educacional


de negros e negras são inferiores a brancos em igual condições de
estudo, fator atribuído a baixa estima causada pela discriminação
racial.

Problema

Conhecer, analisar e estudar a importância da posicioamento

1. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Três Lagoas AEMS Pós graduado
em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, UFMS.
Graduando em Pedágogia pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS.
Docente das Faculdades Integradas de Três Lagoas AEMS.

642
do educador diante do comportamento de alunos negros, frente
ao sentimento de inferioridade e do preconceito racial das
crianças brancas.

Metodologia

Por meio de analise de documentos, pesquisa de campo


com entrevistas, leitura de doutrinas e leis obtivemos subsídios
para desenvolver o trabalho. Com uma análise da realidade
dentro da Escola Municipal São Carlos localizada no Bairro São
Carlos, na cidade de Três Lagoas MS onde tivemos uma visão
real da problemática do racismo. Por meio de comparação de
documentos, elaboramos dois questionários de pesquisas,
embasados em documentos oficiais, onde confrontamos dados
que foram interpretados mediante a leitura e norteamento de
bibliografias e normas efetivadas.

Trabalho empírico de campo e o de pesquisas teóricas e


históricas. Pesquisa bibliográfica por meio de jornais, publicações
doutrinas, revistas, livros, documentos (leis, projetos, portarias
e decretos) e internet. Na elaboração do estudo percorremos as
etapas: de formulação da questão norteadora; coleta de dados;
avaliação; análise e interpretação dos dados; apresentação dos
resultados. (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

Trata-se de um estudo de cunho descritivo, com abordagem


qualitativa, na perspectiva de uma revisão integrativa de literatura.
Este método de pesquisa permite a incorporação das evidências
na prática com a finalidade de reunir e sintetizar resultados de
pesquisas sobre determinado tema ou questão, de maneira
sistemática e ordenada (WHITTEMORE; KNAFL, 2005; MENDES,
SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

Justificativa

A família e o meio social que convivemos tem fundamental


papel na formação da criança bem como a educação formal, neste
sentido ao avaliarmos a condição da mesma dentro do ambiente
escolar devemos fazer um apanhado de sua vida além dos muros
das escolas, que nos últimos anos têm se tornado cada vez mais
um calabouço restrito de vivência desacoplada da realidade de

643
seus membros.

Outro aspecto que também é influenciador nas nossas


percepções é a capacidade que temos de estereotipar ao
supergeneralizarmos um grupo diante de uma determinada
característica. Isso favorece erros na percepção social como
também expectativas em relação ao outro (PISANI, 1996).

O professor deve assumir o papel não só de educador


como também de intermediador de conflitos raciais dentro de
seu ambiente escolar, percebendo e desconstruindo posturas e
atos discriminatórios tanto da criança que agride como da criança
vitima que se sente diminuída. Não se pode mais ver a criança
como um ser selvagem a ser construído como se fazia a tempos
atrás e sim como um indivíduo que possui direitos participe de
sua história.

O ambiente escolar não pode e não deve assumir o papel


familiar, mas necessita se firmar como instrumento de formação
de cidadão, onde o convívio com as diferenças é comum e deve
ser inserida em seus alunos com naturalidade.

Na realidade atual presenciamos a permanência de uma


visão simplificada de educação infantil, sem clareza de qual
educação se pretende proporcionar nas instituições destinadas
aos alunos pobres, o que acaba por sugerir um modelo de
escolarização, totalmente inadequado à faixa etária atendida.
Consideramos que ainda hoje as crianças pequenas são
submetidas a uma disciplina escolar arbitrária em que, distante do
compromisso com o conhecimento, as instituições desconsideram
sua função de prestar também os cuidados necessários às crianças
pequenas, prevalecendo a intenção em “[...] controlar os alunos
para que sejam obedientes à autoridade” (KUHLMANN JR., 2000b,
p.13). Esta autoridade deve ser utilizada de forma orientada para
que as crianças que ainda que de forma inconsciente pratique o
racismo, seja corrigida no sentido de compreender o erro e não
volte a praticar.

Muitas crianças não conseguem enfrentar as barreiras do


racismo e se manter em uma posição de resistência (Cummins,
1986). Já outras não possuem essa capacidade e assumem

644
uma posição de descomposição racial, em que assumem uma
identidade branqueada descaracterizando sua real identidade e
etnia.

A autoestima é fundamental no processo de aprendizado


do aluno, apresentando confiança, alegria e coragem, se envolvem
mais com as atividades realizadas obtendo maior aprendizado.
Aragon e Diez define autoestima da seguinte maneira:

..... é o que pensamos de nós, a forma pela qual nos avaliamos


e aceitamos e os sentimentos que experimentamos a esse
respeito, bem como o modo com o qual nos comportamos
em relação a nós mesmos como resultado de tudo isso.
(p.20)

Importante ressaltar o papel do educador na formação


da identidade do individuo que encontra no ambiente escolar
características e influências para isso, que ocorrendo de forma
desordenada sem a presença do professor pode criar ou agravar o
racismo ou o sentimento de inferioridade.

Bakhtin (apud LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992, p. 30),


em seu pensamento, define a identidade com as relações
sociais que um indivíduo faz com o meio em que está
inserido. Interpondo este meio para o cenário educacional,
constatamos que suas relações sociais estão sempre o
mandando informações de caráter pessimistas e outras que
a todo o momento se contradizem.

A criança vê no professor além da autoridade maior dentro


da sala de aula, um modelo que eles copiam e se espelham na
conduta, postura e atos. Por essa razão o educador além de ter
que ser desprovido de preconceito racial deve também de forma
efetiva agir coibindo atos discriminatórios entre os alunos e mais
que isso, proporcionar ações que esclareça o erro na pratica de
ações que causam constrangimentos ao amigo de sala.

A escola deve formar um cidadão critico, capaz de


compreender as diversidades e isso se faz por meio de politicas
públicas efetivas que traga para dentro do ambiente educacional,
questões históricas para que os alunos possam compreender e

645
entender as diversidades.

O numero de educadores negros também reflete no


preconceito racial dentro do ambiente escolar, uma vez que o
aluno se espelha no professor principalmente nos anos inicias.
Deve-se perguntar a quem isso importa? A quem isso beneficie?
Como mudar este quadro? Paulo Freire em 1970 já se questionava
sobre os privilégios da elite branca que era incapaz de dialogar
sobre racismo por nao enxergar o mesmo, isso reflete até hoje
dentro e fora da sala da aula.

Discusão

Por amostragem apresentamos a 30 (trinta) alunos do escola


Estadual São Carlos um questionário para que respondessem
algumas perguntas referentes a cor da pele, reconhecimento
de identidade e racismo no ambiente escolar. Também foi
apresentado a 10 (dez) professores um questionário parecido. O
objetivo foi visualizar de que forma os alunos e os professores
enxergam a realidade discriminatória dentro do ambiente escolar.
O resultado obtido nos permitiu visualizar que o convivio a
prática racista dentro do ambiente escolar em estudo é comum
para os alunos que participaram da pesquisa, ainda que disseram
não concordar com as ações racistas mas não se manifestaram no
sendito de repreender estes atos.

Outro fator demostrado é a autoidentificação como negros


pelos estudantes, e entre os que se identificam como negros a
maioria não apresentaram perspectiva de término dos estudo
e de alcançar uma colocação tanto nos cursos suporiores como
em cargos de grande remuneração financeira, o que demonstra a
falta de motivação e autoestima dos alunos.

Em analise do questionário apresentado aos professores


levando em consideração que todos os professores entrevistados
em algum momento ja lecionaram para os alunos entrevistados,
ocorreu desencontro quanto a questão que se refere a atos de
racismo praticados dentro da sala de aula, diferente dos alunos,
a maior parte dos docentes responderam não ter presenciado tal
fato. Tal fato nos remete a escrita de Paulo Freire.

646
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem
ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é
progressista, se estamos a favor da vida, e não da morte,
da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio,
não temos outro caminho se não viver, viver plenamente a
nossa opção. Encarná-la diminuindo assim a distância entre
o que vivemos e o que fazemos.”

Diante dos resultados apresentados com a aplicação do


questionário aos professores, notamos a necessidade de uma
auto análise dos docentes para que possam compreender a
relevancia do professor ao identificar atitudes racistas dentro da
sala e combatelo de forma efetiva e correta, compreendendo
a vulnerabilidade emocional dos alunos afetados e como isso
implicará no seu desempenho atual e posterior. O educador
precisa vivenciar essa mudança de comportamento por meio da
educação como bem retratou Paulo Freire no fragmento supra
citado.

A Lei 10.639/2003 foi de grande importancia no contesxto


nacinal onde tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura
Afro-Brasileira, um avanço conquistado por muitos homens e
mulheres negros que enfrentaram o racismos de várias formas
em todo o território nacional e encontraram no governo do então
Presidente Lula, apoio.

Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a


vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e


médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino
sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste


artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos,
a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o
negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-

647
Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras.

§ 3º (VETADO)”

“Art. 79-A. (VETADO)”

“Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro


como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’.”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115º


da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque

A lei 10.639/2003 abriu espaço dentro das instituições


de ensino para que a cultura afro-brasileira fosse apresentada
e discutida pelos estudantes de forma não pejorativa e sim
formal e abrangente. A medida ainda que não tenha atingido
o resultado esperado, possibilitou aos professores trabalhar
o assunto, apresentar aos alunos toda uma estrutura cultural
antes desconhecida em busca de um resgate de identidade
principalmente nas escolas localizadas nas áreas mais pobres,
aonde há uma concentração maior de negros.

Conclusão

Diante dos fatos alencados, após diversas leituras e


confrontos de idéias, conclui-se que o ambiente escolar em
estudo apresenta significativo grau de pratica racista por parte
dos alunos em seus relacionamentos com colegas. Da mesma
forma são notórios os prejuízos causados por estes atos. Alunos
retraídos, desestimulados, a maioria sem perspectiva de um
futuro com grandes oportunidades que supere a atual realidade
vivida.

Importante pontuar o papel do educador no combate

648
e esclarecimento de atos racistas dentro do ambiente escolar,
como forma de proporcionar as vítimas fortalecimento de sua
identidade, a construção da autoestima e o desmonte da cultura
discriminatória. Isso se dá por meio de políticas públicas efetivas
e permanentes realizadas durante todo o período letivo de forma
interdisciplinar e inclusiva.

Por fim não se pode deixar de apresentar a responsabilidade


objetiva do poder público. O Estado deve proporcionar condições
reais que deslumbre a educação inclusiva que possa integrar
todos os educandos, de forma a inserir nestes conhecimentos
praticas humanistas, que os possibilitem compreender as
diferenças sociais e raciais, naturais em um país formado por uma
miscigenação mundial. Distante disso, não há outra perspectiva
de uma realidade diferente aos alunos negros, que não seguir
os caminhos de seus descendentes ocupando as vagas de
subempregos, vivendo nas periferias dando seqüência ao ciclo de
racismo e exclusão.

Referências

ANGOTTI, M. O trabalho docente na pré-escola: revisitando teorias,


descortinando praticas. 2.ed. São Paulo: Pioneira Thompson
Learning, 2003.

BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na Educação


Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.

CUMMINS, J. (February 1986). Empowering minorities students: a


framework for interventcion. Havard Educational Review, V. 56, n°
1.

LA TAILLE, Yves de; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa.


Piaget, Vygotsky, Wallon – Teorias psicogenéticas em discussão.
São Paulo: Summus, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à


prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (coleção leitura)

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro,


Paz e Terra. 1999.

649
MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão
integrativa: método de pesquisa para a incorporação de
evidências na saúde e na enfermagem integrative literature. Texto
& Contexto Enferm, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-764, out/dez,
2008.

KUHLMANN JR. Moysés, M. A circulação das ideias sobre a


educação das crianças; Brasil, início do século XX. In: KUHLMANN
JR., M.; FREITAS, M. C. de. (Orgs.). Os intelectuais na história da
infância. São Paulo: Cortez, 2002.

OLIVEIRA, Ivone Martins. Preconceito e autoconceito – Identidade


e interação na sala de aula. 6 ed. Campinas/SP: Papirus, 1994.

PISANI, Elaine Maria. Temas de psicologia social. 2. ed. Petrópolis:


Vozes, 1996.

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>.
Acesso em: 2019. jan.2019

650
Pessoas privadas de liberdade no Brasil

Daiane Silva dos Santos1


Sara de Oliveira da Silva1
Tauana Rafaela Borges1

Educación en Derechos Humanos y Diversidades


Presos. Direitos. Legislação.

Resumo

O presente estudo objetiva apresentar breve apanhado


acerca da evolução histórica das prisões e da legislação protetiva
aos encarcerados. Além disso, visa exibir a atual situação das
pessoas segregadas diante do sistema normativo brasileiro e da
prática prisional a fim de que se identifiquem as incongruências
entre os direitos positivados e a já conhecida e alarmante situação
desumana e degradante que assola as penitenciárias brasileiras.
Ainda, expõe algumas decisões recentes do Supremo Tribunal
Federal que buscam minimizar os danos causados aos apenados,
uma vez que, sob proteção do Estado, devem ter seus direitos
respeitados e garantidos da mesma forma que qualquer cidadão.
Por fim, no intuito de conscientizar acerca da importância de
se individualizar a pena e considerar as singularidades das
pessoas no momento de sua aplicação e cumprimento, passa a
discorrer, brevemente, sobre as condições femininas diante das
penitenciárias brasileiras, já devastadas pela desumanidade no
tratamento aos encarcerados.

Palavras-chave: Presos. Direitos. Legislação. Prisões. Mulheres.

Abstract

The present study aims to present a brief survey about


the historical evolution of prisons and the protective legislation

1. Alunas do curso Direito do Centro Universitário Cenecista de Osório (UNICNEC).


Membro fundadora do Comitê de Educação em direitos Humanos.

651
for prisoners. In addition, it aims to show the current situation
of people segregated before the Brazilian normative system and
prison practice in order to identify the inconsistencies between
positive rights and the already known and alarming inhumane
and degrading situation that plagues the Brazilian penitentiaries.
Also, it exposes some recent decisions of the Federal Supreme
Court that seek to minimize the damages caused to the victims,
since, under the protection of the State, they must have their rights
respected and guaranteed in the same way as any citizen. Finally,
in order to raise awareness of the importance of individualizing
the punishment and considering the singularities of people at
the moment of its application and fulfillment, it briefly discusses
the feminine conditions facing Brazilian penitentiaries, already
devastated by inhuman treatment to prisoners.

Keywords: Prisoners. Rights. Law. Prisons. Women.

Introdução

A segregação de indivíduos transgressores está presente na


história do mundo desde o início da consolidação das sociedades
como tais. Nos primórdios, o cárcere objetivava distanciar da
coletividade aqueles que não se encaixavam nos padrões ou
opiniões por ela estabelecidos.

Com a evolução dos grupos sociais, as prisões passaram


a idealizar não só o distanciamento das pessoas, mas formas
de ressocializar e realocar esses indivíduos na sociedade. Nesse
sentido, os primeiros Códigos Criminais no Brasil começaram a
explorar a possibilidade de, através do Direito Penal, regulamentar
a situação das pessoas privadas de liberdade. Hoje, o país conta
com diversos aportes jurídicos que norteiam a aplicação das
sanções penais e da reclusão dos indivíduos.

Entretanto, muito há que se falar na manutenção do sistema


carcerário brasileiro, uma vez que, mesmo munido de normas,
não consegue assegurar direitos fundamentais aos encarcerados
e, muito menos, consegue individualizar a aplicação das penas e
garantir proteção às particularidades dos indivíduos pelo Estado
afastados do convívio social.

652
1 Histórico

Em análise do contexto histórico do cárcere, identifica-se que


os primeiros registros de prisões, com cativeiros datados de 1700
a.C, tinham a finalidade de reclusão dos escravos angariados como
espólios de guerra. Os motivos mais comuns para encarceramento
eram endividamento, desrespeito às autoridades, desobediência
e o fato de ser estrangeiro ou prisioneiro de guerra. Porém, visto
que não existiam ainda códigos de regulamentação, essa forma
de punir não era usada como sanção penal, e sim como tortura e
execução.2

O Código de Hamurabi, que limitava o comportamento das


pessoas que conviviam na sociedade, ficou conhecido por ser a
primeira lei escrita aplicada. Porém, percebe-se que este, além de
estabelecer regras de relacionamento entre as pessoas, possuía
grandes bases estritamente ligadas a questões religiosas e de
caráter vingativo.3

Justamente por esses motivos, evidencia-se que as prisões


não eram feitas com o intuito de reintegração ou recuperação
social, e sim como forma de tentar anular as forças contrárias aos
governantes da época. Eram usadas como forma de opressão à
sociedade. Além disso, os locais onde as pessoas eram encarceradas
não se assimilam aos presídios da atualidade. Usavam-se locais
diversos como masmorras, castelos, torres e qualquer outro local
que permitisse a reclusão e afastamento total das pessoas.4

A forma de aprisionar utilizada no Brasil foi criada pela


Igreja para combater as divergências de ordem religiosa. Os
métodos foram evoluindo durante a Revolução Industrial, com o
surgimento do capitalismo e os crimes de capital, momento em
que surgem relatos de prisões preventivas e por dívidas.5

2. PENAL, MTJR. O Sistema prisional Brasileiro. Disponível em: <www.cnmp.mp.br/


portal/images/.../Livro_sistema_prisional_web_7_12_2016.pdf>. Acesso em: 06 de
Outubro de 2018.
3. PENAL, MTJR. O Sistema prisional Brasileiro. Disponível em: <www.cnmp.mp.br/
portal/images/.../Livro_sistema_prisional_web_7_12_2016.pdf>. Acesso em: 06 de
Outubro de 2018.
4. Idem. Ibidem.
5. Idem. Ibidem.

653
Com o crescimento precoce do estado e da pobreza que
se alastrou por diversos países (fatos que contribuíram para
o aumento crescente da criminalidade), criou-se uma grande
necessidade de racionalizar o direito, a Execução Penal e mais
recentemente, o reconhecimento da atualização dos Direitos
Humanos para agregar a exigência do respeito moral, ético e da
dignidade de cada indivíduo.6

Porém, somente em 1830 foi criado no Brasil um Código


Criminal que regulamentou a prisão e individualizou as penas.
Com este código em vigor, reconheceu-se um cenário de
amadurecimento do direito e a necessidade de respeitar os direitos
humanos e a integridade física e moral dos indivíduos. Dessa
forma, inaugura-se a possibilidade do Direito Penal ser utilizado
como instrumento para suprir as carências e problemas sociais.7

2 A Legislação Protetiva às pessoas privadas de liberdade

Com a evolução nas normatizações penais, os indivíduos


privados de liberdade passaram a ter maior visibilidade diante
da legislação brasileira. Nesse sentido, a Lei nº 7.210/1984 (Lei de
Execução Penal - LEP), traz como objetivo, em seu artigo 1º, “[...]
proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado”8. Dentre os principais pontos da LEP
estão a assistência ao preso e ao egresso na esfera educacional,
material, da saúde, entre outros (art. 11) e os direitos do apenado,
apresentados no rol do artigo 41, entre eles a igualdade de
tratamento, alimentação suficiente e vestuário, atribuição de
trabalho e sua remuneração e Previdência Social9. Hoje, conforme
assevera a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XLIX, é
também direito do aprisionado o respeito à sua integridade física
e moral10.

6. Idem. Ibidem.
7. Idem. Ibidem.
8. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 jul. 1984. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm>. Acesso em: 06
out. 2018.
9. Idem. Ibidem.
10. BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Preâmbulo. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 06 out. 2018.

654
No que tange a legislação supralegal, o Brasil é signatário
de tratados internacionais de direitos humanos que estabelecem
formas de acolhimento e proteção dos apenados, para que
se evitem excessos. Dentre esses tratados estão as Regras de
Bangkok11, as Regras de Mandela12 e as Regras Internacionais para
o Enfrentamento da Tortura e Maus-tratos.

Ainda sob o espectro infraconstitucional, podemos citar a


Lei 12.847/201313, que trata da instituição do Sistema de Prevenção
e Combate à Tortura, em especial às pessoas privadas de liberdade.

Como se verifica, a normatização brasileira não tem sido omissa


quanto aos direitos dos apenados. Entretanto, é imprescindível que
não somente sejam esses direitos positivados no ordenamento
jurídico, mas, também, efetivados diante da realidade carcerária
do país, a fim de humanizar o tratamento aos presos.

2.1 Direitos garantidos às pessoas privadas de liberdade

No cenário atual brasileiro, simultaneamente aos direitos


positivados pela Lei de Execução Penal e pela Constituição Federal
de 1988, existem outras garantias asseguradas pela legislação
ordinária.

O auxílio reclusão é um exemplo. Trata-se de um benefício


direcionado aos familiares do preso, incluído pela Lei nº 8.213/91
que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência
Social14. Os critérios para a concessão são, obrigatoriamente, ter

11. Versa sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade
para mulheres infratoras.
12. Trata sobre as regras para a reestruturação do atual modelo de sistema penal e
percepção do papel de encarceramento na sociedade, utilizando como parâmetros
novas doutrinas de direitos humanos.
13. BRASIL. Lei nº 12.847, de 2 de agosto de 2013. Institui o Sistema Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura; cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 2 ago. 2013.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12847.
htm>. Acesso em: 06 out. 2018.
14. BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios
da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 24
jul. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm>
Acesso em: 06 de out. 2018

655
contribuído durante, pelo menos, 12 meses ao INSS antes de ser
privado de liberdade, bem como ter sua última remuneração
igual ou inferior a R$ 1.318,18. Além disso, o beneficiário não pode
estar recebendo salário, auxílio-doença, aposentadoria ou abono
de permanência junto ao auxílio reclusão.15

Importante frisar que o auxílio reclusão foi criado para


beneficiar os familiares das pessoas que estão sob regime
semiaberto ou fechado, pois a Previdência entende que esses
dependem financeiramente do preso e necessitam de apoio.16

No rol de direitos aos presos previsto no art. 41 da LEP,


encontra-se o direito à visita. Neste sentido, ao preso também é
garantida a visita íntima do seu cônjuge, companheiro e demais
familiares. Apesar das críticas doutrinárias quanto a esse direito,
que argumentam a criação de uma desigualdade com o preso
solteiro, a visita íntima não é reservada somente a relações
sexuais, embora muito usada para tal finalidade. Os familiares do
indivíduo podem utilizar do recurso para terem um momento
reservado com seu parente. No entanto, a visita íntima também
pode ser usada para manutenção da vida conjugal, evitando, até
mesmo, a prática de violência sexual entre os encarcerados do
mesmo presídio.17

Outro direito garantido pela Lei de Execução Penal ao


segregado é o direito ao trabalho, que pode ser exercido no
presídio ou em local externo. No que tange ao trabalho interno,
esse pode ser realizado nas dependências do presídio ou em
outros locais que possuem convênio com o poder público. Quanto
ao trabalho externo, pode ser exercido pelos presos, que estão em
regime aberto ou semiaberto, em obras da administração direta
ou indireta ou em entidades privadas, devendo sempre serem

15. LOPES, Walen. Presos que já trabalham com carteira assinada têm direito à auxílio-
reclusão. Disponível em:<http://www.susipe.pa.gov.br/noticias/presos-que-j%C3%A1-
trabalharam-com-carteira-assinada-t%C3%AAm-direito-%C3%A0-aux%C3%ADlio-
reclus%C3%A3o> Acesso em: 06 de out 2018.
16. Idem. Ibidem
17. PRADO, Rodrigo. Deveres e direitos do condenado e a questão da visita íntima.
Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/deveres-direitos-visita-intima/>
Acesso em: 06 de out 2018.

656
observados os meios que impossibilitem a fuga do preso.18

A remuneração pelo trabalho exercido não pode ser


inferior a ¾ do salário mínimo. Desta remuneração, podem ser
descontadas as despesas pessoais do segregado em relação ao
Estado, assistência à família e despesas referentes a indenização
decorrente da ação penal. O restante do valor é depositado numa
caderneta de poupança em nome do apenado, o qual receberá o
valor depois que cumprir sua pena.19

No que diz respeito à existência e manutenção desses


direitos, a sociedade brasileira permanece receosa em aceitar
que, ainda que destinados a pessoas que de certa forma causaram
dano ao bem comum, são indispensáveis para garantia dos
direitos fundamentais à integridade física e moral e a dignidade
da pessoa humana.

3 Decisões Recentes

Ainda que não pacificado o entendimento doutrinário e


social acerca dos direitos das pessoas privadas de liberdade, o
Supremo Tribunal Federal (STF) tem proferido decisões polêmicas,
como, por exemplo, o dever de indenizar presos em situação
degradante20, a concessão de Habeas Corpus coletivo para
presas mães ou gestantes21 e a liberação da utilização do Fundo
Penitenciário Nacional no combate à crise prisional do Ceará22.
As decisões tomaram grande repercussão, sendo questões de
relevância e que dizem respeito aos direitos fundamentais dos
apenados.

18. PRADO, Rodrigo. Trabalho do preso no âmbito da Lei de Execução Penal. Disponível
em: <https://canalcienciascriminais.com.br/trabalho-preso-lei-execucao-penal/>.
Acesso em: 06 de out 2018.
19. Idem. Ibidem.
20. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Estado deve indenizar preso em situação
degradante, decide STF. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/
cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=336352>. Acesso em: 30 set. 2018.
21. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. 2ª Turma concede HC coletivo a gestantes e
mães de filhos com até doze anos presas preventivamente. Brasília, 2018. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152>.
Acesso em: 30 set. 2018
22. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Ministro determina liberação de recursos do
Fundo Penitenciário Nacional ao Ceará. Brasil, 2017. Disponível em: <http://www.stf.
jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=353534>. Acesso em: 30 set.2018.

657
Em fevereiro de 2017, o STF definiu que o preso vítima
de superlotação e submetido a situações degradantes de
sobrevivência tem direito a danos morais por parte do Estado.
Essa decisão teve origem no Recurso Extraordinário de nº 580220,
interposto pela Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul, face
à decisão do TJ-MS que entendeu que, mesmo a pena sendo
cumprida em situação desumana, o preso não teria direito à
indenização. Esse RE foi redefinido pelos Ministros do Supremo,
após o voto de vista da Ministra Rosa Weber. A proposta do
Ministro Luís Roberto Barroso era de que a indenização deveria
ser fixada em remição da pena. Porém, a decisão foi de manter
a indenização pecuniária, como previa o já falecido Ministro
Teori Zavascki, haja vista que a remição da pena poderia gerar o
“perigo” de um salvo conduto para a manutenção das condições
degradantes no sistema prisional. A indenização no presente
RE consistiu no valor de dois mil reais a ser pago ao preso, com
base no art. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, que prevê
a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por danos
causados a terceiros.23

Outra decisão polêmica envolve as presas que são mães ou


gestantes. No dia 20 de fevereiro de 2018, a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal decidiu por dar provimento ao Habeas
Corpus coletivo de nº 146141, determinando a substituição da
prisão preventiva das mulheres que são mães de crianças de até
doze anos ou de deficientes e das gestantes, por prisão domiciliar.
O HC foi proposto pelo Coletivo de Advogados em Direitos
Humanos, afirmando que manter as mulheres mães ou gestantes
em penitenciárias precárias tira o direito delas ao pré-natal e à
assistência regular na gestação e no pós-parto, além de privar as
crianças a um desenvolvimento saudável, uma vez que a prisão
não é lugar adequado para essas, ferindo o direito constitucional
da integridade física e moral dos indivíduos24.

23. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Estado deve indenizar preso em situação
degradante, decide STF. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/
cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=336352>. Acesso em: 30 set. 2018.
24. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. 2ª Turma concede HC coletivo a gestantes e
mães de filhos com até doze anos presas preventivamente. Brasília, 2018. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152>.
Acesso em: 30 set. 2018

658
Segundo o Ministro Ricardo Lewandowski, o referido HC
coletivo é a única maneira de garantir, de uma forma geral, o
acesso à justiça dos grupos sociais mais vulneráveis e assegurar
um dos bens mais preciosos do ser humano, a liberdade.25

Quanto à crise prisional do Brasil, o Partido Socialismo e


Liberdade (PSOL), propôs a ADIN nº 347, a qual cobra o combate
da referida crise por meio de medidas sólidas. Diante disso, a
Procuradoria Geral do Estado do Ceará peticionou nos autos desta
arguição, requerendo o repasse de dinheiro do Fundo Penitenciário
Nacional (FUNPEN) ao Estado do Ceará, a fim de dar uma solução
à crise prisional cearense, que enfrenta diariamente homicídios,
rebeliões e fugas. O Ministro Marco Aurélio determinou à União a
liberação dos recursos do FUNPEN, relativos ao Estado do Ceará,
para combate da severa crise que o estado vem enfrentando26. O
repasse compreende a quantia de 52 milhões de reais27.

Decisões como as apresentadas são mecanismos de


aperfeiçoamento do sistema penitenciário e de garantia dos
direitos fundamentais dos apenados. Por esse motivo, geram
grandes discussões diante da sociedade, uma vez que, muitas
vezes, não têm boa aceitação da população.

4 O Cárcere Feminino

Além do descaso com a dignidade e integridade dos


apenados do sistema carcerário brasileiro em geral, indispensável
é empreender breve análise acerca do direito das mulheres presas,
tendo em vista a existência de singularidades inerentes a condição
feminina, como a saúde reprodutiva, sexual e ginecológica. A
pesquisa Dar à Luz na Sombra, do Ministério da Justiça, apresenta
importante reflexão acerca do assunto. Conforme exposto:

“O cárcere brasileiro é lugar de exclusão social, espaço

25. Idem. Ibidem.


26. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Ministro determina liberação de recursos do
Fundo Penitenciário Nacional ao Ceará. Brasil, 2017. Disponível em: <http://www.stf.
jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=353534>. Acesso em: 30 set.2018.
27. O portal de notícias da Globo. Supremo determina liberação de R$ 52 milhões para
o sistema prisional do Ceará. Disponível em: <https://g1.globo.com/ceara/noticia/
supremo-determina-liberacao-de-r-52-milhoes-para-o-sistema-prisional-do-ceara.
ghtml>. Acesso em: 30 set.2018.

659
de perpetuação das vulnerabilidades e seletividades
em prática extramuros. Especificamente nas unidades
femininas, encontramos maiores violações no tangente
ao exercício de direitos de forma geral, e em especial dos
direitos sexuais e reprodutivos, bem como de acesso à
saúde especializada, em especial a ginecologistas.”28

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal em conceder


o Habeas Corpus coletivo às mães e gestantes aprisionadas é
um marco para a garantia dos direitos das mulheres presas. No
mesmo sentido, as Regras de Bangkok determinam que, além das
gestantes e mães, as questões de gênero em sua totalidade devem
ser observadas em relação às prisões de mulheres29. Entretanto, as
penitenciárias femininas no Brasil acabam por, além de submetê-
las a condições desumanas e degradantes, infringir ainda mais os
direitos das presas ao não observar suas particularidades.30

Para evitar essas violações aos direitos sui generis das


mulheres, Nana Queiroz, jornalista e ativista pelos direitos
femininos, através de pesquisa realizada em diferentes
penitenciárias brasileiras, conclui que:

“[...] nós enquanto sociedade, evitamos falar de mulheres


encarceradas. Convencemos a nós mesmos de que certos
aspectos da feminilidade não existirão se nós não os
nomearmos ou se só falarmos deles bem baixinho. [...] É
fácil esquecer que mulheres são mulheres sob a desculpa
de que todos os criminosos devem ser tratados de maneira
idêntica. Mas a igualdade é desigual quando se esquecem
as diferenças. É pelas gestantes, os bebês nascidos no chão
das cadeias e as lésbicas que não podem receber visitas de
suas esposas e filhos que temos que lembrar que alguns

28. Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Dar à luz na sombra:
condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por
mulheres em situação de prisão. Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos
Legislativos. Brasília: Ministério da Justiça, IPEA, 2015. Disponível em: <http://
www.justica.gov.br/news/201clugar-de-crianca-nao-e-na-prisao-nem-longe-de-sua-
mae201d-diz-pesquisa/pesquisa-dar-a-luz-na-sombra-1.pdf> Acesso em: 29 set. 2018
29. Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC. Mulheres em prisão: desafios e
possibilidades para reduzir a prisão provisória de mulheres. 2017. Disponível em:
<http://ittc.org.br/mulheresemprisao/> Acesso em: 29 set. 2018
30. Brasil. Ministério da Justiça. Ibidem.

660
desses presos, sim, menstruam.” 31

Dessa forma, percebe-se que é imprescindível o


reconhecimento das singularidades inerentes à condição de
mulher para que o sistema judiciário brasileiro permaneça em
constante aprimoramento de suas decisões a fim de evitar danos,
tanto às mulheres quanto à terceiros, além daqueles já causados
pela situação de transgressora.

Conclusão

Em retrospectiva histórica, é possível identificar grande


avanço quanto à legislação pertinente ao cárcere de pessoas.
No momento de formação das sociedades, a prisão era utilizada
como forma de reprimir opiniões contrárias às autoridades ou à
Igreja, não existindo garantias e respeito à liberdade e à vontade
de todos.

A evolução normativa acerca da garantia dos direitos


das pessoas privadas de liberdade se deu através do intuito de
reintegração e ressocialização dos infratores. Entretanto, ainda
que muito se tenha avançado em relação ao sistema carcerário do
passado, o Brasil, até o momento, enfrenta grandes desafios para
efetivar a garantia dos direitos dos apenados.

Além do indispensável aprimoramento do sistema prisional


brasileiro a fim de evitar que maiores danos sejam causados à
sociedade já prejudicada pela segregação de seus membros,
é inevitável que as políticas públicas considerem às condições
particulares de cada indivíduo encarcerado com o objetivo de
garantir direitos fundamentais e particulares inerentes à condição
de pessoa humana, de mulher ou simplesmente de indivíduo
integrante de uma coletividade, construindo, assim, uma
sociedade mais justa para todos.

31. QUEIROZ, Nana. Presos que Menstruam. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2016, p. 18-19.

661
Referências

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República


Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm>. Acesso em: 06 out. 2018.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código


de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 03
out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 29 set. 2018.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de


Execução Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, 11 jul. 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm>. Acesso em: 06 out.
2018.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos


de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, 24 jul. 1991. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm> Acesso
em: 06 de out. 2018

BRASIL. Lei nº 12.847, de 2 de agosto de 2013. Institui o Sistema


Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; cria o Comitê
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, 2 ago. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12847.htm>. Acesso em: 06
out. 2018.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos.


Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras
para o exercício da maternidade por mulheres em situação de
prisão. Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos.
Brasília: Ministério da Justiça, IPEA, 2015. Disponível em:<http://
www.justica.gov.br/news/201clugar-de-crianca-nao-e-na-prisao-
nem-longe-de-sua-mae201d-diz-pesquisa/pesquisa-dar-a-luz-na-
sombra-1.pdf> Acesso em: 29 set. 2018.

662
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC. Mulheres em
prisão: desafios e possibilidades para reduzir a prisão
provisória de mulheres. 2017. Disponível em: <http://ittc.org.br/
mulheresemprisao/> Acesso em: 29 set. 2018

Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. 2ª Turma concede HC


coletivo a gestantes e mães de filhos com até doze anos presas
preventivamente. Brasília, 2018. Disponível em: <http://www.
stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152>.
Acesso em: 30 set. 2018.

Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Estado deve indenizar


preso em situação degradante, decide STF. Brasília, 2017.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=336352>. Acesso em: 30 set. 2018.

Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Ministro determina


liberação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional ao
Ceará. Brasil, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/
cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=353534>. Acesso em: 30
set.2018.

O portal de notícias da Globo. Supremo determina liberação


de R$ 52 milhões para o sistema prisional do Ceará. Disponível
em:<https://g1.globo.com/ceara/noticia/supremo-determina-
liberacao-de-r-52-milhoes-para-o-sistema-prisional-do-ceara.
ghtml>. Acesso em: 30 set.2018.

LOPES, Walen. Presos que já trabalham com carteira assinada


têm direito à auxílio-reclusão. Disponível em: <http://www.
susipe.pa.gov.br/noticias/presos-que-j%C3%A1-trabalharam-com-
carteira-assinada-t%C3%AAm-direito-%C3%A0-aux%C3%ADlio-
reclus%C3%A3o> Acesso em: 06 de out 2018.

PENAL, MTJR. O Sistema prisional Brasileiro. Disponível em:


<www.cnmp.mp.br/portal/images/.../Livro_sistema_prisional_
web_7_12_2016.pdf>. Acesso em: 06 de Outubro de 2018.

PRADO, Rodrigo. Deveres e direitos do condenado e a questão


da visita íntima. Disponível em: < https://canalcienciascriminais.
com.br/deveres-direitos-visita-intima/> Acesso em: 06 de out 2018.

663
PRADO, Rodrigo. Trabalho do preso no âmbito da Lei de
Execução Penal. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.
com.br/trabalho-preso-lei-execucao-penal/>. Acesso em: 06 de out
2018.

QUEIROZ, Nana. Presos que Menstruam. 5ª ed. Rio de Janeiro:


Record, 2016.

664
Relato de experiência de Trabalho Social
– a participação de mulheres
em Feiras de Artesanato

Rosana Conceição Maia Lopes1


Andréa Aparecida Mota Furtado Sena2
Jemima Brito De Oliveira3

Resumo

Este resumo relata a experiência em feiras de artesanato
nas quais participaram mulheres dos empreendimentos do
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) em Bauru/ SP – Brasil,
como prática de educação em direitos humanos. O artesanato é
patrimônio da cultura brasileira, pois passa geração em geração,
e além de preservar nossas memória e costumes também tem
potencial econômico, considerando que a produção pode ser
comercializada dentro e fora do país. Assim sendo, como forma de
observar e acolher as demandas que se manifestam no cotidiano
das famílias, a equipe do Trabalho Social (TS) elaborou um
projeto de Oficinas de Artesanato que se tornaram instrumentos
de observação. Seguindo o eixo de Mobilização, Organização
e Fortalecimento Social previsto nas normativas do Programa
as mulheres forma cadastradas para participarem das feiras de
artesanato da cidade. Os grupos foram desenvolvidos em dezoito
Residenciais do PMCMV e compreenderam aproximadamente
100 (cem) pessoas. Para participar das feiras as mulheres se
organizaram entre as que tinham interesse em expor os seus
trabalhos. As feiras nas quais já foram expostos os trabalhos
foram: Feira do Aniversário de Bauru, Arraia Aéreo e Festival de

1. Agente Social da Prefeitura de Bauru -SP e Graduada em Serviço Social estudante de


Pós-Graduação de Libra, Pós- Graduação de Trabalho Social- com Famílias. rosana.
maia5@gmail.com
2. Agente Social da Prefeitura de Bauru – SP e Graduada em Serviço Social - estudante
de Pós - Graduação em Filosofia e Sociologia em e Pós –Graduação de trabalho social
com Famílias. andreasena@bauru.sp.gov.br
3. Agente Social Da Prefeitura De Bauru SP –Formação em Magistério. jemimaoliveira@
bauru.sp.gov.br

665
Artes Minha Casa Minha Vida. Os grupos trazem para a equipe
técnica, através da escuta realizada pelas agentes sociais, as
ocorrências e relatos das situações que devem ser trabalhadas
nos condomínios. As feiras são oportunidade de visibilidade, de
protagonismo e fortalecimento do tecido social e serão base para
outros projetos de inclusão produtiva.

Palavras-Chave: Trabalho Social. Programa Minha Casa Minha


Vida. Direitos Humanos.

Introdução

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) Faixa 1 é um


programa do Governo Federal instituído em 2009 com a finalidade
de criar mecanismos de incentivo à produção e promoção de
novas unidades habitacionais para famílias com baixa renda.

Atualmente, o programa atende quatro faixas de renda,


sendo a Faixa 1 para famílias com renda de R$ 0 (zero) até
R$ 1.800,00, com até 90% de subsídio do valor do imóvel,
financiamento em até 120 meses e parcelas que variam de R$
80,00 a R$ 270,00, conforme a renda bruta familiar; a faixa 1,5 para
famílias com renda de até R$ 2.600,00; a Faixa 2 para famílias com
renda de até R$ 4.000,00; e a Faixa 3 para famílias com renda de
até R$ 9.000,00, conforme informações do site oficial do Ministério
do Desenvolvimento Regional.

O município de Bauru aderiu ao PMCMV em abril de


2009. Na primeira fase do programa, Bauru recebeu 1.816
unidades habitacionais da faixa 1, distribuídas entre 07 (sete)
empreendimentos (Residencial Três Américas I, Eucaliptos, Monte
Verde I, Colina Verde e Morada dos Buritis, Conjunto Habitacional
Jardim Ivone e Conjunto Habitacional São João do Ipiranga).

A seleção das famílias para as unidades habitacionais desta


faixa de renda, na fase 1, foi realizada pela Secretaria Municipal
do Bem-Estar Social – SEBES, sendo estabelecida como uma das
responsabilidades do Município, assim como a execução do
Trabalho Social com as famílias beneficiárias.

A partir do ano de 2013, a Prefeitura Municipal de Bauru-

666
SP, compôs uma equipe específica, parte da composição do Setor
Gabinete do Prefeito, para a continuidade do Trabalho Social
referente aos residenciais da Fase 2, faixa 1.

A 2ª fase do programa, faixa 1, teve início em 2013 e com


isso o município de Bauru-SP recebeu o total de 2.208 unidades
habitacionais em 12 (doze) empreendimentos: Três Américas II,
Água da Grama, Santana, Chácara das Flores I, Chácara das Flores
II, Manacás, San Sebastian, Ipês, Monte Verde II, Monte Verde III,
Arvoredo e Jardim TV.

A seleção das famílias da fase 2 também foi realizada através


de sorteios e indicaram-se famílias provenientes de áreas de risco
e áreas de regularização fundiária, foi executada conforme as
diretrizes do PMCMV, Portaria 595 de 18 de dezembro de 2013,
Ministério das Cidades; embasada municipalmente pela Lei 5631
de 22 de agosto de 2008 que instituiu o Plano Diretor Participativo
e pelo Decreto municipal Nº 12.503, de 25 de junho de 2.014.
Para o reassentamento das famílias das áreas de risco, realizou-se
o levantamento dos residentes nestas áreas, e contou-se com o
apoio da Secretaria Municipal de Planejamento, para a análise e
ateste das áreas de risco.

Referente ao Trabalho Social (TS) da faixa 1 do PMCMV


está previsto 1,5% dos recursos da obra para a sua execução. As
diretrizes estão baseadas na Portaria 21 de 22 de janeiro de 2014
do Ministério das Cidades que define como Trabalho Social:

“um conjunto de estratégias, processos e ações, realizado a


partir de estudos diagnósticos integrados e participativos
do território que contribuam para a melhoria da qualidade
de vida e para a sustentabilidade dos bens, equipamentos
e serviços implantados”.

Conforme a mesma portaria, os eixos temáticos para


a execução do Trabalho Social nos residenciais do programa
são: Mobilização, organização e fortalecimento social;
Acompanhamento e gestão social da intervenção; Educação
ambiental e patrimonial; e Desenvolvimento socioeconômico.

Neste trabalho será descrito o Projeto de Trabalho Social do

667
PMCMV que possibilitou a participação de mulheres beneficiárias
deste programa em feiras de artesanato que ocorreram entre os
anos de 2015 a 2019.

As Oficinas de Artesanato do Projeto de Trabalho Social do


PMCMV

Em 2015 foi realizado a entrega de imóveis da Fase II do


PMCMV em Bauru e com isso também iniciou a execução de
atividades do Projeto de Trabalho Social junto aos beneficiários
que passaram a morar em condomínios em diferentes regiões da
cidade.

A execução do Trabalho Social (TS) do PMCMV em Bauru


existe desde 2009, quando município aderiu ao programa. Ele
envolve ações que vão desde a seleção até o acompanhamento
no período de pós-ocupação das famílias.

Após mudança das famílias a equipe do Trabalho Social


passaram a realizar plantão social nos residenciais com o
objetivo de oferecer orientações durante a fase de adaptação dos
moradores à nova modalidade de convívio no que diz respeito
ao compartilhamento dos espaços comuns, cobrança e uso do
condomínio (eleições, cobranças, uso dos serviços comuns, rateio
das despesas, importância da participação de todos nas reuniões,
consequências da inadimplência e outros), e orientações /
encaminhamentos aos serviços públicos.

Durante o plantão social os técnicos da equipe do TS do


PMCMV identificaram que as principais demandas apresentadas
pelos moradores era a dificuldade de convívio devido ao não
cumprimento às regras de regimento interno e a questão do
desemprego, que impossibilitava o acesso às condições básicas
de sobrevivência, como por exemplo alimentação.

A equipe do TS desde 2014 estava desenvolvendo vários


projetos que previa diferentes atividades que buscavam atender
os eixos estabelecidos pela portaria do programa de forma a
contribuir para o desenvolvimento e transformação social da
realidade das famílias.

668
Para Bresser Pereira (1968), o desenvolvimento é um processo
de transformação econômica, política e social, na qual o padrão
de vida da população passa por um crescimento significativo
tornando-se automático e autônomo. O desenvolvimento não
pode ser encarado de forma integral. As metas técnicas são
absolutamente necessárias e respeitadas, porém devem ser
encaradas como os meios para o alcance do objetivo final, que
é, acima de tudo, a ampliação das oportunidades reais dos seres
humanos de desenvolverem suas habilidades e potencialidades.
Assim, o ser humano não é só um meio do desenvolvimento, mas
sim, sua finalidade última.

Nesta perspectiva, a equipe do TS, a partir das demandas


apresentadas pelas famílias atendidas, passou a oferecer oficinas
de artesanato realizadas pelas agentes sociais, com frequência
semanal nos Residenciais com o objetivo de oferecer aos
moradores um espaço de convivência comunitária, aprendizado,
e possibilidade de geração de renda.

Nas oficinas as agentes sociais apresentavam técnicas de


artesanato, costura, pintura, colagem, crochê, feltragem, aplique,
bijuteria com materiais de reciclagem e a utilização de matérias
de reciclagem: garrafas pets, garrava de vidro, revistas, jornais,
materiais encontrados na natureza como: sementes, folhas e
flores desidratadas dentre outros.

Nas confecções dos trabalhos as participantes eram


orientadas sobre a importância de conhecer os materiais, a
quantidade utilizada para montagem de cada peça, o valor gasto
e o valor a ser comercializado. As agentes sociais procuravam
observar as habilidades e preferências de cada participante e a
partir disso construir com elas um conhecimento direcionado para
as áreas que elas tinham mais possibilidade de se desenvolverem.

A metodologia de trabalho utilizada pelas agentes sociais


na realização das oficinas tem como base o método desenvolvido
por Para Freire (2002) que considera que ensinar não é transferir
conhecimentos, conteúdos, nem formar é a ação pela qual um
sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e
acomodado. Para este autor, não existe docência sem discência,
as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os

669
conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro.
Ele ainda afirma que quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender.

Neste sentido, há o entendimento de que os participantes


das oficinas possuem um conhecimento que deve ser considerado
e valorizado no processo de ensino e aprendizado, e que esse
processo seja participativo e transformador no qual os sujeitos
envolvidos na atividade possam aprender juntos.

O primeiro grupo formado em 2015 foi realizado em um


condomínio que apresentava muitos conflitos de vizinhança. Ele
se formou com apenas duas beneficiárias que na época estavam
desempregadas e tinham algumas habilidades manuais e interesse
em aprender a fazer peças de artesanato. Essas beneficiárias com
o decorrer das oficinas começaram a produzir peças com cada vez
mais técnica e comercializá-las e com isso gerar renda.

Uma delas passou a sustentar sua casa com a venda de


porta guardanapo de vovozinha. Ela fazia e seu esposo, também
desempregado, vendia de porta em porta. Mesmo depois que seu
marido estava empregado ela continuou vendendo artesanato,
pois havia conquistado vários clientes, e também passou a expor
seu trabalho em feiras. De acordo o relato desta beneficiaria,
foi através das oficinas de artesanato que ela descobriu seu
talento, pois nunca teve oportunidade de fazer uma peça de
artesanato, assim desconhecia que possuía esta habilidade que
lhe proporcionou renda, auto estima, e confiança em si mesma.

Ao final de 2015, este grupo já havia avançado tecnicamente


e possuía uma diversidade de materiais, como peso de porta, porta
pano de prato, entre outros. Assim, a agente social responsável
entendeu que elas estavam preparadas para se submeter a um
processo de avaliação com a Base Conceitual do Artesanato
Paulista e as normas estabelecidas na Legislação para adquirir
uma Carteira de Artesão, que o identifica como profissional
do Artesanato e lhe dá acesso aos serviços prestados pela
SUTACO. Após essa avaliação as participantes foram aprovadas e
conseguiram adquirir esta carteira.

Com o decorrer dos anos as oficinas de artesanato foram

670
ampliadas para outros residenciais do PMCMV, no momento
existe 12 grupos que atendendo cerca de noventa pessoas por
mês.

A experiência das agentes sociais na realização das oficinas


de artesanato trouxe muito aprendizado para a equipe com um
todo. Relatos de mudança de vida e de superação são frequentes.
Geralmente as pessoas entram nas oficinas por estar
desempregadas, algumas possuem habilidades e mais facilidades
nas atividades, outras se descobrem e se desenvolvem no decorrer
do processo.

Há relatos que mulheres que passaram a sustentar suas


casas com a venda de artesanatos, abriram lojas, vendem seus
produtos pela internet. Existe também relatos de pessoas que não
acreditavam que tinham algum potencial de construir algo e hoje
se sentem mais capazes e realizadas.

As oficinas de artesanato se tornaram espaços de momentos


de trocas de experiência e de convívio comunitário, onde além de
aprender artesanato é possível fazer novas amizades, estabelecer
relações de colaboração e solidariedade, organizar eventos em
prol dos moradores, discutir melhorias para o condomínio, e
refletir sobre diferentes questões de interesse comum.

Dito isso, a equipe entende que as oficinas extrapolaram


seus objetivos iniciais e tem contribuído para a transformação da
realidade das famílias de forma mais abrangente.

Assim, pode-se concordar com Freire (1977, p.48), quando


afirma que o homem não pode participar ativamente na história,
na sociedade, na transformação da realidade se não for ajudado a
tomar consciência da realidade e da sua própria capacidade para
transformar. Ninguém luta contra forças que não entende, cuja
importância não meça, cujas formas e contornos não discirna. Se
isto é verdade quando se refere às forças da natureza, também
é assim nas forças sociais. A realidade não pode ser modificada
senão quando o homem descobre que é modificável e que ele o
pode fazer.

671
A parcipação nas Feiras de Artesanato

A participação de mulheres em feiras de artesanato


com a exposição de seus trabalhos é o resultado do trabalho
desenvolvido pela equipe do TS desde 2015 junto às mulheres
beneficiárias do PMCMV.

Com o avanço técnico das participantes na produção das


peças de artesanato durante as oficinas a equipe do PMCMV
passou a levá-las em feiras de artesanato e outros eventos para
expor e comercializar seus trabalhos.

A seguir iremos apresentar como foi a participação nas


feiras com informações e dessas atividades que foram registradas
pela equipe do PMCMV.

A primeira participação em feira de artesanato aconteceu


em 30 de dezembro de 2015 durante festa de natal na Praça
Portugal onde a tradicional Casinha do Papai Noel atrai muitos
moradores da cidade. Neste evento as participantes expuseram
seus trabalhos de artesanato que foram construídos durante as
oficinas de artesanato oferecidas no residencial durante os meses
de abril a dezembro de 2015.

A segunda aconteceu no dia 03 de abril de 2016 no


evento realizado no recinto Mello Moraes em Bauru (SP) em
comemoração à Missão Centenário, realizada há 10 anos, com
destino ao Espaço, que teve entre os participantes o astronauta
bauruense Marcos Pontes. Durante o evento, as beneficiárias
expuseram e comercializou os trabalhos artesanais produzidos
durante as oficinas de artesanato. O público presente teve acesso
a produtos confeccionados em crochê, pintura, costura e outros.
A renda obtida foi dividida entre as participantes.

A terceira participação aconteceu no evento “Viva Bauru” no


dia 01 de agosto de 2018 realizado pela Prefeitura Municipal no
parque vitória Régia para comemorar o aniversário da cidade de
Bauru. As praticantes expuseram e comercializaram seus trabalhos
de artesanato.

No dia de 23 de dezembro de 2018 foi realizado um passeio

672
com as participantes das oficinas no comércio de bordado da
cidade de Ibitinga em São Paulo, considerada a capital nacional
do bordado, que atrai milhares de visitantes para suas diversas
lojas, com o objetivo de ampliar o universo de informação sobre
artesanato e suas tendências.

A quinta participação foi durante o terceiro Festival de Artes


do Minha Casa Minha Vida no dia 13 de junho de 2019 onde as
participantes expuseram e comercializam seus trabalhos.

A sexta participação aconteceu no evento “Viva Bauru” no dia 01


de agosto de 2019 realizado pela Prefeitura Municipal no parque
vitória Régia para comemorar o aniversário da cidade de Bauru.

No dia 06 de agosto foi realizado um passeio na feira


“Mega Artesanal” na cidade de São Paulo com as participantes
das oficinas. Esta feira oferece infinitas oportunidades para quem
gosta e faz arte, artesanato e artes manuais. Milhares de cursos,
demonstrações são oferecidos, além dos lançamentos e venda
de produtos, matérias primas, projetos, desafios, exposições,
premiações, encontros e negócios.

Considerações Finais

Diante do trabalho desenvolvido durante as oficinas de


artesanato é possível verificar os impactos na vida das mulheres
participantes e em seu entorno que encontram nessas atividades
a possibilidade de superar as dificuldades financeiras e de
organização comunitária.

Na realidade permeada pelo desemprego e pela


desproteção social, as oficinas de artesanatos propiciaram
uma nova oportunidade de promover o desenvolvimento da
autonomia das participantes, de forma oferecer, por meio de
políticas pública de habitação, alternativas que tenha como base
a liberdade, a valorização dos diferentes saberes, o respeito ao
conhecimento de cada um, e a defesa dos direitos humanos.

673
Referências Bibliográficas

BRESSER PEREIRA, L. C. Desenvolvimento e crise no Brasil, 1930-


1964. 1º edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

FREIRE, Paulo. A mensagem de Paulo Freire: textos de Paulo Freire


selecionados pelo INODEP. São Paulo, Nova Crítica, 1977.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários


à Prática Educativa. Disponível em: http://forumeja.org.br/files/
Autonomia.pdf. Acesso em: 10 jul 2019.

674
O direito à Educação: Reflexões sobre acesso
e permanência do adolescente Autor de
Ato Infracional na Escola

Priscila Carla Cardoso1


Débora Cristina Fonseca2
Tamyres Vituri da Silva3

Resumo

Ao falar de educação escolar é preciso discutir o acesso e
permanência do aluno no sistema escolar, o que se apresenta
como o maior desafio na concretização do direito à educação
quando se trata do adolescente autor de ato infracional. O
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo - SINASE, afirmam o direito ao
acesso e à permanência do adolescente autor de ato infracional
na escola, no entanto o que se constata são adolescentes com
baixa escolaridade e evadidos do sistema escolar. Sendo assim
o presente trabalho tem como objetivo discutir a efetividade do
ECA e do SINASE enquanto instrumentos de garantia do direito
de acesso e permanência do adolescente autor de ato infracional
no sistema escolar. Este trabalho é um recorte de uma pesquisa
que analisou a trajetória escolar de adolescentes autores de atos
infracionais e teve como referencial teórico o materialismo histórico
dialético. Foram analisadas 05 entrevistas com adolescentes que
cumpriram algum tipo de medida socioeducativa. A análise dos
dados foi feita a partir de núcleos de significações. Os dados
evidenciaram que os adolescentes tiveram um percurso escolar
marcado por dificuldades de aprendizagem, reprovação e evasão.
Daqueles que cumpriram a medida de internação todos relataram
dificuldades de acesso e/ou permanência na escola. Nota-se,
portanto, que embora o ECA/SINASE sejam ferramentas que

1. priscilacarlacardoso@gmail.com. Programa de Pós Graduação em Educação – Unesp/


Brasil
2. debora.fonseca@unesp.br. Instituto de Biociências Unesp – Rio Claro/SP – Brasil
3. tamy_vituri_s2@hotmail.com. Programa de Pós Graduação em Educação – Unesp/
Brasil

675
visam garantir o direito ao adolescente autor de ato infracional à
escola, tal conquista parece permanecer apenas no plano jurídico
e político-conceitual.

Introdução

Partindo do pressuposto de que a educação é a condição


para que o homem se constitua como humano, humanizado e
humanizador, compreende-se a importância da ação educativa,
pois não há subjetividade plenamente desenvolvida sem
apropriação do conhecimento historicamente acumulado
(MEIRA, 2003). Ainda que o direito a educação esteja previsto na
Constituição Federal de 1988, sua efetivação como um direito
fundamental à criança e ao adolescente se deu com promulgação
do ECA (BRASIL, 1990) e, posteriomente, da Lei de Diretrizes
e Bases – LDB (BRASIL, 1996). Ao falar de educação escolar é
preciso discutir questões sobre o acesso, que se dá por meio da
universalização e da democratização da educação escolar, bem
como sobre a permanência aluno no sistema escolar.

Segundo SCHILLING (2012), embora os discursos sobre a


universalização do acesso estão presentes desde o século XIX, e
ainda assim existem desafios em relação ao acesso a educação
no Brasil. Entretanto, ainda que deficiente, o acesso não é o
maior dos problemas. A permanência dos alunos no sistema
escolar apresenta-se como o maior desafio na concretização
do direito à educação que, para Leão (2006) está diretamente
relacionado à reprodução das desigualdades sociais. Quando se
trata do adolescente autor de ato infracional, o acesso à escola e,
principalmente a permanência no sistema escolar são questões
que dizem da fragilidade presente na concretização dos direitos
do adolescente.

O SINASE (BRASIL, 2006), tido como o documento


norteador do atendimento ao adolescente autor de ato
infracional, constitui-se como política pública e reafirma o direito
ao acesso e à permanência do adolescente na escola, destacando
“a garantia de regresso, sucesso e permanência dos adolescentes
na rede formal de ensino” (BRASIL, 2006, p. 59). No entanto,
ainda que previsto nos documentos legais - ECA e SINASE - que
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa devem

676
frequentar o ensino regular, o que se constata são adolescentes
predominantemente com baixa escolaridade e evadidos do
sistema escolar.

Segundo dados do SINASE dos 9.555 adolescentes em


cumprimento de medida socioeducativa de internação em 2002,
mais da metade (51%) não frequentavam a escola e quase a
totalidade (90%) não haviam completado o ensino fundamental
(BRASIL, 2006). Em 2012 em pesquisa realizada pelo Conselho
Nacional da Justiça (CNJ) os dados se mantêm: 57% dos
entrevistados declararam que estavam evadidos da escola antes
de serem internados e 87% não concluíram o ensino fundamental,
sendo que um número significativo (39%) deixou de estudar entre
a 5ª e 6ª série (BRASIL, 2012).

Com consonância com os dados apresentados no


parágrafo acima, diversos estudos (ARROYO, 2007; CARDOSO,
2009; CRAIDY; GONÇALVES, 2005; GALLO; WILLIAMS, 2005;
ZANELLA, 2010), apontam que grande parte dos adolescentes
que estão em cumprimento de medidas socioeducativas estão
evadidos da escola e os que estão frequentando são considerados
“problemáticos” pelos demais membros da comunidade escolar.
Nota-se, portanto, que o preconceito é algo que se encontra ainda
arraigado nas escolas, sendo, muitas vezes, reforçado por aqueles
que atuam no âmbito escolar.

Portanto, embora o ECA/SINASE sejam ferramentas que


visam garantir o direito ao acesso e à permanência do adolescente
em conflito com a lei na escola, tal conquista parece permanecer
apenas no plano jurídico e político-conceitual. É por este motivo
que este trabalho teve como objetivo refletir e discutir sobre a
efetividade do ECA e SINASE enquanto instrumentos de garantia
do direito de acesso e permanência do adolescente em conflito
com a lei no sistema escolar.

Metodologia

Esse estudo fez parte de uma pesquisa maior, intitulada


“Trajetória de Alunos Protagonistas de Violência”, realizada
pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Participação
Democrática e Direitos Humanos – GEPEPDH, que teve como

677
objetivo analisar e compreender alguns elementos constitutivos
da lógica de criminalização da pobreza e juventude de alunos de
escolas públicas com processos judiciais.

Na primeira etapa da pesquisa foram pesquisadas quatro


escolas públicas estaduais, que apresentavam altos índices de
violência. Na segunda etapa, foram consultados os processos
judiciais existentes nas Varas da Infância e Juventude, situadas nas
duas cidades em que foi realizada a pesquisa. E por fim na terceira
etapa, na qual a presente pesquisa foi inserida, foram realizadas
entrevistas individuais com os adolescentes identificados nos
processos judiciais que cumpriram algum tipo de medida
socioeducativa.

Foram feitas sete entrevistas e analisadas apenas cinco delas.


Eram adolescentes de duas das escolas públicas de duas cidades
do interior do Estado de São Paulo/Brasil. Todos os entrevistados
foram do sexo masculino, na faixa etária entre 16 e 17 anos. Na
ocasião da realização das entrevistas todos estavam evadidos
da escola. A maioria deixou de estudar entre 6ª e 7ª série. Com
relação às medidas socioeducativas as quais foram submetidos,
04 cumpriram medida socioeducativa de privação de liberdade,
além de liberdade assistida (LA), 01 cumpriu LA cumulada com
Prestação de Serviços a Comunidade (PSC).

De forma complementar também foram utilizados os


dados dos Livros de Ocorrências das escolas (LOE), que são
cadernos são e/ou livros atas utilizados para anotar as ocorrências
de alunos que desrespeitam as regras normativas da escola. Serve
como uma advertência e dependendo da sua gravidade o aluno
é encaminhado à diretoria, que toma as providências cabíveis. O
objetivo da utilização de tal instrumento foi possibilitar conhecer
a percepção que tais instituições possuem sobre os participantes
em questão e dos processos judiciais que possibilitaram o
conhecimento do histórico infracional desses adolescentes, bem
como de parte das suas histórias de vida presentes em alguns
relatórios de estudos psicossociais.

Essa pesquisa se embasou na perspectiva Histórico-


Cultural, que por sua vez, possui como método o materialismo
histórico dialético, que tem como pressuposto a superação da

678
dicotomia objetividade-subjetividade e a afirmação da síntese
de contraditórios entre sujeito-objeto. Sendo assim, a análise dos
dados foi feita a partir de núcleos de significações, proposto por
Aguiar e Ozella (2006/2013). Essa proposta metodológica tem
como base a dimensão histórico-dialética, na qual defende que
a compreensão do fenômeno estudado só é possível quando
o pesquisador se aproxima das suas determinações histórico-
sociais.

Discussão e Análise dos dados

A partir da análise dos núcleos de significações foi possível


observar que ainda que alguns dos adolescentes trouxessem
aspectos positivos da escola, todos tiveram suas identidades
marcadas pelo fracasso escolar. Um número significativo dos
entrevistados relatou que não tiveram facilidades durante a
trajetória escolar. Quanto às dificuldades, a grande maioria das
respostas tiveram como eixo principal questões relacionadas à
aprendizagem, como dificuldade de leitura e desenvolvimento
de operações matemáticas:

Dificuldade foi só de aprender a escrever né? Ah... vem do


passado. Prezinho... né? Num fui aprendendo nada né? Aí
cheguei no X [escola de ensino fundamental] né? Não me
ensinou também nada. Não aprendi nada.
Ah... nunca consegui aprender as coisas né? Sempre fui
muito difícil para aprender as coisas... Aí por isso que
eu bagunçava mesmo. Tenho dificuldade até hoje para
aprender as coisas. Matemática essas coisas... sou meio
perdido ainda né? Por causa disso aí mesmo.

[...]sempre tive bastante dificuldade em leitura, a ler essas


coisas eu sempre tive bastante [dificuldade]. Eu não gostava
muito de ler assim, quando a professora me mandava ler
por fileira, sabe? Eu não gostava. Eu me esforçava, lia as
vezes, nem sempre.

Minha maior dificuldade era com os números...sou meio


burro.
Nossa! Dificuldade tive um monte, mas trabalhei todas na...
em cima das dificuldade.

679
Há uma incorporação do discurso de culpabilização do
indivíduo pelo fracasso escolar. Não há, por parte dos adolescentes,
compreensão do fracasso escolar a partir de processos
educacionais. Tanto é assim que apenas um adolescente faz a
crítica ao sistema educacional. A escola é vista por quase todos
somente como garantia de emprego. As falas dos adolescentes
reflete o discurso científico predominante na sociedade, que
naturaliza o fracasso escolar de forma a culpabilizar os alunos
pelas suas eventuais dificuldades de aprendizagem.

Com isso fica evidente que a patologização e a judicialização


da pobreza tem estado muito presentes no ambiente escolar.
Psicólogos, educadores e juristas tem se unido para culpabilizar o
individuo por um problema que é social (PATTO, 1984; ANTUNES
1998; MEIRA, 2007; LESSA; FACCI, 2009). Assim, esses mesmos
atores que deveriam ser capazes de denunciar as verdadeiras
causas das desigualdades que se reproduzem/refletem na escola,
acabam por acomodar e silenciar por meio de rótulos que vão
desde um diagnóstico até um processo judicial.

Sendo eles excluídos desse processo, uma vez que possuem


uma trajetória marcada por fracasso escolar, procuram no meio
infracional à possibilidade de atender essa necessidade colocada:
melhores condições de vida:

Eu me envolvi mais por causa das companhias né? São


as pessoas que eram do meu nível, foram se envolvendo.
Pegando uma coleta mais com os outros, uns falando para
você fazer: “isso, isso, isso”. Quando for ver você já tava
envolvido.

E... eu tinha parado de trabalhar e precisando de dinheiro...


e eu sempre via meus amigos conquistando as coisas deles
rápido assim. Aí também comecei andar com umas pessoas
que não devia... era moleque novo, não tinha a mente que
eu tenho hoje em dia né? Tinha 13 anos ... tinha 13 anos
Ah... senhora sabe... todo mundo hoje em dia inventa de
roubar né? Todo mundo hoje em dia. Não se espelhando
nos outros né? Mas... é o que a gente vê aí...

Sem estudo a gente não consegue um trabalho né? Aí vai

680
para o mundo mais fácil né? O mundo do crime né? Pra
gente trabalhar aí né? É a única coisa que tá tendo pra nós
né? Se for vê... não tenho mais o que falar não...

Entretanto, a pesquisa constatou que o meio infracional


também não é capaz de atender as necessidades desses
adolescentes. É nesse momento, após o cumprimento da medida
socioeducativa, que eles se voltam para escola, na tentativa de
ressignificar sua trajetória escolar. Porém isso lhe é negado, uma
vez que encontram dificuldades relacionadas a preconceitos e
estigmas, seja pela negação de vaga, seja pela exclusão dentro do
próprio ambiente escolar:

Agora só quando eu sai, que eu não fui pra escola. Ela


[diretora] queria minha transferência, É... queria mudar eu
de escola. Aí eu já nem dei atenção e abandonei já”.

Eu mesmo tenho vontade de voltar a estudar, mas não


consigo vaga. Aí quando eu desanimo, não vou mais
também.

Lógico que eu penso [retornar para escola], mas não


consigo vaga, então...
Se estivesse no CREAS, conseguiria vaga com certeza.

Apesar do esforço destes adolescentes em ressignificarem


suas trajetórias escolares, eles esbarram nos limites colocados pela
instituição quanto à garantia de vaga. Eis aí mais uma contradição:
violação de seus direitos acontece pelo próprio Estado, a quem
compete garantir a educação a crianças e adolescentes. Vale dizer
que todos os adolescentes que tiveram suas trajetórias escolares
analisadas nesta pesquisa, estavam defasados com relação à
idade-série e também evadidos no momento da entrevista. Isso
mostra que o direito a educação ainda não foi concretizado em
sua plenitude.

Embora previsto no artigo 57 do ECA a necessidade de


propostas diferenciadas para inserção de crianças e adolescentes
excluídas do ensino fundamental obrigatório, na realidade
as escolas, de posse do poder de disponibilizar ou não a vaga
escolar, muitas vezes acabam por excluir estes “alunos problemas”

681
do seu quadro de alunos. Quando a situação se agrava e a vaga
é determinada judicialmente a exclusão acontece dentro do
próprio ambiente escolar.

Portanto, falar em exclusão escolar implica necessariamente


em falar de inclusão, pois exclusão não significa apenas estar
fora da escola, já que muitos adolescentes podem até estar no
ambiente escolar, porém excluídos do processo educativo, ao ter
acesso a uma educação de baixa qualidade. Vale ainda dizer que
quando se fala sobre educação de qualidade não se deve atentar
apenas para os conteúdos presentes no currículo e a forma
como são transmitidos, mas também a forma como são tratadas
as demandas de minorias, grupos não alinhados com a cultura
escolar vigente (COLLADO, 2013), como é o caso dos adolescentes
autores de atos infracionais.

É nesse sentido, que se argumenta a necessidade da


escola e dos gestores da política educacional ter claro suas
responsabilidades no que se refere à proteção integral ao
adolescente autor de ato infracional. O que torna urgente uma
discussão mais consistente no âmbito das políticas públicas
a fim de criar estratégias diferenciadas que visem o acesso e
a permanência destes adolescentes na escola, sendo esse um
direito universal. Para tanto se faz necessário à desconstrução de
estigmas e preconceitos com relação a este público, no sentido
com compreender o fenômeno em sua múltipla determinação.

Quando o assunto é proteção integral a adolescente autor


de ato infracional é sempre um desafio devido ao grande ranço
da velha política menorista. Há uma dificuldade da sociedade e
até mesmo dos profissionais que atuam no Sistema de Garantia
de Direitos (SGD) de tratá-los como sujeitos de direitos. Há
aqueles que, inclusive, se definem como “defensores” da política
para adolescentes autores de atos infracionais, mas na prática
suas ações são muito mais voltadas ainda a doutrina da Situação
Irregular. São esses que acreditam que as medidas socioeducativas
não sejam uma resposta social a prática do ato infracional e
devido essa confusão de interpretação, acabam por considerarem
o Estatuto da Criança e do Adolescente como uma lei facilitadora
e promotora de infrações juvenis.

682
Considerações Finais

Diante do exposto, podemos concluir que há uma grande


dificuldade e resistência das políticas setoriais, que fazem parte
do SGD, de se integrarem de modo a realizar um trabalho
intersetorial a fim de garantir a proteção integral ao adolescente
em cumprimento de medida socioeducativa. Muitas vezes não há
uma compreensão de que fazem parte do sistema socioeducativo.
Isso significa dizer que, embora o ECA/SINASE tenham produzido
mudanças legais no que se refere ao atendimento e garantias
ao adolescente autor de ato infracional estas mudanças não se
concretizam no atendimento real a este público. O que nos leva
a concluir que assegurar o direito do adolescente no Brasil não
é uma prioridade, ainda mais quando se diz respeito ao sistema
educacional.

O que se tem observado, na maioria das vezes, é que além


das deficiências na garantia dos direitos ao acesso e permanência
escolar, encontra-se uma escola reprodutora de desigualdades,
de exclusão e discriminação, mantendo privilégios para poucos.
Sendo, os adolescentes autores de atos infracional, aqueles que
não possuem tais privilégios.

Os dados só constatam que os responsáveis pela promoção


dos direitos não estão garantindo o acesso e a permanência à
escola a esses adolescentes em situação de extremo risco social.
O SINASE é claro ao mencionar a articulação entre as políticas
como tarefa essencial para efetivação das garantias de direitos
dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas,
no entanto, a dificuldade do trabalho intersetorial tem sido um
dos grandes desafios. Somado a isso não se pode desconsiderar
que políticas públicas destinadas a esse público ainda continuam
visando o controle social e regulação daquele considerado uma
ameaça à ordem social.

Referências

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instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos.
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685
Direitos Humanos na escola: Pesquisa
intervenção na Educação de Jovens e Adultos

Tamyres Vituri da Silva1


Priscila Carla Cardoso2
Débora Cristina Fonseca3

Resumo

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os direitos
humanos são direitos inerentes a todos, independentemente
de raça, sexo, nacionalidade, idioma ou religião e se aplicam
a todos os lugares e são considerados universais. Embora os
direitos humanos estejam garantidos legalmente em diversos
documentos e convenções, eles ainda são desrespeitados em
diversas partes do mundo, percebendo-se que na prática, os
direitos humanos são violados constantemente, o que é um
grande desafio para sua eficácia e efetivação. Nesse contexto,
a escola surge como espaço privilegiado para tratar dessa
temática e discutir as possíveis formas de se consolidar a
educação em direitos humanos. Esse trabalho é o relato de uma
pesquisa que investiga os procedimentos adotados em grupos
de formação que contribuem para a educação em direitos
humanos, em uma sala da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
e com professores. Pretende-se refletir sobre como tais práticas
contribuem, ou não, para exercitar a conscientização e promoção
de conhecimentos acerca dos Direitos Humanos, através da
metodologia de pesquisa-ação. Durante a coleta de dados foram
realizadas oficinas que trabalhavam temáticas como violências,
preconceitos, discriminação, diferenças, e violação dos direitos
humanos no âmbito escolar. Na fase final da coleta dos dados
serão realizados grupos focais para discutir e avaliar a proposta
formativa com os participantes. Essa pesquisa integra uma

1. tamyres.vituri@gmail.com. Programa de Pós-Graduação em Educação – Unesp/Brasil


2. priscilacarlacardoso@gmail.com. Programa de Pós-Graduação em Educação – Unesp/
Brasil
3. debora.fonseca@unesp.br. PPGE e Dep. Educação do IB Unesp – Rio Claro/SP – Brasil

686
pesquisa maior denominada “Educação em Direitos Humanos na
Escola: Investigação em intervenção propositiva”, que investiga a
temática da educação em Direitos Humanos na Educação Infantil,
Ensino Fundamental e EJA, desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa
GEPEPDH.

Palavras-chaves: Educação. Direitos Humanos. EJA

Introdução

Consideramos a escola um lugar privilegiado para tratar


situações de violação aos direitos humanos. Discussões pautadas
nos princípios dos direitos humanos precisam ser discutidas
no contexto escolar, pois, dessa forma, a escola cumpre com
sua função social, de não apenas transmitir conhecimentos
sistematizados, e sim contribuir para uma sociedade mais justa e
igualitária para todos.

A educação em direitos humanos na educação de jovens e


adultos possibilita aos alunos apreender seus direitos e também
tomar conhecimento quando seus direitos estão sendo violados.
Estar na EJA demonstra já uma violação do direito à educação,
pois ela repara o tempo que jovens e adultos foram privados de
estarem dentro da escola.

A EJA é a modalidade de ensino destinada as pessoas


que por diversos motivos não tiveram acesso à educação na
idade/tempo certo, onde a distorção série/idade é a principal
característica dos sujeitos a que ela pertence. Dessa forma, é
importante trabalhar os Direitos Humanos de forma que esses
alunos tenham conhecimento e consciência sobre seus direitos e
lutem para que os mesmos sejam garantidos. Assim, é importante
que todos da escola estejam envolvidos nesse projeto, pois são
sujeitos que estão diariamente em contato com os alunos.

No entanto, entendemos que na escola muitos direitos são


violados, e dessa forma, essas relações precisam ser revistas para
que se fortifique uma sociedade mais humana e igualitária. A
escola não consegue trabalhar a educação em direitos humanos
demonstrando atitudes que não são humanas. É preciso que
as relações sejam pautadas nos princípios éticos dos direitos

687
humanos para que a educação pretendida aconteça.

De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação


em Direitos Humanos (2012), documento disponibilizado pelo
Governo Federal, está previsto que todas os estabelecimentos de
ensino e instituições de pesquisas devem fomentar experiências
nessa área. Dessa forma, a escola precisa trabalhar a educação
em direitos humanos de forma integral, possibilitando seu acesso
em todos os níveis, e em todas as disciplinas. Nesse sentido, a
Educação em Direitos Humanos deve ser promovida em três
dimensões:

a) conhecimentos e habilidades: compreender os direitos


humanos e os mecanismos existentes para a sua proteção,
assim como incentivar o exercício de habilidades na
vida cotidiana; b) valores, atitudes e comportamentos:
desenvolver valores e fortalecer atitudes e comportamentos
que respeitem os direitos humanos; c) ações: desencadear
atividades para a promoção, defesa e reparação das
violações aos direitos humanos. (BRASIL, 2003, p. 32).

Metodologia

O presente trabalho é parte integrante de uma pesquisa


maior denominada “Educação em Direitos Humanos na Escola:
Investigação em intervenção propositiva”, que investiga a
temática da educação em Direitos Humanos na Educação Infantil,
Ensino Fundamental e EJA, desenvolvida pelo Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação, Participação Democrática e Direitos
Humanos - GEPEPDH, na Unesp campus de Rio Claro, interior de
São Paulo/Brasil.

A pesquisa de natureza qualitativa vem sendo realizada


com alunos do 8º ano do ensino fundamental II, de uma turma
da Educação de Jovens e adultos, em uma escola localizada na
região central, num município do interior do estado de São Paulo.
Os participantes da pesquisa são aproximadamente 20 alunos e
15 professores/gestão escolar.

Os alunos dessa escola são oriundos de diversas regiões


da cidade, muitos deles bem distantes, sendo bairros periféricos,

688
considerados por estarem em uma zona com altos índices de
violência, demonstrando, dessa forma, certa heterogeneidade
entre os participantes da pesquisa.

A realização das oficinas acontecem semanalmente com


os alunos, tendo a duração de 1h/ aula, e com os professores e
gestão escolar mensalmente, aproximadamente 2h/aulas, em
HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo). Os dados aqui
integram o primeiro semestre letivo do ano de 2019, e a finalização
da pesquisa ocorrerá no fim do 2 semestre, com a realização do
grupo focal com os participantes.

A análise dos dados está sendo subsidiada pela perspectiva


sócio histórica, que propõe encontrar no particular, a instância
da totalidade social para dessa forma, compreender o contexto:
“articulando dialeticamente os aspectos externos com os
internos, considerando a relação do sujeito com a sociedade à
qual pertence” (FREITAS, 2002, p. 22).

A pesquisa utiliza-se de três instrumentos de coleta de


dados: questionários, grupo focal e pesquisa-ação. Nos pautamos
nos autores Gatti (2005) e Thillent (1985) para subsidiar o estudo
da metodologia.

De início, foram aplicados questionários para todos os


participantes, perguntando sobre temáticas que gostariam de
discutir no contexto escolar, bem como compreender o que
traziam sobre os direitos humanos. A partir desse momento,
pensamos oficinas que contemplassem as temáticas respondidas
e construímos com os mesmo novos temas e propostas para a
continuidade da pesquisa.

Ao longo do primeiro semestre, as oficinas aconteceram


de forma participativa, onde os indivíduos compartilhavam suas
opiniões, e todos refletiam sobre o que estava sendo proposto.
Sempre encaminhar as discussões para que sempre sejam
pautadas no respeito, embora algumas vezes, houve situações de
indignação entre os envolvidos, causando conflitos.

O conflito é importante pois as pessoas são diferentes,


possuem opiniões divergentes e muitas vezes é difícil entender

689
porque tal pessoa pensa de tal maneira. Todos esses elementos
são importantes para que se construa e fortaleça a educação
em direitos humanos, pois pensar e refletir sobre o próximo
baseando-se nos princípios do respeito e sonoridade contribui
para esse tipo de educação pretendida.

Os materiais utilizados foram diversos: músicas, filmes,


vídeos, poemas, desenhos, ou qualquer outro material que
possibilitasse as discussões através da educação não-formal. A
oralidade foi muito trabalhada durante as oficinas, pois possibilitou
a expressão de opinião e pensamento dos alunos.

Com os professores e equipe gestora trabalhamos temáticas


formativas e levamos a importância de se trabalhar a educação
em direitos humanos dentro da sala de aula. Também é exposto
à eles tudo o que vem sendo trabalhado com os alunos, de forma
que os possibilite a pensar novas práticas que levam a esse tipo de
educação pretendida.

Resultados e discussões

No início, os alunos demonstraram certa resistência


em participar das atividades propostas. Ficavam quietos e
expressavam pouco a opinião. Com o passar dos dias, foram
sentindo confiança e a partir da criação de vínculos que
estabelecemos, eles começaram a se expressar de forma mais
participativa, contribuindo ativamente nas discussões.

A partir dos dados já coletados, vem sendo possível


observar que os alunos naturalizam diversos tipos de violências,
que são presenciadas no cotidiano e vivenciadas no contexto
escolar. Os alunos demonstraram que consideram o acesso à
educação como obrigação, principalmente os mais jovens, não a
enxergando como um direito. É relevante salientar que os sujeitos
ali existentes trazem concepções diferentes das esperadas e que:
“escola é parte integrante da sociedade e não consegue viver
apartada dela, seus muros não conseguem impedir o reflexo das
desigualdades, das violências e das tragédias” (ZLUHAN; RAITZ,
2014, p. 35).

Para adentrar na temática do “o que é violência”, levamos

690
imagens dispostas no data show para os alunos classificarem
essas imagens como sendo violentas ou não, e o motivo. Com
essa oficina é possível perceber violências vivenciadas e sofridas
no convívio social, bem como violências naturalizadas. Exemplos:
abuso policial, bullying, machismo, agressão física e verbal e etc.

Nas discussões sobre gênero nos deparamos com discursos


que ferem a dignidade humana da mulher, sendo muitas vezes
uma violência sofrida dentro dos lares. Muitas mulheres relataram
que foram privadas do direito de estudar simplesmente por serem
mulheres, e por esse motivo estavam ali na EJA. Muitos homens
sentiram-se ofendidos ao tratar da temático do machismo,
demonstrando certo desconforto diante do tema. Levamos aos
alunos letras de músicas com teor machismo, que são cantadas
e conhecidas por todos e que no dia a dia passam despercebidas.
Foram músicas novas e também mais antigas, diversificando
o ritmo musical afim de que englobassem todas as gerações
presentes na sala de aula. Surgiram frases do tipo: “existe mulher
que gosta de apanhar” e nesse contexto foi preciso refletir sobre
as diversas formas de violência que uma mulher pode ser vítima.

Quando trabalhamos a temática do racismo, observamos


que alguns alunos não se identificavam como negros, uma
violência naturalizada que não permite o próprio reconhecimento.
Levamos para a discussão o documentário “Vista Minha pele”, que
inverte os papéis na sociedade entre pessoas brancas e negras.
Nesse sentido, refletimos sobre oportunidade de pessoas negras
no Brasil, direitos violados e situações de pobreza e desigualdade
social.

Também trabalhamos uma oficina com a temática


“Gravidez na adolescência” que é uma das maiores motivações
para a evasão escolar de mulheres no ensino regular. Abordar
este tema centraliza as mulheres para a discussão e transporta os
homens para a reflexão sobre o seu papel perante a paternidade. É
interessante para este público a reflexão do papel da mulher e do
homem acerca da maternidade e paternidade e da importância
do diálogo a respeito da prevenção sexual para as próximas
gerações. Apresentamos o documentário “Meninas” (2006)
de Sandra Werneck para contextualizar as discussões. Muitas
mulheres relataram conhecer pessoas próximas, ou até mesmo

691
alunas de outras salas da escola que precisaram deixar os estudos
por conta da gravidez precoce e como isso influencia na vida da
mulher.

Com os professores e equipe gestora trabalhamos foi


trabalhado os artigos das Diretrizes Nacionais para a Educação
em Direitos Humanos, sendo possível observar que nem todos
os educadores conheciam tal legislação que está em vigor. Tal
conhecimento é importante para que as práticas sejam colocadas
no cotidiano da escola, demonstrando que não é preciso ter uma
disciplina ou hora certa para se trabalhar os direitos humanos,
mas sim de maneira interdisciplinar, todos juntos, auxiliando-os
uns aos outros:

[...] a educação em direitos humanos não se resume a


padronizações didáticas, temáticas ou metodológicas,
mas consiste na comunhão em torno de certos princípios
e objetivos – que não se limitam a temas geradores de
aula –, que devem se constituir em eixos norteadores de
toda prática escolar e em princípios inspiradores de ações
educativas (ZLUHAN; RAITZ, 2014, p. 45)

Demonstrou-se preocupante o não conhecimento das


Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos por
parte de alguns educadores pois tal desconhecimento implica
na não aplicação desses conceitos considerados tão importantes
para a consolidação da educação em direitos humanos.

Considerações finais

Compreendemos que a consolidação dos direitos


fundamentais ao homem ocorreu a passos lentos e de fato,
consolidou-se, no Brasil, apenas com o Estado democrático de
direito. É um acontecimento recente e que requer aperfeiçoamento
e estudos para sua efetivação. Entendemos que a consolidação
da educação em direitos humanos não é tarefa simples, é preciso
que se invista nela, pois entendemos a educação como um direito
indispensável que proporciona o acesso a diversos outros direitos.

Dessa forma, através da presente pesquisa que está em


andamento, podemos observar o quanto é importante que

692
discussões pautadas na educação em direitos humanos sejam
discutidas no contexto escolar. A escola é um lugar privilegiado
para tratar todos os tipos de violações aos direitos humanos,
e ela precisa estar preparada para lidar com todas as situações
existentes.

Além de transmitir conhecimentos necessários a vida


escolar, a escola precisa cumprir seu papel social de exercitar a
cidadania entre os educandos, possibilitando que eles tomem
consciência de seus direitos e dessa forma, contribuir para que
sejam diminuídas situações de violação aos direitos humanos,
principalmente dentro do ambiente escolar pois “a escola, por
muitas vezes, constitui-se na única oportunidade de os alunos
construírem atitudes, saberes, comportamentos e compromissos
que levem ao exercício da paz” (ZLUHAN; RAITZ, 2014, p. 51).

Referências bibliográficas

BRASIL. ONU. A Declaração Universal dos Direitos Humanos.


1948. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/
Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2019

FREITAS, M. T. A. A abordagem sócio-histórica como orientadora


da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 21-
39. Julho/2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742002000200002>. Acesso
em: 16 ago 2019.

GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em Ciências sociais e


humanas. Brasília: Líber Livro, 2005.

THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez,


1985.

ZLUHAN, R. M. RAITZ, R. T. A educação em direitos humanos para


amenizar os conflitos no cotidiano das escolas. Rev. bras. Estud.
pedagogia, Brasília, v. 95, n. 239, p. 31-54, jan./abr. 2014. Disponível
em:http://www.scielo.br/pdf/rbeped/v95n239/a03v95n239.pdf
Acesso em: 08 ago 2019.

693
A Imigração Haitiana e sua Influência na
nova Lei de Migração Brasileira

Crislene Pereira dos Santos1

Resumo

O presente estudo é realizado no âmbito da disciplina de
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no curso de Direito, da UFMS.
O objetivo desta pesquisa é examinar a influência da imigração
haitiana ocorrida a partir de 2010 sobre o surgimento da chamada
Nova Lei de Migração (Lei n.13.445/2017) no Brasil, especialmente,
no tocante à institucionalização da acolhida humanitária na
ordem jurídica nacional. Dada as particularidades ensejadoras
da diáspora haitiana (agravamento da crise humanitária pelo
terremoto de 2010), não fora reconhecido o status de refugiados
àqueles imigrantes. Todavia, sua inegável vulnerabilidade exigia
um tratamento diferenciado que lhes proporcionasse proteção a
direitos humanos até então violados. Nesse contexto, surge, por
meio de um ato normativo interministerial (Resolução n. 97 de
12/01/2012), o denominado “visto humanitário”, posteriormente
incorporado na Lei de Migração como “acolhida humanitária”. O
tratamento de ingresso diferenciado a esses migrantes estimulou
ações nas suas comunidades de destino, num processo de
educação receptiva. A metodologia utilizada para a consecução do
presente estudo consiste em pesquisa bibliográfica e documental,
utilizando-se de documentos legais, artigos científicos, obras
literárias e notícias jornalísticas, pela abordagem qualitativa, em
que,pelo método dedutivo, procedeu-se a análise de conteúdo.
É possível concluir que a legislação anterior (Estatuto dos
Estrangeiros) era obsoleta, não prevendo instrumentos aptos a
lidar com o desafio da absorção das migrações de crise típicas de
deslocamentos forçados do mundo globalizado, constatando-se
a incontestável influência da imigração haitiana sobre a criação de
uma política migratória nacional, consubstanciada na Nova Lei de

1. Acadêmica do curso de Direito na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,


Campus de Três Lagoas (UFMS/CPTL). cris.lenepereirasantos1995@gmail.com

694
Migração.

Palavras-chaves: Direitos humanos; Imigração haitiana; Política


migratória.

1. Introdução

A diáspora haitiana pós-terremoto de 2010 foi tema


de destaque na mídia nacional, devido ao intenso fluxo de
imigrantes haitianos para o Brasil. Passados quase dez anos desde
o terremoto, o assunto não ocupa mais as manchetes, contudo,
a presença dos haitianos na sociedade brasileira é um fato, e sua
vinda para o país trouxe consequências permanentes.

Nessa perspectiva,este estudo quer examinar a imigração


haitiana como fator decisivo para a elaboração de uma política
migratória nacional. Valendo-se de pesquisa bibliográfica e
documental, por meio de documentos legais, artigos científicos,
obras literárias e notícias, pela abordagem qualitativa e pelo
método dedutivo, procedeu-se a análise de conteúdo.

A pesquisa é apresentada da seguinte forma: inicialmente,


uma breve contextualização dos fatos que deram causa à
diáspora haitiana, seguida da apresentação dos conceitos de
migrações forçadas e voluntárias e de sua diferenciação com
relação ao instituto do refúgio. A seguir, há a exposição da
conjuntura brasileira à época da chegada desses imigrantes e sua
consequente incidência para a escolha da medida adotada. Por
fim, é apresentada a incorporação do visto humanitário como
acolhida humanitária na Nova Lei de Migração brasileira.

2. Antecedentes da diáspora haitiana

O Haiti foi o segundo país do continente americano a obter


sua independência e o primeiro a eliminar a escravidão negra
(Telemaque, 2012). Após a independência, em 1803, vivenciou
conflitos internos relacionados à disputa pelo poder, devido à
sua centralização pela minoria mulata em detrimento da maioria
negra, herança social colonial (Matijascic, 2009).

Tal cenário de instabilidade política, aliado ao interesse

695
econômico que o país sempre despertou nas grandes potências,
atraiu a interferência externa nos assuntos domésticos, a exemplo
da intervenção militar dos Estados Unidos, ocorrida entre os anos
de 1915 e 1934 (Telemaque, 2012), a qual contribuiu para agravar
a crônica dependência econômica do Haiti (Matijascic, 2009).

O terremoto de 2010 agravou os problemas sociais, políticos


e econômicos do Haiti, destruiu a frágil estrutura administrada
pela MINUSTAH2, deixando milhares de mortos e feridos, além de
milhões de desabrigados (Telemaque, 2012).

Ante a incapacidade do Estado em prover direitos humanos


básicos à sua população, muitos nacionais passaram a sair do país,
estando o Brasil entre os destinos desses imigrantes (Silva & Moro,
2014).

Vale ressaltar que a imigração haitiana não é um fato novo;


contudo, o êxodo recente possui peculiaridades que o distinguem
dos demais (Telemaque, 2012). Anteriormente ao terremoto
ocorrido em 2010, os haitianos emigravam voluntariamente,
como migrantes econômicos.

Com o desastre ambiental, houve verdadeira fuga da crise


generalizada do país. Por isso, o fluxo migratório haitiano recente se
diferencia dos demais: é uma migração de crise (Baeninger&Peres,
2017).

Como assevera Baumman, “os fatores subjacentes aos atuais


movimentos de massa nos pontos de partida são biformes, mas
também o são seus impactos nos pontos de chegada e as reações
dos países receptores” (2017, p.9), e o Brasil não foi uma exceção.
Ao chegarem ao país de destino, os haitianos encontraram

uma sociedade despreparada e antiquada em termos de sua


legislação migratória, de sua capacidade em dimensionar
e mensurar o fluxo migratório, na falta de políticas de
acolhimento e de emprego, no preconceito, no racismo e
na manifestação de xenofobia em relação a essa população

2. Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti.

696
imigrante.(Baeninger& Peres, 2017, p.120)

Nesse contexto, embora os fatores que ensejaram a


imigração haitiana deem margem para seu enquadramento na
categoria de refugiados (Baeninger& Peres, 2017), não foi essa a
posição adotada pelo Brasil, cuja decisão para lidar com a questão
foi a criação do visto humanitário (Fernandes & Faria, 2017).

Apesar da opção brasileira pela não concessão do refúgio


aos haitianos, neste trabalho, adota-se a interpretação de que a
imigração haitiana se amolda ao conceito de migração de crise.
Assim, para uma compreensão da perspectiva apresentada, são
necessárias a conceituação e a distinção entre migração voluntária
(ou econômica) e forçada (ou de crise) e, ainda, a apresentação do
instituto do refúgio, tarefa a que se propõe no tópico seguinte.

2.1 Migração voluntária versus migração forçada e o instituto


do refúgio

A migração é fato comum na história humana. Inicialmente


motivada pela busca de recursos básicos para sobrevivência,
com a evolução da sociedade e a complexificação das relações
humanas, a migração passou a ser estimulada por outros fatores,
como a busca por melhores condições de vida e a fuga de
situações de guerra (Nunes & Oliveira, 2015; Chaves & Guerra,
2018). Contudo, a multiplicidade de fatores que ensejam a sua
ocorrência na contemporaneidade é fato ímpar na história (Silva,
2017).

No que concerne à distinção em categorias das variadas


formas de migração, esta consiste em preocupação moderna
resultante do fortalecimento dos Estados nacionais, pautada
em convenções internacionais3 (Baeninger& Peres, 2017).

3. Não existe um tratado internacional que estabeleça uma definição legal uniforme
em nível internacional para o termo migrante, o que existe é o uso do termo de uma
forma genérica para designar tanto migrantes quanto refugiados (ONU, 2016). O
principal documento internacional de alcance que traz uma categoria específica de
migrantes é Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951). Entende-se aqui
que a categorização das modalidades de migração está pautada em convenções
internacionais, justamente em decorrência da previsão do refúgio na Convenção de
1951, a qual exclui as demais pelo critério da especificidade.

697
Esse interesse em categorizar as migrações tomando como
base as situações que as ocasionam parece estar associado
ao desenvolvimento do direito internacional, em particular,
no tocante ao reconhecimento da universalidade dos direitos
humanos, o que implica admitir que os indivíduos possuem direitos
mínimos a serem respeitados e garantidos, independentemente
de se encontrarem sob a égide de seu Estado nacional (Bobbio,
2004), observadas as circunstâncias motivadoras da saída do país
natal.

A denominada migração econômica (ou simplesmente


voluntária, em contraposição à migração de crise) relaciona-se com
a natural ambição humana pela busca de aperfeiçoamento, seja
de sua condição pessoal ou financeira (Organização das Nações
Unidas [ONU], 2016). Seu diferencial é a espontaneidade, sem que
os indivíduos tenham sido compelidos para tanto.

As migrações forçadas se caracterizam pela ocorrência de


situações críticas no país de origem, que levam os indivíduos
a saírem de sua terra natal rumo ao exterior, muitas vezes, não
podendo retornar em segurança (ONU, 2016).

Há quem defenda haver coincidência entre migrantes


forçados e refugiados, porém há os que entendem se tratar de
figuras distintas, tomando como base o fato de que o refúgio só
se aplica às situações especificamente previstas nos instrumentos
a ele atinentes, enquanto o termo migrações forçadas engloba
diversas hipóteses (é mais abrangente). Para Baeninger e Peres
(2017, p.122), “a definição da migração de crise se ancora em
fenômeno condicionado socialmente e que reflete problemas
econômicos, políticos, civis, religiosos, ideológicos e humanitários”.
A Organização das Nações Unidas entende haver distinção entre
migrantes forçados e refugiados, por ser o refúgio aplicável para
casos precisos, dispostos em documentos (ONU, 2016), como a
Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951. Trata-se de
tratado internacional surgido no contexto do pós-guerra, para
garantir proteção aos refugiados dos conflitos beligerantes que
atingiram a Europa desde a I Guerra Mundial. Tinha, a princípio,
sua aplicação restrita a fatos ocorridos antes de 1º de janeiro de
1951 no continente europeu, ou seja, era dotado de limitação
temporal e geográfica:

698
Para os fins da presente Convenção, o termo ‘refugiado’ se
aplicará a qualquer pessoa: [...]
As decisões de inabilitação tomadas pela Organização
Internacional dos Refugiados durante o período do seu
mandato, não constituem obstáculo a que a qualidade de
refugiados seja reconhecida a pessoas que preencham as
condições previstas no parágrafo 2 da presente seção;
2) Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos
antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida
por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de
sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse
temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que,
se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no
qual tinha sua residência habitual em consequência de
tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido
temor, não quer voltar a ele. (Convenção Relativa ao
Estatuto dos Refugiados, 1951, sem grifos no original)

No intuito de estender a abrangência da Convenção a outras


situações de conflito e perseguições, foi elaborado o chamado
Protocolo de 1967, o qual ampliou a aplicação do disposto na
Convenção para todos os refugiados “enquadrados na definição
da carta, mas sem limite de datas e de espaço geográfico” (Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados [ACNUR],
2018).

A definição trazida pelos documentos mencionados


é bastante limitada, convergente com “as necessidades dos
deslocados observados na Europa no imediato pós-Segunda
Guerra Mundial”, mas que não engloba situações carentes de
proteção específica, como a imigração haitiana pós-terremoto de
2010 (Tomaz, 2013, p.135).

O protocolo adicional ao texto da Convenção em 1967 é


um indicativo de que as circunstâncias motivadoras do refúgio
se ampliaram desde a criação do documento, exigindo uma
reformulação do conceito de refugiados para a manutenção de seu
escopo de proteção. Contudo, desde então, não houve alterações
na Convenção, e situações que demandavam a proteção do
refúgio surgiram, tornando o conceito de refugiado defasado.

699
Segundo Tomaz (2013, p.135), “a definição legal e o
entendimento comum da identidade dos refugiados mudou
juntamente com os contextos políticos globais e regionais ao
longo do tempo”. Uma forma encontrada para superar esse
óbice foi a elaboração de documentos regionais. Por exemplo, na
América Latina, as particularidades vivenciadas durante o período
da Guerra Fria (a persistência por décadas de regimes ditatoriais e
disputas políticas internas que geraram milhões de refugiados na
região) oportunizaram a elaboração de documento4 próprio.

Com efeito, o regime internacional de proteção dos


refugiados é pautado, primordialmente, no conceito trazido
pela Convenção de 1951 e pelo seu Protocolo de 1967, havendo
documentos regionais que versam sobre o tema, como a
Declaração de Cartagena de 1984.

Contudo, quando as autoridades migratórias brasileiras


foram provocadas pela requisição de refúgio dos haitianos,
ignoraram tal circunstância e a negaram, sob o fundamento de
que a situação não se enquadrava no previsto na Convenção de
1951 e no Protocolo de 1967.

Diante disso, é necessário expor o panorama brasileiro


sobre o refúgio e como isso refletiu na tomada de decisão quanto
aos imigrantes haitianos, tarefa a que se propõe o próximo tópico.

2.2 O refúgio no Brasil e o caso dos imigrantes haitianos



O refúgio é disciplinado no ordenamento jurídico brasileiro
pela Lei n.9.474/1997, sendo considerado como refugiado o
indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos


de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões
políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e

4. Trata-se da Convenção de Cartagena de 1984, instrumento regional não vinculante


e de caráter programático. É importante consignar que, inicialmente, devido ao
contexto ditatorial vivido, o Brasil não aceitou suas intenções e conteúdo, priorizando
a lógica da segurança nacional quanto à migração, somente com o processo de
redemocratização foi que o país passou a adotar uma postura mais flexível quanto aos
migrantes forçados (Tomaz, 2013).

700
não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde
antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira
regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no
inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos
humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade
para buscar refúgio em outro país. (Lei n. 9.474, 1997)

A legislação brasileira apresenta um conceito mais amplo do


que o da Convenção de 1951 quanto à caracterização do refúgio.
Isso porque, o Brasil aderiu às recomendações da Declaração de
Cartagena de 1984, e considera a grave e generalizada violação de
direitos humanos razão legítima para o reconhecimento do status
de refugiado.

Com a promulgação da Lei n.9.474 de 1997, conhecida como


Lei do Refúgio, o Brasil se tornou o primeiro país do subcontinente
a ter uma lei específica sobre o tema, sendo considerada, inclusive,
pela ONU, referência na proteção aos refugiados (Tomaz, 2013).

Quando chegavam ao país, os imigrantes haitianos


encontravam-se em situação migratória irregular e, temendo a
deportação, optavam por solicitar refúgio. Dessa forma, obtinham
uma carteira provisória de estrangeiro, que lhes garantia a
permanência pelo prazo de um ano, com possibilidade de
prorrogação por igual prazo até a decisão final do processo de
solicitação (Fernandes & Faria, 2017).

Apesar de o Brasil adotar um conceito abrangente de


refugiado, no caso haitiano, as autoridades brasileiras consideraram
não ser o caso de aplicação da lei, sob a justificativa de que este
não se enquadraria na definição trazida pela Convenção de 1951
e pelo Protocolo de 1967, desconsiderando a grave violação de
direitos humanos como circunstância ensejadora do refúgio.

Para Baeninger e Peres (2017, p.124), tal decisão das


autoridades brasileiras funda-se no “mito do terremoto”,
segundo o qual este seria o principal motivo da emigração para
o Brasil. Contudo, existem outros fatores subjacentes à resolução,
notadamente, a presença brasileira em território haitiano,

701
comandando a MINUSTAH:

A presença militar brasileira na origem do fluxo migratório


foi fator determinante para – no destino migratório
– o governo brasileiro criar resoluções normativas e
documentar imigrantes do Haiti com o visto humanitário
e carteira de trabalho para entrarem, permanecerem e
circularem de forma regularizada no país.(Baeninger&Peres,
2017, p.124)

Além disso, outro aspecto deve ser analisado para efetiva


compreensão da posição adotada pelo Brasil no tocante à
não concessão do refúgio aos haitianos e à criação do visto
humanitário como alternativa: trata-se da legislação vigente
quando da chegada deles, ou seja, a Lei n.6.815/1980 (Estatuto do
Estrangeiro), a qual influenciou a tomada de decisão.

Assim, passa-se à análise da conjuntura legislativa


contemporânea na vinda dos haitianos ao país, investigando
os fatores que levaram ao visto humanitário, bem como os
desdobramentos práticos de sua implementação.

3. A política migratória brasileira durante a vigência do


Estatuto do Estrangeiro

O Estatuto do Estrangeiro (Lei n.6.815/1980) vigorou na


ordem jurídica nacional por quase três décadas. Originado num
período de exceção democrática, em que a defesa da segurança
nacional era vetor de interpretação, o Estatuto adotava uma
percepção de periculosidade do estrangeiro (Fernandes & Faria,
2017).

Promulgada a Constituição, em 1988,diversos artigos do


Estatuto não foram recepcionados, mas este continuou norteando
o tratamento dos imigrantes no país, legitimando uma abordagem
hostil e xenofóbica, em algumas situações (Fernandes & Faria,
2017) – como a negativa aos imigrantes do direito à manifestação
e à reunião pacífica, vigente até a promulgação da Nova Lei de
Migração(Vedovato&Baeninger, 2018).

É importante consignar que, em contraposição à forma de

702
lidar com a questão dos indivíduos migrantes preconizada pelo
Estatuto do Estrangeiro, em 1997, o Brasil promulgou a chamada
Lei do Refúgio(Lei n.9.474/1997), a qual inclui a violação massiva
de direitos humanos como uma das situações autorizadoras de
reconhecimento do status de refugiado. Contudo, tal lei somente
disciplina a questão do refúgio, excluídos do seu âmbito de proteção
aqueles que não se enquadram na definição de refugiados.

Portanto, não obstante a reabertura democrática, por


muito tempo, não houve a implementação de uma política
migratória propriamente dita no Brasil, persistindo a aplicação de
uma norma obsoleta e inapta para lidar com os desafios trazidos
pelos movimentos migratórios transnacionais típicos do mundo
globalizado.Nessa conjuntura, ocorre a chegada dos imigrantes
haitianos ao Brasil, demandando a adoção de algumas medidas.

3.1 A chegada dos haitianos ao Brasil e o visto humanitário


como solução

Ratifique-se que o visto humanitário surgiu como resposta


a uma situação emergencial, qual seja, a crescente demanda de
haitianos chegados ao país, requerendo o reconhecimento do
refúgio a partir de 2010 (Baeninger&Peres, 2017; Fernandes &
Faria, 2017).

As solicitações dos pedidos de refúgio foram direcionadas


ao CONARE5, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública,
o qual, após recusar a solicitação dos haitianos, emitiu a RN n.
18 de 2011, em que entendeu haver uma situação humanitária
pendente (Fernandes& Faria, 2017) e, por tal razão, encaminhou
os processos ao CNIg6, órgão antes pertencente ao Ministério do
Trabalho e, atualmente, vinculado ao Ministério da Economia.

Inicialmente, o CNIg deferiu autorização de permanência


em território nacional amparado na RN n. 27/1998, a qual disciplina
a avaliação de situações especiais e casos omissos. Contudo, o
número de solicitações aumentara, indicando que a conduta do

5. Comitê Nacional para os Refugiados.


6. Conselho Nacional de Imigração.

703
CNIg contribuíra para o incremento do fluxo migratório (Fernandes
& Faria, 2017). Assim, em 2012, o CNIg comunicou a criação do
visto humanitário, por meio da RN n. 97/2012, que dispõe sobre a
concessão do visto permanente a nacionais do Haiti:

Art. 1º Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto


permanente previsto no art.16 da Lei nº 6.815, de 19 de
agosto de 1980, por razões humanitárias, condicionado ao
prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 18 da mesma
Lei, circunstância que constará da Cédula de Identidade do
Estrangeiro.
Parágrafo único. Consideram-se razões humanitárias, para
efeito desta Resolução Normativa, aquelas resultantes do
agravamento das condições de vida da população haitiana
em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12
de janeiro de 2010.
Art. 2º O visto disciplinado por esta Resolução Normativa
tem caráter especial e será concedido pelo Ministério das
Relações Exteriores, por intermédio da Embaixada do Brasil
em Porto Príncipe.
Parágrafo único. Poderão ser concedidos até 1.200 (mil e
duzentos) vistos por ano,correspondendo a uma média de
100 (cem) concessões por mês, sem prejuízo das demais
modalidades de vistos previstas nas disposições legais do
País. (Conselho Nacional de Imigração [CNIg], 2012)

A limitação do número de concessões de vistos humanitários


não se mostrou efetiva e, por meio da RN n. 102/2013, foi suprimida
(Fernandes & Faria, 2017).

Portanto, durante tempo considerável, a questão migratória


atinente aos haitianos foi regulada por resoluções normativas,
sem regulamentação legal. Nesse aspecto, o visto humanitário
faz parte do processo de construção de uma política migratória
brasileira.

Assim, a imigração haitiana para o Brasil oportunizou a


criação de um instrumento que concedia prerrogativas especiais
a migrantes forçados não enquadrados no conceito de refugiados,
cuja aplicação estendeu-se a outros imigrantes em situação
similar (sírios e venezuelanos). O visto humanitário representa

704
um marco na construção de uma política migratória brasileira,
sendo incorporado pela Lei de Migração, por meio da acolhida
humanitária.

3.2 A Nova Lei de Migração

A chamada Nova Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017)


entrou em vigor em 21 de novembro de 2017, resultado de longo
processo de deliberação sobre o tema.No entanto, carece de
regulamentação, em especial, no tocante à acolhida humanitária.

Trata-se a acolhida humanitária de uma das inovações


trazidas pelo novo diploma, constituindo-se em verdadeira
incorporação à legislação do visto humanitário, até então
disciplinado por resoluções interministeriais. De acordo com o
artigo 14, § 3º, da Lei de Migração:

o visto temporário para acolhida humanitária poderá ser


concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em
situação de grave ou iminente instabilidade institucional,
de conflito armado, de calamidade de grande proporção,
de desastre ambiental ou de grave violação de direitos
humanos ou de direito internacional humanitário, ou em
outras hipóteses, na forma de regulamento. (Lei n. 13.445,
2017)

A lei prevê a necessidade de um regulamento para


disciplinar a questão, missão atribuída ao Decreto n. 9.199, de
20 de novembro de 2017, que não logra êxito em tal missão
(Vedovato&Baeninger, 2018).

4. Considerações finais

Ante a brevidade do trabalho ora desenvolvido, não é


possível adentrar nas especificidades do tema. Contudo,é possível
concluir que a imigração haitiana exerceu de forma inequívoca
influência sobre a criação de uma política migratória brasileira,
mormente, no tocante à criação do visto humanitário ainda
sob a égide do Estatuto do Estrangeiro, por meio de resoluções
interministeriais e, posteriormente, com sua incorporação ao
ordenamento jurídico por meio da acolhida humanitária no bojo

705
da Nova Lei de Migração.

Superada a questão formal de regularização da situação


migratória dos haitianos no país, surgem desafios,destacando-se
o de proporcionar sua inclusão também material na sociedade
brasileira, sendo que, nesse aspecto,se destaca a importância da
educação em direitos humanos para proporcionar a compreensão
desses indivíduos como sujeitos detentores de direitos que
precisam ser respeitados, em particular, tendo em vista que são
migrantes forçados.

Para a superação desse e de outros desafios que possam


surgir, é imprescindível que a atuação do governo, dos acadêmicos
e da sociedade civil seja pautada na observância dos direitos
humanos, sendo que ações de pesquisa e divulgação da educação
em direitos humanos são fundamentais nesse processo.

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regulamentacao-da-acolhida-humanitaria-28032018

708
CAPÍTULO QUINTO

Educación en Derechos Humanos, y


Educación Superior

709
710
Educação em Direitos Humanos
no ensino superior: problematizando a realidade
a partir de portfólios

Ana Maria Klein1

Palabras Claves: Educação em Direitos Humanos, Portfolios,


Ensino Superior

Direitos Humanos e educação são interdependentes e


se articulam de duas maneiras: educação é um direito humano
que possibilita ao ser humano o desenvolvimento de suas
potencialidades; ao mesmo tempo, os Direitos Humanos
dependem da educação para que sejam conhecidos, valorizados
e promovidos socialmente.

O Estado brasileiro tem o compromisso internacional de


garantir a Educação em Direitos Humanos, papel que tem sido
desempenhado por meio da construção de planos e diretrizes
que versam sobre o tema, como o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos – PNEDH (BRASIL, 2006), o Programa Nacional
de Direitos Humanos – PNDH-3 (BRASIL, 2010) e as Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012).

Nas últimas décadas a Educação em Direitos Humanos


(EDH) ganha destaque e espaço nos meios educacionais
brasileiros. Em 2003, o pais formula e divulga o Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos, PNEDH (BRASIL, 2003/2006),
assumindo o compromisso de desenvolver este tipo de educação.
Em 2012 mais um passo importantíssimo foi dado com a criação
das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos
(BRASIL, 2012), tornando-a obrigatória da Educação Infantil à Pós-
graduação.

1. ana.klein@unesp.br. Universidade Estadual Paulista – UNESP/Campus São José do Rio


Preto

711
Mas de que tipo de educação falamos? A EDH tal qual
proposta pelo PNEDH e ratificada pelas Diretrizes é um processo
multidimensional que visa a formação de seres humanos críticos,
cidadãos conscientes de seu papel, abertos à convivência e à
valorização das diversidades humanas, aptos a enxergarem os
direitos humanos como modo de orientação da vida social e
pessoal, comprometidos com o respeito, com a promoção e com a
luta por novos direitos. Trata-se de uma educação comprometida
com a emancipação das pessoas e com a construção de sujeitos
de direitos, portanto, almeja-se uma dimensão transformadora da
sociedade, com cidadãos capazes de enxergar no outro alguém
tão humano quanto si próprio.

A formação desejada pressupõe muito mais do que


conteúdos específicos, é necessária a organização das atividades
pedagógicas de modo a viabilizar a reflexão, a possibilidade de
escuta de diferentes visões de mundo, o despertar da empatia
pelo outro (com todas as suas diferenças). Neste sentido, há que
se buscar maneiras de organização dos conteúdos e metodologias
que favoreçam a participação ativa e reflexiva dos/das estudantes.
O presente capitulo tem por objetivo apresentar portfolios como
um caminho metodológico capaz de promover a reflexão sobre
os Direitos Humanos a partir do olhar de cada estudante para a
realidade.

Educação em Direitos Humanos: de que educação estamos


falando?

Elegemos dois documentos nacionais destinados a orientar


todas as esferas educacionais do pais (federal, estadual e municipal)
e as instituições que as integram para definirmos e discutirmos
a amplitude da EDH, são eles: Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos, PNEDH (BRASIL, 2006) e as Diretrizes Nacionais
para a Educação em Direitos Humanos, DNEDH (BRASIL, 2012).

O PNEDH define a EDH a partir da articulação de cinco dimensões:

A educação em direitos humanos é compreendida como


um processo sistemático e multidimensional que orienta
a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes
dimensões:

712
a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos
sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos
internacional, nacional e local;
b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que
expressem a cultura dos direitos humanos em todos os
espaços da sociedade;
c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer
presente em níveis cognitivo, social, ético e político;
d) desenvolvimento de processos metodológicos
participativos e de construção coletiva, utilizando
linguagens e materiais didáticos contextualizados;
e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que
gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da
proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da
reparação das violações (BRASIL,2006, p. 25).

Pela definição apresentada podemos compreender


a EDH como um processo, ou seja, não se resume a uma
atividade, uma disciplina ou uma aula, ela deve ser contínua.
A multidimensionalidade enxerga o ser humano em sua
complexidade e nas suas diferentes dimensões (cognitiva, afetiva,
social, biológica) e ao mesmo tempo refere-se ao contexto da
aprendizagem que não se limita à transmissão de conteúdos uma
vez que pressupõe a formação crítica pautada por valores e que
resultem em práticas cidadãs. Um dos caminhos para conseguir
tal formação são os processos metodológicos participativos e de
construção coletiva que visam à formação de uma consciência
cidadã. Essa consciência orienta-se para o fortalecimento de
práticas individuais e sociais em favor da promoção, da proteção
e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das
suas violações.

A resolução que regulamenta as DNEDH (Brasil 2012, p. 1)


diz em seu artigo 3º:

A Educação em Direitos Humanos, com a finalidade de


promover a educação para a mudança e a transformação
social, fundamenta-se nos seguintes princípios: I - dignidade
humana; II - igualdade de direitos; III - reconhecimento e
valorização das diferenças e das diversidades; IV - laicidade
do Estado; V - democracia na educação; VI - transversalidade,

713
vivência e globalidade; e VII - sustentabilidade
socioambiental.

E em seu artigo 7º especifica como pode se dar a inserção


da EDH nos currículos:

A inserção dos conhecimentos concernentes à Educação


em Direitos Humanos na organização dos currículos da
Educação Básica e da Educação Superior poderá ocorrer
das seguintes formas: I - pela transversalidade, por meio
de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados
interdisciplinarmente; II - como um conteúdo específico de
uma das disciplinas já existentes no currículo escolar; III -
de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e
disciplinaridade. (BRASIL, 2012, p.2).

Os fins visados pela EDH, expressos no artigo 3º da


Resolução, requerem a transcendência da mera transmissão
de conteúdos e envolvem ações protagonistas por parte dos
estudantes, um processo ativo de construção e significação dos
conhecimentos construídos. São princípios que implicam em um
modo de vida, um modo de orientar as relações na escola e dentro
da sala de aula. No artigo 5º da Resolução:

A Educação em Direitos Humanos tem como objetivo


central a formação para a vida e para a convivência, no
exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de
vida e de organização social, política, econômica e cultural
nos níveis regionais, nacionais e planetário.

Quando nos referimos ao modo de realizar algo é


imprescindível a reflexão sobre as metodologias que serão
utilizadas nos processos de ensino e aprendizagem. Logo,
não é qualquer metodologia de ensino que se adéqua ao
desenvolvimento da EDH, e esta é uma questão central à sua
efetivação nas instituições de educação.

Levar a EDH para dentro da sala de aula implica na


compreensão e interpretação da realidade. Para tanto, fazem-se
necessárias capacidades cognitivas (compreender os conteúdos e
os conceitos relacionados aos temas trabalhados) e capacidades

714
afetivas e subjetivas (valorar e atribuir significado). O aprendizado
em Direitos Humanos conjuga a experiência dos indivíduos às
ações coletivas. Neste sentido, as orientações dos documentos
nacionais são claras quanto às suas dimensões: como a construção
coletiva do conhecimento, o uso de metodologias que atribuam
papel central aos estudantes e que o trabalho transversal com as
temáticas referentes aos Direitos Humanos.

Transversalidade e interdisciplinaridade dos Direitos


Humanos

Os conceitos de disciplinar, pluridisciplinar, transdisciplinar


e interdisciplinar dizem respeito ao conhecimento e a maneira
como ele está organizado no currículo. Não se trata apenas de
uma organização de conteúdos, adotar uma ou outra concepção
implica na divisão do tempo escolar, na escolha metodológica, na
organização do espaço da escola e da sala de aula, nas atividades
e avaliações que serão propostas aos estudantes. Adotamos
as definições propostas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013, p. 28), documento
segundo o qual a pluridisciplinaridade estuda um objeto
específico de uma disciplina pelo ângulo de várias outras, mas
seu foco está na disciplina específica a qual o objeto se relaciona.
A transdisciplinaridade ultrapassa os limites da disciplina, busca a
unidade do conhecimento, a articulação de diferentes dimensões.
A interdisciplinaridade pressupõe a articulação de duas ou mais
disciplinas, esta forma de organização curricular possibilita o
trabalho com temas transversais.

A transversalidade é uma forma de organização do trabalho


pedagógico, ou seja, não tem uma dimensão epistemológica
como os conceitos que trazem em sua nomenclatura o sufixo
disciplinar. Por meio da transversalidade os temas são integrados
às disciplinas, perpassando por elas.

Yus (1998) discute a necessidade dos temas transversais nas


sociedades contemporâneas. Segundo o autor muitos destes temas
surgiram de preocupações governamentais que entenderam
como uma exigência social que se levasse para a educação
ações destinadas a enfrentar problemas em determinadas áreas
como saúde, meio-ambiente, ética, dentre outras. Tais temas

715
não surgiram simultaneamente uma vez que se articulam com
realidades específicas de uma época ou de um local. No Brasil, os
temas transversais chegam exatamente pelas mãos do governo
que por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais propõe o
trabalho com: pluralidade cultural, ética, meio ambiente, saúde,
orientação sexual (BRASIL, 1997). Estes não são os únicos temas
transversais possíveis, estão contextualizados em necessidades e
problemáticas da década em que foram lançados. Duas décadas
depois, novos temas podem e devem ser acrescentados a esta
relação, dentre eles incluem-se os Direitos Humanos.

Uma das características centrais da transversalidade é


a relação que se estabelece entre aprender conhecimentos
teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as
questões da vida real (aprender na realidade e da realidade). Não
se trata de criarmos novas disciplinas escolares que se destinam
apenas à transmissão de informações sobre determinado
tema, nem mesmo de realizarmos palestras para “esclarecer” a
comunidade. Temas transversais relacionam-se à vida cotidiana
da comunidade, à vida das pessoas e aos seus interesses.

A problematização da realidade é fundamental à EDH, pois


os Direitos Humanos não são abstrações ou apenas um conjunto
de normas, eles tratam de direitos que deveriam fazer parte da vida
cotidiana de todos. Assim, olhar para o mundo com a lente dos
direitos humanos possibilita perceber sua violação, reconhecer
iniciativas voltadas à sua promoção e desenvolver ações criativas,
capazes de transformar a realidade.

A transversalidade, ao trazer a realidade como pauta de


reflexão e mote para a aprendizagem, pressupõe a articulação
de diferentes conhecimentos. A complexidade da vida e de
suas questões nos impõem a necessidade de lançarmos mão de
diferentes conhecimentos e competências para compreendermos
e analisarmos tais temas. Por isso, os temas transversais devem
aproximar a vida das pessoas do currículo formal da escola, ou
seja, eles constituem uma oportunidade de desenvolvermos
conteúdos de diferentes disciplinas a partir da discussão de um
tema relevante socialmente. Daí decorre a sua relação com a
interdisciplinaridade.

716
Direitos Humanos necessitam da interdisciplinaridade para
a sua análise, compreensão e promoção. Assim, ao introduzi-los
transversalmente nos currículos escolares, a discussão sobre os
Direitos Humanos nos impõe a necessidade de lançar mão de
diferentes conhecimentos e competências para compreendermos
e analisarmos tais temáticas. Conhecimentos relacionados à
história, geografia, sociologia, filosofia, ciências da natureza,
artes, matemática, língua materna e outros são necessários para
compreendermos o sentido e a extensão da conquista histórica
dos direitos, para a dimensionarmos a amplitude e a complexidade
de princípios como dignidade, democracia, liberdade, igualdade
e solidariedade. Sem a articulação entre os conhecimentos
historicamente construídos pela humanidade, os Direitos Humanos
podem ser reduzidos a uma lista de 30 artigos que integram a
Declaração universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), destituídos
de história, contexto e significado humano, social e pessoal.

A aprendizagem a partir de temas cotidianos,


problematizados sob as lentes dos Direitos Humanos, é capaz de
dotar de sentido aquilo que os estudantes aprendem. Tais temas
nos confrontam com dilemas éticos, uma vez que problematizam
a realidade e possibilitam que, situações de violações de direitos,
talvez invisíveis até então, se tornem visíveis e passíveis de
reflexão, discussão, posicionamento e ação. Torna-se possível
problematizar preconceitos, discriminações, desigualdades,
injustiças, enfim formas de desrespeito à dignidade humana. Com
isso, espera-se que os estudantes construam uma visão de mundo
crítica e cidadã e sejam capazes de compreender a realidade e,
desejavelmente, atuar no sentido de transformá-la.

Coloca-se, então, uma questão: como concretizar tais


princípios e objetivos nas salas de aulas?

O potencial educativo dos Portfólios e seu uso em uma


disciplina de Educação em Direitos Humanos na graduação

Não existe uma definição única para portfolios que podem


ser utilizados para a aprendizagem e para a avaliação. Neste
artigo, adotamos a definição de Arter y Spandel:

(...) uma coleção de trabalhos do estudante que nos conta

717
a história de seus esforços, seu progresso e suas conquistas
em uma área determinada. Esta coleção deve incluir a
participação do estudante na seleção do conteúdo do
portfolio, os guias para seleção, os critérios para julgar
méritos e a prova de sua autorreflexão” (Arter y Spandel,
1992: 36 apud Klenowski).

Sujeito e conteúdo, dois elementos que se combinam


em portfolios e permitem o diálogo entre a objetividade e a
subjetividade do processo ensino-aprendizagem, uma vez que
o conhecimento é construído a partir das referencias de cada
sujeito. Trata-se de uma aprendizagem que busca os significados
que os sujeitos atribuem ao conhecimento.

Entende-se que os portfolios ao colocarem os estudantes no


centro do processo ensino-aprendizagem e favorecerem a reflexão
sobre as suas experiências contribui para o desenvolvimento
de uma aprendizagem mais profunda, com significado e que
possibilita um grau de consciência sobre o próprio processo de
aprendizagem.

Os processos de aprendizagem por meio de portfolios


requerem que os estudantes compreendam claramente as
finalidades, os critérios e as pautas a fim de que elaborem o
trabalho (KLENOWSKI, 2004, p. 41). Tal elaboração demanda
que os estudantes realizem uma auto avaliação sobre o que
aprenderam a fim de selecionarem os elementos que consideram
mais significativos neste processo.

A experiência relatada refere-se ao desenvolvimento de


uma disciplina obrigatória de Educação em Direitos Humanos
ofertada aos cursos de graduação destinados à formação de
docentes de uma universidade pública do estado de São Paulo.

O uso do portfolio teve como objetivo provocar o olhar crítico


para a realidade, propondo que os estudantes estabelecessem
relações entre Direitos Humanos e acontecimentos cotidianos,
imagens ou manifestações culturais. Assim, cada estudante ao
se deparar em sua vida cotidiana com noticias, músicas, poesias,
fotografias ou qualquer outro elemento que o remetesse aos DH
deveria selecionar um deles e realizar uma breve reflexão sobre a

718
relação estabelecida entre o material selecionado e os DH.

No inicio de cada aula, os estudantes que desejassem


poderiam relatar qual o material escolhido e a relação estabelecida
com os Direitos Humanos. Com isso, as aulas sempre se iniciavam
com a reflexão sobre algum acontecimento ou referencia aos
Direitos Humanos na atualidade. Este tipo de proposta contribuiu
para aproximar os conhecimentos e conceitos da disciplina de
situações reais.

Interessante notar que a maioria quase absoluta das


relações estabelecidas com os Direitos Humanos referiram-se à
violação de direitos, principalmente relacionados às violências
praticadas contra grupos minoritários: mulheres, população
negra e crianças.

Ao final da disciplina os estudantes avaliaram positivamente


a experiência pois esta favoreceu o reconhecimento dos Direitos
Humanos nas situações cotidianas. Aproximar os estudantes
do objeto de estudo a partir de suas experiências favoreceu a
construção de uma aprendizagem significativa.

Referencias

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719
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YUS, Rafael. Temas Transversais: em busca de uma nova escola.


Porto Alegre: Artmed, 1998.

720
Ensino, aprendizagem e Direitos Humanos:
uma experiência em questão

Ana Cláudia Rocha Cavalcanti1


Karina Bezerra de Oliveira Duarte2
Suenne Santos de Aguiar3

Resumo

A prática profissional no campo dos direitos humanos tem
passado por intensas transformações, ao mesmo tempo em que
enfrenta os desafios inerentes a uma área interdisciplinar. Este
trabalho discute a experiência de ensino e aprendizagem de
direitos humanos na perspectiva da inclusão urbana, direito à
cidade e à cidadania para alunos do Programa Pós Graduação em
Direitos Humanos na Universidade Federal de Pernambuco, por
meio da utilização de metodologias ativas, como forma de aplicar
os conhecimentos da disciplina. As aplicações desses conteúdos
exigem, por parte do professor, uma visão ampla das questões
envolvidas, em decorrência também, dos perfis multidisciplinares
dos estudantes, tais como: advogados, arquitetos/urbanistas,
administradores, assistentes sociais, antropólogos, geógrafos,
sociólogos, jornalistas, etc. Além disso, as políticas públicas
urbanas demandam políticas integradas, reforçando ainda mais
uma visão interdisciplinar. Nessa experiência fez uso da literatura
na área acrescida de seminários realizados com convidados com
formações diversas e atuações profissionais na vida acadêmica,
na gestão pública, em ONGs e associações comunitárias. Para
auxiliar os estudantes a se aproximarem da realidade dos direitos
humanos são escolhidas, para visitação, instituições públicas
na cidade de Recife que têm demandas concretas em direitos
humanos. Embora alguns estudantes já possuam experiência

1. ana.rcavalcanti@ufpe.br. Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos


Universidade Federal de Pernambuco.
2. karinaduarteadv@hotmail.com. Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos
Universidade Federal de Pernambuco
3. suenneaguiaradv@gmail.com. Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos
Universidade Federal de Pernambuco

721
profissional na área, outros vêm direto da graduação, ampliando
as diferenças. Assim, os estudantes são apresentados a problemas
reais e vão à busca de soluções de forma colaborativa, de modo
a estimular futuros profissionais e/ou acadêmicos a lidarem com
questões tão complexas como os direitos humanos demandam.

Palavras chave: Ensino/aprendizagem; reflexão sobre as práticas;


direitos humanos.

Introdução

A Declaração Universal dos Direitos Humanos expressa


um leque de princípios fundamentais para os seres humanos
exercerem seus direitos fundamentais à liberdade e expressarem
seus pensamentos. Dentre eles está a educação como elo que
fundamenta os seres humanos para exercerem seus direitos.

A educação é uma ferramenta essencial para o crescimento


pessoal do ser humano e faz parte dos direitos humanos, pois
completa o ser humano para exercer sua cidadania com dignidade
(CLAUDE, 2005); sendo ainda, a educação, uma estratégia para a
difusão da cultura universal dos direitos humanos.

Sabe-se que a educação atende a três princípios:


qualificação, socialização e formação do sujeito. Nesse sentido,
esse trabalho analisa a experiência em sala de aula no Programa
de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal
de Pernambuco atendendo a esses três princípios.

Um dos principais problemas que esse trabalho enfrenta


seria a distinção entre o trabalho que envolve diferentes atores
nos campos disciplinares de forma integrada, ou seja, de
multiprofissionais trabalhando de forma conjunta, e o que se
convenciona chamar de interdisciplinaridade, principalmente
quando enfrentamos os problemas de forma integrada e
colaborativa, ampliando os campos de competências por meio de
trocas de saberes compartilhados.

Os perfis profissionais dos estudantes do mestrado em


direitos humanos e de outros programas de pós-graduação que
atendem ás disciplinas são bastante diversificados, podendo incluir

722
advogados, arquitetos/urbanistas, administradores, assistentes
sociais, antropólogos, geógrafos, sociólogos, jornalistas,
legisladores, etc. As práticas e realidades que envolvem suas
atividades nos campos profissionais são bastante diversas. Além
disso, a complexidade das atuações profissionais não se resumem
a temas estáticos discutidos em sala de aula. Diante desse cenário,
a experiência de ensino e aprendizagem vivenciada em sala de
aula demandou a troca de saberes de diferentes profissionais que
atuam no campo dos direitos humanos que gentilmente discutem
com os estudantes em forma de seminários ativos, experiências
vivenciadas em situações reais, assim como de atores, agentes,
ativistas, vereadores, líderes comunitários, etc.

Por vezes, os estudantes são levados para comunidades,


centros comunitários, etc., para vivenciarem experiências que
auxiliem na reflexão de suas práticas profissionais. Esse trabalho
consiste numa reflexão em processo dinâmico sobre diversos
cenários que envolvem a prática em desenvolvimento e direitos
humanos, entendo o processo da construção do conhecimento
por meios dinâmicos.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade vem sendo abordada


como resposta às demandas contemporâneas de produção e
socialização do conhecimento por buscar transpor as barreiras
disciplinares visando a superação da fragmentação do
conhecimento (GIBBONS et al, 1997).

Educação e os direitos humanos

A educação é um dos direitos fundamentais que consta


na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e constitui
uma ferramenta para o crescimento pessoal, contribuindo para
a formação da personalidade, e ao atendimento à dignidade
humana.

A educação nos direitos humanos é permanente e global


(BENEVIDES, 2000), irrestrita e necessária. Nesse sentido, o
entendimento sobre a interdisciplinaridade como articuladora do
processo de ensino e de aprendizagem no campo do conhecimento
e como embasamento para as opções metodológicas do aprender
e ensinar (THIESSEN, 2008), tendo motivado inúmeras experiências

723
pedagógicas que intentam transformar os ambientes da sala de
aula considerando o processo de construção do conhecimento
enquanto reflexo da atitude (FAZENDA, 1979) e como maneira de
pensar (MORIN, 2005).

Nesse sentido, a experiência relatada nesse trabalho, amplia


o debate acerca das discussões sobre dificuldades e avanços no
campo dos saberes vivenciados e experienciados para além da
sala de aula.

Discutindo nossa experiência

O Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da


Universidade Federal de Pernambuco teve sua origem por meio de
ações da Cátedra Dom Hélder Câmara sob a coordenação do então
professor Luis de la Mora e de ações continuadas da Comissão de
Direitos Humanos Dom Hélder Câmara. Teve seu início em março
de 2013 e conta com três linhas de pesquisa: 1) Democracia,
Educação em Direitos Humanos e Cidadania, 2) Direitos Humanos,
Cultura de Paz e Justiça Restaurativa, e 3) Direitos Humanos,
Processos Identitários, Alteridade e Movimentos Sociais.

Esse texto relata as experiências em duas disciplinas


inseridas na Linha 1) Democracia, Educação em Direitos
Humanos e Cidadania, intituladas: a) Inclusão urbana, direito à
cidade e cidadania e, b) Direitos humanos e políticas públicas,
sendo a segunda de caráter reflexivo teórico para fundamentar
as discussões na segunda,de caráter reflexivo mais prático.
Entretanto, ressalta-se que não há uma divisão explícita entre as
relações teórico/práticas em ambas experiências aqui relatadas.
O contexto das experiências vivenciadas na sala de aula é diverso,
heterogêneo e dinâmico. As aulas ocorrem na forma tradicional
por meio de aulas expositivas, porém, os estudantes têm acesso
aos textos a serem trabalhados antes do início da disciplina. Por
meio dessa ação, os conteúdos podem ser antecipados pela
simples leitura dos textos a serem trabalhados em sala.

Mesclam-se seminários expositivos preparados pelos


estudantes de forma a protagonizar o compartilhamento do
conhecimento. De forma exploratória e dinâmica, os estudantes
são estimulados a intercalarem suas próprias experiências aos

724
conteúdos estáticos dos textos.

Apresentação de casos e experiências por meio de


discussões com profissionais, ativistas, políticos, etc. Realizam-se
ainda, visitas a instituições, a grupos e associações comunitárias
que lidam com a prática da diversidade dos direitos humanos
para a promoção do direito à cidade e à cidadania.

As turmas são compostas entre 10 e 20 estudantes, com


diferentes experiências nos mais diversificados campos dos
saberes, que trabalham em equipes multidisciplinares (Figura 1). A
mescla dessas experiências traz muitos desafios que enriquecem
os debates construídos em sala, e são muito bem vindos.

Figura 1 - Formação de equipes para estimular discussões entre


os participantes.

Fonte: As autoras.

Constata-se que a grande maioria dos estudantes que


atende a essas disciplinas é composta de estudantes de outros
programas de pós-graduação da UFPE, que buscam abordagens
interdisciplinares, chegando a ter numa das turmas de Políticas
públicas o expressivo percentual de advogados (22 de um total de
25 estudantes matriculados correspondentes a 88% do total).

725
Figura 2 – Palestrante da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.

Fonte: As autoras.

Com o intuito de dinamizar as dinâmicas em sala de aula,


os convidados palestrantes podem incluir professores de estados
vizinhos, como Alagoas, Paraíba e do Rio Grande do Norte (Figura 2),
assim como a participação especial de um antropólogo holandês.
Incentiva-se ainda, a participação de ex-alunos que regressam
como palestrantes e assim, interagirem horizontalmente em sala.

Refletindo sobre os papeis e responsabilidades

A cooperação entre pessoas em uma determinada


atividade pode ser tipificada como um processo ativo, realizado
através da coordenação de diferentes pontos de vista e
através de operações de correspondência, reciprocidade ou
complementaridade (PIAGET, 1973). Nesse processo, existem
regras de conduta independente motivadas pelo respeito mútuo.
E quando há convergência na comunicação e correspondência
entre operações, diz-se que os sujeitos operam em um sistema
comum de hipóteses ou convenções que podem alavancar outras
reconstruções.

É fundamental destacar a importância dos papeis


complementares assumidos por diferentes atores ao longo da
disciplina que interligam os diferentes saberes.

Em retrospecto, as discussões ocorridas em sala de aula

726
provocadas pelas leituras de textos sobre as temáticas trabalhadas
sobre direitos humanos, políticas públicas e práticas sociais, foram
elucidativas para fomentar debates acerca das “visões de mundo”
preestabelecidas pelos participantes dos debates, das “visões de
mundo” dos palestrantes convidados (Figura 3), e de parte da
população encontrada nos seus assentamentos residenciais.

Figura 3 - Palestra proferida pelo ex-vereador da cidade de Recife.

Fonte: As autoras.

O ambiente colaborativo e flexível que retrata essas


experiências tem demonstrado ser bastante necessário,
possibilitando aos estudantes questionarem o conhecimento por
meio da produção colaborativa e do compartilhamento desses
conhecimentos.

O processo de construção do conhecimento vivenciado


em sala de aula, nas visitas e durantes todo o processo pressupõe
a interação do sujeito com os sujeitos ao seu redor. Inúmeros
problemas não antecipados podem ocorrer durante o processo
e os meios encontrados pelos próprios estudantes para enfrentar
e assimilar os conhecimentos por meio da socialização dos
problemas e das atividades cooperativas para a resolução desses,
foi de grande relevância para a construção do sujeito que é capaz
de colocar-se na perspectiva dos outros e, experimentar processos
dos diferentes modos de pensar no intuito de desenvolver as
bases para a compreensão sobre o entendimento da experiência
da resolução de problemas, na medida em que, a ação sobre o
mundo apresentado na forma de um problema a ser resolvido
coletivamente constitui o meio necessário para a construção

727
das operações lógicas e comportamentais de resolução dos
problemas.

Os estudantes assumem papeis de responsabilidade


agindo como protagonistas nos processos de ensino e
aprendizagem, assumindo papeis de liderança que trazem
problemas de organização, iniciativa e capacidade de dialogar
com os diferentes. Essas escolhas pedagógicas não implicam na
ausência de problemas em sala de aula, ao contrário elas expõem
os estudantes a situações reais de convívio com o outro, e que
têm que lidar com cumprimento de agendas, etc.

Pode até parecer óbvio que essas experiências sejam


desafiadoras, porém, o fato de estarem diante de situações
que constantemente demandam dos estudantes atitudes que
requerem ação e interação constantes, não se pode desejar que
os estudantes assumam atitudes passivas nesse processo.

Os estudantes necessitam buscar estarem envolvidos no


processo como um tipo de membro do próprio grupo estudado de
forma ativa , presente e compartilhada, aprendendo convenções
sociais hábitos no uso de linguagens de comunicação não verbal,
estabelecendo mesmo sem perceber um forte papel de interação
com os sujeitos investigados nas visitas.

Ações para a inclusão

Objetivando a inflexão nos caminhos tradicionais de


busca e produção do conhecimento, são organizadas visitas a
comunidades que vivenciam experiências de inclusão social. Por
exemplo, o projeto social Mulheres Pró-ativas (Figura 4) que fica
na comunidade Rio Azul, uma ocupação que data da década de
1970 no bairro de Boa Viagem, bairro nobre da Zona Sul de Recife,
proporcionou momentos de reflexão sobre a prática de mães
que se associaram de forma coletiva para oferecer oportunidades
de reforço escolar de português e matemática, aulas de inglês,
aulas de culinária, artesanato, contação de histórias, entre outras
atividades.

728
Figura 4- Foto do Projeto Mulheres Pró-ativas.

Fonte: As autoras.

As crianças moradoras da comunidade com idades entre


5 e 13 anos, que freqüentam a escola regular pelas manhãs, são
acolhidas das 14:30 às 17:30h no projeto. O projeto funciona por
meio de doações de alimentos, dinheiro e trabalho de voluntários.

Figura 5 - COMPAZ do bairro do Cordeiro, Recife.

Fonte: As autoras.

729
Outro exemplo pode ser visto nas visitas realizadas às
unidades do Centro Comunitário da Paz (COMPAZ), unidades do
bairro do Cordeiro (Figura 5) e do Alto de Santa Teresinha, em Recife.
Idealizado sob o crivo de uma cultura de paz, do fortalecimento
da cidadania em caráter comunitário e, tendo como referência
a experiência das “bibliotecas parques” da Colômbia, o COMPAZ
oferece serviços à comunidade de qualificação profissional,
ocupação para as mulheres, para os idosos, promovendo inclusão
digital entre outras coisas, mas que principalmente estimulam a
promoção da paz por meio da inclusão social.

Conclusão

De modo geral, as metodologias tradicionais de ensino nas


universidades são centradas no professor, e os alunos escutam de
forma passiva e tomam notas. Nesse processo apresentado neste
trabalho de forma sucinta, não são detalhadas as reais atividades
nem as responsabilidades que cada pessoa assume (por
necessidade). É extremamente difícil fazer tal relato sem se perder
pelos caminhos dos desejos de mostrar experiências heróicas e
convincentes. Entretanto, é sem sombra de dúvidas visível que
os estudantes assumem responsabilidades e obrigações que os
tiram de suas zonas de conforto e os expõe a situações, muitas
vezes constrangedoras de exposição das realidades de exclusão
social que jamais seriam experienciadas nas salas de aula.

Os estudantes relatam que chegam nos ambientes visitados


com ideias preconcebidas sobre as realidades imaginadas, e
as vezes, sem a menor ideia do que iriam encontrar. Mas, na
sua totalidade, os relatos são enriquecidos das experiências ali
adquiridas.

Espera-se que as visões tendenciosas dos atores envolvidos


nessas “salas de aula lá fora” não limitem as reais aprendizagens
possibilitadas pelas trocas de experiências travadas na vida real.

730
Referências

BENEVIDES, M. V. de M. Educação em Direitos Humanos: de que se


Trata?. São Paulo, FE-USP, 2000 (palestra de abertura do Seminário
de Educação em Direitos Humanos). Disponível em http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/9_benevides.pdf. Acesso em 26
de julho de 2019.

CLAUDE, Richard Pierre. Direito à educação e educação para


Direitos Humanos. SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos.
Ano 2, No. 2, 2005. pp. 37-73. Disponível em https://sur.conectas.
org/wp-content/uploads/2017/08/sur2-port-claude.pdf. Acesso em
26 de julho de 2019.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Assembleia


Geral das Nações Unidas em Paris, 10 de dezembro de 1948.
Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/
UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 23 de julho de 2019.

FAZENDA, Ivani C. Integração e interdisciplinaridade no ensino


brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 1979.

GIBBONS, M., LIMOGES, C., NOWOTNY, H., SCHWARTZMAN, S., SCOT,


P., TROW, M. La nueva producción del conocimiento: la dinámica
de la ciencia y la investigación en las sociedades contemporáneas.
Barcelona: Pomares-Corredor, 1997.

PIAGET, J. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973.


[Études Sociologiques, 1965]

THIESEN, J da S A interdisciplinaridade como um movimento


articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de
Educação. Vol. 13, No. 39. 2008. Disponível em https://www.redalyc.
org/pdf/275/27503910.pdf, acesso em 20 de agosto de 2019.

Agradecimentos

As autoras agradecem a todos que colaboraram com a


produção do conhecimento de forma reflexiva e crítica durante
as experiências vividas em sala de aula, nos centros visitados, nas
comunidades vivenciadas.

731
A experiência do ensino de educação em Direitos
Humanos na Pós-Graduação

Mirian Célia Castellain Guebert 1

Resumo

Este relato da experiência no ensino superior, ocorreu no
Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas
Públicas, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com a
inserção da disciplina Fundamentos da Educação em Direitos
Humanos, como uma disciplina eletiva de 45 horas. Esta
disciplina se constituiu a partir da disciplina denominada Políticas
Públicas de Educação em Direitos Humanos, desenvolvida no
semestre anterior. No decorrer de seu desenvolvimento, foram
percebidas lacunas sobre aspectos históricas, políticas e sociais
que subsidiam a Educação em Direitos Humanos. A disciplina
foco desse relato ocorreu uma vez por semana, seguindo um
plano de ensino previamente delineado. Objetivou-se nesta
disciplina analisar os contextos políticos, histórico, econômicos
e sociais para a construção da cultura em Direitos Humanos no
Brasil e demais países da América Latina e por meio da análise
crítica. A metodologia de ensino está fundamentada em estudos
teórico-dialogadas, com leituras prévias para a discussão no
grupo, como também realização de seminários, articulando
com os temas das pesquisas que estão sendo desenvolvidas
pelos mestrandos, estes foram avaliados pela argumentação no
decorrer das aulas, na organização e apresentação dos seminários
e ao final a elaboração de documento escrito individual em forma
de artigo. Esta disciplina subsidia a formação de professores do
ensino superior em Direitos Humanos. Percebe-se que a disciplina
se tornou essencial para a compreensão dos fundamentos da
educação em direitos humanos, possibilitando discussões e
articulação dos envolvidos em processos participativos na defesa

1. mirian.castellain@pucpr.br. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos


Humanos e Políticas Públicas, da PUCPR, Brasil

732
e promoção da educação em direitos humanos nos diferentes
espaços em que os envolvidos atuam.

Palavras-Chave: EDUCAÇÃO; DIREITOS HUMANOS; PÓS-


GRADUAÇÃO

A experiência do ensino de educação em Direitos Humanos


na Pós-Graduação

Ao considerar a necessidade de construir um arcabouço


teórico-metodológico junto ao curso de Pós-Graduação em
Direitos Humanos, como proposta na formação dos futuros
formadores para potencializar a transformação da cultura
estabelecida, o objetivo desse estudo é refletir sobre a Educação
em Direitos Humanos na pós-graduação.

A Educação em Direitos Humanos emerge de três aspectos


essenciais, como expressa Benevides (2003), sendo o primeiro a
educação como um processo natural e permanente, o segundo a
educação em direitos humanos para a transformação da realidade
complexa e o terceiro se refere ao processo de formação dos
profissionais, o foco dessa reflexão.

A abordagem teórica para uma Educação em Direitos


Humanos, entendida como processo natural nos induz a
perspectiva crítica, a qual considera os direitos humanos como
convencionados, isto é, são produzidos pelos próprios sujeitos em
sua história. E, como consequência, precisam ser entendidos, pois,
podem ser violados, revertidos e anulados se percebidos como
ilegítimos por segmentos significativos da sociedade.

A partir desta constatação “Construir uma cultura de direitos


humanos exige, assim, um esforço político permanente, uma vez
que não podem ser derivados de nenhuma condição inata ou da
inércia das instituições”. (GALLARDO, 2014.p 48).

A Declaração Universal sobre os Direitos Humanos - DUDH,


promulgada em 1948, garante a educação como um Direito
Humano (artigo 26º), a todas as pessoas. Deve ser gratuita e
obrigatória pelo menos no nível elementar e um dever do Estado.
Apesar disso, ainda existe quase um bilhão de pessoas que não

733
sabem ler um livro e pelo menos 20 países ainda não definiram a
idade da educação obrigatória. O direito à educação é um direito
ao empoderamento. Portanto, negar o direito à educação fere a
causa da democracia, do progresso social e da segurança humana.
(BENEDEK;MOREIRA;GOMES, 2014).

Além da DUDH, a II Conferência Mundial sobre Direitos


Humanos, realizada em 1993, em Viena aprovou o Programa
Mundial para a Educação para os Direitos do Homem e para
a Democracia (UNESCO, 2006, TOSI; FERREIRA, 2014). Existem
outros documentos de caráter universal que garantem o direito
à educação, como no Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos Sociais e Culturais (art. 13º. e 14º), na Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (art. 10º) e na Convenção sobre os Direitos das Crianças
(art. 28º e 29º).

As Nações Unidas estabeleceram a Década da Educação


em Direitos Humanos, de 1995-2004, enfatizando ações para
implementação da educação em direitos humanos nos sistemas
escolares básicos e educação superior, assim como a formação de
professores e outros funcionários públicos.

A educação é um direito à todas as pessoas e, ao mesmo


tempo colabora para a garantia dos demais direitos. Assim,
a educação em/de Direitos Humanos tem como função
empoderar os sujeitos e grupos sociais, especialmente aqueles
que historicamente foram excluídos dos processos decisórios
(SACAVINO; CANDAU, 2008).

Decorrido mais de 70 anos, da proclamação da DUDH,


somente em 2012, no Brasil, foram aprovadas as Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos - DNEDH.

Em perspectiva histórica, desde a década de 80, diversos


movimentos e grupos sociais se mobilizaram para a construção
de uma nova cultura política estimulando a participação social,
com o propósito de construir uma cultura de direitos humanos
e a democracia (CANDAU, 2003). Paulatinamente as ações para
fomentar a educação em Direitos Humanos foram construídas.
Assim, em 1996 foi instituído o I Programa Nacional de Direitos

734
Humanos - PNDH, que apresentou propostas para a formulação e
implementação de políticas públicas na área dos Direitos Humanos
(BRASIL, 1996). Em 2003, a Secretaria Especial de Direitos Humanos
instituiu o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos -
CNEDH, cujas atribuições eram de elaborar e aprovar o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos e apresentar políticas
públicas sobe a Educação em Direitos Humanos, compreendendo
a Educação Básica, Educação Superior, Educação Não-formal,
Educação dos profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança
e Educação e Mídia (TOSI; FERREIRA, 2009). No Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos, a educação é entendida
como “um processo sistemático e multidimensional que orienta a
formação de sujeito de direitos” (BRASIL, 2007, p. 25).

As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos


Humanos- DNEDH foram instituídas em 2012 e representam o
resultado de um processo histórico de busca pela inserção da
temática no espaço escolar e um importante documento, pois
efetiva a educação em Direitos Humanos na cultura escolar.

O papel do Estado na efetivação de tais normativas, se


evidência na garantia do direito a educação e sua qualidade.
Por outro lado, quando o próprio Estado normatiza o direito a
educação, recomenda em diferentes políticas públicas estratégias
para implementá-las, como descritas no Plano Nacional e
Educação (2014-2024), nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores (2001), nas Diretrizes Nacionais de
Educação em Direitos Humanos (2012), no Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (2007), entre outras.

Sendo as instituições formais (escolas, universidades) esferas da


sociedade que corrobora com a formação do cidadão por meio
da organização do trabalho pedagógico que desenvolve, para
tanto, as perspectivas teórico-metodológicas das propostas para
a formação dos profissionais perpassam o princípio subjetivo do
interesse do Estado.

Portanto, a função do Estado, como corresponsável pela


formação do cidadão, expressa o tipo de sociedade que se deseja
construir, como estão recomendadas nas políticas públicas
educacionais, como formas de acesso aos direitos e o exercício da

735
cidadania.

A perspectiva da organização do trabalho pedagógico,


há necessidade de construir junto aos profissionais (das mais
variadas áreas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino)
a consciência e a cultura de viver os direitos humanos, como
elemento natural, possibilitando reconhecer a diversidade, a
interculturalidade como características ação pedagógica.

Essa afirmação enfatiza o princípio de que todos são iguais,


sendo fraternos, forma ética e justa, compartilhando interesses
para o bem comum, princípio basilar da Educação Em Direitos
Humanos, que também ocorre nos espaços formais como na
universidade, entendida como um lugar plural, dialógico, que
potencializa as pessoas para perceber os contextos e refletir sobre
as práticas pedagógicas vivenciadas, caracteriza-se como um
lugar de emancipação cultural, política, social, quando reconhece
os direitos humanos como eixo fundante da consciência do
cidadão.

A prática pedagógica da educação em Direitos Humanos


pauta-se em um conjunto de saberes docentes que se relacionam
ao saber curricular, pedagógico e experiencial. (CARVALHO, 2004;
MORGADO, 2002).

As DNEDH têm por finalidade promover valores e


transformação social, com o intuito de combater as desigualdades,
preconceitos, discriminação social, racial e a violência que se
fazem presente no ambiente educacional. Os Direitos Humanos
como conteúdos curriculares serão ministrados na Educação
Básica e Superior, de em forma transversal e interdisciplinar, nas
disciplinas já instituídas ou de forma mista, a critério de cada
instituição (artigos 7º, 11º. Cabe às instituições de nível superior
ações para a promoção dos Direitos Humanos voltados para
aos segmentos sociais em situação de vulnerabilidade social, de
violação de direitos, movimentos sociais e a gestão pública (art.
12º. BRASIL, 2012. p.2,3).

Lucien Febvre (1945) analisa que, na medida em que


no diálogo com as demandas advindas dos grupos sociais, de
maneira ativa é possível produzir novas realidades, novas culturas,

736
das quais as disciplinas escolares são de certa maneira, uma de
suas produções.

As Diretrizes se caracterizam um importante documento


para efetivação da Educação em Direitos Humanos como parte
da cultura escolar, para além dos muros das instituições. Efetivar
as DNEDH em todos os níveis de ensino, é uma necessidade social
de construção de uma sociedade onde as pessoas sintam como
sujeitos de direitos e de produção de mudanças culturais mais
amplas, criando a cultura do diálogo, da tolerância do respeito e
da democracia.

Deste modo, o Estado e as instituições têm responsabilidade


social neste processo ao acionar mecanismos de transformação/
seleção de conteúdos, que tornem viável uma educação em e para
os Direitos Humanos (FORQUIN, 1993, PETITAT, 1994, BOURDIEU,
1998).

Neste sentido, as DNEDH formam um documento que
tem o caráter prescritivo ao estabelecer a Educação em Direitos
Humanos, mas, também se efetivam como um instrumento de
enfrentamento às diferentes formas de discriminação, racismo,
violência e podem ser um instrumento de empoderamento dos
grupos sociais vulneráveis.

A medida que as instituições educacionais forem


executando os pressupostos das DNEDH a sociedade se transforma
em uma perspectiva mais justa e igualitária. Portanto, a escola
e a universidade são lugares privilegiados para a desenvolver a
cultura da educação em/para os direitos humanos.

Ensinar sobre/os direitos humanos é buscar compreender


o processo de construção de uma cultura escolar, que “definem
conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto
de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos
e a incorporação desses comportamentos normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas
(finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de
socialização)” (JULIA, 2001, p. 9).

Todos os documentos que oficializam o compromisso de

737
promover a educação de qualidade, desafiam os profissionais
para desenvolver o trabalho pedagógico para a formação integral
junto aos sujeitos de direitos, quando recomendam uma proposta
interdisciplinar, transversal e contextualizada, a partir de conflitos
evidenciados nas diferentes instâncias sociais.

Nesse sentido, o Plano Nacional de Educação em Direitos


Humanos publicado no Brasil em 2007, define que:

O Estado brasileiro tem como princípio a afirmação


dos direitos humanos como universais, indivisíveis e
interdependentes e, para sua efetivação, todas as políticas
públicas devem considerá-los na perspectiva da construção
de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de
oportunidades e da equidade, no respeito à diversidade
e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã.
(PNEDH,2017, p.11)

A Resolução Nº 1, de 30 de Maio de 2012, que estabelece


Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos no
Brasil (EDH), define no artigo primeiro que a Educação em Direitos
Humanos é um dos eixos fundamentais do direito à educação,
referindo-se ao uso de concepções e práticas educativas fundadas
nos Direitos Humanos e em seus processos de promoção,
proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos
de direitos.

O parágrafo primeiro ainda estabelece:

§ 1º Os Direitos Humanos, internacionalmente


reconhecidos como um conjunto de direitos civis, políticos,
sociais, econômicos, culturais e ambientais, sejam eles
individuais, coletivos, transindividuais ou difusos, referem-
se à necessidade de igualdade e de defesa da dignidade
humana. (Resolução CNE/CP 1/2012)

Na tentativa de promover o processo educativo de qualidade,


a formação dos profissionais que estão na pós-graduação requer
a compreensão de uma perspectiva teórico-metodológica que
compreenda a conquista dos direitos por meio de uma cultura
que afirme a cidadania e os processos democráticos em todas as

738
dimensões.

Portanto, o entendimento de sujeitos de direito, a


emancipação como princípio da organização do trabalho
pedagógico de modo transversal, intercultural, interdisciplinar
como previsto nos documentos normativos, compõem as
características da Educação em Direitos Humanos nos diferentes
níveis de ensino, incluindo a pós-graduação.

Contudo, a compreensão da efetividade dos direitos,


passa a ser um elemento que mobiliza a formação dos sujeitos
ao mesmo tempo perpassa a tomada de consciência de que ter
direitos e usufruí-los caracterizam o cidadão.

Nesse sentido, a problemática da construção de uma


perspectiva de Educação em Direitos Humanos na pós-graduação,
assume a responsabilidade de refletir sobre a educação, estado,
direitos humanos e sujeito, como elementos essenciais, para
fortalecer os saberes, as práticas, com o intuito subsidiar a
transformação cultural, por meio do trabalho pedagógico, que
permeiam a perspectiva crítica de educação, entendendo o seu
potencial transformador da cultura estabelecida.

Ao considerar a educação como resultado de saberes e


práticas sociais, encontramos Tardif (2002, p.31) que conceitua:

[...] saberes sociais como um conjunto de saberes que dispõe


uma sociedade e a educação um conjunto de processos
de formação e de aprendizagem elaborados socialmente
e destinados a instruir os membros da sociedade com
base nesses saberes, então é evidente que os grupos de
educadores, os corpos docentes realizam efetivamente os
processos educativos no âmbito do sistema de formação
em vigor, são chamados de uma maneira ou de outra a
definir sua prática em relação aos saberes que possuem e
transmitem.

Destacada a concepção de Educação em Direitos Humanos,


na pós-graduação para a construção de uma cultura, é essencial
que os profissionais das variadas áreas do conhecimento
percebam coerência na defesa das relações culturais, articuladas

739
aos saberes, que resultam formas de agir, de ser e viver como
sujeito de direito. A fim de potencializar a formação da consciência
cidadã numa sociedade igualitária, justa e solidária, a partir dos
processos teóricos-metodológicos que sustentam a participação,
a criticidade e a realidade social, para a promoção, proteção e
defesa dos direitos humanos nos diferentes espaços.

Porém, a compreensão da função da pós-graduação em


divulgar, discutir, elaborar, promover, articular, acompanhar,
implementar, avaliar e monitorar o desenvolvimento social,
vislumbrando que, não há Estado democrático sem a vivência dos
direitos, enfatizando a formação integral dos sujeitos, descritas
nas políticas públicas educacionais.

Estado tem o papel de criação, legitimação, normatização e


execução das políticas educacionais. “O Estado molda as estruturas
mentais e impõe princípios de visão e de divisão comuns (...)”
(BOURDIEU, 1998 p. 105). Portanto, a escola e a universidade são
lugares privilegiados para a educação em direitos humanos com
horizonte de expectativa uma mudança social mais abrangente.

A construção da Educação em Direitos Humanos, não


pode se caracterizar um espaço que reproduz a sociedade como
analisaram Bourdieu e Passeron (2014), mas deve estabelecer
ações que favoreça a formação dos sujeitos para o exercício da
cidadania, de tal modo a considerar as características, as condições
sociais, as representações dos envolvidos nos diferentes espaços
sociais.

Nessa perspectiva, é importante considerar que a proposta


desenvolvida na pós-graduação não é neutra, pois, ao fazer
escolhas para sua organização, não se pode negar a política cultural
das representações em que são construídos os posicionamentos
que se constituem em ideologias e perspectivas sobre direitos
e cidadãos. Por conseguinte, pós-graduação é um espaço
privilegiado para possibilitar a reflexão e a construção ideológica,
o desenvolvimento de consciência sobre as desigualdades, bem
como legitimar a liberdade.

A formação dos profissionais na pós-graduação demanda


que aos professores assumir posições teóricas como afirma

740
Meyer:

Os professores estão implicados na produção e reprodução


dos discursos e práticas que configuram os sujeitos e
constituem suas múltiplas identidades culturais, bem como
constroem sentidos de pertencimento e ou de exclusão
(MEYER, 1998, p. 69).

Nesse sentido, o papel dos professores da pós-graduação,


torna-se essencial quando este mobiliza processos cognitivos,
éticos, sociais e políticos, na busca do respeito e da dignidade. No
Brasil, uma das funções da pós graduação (Mestrado e Doutorado)
é formar professores de ensino superior. Assim, a formação e
educação em Direitos Humanos é uma responsabilidade social das
Universidades na construção de uma sociedade mais democrática
e também a formação continuada está previsto nos artigos 8º ao
10º das DNEDH.

A valorização da pós-graduação, como responsável para


favorecer a conscientização dos sujeitos para o respeito e para a
liberdade, expressam um posicionamento ideológico, trata-se de
uma construção histórica, discursiva e moral, constituída a partir
de ações pedagógicas.

O compromisso com uma formação técnica e humana dos


professores da pós-graduação a partir das temáticas da educação
em direitos humanos, emergem de temas atuais, identificados no
cotidiano, vivenciados e ou amplamente divulgado nas mídias.
Neste sentido, Carbonari (2006, p.20), afirma que a Educação em
Direitos Humanos deve partir da concepção de que:

Os direitos afirmam-se por meio da luta permanente contra


a exploração, o domínio, a vitimização, a exclusão e todas as
formas de apequenamento do humano. É luta permanente
pela emancipação e pela construção de relações solidárias
e justas. Por isso, a afirmação dos direitos humanos
sempre esteve – e continua – profundamente imbricado
às lutas libertárias construídas ao longo dos séculos pelos
(as) oprimidos (as) e vitimados (as) para abrir caminhos
e construir pontes de maior humanidade. Isso porque a
realização dos direitos humanos é um processo histórico,

741
assim como é histórico seu conteúdo. (CARBONARI, 2006,
p.20)

Os processos metodológicos da disciplina denominada


Fundamentos da Educação em Direitos Humanos, desenvolvida
na pós-graduação de Direitos Humanos, corresponde a finalidade
de construir uma cultura para a tolerância, solidariedade, na busca
da dignidade humana, junto aos futuros profissionais do ensino,
da pesquisa e da extensão na área dos direitos humanos.

A Experiência Na Pós-Graduação

A proposta de construir uma disciplina denominada


Fundamentos da Educação em Direitos Humanos, surge no
Programa De Pós Graduação Em Direitos Humanos em uma
universidade privada no sul do Brasil, a partir do desenvolvimento
da disciplina denominada Políticas Públicas para Educação em
Direitos Humanos, oferecida no último semestre do ano de 2018.

A universidade em que aconteceu esta experiência tem um


histórico junto a Educação de Direitos Humanos, de quase 10 anos,
pois estabeleceu a partir da publicação das DNEDH em 2012, que
todos os cursos de graduação ofertados na universidade, deveriam
comtemplar em seus projetos pedagógicos as recomendações da
Resolução 01/2012, de modo transversal.

Todos os 168 cursos de graduação, incluíram de algum


modo em seus projetos pedagógicos a temática dos direitos
humanos, fato que mobilizou professores, alunos, gestores na
busca de construírem uma unidade teórica para subsidiar as
práticas dos docentes.

Em 2013 surge a disciplina, denominada Educação em


Direitos Humanos e Meio Ambiente, que foi incluída nos projetos
pedagógicos dos cursos de licenciaturas para ingressantes no ano
de 2013.

Em 2016, foi aprovada a abertura do Programa De


Pós Graduação Em Direitos Humanos e Políticas Públicas na
universidade, que inicia suas atividades com uma linha de
pesquisa denominada Educação Em Direitos Humanos E Políticas

742
Públicas.

Ao considerar a demanda na comunidade acadêmica,


no último semestre do ano de 2018, foi ofertada uma disciplina
denominada Políticas Públicas e Educação em Direitos Humanos,
que teve como objetivo apresentar os Direitos Humanos como
conquista histórica e como esse processo culmina nas tratativas
e normativas legais, o enfoque norteou as aulas que serviram
como ponto de partida para as reflexões sobre o cotidiano e,
principalmente, a importância da Educação em/para Direitos
Humanos.

A disciplina desenvolveu temas diversos, expressões de


violações de direitos, estratégias de enfrentamentos, a construção
de políticas públicas e/ou fortalecimentos dos movimentos sociais
para a manutenção, ampliação ou conquista de direitos.

No desenvolvimento desse trabalho, percebeu-se a fragilidade


por parte dos acadêmicos, sobre os fundamentos que sustentam a
Educação em Direitos Humanos. Na tentativa de contribuir com a
construção teórica-metodológica dos acadêmicos, os professores
propuseram uma disciplina denominada Fundamentos da
Educação em Direitos Humanos.

A disciplina teve como objetivo provocar, identificar e


abordar temas sobre os Direitos Humanos que passaram a ser
instrumentos de construção da cultura social, por partirem da
realidade, possibilitando a compreensão das relações históricas,
políticas e econômicas, junto a defesa, garantia e proteção dos
direitos humanos.

Para desenvolver a disciplina utilizou-se de uma abordagem


crítica dos direitos humanos, utilizando de encaminhamentos
metodológicos para favorecer a participação dos sujeitos,
utilizando variadas linguagens, recursos, formas de elaboração,
acompanhamento e sistematização de saberes de modo
propositivo e funcional.

Para potencializar a produção do conhecimento, foram feitas


a partir de estudos dirigidos de obras previamente selecionadas,
com o intuito de possibilitar reflexões sobre as atitudes, valores,

743
com vista ao respeito as diversidades, com a articulação histórica,
política e cultural das temáticas.

A organização do trabalho pedagógico se deu de forma


colaborativa, transversal e interdisciplinar, teórica de modo a
integrar as temáticas, às necessidades do contexto na busca de
enfatizar a transformação social.
A contradição possibilitou realizar análises das temáticas para
promoção da Educação em Direitos Humanos assumindo uma
postura para promover a cidadania por meio da formação dos
sujeitos sociais, críticos, ativos, em sua individualidade e no
coletivo.

A diversidade de temas desenvolvidos favoreceu a


construção de saberes diversificados, reconhecimento dos
contextos, aprimoramento da fundamentação teórica, porém, a
disciplina se desenvolveu com as análises das práticas sociais
contextualizadas. Os desafios evidentes para a efetivação da
disciplina de Fundamentos da Educação em Direitos Humanos,
está no compromisso histórico da mudança estrutural, e na
construção de cultura social justa, inclusiva e digna.

Nesse sentido, tomamos a afirmação de MAGENDZO, 1994,


p.164, que diz:

Os direitos humanos aparecem para nós como uma utopia


a promover e plasmas nos diferentes níveis e espaços da
sociedade. Como tais, apresentam-se como um marco
ético-político que serve de crítica e orientação (real e
simbólica) em relação às diferentes práticas sociais) jurídicas,
econômicas, educativa, etc.) na luta nunca acabada por uma
ordem social mais justa e livre. Nesse sentido são vastos
como pragmáticos, isto é, como modelo e/ ou critérios
exemplares a partir do qual podemos ler nossa história e
nosso futuro como povos.

Os aspectos teóricos-metodológicos dos fundamentos da


Educação em Direitos Humanos, reverberam das relações culturais,
e ou outro lado definem a função do estado, os interesses quando
a formação do cidadão, a valorização dos sujeitos de direitos,
aspectos que surgem com o aprimoramento das relações sociais

744
construídas também pela Educação em Direitos Humanos.

Considerações finais

Pensar nos Fundamentos da Educação em Direitos Humanos,


perpassa os elementos históricos, políticos, econômicos, culturais,
bem como, a função do estado e no papel dos agentes sociais que
são condições sine qua non para potencializar mudanças nos
contextos para viver de fato um estado democrático de direito.

Defendemos que a efetivação da Educação em/para os


Direitos Humanos, necessita enfatizar a formação para a cidadania
por meio do cotejamento de elementos para emancipação e
tomada de consciência, fato que se dá quando se reconhece
a história, cultura, política como elementos que compõem a
sociedade que é regulada pela ética, pela dignidade humana,
liberdade, igualdade, solidariedade e tolerância.

Nessa perspectiva, é fundamental considerar o papel da


pós-graduação na formação dos sujeitos de direito, envolvidos
diretamente no fazer pedagógico, assumindo o espaço escolar
como um lugar plural, dialógico, que potencializa as pessoas para
a emancipação cultural, política e social.

Trata-se, portanto, de emancipar sujeitos, torná-los


protagonistas na construção de uma sociedade que possa
favoreça aos indivíduos o exercício pleno de sua existência de
modo digno e democrático.

A disciplina desenvolvida possibilitou a reflexão sobre as


formas de arbítrio, sobre as injustiças e desrespeito nos diferentes
âmbitos, como também valorizar os processos educativos como
possibilidades de construir uma cultura de viver os Direitos
Humanos como algo fundamental para a humanidade.

745
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748
Uma análise sobre a educação em
Direitos Humanos nas universidades

Mirian Célia Castellain Guebert1

Resumo

Educação e Direitos Humanos, visam a transformação da


realidade social por meio de processos educativos. Compreender
a inserção da Educação em Direitos Humanos(EDH), a partir da
publicação das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos (DNEDH) no Brasil, evidenciar as temáticas recomendadas
nos cursos de licenciaturas, bem como conhecer o que está sendo
implementada no âmbito da Educação Superior, no que se refere
aos princípios, a caracterização das perspectivas curriculares, a
função social na garantia da promoção da EDH, são inquietações
desse estudo que foi desenvolvido a partir da abordagem
qualitativa, com pesquisa documental dos projetos pedagógicos
de duas IES na cidade de Curitiba-Paraná, Brasil. Dados coletados
das ementas, dos componentes curriculares apresentados nas
matrizes dos cursos de licenciaturas selecionados, sustentaram a
análise do conteúdo que foram subsidiados pelas discussões dos
autores de referência como: Silva (1999), Bobbio (2004), Souza
(2006), Candau (2012, 2013, 2016), Viola (2010, 2013), Ruiz (2014),
Tosi, Zenaide (2016) e nas legislação vigentes sobre Educação em
Direitos Humanos e Educação Superior. Podemos afirmar, a partir
dos achados, que há uma lacuna entre as perspectivas apontadas
nas políticas de EDH e sua efetividade nos documentos públicos
das IES analisadas. Fato que demanda das instituições uma revisão

1. Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná, (1994),


especialista em Educação Especial e Políticas Públicas pela Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul(1998), Mestre em Engenharia da Produção pela Universidade
federal de Santa Catarina(2002), Doutora em Educação, história, Politica, Sociedade
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,(2013), Especialista em Filosofia
e Direitos Humanos Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2016). Atualmente
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas
na Pontifícia Universidade Católica do Paraná-Brasil. mirian.castellain@pucpr.br.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná Programa de Pós-Graduação em Direitos
Humanos e Políticas Públicas.

749
em seus projetos pedagógicos dos cursos de forma atender o
que recomenda DNEDH, considerando sua relevância para a
formação dos formadores, para que promoveram EDH, com vistas
a transformação da realidade, de modo a construir uma cultura de
paz na perspectiva de uma sociedade mais justa e igualitária.

Palavras-Chave: Direitos Humanos. Educação Superior. Formação


de Formadores.

Introdução

As questões dos direitos humanos discutido nos âmbitos


governamentais, internacionais, acadêmicos, movimentos sociais,
nas mídias se caracterizam nas relações dos diversos agentes sociais
com os diferentes contextos, demandam processos educacionais
subsidiados por uma teoria crítica para fundamentar e efetivação
dos direitos civis e sociais por meio do empoderamento e da
liberdade humana.

Direitos humanos dizem respeito a todos os seres e parte


desse entendimento deve ser construído nos momentos e nas
vivências por meio da educação em direitos humanos, entendida
como processo de “construção de uma educação comprometida
com a formação de sujeitos de direito e a afirmação da democracia,
da justiça e do reconhecimento da diversidade na sociedade
brasileira” (CANDAU, 2012, p. 724).

No âmbito das políticas públicas educacionais, as políticas


inclusivas, voltadas à diversidade, vêm sofrendo retrocessos
desencadeados pela pressão conservadora da sociedade que
apontam para uma educação que propõe eliminar a discussão
ideológica do ambiente escolar, restringindo os conteúdos
de ensino a partir de uma pretensa ideia de neutralidade do
conhecimento, dificultando, o debate sobre assuntos emergentes
como igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual,
retiradas do Plano Nacional de Educação pelo Senado em sua
redação final. (BRASIL, 2014).

Neste sentido, ressalta-se a necessidade revelar por meio


científico a implementação das políticas de Educação em Direitos
Humanos, doravante denominada EDH, principalmente no

750
âmbito da educação superior, nos cursos voltados à formação de
formadores, (entendidos aqui como formação de professores),
pilares na formação da sociedade.

A política pública de EDH no Brasil, normatizada com


publicação da Resolução nº 01, de 30 de maio de 2012,
estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos(DNEDH), reafirma o papel significativo da educação
superior para a promoção e implementação de políticas, por meio
do exercício de sua função como agente e condutora da formação
da sociedade, bem como sua responsabilidade social de atuar em
benefício a todas as pessoas.

[...] O processo de traduzir políticas em práticas é


extremamente complexo; é uma alternação entre
modalidades. A modalidade primária é textual, pois as
políticas são escritas, enquanto que a prática é ação, inclui o
fazer coisas. Assim, a pessoa que põe em prática as políticas
tem que converter/transformar essas duas modalidades,
entre a modalidade da palavra escrita e a da ação, e isto é
algo difícil e desafiador de se fazer. E o que isto envolve é
um processo de atuação, a efetivação da política na prática e
através da prática. (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 106).

Neste sentido, ao considerar o Parecer CNE/CP nº 08/2012


(BRASIL, 2012a), que define a Resolução nº 01, de 30 de maio de
2012 (BRASIL, 2012b), prevê, os desafios acerca das Diretrizes
propostas ressaltando que a existência de leis que garantem a
inserção da EDH não basta para que, de fato, a Política Pública
deste tema seja conhecida, reconhecida e vivenciada no ambiente
escolar. Surgem desafios como: a formação de professores em
direitos humanos e a valorização destes profissionais; o fomento
às pesquisas em EDH; o respeito às diversidades como aspecto
fundamental na reflexão sobre as diversas formas de violência
que expressam a negação dos Direitos Humanos; o entendimento
da participação democrática requerida pela EDH; necessidade
de criação de políticas de produção de materiais didáticos e
paradidáticos voltados aos Direitos Humanos; EDH e a relação
com a mídia e as tecnologias da informação e comunicação; e, o
último desafio de acordo com o documento é

751
[...] a efetivação dos marcos teórico-práticos do diálogo
intercultural ao nível local e global, de modo a garantir
o reconhecimento e valorização das diversidades
socioculturais, o combate às múltiplas opressões, o
exercício da tolerância e da solidariedade, tendo em
vista a construção de uma cultura em direitos humanos
capaz de constituir cidadãos/ãs comprometidos/as com a
democracia, a justiça e a paz (BRASIL, 2012b, p. 17).

A presente investigação visa proporcionar reflexões


atinentes ao alcance dos objetivos estabelecidos pelas políticas
públicas de EDH na busca da construção de uma cultura mais
justa no que se refere à condição humana, possível nos cursos
da educação superior, desta forma, compreende-se a relevância
do desenvolvimento de uma pesquisa na qual se torna possível a
verificação dos objetivos propostos pelas Diretrizes Nacionais para
a EDH, assim como a análise da efetividade dessa política pública
nas matrizes curriculares dos cursos de licenciaturas.

Neste estudo foram analisadas duas instituições de


educação superior na cidade de Curitiba, Estado do Paraná-Brasil.

Para sustentar o tema proposto, a pesquisa pretende


responder a seguinte questão: Como se evidenciam as temáticas
recomendadas nas DNEDH nos cursos de licenciaturas de
instituições de educação superior na cidade de Curitiba, Estado do
Paraná-Brasil?

O objetivo geral busca analisar a inserção da EDH, de acordo


com as DNEDH, nos cursos de licenciatura das universidades
selecionadas.

Tal objetivo geral se desdobra nos seguintes objetivos


específicos:

a) Conceituar Direitos Humanos no âmbito universitário;


b) Descrever os princípios que apontem à inclusão da EDH nas
Instituições de Educação Superior – IES;
c) Caracterizar as perspectivas curriculares da EDH como
possibilidade da promoção da educação em direitos humanos;
d) Identificar nas ementas e bibliografias indicadas, a inserção

752
das DNEDH nos cursos analisados.

A pesquisa toma como metodologia a abordagem


qualitativa. A técnica utilizada para a coleta de dados foi a pesquisa
documental que subsidiou a análise de conteúdo realizada, a partir
das nas ementas estudadas, possibilitando encontrar elementos
para refletir sobre a problematização delimitada.

Os documentos analisados passaram por análise para


tentativa de encontrar no conteúdo dos textos estudados,
elementos que possibilitem elaborar argumentos e indicadores
para o entendimentos, de como está sendo implementada as
políticas que versam sobre EDH.

É importante ressaltar o viés interdisciplinar que se procura


abordar quando do tratamento do tema Direitos Humanos,
voltado para a EDH:

Diante da complexidade social e da exigência de uma


reflexão problematizadora sobre a própria realidade social
em constante mudança, não é possível mais compreender
os processos de educar em/para os direitos humanos sem
que se estabeleça um estreito diálogo interdisciplinar
com a constante construção/reconstrução de um saber
específico, porém necessariamente multifacetado. Por
isso, não podemos prescindir desse saber, construído
e constituído de forma interdisciplinar, pois ele é um
importante instrumento de crítica, capaz de impregnar/
despertar mentes e corações, atribuindo, desta forma,
sentido, a práxis humana. É nessa direção que situamos a
Educação em Direitos Humanos (DIAS, 2016, p. 116).

Para a seleção das instituições participantes nessa


investigação, considerou-se o Decreto nº 5.773/2006 (BRASIL, 2006),
que definiu que as instituições de educação superior, de acordo
com sua organização e respectivas prerrogativas acadêmicas,
são credenciadas como: faculdades; centros universitários
e universidades. Observou-se, também, a natureza de cada
instituição, sendo uma pública e uma privada, adiante nomeadas
Universidade 1 e Universidade 2, respectivamente.

753
Quadro 01 - Número de alunos nas Universidades de Curitiba

UNIVERSIDADES LOCALIZADAS EM CURITIBA NÚMERO DE ALUNOS

Universidade 1 pública 24.411

Universidade 2 privada 19.981

Universidade 3 privada 14.557

Universidade 4 pública 9.672

Universidade 5 pública 1.661

Fonte: Adaptado de CENSUP (INEP, 2015)

Optou-se pela utilização da nomenclatura de Universidade


1 e Universidade 2 para fins organização do texto. Os cursos
selecionados para análise documental foram os cursos de
licenciaturas, comuns às universidades (QUADRO 2). São
cursos voltados à formação de professores da educação
básica, ressaltando a necessidade de articulação das políticas
educacionais para os cursos de formação de professores com
políticas de inclusão e estímulo ao reconhecimento e respeito à
diversidade, descritos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos
de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada (BRASIL, 2015).

754
Quadro 02 - Cursos de Licenciatura ofertados em comum pela
Universidade 1 e Universidade 2

CURSOS DE LICENCIATURA EM COMUM ENTRE UNIVERSIDADE 1


E UNIVERSIDADE 2

Licenciatura em Ciências Biológicas


Licenciatura em Ciências Sociais
Licenciatura em Educação Física
Licenciatura em Filosofia
Licenciatura em Física
Licenciatura em História
Licenciatura em Letras – Português e Inglês
Licenciatura em Matemática
Licenciatura em Música
Licenciatura em Pedagogia
Licenciatura em Química
Fonte: A autora (2017)

Para organização dos dados, foram definidas, categorias


que a priori
tem como base os apontamentos e possibilidades da inserção das
DNEDH.

Segundo Oliveira et al. (2003), no processo de investigação


que objetiva a descrição objetiva, sistemática e objetiva do
conteúdo, é necessário considerar a totalidade de um texto,
passando-o pelo crivo da classificação, procurando identificar
as frequências ou ausências de itens, ou seja, categorizar para
introduzir uma ordem, segundo certos critérios, em uma aparente
desordem.

São apresentadas no texto e consideradas para a análise


dos documentos as seguintes etapas de execução: a) Organização
do material de trabalho; b) Definição das unidades de registro; c)
Definição e delimitação do tema; d) Definição de categorias; e)

755
Codagem (enumeração); f ) Análise frequencial.

Os documentos coletados são caracterizados como


projetos pedagógicos de cursos, nos quais constam as matrizes
curriculares, ementas e bibliografias indicadas ou documentos
avulsos como: planos de ensino, ementários e fichas docentes.

O primeiro aspecto a ser considerado na organização e


análise dos dados é o conceito de direitos humanos, entendemos
que estes são reconhecidos internacionalmente, passaram por um
processo de conquistas no âmbito histórico, político e social para
que fossem discutidos da forma como são contemplados hoje.
Direitos humanos “são resultado de lutas históricas, de conflitos
de interesses de ações dos movimentos sociais, do Estado, dos
poderes públicos, das classes e de segmentos heterogêneos e
internos a elas” (RUIZ, 2014, p. 245).

Sobre o estabelecimento dos direitos humanos, Bobbio


(2004, p. 9) defende que:

os direitos do homem, por mais fundamentais que


sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

No âmbito educacional, comumente a sociedade


compreende o termo educação como sendo aquilo que se toma
por aprendizado formal, o processo que acontece na escola.
Porém, deve-se considerar a educação como algo muito mais
amplo. De acordo com o Art. 1 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional

A educação abrange os processos formativos que se


desenvolvem na vida familiar, na convivência humana,
no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais (BRASIL, 1996)

Esta definição amplia o conceito do termo para além do


processo de ensino-aprendizagem, comumente observado em

756
sala de aula, e insere-o como processo e resultado de vivências
e interações no âmbito social. A partir desta perspectiva ampla
de educação, a cultura dos direitos humanos se estabelece no
processo formativo do indivíduo, que se constrói como agente
transformador na sociedade. De acordo com Gallardo (2014, p.
109):

A educação não consiste em uma aula ou textos escolares,


mas em todas as instituições sociais: na família no bairro,
na diversidade dos processos econômicos, na relação com
o Estado e o governo, na governo, na produção simbólica
e na utilização/ apropriação de mediações e alcances.
Vista assim, podemos exigir de toda “aula” o constituir-se
politicamente como espaço potencializador da autonomia
de direitos. [...].

Neste sentido, a educação não apenas como direito, mas


também como instrumento de promoção de direitos, apresenta-
se como uma questão relevante.

Educação em Direitos Humanos

No Brasil, EDH vem sendo discutida, principalmente, desde


a década de 1990, advinda do processo de redemocratização
após o período ditatorial, frente à necessidade de “reinvindicação
dos direitos sociais, econômicos e culturais e, dentre eles, o direito
de educação em direitos humanos, para que cada um se soubesse
sujeito de direito” (VIOLA, 2010, p. 22).

Foi a partir dos movimentos sociais que se iniciou a


construção do projeto para educar em direitos humanos,
questionando os modelos pedagógicos vigentes e suscitando a
formação de movimentos que desencadeariam a elaboração dos
primeiros planos voltados à EDH até as Diretrizes Nacionais para
EDH, publicadas em 2012.

A partir dessa perspectiva, enquanto política pública de


educação, a EDH desenvolve-se no Brasil tendo como objetivo-fim
a formação de crianças e adultos para o reconhecimento de seus
direitos e para a defesa do direito do outro, fundamentando-se na
formação ética, crítica e política do indivíduo, como ser social, de

757
acordo com a afirmação de Silva e Ferreira (2010, p. 81) quanto à
relevância do tema:

[...] desenvolver uma Educação em Direitos Humanos


imbricada no conceito de cultura democrática,
fundamentada nos contextos nacional e internacional,
nos valores da tolerância em relação às diferenças, na
solidariedade, na justiça social, na sustentabilidade, na
inclusão e na pluralidade é urgente, imprescindível e
essencial.

As diferentes perspectivas da EDH, descritas por Vera Maria


Candau (2008, 2012, 2013, 2016), apresentam em seus diversos
estudos sobre a abordagem multicultural dos direitos humanos os
desafios para uma educação para e em direitos humanos, voltada à
perspectiva intercultural e emancipatória, no sentido intercultural
de possibilitar o diálogo entre cultural e emancipatório no sentido
da não perpetuação de paradigmas culturais pré- estabelecidos.

Neste sentido, atendendo à perspectiva intercultural de


educação, a EDH afasta-se do entendimento, muito comum, de
que educar em direitos humanos restringe-se em abordar aspectos
históricos e marcos legais, ou, ainda, abordar pontualmente
temas relacionados a grupos sociais diversificados. De acordo
com Candau (2012b, p. 247):

Não se trata de momentos pontuais, mas da capacidade


de desenvolver projetos que suponham uma dinâmica
sistemática de diálogo e construção conjunta entre
diferentes pessoas e/ou grupos de diversas procedências
sociais, étnicas, religiosas, culturais etc.

Os cursos de formação de professores ganham especial


atenção no documento que determinam as Diretrizes Nacionais
para EDH quando aborda em seu Art. 9º “a Educação em
Direitos Humanos deverá estar presente na formação inicial e
continuada de todos(as) os(as) profissionais das diferentes áreas
do conhecimento” (BRASIL, 2012b, p. 2).

No parecer que subsidia as Diretrizes Nacionais para


EDH, há aproximação com a perspectiva intercultural, quando

758
esclarece como objetivo desta “que a pessoa e/ou grupo social
se reconheça como sujeito de direitos, assim como seja capaz de
exercê-los e promovê-los ao mesmo tempo em que reconheça e
respeite os direitos do outro.” (BRASIL, 2012a, p. 10), ainda que o
texto da resolução não traduza o exposto no parecer em seu Art.
5º.

Tais perspectivas permeiam as políticas educacionais


voltadas à promoção da EDH na educação brasileira, tanto no
âmbito da educação básica, quanto da superior permeando a
formação de sujeitos em diferentes momentos e aspectos da
formação humana.

A Educação Superior

A educação superior, definida pela Lei nº 9.394/1996, é


entendida pela UNESCO (1998, p.1) como todo tipo de formação
e estudo ou formação para pesquisa no nível pós-secundário,
oferecidos por instituições de ensino credenciadas pelo Estado,
exerce papel relevante, tornando-se parte fundamental para
o desenvolvimento cultural e socioeconômico dos indivíduos,
comunidades e nações, atendendo às demandas que a sociedade
exige para o desenvolvimento social e tecnológico.

A inserção da educação superior no Plano Nacional de


Educação em Direitos Humanos (PNEDH) atende ao Programa
Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH), elaborado
pela UNESCO voltado à EDH a ser adotado pelos países signatários,
dentre eles o Brasil.

O PMEDH, em sua primeira fase de ação (2005-2009), teve


como foco a educação básica e o ensino médio. Na segunda fase
(2010-2014), desdobra-se em ações destinadas a promover a
educação em direitos humanos na educação superior.

O PNDH-3 (BRASIL, 2010, p. 184) apresenta na Diretriz 19, os


objetivos estratégicos II e III, que tratam da inclusão da temática
da EDH nos cursos das IES e do incentivo à transdisciplinaridade e
transversalidade nas atividades acadêmicas em Direitos Humanos
estabelecendo metas para o alcance do objetivo proposto:

759
No ensino superior, as metas previstas visam a incluir os
Direitos Humanos, por meio de diferentes modalidades
como disciplinas, linhas de pesquisa, áreas de concentração,
transversalização incluída nos projetos acadêmicos dos
diferentes cursos de graduação e pós-graduação, bem
como em programas e projetos de extensão (BRASIL, 2010,
p.186).

Para tanto, o documento também apresenta ações que


visam ao atendimento dos objetivos propostos. Dentre as ações
previstas, objetivo estratégico II, encontram-se:

a) Propor a inclusão da temática da educação em Direitos


Humanos nas diretrizes curriculares nacionais dos cursos
de graduação. b) Incentivar a elaboração de metodologias
pedagógicas de caráter transdisciplinar e interdisciplinar
para a educação em Direitos Humanos nas Instituições
de Ensino Superior. c) Elaborar relatórios sobre a inclusão
da temática dos Direitos Humanos no ensino superior,
contendo informações sobre a existência de ouvidorias
[...]d) Fomentar a realização de estudos, pesquisas e a
implementação de projetos de extensão sobre o período
do regime 1964-1985, bem como apoiar a produção de
material didático, a organização de acervos históricos e a
criação de centros de referências. e) Incentivar a realização
de estudos, pesquisas e produção bibliográfica sobre a
história e a presença das populações tradicionais (BRASIL,
2010, p. 194-195).

As ações propostas perpassam desde políticas curriculares


a metodologias de ensino trans e interdisciplinar voltadas à
inserção da EDH em todo a educação superior.

Com a publicação da Resolução CNE/CP nº 01 de 30 de


maio de 2012, é dada a responsabilidade da efetivação da EDH,
para as IES, por meio da sistematização das diretrizes em todo o
âmbito dos processos educacionais, de forma a serem observados
os princípios e as dimensões e atingido o objetivo da formação
em direitos humanos.

O Art. 8. das Diretrizes Nacionais para EDH (BRASIL, 2012b),

760
que define que “A Educação em Direitos Humanos deverá orientar
a formação inicial e continuada de todos/as os/as profissionais da
educação, sendo componente curricular obrigatório nos cursos
destinados a esses profissionais” (BRASIL, 2012b, p. 2), articulando
as diretrizes para EDH à elaboração dos currículos dos cursos de
licenciaturas e formação de professores.

Tendo em vista as políticas educacionais no âmbito


da educação superior, nota-se certo avanço na chamada
institucionalização da EDH nas IES.

[...] as Universidades passarão ainda mais a serem


demandadas tanto no que diz respeito à educação inicial
quanto à continuada. Este é o grande problema que as
universidades enfrentam e enfrentarão sempre mais para
atender adequadamente esta demanda; mas é um bom
problema, porque é um problema que nasce do crescimento
da demanda de formação (FERREIRA; TOSI; ZENAIDE, 2016,
p. 72-73)

Em 2015, foram promulgadas, por meio da Resolução nº 2,


de 1º de julho de 2015, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos
de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada (BRASIL, 2015).

Segundo Dourado (2015), a construção dessas diretrizes


são frutos dos esforços do Conselho Nacional de Educação em
conjunto com várias entidades da área, que culminou com a
formação da Comissão Bicameral de Formação de Professores,
formada por conselheiros da Câmara de Educação Superior e
da Câmara de Educação Básica, com a finalidade de desenvolver
estudos e proposições sobre a temática. Em sua mais recente
a essa composição, em 2014, a comissão retomou os estudos
desenvolvidos anteriormente e, alinhados com o Plano Nacional
de Educação vigente, apresentou, em abril de 2015, a consolidação
do documento para aprovação.

É importante ressaltar a menção específica quanto à


educação em e para os direitos humanos:

761
A educação em e para os direitos humanos é um direito
fundamental constituindo uma parte do direito à educação
e, também, uma mediação para efetivar o conjunto dos
direitos humanos reconhecidos pelo Estado brasileiro em
seu ordenamento jurídico e pelos países que lutam pelo
fortalecimento da democracia; além disso, a educação
em direitos humanos é uma necessidade estratégica
na formação dos profissionais do magistério e na ação
educativa em consonância com as Diretrizes Nacionais para
a Educação em Direitos Humanos (DOURADO, 2015 p.304-
305),

A questão de pesquisa define-se: como se evidenciam as


temáticas recomendadas nas DNEDH nos cursos de licenciaturas
nas universidades do da cidade de Curitiba- Paraná, Brasil?

Foram selecionadas para o desenvolvimento da pesquisa


as universidades de Curitiba com maior número de estudantes,
sendo uma de natureza pública e a outra privada. Optou-se pela
utilização da nomenclatura de Universidade 1 e Universidade 2
para fins organização do texto.

A Universidade 1 se caracteriza como uma instituição


pública federal. A partir de sua descrição em seu sítio eletrônico,
a IES foi fundada em 1912, sendo federalizada no ano de 1950.
Atualmente, possui diversos campi no Estado do Paraná, nos quais
estão distribuídos cursos graduação, cursos de pós-graduação e
programas de pós-graduação strictu sensu.

A Universidade 2 se caracteriza como uma universidade


privada, sem fins lucrativos, comunitária e filantrópica. A partir de
sua descrição em seu sítio eletrônico, a universidade é descrita no
perfil institucional como uma instituição criada há 58 anos, com
sede em Curitiba, tendo expandido sua atuação, a partir de 1998,
com a criação de quatro novos campi em diferentes cidades do
Estado do Paraná.

Com a pesquisa, propõe-se identificar nas matrizes


curriculares e ementas das disciplinas dos cursos de Licenciatura,
de oferta comum pelas Universidades 1 e 2, de que forma as
DNEDH estão presentes nos cursos analisados.

762
Para atendimento de tal objetivo, buscou-se por meio da
análise de conteúdo das ementas das disciplinas presentes nas
matrizes dos cursos: se existe a temática da EDH nos documentos
e, em caso afirmativo, de que forma está inserida.

A análise dos dados buscou ter como referência a inserção


da EDH nas matrizes curriculares, sob qual a concepção teórica se
assume essa temática e seus possíveis indicadores de efetivação
das ações propostas.

No intuito de sistematizar a identificação da temática


nos documentos analisados, utilizaram-se como categorias os
princípios apontados pela Resolução nº 1, (BRASIL, 2012b), sendo
eles: Dignidade humana; Igualdade de direitos; Reconhecimento
e valorização das diferenças e das diversidades; Laicidade do
Estado; Democracia na educação; Transversalidade, vivência e
globalidade; e Sustentabilidade socioambiental. Estes princípios
nortearam a apresentação da temática dos documentos, contudo,
não foram invalidadas outras formas de expressão dos temas no
próprio texto. Assim, diferentes formas de expressão da temática,
identificadas nos documentos serão organizadas nas categorias
que mais se aproximem da sua intencionalidade.

De igual forma, a análise utilizou-se do disposto no parecer


CNE/CP Nº 8/2012 (BRASIL, 2012a), quanto às formas de inserção
da temática na educação superior. Para tanto, estabeleceu-se
como propostas de organização curricular a identificação se os
princípios constam na Matriz curricular de forma transversal,
como conteúdo específico de uma única disciplina ou e de forma
mista.

763
Apresenta-se a seguir, a sistematização das categorias nos
Quadros de Análise das Matrizes por Curso.

Apresentação de quadro de análise


CURSO DE LICENCIATURA - UNIVERSIDADE X
INFORMAÇÕES SOBRE MATRIZ CURRICULAR
Disciplinas da Matriz Disciplinas sem ementa Ementas em que constam
princípios de EDH
OBRIGATÓRIAS

ELETIVAS

TOTAL
QUADRO DE ANÁLISE MATRIZ CURRICULAR
Unidade de
Tema Categorias Disciplinas Obrigatória/Eletiva contexto presentes
nas ementas
Dignidade humana
Igualdade de direitos
Reconhecimento e valorização
PRINCÍPIOS das diferenças e das
PRESENTE DE diversidades
ACORDO COM A Laicidade do Estado
DNEDH
Democracia na educação
Transversalidade, vivência e
globalidade
Sustentabilidade
socioambiental
PROPOSTAS DE ORGANIZAÇÃO
Tema Categorias Proposta de organização
Transversalidade
PROPOSTA DE
ORGANIZAÇÃO DO Ensino Conteúdo específico
TEMA DO ENSINO forma mista

Fonte: A autora (2017)

Ao todo, foram analisadas 22 matrizes de cursos de


licenciatura, sendo 11 cursos pertencentes à Universidade 1 e 11
pertencentes à Universidade 2, totalizando a quantidade 1.911
disciplinas entre obrigatórias e eletivas.

Fato relevante à análise dos dados é que do número total


de disciplinas 530 não apresentam as ementas nos documentos
disponibilizados.

Ao analisar as matrizes curriculares, verifica-se que a


maior parte das disciplinas que não apresentam ementas são

764
caracterizadas como disciplinas eletivas, ou seja fazem parte de
um rol de disciplinas ofertadas aos discentes, que por sua vez,
optam pelas disciplinas de seu interesse e maior conveniência
acadêmica, a fim de cumprir a carga horária total estipulada pelo
curso.

A inserção de disciplinas eletivas nas matrizes curriculares


dos cursos garante ao currículo maior flexibilidade e proporciona
ao discente conteúdos complementares ao exigidos pelas
diretrizes curriculares nacionais de seu curso de origem.

Não raro, as disciplinas listadas como disciplinas eletivas


são provenientes de outros departamentos da universidade
e assim maior possibilidade de não ter sua ementa atualizada
e disponibilizada junto às disciplinas obrigatórias da matriz
curricular, pois não seria responsabilidade do setor do curso
origem do discente elaborá-las.

Outro aspecto evidenciado, acerca do comparativo sobre as


ementas disponibilizadas é o maior número de ementas faltantes
da Universidade 1, 76%, em comparação aos 67% da Universidade
2. Tal dado se justifica pela unicidade das informações coletadas
quando elaboração e atualização do Projeto Pedagógico de Curso.

As 1.379 disciplinas que apresentaram as ementas foram


analisadas, observando-se a presença dos princípios propostos
pela DNEH, sendo que das 731 ementas analisadas da Universidade
1 apenas em 83 ementas foram identificados temas que possam
ser relacionados aos princípios da educação em direitos humanos.
Assim como apenas 82, das 648 analisadas, da Universidade 2
abordavam temas relacionados aos princípios.

A comparação referente à presença de um ou mais


princípios na ementa das disciplinas, entre eletivas e obrigatórias,
das Universidades 1 e 2, podem ser verificadas que os princípios
são abordados, em sua maioria nas disciplinas obrigatórias.

Cabe ressaltar que a evidência de que as disciplinas que


abordam os princípios da EDH são, em sua maioria, disciplinas
obrigatórias, no caso da Universidade 2, chegando a 90%. Tal
dado demonstra que, de acordo, com as ementas apresentadas,

765
os discentes dos cursos de licenciaturas das duas instituições,
obrigatoriamente terão acesso aos temas suscitados pelos
princípios abordados em suas formação acadêmica.

No entanto, é igualmente importante ressaltar que ainda


que o discente obrigatoriamente tenha acesso ao conhecimento
a que propõe a ementa, não consta que serão abordados todos os
princípios da EDH de forma igualitária.

Os princípios da EDH destacados pela DNEH são trabalhados


de forma diversificada, pois ao passo que o princípio da Igualdade
de Direitos, por exemplo, pode ser contemplado nas ementas
de 2,9% das disciplinas da Universidade 1 e 4,1% das disciplinas
da Universidade 2, o princípio da Laicidade do Estado não é
explicitado em nenhuma das unidades de texto analisadas.

As DNEH apontam também, como mencionado


anteriormente, como propostas de organização curricular, a
inserção dos princípios no âmbito do ensino constam na Matriz
curricular de forma transversal, como conteúdo específico de uma
única disciplina ou de forma mista. Após a análise das ementas,
identificou-se que os temas relacionados aos princípios são
abordados de forma mista, ou seja, de forma transversalizada
na matriz curricular, mas também como disciplinas específicas.
A exemplo da disciplina Educação em Direitos Humanos e Meio
Ambiente, presente em 8 dos 11 cursos analisados e que aborda
de forma abrangente os princípios destacados.

Considerações

Com base na análise sobre a inserção da EDH, de acordo com


as DNEDH, nos cursos de licenciatura das universidades estudadas
de Curitiba, Estado do Paraná/BR, torna-se necessário conceituar
direitos humanos no âmbito universitário, considerando que
o conceito suscita inúmeras possibilidades de concepções e de
diferentes significados. Disso decorre a importância de, para
adentrar nas discussões acerca da EDH, primeiramente identificar
o que se entende por direitos humanos e como se configura seu
espaço de reflexão na educação superior.

Outra questão identificada foi a fragmentação dos temas

766
relacionados. Não se trata de defender a disciplinarização da
EDH a fim de garantir sua efetividade, mas sim de transparecer
nas matrizes curriculares EDH enquanto pilar no PPC e não como
temas pontuais. O tema trabalhado em diversas disciplinas
na matriz, mas de forma não relacionada e para além da
interdisciplinaridade, não garante a transversalidade na forma de
organizar o trabalho pedagógico.

O terceiro aspecto está relacionado à EDH, a formação de


professores e o papel da EDH no exercício de sua profissão. A EDH
de forma fragmentada ou apenas enquanto conhecimento dos
marcos-históricos dos direitos humanos não configura garantia
da formação de um educador com as habilidades ou capacidades
para praticar de forma efetiva os princípios dos direitos humanos
no exercício da docência com vista a modificar a realidade social.

Desta forma, pode-se afirmar que este estudo atingiu seu


objetivo no sentido de verificar como se evidenciam as temáticas
recomendadas nas DNEDH nos cursos de licenciaturas nas
universidades da cidade de Curitiba. Com as questões levantadas
após as análises dos dados a pesquisa espera contribuir no
sentido de apontar a necessidade de considerar a EDH como
pilar estrutural da construção dos projetos pedagógicos dos
cursos de licenciaturas, o que exigirá um projeto emancipatório
que permita a construção de conteúdos, metodologias e práticas
emancipatórias que permitirão a EDH nos cursos voltados
à formação dos formadores de uma sociedade mais justa e
igualitária.

Compreende-se que a continuidade dos estudos voltados


à revisão das matrizes curriculares contemplando, a formação
dos professores universitários sobre os fundamentos dos Direitos
humanos, eixo basilar da formação dos formadores como processo
emancipador com vistas a transformação da realidade, de modo
a construir uma cultura de paz na perspectiva de uma sociedade
mais justa e igualitária.

767
Referências

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2004.

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano


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União, Brasília, DF, 05 out. 1988.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.


Parecer CNE/CP nº 8/2012. Dispõe sobre Diretrizes Nacionais para
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Parecer CNE/CES 583/2001. Orientação para as diretrizes curriculares
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BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.


Resolução nº 1, de 30 de maio de 2012. Estabelece Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Diário Oficial
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BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.


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Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior
(cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para
graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação
continuada. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2015

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Brasília, DF, 23 dez. 1996.

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São Paulo: Cortez, 2013.

769
770
CAPÍTULO SEXTO

Educación en Derechos Humanos,


Democracia y Ciudadanía

771
772
A ilusãoda democracia no capitalismo histórico1

Rosãngela de Lima Vieira2

Resumo

Este ensaio, em diálogo com I. Wallerstein e G. Arrighi,
teóricos da abordagem da Economia Política do Sistema-Mundo,
tem como objetivo refletir sobre ademocracia histórica. Ou
seja, observar a democracia concretamente empreendida na
modernidade, com destaque ao centro da economia-mundo
capitalista e suas intersecções no Brasil. Democracia e capitalismo
comumente são conceitos utilizados como indissociáveis, porém
um exame mais profundo, pela EPSM, aponta que essa associação
é indevida, pois a desigualdade social, inerente à sociedade
capitalista, impede a realização efetiva da democracia. Daí o
substantivo ‘ilusão’. No entanto, apontada essa contradição, pode
parecer que se deve buscar outra forma de organização sócio-
política. Mas a percepção é de que, numa análise sistêmica, a
alternativa é lutar por mais democracia, não apenas por uma
democracia liberal representativa e sim por uma democracia para
além do capitalismo, fundada na liberdade e na efetiva igualdade
de direitos sociais, políticos e econômicos. Esta análise contribui
com um parâmetro da educação para a cidadania participativa,
um dos fundamentos da educação em direitos humanos.

Palavras-chave: democracia; capitalismo; EPSM

Inspirado no livro de Wallerstein3 e no de Arrighi4, o


objetivo do percurso a ser apresentado no presente ensaio

1. Parte destas reflexões foi apresentada no XII Colóquio Brasileiro em Economia Política
dos Sistemas-Mundo, ocorrido na UFSC em agosto de 2018; e posteriormente no
XVIII Fórum de Análise de Conjuntura, realizado na UNESP/Campus de Marília, em
novembro de 2018.
2. Docente da Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade Estadual Paulista (UNESP)
/ Brasil.
3. WALLERSTEIN “O capitalismo histórico”.
4. ARRIGHI “A ilusão do desenvolvimento”.

773
consiste emrefletir sobre a democracia histórica, num paralelo ao
capitalismo histórico e à ilusão do desenvolvimento para todos.
Nossa intenção é observarmos a democracia concretamente
empreendida, com destaque ao centro da economia-mundo
capitalista.

Democracia é muito mais do que um termo; de fato é um


conceito, é um sonho... O interesseaqui é ressaltar o seu uso
como um jargão ideológico, utilizado como panacéia de todos os
problemas sociais, políticos e econômicos no moderno sistema-
mundo. Enquanto discurso justificador para ingerências sobre os
demais países, o centro da economia-mundo capitalista oculta a
fragilidade de sua própria situação interna.

Muito embora a população de vários países tenha muitas


vezes se levantado pela democracia, nunca houve uma efetiva
soberania do povo mesmo nos países considerados democráticos.
Aluta histórica por igualdade é o que as classes dominantes
querem evitar, como foi evidente na Revolução Francesa. O lema
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade” foi na prática restringido às
liberdades individuais e o discurso da meritocracia assegurou a
anuência às desigualdades sociais.

Há quem faça a distinção entre a democracia apenas como


regime político e a democracia enquanto estrutura social, ou
seja, uma forma sociopolítica de conviver em sociedade.5 Aqui
será feita uma análise do Estado para demonstrar que essas duas
esferas são indissociáveis.

O fluxo do raciocínio que almejamos desenvolver parte


da observação de que democracia indica necessariamente
a presença do Estado constituído na modernidade. Cabe ao
Estado promover a democracia. De outra forma: cabe ao Estado
ser democrático. Entretanto, o papel do Estado ao longo dos
cinco séculos do capitalismo histórico consistiu em atender aos
interesses capitalistas, negando muitas vezes a vontade popular.

E Fernand Braudel vai mais longe ao descrever a expansão

5. Cf. Chauí, 2017.

774
do capitalismo como absolutamente dependente do poder
estatal. “O capitalismo só triunfa quando se identifica com o
Estado, quando é o Estado.” (1995, p. 64)

Também Wallerstein (2010, p. 68) concorda que, para os


capitalistas, os Estados soberanos são fundamentais, pois

1] Os estados impõem as regras sobre a troca das mercadorias,


do capital e do trabalho, e em que condições podem cruzar
suas fronteiras. 2] Criam as leis concernentes aos direitos de
propriedade dos estados. 3] Criam as regras concernentes ao
emprego e à compensação dos empregados. 4] Decidem os
custos que as companhias devem assumir. 5] Decidem que
tipo de processos econômicos devem ser monopolizados, e
até que ponto. 6] Cobram impostos. 7] Por último, quando
as companhias estabelecidas dentro de suas fronteiras
vierem as ser afetadas, podem usar seu poder no exterior
para influenciar as decisões de outros estados.

E, neste contexto, “A relação entre os Estados com as


empresas é a chave para o entendimento do funcionamento de
uma economia-mundo capitalista” (Idem, p. 69). Ainda Wallerstein
(1985, p. 39) analisa as relações de poder no capitalismo histórico,
questionando:

No capitalismo histórico, como as pessoas e grupos de


pessoas conduziram suas lutas políticas? A política gira em
trono de mudanças nas relações de poder, numa direção
mais favorável para os interesses de alguém, redirecionando
com isso os processos sociais. Sua atividade, para êxito,
requer alavancas transformadoras, que permitam o máximo
de resultados com o mínimo de esforços. A estrutura do
capitalismo histórico foi tal que as alavancas mais eficazes
para ajustes políticos foram as estruturas estatais, cuja
própria edificação foi, como vimos, uma das principais
realizações institucionais do capitalismo histórico. Portanto
não é casual que o controle, e se necessário a conquista, do
poder do Estado foi o objetivo estratégico central de todos
os grandes atores na arena política, ao longo da história do
capitalismo moderno.
É extraordinária a importância crucial do poder do Estado

775
para os processos econômicos, mesmo que os definamos
do modo mais estrito possível, desde que se observe de
perto o funcionamento efetivo do sistema.

Diante disso se impõe uma questão: como pode um Estado


ser capitalista e democrático ao mesmo tempo?

O capitalismo historicamente se realiza promovendo


a desigualdade econômica e de direitos. A acumulação de
riquezas é subjacente à expropriação e à exploração de grupos
e povos. De forma simples: não há enriquecimento de um sem o
empobrecimento do outro.

No moderno sistema-mundo há uma assertiva bastante


comum de que a democracia se realiza nos países do centro do
sistema capitalista. Ou seja, há uma crença generalizada de que
os países centrais, no processo de acumulação de capitais, teriam
se constituído em democracias sólidas como os EUA, a Inglaterra,
a França e a Alemanha.No entanto, não nos parece assim tão
simples, uma vez que investigando de perto a história desses
países pode se perguntar: é possível realmente uma democracia
no centro do sistema capitalista? Se afirmativo: o que de fato
ela é? Como se realiza efetivamente? Eleições são suficientes
para garantir um poder efetivamente democrático? Os dados
históricos apontam que se trata de uma democracia formal que
não equivale à igualdade de direitos para todos no cotidiano da
vida social. A presença da etinização, do sexismo e do racismo,
nesses países, indica claramente essa desigualdade. Vejamos cada
uma delas.

A etinização da força de trabalho mundial realizou três coisas


importantes para o funcionamento da economia-mundo.
Primeiramente, ela possibilitou a reprodução da força de
trabalho, não no sentido de prover renda suficiente para a
sobrevivência dos grupos, mas no de prover trabalhadores
suficientes em cada categoria, a níveis adequados de
expectativa de renda, em termos tanto da quantidade
total quanto das formas que a renda doméstica assumiria.
Além disso, justamente porque a força de trabalho estava
etinizada, sua alocação era flexível. [...]
Em segundo lugar, a etinização forneceu um mecanismo

776
integrador de treinamento da força de trabalho, garantindo
que uma grande parte da socialização nas tarefas profissionais
se realizasse no interior dos espaços domésticos etnicamente
definidos, e não às custas seja dos empregadores de trabalho
assalariado, seja dos Estados.
Em terceiro lugar, e provavelmente o mais importante, a
etnização arraigou a hierarquização dos papéis econômicos-
profissionais, fornecendo a todos um código simples para a
distribuição da renda total, revestido com a legitimação da
tradição. (WALLERSTEIN, 1985, p. 65-66)

E o processo de etinização se imbrica com o sexismo.

O que foi novo sob o capitalismo histórico foi a correlação


entre divisão e valorização do trabalho. Os homens podem
frequentemente, ter executado um trabalho diferente do
das mulheres (e os adultos, um trabalho diferente do das
crianças e dos idosos), mas sob o capitalismo histórico houve
uma desvalorização constante do trabalho das mulheres (e
dos jovens e velhos), e uma ênfase correspondente no valor
do trabalho do homem adulto. (Idem, p. 21)

As lutas das mulheres por direitos iguais se impuseram no


passado e ainda é uma realidade6. Vale lembrar, por exemplo, os
casos mais recentes em Hollywood com as denúncias de assédio
sexual. As questões de gênero e desigualdade de direitos, hoje
expostas no desrespeito às mulheres, apontam a mercantilização
de tudo, do sexo, inclusive, são corpos em proveito do machismo
e da pretensa superioridade de um gênero em relação ao outro.
Tal divisão está também a serviço não apenas da desigualdade,
mas da divisão que hierarquiza e, portanto, justifica a dominação
e a exploração.

Wallerstein aponta que a correlação entre divisão e


valorização do trabalho foi uma inovação que ao mesmo tempo

6. São inúmeros os movimentos, podemos remontar às sufragistas do século XIX, ou


à luta de Marielle Franco no Rio de Janeiro, morta em 14 de março de 2018, crime
parcialmente esclarecido, uma vez que ainda não foram apontados os mandantes
do crime e sua motivação. Ela lutava pelos direitos das minorias que representava:
mulheres, negras e pobres.

777
garantiram o caráter extensivo e limitado da mercantilização do
trabalho. Uma vez que a existência dos não assalariados garante
o limite e o teto dos trabalhadores assalariados e, portanto,
rebaixando os custos de produção e consequentemente a
ascendência as taxas de acumulação.

Os homens podem, frequentemente, ter executado um


trabalho diferente do das mulheres (e os adultos, um
trabalho diferente do das crianças e dos idosos), mas
sob o capitalismo histórico houve uma desvalorização
constante do trabalho das mulheres (e dos jovens e velhos),
e uma ênfase correspondente no valor do trabalho do
homem adulto. Enquanto que, em outros sistemas, os
homens e mulheres realizavam tarefas diferenciadas (mas
normalmente equivalentes), sob o capitalismo histórico o
homem adulto assalariado foi classificado com aquele que
tem o “ganha-pão”, e a mulher adulta como “dona de casa”.
(WALLERSTEIN, 1985, p. 20-21)

Nasce a desigualdade de gênero afirmada pelo trabalho


‘ativo’, ‘verdadeiro’. “Assim se institucionalizou o sexismo. O aparato
legal e paralegal de diferenciação e discriminação de gêneros foi
consequência absolutamente lógica dessa valorização diferencial
básica do trabalho.” (Idem, p. 21)

O racismo foi na mesma direção. A democracia


estadunidense, referência para muitos, sobretudo para eles
que impõem ingerências sobre outros países, é a mesma que
se construiu com o apartheid, no qual muitos de seus estados
mantiveram a população negra segregada por um século após
a abolição da escravidão7. E ainda hoje apresenta características
racistas evidentes. Basta observarmos o comportamento de
muitos policiais com jovens negros; por exemplo, em 2015 foram
346 casos de jovens negros mortos por policiais8.

7. A escravidão é oficialmente abolida nos EUA em 1863.


8. Estes dados são do “Mapping Police Violence”, um site que compila dados colaborativos
sobre a violência policial nos EUA.
A vulnerabilidade das vidas negras não é um fenômeno que tem origem somente
nas ruas. Para Flávio Francisco, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e
especialista em História dos EUA, o racismo no país é institucionalizado e é resultado

778
Há ainda outras ações das chamadas minorias na busca por
igualdade, como a grande mobilização da população LGBT9, dos
hispânicos e, hoje, dos imigrantes em geral.

Constata-se que todas essas minorias se constituem,


se somados, na maioria da população dos EUA em termos
quantitativos, a qual historicamente vem lutando para alcançar
a condição de cidadãos plenos. Ou seja, a soberania do povo
na democracia do centro é a minoria governando a favor dos
seus próprios interesses e excluindo a maioria. E percebe-se
claramente que no capitalismo histórico as diferenças conduzem
à desigualdade e essa é a estrutura de sustentação do próprio do
moderno sistema-mundo.

Se internamente evidencia-se a ausência de democracia


plena – uma vez que o Estado, a serviço da acumulação, auxiliou
na divisão e na diferenciação social para facilitar a exploração –
como esse Estado se comporta na relação com outros Estados?
No campo externo democracia é justificativa para intervenções e
subordinação aos interesses de dominação econômica.

Wallerstein aponta o aparato ideológico no discurso ‘de


que se trata de governos não democráticos’, que fundamenta
ingerências e invasões militares, como no caso dos Bálcãs e do
Iraque.

Portanto, reafirmamos que o centro hegemônico não se


constitui internamente numa democracia plena e da mesma
forma não se relaciona com as demais nações de forma
democrática, embora utilize a democracia como justificativa para

de uma evolução observada após o final do segregacionismo em 1964.


Até então, a lei permitia a segregação racial, excluindo negros de locais e serviços
públicos em favor dos brancos e atuando com discriminação e opressão. Com o
fortalecimento do movimento dos direitos civisnas décadas de 50 e 60, a comunidade
se organizou em protestos, pedindo por direitos iguais. “Lideranças como Martin
Luther King chamavam a comunidade para boicotes a serviços públicos e para marchas
pacíficas contra violência policial.”<https://exame.abril.com.br/mundo/entenda-a-
crescente-tensao-racial-e-violencia-nos-eua/> Acesso: 01 ago.2018.
9. Dentre muitas lutas, destaque para Harvey Bernard Milk, ativista pelos direitos dos
homossexuais, responsável pela aprovação da lei dos direitos dos gays na cidade de
São Francisco, na qual foi representante entre 1977 e 78. Foi assassinado em novembro
de 1978.

779
intervenções militares e outras ingerências políticas. Por exemplo,
o Orientalismo10, como uma prática, que impede o Oriente de
representar-se a si mesmo, cria estereótipos a partir de casos
particulares e muitas vezes excêntricos. Decodifica com lentes
eurocêntricas o que lhe é alheio e, portanto, homogeneíza as
diferentes culturas.

Nessa mesma ótica, podem ser utilizados para analisarmos


os grupos excluídos das próprias sociedades consideradas
democráticas, ou seja, também não representam a si mesmos, na
sua diversidade e identidade.

Na retórica se deve levar a democracia aos povos11 e assim


legitimar a intervenção e a não soberania. Mas qual democracia?
Aquela vivenciada internamente num país altamente excludente?
E que desde a posse de Donald Trump como presidente12, vem
afligindo os imigrantes – principalmente latino-americanos – de
forma brutal e inusitada?

Ora, uma sociedade altamente excludente no plano


interno e intervencionista nas relações internacionais pode ser
considerada democrática em seu sentido mais profundo? E
Wallerstein (2007, p. 58) responde:

[...] realizar eleições das quais vários partidos ou facções


pudessem participar com um mínimo grau de civilidade
[...]. Essa é uma definição bem limitada de democracia. [...]
No entanto, quando democracia quer dizer algo mais
amplo, como o controle genuíno da tomada de decisões
pela maioria da população na estrutura governamental, a
capacidade real e constante de qualquer tipo de minoria
exprimir-se política e culturalmente e a aceitação da

10. Oriente visto sob a ótica do ocidente.


11. [...] em nossa “guerra contra o terrorismo” após o 11 de Setembro, continuamos a ouvir
justificativas equivalentes para a agressão e o domínio militar: que esteve previnem
um mal terrível cometido por outros; que o efeito da iniciativa militar será levar a
“democracia” a povos que não a têm e que, portanto, a longo prazo será para o bem
deles, ainda que a curto prazo sofram as conseqüências da guerra e da dominação.
(WALLERTEIN, 2007, p. 112)
12. Cuja própria eleição foi questionada, seja pelo uso de fakenews, seja pelo envolvimento
do FBI, e até mesmo da Rússia.

780
legitimidade e da necessidade constante do debate político
aberto, parece bastante claro que essas condições precisam
amadurecer internamente nos diversos países e regiões [...].

O percurso realizado até aqui tentou apontar que, no


centro do moderno sistema-mundo, a democracia é um engodo.
Na realidade o discurso da democracia serve como justificativa
para a maioria aceitar o que foi de fato decidido e imposto pela
minoria. E também pode verificar que nos países do centro não
existe uma íntima e necessária relação entre democracia política
e social. O modelo de democracia baseado na meritocracia como
justificativa para as desigualdades econômico-sociais aponta para
o vínculo indissociável entre a acumulação de capitais e o Estado
moderno.

O capitalismo se caracteriza pela exploração e pela


desigualdade, logo como em seu bojo é possível realizar plenamente
a democracia política e social? A desigualdade é estrutural no
moderno sistema-mundo.

Por isso, voltamos a afirmar: democracia política e


democracia social, na hierarquização do modelo pan europeu
histórico, é retórica. O discurso de que há democracia no centro, e
não democracia na periferia e em parte na semiperiferia constitui-
se num sofisma. No centro do moderno sistema-mundo não existe
realmente democracia, pois não há possibilidade de controle da
tomada de decisões pela maioria, – democracia política – como
apregoa Wallerstein13, e o próprio capitalismo histórico produz
desigualdades econômicas e impossibilita democracia social.

A desigualdade e hierarquização sócio-econômicas do


moderno sistema-mundo impedem a democracia plena. O
modelo ideal construído historicamente – homem, branco,
esclarecido, cristão e proprietário – exclui a priori as mulheres,
os não brancos, aqueles que professam outra religião ou os
simplesmente são ateus e os despossuídos. Enfim, as diferenças
em relação ao modelo são marcas de inferioridade – apregoada
até pelos filósofos – no mercado de trabalho e na convivência

13. WALLERSTEIN, 2007, p. 58

781
cotidiana. Essa é a dinâmica da democracia no capitalismo
histórico.

Destarte, é comum, nas discussões acerca da Economia


Política dos Sistemas-Mundo (EPSM), ficar a impressão de que
estamos numa situação sem saída, pois ao observarmos a
realidade pelo prisma histórico na longa duração, o moderno
sistema-mundo demonstra as inter-relações existentes na
manutenção do próprio sistema. Por outro lado, não se pode
olvidar da afirmação e reafirmação que Wallerstein oferece para
os movimentos antissistêmicos. Na obra “Análisis de sistemas-
mundo”, ele enfatiza a importância do espírito de Porto Alegre,
referindo-se ao Fórum Social Mundial, no qual ele destaca a
luta pela liberdade e igualdade como o fundamento de todo e
qualquer movimento antissitêmico.14

O percurso aqui desenvolvido prima por refletir sobre a


democracia histórica, apontando suas mazelas e sua inexistência
plena, pode parecer que se deve propor outra forma de se
fazer política. No entanto, desejamos destacar o contrário. Ser
antissitêmico é, entre outras coisas, lutar por mais democracia:
uma democracia com mais participação e mais igualdade social.

No Brasil, as lutas por igualdade de gênero e


principalmente a racial ganham contornos muito explícitos, pois
o longo período de escravidão (quase quatro séculos) e o tipo
de abolição(explicitamente conservadora) explicam os séculos
de exclusão da maioria da população negra. Os obstáculos
para superação dessa desigualdade podem ser observados, por
exemplo, na dificuldade de se empreender o sistema de cotas nas
universidades e na implantação da lei 11.64515 na educação, que
aliás, foi revogada como obrigatória, em 2018.

Aqui ainda impera o mito da democracia racial. Contudo,


segundo o IBGE16, em 2016, 54,9 da população brasileira é

14. Idem, 2010, p.120.


15. Lei 11.645/2008, obrigatoriedade de história e cultura afro-brasileira e indígena no
Ensino Fundamental e Médio no Brasil.
16. In: <https://www.ibge.gov.br/>.Acessoem:01ago. 2018.

782
composta de negros ou pardos. Mas 64% dos presos são negros
ou pardos, e menos de 20% das vagas no Congresso Nacional são
deste grupo.

Já as mulheres são a maioria, 51,6% da população,


entretanto elas ocupam somente 10,5% das vagas na Câmara
de Deputados e 16% no Senado. Portanto, no caso brasileiro há
uma dinâmica “democrática” muito mais perniciosa, a qual se
pode apontar como antidemocrática. “Ora, a sociedade brasileira
é estruturalmente antidemocrática porque é estruturalmente
violenta, hierárquica, vertical, autoritária e oligárquica.” (CHAUÍ,
2017, p. 2)

Segundo Marcelo Braz, em momento de crise,


principalmente política podemos vir a cair em duas possíveis
tentações:

“– Primeira: a de subestimar a democracia, mesmo que


burguesa.
Sabemos que qualquer forma de república democrática
é melhor que qualquer forma de ditadura. Seja qual for a
estratégia política que adotamos, é na democracia que
reunimos mais condições para avançar, lutar, resistir.
Por isso, temos que denunciar qualquer tipo de recuo
democrático como o que estamos vendo no momento. E
não apenas por causa do impeachment, porque ele não é o
único recuo democrático que estamos presenciando. Como
veremos mais adiante, ele apenas é um atalho para mais
recuos democráticos que estão se desenhando em todos os
níveis da sociedade brasileira.
– Segunda: a de superestimar a democracia burguesa.
A democracia tem seus limites. Justamente porque é (e
sempre será) democracia acompanhada por um adjetivo que
lhe é inseparável (que, por ser-lhe inseparável, é-lhe quase
um substantivo): a democracia é democracia burguesa!
Que por ser restrita ao âmbito da sociedade capitalista
não propicia uma participação real da massa do povo na
direção/gestão do Estado, porque se esgota nos seus limites
formais. É uma das formas políticas dessa sociedade. É capaz
de promover alguns níveis de socialização da política, mas
jamais poderá levar à socialização do poder político.”(BRAZ,

783
2017, p. 90)

Na história do Brasil, além do longo processo de conquista


do direito ao voto, dos vários golpes de Estado e da dificuldade
de um presidente eleito concluir seu mandado, temos que
enfrentar a luta pela igualdade social e de direitos para a maioria
da população. A busca pela democracia plena passa por todas
as tarefas antissistêmicas que pudermos empreender para uma
nova estrutura social realmente democrática.

E na atualidade vivemos uma crise global e uma crise


antidemocrática no Brasil, a qual tem uma relação íntima com
a outra. Já em 2017, Braz apontava para o potencial risco da
ascensão do conservadorismo reacionário.

Mas o central aqui é que o consenso burguês está na


necessidade de acelerar contrarreformas profundas que
atendam a quatro objetivos centrais (todos contemplados
nas medidas que já tramitam no Congresso Nacional e que
devem ser aceleradas):
- recolocar o Brasil (e a América Latina) na área de influência
prioritária dos Estados Unidos no sentido de retomada, em
condições ótimas, da sua dominância imperialista em nosso
subcontinente;
- reduzir os custos do trabalho no país e aumentar a
produtividade média do trabalho com base em novas
formas de combinação de mais-valia relativa (incremento
tecnológico para reduzir trabalho necessário e baratear a
reprodução social da força de trabalho) e mais-valia absoluta
(sobretudo via flexibilização das relações trabalhistas com
vistas a atacar as formas de proteção social do trabalhador);
- implementar uma cruzada conservadora e reacionária
contra os avanços sociais no campo das “minorias” como
forma de promover um retrocesso cultural e ideológico no
país;
- readequar as políticas sociais a um novo programa
neoliberal mais radical de modo a criar condições para
um ciclo profundo de políticas de austeridade fiscal que
pesarão sobre os trabalhadores.
Por tudo isso, o momento é grave. (BRAZ, 2017, p. 95)

784
Com as eleições de 2018 o caminho para um governo
reacionário se abriu amplamente. Tratando aqui de democracia
história, impõe-se a necessidade que apontar que tal ascensão de
um poder conservador com posturas autoritárias se deu por meio
de eleições, do voto! O que novamente nos remete a questionar
a própria democracia. Por outro lado, a argumentação de Marcelo
Braz traz elementos para uma primeira análise do resultado
eleitoral, que entre outros fatores, de deveu ao esforço daqueles
que capitanearam os interesses corporativos e financeiros –
internos e externos – de se apoderar do Estado e de seus fundos
públicos, garantindo assim a maximização dos lucros em época
de crise das taxas de acumulação.

E a democracia? No caso brasileiro além de apresentar


os dilemas e percalços da própria democracia, ainda o país é
completamente dependente dos interesses centrais, e por isso
enfrenta também a necessidade de servir aos interesses de
acumulação daqueles capitalistas. A democraciaé a

Forma sociopolítica que busca enfrentar as dificuldades


acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e
da liberdade e a existência real das desigualdades, bem
como o princípio da legitimidade do conflito e a existência
de contradições materiais introduzindo, para isso, a ideia
dos direitos (econômicos, sociais, políticos e culturais).
Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade,
entrando no espaço político para reivindicar a participação
nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos.
Estes são novos não simplesmente porque não existiam
anteriormente, mas porque são diferentes daqueles
que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos,
novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser
reconhecidos por toda a sociedade. (CHAUÍ, p. 18)

A democracia, a que aspiramos, requer ampla participação


popular, que sua vontade se transforme em atuações concretas nas
várias esferas do poder, inclusive na mídia, e por fim que o acesso
aos bens sociais, econômicos e culturais satisfaça as necessidades
coletivas e plurais. Para isso, o caminho viável aponta, entre outras
coisas, para a educação em Direitos Humanos na construção de
uma cidadania ativa. Sentir-se sujeito de direitos e da construção

785
histórica do processo de superação dos limites da democracia
burguesa.

Assim a democracia transcenderá o capitalismo. E nesse


processo ela não será mais uma ilusão.

Referências

ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. [Trad. Sandra G. T.


Vasconcelos]. Petrópolis: Vozes, 1997.

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo:


séculos XV-XVIII. [Trad. Telma Costa]. São Paulo: Martins Fontes,
1995.

BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do capitalismo. [Trad. Carlos da


Veiga Ferreira]. Lisboa: Teorema, 1985.

BRAZ, Marcelo. O golpe nas ilusões democráticas e a ascensão do


conservadorismo reacionário, <http://dx.doi.org/10.1590/0101-
6628.095>, Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 128, p. 85-103, jan./abr.
2017.

CHAUÍ, Marilena. Comunicação e democracia, PAULOS – Revista de


Comunicação da FAPCOM, v. 1, n. 2, 2017. p. 17-32.

WALLERSTEIN, I. Análisis de sistemas-mundo. Una introducción.


[Trad. Carlos Daniel Schroeder]. México: Siglo XXI, 2010.

WALLERSTEIN, I. O universalismo europeu: a retórica do poder.


[Trad. Beatriz Medina]. São Paulo: Boitempo, 2007.

WALLERSTEIN, I. O capitalismo histórico. [Trad. Denise Bottmann].


São Paulo: Brasiliense, 1985.

786
Reflexiones sobre una experiencia de
capacitación a distancia en Derechos Humanos
para funcionarios públicos

Lic. Margarita Navarrete1


Mag. María Celia Robaina2

Resumen

Los artículos 8 y 9 de la Declaración de las Naciones Unidas
sobre educación y formación en materia de derechos humanos
(A/RES/66/137) otorgan una competencia especial a los Estados,
respecto a la formulación, desarrollo, ejecución y seguimiento
de planes de educación en derechos humanos y una particular
participación a las instituciones nacionales de derechos humanos.
La Institución Nacional de Derechos Humanos y Defensoría del
Pueblo de Uruguay (INDDHH), una institución estatal autónoma,
dependiente del Poder Legislativo, ha comenzado a desarrollar
propuestas de capacitación a distancia para funcionarios públicos,
a partir de 2018. El propósito de esta ponencia es presentar logros
y desafíos de esta experiencia en la modalidad de educación a
distancia.

Igualmente, se suma a esta presentación, la necesidad de


promover un balance adecuado entre el enfoque operativo y el
enfoque estructural respecto a la labor en educación en derechos
humanos, es decir el monitoreo de los programas de formación y
capacitación en derechos humanos a funcionarios públicos.

Introducción

La Institución Nacional de Derechos Humanos y Defensoría


del Pueblo (INDDHH) es una organización estatal relativamente
nueva en Uruguay. Creada por ley en 2008, se instaló su primer

1. mnavarrete@inddhh.gub.uy. INDDHH
2. crobaina@inddhh.gub.uy. INDDHH

787
Consejo Directivo en 2012 y recién incorporó funcionarios
propios a partir de 2016. La INDDHH tiene como misión principal
“la defensa, promoción y protección en toda su extensión, de los
derechos humanos reconocidos por la Constitución de la República
y el Derecho internacional.”3

Entre sus competencias respecto a la educación en derechos


humanos tienen previsto por ley: “Colaborar con las autoridades
competentes en la educación en derechos humanos en todos los
niveles de enseñanza y, especialmente, colaborar con la Dirección
de Derechos Humanos del Ministerio de Educación y Cultura en los
programas generales y especiales de formación y capacitación en
derechos humanos destinados a los funcionarios públicos”.4

Desde 2018 se vienen desarrollando actividades de


capacitación y sensibilización en derechos humanos destinadas
a funcionarios públicos, incorporándose a la planificación el
desarrollo de una plataforma educativa. Es así que, en 2019 se
diseñó un curso básico sobre Derechos Humanos y el rol de la
Institución Nacional de Derechos Humanos y Defensoría del Pueblo,
dirigido en sus primeras ediciones a funcionarios públicos, de
diferentes reparticiones del Estado, así como también de diversos
lugares de residencia en el país. Se trata de un curso en modalidad
a distancia, de 40 horas. Las reflexiones que siguen, toman en
cuenta la primera experiencia piloto, realizada en el mes de abril
de 2019.

El porqué de los funcionarios públicos como destinatarios

La construcción de una sociedad respetuosa de los


derechos de todas las personas, reconociendo la diversidad,
implica promover una transformación cultural que requiere de
acciones educativas orientadas. Educar en derechos humanos es
una forma de contribuir a fortalecer la construcción ciudadana y
profundizar la democracia.

En este sentido, se entiende que el Estado es el principal

3. Artículo 1° de la ley 18.446, de creación de la INDDHH modificado por la ley 18.806.


4. Artículo 4.N de la ley 18.446.

788
responsable para la concreción y disfrute de los derechos
humanos, por lo tanto, es importante que las personas que
desarrollan funciones ya sea en forma directa o indirecta en el
Estado, contribuyan a la defensa, promoción y protección de los
derechos humanos.

La INDDHH recibe y examina consultas y denuncias sobre


posibles vulneraciones de derechos humanos, en las cuales el
Estado pueda resultar responsable por acción o por omisión. En
varios de los procesos cuasi jurisdiccionales que lleva adelante,
la INDDHH ha realizado recomendaciones sobre la necesidad de
implementar cambios en la formación del personal a cargo, en
diferentes reparticiones de la administración pública.

También los informes periódicos de los órganos de tratados


del sistema universal de protección de los derechos humanos han
realizado diferentes recomendaciones al Estado uruguayo en lo
que tiene que ver con la capacitación a los funcionarios públicos:
eliminación de estereotipos, protocolos de uso de la fuerza,
conocimiento de normas básicas de protección de derechos
humanos, así como buenas prácticas, entre otras.

En su tarea de contralor de la actuación del Estado, las


instituciones nacionales de derechos humanos tienen varios
desafíos por delante, respecto a la articulación de propuestas
de capacitación con otros organismos que tengan competencia
específica, para el desarrollo de propuestas de capacitación, lo
que se denomina el enfoque operativo. A la vez, el Instituto Danés
de Derechos Humanos identifica la necesidad de desarrollar un
enfoque estructural, procurando que se desarrollen planes y
políticas de educación en derechos humanos, procurando enfatizar
el monitoreo de los programas de formación y capacitación en
derechos humanos a funcionarios públicos.5

5. “GANHRI aprecia la función estratégica mejorada de las Instituciones Nacionales


reconocidas en la Resolución, que incluye trabajar estructuralmente para el avance de
políticas eficaces en educación en derechos humanos”, declaración realizada en 2016
en el 31º período de sesiones del Consejo de Derechos Humanos.

789
Desarrollo de la experiencia:

Se diseñó un curso básico, en modalidad a distancia, con


actividades asincrónicas, de 40 horas, durante un mes. En la
primera edición, como experiencia piloto, se organizaron dos
grupos con un promedio de 30 personas por grupo, cada uno a
cargo de una tutora/facilitadora.

Se propuso como objetivo general: Contribuir a la


formación de las personas que desarrollan funciones en el Estado,
brindándoles herramientas para la defensa, protección y garantías
de los derechos humanos.

Se trabajaron los siguientes Contenidos: - ¿Qué entendemos


por derechos humanos? La Declaración Universal de Derechos
Humanos y la integración de nuevos derechos. Los Derechos
Humanos como conquistas. Características de los Derechos
Humanos. La mirada de los Derechos Humanos desde la INDDHH.
- Dimensión Subjetiva de los Derechos Humanos. Derechos,
Deberes y Garantías. La dimensión subjetiva. Paradigma de los
Derechos Humanos, conciencia humanitaria y empatía. Deberes.
Responsabilidades. Obligaciones. Obligaciones del Estado.
Garantías de los Derechos Humanos. - La Institución Nacional de
Derechos Humanos como Garantía. Las instituciones nacionales
de derechos humanos. Características principales de la INDDHH.
Principales competencias desarrolladas. La atención de consultas
y recepción de denuncias. - Tarea Final. Cada participante debía
realizar un breve trabajo final de reflexión que relacionase los
aprendizajes con su labor diaria.

Las herramientas pedagógicas fueron: textos elaborados


por la INDDHH, bibliografía, videos informativos, videos
testimoniales, Foros de discusión, Foro de preguntas y respuestas,
Cuestionarios de autoevaluación de asimilación de contenidos.

Aprendizajes a partir de la experiencia piloto

Logros

- La posibilidad de llegar a prácticamente todo el país y


a varios organismos públicos al mismo tiempo. Lo que

790
produjo enorme riqueza en el intercambio entre los
participantes, porque aportaron conocimientos sobre los
procedimientos, servicios y herramientas de los diferentes
órganos del Estado.
- Los contenidos fueron valorados muy positivamente.
A pesar de ser un curso básico, la mayoría valoró haber
encontrado aspectos novedosos. Se pudo conjugar
distintos aportes disciplinares (históricos, éticos, jurídicos,
psicológicos, sociales, políticos) con una experiencia
vivencial y de reflexión a partir de dos videos testimoniales
(sobre pobreza y sobre mujeres afrodescendientes).
- Uno de los objetivos del curso es que los funcionarios
públicos conozcan las competencias de la INDDHH y se
establezca un mejor intercambio con los organismos. Ese
objetivo se cumplió, porque al tratarse de una institución
muy nueva las personas desconocen el alcance y las
competencias de la misma.
Una estudiante dice: “Leyendo alguno de los materiales del
curso quedé pensando en la visión de la INDDHH:” es la de una
sociedad inclusiva, solidaria, constructora de Democracia,
donde la INDDHH se consolide como un instrumento eficaz
para que el Estado garantice el reconocimiento, ejercicio y
disfrute de los DDHH” y considero que esa visión se podría
lograr a través de la educación.”
- Nos propusimos promover mayor conciencia ciudadana y
sensibilizar en el paradigma de los derechos humanos, así
como también ofrecer conocimientos sobre las garantías de
los derechos humanos. Promover la reflexión en torno a la
responsabilidad del funcionario público en el cumplimiento
de los derechos humanos. Estar más atentos a las posibles
vulneraciones de derechos, denunciando acciones u
omisiones que provocan daños a personas, grupos,
minorías o a la comunidad. A través de las producciones de
los participantes se oberva:
- Una estudiante plantea: “Como docente de Educación
Secundaria consideramos un deber la capacitación y
formación permanente en el área en que trabajamos, no sólo
en pos de mejorar los procesos de enseñanza aprendizaje de
nuestros alumnos sino también para lograr alcanzar objetivos
que contribuyan a: • formar ciudadanos responsables –
para ello deben conocer y asumir cuáles son sus deberes- •

791
construir una sociedad respetuosa de los derechos de todas las
personas-“promoviendo sentimientos empáticos con quiénes
viven realidades distintas a las propias- • promover una
transformación cultural –integrando la dimensión subjetiva
en el abordaje de los dd.hh” en el aula.”
- Otro participante dice: “La empatía con las personas es una
de las principales herramientas de las que puede hacerse la
policía. La confianza en la sociedad, aspecto que ha disminuido
con los hechos del pasado reciente, es fundamental si se quiere
lograr un accionar eficiente y eficaz, y los derechos humanos
parecen ser la clave de un mundo mejor, y la bisagra entre las
instituciones públicas y la sociedad.”
- Otra persona afirma: “Me parece fundamental fortalecer
esta perspectiva en la educación que alienta a las personas
a defender sus derechos y los de los demás y desarrolla la
conciencia de la responsabilidad compartida de hacer de
los derechos humanos una realidad cotidiana. Según lo
establecen las Naciones Unidas, «la educación en materia
de derechos humanos contribuye de manera esencial a la
prevención a largo plazo de abusos».” “Implica poner nuestras
subjetividades en juego, replantearnos constantemente
nuestras prácticas y estar dispuestos y dispuestas a cambiar
conceptos aprendidos hace mucho.”
- Una estudiante concluye: “El elemento que resalto es
que todos debemos promover, proteger y defender los
derechos humanos, y considero que, desde el aula, tengo la
responsabilidad de hacerlo diariamente, sobre todo, de educar
e informar sobre la definición de los derechos humanos,
de las tres generaciones existentes, las características y las
implicancias jurídicas tanto de parte del Estado, como de cada
persona. Más aún porque existen percepciones y preconceptos
sobre el tema derechos humanos, basados en conceptos e
informaciones erróneas o muy limitados.”
- Consideramos acertado haber solicitado a los participantes
como terea final una reflexión que vinculara alguna temática
trabajada en el curso con su práctica cotidiana.

¿Es posible educar en DDHH a distancia?

- Se hace difícil alcanzar una metodología participante en


un curso a distancia. No es sencillo motivar al grupo para

792
que participe en los foros y se produzcan intercambios y
debates entre ellos. Lo que sucede es que los niveles de
participación son muy desparejos, e incluso entre quienes
participan es difícil que se produzcan discusiones.
- Hemos encontrado la dificultad de convocar a encuentros
virtuales, que parecen ser de interés de las personas, pero
luego concurren muy pocos.
- Otro escollo es que la educación a distancia es una educación
predominantemente individual, la persona la realiza a solas,
por lo que no se desarrollan procesos grupales.
- La educación a distancia hace muy dificultoso el trabajo en
procesos actitudinales con las personas. Según Rosa María
Mujica (2007)6, la educación en derechos humanos y en
democracia se orienta al logro de los siguientes objetivos:
a. Promover el respeto y la defensa de la vida y de la dignidad
humana.
b. Propiciar el desarrollo de la identidad personal y cultural y
el respeto por el “otro” como diferente e igualmente valioso.
c. Formar ciudadanos reflexivos y críticos, con poder de
decisión, capaces de participar en la construcción de una
convivencia social democrática, sustentada en el respeto y
vigencia de los derechos humanos.
d. Promover el desarrollo de actitudes, valores, conductas y
comportamientos como el respeto a la persona, la solidaridad,
justicia, libertad, igualdad, tolerancia, participación y otros,
para contribuir a la construcción de una cultura democrática.
e. Promover la participación responsable en la vida social y
política y en las instituciones y organizaciones sociales.
f. Promover el conocimiento reflexivo de las principales
normas e instrumentos legales, e instituciones nacionales e
internacionales que protegen los derechos humanos. (p.25)

Creemos que por tratarse de un curso a distancia estos


objetivos se logran a un nivel muy elemental, más si tenemos
consideramos la escasa duración del curso y su nivel de
profundidad.

6. Mujica, R. M. (2007) ¿Qué es educar en Derechos Humanos? En línea: http://www.


corteidh.or.cr/tablas/r24456.pdf

793
Desafíos

La Educación a Distancia y su aplicación a la educación en


derechos humanos ha tenido una gran extensión y crecimiento en
los últimos tiempos. Permite una mayor inclusión y oportunidades
tal como se vio en esta experiencia.

Sin embargo, la comprensión de la Educación en Derechos


Humanos en los tres niveles que señala la Declaración de las
Naciones Unidas sobre educación y formación en materia de
derechos humanos, “en”, “a través”, “para”, es decir, los contenidos,
el contexto en el que se realicen y las transformaciones que se
puedan lograr, hacen rever la elección de las herramientas que se
utilicen.

Resulta un desafío que los contenidos tengan un nivel


básico pero sustancioso, en el sentido de que llegue a un
público tan variado y logre conformarlo. En esta experiencia la
elaboración de contenidos aparece como un logro importante,
pero las posibilidades de interacción deben ser incrementadas
con actividades sincrónicas, así como la posibilidad de combinar
actividades presenciales –de ser posible- para poder promover
otro tipo de lenguajes y formas de comunicación que puedan
implicar mayores formas de interacción. Por ejemplo, para poder
identificar estereotipos y poder trabajar sobre ellos.

Al mismo tiempo, las propuestas de sensibilización y


educación en derechos humanos en sentido general, deben
prever instancias posteriores de profundización. Uno de los
desafíos importantes es preparar simultáneamente propuestas
de cursos o capacitaciones que habiliten espacios para seguir
desarrollando temas que quedaron abiertos: por ejemplo, sobre
el derecho a la igualdad y la no discriminación; el tratamiento y la
vinculación con sectores vulnerables, los espacios y herramientas
de exigibilidad de derechos.

Igualmente, hay una exigencia fuerte de capacitación de


las/los tutores acerca de las nuevas tecnologías y la utilización de
recursos actualizados. Aunque la brecha digital se presenta entre
los participantes de manera bastante diferenciada en algunos
casos, es una oportunidad también de incorporar la riqueza de

794
nuevas formas de comunicación, cada vez más accesibles.
Otro desafío es la elaboración de materiales multimedia, que sean
adecuados para el desarrollo de aprendizajes. Ciertamente que
hay muchos materiales disponibles en internet, pero muchos de
ellos no son adecuados y requieren de una revisión crítica. Por
otra parte, la producción de audiovisuales implica la reserva de
recursos comunicacionales y económicos, con la que a veces no
se cuenta.

Por último, esta experiencia piloto aportó aprendizajes


también, acerca de la mirada a desarrollar en el monitoreo de los
programas de formación y capacitación en derechos humanos
a funcionarios públicos, que tiene una amplia oferta en el
desarrollo de plataformas educativas. En ese sentido, el desarrollo
de contenidos y la realización de actividades de verificación de
lectura y comprensión intelectual solamente, no basta. Habrá que
prestar especial atención a las posibilidades de desarrollo de la
transversalidad de la perspectiva de la educación en derechos
humanos en las diferentes prácticas.

Conclusiones

En el curso a distancia implementado como experiencia


piloto, al que se hizo referencia en este trabajo, se pueden
reconocer logros y dificultades.

La experiencia cumplió con los objetivos planteados como


actividad de promoción y capacitación en un nivel básico, pero en
opinión de las docentes es necesario propiciar algunas actividades
sincrónicas y si es posible presenciales para el mejor alcance de
aprendizajes significativos. En ese sentido, la propuesta de cursos
presenciales o semipresenciales (o con actividades sincrónicas a
distancia) estaría más acorde para la realización de una propuesta
de educación en derechos humanos.

Conforme al rol único que tienen las instituciones nacionales


de derechos humanos de poder monitorear planes y programas,
sería muy importante combinar actividades de capacitación,
junto a actividades de monitoreo, para poder ajustar un adecuado
balance entre los enfoques operativo y estructural.

795
A função social da empresa na promoção de
Direitos Humanos: a iniciativa privada como
indutora da educação e conservação de direitos

Thiago dos Santos Almeida1

Luciano Meneguetti Pereira2

Resumo

Este trabalho abordará a função social da empresa e a
sua responsabilidade como educadora em direitos humanos
e promotora destes direitos bem como os efeitos possíveis de
uma atitude empresarial respeitadora de direitos individuais e
coletivos a luz do ordenamento jurídico brasileiro e internacional.
Apresentará também como conciliar a busca do lucro e garantia
de direitos humanos fundamentais demostrando a possibilidade
de uma gestão juridicamente humana sem prejudicar as regras
de mercado ou comprometer os lucros da entidade privada
e finalizará com a demonstração de gestões humanitárias e
os efeitos benéficos destas estratégias na melhoria de vida
dos colaboradores e da imagem da empresa no meio social.
Abordando o estigma que há acerca da distância entre os direitos
humanos e o mercado financeiro por parte ainda de uma parcela
menor da comunidade empresarial baseado em estudo de artigos
e doutrinas, informações de organismos oficiais, experiência
empresarial acumulada e já aplicada. Tratar-se-á dos direitos
humanos que protegem a livre iniciativa e dos direitos econômicos
bem como a função da empresa em promover a divulgação e
a aplicação dos direitos humanos aos seus empregados e para
a sociedade e a promoção de um ambiente com promoção de
todos os direitos humanos como o bem estar, a felicidade e o
pleno desenvolvimento aumentam a produtividade e o lucro,
observando os resultados empíricos e teóricos das politicas
empresariais e jurídicas.

1. thiagoalmeidabta@hotmail.com
2. Orientador. Centro Universitário Toledo – Araçatuba/SP, BRASIL.

796
Palavras-chave: função social; direitos humanos; empresas
privadas.

Introdução

Inicialmente a relação entre empresa e direitos humanos


não deve ser enfrentada como uma discussão entre termos
destoantes. Não se trata de uma adequação dos direitos humanos
a empresa ou da empresa aos direitos humanos, trata-se apenas
de um esclarecimento afinal como será demostrado a relação
entre estas áreas é muito mais forte do que se imagina.

A compreensão de direitos humanos nem sempre foi tão


objetiva como se é vista hoje. O conceito passou por uma série de
modificações que tornam o instituto hoje um dos conceitos mais
sofisticados do mundo jurídico o que resultou numa apresentação
moderna do conceito de Direitos Humanos:

Por direitos humanos entende-se os direitos consignados


nos documentos internacionais adotados no arcabouço do
sistema global de direitos humanos das Nações Unidas e nos
sistemas regionais de direitos humanos (interamericano,
europeu, africano). Trata-se de expressão afeta ao âmbito
internacional e que relaciona os direitos suprapositivados
ou supranacionais. (OLIVEIRA, 2016, p. 4)

Portanto os direitos humanos são a positivação internacional


da cobertura de garantias do individuo em todas as áreas de
integração humana, inclusive a econômica. Inclusive a preocupação
de proteção dos direitos econômicos foi claramente exposta no
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
que vigora desde 1976.

As regras apresentadas no presente Pacto são destinadas a


uma série de entidades como o Estado, os organismos internacionais
e claramente as empresas. Por empresário, o ordenamento jurídico
brasileiro no art. 966 do Código Civil assevera que “Considera-se
empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços.” (BRASIL, 2002). Esta definição é muito importante para
delimitar de quem é responsabilidade pela efetivação do plano.

797
Esta responsabilidade é distinta da responsabilidade civil ou
societária da empresa, trata-se da responsabilidade social da
empresa em preservação e divulgação de direitos internacionais.
Enquanto a definição doutrinaria de empresa está embasada
como “uma atividade econômica organizada para a produção ou
a circulação de bens ou de serviços” (RAMOS, 2018, p.29).

No ordenamento jurídico brasileiro uma série de princípios


foram consagrados a fim de direcionar a atuação da atividade
privada, estas disposições encontram-se elencadas no art. 170 da
Constituição Federal do Brasil que no inciso III do referido artigo
alude expressamente a função social da propriedade. A definição
de função social da propriedade apesar dos esforços doutrinários
e jurisprudenciais ainda é muito fluída o que causa certa
instabilidade nas interpretações. Contudo, o renomado jurista José
Afonso da Silva afirma que a função social da propriedade privada
surge em razão da utilização produtiva dos bens de produção,
proporcionando crescimento econômico e produção de riquezas
na forma de um bem-estar coletivo (SILVA, 2005, p. 282). Portanto
quando o texto constitucional afirma que a ordem econômica
é fundada na função social da empresa, o empresário, por estar
inserido neste contexto, tem o dever de proporcionar através da
sua atividade o bem-estar da coletividade e o faz ordinariamente
através da: (1) criação de empego e renda, (2) geração de riqueza
através de tributos e (3) pelo desenvolvimento econômico, social
e cultural do entorno através da adoção de práticas sustentáveis.
Esta terceira prática é a que será aprofundada neste estudo.

Apontamentos Jurídicos Internos e Externos

Como explicitado o empresário através da empresa


tem a função de gerar de forma mais espontânea possível o
desenvolvimento econômico, social e cultural da sociedade em
que a empresa está inserida. O modelo capitalista adotado as
vezes parece ser despreocupado com esta responsabilidade e
focar apenas na geração de emprego e renda afinal a solidariedade
ainda é vista como distante do modelo de capitalismo.

Sabendo da necessidade do empresário de atuar com


catalizador de direitos humanos foi necessário a criação de um
arcabouço estabelecendo parâmetros de atuação da empresa.

798
No âmbito internacional o principal documento a
ser estuda já foi citado, Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Deste documento consagra-se
a noção de direitos humanos econômicos que orbitam na esfera
da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento é
composto por 31 artigos que aludem direitos como o direito a um
trabalho digno, remuneração justa, greve dentre outros.

Os direitos dispostos no Pacto Internacional assemelham-


se muito aos direitos fundamentais econômicos e sociais
apresentados no art. 7º da Constituição Federal do Brasil,
uma diferença bastante significativa é a previsão nos direitos
fundamentais brasileiros a previsão do décimo terceiro salário.
Este dispositivo posto no inciso VIII do referido artigo demonstra
a preocupação do estado brasileiro na proteção do empregado e
na efetivação da remuneração digna.

A preocupação “Empresa/Direitos Humanos” nas discussões


nacionais e internacionais

A noção de responsabilidade empresarial na formação


de um sistema mais protetor de garantias apesar de ainda estar
muito aquém do necessário começou a transitar pelas reuniões e
congressos empresariais do mundo todo. Aparentemente depois da
década de 90 a empresa teve um despertar da sua responsabilidade
social especialmente com a discussão da responsabilidade
socioambiental, portanto o marco mais significativo da noção social
da empresa começa com a ideia de sustentabilidade e impacto
ambiental que a empresa pode gerar.

Neste movimento de trazer a atividade empresarial para


mais próxima dos direitos humanos a OCDE editou uma série
de diretrizes a serem seguidas por empresas internacionais e
multinacionais. Nestas diretrizes há um capítulo específico para
as práticas empresariais em relação aos direitos humanos que
apresentam seis eventos orientadores as empresas externas a
serem seguidas:

Os Estados têm o dever de proteger os direitos humanos.


As empresas deverão, no contexto dos direitos humanos
internacionalmente reconhecidos, das obrigações

799
internacionais de direitos humanos dos países em que operam,
bem como da legislação e regulamentação domésticas:
1. Respeitar os direitos humanos, o que significa que elas
devem evitar a violação aos direitos humanos dos outros
e devem lidar com os impactos adversos aos direitos
humanos com os quais estejam envolvidas.
2. Dentro do contexto de suas próprias atividades, evitar
causar ou contribuir para impactos adversos aos direitos
humanos e tratar desses impactos quando ocorrem.
3. Procurar maneiras de evitar ou mitigar os impactos
adversos aos direitos humanos que estejam diretamente
ligados às suas operações comerciais, produtos ou
serviços por uma relação de negócio, mesmo que elas não
contribuam para esses impactos.
4. Ter uma política de compromisso de respeitar os direitos
humanos.
5. Realizar due diligence sobre direitos humanos
adequada à sua dimensão, natureza e âmbito das
operações e da gravidade dos riscos de efeitos adversos
aos direitos humanos.
6. Prever ou cooperar através de processos legítimos na
reparação de impactos adversos aos direitos humanos
onde elas identifiquem que tenham causado ou
contribuído para esses impactos. (OCDE, 2018)

Merece especial destaque o evento numero cinco das


diretrizes que aponta que as empresas façam uma checagem
prévia acerca da conduta das suas parceiras em relação aos
direitos humanos, este mecanismo é importante para que o
próprio mercado se estabilize e reprima condutas inadequadas e
ilegais de certas empresas além de criar parâmetros de analise do
resultado de suas condutas não apenas com um olhar econômico
mas também social.

No âmbito interno, o Brasil também tem demostrado


interesse na preservação de direitos humanos e fundamentais
por parte das empresas. Os mais recentes documentos nacionais
acerca desta temática são: o decreto 9.571 de 2018, que institui
as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos; e a
portaria nº 350 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos, que institui o código de conduta e de respeito aos

800
direitos humanos para fornecedores de bens e de serviços do
ministério dos direitos humanos.

Apesar da portaria ser aplicada apenas as empresas que


guardam relações empresarias com o Ministério este é um
documento simbólico que delimita a conduta que deve ser
tomada por inspiração de todas as empresas do país.

Enquanto a portaria tem uma aplicação mias simbólica o


decreto possui força cogente. No capítulo III do decreto estão
os artigos que tratam da responsabilidade das empresas com o
respeito aos direitos humanos. É inclusive imprescindível que este
ato normativo seja divulgado a fim de garantir uma fiel execução
do mesmo.

Aempresa como indutora de políticas públicas de preservação


aos Direitos Humanos

Após a exposição dos conceitos fundamentais do trabalho,


a demonstração da importância da discussão e as noções
jurídicas aplicadas no âmbito nacional e internacional. Passar-
se-á a demonstração de como a aplicação das disposições nestes
documentos serão benéficas ao crescimento da empresa e ao
aumento do lucro.

Não é razoável destoar a promoção de direitos e o respeito


dos mesmos da noção de aquisição de lucro e crescimento por
parte da empresa. O lucro é inerente a atividade empresária afinal
a noção de empresa passa justamente pela geração de riqueza
para o Estado, renda para o empregado e lucro para o empresário.

Contudo, não é impossível uma gestão humanamente


responsável com a manutenção de lucro e crescimento da
empresa. Exemplos nacionais e internacionais de empresas que
já entenderam que um ambiente de trabalho amistoso somados
a ferramentas de trabalho adequadas geram um aumento dos
resultados da sua atividade. Estas empresas compreenderam os
valores dispostos para criar um ambiente de trabalho equilibrado
não são gastos ou então imposições, mas são investimentos para
a realização de um trabalho eficiente.

801
Garantir uma maior qualidade de vida nas relações de
trabalho passa primordialmente pela asseguração de direitos
humanos e fundamentais. Portanto, a melhor prática que a
empresa pode adotar para que garanta direitos sem comprometer
seus lucros e ainda aumentá-los é justamente criar um ambiente
de trabalho saudável.

Estudos recentes realizado pela Universidade de Warwick


demonstraram que funcionários felizes são 12% mais produtivos
que os demais. Pode-se então concluir que um ambiente que
promova garantias como saúde e dignidade amplia a rentabilidade
da empresa.

Outra forma de alavancar a produtividade em conjunto


com os direitos humanos é a ampliação da diversidade de
colaboradores. Em noticia recente vinculada pelo jornal brasileiro
A Gazeta do Povo, noticiou que:

O relatório “A diversidade como alavanca de performance”


avaliou mais de mil companhias em 12 países, e mostrou,
ainda, que empresas que apostam na diversidade de
gênero entre seus executivos estão 21% mais propensas a
ter lucratividade acima da média. A pesquisa mediu não
apenas a lucratividade (em termos de lucros antes de
juros e impostos – EBIT), mas também a criação de valor
(ou lucro econômico) no longo prazo. (grifei)

O jornal ainda traz uma perspectiva que deve ser ponderada


por todos os empresários no inicio da notícia:

Investir em inclusão, diversidade étnica, cultural e


igualdade de gênero não é um preceito que tem a ver
apenas com o respeito à dignidade humana, ou com ofertar
oportunidades iguais a todos e melhorar o bem-estar dos
colaboradores. O mundo corporativo está descobrindo que
ter estratégias nesse sentido também faz bem para o bolso
das companhias, além de diferenciá-las em aspectos como
inovação, motivação e liderança.

Com o fim de incentivar as empresas a se organizarem como


colaboradoras dos Estados na promoção e educação em direitos

802
humanos os Estados deveriam criar mecanismos de incentivo desta
conduta. Estes incentivos podem começar desde a preferência
na escolha do processo licitatório, tendo como quesito a atitude
social da empresa, até a isenção fiscal. É bom relembrar que a
arrecadação de tributos faz parte do cumprimento “ordinário” da
função social da empresa e, portanto, a isenção fiscal é uma forma
de mitigar a arrecadação deste tributo, contudo esta quantia que
seria arrecada não será perdida tendo em vista que será revertida
em prol da sociedade, não pelo Estado mas pela empresa.

Para que haja um critério objetivo a definir a conduta social


da empresa, um cadastro oficial coordenado pelo Estado em
parceria com as ONGs de proteção a direitos humanos e a própria
ONU seria uma solução viável. Assim haveria um amplo espectro
de análise da conduta da empresa de natureza objetiva.

Educação Corporativa em Direitos Humanos: um negócio que


da certo

Uma medida que merece especial relevância é são


programas de educação em direitos humanos que podem ser
mantidos pelas empresas.

Como medida de divulgação e fortalecimento das ações


internacionais e em cumprimento das determinações legais
internas e externas. Dispõe o Plano Nacional de Educação de
Direitos Humanos:

[...]
7. firmar convênios com gráficas públicas e privadas, além
de outras empresas, para produzir edições populares de
códigos, estatutos e da legislação em geral, relacionados a
direitos, bem como informativos (manuais, guias, cartilhas
etc.), orientando a população sobre seus direitos e deveres,
com ampla distribuição gratuita em todo o território nacional,
contemplando também nos materiais as necessidades das
pessoas com deficiência; (grifei). (BRASIL, 2007)

Seguindo então esta diretriz, a empresa poderia fomentar


com os seus recursos a elaboração deste material gráfico e
didático para a divulgação dessas empresas. Além de reduzir

803
os custos da administração pública a empresa completa a sua
responsabilidade social.

Atualmente grandes nomes empresarias e empresas com


um aporte financeiro bastante elevado tem mantido institutos
com seus recursos. A exemplo a Fundação Lemann, que foca seus
recursos numa ideia de educação de qualidade e mais inclusiva:

Há 15 anos, trabalhamos por uma educação pública de


qualidade para todos e apoiamos pessoas e organizações
que dedicam suas vidas a solucionar os principais desafios
sociais do Brasil. Somos uma organização familiar, sem fins
lucrativos, e atuamos sempre em parceria com Governos
e outras entidades da sociedade civil, de maneira plural,
inclusiva e buscando caminhos que funcionam na escala
dos desafios do Brasil.

Não é o propósito deste trabalho uma peça de marketing


das instituições citadas. Contudo, é muito agradável notar que
há certo movimento empresarial responsável e que investe
principalmente na área de educação, área tão precária no Brasil.
A Fundação Lemann mantém convênios com universidades
internacionais que oferecem bolsas de mestrado e doutorado
a seus parceiros, um fomento muito interessante a produção
científica acadêmica conciliada com uma especialização a ser
aproveitada pela empresa no desenvolvimento de seus projetos.

Outro exemplo nacional é o Instituto Natura que aplica


parte dos seus recursos no incentivo a produção educacional
especialmente na educação básica. Apesar destas medidas mais
voltadas as crianças, projetos como “Educação para Consultoras
de Beleza Natura” incentivam que suas consultoras retomem
ou continuem os estudos e contava em 2017 já com 90 mil
consultoras atendidas pelo programa.

Conclusão

Pode parecer mesquinha a noção de preservar direitos


apenas para que se aumentem os lucros, mas não é razoável
destoar da noção de lucratividade da atividade empresarial. Não
obstante, é dever dos Estados a promoção, ampliação e proteção

804
de tais direitos enquanto as empresas são apenas colaboradoras
desta tarefa estatal.

Compete ao Estado precipuamente a guarda dos Direitos


Humanos afinal é o Estado o primeiro a contrair a obrigação de
proteger, promover e propagar direitos humanos. A omissão do
Estado é muito mais danosa que a omissão social ou empresarial.

Contudo, apesar da responsabilidade do Estado ser


bem maior que a da empresa, esta não deve ser omissa na
participação social. A empresa deve além das responsabilidades
legais, reconhecer a sua responsabilidade social. É o empresário
aquele que primeiramente promove a qualidade de vida de seus
funcionários e da sociedade em que a empresas está inserida.
Apesar de não ser uma responsabilidade cogente é um dever
moral da empresa demonstrar apreço aos direitos humanos.

A livre concorrência e o livre mercado, pilares da economia


capitalista, são direitos das empresas que devem ser garantidos
pelo Estado e respeitado pela sociedade enquanto a sua função
social é um dos seus deveres, exigível pelo Estado e pela sociedade.

Portanto, a empresa deve reconhecer o seu papel subsidiário,


mas importante na promoção de tais direitos. A empresa apesar
de ainda estar muito ligada a frieza dos números é um setor da
sociedade e como tal sofre os impactos de uma instabilidade
jurídica. Quando há violações de direitos humanos todos os entes
inseridos na sociedade violada sofrem.

Com uma cultura de comprometimento e companheirismo


entre o Mercado e o Estado sem dúvidas o crescimento da
sociedade será esplendoroso. O Estado no âmbito externo
protegendo as empresas e buscando a aplicação correta de seus
recursos sem ser perdulário da fiscalização corporativa. A empresa
no âmbito interno, promovendo qualidade de vida e dinamismo
econômico e protegendo os interesses do seu capital financeiro e
humano sem o preconceito de direitos humanos como custo, mas
sim como investimento e guarda de seus valores. Uma sociedade
forte e saudável e fruto de um Estado forte e saudável com um
mercado forte e dinâmico.

805
Nas palavras do filosofo inglês Roger Scruton:

Um mercado pode fazer a alocação racional dos bens e


serviços somente onde há confiança entre os integrantes,
e a confiança só existe onde as pessoas assumem a
responsabilidade por seus atos e se tornam responsáveis por
aqueles com quem negociam. Em outras palavras, a ordem
econômica depende de uma ordem moral. (2015, p.35)

Referências

BRASIL. Ministério da Economia. Diretrizes da OCDE para Empresas


Multinacionais. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/assuntos/
atuacao-internacional/ponto-de-contato-nacional/diretrizes-da-
ocde-para-empresas-multinacionais. Acesso em: 20 ago. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação em


Direitos Humanos. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-
nacional-pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192.
Acesso em: 20 ago. 2019.

FUNDAÇÃO LEMANN. Somos. Disponível em: https://


fundacaolemann.org.br/somos. Acesso em: 20 ago. 2019.

GAZETA DO POVO. Diversidade é sinônimo de lucro para as


empresas, mostram estudos. Disponível em: https://www.
gazetadopovo.com.br/economia/livre-iniciativa/carreira-e-concursos/
diversidade-e-sinonimo-de-lucro-para-as-empresas-mostram-
estudos-62h9akvjk9zokpn8ry3i52ph5/. Acesso em: 20 ago. 2019.

Oliveira, F.M.G. (2016). Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Método.

Ramos, A.L.S.C. (2018). Direito Empresarial Esquematizado. (8ª


ed.). Rio de Janeiro: Forense.

Scruton, R. (2015). Como ser um conservador. (1ª ed.). Rio de


Janeiro: Record.

Silva, J.A. (2005). Direito Constitucional Positivo. (24ª ed.). São


Paulo: Melheiros.

806
A necessidade de educação em Direitos
Humanos como pressuposto da autenticidade
das eleições diante das fake news

Gabriel Vieira Terenzi1

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo abordar a
necessidade do desenvolvimento da Educação em Direitos
Humanos como forma de garantia de autenticidade das eleições
em um contexto de fake news. A princípio, aborda-se o próprio
conceito de eleições autênticas, por meio da concepção de ser
necessária sua aferição ante a legalidade, finalidade e genuinidade
do voto. Em seguida aborda-se o fenômeno da disseminação
das fake news, e seu potencial de influência à dimensão de
autenticidade substancial dos sufrágios. Finalmente, aborda-
se a educação em direitos humanos, especialmente quanto à
percepção da concessão de legitimidade, como forma de efetivar
eleições autênticas frente as fake news.

Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos; autenticidade


eleitoral; fake news.

Introdução

“Somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as


forças do Estado, segundo o fim de sua instituição, isto é, o bem
comum (ROUSSEAU, 2003, p. 21).

Ao apontar a inalienabilidade da soberania do povo, o


genebrino pensador almejava estabelecer condições de um pacto
legítimo, que possibilitasse, inobstante a servidão inicialmente
imposta, a aquisição de uma liberdade civil.

1. gabrielvterenzi@gmail.com. Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) –


Jacarezinho/PR, Brasil

807
É difícil dizer se aquele autor se veria satisfeito pelo arranjo
social a que chegamos, 3 séculos depois daquele das Luzes, em
que viveu. Fato é que grande parte de suas ideias encontram eco,
se não na prática, ao menos na teoria do pensamento político.

Seria possível discorrer longamente sobre as origens,


concepções, vantagens, possibilidades e desafios das eleições.
Todavia, para os fins do presente trabalho, em se considerando ser
um direito fundamental e universal a autodeterminação, tem-se
como imediata a necessidade de definir-se, com base no ideário
soberano rousseauniano, a autenticidade de um sufrágio, como
predicado de sua aptidão à determinar a legitimidade do governo.

A autenticidade eleitoral

Pensador que quase certamente não se veria satisfeito com


o nosso atual arranjo, John Locke sustentou (2001, p. 468) ser a
comunidade um corpo múltiplo, agindo ante o consentimento
do conjunto de seus indivíduos, cuja direção de movimento seria
determinada pela direção em que fosse aplicada a maioria das
suas forças individuais.

Sob pena de cometer, com os já citados mestres,


anacronismos, quer-se, todavia, ressignificar os conceitos os quais
nos foram deixados. De Rousseau, extrai-se que a soberania não
mais pode ser aferida com base em um atributo inato do monarca,
mas que, antes, emana de uma vontade coletiva, a qual transmite
o poder – e jamais a vontade em si – para o governante. Ademais,
este, assim como o governo (o corpo intermediário estabelecido
entre os súditos e o soberano) precisa realizar os fins daquela
vontade inicial, sendo necessário que a legitimidade “se refaça a
cada instante” (WEFFORT, 2000, p. 196).

Já Locke nos concede que “o ato da maioria passa por ato


do todo e, é claro, determina, pela lei da natureza e da razão, o
que é o poder do corpo inteiro” (LOCKE, 2001, p. 469). Ou seja,
a vontade coletiva dos que deliberam, ao passar pelo crivo da
maioria, vincula os concordantes e discordantes, majoritários e
minoritários.

Daí que a soberania popular transmite poder ao(s)

808
soberano(s) que passam a agir conforme a vontade prevalente,
e essa vontade precisa ser aferida, justamente como forma
de apontar a direção desse agir. Se assim o é para os fins de
legitimidade social do estado, não há razão para que também não
o seja em relação às deliberações eleitorais determinantes de uma
agenda política, nas quais aquele papel de aferição foi atribuído,
atualmente, ao sufrágio.

O tema, embora possa parecer longínquo, resta, em verdade,


estritamente associado à matéria dos Direitos Humanos. Diante
de sua universalidade, a todos deve ser concedida salvaguarda
à autodeterminação, por meio da possibilidade de interferência
efetiva ao processo político como forma de influência ao governo
e de delimitação de competências (RAMOS, 2017).

Não é de se espantar, assim, que o conceito tenha sido


recepcionado pelos mais relevantes instrumentos de salvaguarda
internacional do ramo. Nessa toada, as disposições da Convenção
Americana de Direitos Humanos, artigo 23, item b, e do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 25, item b,
os quais garantem a todo cidadão o direito “de votar e de ser
eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio
universal e igualitário” por meio de voto secreto, que garanta a
manifestação da vontade dos eleitores.

O que se pretende é uma arena de genuína concorrência


de diferentes convicções políticas, as quais – espera-se – sejam
escolhidas em um patamar de igualdade. Ocorre que, nesse
embate, faz-se necessário que nada além do consentimento dos
indivíduos determine o resultado dessa decisão coletiva, ou seja,
naquela analogia lockeana, o copo político “não pode mover-se
em uma direção que ninguém tenha oferecido” (WALDRON, 2010,
p. 173).

Assim, não basta que aquele poder soberano do povo


seja externado e aferido (como atualmente, pelo sufrágio). É
imprescindível que o procedimento pelo qual se afere aquela
vontade seja legítimo, honesto, genuíno, ou o resultado extraído
deixará também de o sê-lo. Mais ainda, a fim de alcançar-se essa
autenticidade do procedimento de eleição deve-se levar em
conta que a direção apontada pela maioria deve corresponder

809
integralmente à direção na qual o corpo se dirigirá.

Em contrário, caso os indivíduos julguem, por exemplo,


estar impelindo o corpo em uma direção, enquanto em verdade
o impulso daqueles o impele em sentido contrário, perde-
se a equação entre a vontade do povo – a qual não poderá ser
tida como autêntica –, e o seu resultado, que não será legítimo
(MACHADO, 2018).

Essa noção, eminentemente filosófica, torna-se necessária


para evitar uma concepção rasa da autenticidade. Caso o que se
buscasse fosse apenas o estrito cumprimento de uma minúcia
procedimental, outros poderiam ser os vetores de uma eleição
“legal”. Ao buscar-se, por outro lado, pleito autêntico, em especial
um que seja apto a determinar uma preferência majoritária que
deve vincular a coletividade, avaliação mais profunda deve ser
empreendida.

Não mais basta, para satisfazer a coletividade, um


procedimento eletivo conhecido, mas sim uma empreitada
transparente e zelada, na qual, pelo acesso fidedigno às opções e
pela aplicação confiável das normas, seja possível acatar a decisão
prevalente. Nesses termos, tem-se incumbido ao ordenamento
jurídico a garantia dessa atribuição da intenção individual
genuína, aferida coletivamente e ordenada pela maioria, ao
autêntico eleito.

Daí emana a noção de que a legislação eleitoral, em relação


ao preceito de autenticidade “debe ser considerada como una
proyección del mismo, debiendo, por lo tanto, ser interpretada a
la luz de sus postulados fundamentales” (CONDE, 1991, p. 14).

A fim de efetivar essa distinta visão, sustenta-se que a


autenticidade do sufrágio se faz aferir por três dimensões distintas
e cumulativas, sendo certo que o atendimento a qualquer uma
destas, sem a adequação às demais, não conferirá legitimidade à
eleição.

A princípio, compreende-se evidentemente como


pressuposto de qualquer pleito autêntico, a sua obediência à
legislação aplicável. A fim de que um sufrágio receba tal atributo,

810
deve este proceder em todas suas fases em fiel observância do
que determinam as normas jurídicas que o regulam.

Também evidente que o desrespeito, por parte de um


candidato, por exemplo, a qualquer norma não determinará
automaticamente a decretação de que toda a eleição foi
inautêntica. O que diferencia um pleito legítimo daquele em que
a autenticidade deixou de emanar, nesta primeira dimensão, é o
respeito à própria previsão legal do trato das eventuais nulidades.

É pertinente que a observância que se tem em mente deve-


se dar não só quanto às normas legais e constitucionais aplicáveis
ao tema, mas também aos tratados internacionais de Direitos
Humanos que tutelem procedimentos eletivos.

O fiel cumprimento das normas, todavia, embora necessário,


não é condição exclusiva de autenticidade, já que a ideia de “é
bem mais ampla e sutil, pois já pressupõe essa adequação, isto é,
pressupõe a legalidade” (GOMES, 2018, p. 87).

Portanto, em uma segunda dimensão, é indissociável a


qualquer pleito autêntico que o mesmo seja capaz de determinar,
dentre uma pluralidade de opções (candidatos; partidos;
ideologias) aquela que prevalece como uma significativa
representação fiel da intenção coletiva (VARGAS, 2009).

Desse modo, qualquer eleição que, embora cumpridos


rigorosamente os procedimentos legais, ainda assim atribua a
qualidade de eleito a outrem que não aquele o qual preponderou
junto ao conjunto de votantes, será inautêntica.

Atualmente, com o benéfico estabelecimento, por tratados


internacionais de Direitos Humanos, de normas que contemplam
também os direitos políticos, as possibilidades dessa modalidade
de quebra de autenticidade minguaram. Todavia, as eleições “de
fachada” ainda residem no horizonte de possibilidades, sendo,
por obviedade, despidas de legitimidade.

Finalmente, possuindo maior relevância para os fins do


presente trabalho, tem-se como última – e certamente mais
difícil – dimensão de aferição, a necessidade que subsista uma

811
autenticidade substancial na intenção do votante.

Retomando-se a analogia revisitada do corpo lockeano, a


movimentação deste só se dará como resultado do consentimento
coletivo de que a intenção prevalente – ainda que esta contraste
com eventuais concepções individuais – será aceita como a
intenção total, a qual porá o corpo em movimento.

Esse consentimento somente se sustenta com base na


premissa de que as vontades sejam genuínas. Caso a intenção
daqueles que comigo concordam seja deslegítima, isso põe em
risco a nossa (a minha) posição. Caso a intenção daqueles que
comigo discordam não seja genuína, não me submeterei à sua
vontade, se vencido.

O que se conclui é que a tomada de decisões, por parte


dos eleitores precisa ser voluntária, bem como preservada em
sua genuinidade. Por óbvio, tem-se como legítimo e esperado
que o votante suporte influência por parte do candidato. O que
se configura em ameaça à autenticidade é a indução artificial
a estados mentais, emocionais ou passionais que facilitem ou
induzam o voto, pervertendo a “verdade eleitoral sufragada nas
urnas” (ALMEIDA NETO, 2014, p. 37).

Com tal concepção não se quer afirmar que somente seria


autêntico o voto quando motivado por interesses altruísticos ou
benéficos à coletividade. “Não que isso não seja desejável: ao
contrário, o é, [...] não pode chegar a determinar, no entanto, a
invalidade ou a ilegitimidade do voto baseado em preferências
pessoais” (SALGADO, 2010, p. 116).

É nítido, desde já ser tormentosa a questão de definir os


exatos termos daquilo que torna uma determinada influência
artificiosa, abusiva. É mais do que tênue a linha entre a prevista
influência cativante ao eleitorado e a interferência abusiva que
retire do votante a voluntariedade de manifestação.

Ademais, deve-se considerar a possibilidade de que nem


sempre a configuração de um sufrágio inautêntico – nessa
dimensão – se dê maliciosamente pelo beneficiário das condutas
que o viciam. É passível que uma falsa percepção da realidade por

812
parcela significativa do eleitorado, como ocorre com a veiculação
de fake news, altere o resultado de um sufrágio. Nesse sentido,
“além da igualdade e da liberdade de voto, há de ser assegurada,
ainda, a liberdade de formação de opinião” (SALGADO, 2010, p.
116) para que o resultado de um pleito seja, substancialmente,
autêntico.

O que se deve estabelecer em relação a presente dimensão,


em especial quanto aos fins do presente, é que diante de um
cenário de oportunidades equiparadas a todos os candidatos,
o eleitor deve possuir a total liberdade de, diante das diversas
influências, optar por uma ou outra opção, de acordo com suas
pessoais preferências. Todavia, caso essa opção se dê a partir de
uma posição de interferência – seja pela sua intensidade ou modo
de exercer – abusiva, como quando o votante se encontrar crente
em uma determinada premissa totalmente equivocada, não se
pode conceber como autêntica a manifestação eleitoral dessa
decorrente.

Fake news como ameaça à autenticidade eleitoral

Embora tenha ganho relevância na atualidade, o tema


das assim chamadas fake news, bem como a preocupação com
seus efeitos, não é recente. Sempre houve a possibilidade de
divulgação de notícias, se não marcadamente falsas, ao menos
eivadas de alguma distorção. Igualmente, em todo o tempo
foram estas passíveis de influenciar indevidamente na percepção
coletiva a respeito de um determinado assunto.

A exaustiva metáfora do travesseiro de penas – segundo


a qual após a abertura de tal objeto e o espraiamento de seu
conteúdo jamais seria possível recolherem-se todas as plumas –
reflete, em certa medida, a considerável noção de que as notícias
intensamente veiculadas, falsas ou não, adquirem status de difícil
combate.

É mais que evidente que a atualidade, com o adensamento


dos meios de comunicação, a difusão da internet e o alastramento
de sua utilização, propiciam de forma gritante o aumento do
compartilhamento de informações, e por consequência, daquelas
eivadas de falsidade.

813
Claire Wardle (2018) tem identificado sete segmentos nos
quais podem inserir-se as fake news: na sátira ou paródia, não
se têm real intenção de enganar-se o receptor, até pelo absurdo
que normalmente configura tais publicações, todavia, podem ser
levadas em conta por parcela da audiência.

A falsa conexão é o fenômeno que se identifica por


manchetes, imagens ou legendas as quais induzem seu
expectador em um determinado sentido, não necessariamente
condizente com seu conteúdo.

Já o conteúdo enganoso se traduz no uso enganador de


informações em detrimento de um assunto ou pessoa. Tem-se
também a possibilidade de utilização do falso contexto, quando
conteúdo genuíno for compartilhado mediante um contexto
falso.

Conteúdo impostor é aquele em que fontes têm seus nomes


utilizados com afirmações que não correspondem às suas, como
um argumento de autoridade. Há ainda o conteúdo manipulado,
ou seja, uma informação na qual contém-se maior ou menor
número de ideais verdadeiras, todavia recebendo uma roupagem
manipuladora.

Finalmente, tem-se o conteúdo fabricado, aquele efetivamente


criado, falso em sua integralidade, motivando desinformação e
engano.

Podem tais categorias não corresponderem fielmente


as modalidades de notícias falsas atualmente veiculadas. Mais
provavelmente, tais conteúdos são tão velozmente modificados
e difundidos que a sua categorização se torna enevoada, sendo
difícil identificar contornos.

De todo o modo, a (tentativa de) taxonomia auxilia o


observador ao menos em um parâmetro: indubitavelmente,
a própria identificação de uma fake news se revela um desafio.
Muitas vezes, a distorção se dá meramente na utilização de uma
imagem mais ou menos atraente à figura daquele de que trata a
matéria; ou na entonação a qual se utiliza a manchete.

814
Termo intrinsicamente relacionado é do “click bait”, isca de
cliques, consistente nas manchetes propositalmente omissas ou
enganosas que geram ânsia por compartilhamentos. Pertinente
também a tendência ao consumo cada vez mais veloz de
informações, sendo comum a difusão do conteúdo antes mesmo
de seu integral acesso, quiçá eventual leitura.

Por outro lado, a produção maliciosa de informações


patentemente inverídicas pode também atingir uma fatia
expressiva da população, causando irremediáveis danos. É
incontroverso que o cenário político-eleitoral favorece esse
fenômeno, por se tratar de ambiente em que os ânimos se
encontram evidentemente exaltados, diante da confluência de
interesses marcadamente conflitantes. O acirramento das disputas
e a concorrência ideológica também motiva uma preocupante
desconsideração factual em detrimento da concepção que mais
favoreça a posição do expectador – a qualidade da informação é
minimizada frente a interesses pessoais (CHEN et al, 2015).

O conjunto torna inegavelmente propício a difusão das fake


news. Todavia, mais inquietante do que os danos pontuais que
podem vir a emergir de sua propagação, faz-se presente o risco de
que as mesmas interfiram de maneira significativa no resultado
do pleito, em benefício de determinado candidato, partido ou
ideologia em detrimento de outro.

Mais alarmante é a consideração de que, obstada a


livre formação de opinião por parte do eleitor, ou ainda mais
gravemente, em ocorrendo sua inserção em estado de influência
tal que a genuinidade de sua votação se perca, não poderá ser
esse voto considerado autêntico em sua dimensão substancial.

Como já foi explicitado, o significado da autenticidade nessa


perspectiva é o de formação de intenção voluntária, devendo a
externalização do voto refletir o genuíno desígnio do votante. Sob
tal ângulo, a difusão de fake news, em motivando uma distorção
na compreensão do eleitor, pode, mais ou menos intensamente
motivá-lo a um voto que embora reflita seu desejo, não traduza
seu fidedigno anseio, sendo, portanto, despido de legitimidade.

Ocorre que, diante de tais considerações, o enfrentamento

815
do tema revela-se manifestamente complexo. A mais evidente
objeção é a de que a atuação jurisdicional, quanto mais como
forma de contradizer a intenção do eleitor, “é e sempre será um
ponto de tensão numa democracia” (GONÇALVES, 2018, p. 13),
já que se traduz na invalidação, por um poder não eleito, de
representação eletiva.

Ainda que tal intervenção pudesse ser seguramente


incentivada, o que não parece ser o caso, subsistiria como
obstáculo o cotejo, em concreto, das situações que configurariam
ou não uma ruptura na autenticidade do voto. Como definir qual
conduta efetivamente consiste em um abuso e não em esperado
exercício da propaganda política? Como medir a extensão dessa
inautenticidade, supondo sermos capazes de constatá-la? Qual
parcela dos cidadãos teria de se ver afetada para ensejar uma
decretação de nulidade da votação resultante?

Ao se considerar, por outro lado, uma postura preventiva,


os resultados também não se aprimoram. Enquanto a ameaça à
autenticidade resta, na presente hipótese, fundada justamente
no consumo de informações contaminadas por inverdade, não
parece ser solução adequada para esse temor justamente o
cerceamento de informações.

Deve-se ainda considerar os impactos colaterais que medidas


de retirada de conteúdo ensejam, já que a tutela jurisdicional
ao compartilhamento de uma determinada informação passa
imediatamente a ser também compartilhada. Ao submeter-se
uma notícia a trato jurídico, em razão de, por exemplo, distorcer
de maneira ilegítima a percepção pública quanto a um candidato,
quer-se defender a neutralidade da formação autêntica de vontade
eleitoral. Ocorre que essa sujeição passa a ser inversamente tida,
pelos adversários daquele que a suportou, como um indicativo de
uma deslealdade procedimental, o que, tornado público, poderá
levar à mesma violação de vontade que se pretendia combater. O
revés que a tutela jurídica proporciona a um recebe a roupagem
de êxito do outro, culminando em um ciclo vicioso.

O que se deve, seriamente, considerar, é a inaptidão


jurisdicional para lidar integralmente com o tema. Também não
se deve pensar nessa óbvia característica como patológica. O

816
arcabouço normativo contribui intensamente para a honestidade
eleitoral. Todavia, caso contemos exclusivamente com a judicatura
para lidar com uma questão a respeito da qual aquela não possui
ferramentas eficientes, estaremos desguarnecidos quanto a um
tema essencial à própria normalidade de um estado democrático.

Educação em direitos humanos como pressuposto de


autenticidade eleitoral

A potencial ameaça das fake news em matéria de formação


de intenção eleitoral se agrava especialmente pelo considerável
acirramento que marca o tema. As consequências desta, no
entanto, são ainda mais inquietantes, especialmente no ângulo
pelo qual se insere o presente trabalho, ou seja, o da autenticidade
do sufrágio.

Se a concessão de legitimidade ao eleito só pode advir de


uma eleição autêntica, é de especial interesse coletivo a fidedigna
atribuição dessa autenticidade. Eventual decretação em sentido
contrário – pela não veracidade que emane de um pleito –
afeta violentamente todos os cidadãos, inclusive possibilitando
regressão em matéria de direitos fundamentais.

Vetor indissociável de uma votação é a percepção de que,


em circunstâncias outras, poderia resultado diverso ter emanado.
Embora não se deseje nem tenha a pretensão de que em um
sufrágio autêntico o vencido se dê por satisfeito, é condição de
salutar processo democrático que aquele vencido seja capaz
de reconhecer que o mesmíssimo procedimento eleitoral
somente conferiria, ao candidato que mais lhe agrada, a mesma
legitimidade que concede ao eleito com que discorda.

O que se quer pontuar é que a legitimidade precisa ser,


para além de declarada, percebida, e mais ainda, consentida.
Esta emana da concordância tácita entre os votantes, ou seja, do
consentimento de que o corpo irá mover-se, e me sujeitarei a este
movimento, o qual considerarei legítimo, ainda que sua direção
seja diametralmente oposta à que considero correta (LOCKE,
2001).

Sem tal acordo, as forças opostas, ao invés de orientar

817
sentido ao corpo, acabarão por rasgá-lo: “é [...] o compromisso
implícito com esse consentimento a única base de coesão política”
(WALDRON, 2010, p. 168).

Embora não se garanta, com um pleito autêntico, que


não haverá dissidências ou que os não eleitos irão sujeitar-se
fielmente ao resultado; se a autenticidade legitima a atribuição
dessa qualidade à opção vitoriosa, automaticamente também
deslegitima a insurgência por parte daquela preterida. Posto
de outro modo, se um sufrágio autêntico é pressuposto da
legitimidade que dele decorre, seria passível de questionamentos
a eleição em que esse atributo de genuinidade não se verificou.
Inversamente, a conferência de autenticidade desautoriza a
recusa de aceite. Pode-se até lamentar o resultado de uma eleição
autêntica, mas jamais pôr em dúvida sua força representativa.

É justamente aquele consentimento que as fake news


acabam por corroer, ameaçando portanto mais do que um
mero resultado procedimental, mas sim o próprio aceite da
noção de uma força popular soberana. Os efeitos dessa ameaça
são incalculáveis, não sendo de descartar a ascensão de um
autoritarismo que se apresente como alternativa a deliberações
representativas as quais não sejam mais tidas como legítimas.

Por óbvio, pode-se também questionar a própria conferência


de autenticidade, mas os vetores de um sufrágio genuíno, quanto
mais quando delineados naquelas três abordadas dimensões –
formal, instrumental e substancial – são notadamente mais fáceis
de aferir do que as difusas percepções de representatividade.
Objetivamente pautado, o observador descobrirá mais simples
verificar requisitos de uma eleição autêntica, e considerar esta
como um pressuposto de legitimidade, do que definir o que torna
ou não aquele sufrágio mais ou menos representativo.

O ponto central é que esse entendimento de autenticidade


somente pode-se dar com a compreensão profunda de que o
meu direito político ao sufrágio apenas se encontra devidamente
garantido quando o for assim também conferido ao meu
adversário.

A minha intenção só pode ser tida como digna de crédito

818
por sua voluntariedade. Nesse contexto, deixar de combater
as fake news, mesmo quando benéficas à minha visão política,
é atestar que essa minha visão não seria capaz de por si só
convencer aquele que não lhe é partidário, e portanto, despi-la de
sua eficácia eleitoral.

Se os raciocínios de tutela jurisdicional às fake news não


parecem ser promissores, mais positiva se revela a atribuição à
própria sociedade civil, e mais especificamente, aos eleitores, da
função de lidar com o impasse.

Tem-se disseminado, por exemplo, a prática do fact checking,


ou seja, de checagem aprofundada, por inciativa individual ou de
agências especializadas, de informações compartilhadas, como
forma de identificar eventuais camadas de falseamento. Esse
espírito de conduta, se tomado pelos próprios cidadãos, reveste-
se de saudável prática democrática.

Em princípio, tem-se não mais uma intervenção restritiva


à liberdade da formação de opinião do votante. Antes, passa
o próprio corpo de eleitores, ciente das responsabilidades
inerentes à cidadania não só como direito humano, mas também
como ideal, a administrar o consumo e o trato de informações,
considerando aquelas que merecem ou não maior relevância
diante da honestidade ou mais firme desconsideração diante da
falsidade.

Por sua vez, essa mentalidade se encontra em consonância


com o ideário de fraternidade, valor intrínseco à vertente mais
moderna dos direitos do homem. É mais salutar à uma sociedade
madura que esta, diante da profusão de informações, selecione
por si mesma aquelas dignas de consideração.

Evidentemente, subsistirão parcelas significativas de


cidadãos, e, portanto, de eleitores, os quais estarão sujeitos
à interferência de tais falsas notícias, ensejando eventuais
constatações de inveracidade da vontade coletiva. O que se quer
pontuar, é que o combate às fake news, bem como qualquer
outro esforço tendente a equilibrar o pleito expurgando ameaças
à genuinidade da intenção de voto, embora necessário, será
eminentemente vazio caso não se considere mais profundamente

819
a formação dessa intenção.

Na raiz dessa questão se encontra a rasa compreensão


dos vetores essenciais à própria autenticidade do sufrágio. Esse
déficit se encontra, a princípio, intimamente ligado arcabouço
dos Direitos Humanos. Primeiro, por debruçar-se sobre temas
abrangidos por tal feixe jurídico: democracia, representação,
legalidade, limites à intervenção estatal, dentre outros. Segundo,
em razão dessa compreensão traduzir-se, por si mesma, em
direitos humanos: à informação, à liberdade, à igualdade, à
eficiência da administração, etc.

Por sua vez, a fim de que se dê a compreensão desses


valores, pela percepção daquele ramo, necessário se faz a
educação por tal viés. Não se alcançará um patamar mais razoável
e benéfico à democracia sem a construção de um raciocínio de
responsabilidade política individual.

Como já foi apontado, não é possível garantir integralmente


que um pleito em que essas percepções forem mais evidentes
deixará de sofrer abusivas interferências por parte da
desinformação ou de outras práticas espúrias à genuinidade do
voto. Todavia, esse aprendizado dos valores políticos intrínsecos
a uma cultura democrática, conduzido por uma educação em
Direitos Humanos capaz de densificar a percepção da legitimidade
a qual se confere pelo sufrágio, indubitavelmente parece traduzir
solo fértil à eleições mais autênticas, e, portanto, a uma cidadania
mais palpável, bem como a uma soberania popular mais intensa.

Conclusão

No desenhado cenário, o caminho da atribuição de


autenticidade às eleições, passando esta, necessariamente, pelo
combate às fake news, torna-se matéria indissociável aos Direitos
Humanos, e, mais ainda, da educação neste tema.

É incontroverso o déficit de expertise que emana do
Judiciário para tratar, ao menos na posição de protagonista, da
tutela da difusão de informações eivadas de falsidade em disputas
político-ideológicas. Também patente, que a intervenção dessa
judicatura ameaçar causar os mesmos efeitos de desbalanceadores

820
e deslegitimadores que intenta combater.

Resta à própria sociedade civil, em última análise, a mais


benéfica possibilidade de tutela às informações mais ou menos
enganosas. O trato dessas notícias, se o que se almeja é conferir
maior genuinidade aos votos e, assim, maior legitimidade aos
resultados, só pode se dar mediante a consideração profunda de
parcela relevante dos Direitos Humanos.

Nesse sentido, somente com uma concreta educação nessa


área pode-se conferir aos cidadãos, em um contexto democrático,
raciocínio adequado a amparar as noções de fundamentalidade,
universalidade, e, em especial, reciprocidade, em direitos políticos,
sem as quais, com a disseminação de fake news, não se poderão
concretizar eleições autênticas.

Referências

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Paulo: Atlas, 2018.

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821
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do direito eleitoral. 2010. 345 f. Tese (Doutorado em Direito) -
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WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. 1ª ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2003.

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com.br/noticias-falsas-pos-verdade/>. Acesso em: 20 jul. 2019.

WEFFORT, Francisco Corrêa (Organizador). Os Clássicos da Política.


13. ed. São Paulo: Ática, 2000.

822
Assessoria jurídica universitária popular:
uma proposta de educação popular em
Direitos Humanos nos cursos jurídicos

Elton Fogaça da Costa1


Ana Cláudia dos Santos Rocha2
Matheus Daltoé Assis 3

Resumo

O propósito de trabalho é mapear o estado da arte das
pesquisas envolvendo as assessorias jurídicas universitárias
populares - AJUPs e cotejar a gênese e as atuais tendências de
pesquisa no campo da educação popular em Direitos Humanos
no Brasil. A análise de conteúdo dos trabalhos selecionados só
permitirá a apresentação dos resultados parciais de investigação,
mas será capaz de ensejar um debate crítico-apreciativo sobre os
atuais desafios das AJUPs ou quaisquer outras ações de educação
popular em Direitos Humanos no Brasil ou nos demais países da
região da América Latina e Caribe.

Palavras-chave: Assessoria jurídica universitária popular. Cursos


jurídicos. Educação popular em Direitos Humanos. Extensão
universitária.

Introdução

O advento da Ditadura Militar (1964 – 1985) gerou novas formas de


mobilização ou resistência na sociedade brasileira, entre as quais
novas ações de extensão universitária no campo da educação

1. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professor


Adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas –
UFMS/CPTL.
2. Doutora em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD.
Professora Adjunta da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três
Lagoas – UFMS/CPTL.
3. Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,
Campus de Três Lagoas – UFMS/CPTL.

823
popular em Direito Humanos. Ao lado das tradicionais atividades
de assistência judiciária, alguns programas de assessoria jurídica
universitária popular – AJUPs cumpriram importante função
social e política no contexto de redemocratização do país.

Depois de alguns anos ou décadas, os efeitos da globalização


econômica, a conquista do poder por partidos de esquerda e
o consequente crescimento de uma reação conservadora, de
feições autoritárias, trouxeram consigo novos desafios às AJUPs
e uma nova problemática de pesquisa: quais os rumos teórico-
práticos assumidos pelos programas de assessoria jurídica
universitária popular nos últimos anos? Através do aludido
problema, o objetivo de estudo é mapear o estado da arte das
pesquisas envolvendo as AJUPs no Brasil e cotejar a gênese e as
atuais tendências de pesquisa no campo da educação popular em
Direitos Humanos.

Fazendo uso de abordagem indutiva, procedimento


monográfico e técnicas bibliográfica e documental de investigação,
o estudo partiu de uma busca por artigos científicos e trabalhos
de conclusão de pós-graduação stricto sensu – dissertações de
mestrado e teses de doutorado – em bancos de dados disponíveis
na internet. A análise de conteúdo dos trabalhos possibilitará a
compreensão do processo histórico de formação, as principais
pautas ou demandas, as filiações teóricas ou discursivas, as
metodologias de trabalho e os principais centros de pesquisa
sobre assessoria jurídica universitária popular.

Sem desconsiderar os propósitos de estudo, os resultados


parciais de investigação ainda são incipientes, mas capazes de
ensejar algum debate crítico-apreciativo sobre as reivindicações,
estratégias de lutas, principais transformações e desafios dos
programas de assessoria jurídica universitária popular ou outras
ações de educação popular em Direitos Humanos não só no Brasil
como nos demais países da região da América Latina e Caribe.
Trata-se de trabalho em desenvolvimento.

O texto será estruturado em dois tópicos ou seções: a) o


primeiro cumprirá a função de apresentar o contexto histórico,
social e político de formação, costurando a relação entre o
movimento de acesso à justiça e o nascimento das assessorias

824
jurídicas universitárias populares; b) o segundo cumprirá a
função de apresentar as peculiaridades de uma AJUP, ou seja,
sua metodologia de trabalho, seus principais marcos teóricos,
eventuais diferenças em relação aos demais serviços legais e um
breve desenho ou reflexão sobre os atuais desafios, em conjuntura
social e política marcada por notáveis ataques às pautas dos
Direitos Humanos.

Contextualização histórica, social e política: o movimento


de acesso à justiça e o nascimento da assessoria jurídica
universitária popular no Brasil

Na obra A opacidade do direito (1998), Carlos Cárcova


discute o brocardo latino segundo o qual ninguém poderá
descumprir a lei, alegando que não a conhece. Ao contrário, afirma
que o sistema jurídico é, em verdade, um sistema incompreensível
para os sujeitos cujas vidas lhes servem de objeto.

Em se tratando de um sistema de linguagem capaz de


legitimar relações de poder, compreensível para um grupo de
iniciados, notadamente preparados para retirar de conteúdos
normativos as respostas para os problemas da vida social, o
sistema jurídico sempre se manteve desconhecido, sensivelmente
opaco para a maior parte das pessoas. Não só a norma jurídica
é enigmática para o homem comum: igualmente opacos ou
desconhecidos são os seus mecanismos de atuação.

Ao longo de muito tempo, o funcionamento do campo


jurídico foi - ou continua sendo - mantido propositalmente
opaco, parcial ou totalmente obscuro para o homem comum:
fazendo uso de linguagem hermética e de uma dinâmica quase
incompreensível, sempre conseguiram controlar quem nele
poderia ou pode ingressar e atuar. Tanto é assim que, durante muito
tempo, determinadas demandas e determinados demandantes
foram mantidos à margem do campo (BOURDIEU, 2001).

A constatação deste fato fez nascer, nos últimos 50 anos,


um movimento em prol da efetividade dos direitos, em especial
o direito de acesso à justiça, uma vez que a sua negação seria ou
é capaz de gerar a negação de outros direitos, demandando a
superação de seus obstáculos ou entraves históricos.

825
Compreendendo que o acesso à justiça não pode ser
reduzido ao simples acesso formal ao Poder Judiciário - propor ou
contestar demanda -, mas que é um direito social fundamental,
Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) desenvolveram um estudo
inovador4, enfatizando que o sistema jurídico precisa ser alcançado
por todos e criar resultados socialmente mais justos, libertando
o conceito de acesso à justiça de sua antiga visão individualista,
herdada do modelo liberal de Estado, e a substituindo por uma
noção substancial, de efetividade e relevância social (LUZ, 2005).

Identificando problemas de efetividade do acesso à justiça,


Cappelletti e Garth (1988) indicaram os altos custos processuais, o
excesso de formalismo e a morosidade judicial, bem como a lógica
individualista - dificultando a tutela jurisdicional dos interesses
supra-individuais -, como os principais empecilhos ao acesso à
ordem jurídica justa. Boaventura de Sousa Santos (2005) enfatizou
que os custos da tutela processual são proporcionalmente mais
caros para os mais pobres, que são os principais beneficiários
das ações de pequeno valor, afastando ainda mais as classes
menos favorecidas do sistema de administração da justiça - dupla
vitimização.

A fim de superar esses entraves, Cappelletti e Garth


apresentaram três ondas renovatórias como tendências teóricas
ou soluções práticas para o acesso à justiça, entre os quais: a)
assistência gratuita aos mais necessitados; b) tutela jurisdicional
dos interesses supra-individuais; c) simplificação e racionalização
da prestação da tutela jurisdicional (SOUSA, 2011). Entre as três
ondas, a terceira é aquela que centrará sua atenção no conjunto
geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos
utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas
sociedades contemporâneas (CAPPELLETTI; GARTH, 1998).

Através dela, intensificaram-se os debates em torno da crise


do Poder Judiciário e apresentação de alternativas ao modelo
então vigente. Entre as alternativas, surgiram várias propostas de

4. Esse estudo, conhecido como Projeto Florença, com pesquisas realizadas em diversos
países da Europa e nos Estados Unidos, foi condensado em um amplo relatório, cuja
introdução/opúsculo foi publicada originalmente em 1978 e, mas tarde, traduzida no
Brasil com o título Acesso à justiça.

826
facilitação do acesso material ao sistema de justiça, partindo de
reformas da estrutura e procedimentos judiciais até a propositura
de mecanismos alternativos de gestão de conflitos, frisando a
ideia de que o acesso à justiça pode ser alcançado até mesmo sem
a intervenção do Poder Judiciário.

Sem desconsiderar a importância atribuída à terceira onda,


sobretudo nos últimos anos, as demais ensejaram profundas
reflexões sobre as consequências sociais e políticas de uma
ordem jurídica ou judicial forjada, formalmente, nas bases de um
paradigma liberal positivista e, substancialmente, em uma tradição
conservadora, senão autoritária. Tais reflexões foram ainda
mais contundentes no período de redemocratização, quando
a sociedade brasileira visava superar uma lógica autoritária, de
negação de direitos.

Consoante as palavras de Vladimir de Carvalho Luz


(2005), o advento do Golpe Militar encetou mobilizações e
resistências por parte da sociedade civil. Apesar de a temática
dos movimentos sociais ainda não estar suficientemente clara,
a década de 70 foi marcada por denúncias e contestações. Nos
anos 80, as mobilizações populares tomaram forma e trouxeram
consigo novas pautas reivindicatórias, colocando no centro das
atenções não só necessidades de democratização institucionais
como, também, a afirmação de novas identidades. Sob outras
insígnias, os anos 80 foram marcados pelo binômio reivindicação
e expansão de direitos.

Movimentações populares e necessidades de expansão


ou reconhecimento de direitos produziram, no campo jurídico,
ao lado dos serviços legais tradicionais, alguns serviços legais
inovadores. No começo da década de 80, surgiu o Gabinete
Avançado de Assessoria Jurídica às Organizações Populares –
GAJOP na cidade de Recife. Já no final da década de 80, nasceu
o Instituto de Apoio Jurídico Popular – AJUP, na cidade do Rio
de Janeiro, a partir da articulação de um grupo de advogados de
movimentos populares. Sem desconsiderar eventuais diferenças
de atuação, os dois programas prestavam apoio aos movimentos
populares e/ou ações comunitárias.

Além do AJUP e do GAJOP, constituídos essencialmente por

827
advogados, estudantes universitários também começaram a se
mobilizar e refletir sobre o papel a ser cumprido pelos cursos de
Direito no contexto de redemocratização do país. Duas entidades
então existentes desde as décadas de 50 e 60, o Serviço de
Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – SAJU/UFRGS e o Serviço de Assessoria Jurídica
Universitária da Universidade Federal da Bahia – SAJU/UFBA
repensaram as respectivas formas de atuação e passaram por
mudanças estruturais, diferenciando duas vias distintas de ação:
assessoria jurídica e assistência judiciária (LUZ, 2005).

Desde a sua constituição, na década de 50, o SAJU/UFRGS
passou por vários ciclos ou fases, chegando a ser fechado na
década de 60 e só voltando a funcionar a partir da década
de 70. Até meados dos anos 80, prestava serviço de natureza
predominantemente assistencialista, quando, então, após divisão
funcional interna, com a formação de grupos temáticos, começou
a trabalhar com demandas coletivas como a regularização
fundiária e direitos da mulher. A partir do anos 90, começou a
desenvolver um trabalho de regularização fundiária urbana na
região metropolitana de Porto Alegre em parceria com o poder
público local (LUZ, 2005; OLIVEIRA, 2006).

Suas atividades giravam basicamente em torno de: a)


atendimento, orientação, mediação e ajuizamento de ações
decorrentes de conflitos individuais de pessoas que procuravam
a entidade, não podendo pagar pelos serviços; b) ajuizamento de
ações coletivas, a exemplo de ação ajuizada a favor da UNE para
o cumprimento de preceito de lei estadual de meia entrada para
estudantes em casas de diversão; c) promoção de projetos de
pesquisa; d) elaboração de cartilhas, jornais e revistas próprias da
entidade (LUZ, 2005).

Segundo NUNES, em artigo publicado no sítio eletrônico


do SAJU na página da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul na internet, a divisão entre assistência e assessoria
aconteceu quando surgiu o interesse em atuar fora dos muros
da universidade, prospectando ações de usucapião, em uma
perspectiva de advocacia popular, em bairros da cidade de Porto
Alegre. Contando com a participação de Jacques Alfonsin e
Domingos Silveira, o grupo assumiu uma postura mais crítica em

828
relação ao direito então vigente e diversificou seu campo de ação,
começando a trabalhar com demandas coletivas em conjunto ou
parceria com outros grupos sociais.

Na Bahia, o SAJU/UFBA surgiu na década de 60 em razão da


insatisfação de estudantes com o modelo tradicional de prática
forense. Ao fazer opção por uma associação formal, devidamente
registrada em cartório, o projeto ocupou um espaço ocioso
na instituição (pública) ainda que assumindo natureza jurídica
formalmente privada. Não obstante o aludido descontentamento
com o modelo tradicional de prática forense, o grupo começou
atendendo demandas individuais. Com o advento do período
repressivo, o projeto fechou suas portas e só voltou a atuar nos
anos 80. No entanto, é só nos anos 90 que o grupo passaria por
uma reformulação significativa, atuando como assessoria jurídica
universitária popular (OLIVEIRA, 2006).

Na década de 90, verificou-se como fator relevante


a presença decisiva de advogados populares, magistrados
alternativos, professores críticos, acadêmicos engajados em
projetos de extensão, operadores jurídicos envolvidos com o
processo de formação dos novos movimentos sociais, ações
presentes no terreno da postulação jurídica, inserta no campo
tradicional do acesso à justiça, como também na esfera de
formação e orientação sobre direitos para comunidades rurais e
urbanas (LUZ, 2005).

Entre as principais atividades das AJUPs, estavam a: a)


promoção de cursos de formação e capacitação de lideranças
comunitárias; b) assessoramento direto a movimentos sociais em
demandas agrárias e urbanas; c) formação crítica de estudantes,
mediante a promoção de estágios de conotação mais crítica;
d) veiculação de debates, registros de eventos e publicação de
artigos de intelectuais vinculados às causas populares (LUZ, 2005).

Suas principais características podem ser sintetizadas


nos seguintes termos: a) constituição e gestão por parte de
estudantes, com relativa autonomia em relação aos respectivos
espaços institucionais de gestão acadêmica; b) ocupação de
espaços públicos nos prédios das instituições de ensino, onde
promoveram atividades de caráter social, interagindo com

829
as administrações dos cursos, ONGs e movimentos sociais; c)
realização de atividades permanentes ou sazonais de extensão
e/ou pesquisa; d) diferenciação conceitual e instrumental entre
assistência e assessoria; e) ampliação da noção de prática jurídica,
não mais voltada exclusivamente para a prática forense (LUZ,
2005).

Influenciados por ideias advindas de movimentos como


Direito & Avesso, Direito Achado na Rua, Direito Alternativo, os
estudantes começaram a articular a criação de uma rede nacional
de assessoria jurídica universitária popular, a RENAJU, que passou
a congregar, ao lado do SAJU/UFRGS e SAJU/UFBA, outros
núcleos, entre os quais: NAJUP Negro Cosme, da Universidade
Federal do Maranhão; SAJU, da Universidade Federa do Alagoas;
CAJU e NAJUC, da Universidade Federal do Ceará; CAJUÍNA, da
Universidade Federal do Piauí; SAJU, da Universidade Federal de
Sergipe; SAJU, da Universidade de Fortaleza; NAJUP Isa Cunha e
NAJUPAK, da Universidade Federal do Pará; SAJUP, da Universidade
Federal do Paraná (NUNES).

Desde então, a rede vem crescendo e enfrentando novos


desafios. Com isso, o próximo passo é a aferir as peculiaridades
do trabalho de uma AJUP, seu método ou modelo de atuação,
referenciais teóricos, principais demandas e atuais desafios. Tal é
o caminho a ser tomado no próximo tópico.

Proposta de ação e atuais desafios: peculiaridades de uma


assessoria jurídica universitária popular

Uma vez apresentado o contexto histórico de formação das


assessorias jurídicas universitárias populares e sua relação com
o movimento de acesso à justiça, incumbe, agora, analisar sua
proposta de ação e refletir sobre os atuais desafios.

Ao contrário de um serviço de assistência judiciária, algo


comum em atividades de estágio ou demais práticas de ensino,
pesquisa ou extensão nos cursos de Direito, a assessoria jurídica
universitária popular é uma ação de extensão construída em bases
metodológicas e referenciais teóricos bem específicos. No que
concerne à metodologia de trabalho, a ação de uma AJUP está
fundada no método da educação popular, de Paulo Freire. Suas

830
bases teóricas podem ser encontradas em diferentes perspectivas
ou referenciais daquilo que se denomina, genericamente,
pensamento jurídico crítico.

Compreendendo universidade como espaço de produção


do conhecimento, comprometido com a transformação, Freire
(1985) entende que a verdadeira perspectiva da educação não
é outra senão a de humanizar o sujeito na ação consciente que
este deve empreender para transformar o mundo. Logo, extensão
não pode ser tomada como simples ação de estender algo, ir até
um lugar ou parte do mundo, considerada inferior, para, ao seu
modo, levar conhecimento, normalizá-la e fazê-la semelhante
ao seu mundo. Fazendo de homens e mulheres algo equivalente
a coisa, tal perspectiva será capaz de negá-los como seres de
transformação e fazer da extensão a própria negação da educação
– prática da liberdade, que é ou deveria ser.

Segundo Freire (1985), educação é ou deve ser uma ação de


libertação e não prática de domesticação. Educar é educar-se na
prática da liberdade e não a ação de estender algo desde a sede
do saber até a sede da ignorância para salvar os que nela habitam.
Em sentido oposto:

educar (...) é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem


– por isto sabem que sabem algo e podem chegar a saber
mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam
que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar
que nada sabem em saber que pouco sabem, possam
igualmente saber mais (FREIRE, 1985, p. 15).

Tomando educação como prática de liberdade e


desconstruindo qualquer perspectiva que faça dela um ato de
invasão cultural ou prática de domesticação, Freire (1985) prefere
falar de comunicação, ou seja, processo formativo através do qual
sujeitos vivenciam um diálogo, empenhando-se na transformação
constante da realidade. O diálogo não pode ser outra coisa senão
o encontro amoroso de pessoas que, mediatizadas pelo mundo, o
humanizam e o transformam através de práticas de humanização.

Sem comunicação, o que se tem é simples atividade de


assistencialismo educativo, ou seja, simples verbalização de

831
um conhecimento memorizado, sem relação com a realidade,
fazendo de potenciais educandos meros assistidos, sujeitos
acríticos e anestesiados diante do mundo. A educação só pode
ser relação entre sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo objeto
cognoscível, na qual o educador reconstrói, permanentemente,
seu ato de conhecer e problematizar, junto com os educandos,
os conteúdos que mediatizam. O lugar próprio da educação
está situado, portanto, no jogo dialético da permanência
versus mudança, quer dizer, na duração: o seu ser é um ser em
movimento, ser em ação, em constante tensão com o contexto de
ação (FREIRE, 1985).

O método da educação popular advindo do pensamento e


obra de Paulo Freire é, por excelência, comunicativo. Não se trata,
portanto, de invasão cultural ou imposição de conhecimento
técnico ou acadêmico, mas encontro dialógico e dialético entre
diferentes formas de saber -saber acadêmico e saber popular-,
com potencial transformador. Assumindo tal perspectiva
metodológica, as AJUPs propuseram um novo modelo de ação,
não mais assistencialista, mas de engajamento ou orientação
política, capaz de viabilizar diálogos ou troca de saberes entre
diferentes sujeitos, agentes e/ou instituições, transformando a
realidade.

Tal concepção metodológica, capaz de libertar o ensino


jurídico de seu tradicional insulamento metodológico, projetou
ações de comunicação focadas na realidade social e política de
um país ainda marcado por profundas mazelas sociais e feridas
advindas de um período autoritário/repressivo. Refletindo sobre
o papel do jurista na sociedade, as AJUPs se empenharam em
construir as bases de um outro direito, colhido na rua, nos espaços
periféricos, nos anseios populares, canalizando novas demandas
sociais de sujeitos coletivos e grupos marginalizados, no mais
das vezes impedidos de exercer sua cidadania e ver seus direitos
reconhecidos e respeitados (SOUSA JUNIOR, 2006).

Sem negar o papel ou importância da assistência judicial, as


AJUPs tencionavam uma interação maior com a sociedade civil, um
trabalho mais abrangente, com potencial emancipatório, enfim,
uma ação de educação popular em Direitos Humanos. Tal atuação
pressupunha um exame crítico mais apurado das condições

832
concretas de produção e aplicação do Direito. Tomando a rua
como um lugar simbólico de ressignificação da esfera pública,
de novas movimentações e expansão de direitos, os estudantes
encontraram no pensamento jurídico crítico as bases teóricas
para as suas práticas.

Consoante as palavras de Luciano Oliveira (2015), o


aparecimento da perspectiva crítica do Direito no Brasil advém do
final dos anos 70. Em termos de produção teórica, compreende
um amplo espectro que inclui desde o pensamento marxista em
sentido amplo até a Teologia da Libertação. Além disso, também
inclui correntes de pensamentos não necessariamente marxistas,
mas comprometidas com os problemas sociais, como a doutrina
dos Direitos Humanos. Suas diferentes correntes ou perspectivas
de análise partilham um olhar crítico a respeito do direito estatal
vigente, guardião de uma ordem social e econômica injusta e
exploradora ou mantenedor do status quo.

Sobre a suas fontes no Brasil, Oliveira (2015) aduz que o


pensamento jurídico crítico encontrou espaço em ambientes
acadêmicos como a Universidade Federal de Santa Catarina,
onde ganhou força o movimento Crítica Jurídica, de origem
francesa, e onde surgiram as bases teóricas do Movimento do
Direito Alternativo ou Uso Alternativo do Direito. Além da Escola
de Santa Catarina, surge também a Nova Escola Jurídica Brasileira,
representada pelo jurista Roberto Lyra Filho, da Universidade de
Brasília, e o Direito Insurgente, do advogado Miguel Pressburguer,
principal teórico do instituto Apoio Jurídico Popular - AJUP. Se a
primeira escola trabalhou mais em direção teórica, as duas últimas
sustentavam a construção de um novo direito e influenciaram, em
alguma medida, a ação dos integrantes das AJUPs.

Outra referência teórica importante, de base notadamente


crítica, é o pluralismo jurídico, um movimento teórico que
reconhece, em um só espaço geopolítico, mais de uma fonte de
produção do direito. No Brasil, o trabalho pioneiro de Boaventura
de Sousa Santos identificou práticas informais de justiça em
uma favela na cidade do Rio de Janeiro. A ausência do Estado
encetou a mobilização de comunidades, que produziam regras
e sistemas próprios de gestão de conflitos, quer dizer, um outro
direito ou direito diverso do oficial estatal, construídos por grupos

833
ou comunidades marginalizadas. Os estudos sobre o pluralismos
jurídico seria ainda complementados pela obra de Antonio Carlos
Wolkmer.

Com base nesses referenciais, as assessorias jurídicas


universitárias populares deflagraram uma proposta inovadora de
extensão universitária ou comunicação que, buscando subsídios
teóricos em diferentes vertentes do pensamento jurídico crítico
e subsídios pedagógicos na metodologia da educação popular,
de Paulo Freire, propõe desconstruir o modelo assistencialista
de extensão e construir uma nova forma de ação em prol dos
menos favorecidos. Sob outras insígnias, construíram bases
teóricas, metodológicas e práticas para um importante trabalho
de educação popular em Direitos Humanos no contexto de
redemocratização do país.

Uma vez articulados em rede, os núcleos de assessoria


jurídica universitária popular se expandiram e passaram a atuar
em todo o território nacional. Desde a sua origem, o cenário
econômico, social e político sofreu sensíveis mudanças. Antigas
pautas, de orientação estrutural-classista, cujos fundamentos
poderiam ser encontrados em arcabouço teórico de matriz
marxista, foram substituídas por novas proposições, advindas
das lutas de novos movimentos sociais, sobretudo identitários. A
conquista do poder por parte do Partido dos Trabalhadores, no
começo dos anos 2000, viabilizou a concretização de inúmeras
dessas demandas.

Sem desconsiderar as conquistas alcançadas neste


começo de século, sobretudo as de viés identitário, uma reação
conservadora, de feições autoritárias acabou se fortalecendo nos
últimos anos. Inúmeras vozes e ações começaram a se levantar
não só contra as pautas/reivindicações que motivaram as lutas
sociais e políticas das décadas anteriores, mas contra quaisquer
práticas em defesa dos Direitos Humanos. Tal cenário, ainda
muito recente, demanda uma reflexão mais profunda sobre as
possibilidades comunicativas advindas do trabalho das AJUPs e
eventuais tendências de atuação na atual conjuntura política.

A fim de realizar uma revisão bibliográfica sólida sobre a


ação das assessorias jurídicas universitárias populares, o estudo

834
começou fazendo uma busca por trabalhos de conclusão de
cursos de pós-graduação stricto sensu sobre o tema. Até então,
foram localizados 18 (dezoito) trabalhos: 10 (dez) dissertações
de mestrado e 06 (seis) teses de doutorado. 16 (dezesseis) dos 18
(dezoito) trabalhos apreciados são provenientes de programas de
pós-graduação de instituições públicas: 12 (doze) federais e 04
(quatro) estaduais. 14 (quatorze) trabalhos foram produzidos na
área do Direito, 01 (um) na área da História, 01 (um) na área de
Planejamento urbano e regional e 02 (dois) em Ciências sociais.
05 (cinco) trabalhos foram publicados na primeira década do
século XXI, entre os anos de 2005 e 2008, e os demais, na segunda
década, entre os anos de 2011 e 2018.

A análise de conteúdo dos trabalhos e a apreciação


intertextual do conjunto da obra ainda está em andamento.
No entanto, é possível aferir, até então, que: há um enfoque em
compreensões sociológicas vinculadas ao multiculturalismo
de Boaventura de Sousa Santos, que corroboram com a tese do
pluralismo jurídico, não mantendo vínculo necessário com as
abordagens originárias, marcadas pelo pensamento marxista. Tais
concepções podem ser agrupadas em duas correntes principais:
a) Direito Insurgente, marcada pelo pensamento de Miguel
Presburguer; b) Direito Achado na Rua, marcada pelo pensamento
e obra de Roberto Lyra Filho, da Escola de Brasília.

Há ainda uma outra perspectiva de atuação, embora


menos referenciada nos trabalhos analisados, que é a do Direito
Alternativo. Esta não está fundada no pluralismo jurídico, mas sim
no monismo, entretanto, sob ótica gramsciana, capaz de orientar
a ação dos assessores. São expoentes dessa corrente Edmundo
Arruda Junior, professor aposentado de Sociologia Jurídica do
Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, e
Amilton Bueno de Carvalho, que fez história no movimento de
magistrados gaúchos, então denominados de Movimento do
Direito Alternativo – MDA.

Bastante incipiente, o estudo ainda não traz quaisquer


novidades, mas poderá ensejar algumas reflexões e novas pautas
de pesquisa sobre as possibilidades, desafios e tendências de
pesquisa ou ação para os programas de assessoria jurídica
universitária popular e outras atividades de educação popular

835
em Direitos Humanos não só no Brasil como nos demais países da
região da América Latina e Caribe.

Considerações Finais

A perspectiva crítica advinda da atuação das assessorias


jurídicas universitárias populares ajudou a produzir um movimento
responsável pela renovação e oxigenação do Direito no Brasil,
viabilizando não só a leitura como a sua aplicação dialética.

Sem desconsiderar as diferenças de contexto, os ciclos e


perspectivas de atuação ao longo do tempo, as AJUPs prestaram
e continuam prestando um importante papel ou contribuição
na formação dos estudantes dos cursos de Direito. Através de
sua metodologia de trabalho, referenciais teóricos e práticos de
ação, o trabalho das assessorias jurídicas universitárias populares
vem contribuindo não só com os cursos de Direito, mas fazendo
com que a universidade possa cumprir uma de suas principais
funções sociais em uma sociedade democrática, que é realizar,
constantemente, o controle das instituições políticas e promover
práticas emancipatórias.

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839
Democracia e autoritarismo:
reflexão sobre o impacto na educação
em Direitos Humanos

Paulo César Carbonari 1


Ésio Francisco Salvetti 2

Resumo

O trabalho apresenta uma visão crítica à presença do
autoritarismo na democracia contemporânea e seu impacto na
educação em direitos humanos. A desigualdade e a violência
mostram que há um padrão de autoritarismo que permanece
presente nas democracias contemporâneas como íntima relação
de apoio reverso, estranha, mas que se consolida nos processos
de institucionalização de medidas segregacionistas, punitivistas
e seletivistas. A continuidade do autoritarismo nas democracias
contemporâneas contribui para a difusão de uma “pedagogia
da crueldade” (Segato), com impactos na educação em direitos
humanos, como dinâmicas antipedagógicas, já que estes processos
comprometem a vida democrática, a solidariedade social, a boa
convivência e a garantia dos direitos humanos. Há um modo-de-
vida anti-vida ou que entende que a eliminação da vida de uns/
umas, é legítima, senão necessária, para que se sustente a vida
dos escolhidos. Isso faz desenvolver um processo de formação
orientado pelo ódio, pelo punitivismo e pela seletividade
meritocrática, dinâmicas contrárias aos direitos. Também indica
caminhos apresentando a educação em direitos humanos como
componente da produção de uma cultura democrática, como

1. Doutor em filosofia (Unisinos), mestre em filosofia (UFG), foi professor do Instituto


Superior de Filosofia Berthier (IFIBE) até seu encerramento (2019). Associado da
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF). Militante de direitos
humanos (MNDH). Contato: carbonari.paulo@gmail.com
2. Doutor e mestre em filosofia (UFSM em cotutela com Università Degli Studi di Padova,
Itália), graduando em Direito. Foi professor do Instituto Superior de Filosofia Berthier
(IFIBE) até seu encerramento (2019). Associado da Comissão de Direitos Humanos de
Passo Fundo (CDHPF). Contato: esiosalvetti@gmail.com

840
exercício de luta permanente e de aprendizagem constante, como
um modo de enfrentamento da violência e da herança autoritária.

Palavras Chave: Democracia. Autoritarismo. Direitos Humanos.


Educação.

Resumen

El trabajo presenta una visión crítica de la presencia del


autoritarismo en la democracia contemporánea y su impacto en
la educación en derechos humanos. La desigualdad y la violencia
muestran que existe un patrón de autoritarismo que sigue presente
en las democracias contemporáneas como una relación íntima de
suporte mutuo, extraño, pero que se consolida en los procesos
de institucionalización de medidas segregacionistas, punitivas y
selectivistas. La continuidad del autoritarismo en las democracias
contemporáneas contribuye a la difusión de una “pedagogía de
la crueldad” (Segato), con impactos en la educación en derechos
humanos, por sus dinámicas anti-pedagógicas, ya que estos
procesos comprometen la vida democrática, la solidaridad social,
la buena convivencia y la garantía de los derechos humanos. Hay
una forma-de-vida anti-vida que entiende que la eliminación de
la vida de unos es legítima, si no es necesaria, para sostener la vida
de los elegidos. Esto lleva al desarrollo de un proceso de formación
sostenido en el odio, el punitivismo y la selectividad meritocrática,
dinámicas contrarias a los derechos. Trabaja formas de presentar
la educación en derechos humanos como un componente de la
producción de una cultura democrática, como un ejercicio de
lucha permanente y aprendizaje constante, como una forma de
confrontar la violencia y la herencia autoritaria.

Palabras Clave: Democracia. Autoritarismo. Derechos humanos.


Educación.

Introdução

O propósito deste artigo é apresentar uma visão crítica da


democracia contemporânea e seu impacto antipedagógico na
educação em direitos humanos. A análise de acontecimentos
contemporâneos, como a crescente ascensão de governos
autoritários, faz questionar a efetividade da democracia, dando

841
destaque para algumas questões, como, por que emerge
novamente uma política de ódio? Os Estados Democráticos de
Direito consolidados a partir das chamadas “constituições rígidas”
do pós Segunda-Guerra mundial não foram suficientemente
fortes para barrar o autoritarismo? O que poderia justificar que a
precarização da vida venha a alcançar níveis altos e seja tão seletiva
na perversidade da violência e da desigualdade? Na democracia,
pode persistir o poder como dominação, e a organização do
Estado pode ser uma forma para o exercício de um autoritarismo
com novas roupagens? Como enfrentar com educação a estas
questões, se é que isso é possível?

A democracia não suplantou completamente o


autoritarismo que pretendia ter deixado para traz. Daí porque
a necessidade da reflexão sobre a relação entre autoritarismo e
democracia e suas consequências, inclusive pedagógicas.

Para enfrentar as questões apontadas, mesmo que não


na sua completude, será seguido o seguinte caminho: no
primeiro momento, através da exposição de dados estatísticos
que demonstram a desigualdade social, racial, de gênero e os
alarmantes dados da violência, enfatizar-se-á como o Brasil
“nasceu” autoritário e esse padrão permanece presente mesmo
no processo de redemocratização do país. Destacam-se que as
desigualdades alarmantes são a confirmação que o Brasil não
rompeu com o passado autoritário.

No segundo momento objetiva-se demonstrar como esses


padrões de continuidade do autoritarismo brasileiro contribuem
para o que se denominou de “pedagogia da crueldade”, como uma
perspectiva para o entendimento da dimensão social e pública da
violência. A crueldade ali levada a termo “não é instrumental”, tem
uma finalidade política e pedagógica em torno da qual gravita
todo o edifício do poder.

Finalmente, o terceiro momento, apresenta-se a perspectiva


da educação em direitos humanos como modo de enfrentamento
da herança autoritária e da violência. A educação em direitos
humanos, em contextos autoritários, desafia para uma constante
formação para a democracia como um exercício político de luta
permanente e de aprendizagem constante.

842
Espera-se demonstrar a relação de continuidades entre
autoritarismo e democracia, buscando compreender os impactos
para uma cultura dos direitos humanos e os desafios que se
colocam para a construção de uma cultura democrática e para a
educação em direitos humanos como mediação, senão suficiente,
ao menos necessária neste contexto.

Continuidades Autoritárias

Assistimos a crescente ascensão do autoritarismo nos dias


atuais. É o que se percebe na Turquia, sob a presidência de Recp
Tayyip Erdogan, na Polônia, com Andrzej Duda, na Hungria, com
Viktor Orbán, nos Estados Unidos, com Donald Trump, na Itália,
com Matteo Salvani, nas Filipinas, com Rodrigo Duterte, em
Israel, com Benjamin Netanyahu, e, no Brasil, com Jair Bolsonaro.
Estes governos, através de medidas administrativas, judiciais e
extrajudiciais testam a resiliência institucional das democracias
e buscam operar medidas de “desidratação” das constituições
democráticas. A adoção de medidas autoritárias por esses
governos tem como fundamento algumas estratégias comuns:
adoção de uma narrativa de rememoração de um passado mítico
e glorioso; a criação de anti-intelectualismo e um antijornalismo;
a defesa de retorno de valores patriarcais de maneira a elevar
conceitos como hierarquia e ordem; o uso da polícia do Estado ou,
se necessário, de milícias privadas para reprimir “bandidos” mas,
também adversários políticos; a naturalização de certos grupos
nacionais e a consequente ojeriza aos imigrantes; a manipulação
do Estado, de suas instituições e leis, visando perpetuar o controle
da máquina e garantir um retorno nostálgico aos valores da família
e da tradição, entre outros, como se fossem sentimentos puros e
imutáveis (SCHWARCZ, 2019. p. 186).

As características do autoritarismo são hoje facilmente


percebidas no Brasil. O que dizer dos ataques cometidos por
integrantes de partidos políticos de extrema direita às minorias
sociais, às ciências, à imprensa, aos intelectuais, à demonização das
questões de gênero e o ataque à Constituição? A forma como as
instituições naturalizam a desigualdade, negando a necessidade
de um acerto de contas com o passado, é característica de um
Estado autoritário que, para a manutenção do poder da velha
aristocracia dos senhores de terra, não permite, nem mesmo, que

843
se faça a memória do passado, com medo de que essa “memória”
anime cidadãos e cidadãs a repensarem o presente e a projetarem
um novo futuro. Por isso, para qualquer autoritário é conveniente
manter a população alienada em torno de narrativas míticas, como
por exemplo: aqui reina uma democracia plena, os preconceitos
e ódios raciais, de religião e de gênero não existem. Essa narrativa
se deve, em boa parte, pelas teses de Gilberto Freyre com a obra
“Casa Grande e Senzala” (1995), mesmo que suas teses tenham
sido contra-argumentadas pelo sociólogo Florestan Fernandes,
que fez profundos estudos demonstrado que o negro teria o pior
ponto de partida na integração à ordem social competitiva3.

A professora Schwarcz desmistifica essas narrativas e


lança alguns questionamentos que evidenciam a forma como o
autoritarismo se instalou e continua reinando em nossas terras.
Vejamos: “Como é possível definir o Brasil como um território
pacífico se tivemos por séculos em nosso solo escravizados e
escravizadas, admitindo-se, durante mais de trezentos anos, um
sistema que supõe a posse de uma pessoa por outra?” (2019, p. 18).
O Brasil foi o último país do mundo a romper com a escravidão e,
quando rompeu, o faz de uma forma ordinária. Primeiro libertou as
crianças, depois libertou os velhos, alguém que já estava acabado

3. Florestan tipifica sua compreensão da democracia racial enquanto um fenômeno


aparente das relações de raça, enquadrando-a como um mito e contrastando as
ideias referentes à absorção das interpretações freyreanas do padrão de convivência
racial no Brasil: “A democracia surgiu tímida e debilitada em nosso meio. Como seu
funcionamento e desenvolvimento normais dependem do poder relativo dos grupos
sociais que concorrem entre si no cenário social, ideológica e utopicamente, ela
forneceu, no início, um palco histórico exclusivo aos poucos grupos sociais que estavam
organizados, possuíam técnicas apropriadas para exercer dominação e autoridade e
lutavam sem vacilações pelo monopólio do poder (se preciso, sob o manto dos ‘ideais
democráticos’). O atraso da ordem racial ficou, assim, como um resíduo do antigo
regime e só poderá ser eliminado, no futuro, pelos efeitos indiretos da normalização
progressiva do estilo democrático de vida e da ordem social correspondente.
Enquanto isso não se der, não haverá sincronização possível entre a ordem racial e
a ordem racial existentes. Os ‘brancos’ constituirão a ‘raça dominante’ e os ‘negros’ a
‘raça submetida’. Doutro lado, enquanto o mito da ‘democracia racial’ não puder ser
utilizado abertamente, pelos negros e pelos mulatos, como um regulador de seus
anseios de classificação e de ascensão sociais, ele será inócuo em termos da própria
democratização da ordem racial imperante. A dinamização no sentido democrático e
igualitário da ordem racial tem de partir do ‘elemento de cor’, embora deva ser tolerada,
acolhida e sancionada pelos ‘brancos’ em geral. Construído e utilizado para reduzir ao
mínimo tal dinamização, o referido mito se converteu numa formidável barreira ao
progresso e à autonomia do ‘homem de cor’ – ou seja, ao advento da democracia racial
no Brasil” (FERNANDES, 2008, p. 326-327).

844
pela degradação física. Se não bastasse, o Estado indenizou os
senhores escravocratas, como forma de compensação pelas
perdas com a abolição da escravidão; mas não os escravizados/as.
O Estado brasileiro promoveu uma marginalização da população
negra liberta e, através das ondas de imigração foi compondo uma
classe média branca. Não proporcionou ao negro a possibilidade
de participar de fato como ser humano da vida social. Não foi dado
ao negro uma condição humana adequada. Ele sempre foi tido
como um ser excluído do meio social. Por isso, podemos afirmar
que a escravidão terminou sob o ponto de vista jurídico formal,
mas ainda repercute seus efeitos práticos na vida da maioria da
população, que é negra.

Schwarcz faz um segundo questionamento: “como é


possível representar o país a partir da ideia de uma suposta coesão,
partilhada por todos os cidadãos, quando ainda somos campeões
no quesito desigualdade social, racial e de gênero [...]?” (2019, p.
19-20). Por mais que sejam visíveis as transformações ocorridas
no Brasil, passamos rapidamente de um país rural para um país
urbano, mas aquela estrutura rural permaneceu inalterada: “nosso
território foi majoritariamente dividido em grandes propriedades
monocultoras, que concentravam no senhor de terra o poder
de mando e de violência, bem como o monopólio econômico e
político”. No entanto, mesmo com a transformação para uma vida
mais urbana a estrutura, a mentalidade e a lógica dos latifúndios
permaneceram “cujos senhores viraram os coronéis da Primeira
República, parte dos quais ainda se encastelam em seus estados,
como caciques políticos e eleitorais” (SCHWARCZ, 2019. p. 19).

O processo de redemocratização do país, que culminou


com a promulgação da Constituição de 1988, foi um esforço por
criar instituições que consolidassem e efetivassem os princípios
da democracia e da justiça social, no entanto, o que assistimos
foram os grandes poderes econômicos utilizando-se da
estrutura estatal para o uso pessoal e privado, e a incapacidade
de fazer frente aos grandes fatores estruturantes da violência
e da desigualdade, o que demonstra a debilidade de nossas
instituições democráticas. Se, de um lado, pode-se caracterizar os
últimos anos como avanço democrático, pelo fato de ter crescido
a participação eleitoral, a conquista do sufrágio às mulheres e
outras conquistas do gênero, por outro, pouco, ou quase nada se

845
alterou no que se refere à desigualdade de renda, da propriedade
e a concentração de poder, além da injustiça racial. Assim como
denuncia o economista Thomas Piketty, na sua obra “O Capital no
Século XXI”, o advento do sufrágio universal foi sem duvida um
importante passo para acabar com a dominação política legal
dos detentores de patrimônio, mas não foi essa conquista política
capaz de controlar as forças econômicas produtora de uma elite
rentista (2014, p. 535).

Relatório feito pela Oxfam Brasil mostra como persiste


o desequilíbrio da sociedade brasileira no meio rural: “1% das
propriedades rurais é dona de 45% de toda a área rural do país”,
sendo que, olhando por outro lado, “os estabelecimentos com área
inferior a dez hectares representam mais de 47% do total do país,
mas ocupam menos de 2,3% da área total”. Ela também aponta
“grande desigualdade de gênero no setor rural”: os homens estão
à frente “de 87,32% dos estabelecimentos, representando 94,5%
das áreas rurais brasileiras”4. Essa desigualdade na distribuição de
terra também reflete nos números do acesso ao crédito agrícola
onde as grandes propriedades rurais, com mais de 1.000 hectares,
concentram 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos menores
estabelecimentos, esse percentual varia entre 13% e 23%. Mesmo
sem acesso a recursos, são os pequenos produtores os responsáveis
por produzir mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa
do brasileiro. Nos municípios com mais concentração fundiária
encontram-se os maiores níveis de pobreza e desigualdade. Mas,
infelizmente, não é só no campo que a desigualdade do Brasil se
apresenta. A desigualdade é um fenômeno enraizado em nossa
história e hoje se apresenta com várias faces, seja econômica,
racial, de gênero e social. Para a historiadora Schwarcz (2019, p.
102) as desigualdades alarmantes no Brasil demonstram que não
conseguimos romper com o passado estruturado na mão de obra
escravizada, na divisão latifundiária da terra, na corrupção e no
patrimonialismo. Um demonstrativo desse fenômeno são os dados
da desigualdade: “os 10% mais ricos da nossa população acumula
mais da metade da renda nacional”. Ela também lembra que entre
2001 e 2015, “essa fatia da população teria visto sua parte na renda
crescer de 54% para 55%”. E mais, “a renda apropriada pelos 50%

4. Ver dados completos em www.oxfam.org.br/publicacao/menos-de-1-das-propriedades-


agricolas-e-dona-de-quase-metade-da-area-rural-brasileira.

846
mais pobres também subiu nos últimos anos; de 11% para 12%
do total”, sendo que “40% da população brasileira, a parcela do
meio, teve sua participação na renda encolhida de 34% para 32%”
(SCHWARCZ, 2019, p. 103).

Esses dados revelam que os avanços democráticos dos


últimos anos pouco contribuíram para barrar e transformar as
raízes autoritárias de estrutura social e econômica, ao contrário,
vem prolongando-as mesmo que em novos estilos. Esses dados
são mais reveladores da continuidade do autoritarismo quando
analisamos a desigualdade com o recorte de gênero e raça: “O
número de negras e pardas em situação de pobreza é de 35%,
enquanto o de homens brancos é de menos da metade: 16,6%.
O mesmo quadro se repete para a situação social caracterizada
como de “extrema pobreza” (SCHWARCZ, 2019, p. 104). Essa
desigualdade se revela assustadora quando analisamos os dados
das contribuições fiscais relativas às várias classes sociais, da mesma
forma quando se analisa os dados da educação e analfabetismo.

Fatores de ordem histórica, como o sistema escravocrata,


o coronelismo e o patriarcalismo podem ajudar a explicar o
autoritarismo presente na atualidade brasileira porque só
foram sustentados a partir da maquinaria repressora com a
conivência do Estado. Essa memória do passado pode não ser
suficiente para entendermos na sua completude os verdadeiros
fatores causadores dos dados do presente, mas esta memória é
importante pois denuncia um certo padrão de continuidade. As
análises ingênuas e ufanistas a respeito do Estado Democrático
do Direito argumentam que esse passado foi superado, hoje não
existe um sistema escravocrata, o que existe são algumas situações
de trabalho escravo, mas sem aval legal. As mulheres conquistaram
uma série de direitos, tudo graças à democracia. Obviamente
que não se trata de desmerecer as conquistas democráticas, no
entanto, há padrões de continuidade com o passado autoritário
que necessitam ser levados aopúblico. Esses padrões ficam
evidentes, além da desigualdade, nos dados da violência5.

5. Os dados da violência assim como outros aspectos do autoritarismo foram melhor


analisados em um trabalho anterior intitulado “Democracia e Autoritarismo: para uma
reflexão filosófica sobre o Extermínio Legítimo”. O artigo está no prelo à ser publicado
na Revista Veritas (ISSN 1984-6746).

847
O “Atlas da Violência”6, publicado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, mostra que a violência não atinge do mesmo modo a todas
e todos. Ela tem “preferências” cruéis: homens, jovens, negros,
pobres e com baixa escolaridade, mas também mulheres, negras.
Estas são as principais vítimas das mortes violentas no Brasil,
realidade que vem se repetindo nos últimos anos. Segundo o Atlas
de 2018, com dados até 2016, o Brasil chegou a 62.517 assassinatos.
O Atlas de 2019 diz que em 2017 foram 65.602 homicídios, uma
taxa de em torno de 31,6 mortes para cada cem mil habitantes,
sendo que, destes, 35.783 são jovens, mais da metade do total.
Note-se que, no caso dos jovens, a taxa sobe para 69,9, muito mais
do que o dobro da média do total dos homicídios em 2017. Para
2017 registrava-se que os negros tinham 23,5% mais chance de
serem assassinados. No Atlas de 2018 informa-se que 71,5% das
pessoas assassinadas eram negras ou pardas, sendo que, do total
dos homicídios, 53,7% (33.590 mortes) eram de jovens. Este dado
se confirma no Atlas 2019, no qual se identifica que 75,5% dos
homicídios em 2017 foram de pessoas negras, o que coloca a taxa
para este grupo em 43,1 por cem mil (enquanto para não negros é
de 16), sendo que a taxa de homicídios na década de 2007 a 2017,
cresceu 33,1% para negros/as, enquanto cresceu 3,3% para não
negros. Por outro lado, a maioria da população carcerária também
é formada majoritariamente por jovens, homens, negros e pobres.
Outro dado da desigualdade da violência mostra que, enquanto
a mortalidade de mulheres não-negras (brancas, amarelas e
indígenas) caiu 7,4% entre 2005 e 2015; entre as mulheres negras
subiu 22%. O Atlas 2019 informa que as taxas de homicídios para
mulheres negras cresceram 29,9% de 2007 a 2017, enquanto para
as mulheres não negras cresceu 4,5 no mesmo período.

Segundo o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões


(BNMP 2.0): Cadastro Nacional de Presos, do Conselho Nacional de
Justiça,7 em 6 de agosto de 2018, haviam 602.217 encarcerados/
as, dos quais 95% homens e 5% mulheres; 43,62% dos presos eram

6. Atlas de 2018. Disponível em www.ipea.gov.br/portal/images/stories/.../180604_atlas_


da_violencia_2018.pdf e Atlas 2019. Disponível em www.ipea.gov.br/portal/images/
stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_ da_violencia_2019.pdf.
7. Dados colhidos em www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/57412abdb54eba909
b3e1819fc4c3ef4.pdf. Acesso em 20/10/2019.

848
pardos, 11,34% negros (juntos somam 54,98%), 42,03% brancos e
3% outros; a faixa etária com 30,52% com entre 18 e 24 anos e
23,39% de 25 a 29 anos (soma total de 53,91% jovens), 17,42% de
30 a 34 anos, 20,4% de 35 a 45 anos e cerca de 8% com 45 anos e
mais.

A juventude negra e pobre, junto com as mulheres negras,


parece se constituir no novo “homo sacer”, aquele cuja vida é
matável sem que isso implique algum problema moral ou jurídico,
talvez nem mais religioso. No dizer de Agamben, trata-se de vida
desprovida daquilo que lhe era inerente: “O que temos hoje diante
dos olhos é de fato uma vida exposta como tal a uma violência
sem precedentes, mas precisamente nas formas mais profanas
e banais” (AGAMBEN, 1995, p. 126). Estas vidas são simplesmente
“desperdiçadas” e sua morte sequer se torna denúncia no sistema
de justiça e segurança. Não é natural que assim aconteçam as coisas,
que os jovens negros sejam mortos desse modo, que as mulheres, e
particularmente as mulheres negras, sejam atacadas de forma tão
brutal. Não seria esta uma mostra efetiva da falência da democracia
por não dar conta de um de seus requisitos, a igualdade?

Há vidas que não valem ou vidas que são matáveis. Assim


se tratou os indígenas, esses “sem nenhuma seita (religião)” (como
foram descritos por Colombo), o que foi entendido como seres
sem alma, não humanos, e que foram “convertidos” à condição de
humanos por bula papal8. Negros/as africanos/as, esses/as que
foram tidos como “coisas”, vendáveis como “peças” nos mercados
de escravizados,9 por séculos submetidos à escravidão, libertos
sem que lhes fossem garantidas as mínimas condições para viver
por ter sido a abolição desacompanhada da reforma agrária e
do acesso à escola. A estes/as se somam as mulheres (indígenas
e negras, especialmente), estupradas pelos colonizadores ou
pelos senhores casa grande. O Brasil nasce genocida10, mantém

8. Trata-se da Bula Sublimis Deus, de Paulo III, de 29 de maio de 1537.


9. Uma das muitas referências é Abdias Nascimento, “Genocídio do Povo Negro” (1978).
10. Segundo Ramón Grosfoguel os: “quatro genocídios/epistemicídios ao longo do século
XVI são: 1. contra os muçulmanos e judeus na conquista de Al-Andalus em nome da
“pureza do sangue”; 2. contra os povos indígenas do continente americano, primeiro, e,
depois, contra os aborígenes na Ásia; 3. contra africanos aprisionados em seu território
e, posteriormente, escravizados no continente americano; e 4. contra as mulheres
que praticavam e transmitiam o conhecimento indo-europeu na Europa, que foram
queimadas vivas sob a acusação de serem bruxas” (2016, p. 31).

849
esta marca ao longo de sua história, a intensifica, produzindo
uma situação que dá preferência a jovens, negros, mulheres,
pobres, para serem vidas matáveis. Defensores/as de direitos
humanos, historicamente tratados como “defensores de bandidos”
também estão neste contexto potencialmente ameaçados por
representarem oposição política ao status da ordem.11

Uma “pedagogia da crueldade”

Há uma pedagogia que vem sendo produzida pela violência


disseminada na sociedade. Ela se constitui como “pedagogia da
crueldade” na formulação de Rita Laura Segato. No artigo “Las
nuevas formas de la guerra u el cuerpo de las mujetes” (2014)12
ela constrói esta formulação particularmente no contexto dos
debates sobre a violência contra as mulheres. Segundo ela,
a violência é parte do “controle sobre o território e os corpos
e dos corpos como territórios”. Ela enfatiza que “a crueldade
aplicada a corpos não guerreiros, sobretudo, se isola e potencia
a função propriamente expressiva destes crimes [...] é inerente e
indissociável em todos os tipos de violência de gênero” (2014, p.
345; 2016, p. 57, tradução nossa).

No entendimento que ela apresenta, “a violência, toda


violação, não é uma anomalia de um sujeito solitário, é uma
mensagem de poder e de apropriação pronunciado em sociedade”
” (2014, p. 360; 2016, p. 79, tradução nossa). Esta posição é
fundamental para dar a dimensão social e pública da violência.
Para entender esta expressão há que se distinguir a dimensão
instrumental da dimensão expressiva da violência, sendo que, na
violência sexual, a dimensão expressiva é predominante, razão
pela qual também se pode entender o sentido público e social
dessa violência – não é uma questão doméstica, do mundo
privado. A crueldade ali levada a termo “não é instrumental”,

11. No início de 2018, a Anistia Internacional denunciava que o Brasil é o país


das Américas que mais mata defensores/as de direitos humanos. Ver http://
observatoriodasmetropoles.net.br/wp/anistia-internacional-brasil-e-pais-das-americas-
que-mais-mata-defensores-de-direitos-humanos/
12. O mesmo artigo com pequenas modificações foi publicado no livro “La guerra contra
las mujeres” (2016), por isso fazemos a referência aos dois textos, quando coincidentes.
Por isso referiremos as duas publicações.

850
tem uma finalidade política e pedagógica – uma pedagogia da
crueldade”, “em torno da qual gravita todo o edifício do poder” ”
(2014, p. 361; 2016, p. 80, tradução nossa).

O treinamento militar para dominar, colonizar, expoliar,


rapinar se “exacerba nas guerras do presente”. No fundo trata-se
de uma “ordem econômico-militar” que atua “num cenário informal
e subterrâneo” que se insere em “processos de dessensitização
extrema e sem limites do desmonte deliberado e sistemático de toda
empatia humana”. Essa atuação se dá num “universo escassamente
normalizado como é o da Segunda Realidade13, da exibição da
crueldade como única garantia do controle territorial” (2014, p. 361;
2016, p. 80, tradução nossa, grifos no original). Ela vai dizer que “a
crueldade habitual é diretamente proporcional ao isolamento dos
cidadãos mediante a sua dessensitização” (2016, p. 21).

No fundo, a pedagogia da crueldade é consequência da


“pedagogia masculina e seu mandato”. Ela mostra sua crueldade
funcional e pedagógica visto que no corpo da mulher (e da criança), a
“crueldade se especializa como mensagem”, em razão do imaginário
antigo que vê nela um terceiro “inocente” e não um “antagonista
bélico”. São como que “vítimas sacrificiais” nas quais se sela “um
pacto de cumplicidade no poder e se espetaculariza seu arbítrio
exibicionista”. Esta é uma violência que tem um caráter público, é
uma “violência feminicida”, o que Segato chama de “femigenocídio”
– com base em Lélia Gonzales vai chamar de“amefricafemigenocído”
e com Rossana Reguillo, de “juventudicídio”, resultando em
amefricajuvenfemigenocídio” – para designar “a execução cruel
e sacrificial não utilitária senão expressiva de soberania, ato pelo
qual o poder exibe sua discricionariedade e soberania jurisdicional”
(2016, p. 22, tradução nossa).

13. Este conceito de “Segunda Realidade” é fundamental para compreender a posição


de Rita Segato. Vamos apenas situar para uma compreensão básica. Ela diz “[...] en el
subsuelo de ese mundo de supuestas transparencias, se encuentra lo [...] hoy prefiero
llamar Segunda Realidad, pues es una realidad especular con relación a la primera:
con bulto de capital y caudal de circulante probablemente idéntico, y con fuerzas de
seguridad propias, es decir, corporaciones armadas ocupadas en proteger para sus
“dueños” la propiedad sobre la riqueza incalculable que em ese universo se produce y
administra” (2014, p. 357). Mais adiante diz “Una de las consecuencias de la existencia
de una “segunda realidad”, con su capital propio, sus “dueños” y sus negocios es la
expansión de un campo bélico de características nuevas, difuso, de difícil aprehensión,
que está afectando progressivamente la vida de las sociedades” (2014, p. 358).

851
Para Segato, “o patriarcado colonial moderno tem um
caráter funcional de alta intensidade no projeto histórico do
capital na sua fase apocalíptica como disciplinamento e pedagogia
da crueldade” (2016, p. 96, tradução nossa). Segundo ela, cada
época tem uma “personalidade modal, funcional” a ela e a que
assim se adequa à fase apocalíptica do capital é a “personalidade
psicopata” (2016, p. 101, tradução nossa). O “perfil psicopata” se
caracteriza: a) pela sua “incapacidade de transformar o derrame
hormonal em emoção afeto”; b) sua “necessidade de ampliar
constantemente o estímulo para alcançar seu efeito”; c) sua
“estrutura definitivamente não vinculativa”; d) sua “pele insensível
à própria dor e, consequentemente e ainda mais, à dor alheia”; e)
sua alienação, encapsulamento, desenraizamento de paisagens
próprias e laços coletivos”; f ) a “relação instrumental e coisificada
com os outros” (2016, p. 102, tradução nossa). Esta personalidade
“parece indispensável para funcionar adequadamente numa
economia pautada ao extremo pela desumanização e a ausência
de limites para a abordagem de rapina sobre corpos e territórios,
deixando para traz somente restos”. No fundo, a “pedagogia da
crueldade” é um “criadouro de personalidades psicopatas que
são apreciadas pelo espírito da época e funcionais a esta fase
apocalíptica do capital” (2016, p. 102, tradução nossa).

Mas, no seu livro já clássico “Los estruturas elementales de


la violência” (2003) já dizia que “o paralelismo entre o racismo
automático e o sexismo automático, ambos sustentados pela
rotinização de procedimentos de crueldade moral, trabalham
sem descanso a vulnerabilidade dos sujeitos subalternos,
impedindo que se afirmem com segurança frente ao mundo e
corroendo cotidianamente os cimentos de sua autonomia, nos
devolve ao tema do patriarcado simbólico que se esconde por
trás de toda estrutura hierárquica, articulando todas as relações
de poder e sua subordinação. A violência moral é a emergência
constante, ao plano das relações observáveis da cena fundadora
do regime de status, isto é, do simbólico patriarcal” (2003, p. 121,
tradução nossa). Ela também vai esclarecer que o simbólico de
corte patriarcal organiza relações tensas e inevitavelmente cruéis,
sendo que “quase que na totalidade destas interações, a crueldade
é de ordem sutil, moral”. Mas a crueldade física não prescinde
do correlato moral: “sem desmoralização não há subordinação
possível e, se fosse possível uma crueldade puramente física, suas

852
consequências seriam inevitavelmente também morais” (2002, p.
122, tradução nossa) – cita clássicos da literatura sobre campos de
concentração nazista para ilustrar o que diz.

No livro “Contra-pedagogías de la Crueldade” (2018) ela


define as pedagogias da crueldade como “todos os atos e práticas
que ensinam, habituam e programam os sujeitos a transmutar o
vivo e sua vigtalidade em coisas. Nesse sentido, esta pedagogia
ensina algo que vai muito mais além de matar, ensina a matar
uma morte desritualizada, uma morte que deixa apenas resíduos
em lugar do defunto” (2018, p. 13, tradução nossa).14

Ela é enfática ainda mais quando diz que “o capital hoje


depende de que sejamos capazes de nos acostumarmos ao
espetáculo da crueldade num sentido muito preciso: que
naturalizemos a expropriação da vida, a predação, ou seja que
não tenhamos receptores para o ato comunicativo de quem é
capturado pelo processo de consumo. Expropriar a respiração
vital passa a ser visto como um mero procedimento que não
envolve dor, que não pode ser comunicado, um ato maquínico,
como qualquer consumação” (2018, p. 14, tradução nossa). A
rigor, a relação entre os sujeitos é meramente relação funcional,
utilitária, interesseira.

Ela vai apontar que a distribuição diferencial da produção


de saber se constitui com questão racial já que existem “corpos
que produzem valor, que agregam valor a seus saberes e produtos,
corpos com capital racial, e corpos cujos saberes e produtos são
desprovidos de valor” (2018, p. 92, tradução nossa). Sua crítica à
submissão colonial neste contexto é profunda, já que supondo que
a colonialidade impede que “tenhamos uma imagem verdadeira
de nós mesmos, do aspecto de nosso próprio rosto” (2018, p. 133,
tradução nossa). O olhar a si mesmo e ver-se colonizado faz gerar
um retorno às próprias origens: “ainda que nossos pais e nossos
quatro avós tenham nascido na Europa e que o olho do Norte olha
nossa corporalidade e nossa situação geopolítica, a posição de
nossos corpos na história. Isso é a raça, não é algo substantivo do

14. Esta definição parece se aproximar muito daquela dada por Erich Fromm (1965) como
“necrofilia” e o entendimento dos corpos impossibilitados de luto de Judith Butler
(2016).

853
organismo, da pessoa, senão uma posição num sistema histórico
de relações de dominação na história lida no corpo” (2018, p. 134,
tradução nossa).

Qual educação em Direitos Humanos

A educação em direitos humanos diante da violência e


destas heranças se coloca diante do desafio de formação para
a democracia e os direitos humanos. Um exercício político
agonístico, de luta permanente e de aprendizagem constante.
A educação em direitos humanos é sempre, e não mais do que,
processo, travessia, e que, por mais que se faça, nunca se terá
chegado a uma margem definitiva na qual se possa “descansar”
por ter chegado a um patamar de humanização satisfatório.
Educar em direitos é educar para o “nunca mais”, mas, acima de
tudo, é educar para a “vigilância” e para a “não-violência” e para a
mediação de conflitos e para práticas restaurativas.

Theodor Adorno15 faz pensar que os tempos autoritários


não são obra passada e nem lugares ou situações estanques.
Eles são parte do processo civilizatório, já que a barbárie não lhe
é seu oposto e sim sua outra face constitutiva. Esta é a principal
dificuldade para a educação em geral e para a educação em
direitos humanos: saber que, por mais que se eduque, sempre
estará posta a tarefa de seguir educando; saber que, por mais que
humanize, sempre estará posto o desafio de humanizar;16 saber
que, ao formar sujeitos/as, sempre estará posta a exigência de
formar sujeitos de direitos.

Outra aprendizagem é a respeito daquilo que a educação


em direitos humanos, assim como a luta contra o autoritarismo e
o fascismo, tem que enfrentar. E esta não é uma agenda pequena.
Não se trata de uma ou outra prática isolada ou uma dinâmica
pontual ou residual; trata-se de uma racionalidade, de um modo

15. Adorno diz que “a civilização, por seu turno, origina e fortalece progressivamente o
que é anti-civilizatório” (2003, p. 120). Opor-se a isso “tem algo de desesperador” visto
que “a barbárie encontra-se no próprio princípio civilizatório” (2003, p. 120). O que
“apavora” é que “a barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que tem de
fundamental as condições que geram esta regressão” (2003, p. 119).
16. Paulo Freire chama de “ontológica e histórica vocação dos homens [e mulheres] – a de
SER MAIS” (1975, p. 45).

854
de ser, de uma proposta de vida (ou de morte). O autoritarismo e
a violência como modo de agir cruel (“pedagogia da crueldade”)
está entranhado, como já vimos, e, se assim o é, seu enfrentamento
exige compreender no profundo o que significa ser autoritário.
Estudar o modo de ser autoritário, violento e cruel é um dos desafios
da educação em direitos humanos. Assim que, não basta saber
se há direitos, quais são eles, se estão sendo realizados ou não. A
educação em direitos humanos há que ajudar a compreender as
razões do “mal-estar” de sua irrealização em razão dessas práticas
desumanizadoras.

A educação em direitos humanos há que ajudar a entender


a perversidade que faz com que, ainda que não suprima os
direitos, os destrói de fato. Esta contradição mais contundente
do autoritarismo atual é o que desafia de modo ainda mais difícil.
Nos dias atuais, ainda que haja um desmonte em andamento,
os direitos humanos não foram retirados da Constituição. O
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)17 e o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH),18 o Parecer
e a Resolução do Conselho Nacional de Educação com as Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos,19 seguem

17. É o terceiro PNDH, publicado pelo Decreto Federal nº 7.037, de 21/12/2009. Substitui
o PNDH-2, que era de 2002 (Decreto Federal nº 4.229, de 13/05/2002). A única coisa
que foi revogada foi o artigo 4º que previa um Comitê de Acompanhamento e
Monitoramento (Decreto Federal nº 10.087, de 05/11/2019).
18. Elaboração iniciada em 2003 com a instalação do Comitê Nacional de Educação em
Direitos Humanos, publicado em 2006. Ironicamente foi republicado em 2018 pelo
então Ministério dos Direitos Humanos (ver www.mdh.gov.br/navegue-por-temas/
educacao-em-direitos-humanos/DIAGRMAOPNEDH.pdf). O incrível é que, para quem
se orienta pelo portal do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, é
como se tudo seguisse como dantes, inclusive com a existência do Comitê Nacional
de Educação em Direitos Humanos (ver www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/
participacao-social/comite-nacional-de-educacao-em-direitos-humanos-cnedh/comite-
nacional-de-educacao-em-direitos-humanos, acesso em 18 de janeiro de 2020), criado
pela Portaria n° 98, de 09/07/2003, reestruturado pela Portaria nº 372, de 25/08/2015
e extinto pelo Decreto Federal nº 9.759, de 11/04/2019, que, além deste, extinguiu
vários outros espaços de participação em todas as áreas do governo. Mantém inclusive
uma Coordenação-Geral de Educação em Direitos Humanos, com pessoa nomeada
para a função como se pode ver no “quem é quem” do MMFDH (ver www.mdh.gov.br/
quemequem acesso em 18 de janeiro de 2020, sendo que o currículo vitae do coordenador
à época pode ser encontrado em http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.
do?id=K4360372Z0).
19. Trata-se de decisão do Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE), através
do Parecer CNE/Pleno nº 8, de 06/052012 e da Resolução CNE/Pleno nº 1, de
30/052012 (ver www.mdh.gov.br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/
DiretrizesNacionaisEDH.pdf).

855
vigentes, mas sem efeito e efetividade, para não serem realizados.
Seria no mínimo ridículo fazer estudos destes instrumentos
como se efetivamente permanecessem existindo “para valer”,
quando, a rigor, são parte da história recente, e isso não é pouco,
a ser apagada pelos que estão nos postos do poder, ainda que
por enquanto não tenham sido revogados ou substituídos. Seu
estudo talvez possa servir para mostrar como a civilização e a
barbárie convivem! E para alimentar práticas de resistência.

A aprendizagem do como promover a formação da


consciência para a reflexão e a autorreflexão crítica e para a
resistência, como mediações para a autonomia – como sugere
Adorno –, revela-se como um programa de ação para a educação
em direitos humanos que é oportuno para o tempo em que
vivemos. Trata-se de insistir e fazer processos, ainda que em contra
a tudo o que se põe como apropriado.

A autonomia exige construir um tipo de posição que escapa


aos modos esquadrinhados e formatados. Ítalo Calvino, em “As
Cidades Invisíveis” (1972), traz o diálogo entre Marco Polo e Kublai
Kahm que se segue a Aglaura. O grande Kahm comenta que: “–
Entretanto, construí na minha mente um modelo de cidade do
qual extrair todas as cidades possíveis”. Segue: “– Ele contém tudo
o que vai de acordo com as normas. Uma vez que as cidades que
existem se afastam da norma em diferentes graus, basta prever
as exceções à regra e calcular as combinações mais prováveis”
(1990, p. 67). Em resposta Marco Polo sugere: “– Eu também
imaginei um modelo de cidade do qual extraio todas as outras”.
E segue: “– É uma cidade feita só de exceções, impedimentos,
contradições, incongruências, contrasensos. [...]” (1990, p. 67). O
embate entre o grande Kahm e Marco demonstra uma tensão
que também é própria dos direitos humanos e da educação em
direitos humanos: estar de acordo com as normas ou estar do lado
das incongruências, aderir ao sistema ou abrir-se a possibilidades,
constitui fazer dos direitos humanos mais um recurso de regulação
ou trabalhá-los como emancipação. Nossa tendência é mais ao
modo Marco, na tradução de Manu Chao, “clandestino, ilegal”20.

20. Ver na versão playing for change: www.youtube.com/watch?v=WvPmNdNc2-E

856
A possibilidade de desenhar modos outros de ser e de viver
que escapem à coisificação e à massificação que alimentam a
destruição da autonomia se colocam como tarefa pedagógica e
política para uma escola que se faça educadora e formadora de
sujeitos e sujeitas de direitos humanos. Assim que, a promoção da
educação em direitos humanos segue sendo encorajamento a ser
mais ao modo do querer em detrimento do modo do dever, ou a
fazer o dever ao modo do querer, visto que é porque queremos
direitos que concordamos com obrigações, não o contrário.
Aprender esta máxima anti-conservadora por excelência é um
dos principais desafios.

Aprender e seguir ensinando que os direitos humanos são


a afirmação de que a humanidade é um bem comum a todos/as é
primordial para a educação em direitos humanos. A humanidade
que está em cada ser humano é exatamente a mesma: são iguais.
Mas, ainda que a humanidade que está em cada um/a seja a
mesma, o modo como ela se apresenta é singular: humanos/as
são únicos/as, distintos. Por isso, aprender a não-discriminação.21
Mas é também aprender a querer o usufruto de todos os bens e as
condições necessárias ao bem-viver (o direito à saúde, à educação,
à cultura, à moradia, à alimentação saudável, à liberdade de
expressão, à mobilidade, a não sofrer violência, a seguir a
religiosidade que quiser, ao trabalho decente, à remuneração
justa, ao lazer, à previdência e assistência social, enfim...). Por isso,
aprender a se opor a todas as formas de imposição de austeridades
destruidoras de direitos e de vidas.

21. Angela Davis pede que: “numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso
ser antirracista”. Na conferência magna que pronunciou na Reitoria da UFBA, em
25/07/2017 (transcrição de Naruna Costa, tradução de Raquel de Souza e notas de
Juliana Borges, publicada no Blog da Boitempo) diz: “Afirmamos que, na medida em que
nos levantamos contra o racismo, nós não reivindicamos ser inclusas numa sociedade
racista. Se dizemos não ao hetero-patriarcado, nós não desejamos ser incluídas em
uma sociedade que é profundamente misógina e hetero-patriarcal. Se dizemos não
à pobreza, nós não queremos ser inseridas dentro de uma estrutura capitalista que
valoriza mais o lucro que seres humanos”. E mais adiante “[...] quando as vidas das
mulheres negras importam, então o mundo será transformado e teremos a certeza de
que todas as vidas importam” (ver https://blogdaboitempo.com.br/2017/07/28/ angela-
davis-construindo-o-futuro-da-luta-contra-o-racismo/).

857
Considerações Finais

A democracia não suplantou completamente o autoritarismo


que pretendia ter deixado para traz. A identificação da crescente
ascensão do autoritarismo ao redor do mundo e também no Brasil
levou a refletir sobre a relação entre autoritarismo e democracia,
destacando os impactos antipedagógicos desse fenômeno na
educação em direitos humanos.

Os modos de ser e de agir do autoritarismo contemporâneo


revelados pela desigualdade e a violência no Brasil alertam
para o fato de que os avanços políticos democráticos havidos,
ainda pouco contribuíram para barrar e transformar as raízes
autoritárias de nossa estrutura social, econômica e política; ao
contrário, vem prolongando-se mesmo que em novos estilos.
Esses dados são ainda mais reveladores da continuidade do
autoritarismo quando analisamos a desigualdade e a violência
com o recorte de gênero e raça. Obviamente, o trabalho não nega
ou desmerece as conquistas democráticas, no entanto, de forma
crítica e fundamentada, aponta contradições e fragilidades das
democracias, mas que na prática põem em movimento medidas
autoritárias.

O fenômeno do autoritarismo produziu um impacto


antipedagógico para a educação em direitos humanos. Diante
da violência e desigualdades de nossa sociedade uma pedagogia
tomou corpo e constituiu-se como “pedagogia da crueldade”
que constrói esta formulação particularmente no contexto
dos debates sobre a violência contra as mulheres. A pedagogia
da crueldade é consequência da “pedagogia masculina e seu
mandato”. Ela mostra sua crueldade visto que no corpo da mulher
(e da criança), ela “se especializa como mensagem”, em razão do
imaginário antigo que vê nela um terceiro “inocente” e não um
“antagonista bélico”. São como que “vítimas sacrificiais” nas quais
se sela “um pacto de cumplicidade no poder e se espetaculariza
seu arbítrio exibicionista”. Esta é uma violência que tem um
caráter público, é uma “violência feminicida”: “o patriarcado
colonial moderno tem um caráter funcional de alta intensidade
no projeto histórico do capital na sua fase apocalíptica como
disciplinamento e pedagogia da crueldade”. Ela é ainda mais
enfática quando “o capital hoje depende de que sejamos capazes

858
de nos acostumarmos ao espetáculo da crueldade num sentido
muito preciso: que naturalizemos a expropriação da vida, a
predação, ou seja que não tenhamos receptores para o ato
comunicativo de quem é capturado pelo processo de consumo.

A aposta na educação em direitos humanos como


componente da produção de uma cultura democrática, como
exercício de luta permanente e de aprendizagem constante, coloca-
se como alternativa. Mesmo que as conquistas democráticas
tenham sido insuficientes para barrar a herança autoritária, apostar
na educação em direitos humanos é entender os direitos humanos
nunca estão dados, são sempre movimentos de busca, de luta.
Mesmo que hoje identifiquemos ameaças, a educação em direitos
humanos é uma forma de resistência, de impulsionamento à luta.
Educação em direitos humanos vai além de uma simples busca por
informações, exige, ao contrário, compreensão crítica do ato de
viver e de inserir-se no mundo. Ela é a possibilidade de desenhar
modos outros de ser e de viver que escapem à coisificação e à
massificação que alimentam a destruição da autonomia. Direitos
humanos não são uma dádiva, são construções históricas de luta
dos que querem fazer efetivos e realizados direitos humanos para
todos e todas. Vamos à luta!

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VALIM, Rafael. Estado de Exceção: a forma jurídica do neoliberalismo.


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861
Democratización de las ciencias y
el conocimiento, proceso inclusivo, participativo
y para el desarrollo regional

Gladys Hayashida Soiza1


Iván Huerta Pizarro2

Introducción

En América Latina, estos últimos años la cultura científica
ha cobrado importancia en las agendas de los Organismos de
Ciencia y Tecnología, poniendo en marcha diversos instrumentos
destinados específicamente a promoverla (Fernández-Polcuch
y cols. 2015). En este contexto, obedeciendo a una visión de
desarrollo social, económico local y nacional, se requiere integrar
a toda la sociedad, en el compromiso con la identidad territorial,
equidad y sostenibilidad en base al patrimonio científico. Esto es,
desde la educación inicial hasta la educación superior, incluyendo
además a la comunidad en general, para instalar en el imaginario
de los ciudadanos, de una región en constante crecimiento, la
valoración de la ciencia, ante la actitud y acciones a ejecutar,
frente a decisiones como sociedad en su conjunto, en base a la
ciencia y tecnología.

En Antofagasta, al norte de Chile, durante más de una


década se ha realizado un trabajo intenso de divulgación científica
y tecnológica a la comunidad. No obstante, el camino a recorrer
se presenta hoy, como un desafío para lograr, a través de acciones
interactivas y participativas, incluir a diferentes segmentos de la
sociedad, a formarse como ciudadanos del conocimiento con un
rol promotor del pensamiento innovador.

1. gladys.hayashida@uantof.cl
2. ivan.huerta@uanto.cl
Ciencia, Tecnología y Sociedad C-TyS, Vicerrectoría de Investigación, Innovación y
Postgrado, Universidad de Antofagasta.

862
A través de un proceso de popularización científica,
inclusivo a la ciudadanía que motive y permita la participación
de los individuos en actividades interactivas, se aportará a
encausar la democratización de la ciencia y el conocimiento, con
una dirección a fortalecer el desarrollo e impacto de la actividad
científica en la Región de Antofagasta.

Comunidad Educativa

Los estudiantes desde la educación pre básica hasta


la educación media, junto con las educadoras de párvulos y
profesores, son un público fundamental para la democratización
de la ciencia y el conocimiento. Despertar la curiosidad y el
asombro, en los alumnos y alumnas, es esencial para generar
adultos más informados y conscientes del entorno que los rodea.

Un factor importante, en este proceso, son los profesores


y educadoras de párvulos, que pueden transformarse en agente
de cambio en el aula, mediante el empleo de metodologías y
didácticas que permitan acercar el conocimiento científico y
tecnológico.

Por este motivo, las instituciones, organismos o fundaciones


que se dedican a la divulgación, difusión y valoración de la ciencia
y la tecnología; deben tener en consideración las complejidades
del sistema educativo (Planes de estudio, Sistemas de evaluación,
etc.) para ser un apoyo real y complementario de la comunidad
educativa (estudiantes, profesores y educadoras de párvulos).

Colocando, además, atención en generar contenidos e


iniciativas inclusivas que puedan atender al amplio espectro
de los estudiantes, para lograr que el conocimiento científico y
tecnológico pueda ser llegar a toda la comunidad educativa.

Territorialidad

Uno de los desafíos que enfrenta la difusión, la divulgación


y la valoración de la ciencia y la tecnología, es la centralización.
La mayoría de las instituciones que desarrollan el conocimiento
científico y tecnológico se ubican en las capitales regionales,
dejando un amplio territorio sin poder acceder a esta valiosa

863
información, de una manera directa.

Es esencial implementar iniciativas que puedan abarcar


la mayor cantidad del territorio de la región, con énfasis en
establecimientos educacionales rurales y pueblos alejados para
que el conocimiento pueda ser descentralizado de una manera
adecuada y que abarque a la mayor cantidad de localidades y
públicos.

Iniciativas Implementadas

Durante la ejecución del Proyecto Asociativo Regional


Explora de CONICYT Antofagasta por parte de la Universidad de
Antofagasta, entre los años 2016 y 2018, se desarrollaron una
serie de actividades e iniciativas que tuvieron un sello regional e
inclusivo.

- Ciclo de Charlas Públicas Científicas:

Esta actividad se desarrolló con la colaboración de la Biblioteca


Regional de Antofagasta. Durante tres años, se efectuaron 24
conferencias por parte de destacados científicos e investigadores
nacionales e internacionales (Tabla I). El objetivo de la iniciativa
era acercar la ciencia y la tecnología al público general, mediante
exposiciones que fueran gratuitas y con temas atractivos para pa
la comunidad.

Actualmente, se continua realizando esta iniciativa como


C-TyS UA, y se ha podido lograr un incremento en la participación
de público general.

864
Tabla I.- Charlas Realizadas el 2018

MES Título de la Charla EXPOSITOR(A)

Marzo Educación en Derechos Humanos en Chile: Mg Cs. Victoria Flores y Marcelo Carrera.
Desafíos y discusiones pendientes. Facultad de Ciencias Sociales, Artes y
Humanidades. UA

Abril Cambio Global y efecto sobre los océanos. Dr. Pedro Echeveste De Miguel. Instituto
Milenio de Oceanografía y académico UA.

Junio Diversidad acuática: El tesoro oculto de Dra. Adriana Aránguiz. Universidad


las lagunas del desierto. Católica del Norte

Julio Viajando al pasado a través de la Dra. Oriana Valenzuela, académica UA y


imagenología. Una mirada Nancy Montenegro, Museo Regional de
multidisciplinaria. Antofagasta.

Julio Viaje por los procesos. La transformación Dra. Pía Hernández Avendaño, Facultad
de los minerales. de Ingeniería, UA.

Agosto No van a creer lo que les voy a contar. Dr. Eduardo Unda Sanzana, Director
Desmitificaciones Centro de Astronomía UA

Septiembre ¿Chile, país de salmones? Dr. Chris Harrod, Instituto Milenio


INVASAL y académico UA.

Octubre Implantes odontológicos, desde su Dr. Iván Valdivia, Facultad de Ciencias


construcción hasta su inserción en de la Salud, UA.
los pacientes

Noviembre La araña de los rincones. Los riesgos y Dr. Alejandro Catalán, Facultad de
peligros de un huésped no deseado Ciencias de la Salud, UA.

- Ciencia en Ruta:

Actividad formada por una serie de iniciativas científicas


educativas, que recorren las nueve comunas de la región de
Antofagasta, visitando, durante el año, distintos establecimientos
educacionales, y otros espacios públicos, privados o comunitarios.
De esta manera, se descentralizan las actividades, que por lo
general se concentran en la Capital Regional. Brindando la
oportunidad de participación en estas instancias, a la comunidad
de toda la Región.

865
Los diversos talleres, muestras interactivas y experiencias
prácticas, que componen Ciencia en ruta, tienen en común el
objetivo de despertar la curiosidad y la capacidad de hacerse
preguntas, desde nivel pre escolar a educación media y incluyendo
a la sociedad civil.

Se abordan temas y disciplinas científicas que se desarrollan


en la región, como ciencias del mar; geología; procesos minerales;
medio ambiente; energías renovables; patrimonio y astronomía,
entre otras.

- Actividad científica en el aula hospitalaria “San Antonio“

Esta iniciativa consistió en llegar al Aula Hospitalaria “San


Antonio“ del Hospital Regional de Antofagasta, lugar donde
asisten seis pacientes que por su enfermedad no pueden
asistir con regularidad a un establecimiento formal. Una de las
actividades realizadas fue un Taller de “Biomimética“, disciplina
poco estudiada en Chile, y que consiste en estudiar cómo el ser
humano se ha insipirado en la naturaleza para resolver problemas
cotidianos.

Dentro del Taller se vivieron tres etapas; una introducción,


hitos importantes del desarrollo de la biomimética en la historia
mundial, finalizando con una actividad práctica donde los niños
pudieron desarrollar su creatividad, inspirándose en la naturaleza
y poder construir con materiales de deshechos, un invento que los
ayude a resolver alguna problemática que visualizaron.

Además, de este Taller de Biomimética, se desarrollaron


actividades del área de las Comunicaciones, y Ciencias del Mar.

- Visita Centro de Reclusión Provisoria del SENAME

En el compromiso de acercar la ciencia y tecnología a sectores con


menos acceso, tuvimos la oportunidad de realizar cuatro talleres,
en el Centro de Reclusión Provisoria SENAME en la ciudad de
Antofagasta. En la oportunidad, se pudo trabajar en grupo de 20
jóvenes en cuatro oportunidades, realizándose talleres educativos
en el área de Matemática, Biología, Química y Biomimética.

866
El objetivo, fue complementar de forma práctica la
programación educativa que lleva a cabo el Centro del SENAME
con los jóvenes internos, con el fin de reinsertarlos en la sociedad,
una vez concluida su etapa en este lugar.

- Talleres científicos en Campamentos

Durante los años 2017 y 2018 se coordinaron con la


Fundación ReCrea variadas actividades en algunos Campamentos
(viviendas en tomas de terreno) que se ubican en los sectores
periféricos de la comuna de Antofagasta.

Se llegó a Campamentos del sector centro alto, del extremo


norte y Barrio transitorio de La Chimba, donde la gran mayoría
de los habitantes son ciudadanos extranjeros, que viven en
condición de vulnerabilidad. En la oportunidad, se realizaron
talleres educativos a niños y niñas, con el objetivo de reforzar
y complementar la educación formal que reciben. Los talleres,
realizados fueron en variadas áreas, primeramente se llevó la
Muestra Audiovisual Científica Itinerante, MACI, donde los niños
conocen más sobre los océanos.

Además, de cuenta cuentos, con una activa participación


tanto de niños y niñas, como de sus padres o tutores, como
una forma de apoyar el reforzamiento de “Tardes Protegidas” de
Fundación ReCrea, donde se apoya a niños y niñas con mayor
riesgo social, realizamos los talleres ¿La flota de barcos flota? Y
¿Qué crees que ocurrió?, el primero destinado a niños de nivel
pre escolar; y la segunda actividad a escolares de segundo ciclo.
Los talleres buscaban que los asistentes pudieran desarrollar el
sentido crítico y reflexivo y de esta forma apoyar su formación
integral.

- Fiesta de la Ciencia “Antofagasta fuente de conocimiento


universal” (2016-2018)

Iniciativa realizada en el marco de la Semana Nacional de


la Ciencia y la Tecnología, es un evento que busca potenciar el
quehacer científico, tecnológico, cultural y artístico de la región.
Se han realizado tres versiones (2016-2018) en las que se reúnen
diversas instituciones, universidades y centros de investigación

867
científica, para dar a conocer en espacios interactivos, los
avances de la ciencia local. Además, de números artísticos y otras
actividades lúdicas, durante los dos días que se desarrollará la
iniciativa, dirigida a público familiar.

En esta actividad gratuita, y realizada en uno de los


sectores más populosos de Antofagasta, específicamente en la
Plaza Bicentenario, donde converge un público muy variado,
desde estudiantes universitarios, y de establecimientos de
enseñanza media y básica, llegando pre escolares. Por otro lado, la
organización se ha encargado de acercar a lo habitantes algunos
Campamentos que rodean el sector, como algunos más alejados,
poniendo buses de acercamiento. A la actividad, también llegan
muchos vecinos del sector, popularizando así la actividad y
acercando a la ciudadanía a este espacio gratuito de ciencia.

La participación y colaboración de redes en este evento


se muestra en la Figura 1. La red de colaboradores (entre
patrocinadores, auspiciadores y participantes), fue de 29, 40 y 40
en los años 2016, 207 y 2018, respectivamente, aumentando en el
tercer año de ejecución, en un 58%.

La cobertura comunicacional en tanto, en el año 2016 fue


de 63 apariciones en medios locales, en 2017, 30 y en 2018, 40
(Fig. 1). Aun cuando durante el periodo de tres años, disminuyó la
cobertura, se privilegió la difusión a través de redes sociales, que
demostró ser más efectiva.

Fig. 1. Red de colaboradores y cobertura comunicacional durante


la ejecución entre el 2016 y 2018.

868
En relación al público asistente, este es un indicador que
refleja el mayor impacto que tuvo el proyecto en sus tres años de
ejecución. Como se observa en la Fig. 2, desde 2.500 asistentes en
el año 2016, se obtuvo la participación de más de 5.200 asistentes
en dos días de Fiesta de la Ciencia en el 2018, lo cual evidencia
un aumento de público de más del 50% en el último año de
ejecución.

Fig. 2.- Cantidad de público asistente a la Fiesta de la Ciencia durante


los tres años de ejecución.

En el año 2018 solamente, se logró la participación de


50 espacios interactivos, 14 números artísticos, con una red de
colaboración de 40 instituciones públicas y privadas y más de
5.500 visitas.

La evolución de este proyecto, evidencia que la red de


colaboradores y la estructura programática del evento, son
fundamentales para su ejecución y el incremento del público
asistente, podría indicar un reconocimiento del evento en la
comunidad.

Conclusiones:

1. La Universidad de Antofagasta, ha fomentado el acercamiento


de la ciencia a la comunidad mediante la realización de
actividades de divulgación científica que logran comunicar
contenidos válidos y de una forma interactiva al público.

869
2. Con iniciativas como los Talleres en el SENAME, BARRIO
TRANSITORIO LA CHIMBA y CAMPAMENTOS, se logra llegar a
una población más vulnerable.

3. La iniciativa Ciencia en Ruta ha permitido el acceso a público


de diversas comunas de la Región de Antofagasta, permitiendo
una gran cobertura territorial.

4. La Fiesta de la Ciencia logra la participación masiva, gratuita y


abierta a todo público, incluyendo, incluyendo a estudiantes,
familias, investigadores y la sociedad civil.

5. Con motivación y compromiso, iniciativas como estas, permiten


el acceso de la ciencia, como un derecho de la ciudadanía.

870
Educação em Direitos Humanos como alternativa
à doutrina do choque

Gabrielly Carvalho Alves1


Karoline Santana2
Geziela Iensue3

Resumo

Atualmente a problematização da denominada “Doutrina
do choque” revela-se de suma importância, posto que contribuí
para a conscientização e discussão da fragilização da democracia
e dos direitos e liberdades fundamentais humanas historicamente
conquistadas. O presente artigo procura analisar a denominada
“Doutrina do Choque” no que tange ao seu conteúdo e à sua
implementação enfatizando as suas influências enquanto uma
faceta do modelo econômico neoliberal, e os desdobramentos das
medidas de “choque” nos regimes democráticos contemporâneos.
Nesse contexto, evidencia a relevância da concretização do direito
humano à educação e da Educação em Direitos Humanos (EDH),
destacando o caráter civilizador, emancipatório e alternativo da
educação em e para os direitos humanos às políticas e estratégias
do choque. Para tanto, empreende uma análise acerca dos
delineamentos gerais da “Doutrina do choque” enfatizando os
contextos de implementação na contemporaneidade, notadamente,

1. Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,


campus Três Lagoas, integrante do grupo de pesquisa: “Direitos Humanos Democracia
e Jurisdição Internacional”, e- mail: gabicalves23@hotmail.com. Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS/BR).
2. Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
campus Três Lagoas, integrante do grupo de pesquisa: “Direitos Humanos Democracia
e Jurisdição Internacional”, e- mail: karoline.s_santana@live.com Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS/BR).
3. Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná -UFPR. Mestre em Ciências
Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa –UEPG. Professora
Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
UFMS/CPTL. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Direitos Humanos, Democracia e
Jurisdição Internacional”. E-mail: igeziela@gmail.com. Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS/BR).

871
a experiência chilena e a norte-americana. Posteriormente, procura
discutir a provável transposição dessas estratégias e propostas já
em curso no Brasil no âmbito econômico e social básico, com ênfase
na área da educação. Por fim, reconhece a educação como um
direito humano fundamental de todos, bem como a centralidade
da educação para o desenvolvimento da personalidade e o
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, amplamente
assegurada em documentos e instrumentos internacionais, assim
como em sede constitucional e de legislação infraconstitucional. À
guisa de conclusão, procura destacar a potencialidade da Educação
em Direitos Humanos (EDH) à construção de sujeitos de direitos em
face do seu ínsito caráter civilizador, emancipatório e transformador
da realidade social.

Palavras-chave: Democracia. Direitos Humanos. Doutrina do


Choque. Educação. Emancipação.

A doutrina do choque e a fragilização dos Direitos Humanos


e da democracia

A discussão acerca da implementação da “Doutrina do


Choque” em contextos democráticos contemporâneos revela-
se deveras importante, posto que referida doutrina evidencia-se
como mais uma das facetas do modelo econômico neoliberal,
estruturando-se partir da combinação entre as estratégias de
radicalização das políticas econômicas de livre mercado e a
restrição e a supressão dos direitos e garantias fundamentais.

Ao longo do tempo, a continuidade desta prática de


cunho neoliberal pode resultar em apatia e/ou monotonia social
extremas. Ao suplantar modelos críticos anteriores impede
o fortalecimento de modelos políticos e socioeconômicos
considerados mais humanizados e consentâneos com a proteção
do Estado Democrático de Direito.

Com vistas a melhor análise sobre implementação das


“políticas ou práticas do choque” encaradas como mais uma
das facetas do modelo econômico neoliberal, assim como à sua
contribuição à fragilização dos direitos humanos e dos regimes
democráticos, se faz necessário apresentar os traços gerais e
algumas implicações entre o liberalismo clássico, o neoliberalismo

872
e a democracia.

Pode-se afirmar que a democracia e o liberalismo são


conceitos fortemente inter-relacionados e constituem uma junção
complexa. A democracia pode ser entendida como uma prática
governamental inserida em uma forma de governo, portanto, se
refere à distribuição do poder no âmbito estatal. Já o liberalismo
enquanto concepção de Estado, pode ou não assumir um viés
democrático.

Conforme afirma Norberto Bobbio, a democracia seria


uma decorrência “natural” do liberalismo, pois o processo de
democratização tendo sido impulsionado notadamente pela
ampliação do sufrágio, de certo modo, contribuiu para a crise
do modelo de Estado Liberal Clássico. O autor destaca que o
Estado liberal pode ser compreendido tanto por meio dos limites
impostos aos poderes do Estado quanto a partir dos limites das
funções estatais. O primeiro diz respeito ao Estado de Direito, e o
segundo ao Estado mínimo4.

Nesse sentido, sob a ótica do pensamento liberal clássico


de Adam Smith, cabe destacar que o sistema da liberdade
“natural” impõe ao Estado o cumprimento de apenas três deveres,
quais sejam, a defesa da sociedade contra os inimigos externos; a
proteção de todo indivíduo das ofensas que a ele possam dirigir os
outros indivíduos; e, por fim a execução das obras públicas que não
poderiam ser confiadas à iniciativa privada. (Smith apud Bobbio,
2013). A Constituição representa uma das formas garantidoras
do Estado de Direito ao assegurar a liberdade e a igualdade aos
indivíduos, e ao mesmo tempo, na esteira do liberalismo clássico,
juntamente com os poderes do Estado um mal necessário para a
manutenção da ordem pública interna e externa5.

4. Por conseguinte, o Estado pode assumir tanto um viés de Estado de Direito que não
seja mínimo, v.g., o Estado social contemporâneo, quanto um cariz de Estado mínimo
“que não seja um Estado de direito (tal como, com respeito à esfera econômica, o
Leviatã hobbesiano, que é ao mesmo tempo absoluto no mais pleno sentido da
palavra e liberal em economia) ”. (Bobbio, 2013, p.18).
5. Revela-se aí, a complexa e mútua relação entre “a liberdade do indivíduo com respeito
ao poder soberano e, em consequência, a subordinação dos deveres do soberano aos
direitos ou interesses do indivíduo”, Bobbio (2013, p.23).

873
Assim, pode-se afirmar que as principais premissas do
pensamento liberal clássico constitui a base do que atualmente
é denominado de neoliberalismo, em seu sentido mais amplo6.
Milton Friedman ao sustentar a relevância da preservação da
liberdade individual em face do estado, enfatiza a importância
de empreendimentos privados atuarem num contexto de livre
mercado, ou seja, num sistema de liberdade econômica e política,
bem como destaca o papel prioritário do capitalismo competitivo.
Aduz Friedman a função restrita de atuação estatal no que à
organização da atividade econômica em sociedades escoradas
no livre agir do mercado (Friedman, 2014).7 Nesse contexto, cabe
destacar que as formas de concretização da “Doutrina do choque”
se dão a partir da assunção às referidas ideias, em especial àquelas
sustentadas pelo modelo econômico neoliberal.

Segundo ensina Naomi Klein8, as estratégias utilizadas


pelos neoliberais com vistas à implementarem da “versão
fundamentalista do capitalismo” são resumidamente: a
configuração de um cenário perfeito marcado por uma grave
crise, o choque; a venda de parcelas do Estado à investidores
privados (durante o choque); e, a permanência das mudanças
implementadas (após o choque). (Klein, 2008). Klein explica
com base na doutrina de Friedman, que ocorre uma exploração
do estado de choque, isto é, o capital tira proveito do medo e

6. Trata-se de uma doutrina que melhor se desenvolveu a partir da década de 1970,


fundada na defesa da liberdade absoluta do mercado em detrimento à intervenção
estatal na economia. Cabe ao Estado atuar apenas em setores considerados
imprescindíveis à ordem social, ou seja, a defesa da segurança interna e externa, e
mesmo assim, minimamente.
7. Ressalta-se que, embora a doutrina de Adam Smith e de Milton Friedman constituam
forte embasamento teórico e até prático – como é o caso do pensamento de Friedman
– à implementação da Doutrina do Choque, há que se enfatizar, a diferença entre
Smith e Friedman no que se refere a não aceitação pelo primeiro da possibilidade
de execução das obras de infraestrutura públicas serem realizadas pela iniciativa
privada. Por outro lado, Friedman afirma que a iniciativa privada é essencial para a
existência do livre mercado. Para ele, cabe ao estado apenas atuar como um arbitro
se encarregando de determinar, interpretar e aplicar as “regras do jogo” aprovadas. A
função do governo se circunscreve à proteção dos cidadãos, uns para com os outros,
e à defesa externa frente aos inimigos além-fronteiras. Cabe ao Estado apenas manter
a lei, a ordem, garantir o cumprimento dos contratos privados e estimular mercados
competitivos (Friedman, 2014).
8. Conferir a sua obra considerada referência na tratativa acerca da implementação da
doutrina do choque intitulada “Doutrina do choque: a ascensão do capitalismo do
desastre”, publicada em 2008.

874
da desorientação gerada por situações de calamidade pública,
desastres, crises ou guerras para implementar suas políticas
radicais de livre mercado.9

Dessa maneira, posteriormente a uma guerra, a um


atentado terrorista, uma crise do mercado, ou um desastre
natural, configura-se o cenário perfeito para que o governo atue
em conjunto com as megacorporações aproveitando o momento
de instabilidade social para implementar as “políticas de choque”.
As estratégias se restringem basicamente às medidas tendentes
a suspensão dos direitos e garantias fundamentais, à efetivação
de privatizações de setores estratégicos e de áreas básicas, tais
como, saúde, educação e previdência. Com vistas a reafirmar as
suas conclusões, Naomi Klein empreende ainda, uma profunda
e detalhada análise sobre o desenvolvimento do capitalismo na
década de 1970, buscando problematizar os “mitos” econômicos
ocorridos pelo mundo, principalmente, o primeiro grande
experimento dos Chicago Boys10 no Chile, durante o governo
ditatorial de Augusto Pinochet.

A entrega da responsabilidade econômica aos chamados


“Chicago boys”, formados na linha neoliberal de Milton Friedman,
seu mestre na Escola de Economia de Chicago, significou a
colocação em pratica de uma política decididamente favorável
aos interesses do capital financeiro nacional e internacional. Com a
política de choque se intensificava a recessão, administrando-a na
direção de um novo modelo econômico, baseado na exploração
das chamadas “vantagens relativas” da economia Chilena. (Sader,
1983, p.40). Evidencia-se por oportuno, que a acumulação do
capital foi utilizada naquele momento no Chile com vistas a

9. Num de seus mais influentes ensaios, Friedman elaborou em termos teóricos a


tática nuclear do capitalismo contemporâneo que eu aqui denomino de doutrina do
choque. Ele observou que “somente uma crise – real ou pressentida – produz mudança
verdadeira. Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias
que estão à disposição. Esta, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver
alternativas as políticas existentes, mantê-las em evidencia e acessíveis até que o
politicamente impossível se torne o politicamente inevitável” (KLEIN, 2008, p. 16).
10. O termo foi usado inicialmente para se referir a um grupo de jovens economistas
chilenos que fizeram doutorado ou mestrado na Universidade de Chicago, considerada
referência em estudos sobre liberalismo econômico, e posteriormente retornaram
ao seu país, contribuindo para a implementação das políticas neoliberais durante a
ditadura de Pinochet.

875
privilegiar os ramos de exportação. 11

Nessa linha, David Havey afirma que as crises causadas pela


concorrência desenfreada entre as empresas privadas promovem
os excedentes de capital, que se transforma em excedentes
de força de trabalho e que desencadeiam os excedentes de
mercadorias. As mercadorias que não são vendidas acumulam-
se e acarretam, por um lado, o desemprego e a miséria da classe
trabalhadora, e por outro, os privilégios e a garantia de segurança
de mercado para os monopólios e oligopólios. Harvey, (2003).

Além disso, ocorreram privatizações em larga escala


e a redução massiva de investimentos em despesas sociais,
com a redução significativa do papel do estado, o que gerou
acentuada polarização e disparidade entre a população pobre
e as megacorporações que incentivavam a política de livre
mercado. Assim, o denominado “imperialismo” é responsável
em grande medida pelas maiores e mais nefastas violações aos
direitos humanos, haja vista que a busca desmedida pelo lucro
desconsidera, por onde quer que passe, o comprometimento
da soberania estatal e o aumento da miséria e das mazelas
sociais12. Apesar da experiência pioneira chilena ser bastante
elucidativa quanto à forma de ação da doutrina do choque, há
que se mencionar também outras experiências ao redor do
mundo, tais como, na Tunísia, na Argentina e na Espanha em
2001, dentre outros. Cabe enfatizar, que muitas destas estratégias
que compõem a implementação da doutrina do choque têm sido
cada vez mais utilizadas também por governos no Brasil. O que
será melhor analisado no próximo item.

11. Entretanto, em face da crise internacional, os investimentos estrangeiros no país


retornaram em pequena escala, gerando forte déficit nacional e fragilizando a
economia chilena, sendo necessário que o governo militar obtivesse empréstimos
e créditos junto aos bancos privados internacionais. Os créditos e empréstimos
substituíram a poupança interna, mas só em menor medida serviam a renovação da
estrutura produtiva, sendo canalizados prioritariamente para os créditos ao consumo.
12. Para a implementação do novo modelo econômico, o governo privatizou as centenas
de empresas nacionalizadas pela Unidade Popular e diminuiu drasticamente o gasto
público, por meio do licenciamento maciço de empregados públicos e a redução da
despesa social do governo, Sader (1984).

876
O Brasil e a doutrina do choque

A partir da problematização até aqui exposta, pode-


se afirmar que o Brasil parece também seguir a agenda
pormenorizada por Naomi Klein quando disseca a “Doutrina do
Choque”. As medidas e as estratégias utilizadas pelos governos
brasileiros, notadamente, desde as últimas décadas do século
XX e início do século XXI, centram-se sobretudo, na retirada de
qualquer possibilidade de o Estado intervir na economia.

Nota-se uma crescente tentativa de minar e desorientar


estratégias e mobilizações coletivas, tais como a desarticulação
de conselhos e órgãos comunitários, bem a fragilização e até
mesmo a criminalização de movimentos sociais, precarização de
serviços básicos de saúde, educação e assistenciais. Somam-se a
isso, a disseminação de informações mentirosas, destorcidas da
realidade (fake news) e efêmeras, nesse tempo pontilista13 (do
aqui e do agora). Também cresce a adoção à atuação da chamada
“guerra jurídica” ou lawfare com vistas a derrubar e/ou derrotar
governos ou substituir regimes políticos, justificada e ancorada na
ideia de combate à corrupção.

Uma das formas utilizadas para a implementação exitosa da


doutrina do choque no Brasil, é promover e agravar uma forte crise
política, uma vez que as características e condições geológicas e
ambientais brasileiras, não favorecem o fomento de crises capazes
de comprometer ou impactar a totalidade do país, diferentemente
de outros contextos, tais como o norte- americano.

A partir dessa abordagem, cabe ressaltar a crise política


deflagrada a partir da reeleição bastante acirrada da presidente
Dilma Roussef, em 2014. Há época, se pode notar uma enxurrada
de notícias veiculadas pela imprensa procurando enfatizar a
perda de controle e incompetência do governo quanto ao trato
das matérias relacionadas à segurança, à política e à economia.

Mesmo durante a corrida eleitoral a então candidata já

13. O termo “pontilista” é utilizado por Zygmunt Bauman em sua obra intitulada
“Modernidade Líquida” para explicar a efemeridade/liquefação das relações na
atualidade.

877
sofria com ataques e constantes denúncias de corrupção da
Petrobras em face famosa “Operação Lava-Jato”. O dólar subiu
abruptamente após o resultado das eleições presidenciais, e logo
em seguida, o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou as contas
da presidência, servindo de estopim e alavancando propostas de
impeachment, que se seguiram14.

Nesse contexto, cabe evidenciar também o atípico processo


eleitoral para a presidência da república ocorrido em 2018, cujo
o número elevado de nove candidatos no primeiro turno se
lançaram à disputa pela presidência, tendo chegado ao segundo
turno os candidatos, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad15.
Destaca-se por oportuno, que tal processo eleitoral foi marcado
por escândalos envolvendo a utilização das chamadas “fake news”,
o que implicou, inclusive, a criação de página na internet pelo
Tribunal Superior Eleitoral com o intuito de desmentir as notícias
falsas que circulavam.

Nota-se atualmente, a adoção de uma sequência de


medidas e propostas de “reformas” que propugnam à necessidade
de ajuste fiscal, consentâneas com os pré-requisitos descritos por
Klein e outros estudiosos quanto à ambiência de implementação
da doutrina do choque. Destacam-se por oportuno, as seguintes
estratégias e medidas algumas em curso outras em vias de
aprovação legislativa, consistentes na venda de empresas públicas;
a reforma do regime jurídico único dos servidores, a demissão
de servidores ativos, a contribuição previdenciária para inativos,
a cobrança de alíquota extra de contribuição previdenciária, a
maximização do direito penal, o fim da oferta de ensino superior
público, dentre outras.

Outrossim, a implementação das referidas políticas


neoliberais se dão in terra brasilis desde a redemocratização, ainda

14. Resultando efetivamente na aceitação e abertura do processo de impeachment


pelo presidente da Câmara dos Deputados, em 2 de dezembro de 2015, em face dos
pedidos dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. O processo
foi concluído em 31 de agosto de 2016, tendo durado 273 dias culminando na cassação
do mandato, sem a perda dos direitos políticos da presidente Dilma Roussef.
15. Ambos os candidatos com propostas de governo bem distintas, tendo saído vitorioso
do pleito Jair Bolsonaro, candidato este que apresentou uma proposta de governo
ultraconservador e de cunho econômico neoliberal.

878
que anteriormente de modo mais velado, tendo-se intensificadas
durante o governo do presidente Collor de Melo, após o início da
criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), na década
de 1990.16 O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso
deu continuidade ao programa de privatizações, entre os anos
de 1995 a 1998 várias empresas do setor das telecomunicações
brasileiras foram privatizadas. Como o objetivo da venda era
“macroeconômico”, ou seja, com intuito de conseguir receitas
não inflacionárias para o pagamento da chamada Dívida Pública,
o estado buscou majorar o valor dos preços das vendas das
empresas e o instrumento utilizado foi o leilão17.

Registra-se, por oportuno, que as medidas e políticas


neoliberais foram também implementadas em inúmeros países
da América Latina, gerando inclusive várias crises econômicas
e instabilidades políticas. Embora o Brasil tenha sentido menos
os resultados dessas crises econômicas à época, do que alguns
países que levaram à risca as recomendações do Consenso de
Washington, tais como, a Argentina, nossa situação econômica e
social atual é em grande medida resultado desse longo processo.

É sabido que as privatizações induzem diminuição de


receitas estatais e reforçam a ilusória ideia de poupança e
investimentos no setor, o país perde economicamente com as
remessas de lucros enviados para o exterior, com a compra e a
substituição de equipamentos importados; os trabalhadores
acumulam perdas com a terceirização e a precarização das

16. Referido programa era resultado das recomendações firmadas durante o Consenso
de Washington para os países “subdesenvolvidos”, cujas exigências do Fundo
Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos
Estados Unidos impunham aos países “emergentes” a adoção de medidas rigorosas
de ajuste fiscal, a promoção de privatizações em larga escala para a estabilização
“macroeconômica” e o abandono do protecionismo estatal. De modo geral a proposta
visava reduzir o tamanho do estado e favorecer a abertura da economia interna para o
mercado exterior (globalização econômica).
17. O balanço final foi positivo resultando numa receita de 67% acima da somatória
dos preços mínimos previstos, porém os ágios pagos pelos compradores, acima do
valor mínimo, foi basicamente um repasse público para o setor privado, já que os
compradores ganharam isenção do imposto de renda nos anos subsequentes, até
amortecerem os ágios pagos a mais na compra, Lins (2000).O Brasil, no início da
década de 1990, experimentou uma recuperação econômica promissora resultante
em certa medida da industrialização. A balança comercial do país à época foi positiva,
isto é, as exportações superavam as importações, Biondi (2003).

879
relações de trabalho, assim como os usuários perdem com a falta
de qualidade dos serviços, Lins (2000).

Nesse contexto, uma possível estratégia à manipulação da


população por tais medidas e ações seria a tomada de consciência
acerca de sua própria história, concomitantemente com a
observação no que se refere ao encaminhamento dos recursos
nacionais18. No próximo item, tratar-se-á da implementação das
políticas do choque na área da educação, com vistas à proposição
da educação como um instrumento alternativo às estratégias e às
medidas examinadas.

A educação em Direitos Humanos como alternativa à doutrina


do choque

A redemocratização do Estado brasileiro marcada pela


promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, e a ratificação de importantes instrumentos jurídicos
internacionais na década de 1990, foram responsáveis por
delinear uma arquitetura normativa de proteção, garantia e
respeito aos direitos humanos, em especial a promoção do direito
à educação e à cultura de respeito aos direitos humanos com
vistas ao fortalecimento da cidadania ativa e emancipatória.

É preciso explicitar aqui, por oportuno que, embora o


conceito de Educação em Direitos Humanos esteja intimamente
conectado com a noção de direitos humanos e com a noção
do direito à educação, com estas não se confunde. Os direitos
humanos podem ser compreendidos como o “conjunto de
faculdades e instituições que, em cada momento histórico,
concretiza as exigências da dignidade, da liberdade e da
igualdade humana” (Pérez Luño, 1999, p. 48). Já a Educação em
Direitos Humanos se constitui em um processo sistemático e
multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos e
implementa a cultura de respeito aos direitos humanos (PNEDH,
2007, p. 25). Assim, a educação na gramática das democracias
contemporâneas deve assumir um caráter permanente e contínuo

18. Assim, deve-se trazer à baila as seguintes questões fundamentais: 1). Quem está
ficando mais rico? 2). E, quem está ficando mais pobre?

880
necessariamente voltado para mudança e para a inculcação
de valores compreensivos que propiciem o desenvolvimento
holístico do ser humano.

Conforme a redação da Declaração Universal dos Direitos


Humanos (1948) em seu artigo 26, a educação deverá ser assegurada
a todos e deverá ser orientada para o pleno desenvolvimento
da personalidade humana e para o fortalecimento do respeito
pelos direitos do ser humano e das liberdades fundamentais. O
reconhecimento da educação como um direito fundamental
está previsto também no artigo 13 do Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais19 (1966).

Outrossim, no âmbito da Organização dos Estados


Americanos (OEA), a Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem (1948), estabelece em seu artigo 22, que “toda pessoa
tem direito à educação, que deve inspirar-se nos princípios de
liberdade, moralidade e solidariedade humana”, bem como
destaca o necessário e efetivo desenvolvimento da Educação
em Direitos Humanos (EDH). O Protocolo Adicional à Convenção
Americana sobre Direitos em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (“Protocolo de San Salvador”), evidencia o
dever dos Estados-partes em promover uma educação voltada
ao fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelo
pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela
justiça e pela paz”. Referido dever a ser cumprido pelos Estados-
partes foram reafirmados nas Declarações de Direitos resultado
das Conferências Mundiais sobre Direitos Humanos ocorridas,
respectivamente, em 199320 e 2004.

No plano da ordem jurídica interna brasileira, o direito à


educação é reconhecido pela Constituição Federal da República
Federativa do Brasil (1988), em seu artigo 6º como um direito

19. Referido instrumento internacional foi internalizado ao direito brasileiro por meio do
decreto n. 591, de 06 de julho de 1992.
20. Declaração de Viena de 1993, destacam-se na matéria o seu preâmbulo e o artigo 33.
Nesse ínterim, destaca-se a preocupação em âmbito global no que tange ao esforço
pelo reconhecimento efetivo e universal da educação em direitos humanos, com a
proclamação da Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de Direitos
Humanos (1995-2004) por meio da aprovação da Resolução n. 49/184, da Assembleia
Geral da ONU (A/RES/49/184).

881
social, sendo explicitado pelo artigo 205, ao estabelecer que
a educação é um direito de todos, sendo considerada dever do
Estado, da família e da sociedade. Tendo por finalidade promover
o pleno desenvolvimento da pessoa, fornecer-lhe qualificação
para o mercado de trabalho e capacitá-la para o exercício da
cidadania. O artigo 208 da CF dispôs sobre como a educação
deverá ser ministrada e quais princípios deverá seguir21.

O direito à educação além de ser um direito social amparado


constitucionalmente, está assegurado ainda, por um vasto
arcabouço normativo infraconstitucional, dentre os quais, cabe
mencionar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
Lei n. 9.394/96 e o Plano Nacional de Educação (PNE) (2009), ambos
disciplinam as ações, metas e estratégias dos agentes públicos no
que tange às políticas públicas educacionais nacionais22.

Apresentadas algumas considerações e o trato normativo


dado ao direito humano fundamental à educação e à educação
em direito humanos, em âmbito global, regional e local, é
preciso evidenciar as estratégias de implementação das políticas
de choque na área da educação, primeiramente no exterior
e posteriormente no Brasil. Menciona-se o caso pioneiro de
implementação da “Doutrina do Choque” em Nova Orleans, no
ano de 2005, cujo governo adotou claras estratégias da política
do choque na área da educação. À época, lobistas aproveitando-
se do cenário catastrófico resultado de uma grande inundação
propugnavam medidas que visavam à abertura e promoção de
empresas privadas do ramo educacional23. O que se procura é

21. Dentre os quais se destacam, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar


o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas,
e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; a gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais e a gestão democrática do ensino público, Brasil
(1998).
22. O PNE desenvolve um diagnóstico da situação educacional e a partir dele traça metas e
estratégias de ação para direcionar as políticas públicas educacionais do país. Merecem
também destaque especial os Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH) I, II e
III (1996, 2002 e 2010, respectivamente). O PNDH-3 contém um eixo prioritário voltado
notadamente à promoção da cultura em direitos humanos, estabelecendo para tanto
inúmeros objetivos e metas a serem perseguidos.
23. A proposta fundava-se, em grande medida, nas propostas de Milton Friedman, o
qual, inclusive, afirmou que “a maior parte das escolas de Nova Orleans está em
ruínas. Assim como os lares das crianças estão agora espalhadas por todo o país. Isso
é uma tragédia. É também uma oportunidade para reformar radicalmente o sistema
educacional” (Friedman apud Klein, 2008, p.31). Naomin Kein aduz que: “O leilão do

882
a submissão da educação à lógica de mercado.24 A política dos
vouchers é tendência nos governos neoliberais de todo o globo.

No Brasil algo parecido acontece em relação à educação


primária. O objetivo principal é a privatização da educação
pública, retirar do poder público a atribuição que visa a educação,
para investir nas iniciativas privadas que visão o lucro.25 Nesse
ínterim, destaca-se o Projeto de Lei n. 867/2015 que visa modificar
as diretrizes e bases da educação nacional ao incluir a proposta do
“Programa Escola Sem Partido”. Propugna o pluralismo de ideias
no ambiente acadêmico e a liberdade de crença, não obstante,
veda as discussões, a veiculação ou a realização de atividades que
possam conflitar com as convicções religiosas e morais dos pais.
Nesse sentido, cabe não olvidar, que a noção de neutralidade
axiológica há muito se revela tendenciosa e falaciosa26.

Mencionadas políticas ao enfatizarem o isolamento e a


segregação, obstam que valores como igualdade, tolerância,
pacifismo, alteridade, diversidade e inclusão sejam despertados
coletivamente. Ademais, podem culminar e até intensificar a
precariedade do ensino, vez que a ampla maioria das famílias não
dispõem de formação pedagógica.

sistema educacional de Nova Orleans foi realizado com precisão e rapidez militares.
Dentro de 19 meses, e com a maioria dos habitantes mais pobres ainda exilados, o
sistema de escolas públicas de Nova Orleans tinha sido completamente substituído
por escolas licenciadas, sob administração privada. Antes do furacão Katrina, o
conselho de educação administrava 123 escolas públicas; agora, cuidava de apenas
quatro. Antes daquela tempestade, havia somente 7 escolas licenciadas na cidade;
agora existiam 31. (...). Alguns professores mais jovens foram readmitidos pelas escolas
licenciadas, com salários reduzidos; a maioria foi posta na rua”. KLEIN, 2008, p.15.
24. A livre escolha das famílias em determinar a escola que desejam matricular seus
filhos e, consequentemente, os valores e princípios que estes irão absorver. Para as
empresas/escolas um valor fixo por cada aluno que frequentar o estabelecimento e
ainda a liberdade de negociar com as famílias valores extras.
25. A problemática envolvendo a implementação de políticas de cunho individualista, tais
como, o ensino domiciliar e a adoção de vouchers com vistas a escolha da escola pela
família a partir de critérios de afinidade ideológica, se circunscreve principalmente ao
não desenvolvimento de valores e sentimentos coletivos.
26. Paulo Freire insiste em afirmar que a neutralidade na educação se traduz em algo vazio
e sem sentido, posto que se deve deixar claro aos “educandos que há outros sonhos
contra os quais, por várias razoes a ser explicadas, os educadores ou as educadoras
podem lutar; segundo que os educandos têm o direito de ter os seus sonhos também,
não importa que diferentes ou opostos aos de seus educadores” Freire, (1995, p. 38).
Nesse sentido, é importante educar para a criticidade, isto é, conferir ao educando o
atributo necessário para que possa influir e modificar o mundo a sua volta e se livrar
das opressões.

883
Assim, toda e qualquer política, regime ou sistema que
comprometa a garantia de direitos básicos, fundamentais e
humanos é o extremo da devastação social, cultural, ambiental
e econômica de um povo, pois seus efeitos a longo prazo são
irreversíveis. Por conseguinte, é de suma importância que o
ambiente acadêmico seja capaz de lidar com as diferentes
formas de pensamento, fomentando o debate plural, munindo
os educandos das habilidades técnicas necessárias com vistas
a prepara-los ao mercado que aliás é também diverso, e
principalmente propiciar uma formação humanística que permita
o desenvolvimento holístico do ser humano.

Conclusão

Diante do exposto, o presente artigo buscou destacar que


a Educação em Direitos Humanos constitui uma estratégia contra
a implantação das políticas de choque em especial no âmbito
educacional. Constatou-se que para enfrentar adequadamente
os efeitos nocivos da implementação da “Doutrina do Choque”
em especial no que tange à vulneração dos direitos humanos,
se faz necessário, que a sociedade tenha consciência das
ações e estratégias utilizadas pelos governos para justificarem
a suspensão da ordem jurídica constitucional com base em
situações emergenciais e de calamidade, tais como, os expedientes
de estado de exceção ou de sítio, que impedem nesses casos,
protestos, greves considerados ameaças à segurança nacional.

Buscou-se ainda enfatizar a importância das contra


estratégias adotadas pela sociedade civil frente às medidas
restritivas da Doutrina do Choque, como a conscientização das
reais finalidades de tais ações e estratégias, além da organização
de protestos e manifestações como meios de expor a indignação
civil frente à corrupção, desvios e apropriação indevida de dinheiro
público, tanto por seus agentes quanto por atores da iniciativa
privada. Destacou-se também que no Brasil está sendo levada à
cabo as “políticas de choque” na esteira das ideias dos pensadores
da Escola de Chicago, especialmente incentivadas pelos estados
e agentes “imperialistas”, tendo como alvo principal por meio de
cortes e contingenciamentos, a educação e a previdência social.

Evidenciou-se que a educação em direitos humanos

884
constitui uma forma de resistência e resposta alternativa as ações
e estratégias da Doutrina do Choque, em especial, por se mostra
essencial ao despertar dos cidadãos para necessidade da luta
pela conquista, manutenção e efetivação dos direitos humanos.
Tal processo sistemático e contínuo deve assumir o seu caráter
civilizatório e emancipatório na medida em que deve estar
voltado para que os educandos se reconheçam como sujeitos de
direitos; propiciar o empoderamento (empowerment) em especial,
daqueles atores sociais que historicamente tiveram menos poder
de influenciar nas decisões coletivas, e, particularmente no Brasil,
a EDH deve estar voltada para o resgate do passado histórico
violador de direitos humanos, ou seja, “educar para o nunca mais”.

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887
Educacion para la formación de jóvenes
electores: “repensando nuestro voto”

Andrea Iturra Palmero1


Romina Andrea Basualdo2

Al igual que todos los Derechos Humanos, el reconocimiento


del derecho al voto, es resultado de numerosas luchas por
demostrar su vital relación con el desarrollo humano. Sin embargo,
actualmente olvidamos ese proceso y vemos al voto como una
mera “obligación cívica” sin consecuencias, en referencia a las
sanciones legales o su impacto en la conformación del gobierno;
perdiendo, de esta manera, la esencia con la que fue pensada por
quienes bregaron por su vigencia universal.

En Argentina, el padrón electoral nacional obligatorio se


compone de hombres y mujeres de 18 a 70 años, incluyendo-
a partir del año 2012- a los jóvenes entre 16 y 18 años, que
pueden hacerlo de manera voluntaria. Por dicha razón, el trabajo
educativo con los adolescentes en su formación como futuros
votantes, cobra mayor importancia, con perspectiva a su ejercicio
electoral actual y futuro. En este marco, la presente experiencia
investigativa, se propone indagar sobre el impacto de la educación
en relación a los Derechos Humanos y el Sufragio, como elemento
colaborador en la vigencia real de los primeros. Tomando como
muestra a los jóvenes de dos colegios secundarios de la Ciudad
de Río Cuarto, a los cuales se los someterá a entrevistas antes y
después del proceso educativo destinado a crear conciencia del
impacto de las decisiones electorales.

La experiencia cobra especial importancia en el año

1. Andy_iturra@hotmail.com. Colegio La Merced. Instituto Lanteriano Nuestra Señora de


la Merced.
2. Romina.a.basualdo@gmail.com. Universidad Nacional de Río Cuarto. Colegio La
Merced. Instituto Lanteriano Nuestra Señora de la Merced.

888
electoral que transita nuestro país, marcado por elecciones
nacionales para presidente y además de legisladores nacionales.
Particularmente en nuestra provincia, también se eligen
gobernador y vicegobernador.

La Escuela como encargada de la formación de sus alumnos

En la actualidad, como en cada momento histórico de


los pueblos, la Escuela desarrolla un papel fundamental en la
construcción de ciudadanía, haciendo referencia a la transmisión
de conocimientos relacionados a la tradición y a los modos de
convivencia social, según las edades de los estudiantes destinarios
y la realidad institucional, siempre en relación a los objetivos y
prioridades educativas que son demarcados en el currículum
prescripto diseñado por el Ministerio de Educación.

Es por tal razón que, como educadoras a cargo de la formación


cívica de sus estudiantes, surge la necesidad de cuestionar estas
bases educativas; no en su contenido, sino su impacto en las
estructuras cognitivas de los estudiantes; en palabras de Vigotsky,
si existe un “aprendizaje significativo” de los contenidos, que les
permitan contar con herramientas de comprensión, análisis crítico
y desarrollo personal como ciudadanos.

Particularmente, en esta oportunidad, nos proponemos


analizar el impacto de la Educación Formal en sus alumnos, en
relación al proceso de sufragio, incluyendo todos los aspectos
necesarios para que se practique un sufragio consiente y
reflexivo (en este sentido, consideramos que los conocimientos
relacionados a Democracia, Sistema Republicano, Constitución
Nacional y plataformas electorales, resultan esenciales además de
constituir contenidos Prioritarios).

Además, en un año electoral como el actual- por elección


de presidente, diputados, senadores y gobernador, en nuestra
provincia- la preocupación por la capacidad de la Escuela para
formar a electores reflexivos, cobra aún mayor relevancia y
despierta más interés en los estudiantes adolescentes.

Comenzaremos contextualizando al Voto como Derecho


Humano, para luego recorrer su evolución en Argentina y llegar

889
a la actualidad del voto juvenil, reconociendo algunas de sus
motivaciones que posee la nueva generación y presentando
nuestro trabajo de investigación; desarrollado a partir de
encuestas que fueron efectuadas a comienzo del ciclo lectivo, a
fines de diagnosticar los conocimientos previos, con la intención
de compararlas con los resultados obtenidos en nuevas encuestas,
posteriores a recibir los contenidos relacionados al voto; como
estudio de casos de dos escuelas secundarias, a los fines de
identificar el impacto de dichos contenidos.

¿Por qué votar es un Derecho Humano?

Argentina se constituye como Estado de Derecho


Democrático, respetando la vigencia de su ley fundamental- la
Constitución Nacional- y, como país miembro de las Naciones
Unidas, adhiere a cada uno de los documentos que se originan
en pos de proteger y asegurar la vigencia de todos y cada uno
de los Derechos Humanos, asumiendo el compromiso que le
corresponde a través de políticas públicas en el mismo sentido.

La relevancia del sistema democrático para la vigencia de


los Derechos ha sido ampliamente defendida por las Naciones
Unidas.

Entre los documentos que así lo demuestran, en 2007, la


Asamblea General de la ONU, en consonancia a todo su trabajo
para una convivencia armónica y solidaria entre los países del
mundo, declara al 15 de septiembre como “Día Internacional de
la Democracia”, a partir de sostener que “la Democracia es un
valor universal basado en la voluntad libremente expresada de
los pueblos de determinar su propio sistema político, económico,
social y cultural, y en su participación plena en todos los aspectos
de su vida”3. De dicha afirmación, se identifica la importancia de la
participación comunitaria como base del sistema.

Para que esta participación sea posible, la misma asamblea


aprueba en 2011 la Declaración de las Naciones Unidas sobre

3. Resolución A/RES/62/7, aprobada el 8 de noviembre de 2007, disponible en: http://


envejecimiento.csic.es/documentacion/biblioteca/registro.htm?id=58918. Fecha de
consulta: 20 de agosto de 2019.

890
educación y formación en materia de derechos humanos, que
postula “toda persona tiene derecho a la educación, y que
la educación debe orientarse hacia el pleno desarrollo de la
personalidad humana y del sentido de su dignidad, capacitar a las
personas para participar efectivamente en una sociedad libre...”4;
volviéndose a destacar la participación de la ciudadanía como
elemento imprescindible en la vigencia de los derechos.

Tal como dijimos anteriormente, nuestro país adhiere a


todos los tratados internacionales relativos a Derechos Humanos
(Art. 75 Inc. 22), a los cuales otorga jerarquía constitucional, por lo
que el compromiso con su vigencia, es ineludible.

Es por esto que, además de la mencionada


constitucionalización, el art. 22 postula que “el pueblo no gobierna
ni delibera, sino por medio de sus representantes y autoridades
creadas por esta constitución” y, que junto al art. 1 que afirma
la “forma representativa, republicana y federal” para este país,
otorga al voto de los ciudadanos, un mecanismo fundamental
para la democracia, que queda explícito en el art 37, que
“garantiza el pleno ejercicio de los derechos políticos, con arreglo
al principio de la soberanía popular y de las leyes que se dicten
en consecuencia. El sufragio es universal, secreto y obligatorio…”.
Además de especificar otros mecanismos de participación como
los partidos políticos (art. 38), la iniciativa popular y la consulta
popular (art. 39).

Entre las políticas orientadas hacia la vigencia de este


derecho, la educación se convierte en una herramienta muy
importante, pues conforma la manera en que el Estado se hace
presente frente a los ciudadanos, ofreciendo conocimientos
que le permitan su desarrollo integral, a la luz de los derechos y
obligaciones que le son reconocidos.

Es así como la Ley de Educación Nacional plantea en su


articulado el objetivo de “brindar una formación ciudadana
comprometida con los valores éticos y democráticos de

4. Resolución A/RES/66/137, aprobada el 19 de diciembre de 2011, disponible


e n : https://w w w.ohchr.org/SP/Issues/Education/EducationTraining/Pages/
UNDHREducationTraining.aspx.aspx. Fecha de consulta 16 de agosto de 2019.

891
participación…” junto a la “participación democrática de
docentes, familias y estudiantes en las instituciones educativas de
todos los niveles” (art. 11), además de preparar a los estudiantes
(secundarios particularmente) “para el ejercicio de la ciudadanía
democrática” (Art. 30).

De igual manera, el texto de la Ley de Educación de nuestra


provincia de Córdoba plantea como uno de sus principios
generales “el derecho a la educación para favorecer el desarrollo
pleno de su persona e integrarse como ciudadano en un marco
de libertad y convivencia democrática…” (art. 3); lo que se
complementa con lo estipulado por el Art. 37, que sostiene que
la Educación Secundaria tiene “la finalidad de habilitar a los
adolescentes y jóvenes para el ejercicio pleno de la ciudadanía…”

No cabe duda, que el sistema democrático y los derechos


humanos, constituye un contenido esencial en nuestro sistema
normativo y educativo. Ahora bien, cabe preguntarse si el voto
constituye un derecho humano.

En este sentido, Juan Jose Franco Cuervo (Franco Cuervo,


2016) nos explica que para responder a la cuestión, debemos
remitirnos a la distinción entre Derechos humanos y derechos
políticos o, también llamados, cívicos.

Al respecto, las posturas iusnaturalistas, sostienen que


los derechos humanos son inherentes a la calidad de persona,
refiriéndose a todos los aspectos de ella, protegiendo y asegurando
su desarrollo integral desde el comienzo de su existencia hasta
su muerte. Así, incluye también su desarrollo como parte de un
Estado (lo que llamamos ciudadano); incluyendo, de esta manera
a todos los derechos político y, por lo tanto, al voto.

En contraposición, los iuspositivistas, postulan que los


derechos cívicos son concesiones que un Estado hace a sus
ciudadanos; con la potestad de poderlos quitar en cualquier
momento. Particularmente, los derechos cívicos, que relacionan
directamente a la ciudadanía, entendida como un vínculo jurídico
entre las personas y el Estado.

Sin embargo, la actual constitucionalización de la que

892
gozan los derechos humanos, demuestran que los Estados sólo
reconocer una preexistencia: derechos que son naturales de la
persona y que el estado debe regular. Y si bien los derechos cívicos
constituyen un tipo de derecho -comprendiendo la clasificación
de los derechos como una simple herramienta pedagógica- están
incluídos en los Derechos Humanos.

Así lo confirma franco Cuervo cuando, citando a Leoncio


Lara Saenz que refiere a los derechos políticos como “prerrogativas
irrenunciables que tienen los ciudadanos para participar en la
integración de los poderes públicos, y que permiten participar
individual y colectivamente en las decisiones y vida de carácter
político de una comunidad”; por lo que son aquellos que
“permiten al ciudadano vincularse con la actividad política al
que pertenece su ciudadanía, interviniendo en las decisiones
colectivas referentes a la forma de Estado y gobierno, que estime
sean las mejores para su vida social e individual” (2016: 16).

De esta manera, todos los derechos cívicos son derechos


humanos, pero no todos los derechos humanos son derechos
cívicos. Entre todos los derechos cívicos, el derecho al sufragio
para la elección de sus representantes, es un derecho humano.

La evolución del voto en Argentina

En los orígenes del Estado Argentino, luego de conquistar


la independencia de la corona española, dejando de ser colonia
para ir en busca de su conformación como estado moderno, la
política era una actividad limitada a unos pocos. Una elite que
tomaba las decisiones que orientaban la política y la economía de
nuestro estado emergente.

Entre los interesados por las cuestiones, se conformó un


partido de notables, representado por el Partido Autonomista
Nacional, que mantenía el poder a través del fraude electoral:
por aquellos años, el voto era a mano alzada, por lo que los actos
de violencia se presentaban en la medida que “fuera necesario”
para mantener el poder y evitar cualquier cuestionamiento o
debilitamiento de esta elite gobernante.

En respuesta a estos años de violencia y fraude en los

893
comicios, es que en 1912 se sanciona la Ley Saenz Peña (en
referencia a quien fuera presidente en ese momento), que
establece el voto universal -limitado a los hombres, pues se
utilizaba como padrón electoral, el militar-, secreto y obligatorio.
El resultado de la aplicación de dicha ley, en las elecciones de 1916,
permite el acceso al poder de un partido que representaba a la
clase media de ese momento: la unión cívica radical de Yrigoyen.
(Pigna, Historia de votos cantados y de “fraudes patrióticos”)

Pero recién en 1947, se sanciona el voto femenino como


derecho nacional, durante el gobierno de Perón; aunque los
primeros impulsos para esta universalización corresponden a
Alicia Moreau de Justo que ya en 1932 había presentado un
proyecto para el voto femenino, que no logró el apoyo de la
cámara alta del congreso. (Pigna, Alicia Moreau de Justo, 2019).

Posteriormente, el padrón fue ampliándose hasta incluir no


sólo a mujeres y varones a partir de los 18 años- mayoría de edad
en la Argentina- sino a extranjeros no nacionalizados, a partir de
un empadronamiento previo y permitiendo a los Argentinos que
viven en otros países, cumpliendo también un trámite previo de
empadronamiento, lo que demuestra las intenciones de asegurar
a todos los ciudadanos argentinos y habitantes de nuestra país, el
derecho a participar en la elección de las autoridades políticas.

Luego de acaloradas discusiones entre impulsores y


opositores, en octubre de 2012, se aprueba la Ley 26.774, mejor
conocida como Ley de Voto Joven, que otorgó la calidad de
electores, a los jóvenes entre 16 y 18 años; constituyendo un voto
optativo, sin sanción para aquellos que no lo realicen. Esta decisión,
ya había tenido su aplicación en otros países sudamericanos como
Brasil, en 1998, y Ecuador, en 2007.

Entre los detractores de dicha ley, se encontraba el


argumento que los jóvenes no poseen la capacidad reflexiva
para llevar adelante tal responsabilidad cívica. Y aquí es donde se
coloca la mirada sobre la formación que brinda la escuela para sus
estudiantes. La educación formal es el único ámbito en el cual el
Estado tiene injerencia para regular esa formación.

Si bien, como sabemos, la escuela no es una institución

894
neutral, sino que por el contrario, siempre ha constituído una
herramienta de influencia sobre la población, para el cumplimiento
de los fines del gobierno; en esta oportunidad, podría pensarse
en el otorgamiento de las herramientas necesarias para ejercer el
derecho al voto, de una manera conciente y reflexiva. Pero dicha
relación, no fue necesariamente clara. Incluso sirvió para que
algunos sectores se opusieran a la ley, sosteniendo que el gobierno
aprovechaba la falta de formación de los jóvenes, convirtiéndolo
en una oportunidad política para perpetuarse en el poder.

Lo cierto es que en su primera aplicación5, sólo el 53.21


% del padrón joven participó en las PASO6 y apenas el 54,44 %
en las elecciones generales. (Torre, 2016). Las expectativas de
participación para las elecciones nacionales del presente año, son
mayores, a pesar de representar apenas el 3% del padrón electoral
nacional (IR, 2019)

Todos aquellos relacionados a la formación ciudadana de los


jóvenes, debemos preocuparnos porque dicha formación motive
y fortalezca dicha participación electoral, pues, aun siendo una
atribución y no una obligación, la elección de los representantes
determina los destinos del país.

¿Nuevas prácticas políticas?

La praxis política concebida de manera tradicional -en


especial la partidaria- para las nuevas generaciones no significa
nada, para los/as más jóvenes; también llamados generación Z
o centennials, siguiendo a la Asociación Americana de Psicología
(Arthur C. Evans, 2018), que utiliza este término para referirse a
aquellos niños/as que nacieron entre 1994 y 2010.

La nueva dirigencia de políticos debió adaptarse a estas


exigencias de los y las jóvenes, que conforman el 22% del padrón
electoral, los cuales tienen entre 16 y 25 años, y que no se dejan

5. La Ley del voto joven se aplica por primera vez en las elecciones legislativas nacionales
del año 2013. Los datos señalados se obtienen de la Cámara Nacional electoral.
6. Las Primarias Abiertas Simultáneas y Obligatorias, constituyen la instancia previa a
las elecciones generales, reemplazando a las anteriores internas partidarias; dejando
afuera de las elecciones generales aquellas listas que no superan el 1.5 % de votos del
padrón electoral.

895
comprar por discursos vacíos de contenido, sino de hechos visibles,
es por eso que se apunta a campañas con una fuerte presencia
de la imagen, las cuales en pocos segundos puedan atravesar la
pantalla y ser consumido por estos jóvenes espectadores.

Esta nueva forma de “hacer política” se adecua a los cambios


socio-culturales de cada época, el público varia por lo tanto los
mecanismos también, aquellas prácticas propias del partido
político, como los ateneos, se cambiaron por conseguir seguidores
en instagram o twitter, las volanteadas por likes o comentarios en
una imagen o video.

La forma más común de comunicarse de los/as jóvenes,


nuestros estudiantes, pasa por la utilización de las redes sociales;
por lo tanto los candidatos partidarios no pueden ser ajenos a ese
caudal de voto, por lo tanto debieron adecuarse o mejor dicho
modernizarse a estas nuevas prácticas.

Teniendo en cuenta un estudio realizado por la consultora


francesa IPSOS con sede en Argentina (IPSOS, 2019) a mediados de
este año, la generación Z utiliza como medio para informarse de
las campañas políticas las redes sociales, en su mayoría YouTube,
Instagram y Twitter, quedando fuera de la lista Facebook, la
cual perdió adherentes, principalmente por parte de los/as más
jóvenes en los últimos años; esto, probablemente, por haber
sido acusada de manipular información de sus usuarios durante
la campaña presidencial de 2017 en EEUU junto con la empresa
consultora de origen británico Cambridge Analytica.

Según la consultora IPSOS los intereses de los/as


adolescentes no son los mismos que los que tienen las franjas
etarias más grandes, reconocen poco las imágenes de los y las
candidatos/as o de los partidos políticos, si creen y defienden
políticas colectivas, como el cuidado del medio ambiente, la
equidad social, el respeto a la diversidad sexual y la igualdad de
género, como también la lucha feminista, el posicionamiento
sobre la interrupción voluntaria del embarazo (IVE) y la aplicación
de la Ley 26150 de Educación Sexual Integral son algunos de los
reclamos y exigencias.

No es de sorprender que la identificación con nuevas figuras

896
jóvenes de la política hagan que los nuevos votantes puedan
acercarse a las plataformas electorales. Uno es el caso de Ofelia
Fernández que con tan solo 19 años se perfila para ser legisladora
de la ciudad Autónoma de Buenos Aires, fue presidenta del centro
de estudiantes de uno de los colegios secundarios con mayor
influencia como es el Carlos Pellegrini, estudiante en el primer
año de psicología de la UBA y con casi 300.000 seguidores en
Instagram y 150.000 en Twitter ha logrado lo que muy pocos/as
hacen a su edad, posicionar a la juventud dentro de la práctica
política, captando mediante su lucha feminista que su voz tuviera
relevancia. Con videos muy cortos de tan solo 1 minuto logra
desarticular discursos partidarios o frases hechas politiqueras,
demostrando que la edad no es un impedimento para la
participación.

También se puede citar el caso del candidato opositor


Alberto Fernández, que mediante Twitter y sus más de 300.000
mil seguidores, logra en ciento cuarenta caracteres llamar la
atención de los/as más jóvenes en comentarios entre simpáticos
y soberbios. Hasta su perro tienen cuenta de Instagram. Otro
candidato de la vieja escuela pero que se ha adaptado a los
parámetros de la videopolítica – concepto utilizado por Giovanni
Sartori (Giovanni, 1989) para relacionar a la política con la imagen
especialmente la de la televisión – hoy en día se podría decir una
neo-videopolítica es José Luis Espert, que mediante su cuenta
de YouTube realiza, de manera muy didáctica, análisis sobre el
modelo económico actual.

A nivel internacional la actriz de Emma Watson y su inmensa


tarea en la defensa del medio ambiente, la ha posicionado como
-según varias encuestas- una representante positiva para las
nuevas generaciones.

Las nuevas generaciones de políticos deben estar abiertas


a la utilización de estas plataformas comunicacionales que
mediante la utilización de videos, fotos, comentarios de 140
caracteres deben llamar más la atención que un partido político, y
esto se demuestra en el menor número de afiliados que estos han
tenido en los últimos años.

Estos nuevos espacios deben ser ocupados, y nada mejor

897
que los/as jóvenes puedan hacerlo. Desde la aplicación de la Ley del
voto joven en el año 2012 abrió el debate si estaban preparados/
as para hacerlo, su injerencias en temas como la economía o la
lucha feminista ha dejado en manifiesto que las juventudes no
sólo son un público de consumo, sino actores principales de un
cambio de visión de la política.

Surgen muchos ejemplos de esto, en el caso de la ciudad de


Río Cuarto, en la búsqueda de nuevos espacios de participación
juvenil en el año 2016 se conforma la UES (unión de estudiantes
secundarios), una agrupación que nucleaba los centros de
estudiantes, el cual que propuso al legislativo municipal la
aplicación de la ley de voto joven para el territorio de Río Cuarto.
Ellos/as mismos participaron en la comisión que elaboró el
proyecto, dando como resultado su aprobación en mayo del año
2016.

Nuestra Investigación

La propuesta aquí presentada, se dirige a identificar el


impacto que genera el trabajo escolar de los contenidos de
Educación Cívica, en los jóvenes de 14 a 18 años7. Dicha población,
ha sido seleccionada de dos colegios públicos de gestión privada
de la Ciudad de Río Cuarto, en la Provincia de Córdoba. Se trata
del Colegio La Merced y del Instituto Lanteriano Nuestra Señora
de La Merced.

Ambas instituciones educativas presentan diferencias


que hacen más atractiva la comparación: se ubican en sectores
geográficos muy distintas (el primero en pleno centro y el segundo,
en un barrio periférico), sus estudiantes pertenecen a clases
sociales diferentes (media-alta y media-baja., respectivamente), el
valor de sus cuotas (además de ser significativamente menor en el
segundo caso, un porcentaje significativo se encuentra becado); y,
consecuentemente, con problemáticas institucionales disimiles.

No constituye el objetivo de este trabajo analizar dichas


diferencias, pero consideramos que es un dato relevante. Por otra

7. La edad tomada en cuenta, tiene justificación directa en el análisis realizado


previamente en esta oportunidad, en relación directa con su calidad de electores.

898
parte, es menester aclarar que -por la extensión permitida- han
sido seleccionadas algunas de las preguntas que conformaban el
instrumento de recolección de datos.

El instituto Lanteriano Nuestra Señora de La Merced (a partir de ahora Lanteriano)


presenta una mayor población de jóvenes de sexo femenino a comparación del
Colegio La Merced.

50 50,87
40,5 36,7 38,06 39,2
21,05 26,31 22,2
18,42 20,25 18,18
9,21 2,53 4,54 1,75
1,31 0,57

La mayor franja etaria se da entre los 15-16 años

72 70,5
64,7
50 46,15
32,35 29,5 28
2,29 3,84

53,12
50 50 52,63 57,14 47,36
42,85
46,88

899
80
53,03 57,14
47,61 52,38 46,96 42,85
20

El interés por la política por parte de los jóvenes es alrededor de un 50%, si


sienten más interés por causas concretas, como el medio ambiente. En ambos
colegios la tendencia se mantiene.

86,88 84
97,05 96,15

3,84 11,47 12
2,94 1,64 4

91,83 89,47
95,45 96,87

4,54 8,17 10,53


3,13

90 90,47
98,48 100
20
9,53 1,52

En un promedio del 90% de los estudiantes reconocian que este añohay


elecciones en Argentina, a su mismo un 80% señalo que las elecciones eran a
nivel nacional, al redodr de u 60% reconocieron que habian elecciones en su
provincia.

900
94,11 84,61 84,53
72

24
5,88 7,69 7,69 11,47 4

90,9 93,75

91,83 100

4,54 6,25 4,54 6,12 2,04

90 90,47
95,45 92,86
10 9,53 4,55 7,14

Más del 95% de los jóvenes reconocen su derecho-deber de votar, a su vez en su


gran mayoría establecen ese derecho a los tres niveles electorales

91,17 84,61 93,44 84


5,88 3,84 2,94 11,53 6,56 8 4

100 84,37 95,91 89,47


12,5 3,12 4,09 10,53

901
92,42 92,86
100 66,66 28,57 4,76 6,06 7,14 1,52

Ambos colegios identificas en un 95% al Voto como ejercicio de los Derechos


Humanos

57,34 60
67,65 53,84 37,7
29,41 42,3 24
2,94 3,84 16
4,92

73,68
53,06
42,85
72,73 65,62 26,32
22,73 28,12
4,45 6,25 4,08

78,57
48,48 48,48
85
47,62 47,62
10 5 4,76 7,14 14,28
3,04

En un promedio general más del 50% establecen que la escuela no los prepara
para ejercer su derecho, como razón principal sostienen que no se trabaja como
contenido o que no se habla del funcionamiento real de la política o los partidos
políticos.

Como puede observarse, el diagnóstico inicial arroja una


población con pocos conocimientos relacionados a la educación
cívica, y un marcado desinterés por la política. De los resultados

902
de las restantes preguntas, también pueden identificarse
algunas concepciones erróneas o parciales; como la referida a las
condiciones necesarias para la vigencia de los Derechos Humanos,
a la que asimilan, principalmente, con el contenido de la ley; en
segundo término, a las decisiones gubernamentales; luego, el
propio accionar de las personas y a las instituciones educativas,
entre otros.

Queda pendiente la comparación con los resultados


posteriores al trabajo escolar de los contenidos en cuestión, para
identificar así el impacto de la educación cívica, cumpliendo con
los objetivos planteados para dicha investigación.

Además de las posibilidades de ampliar la muestra y los


aspectos considerados.

Bibliografía

Arthur C. Evans, J. P. (Octubre de 2018). American Psychological


Association. Recuperado el Agosto de 2019, de https://www.apa.
org/news/press/releases/stress/2018/stress-gen-z.pdf.

Franco Cuervo, J. (2016). El derecho humano al voto. México:


Comisión Nacional de los Derechos Humanos.

Giovanni, S. (1989). Videopolítica.

IPSOS. (18 de Junio de 2019). IPSOS CONSULTORA. Recuperado


el 18 Junio 2019: https://www.ipsos.com/es-ar/gen-z-hacia-una-
politica-de-la-sensibilidad

IR, r. (10 de agosto de 2019). voto joven: casi el 3 % del padrón


tiene entre 16 y 17 años. Info región.

Pigna, F. (2019). Alicia Moreau de Justo. Obtenido de El historiador:


https://www.elhistoriador.com.ar/alicia-moreau-de-justo/

Pigna, F. (s.f.). Historia de votos cantados y de “fraudes patrióticos”.


Obtenido de El historiador: https://www.elhistoriador.com.ar/
historias-de-votos-cantados-y-de-fraudes-patrioticos/

903
Torre, I. (2016). Espíritu adolescente: el voto joven en Argentina.
Buenos Aires: CIPPEC políticas públicas.

904
Ensinando formas de participação para a
autonomia por meio do grêmio estudantil com
alunos dos anos finais do ensino fundamental

Jesuína Santos Carrilho Lucon1


Cássia Aparecida Magna Oliveira2

Resumo

O presente trabalho tratou do tema sobre o ensino da
participação por meio dos grêmios estudantis na escola. O
grêmio estudantil existe em função dos alunos e para eles,
proporcionando-lhes oportunidade de participação nas ações
coletivas em áreas como cultura, recreação, social, política,
comunicação e outras, em resposta às problemáticas levantadas
pelos próprios discentes. Objetivo: Este trabalho teve como
objetivo descrever os indicadores que mostram a participação dos
alunos, durante as atividades didático-pedagógicas. Metodologia:
O trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa-intervenção
de cunho qualitativo que ocorreu em ação colaborativa entre
a tutora do grêmio da escola, a professora da universidade e
estagiárias junto ao grupo dos alunos do grêmio de uma escola
do ensino fundamental II. Para aplicação das atividades, foram
realizados 5 encontros com o grêmio eleito, com análise das
propostas do grupo e as áreas de aplicação na escola, a discussão
de conceitos de participação e autonomia e ainda o planejamento
e execução. Resultados/Discussão: Os resultados apontaram que
ao ser proporcionado condições quanto ao estudo de conceitos,
materiais e planejamento das propostas em conjunto, os
indicadores foram bem positivos com a maioria dos alunos, para
o protagonismo tanto na discussão de como o grupo organiza e
como executa as atividades/propostas. Conclusões: Conclui-se
então que é possível por meio de atividades no grêmio, a partir

1. js-lucon@uol.com.br -Secretaria Municipal de Educação de Bauru.


2. cassiamagoliveira@gmail.com -Faculdade Kroton/Anhanguera-Bauru.

905
das necessidades dos alunos, promover condições de ensino
sobre a participação em ações no movimento estudantil e em
outras situações nas quais os alunos irão vivenciar.

Palavras-chave: Grêmio Estudantil. Participação. Autonomia.

Introdução

O presente trabalho tratou do tema sobre o ensino da


participação por meio dos grêmios estudantis, a fim de que
possam atingir a autonomia. A temática é parte de um projeto
maior, intitulado “Formação de grêmios estudantis nas escolas
municipais”, conhecido como“Projeto Grêmios”e que visa organizar
a representação dos alunos da secretaria municipal de educação,
ocorrendo a partir de uma parceria entre o Departamento de
Psicologia e pedagogia de Instituições de Ensino Superior (IES),
Kroton/Anhanguera e da UNESP e a Secretaria Municipal de
Educação de Bauru-SP (SME). Tem como princípios teóricos e
políticos a educação para a democracia, discutida e amparada
em Paro (2000) e ainda, pensando no desenvolvimento do ser
humano e portanto o papel da escola para garantir a participação
são referenciadas as ideias de Vigotski, (1995) e também Pistrak
(2011) no que tange aos aspectos políticos sobre os conteúdos
ensinados pela escola.

De forma dinâmica, o projeto geral é aprimorado durante o


ano todo pelos responsáveis da SME em conjunto com as instituições
de ensino superior (IES), junto aos tutores e extensionistas/
estagiários (EX/ES), dividindo-se em três momentos: formação
dos tutores, desenvolvimento das atividades nas escolas com
apoio das IES, por meio de extensionistas/estagiários, desde o
processo eleitoral até o acompanhamento dos grêmios estudantis
e no final do ano, ocorre o fórum com todos os alunos de todos os
grêmios da secretaria, consolidando as ações do projeto.

O projeto é desenvolvido atualmente nas dezesseis escolas


de Ensino Fundamental, sendo 11 de anos iniciais (1º ao 5º) e 5
de anos finais (6º ao 9º). Por escolha das escolas, geralmente são
priorizadas as participações nos grêmios dos alunos do 3º ao 9º
ano. Mas, já houve a participação de alunos até mesmo do 1º e 2º
ano.

906
Vale destacar, ainda, que a participação de extensionistas/
estagiários (EX/ES) tanto no planejamento, como na execução,
diretamente na escola, contribui muito na formação destes futuros
profissionais, uma vez que no contato com a realidade escolar
e com os estudos teóricos, tem a possibilidade de confrontar o
conhecimento a partir de suas próprias percepções.

Diante deste contexto, este trabalho fez o recorte do


projeto maior em relação ao segundo momento em que as
atividades são desenvolvidas junto aos grêmios de cada escola.
O grêmio estudantil existe em função dos alunos e para eles,
proporcionando-lhes oportunidade de participação nas ações
coletivas em áreas como cultura, recreação, social, política,
comunicação e outras, em respostas às problemáticas levantadas
pelos próprios discentes. Com isso, o objetivo deste trabalho
foi o de descrever os indicadores que mostram a participação
dos alunos, durante as atividades didático-pedagógicas, no
desenvolvimento da autonomia.

No que tange a temática, de acordo com Asbahr et al. (2017)


historicamente não aprendemos a fazer e a pensar coletivamente,
da mesma forma no processo educacional pouco ou nada tem sido
ensinado sobre participação e o desenvolvimento da autonomia.
Para que as ações mais democráticas e de garantia de participação
como um direito dos alunos possam acontecer, a escola precisa
ser repensada e reorganizada para que todos possam partilhar do
cotidiano escolar.

Sobre a educação para a democracia Paro (2000),


coloca sua importância para que os envolvidos no processo
educacional consigam contribuir nas construções da escola, no
que tange ao currículo, convivência e expectativas, como forma
de pertencimento ao espaço escolar. Porém, esta não é uma
realidade na maioria das escolas, ou melhor, em quase nenhuma
das escolas Brasileiras. Este fato é apontado também por Oliveira
(2019), quando diz que ainda que a participação, autonomia e
descentralização sejam palavras-chave em muitos documentos
que norteiam à escola, na prática, estes movimentos que faz parte
da formação do aluno ainda não acontecem no espaço escolar.

Nesse sentido, no âmbito de pensar em movimentos de

907
participação, o Grêmio Estudantil, enquanto entidade representativa
dos alunos, legitimado pela Lei 7.398/85 (Brasil, 1985) que dispõe
sobre a organização de entidades representativas dos estudantes de
1º e 2º grau, assegura, no seu art. 1º, “a organização de estudantes
como entidades autônomas representativas dos interesses dos
estudantes secundaristas com finalidades educacionais, culturais,
cívicas esportivas e sociais”. Enquanto entidade, existe em função
dos alunos e para eles, proporcionando-lhes a oportunidade de
contribuir na construção de relações democráticas no espaço
escolar, por meio de ações em conjunto sendo de natureza social,
esportiva, cultural, política e outras voltadas para atender as
necessidades levantadas, pelos próprios pares (DAL RI, 2011).

Acerca do papel da escola, Pistrak (2011), aponta que


a escola deve ser um espaço em que a ação seja um “princípio
educativo”, e onde sejam dadas condições para o desenvolvimento
da autonomia do aluno frente à sua “realidade integral” (p.73).

Diante destas constatações em promover ações na


escola que venham desenvolver os alunos em sua autonomia,
o desenvolvimento deste trabalho justificou-se na medida que
contribui, por meio de atividades didático-pedagógicas, para
organização e vivências pelos alunos das situações que envolvam
as habilidades de comunicação, organização, planejamento e
execução.

Metodologia

O projeto maior sobre grêmios ocorre desde 2012, na


Secretaria Municipal de Educação, sendo ano a ano aprimorado. No
ano de 2019, Oliveira (2019, p.53) baseado em Zonta et al. (2016) e
Asbahr et al.(2017) sistematizou as ações anuais considerando: No
início do ano com tutores são realizadas orientações e formação
pelas IES e Secretariada Educação, para início das mobilização
das chapas até as eleições e, da mesma forma com os EX/ES, que
além de serem designados a uma unidade escolar, são orientados
nos procedimentos e nos vínculos a serem construídos. Durante
o ano, nas escolas os tutores junto com extensionistas/estagiários
funcionam como apoios para as crianças montarem suas
chapas, efetuarem as eleições e desenvolverem suas propostas
com demandas dos demais alunos da escola, organizando

908
campeonatos, gincanas campanhas sociais, assembleias, palestras
e outras. Ainda durante o ano são realizadas reuniões de informes
e formação continuada, sendo em conjunto a coordenação do
projeto e as escolas, representadas pelos tutores e alunos das
IES, visando reavaliar as ações, bem como uma contínua troca de
informações entre as escolas e suas práticas quanto ao grêmio.
Cada escola, apesar de vinculada ao projeto, tem liberdade de
estruturar suas ações, a partir das características e demandas dos
alunos gremistas e seus pares. Já no fim do ano ocorre o fórum
dos grêmios, com atividades de discussões políticas, troca de
experiências, ações e cidadania e ainda assembleia geral com
questões trabalhadas durante o ano nas escolas. E por fim, aos
alunos dos grêmios das dezesseis escolas são oferecidos passeios,
a fim de finalizar o ano e também ocorre a confraternização dos
tutores, SME e IES.

Cada escola participante do projeto conta com uma equipe


responsável pela coordenação do grêmio estudantil em sua
unidade. A equipe é formada por um(a) tutor(a), que deve ser
necessariamente um(a) funcionário(a) da escola, docente ou não.
Este tutor é o responsável pela orientação e organização diária do
grêmio estudantil, bem como pela comunicação com os demais
membros da equipe, porém, prezando sempre não interferir
de forma a conduzir respostas dos alunos, sim esclarecer, e os
extensionistas/estagiários, que são estudantes das IES e juntos
acompanham e desenvolvem as atividades com o grêmio escolar.

Dentro de todo este contexto, o presente trabalho foi


realizado em uma escola do ensino fundamental II, pertencente
ao projeto, por meio de uma pesquisa-intervenção de cunho
qualitativo que ocorreu em ação colaborativa entre a tutora do
grêmio da escola, a professora da universidade e estagiárias junto
ao grupo dos alunos do grêmio. Nas reuniões com o grêmio, o
objetivo maior centrou-se em dois pontos: desenvolver o grupo,
para que se tornem uma equipe e individualmente desenvolvam
autonomia e ao mesmo tempo que possam desenvolver as
propostas, pelas quais foram eleitos, bem como vivenciar
as habilidades de comunicação, trabalhar na coletividade,
pensamento crítico, atitude e da participação.

Na escola trabalhada, os alunos gremistas, no total de 12,

909
foram votados em eleição realizada por meio de cédulas de papel,
com a participação de toda a escola. Durante as eleições os alunos
fizeram várias propostas, apresentando em cada sala de aula. A
partir das propostas foi montado um cronograma para encontros
do grêmio com os integrantes da IES (alunos e professora), com
o intuito de promover condições para a execução. Para esta
pesquisa, foram recortados 5 encontros, que teve duração de 2h,
ocorrendo em diversos espaços da escola, ora com a presença dos
alunos, tutora e IES (Estagiários e professora), ora somente alunos
e IES. Durante os encontros, o fluxo de trabalho com a chapa
vencedora que se tornou o grêmio da escola, esteve pautado nas
atividades didático-pedagógicas para discussão de conceitos de
participação e autonomia e ainda o planejamento e execução das
propostas.

Resultados e Discussão

Os resultados apontaram que ao ser proporcionado


condições quanto aos estudos de conceitos, materiais e
planejamento das propostas em conjunto, os indicadores foram
bem positivos com a maioria dos alunos, para o protagonismo
tanto nas discussões conceituais, como na organização e execução
das atividades/propostas, resultando em maior autonomia pelos
discentes gremistas.

Sobre a participação como exercício a ser ensinado pela


escola, Araújo (2015) escreve que:

Podemos entender que a educação para a cidadania, como


elemento essencial à democracia, pressupõe a formação e
a instrução das pessoas, visando à sua capacitação para a
participação motivada e competente tanto na esfera política
quanto na pública. Ao mesmo tempo essa formação deve
objetivar o desenvolvimento de competências para lidar
com a diversidade e o conflito de ideias, com as influências
da cultura e com os sentimentos e as emoções presentes
nas relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo à
sua volta. Assim, segundo tal modelo educativo, a escola
pode promover a formação ética, política e psicológica de
seu membros. (p.19)

910
Para atingir estes resultados, o trabalho na escola consistiu
em conjunto com a chapa vencedora na eleição, desde a eleição
até a execução de algumas propostas. Importante ressaltar aqui,
que o processo eleitoral já promove um momento de mudanças
nos alunos, pois oportuniza a vivência de participar, dar opiniões,
colaborar, posicionar-se em diversas atividades, resultando em
um protagonismo ao exercer seu direito de escolha de seus
representantes (PARO, 2011; ASBAHR ET AL., 2017).

Após as eleições, já com a chapa eleita, o primeiro encontro


teve atividades como: Dinâmica de “apresentação” onde em
círculo rodavam com uma música. Ao parar cada um pegava um
post-it de uma cor e conversavam por um tempo (nome, idade,
se já foi ou não do grêmio, qual sua maior qualidade e sonho).
Assim, sucessivamente foram conversando com todos os alunos
a partir do encontros com as diversas cores. Outra dinâmica foi
a da “bolinha” em que cada um recebeu uma bolinha de papel e
diante do comando do orientador da dinâmica passavam para a
esquerda ou direita, sendo o objetivo não deixar cair, uma vez que
deveriam ter atenção e espírito coletivo, ajudando o colega ao
lado. Mas, quando deixava cair a bolinha, saiam do círculo ficando
até sobrar três alunos, para finalizar e após foi feito uma reflexão
das dinâmicas. Neste encontro ainda, foi feito uma retomada do
processo eleitoral, buscando verificar com eles o que foi fácil e
o que foi difícil e a elaboração de uma carta de agradecimento
pelos votos, sendo divulgada na escola. Por último, foi discutido
a partir da leitura de um texto sobre o conceito de participação.
Os alunos ficaram bem interessados no texto e alguns colocaram
que tinham informações que não sabiam sobre o que é realmente
participar.

No segundo encontro foi feito uma reavaliação das


propostas iniciais que a chapa apontou durante a eleição,
verificando quais delas, de fato, estavam ao encontro das
expectativas dos discentes da escola e as condições viáveis que
teriam para que se concretizassem. Houve ampla discussão, com
colocações bem pertinentes. Após a reflexão, as propostas foram
organizadas em áreas de acordo com o um modelo apresentado
no Caderno grêmio em forma (2005): “cultura, esporte, política,
social, comunicação e estrutural” (p.27), a fim de mostrar aos
alunos do grêmio quais os pontos seriam atingidos na escola.

911
Muitas vezes, ocorrem em grêmios, propostas muito limitadas
a lazer e esporte. Neste caso, com as reflexões iniciais, foram
ampliadas as possibilidades para política, comunicação e outras,
conforme sistematizado no Quadro 1.

Quadro 1- propostas da chapa vencedora

CULTURA ESPORTE POLÍTICA/ CIDADANIA

- Teatro feito pelo - Interclasse - Palestras: racismo, Bullying


grêmio (queima, futsal - Gincana sobre cidadania (a
- Show de talentos e outros) cada 3 meses)
- Dia das crianças - Gincana (torta - Pensar em formas de coletar
- Halloween na cara) informações dos demais
- Festival da leitura e alunos (cartazes, coleta
escrita pelos representantes, caixa
de sugestão)
- Falar no CTI para parceria de
um cursinho para os alunos
do 9º ano

SOCIAL COMUNICAÇÃO ESTRUTURAL/ESPAÇO

Campanhas: - jornal - cobertura da quadra


- Leite, Agasalho, (sugestões, - arrumar bebedouros
Brinquedo, Limpeza avisos) - Arrumar banheiros
- Pilhas (recolher - Rede social
pilhas para
descarte)-
- Buscar Ongs para
doações recebidas
nas campanhas.

Fonte: Elaborado pelas autoras

Os resultados neste primeiro momento reflete um avanço


dos próprios alunos ao pensar quais são as ações de interesse dos
seus pares, já que ao fazer as análises, estão colocando em prática
a dimensão política do pensar criticamente o espaço escolar. Para
isso, Pistrak (2011, p.73), autor que introduz a dimensão política
no trabalho pedagógico, aponta que a escola deve proporcionar
aos alunos uma “formação básica social” e conteúdos científicos
que contribuam diretamente para sua prática social, isto é, que o
preparem para a vida. Nesse sentido, a escola deve ser um espaço
em que a ação seja um “princípio educativo”, e onde sejam dadas
condições para o desenvolvimento da autonomia do aluno frente

912
à sua “realidade integral” (p.73).

Após a organização das propostas foi organizado o plano de


trabalho, a partir do Quadro 1, olhando por mês quais propostas
seriam colocadas em prática. Neste encontro, a primeira proposta
escolhida foi a campanha do agasalho, sendo discutido como
fariam, para quem e os materiais que seriam necessários. O grupo
se mobilizou, dividindo-se entre os que escreveriam os cartazes
para divulgação (para isso deveriam pesquisar imagens e escritas,
os que buscariam as caixas para colocar os agasalhos (precisaram
organizar papeis e imagens para decorar) e os que foram buscar
uma ONG para a entrega.

No terceiro encontro, todos os integrantes trouxeram os


materiais e informações, sendo elaborado 2 cartazes e passado
em salas para divulgação e depois colado em dois lugares na
escola (nos cartazes, estavam a chamada para a campanha, a data,
onde deveriam colocar a doações e para quem seria entregue).
As caixas foram feitas também com informações e distribuídas na
escola em lugares estratégicos, embaixo dos cartazes. A campanha
foi sendo incentivada pelo grêmio na escola, por chamadas nas
salas de aula e ao final do mês de maio, representantes da ONG
que cuidam de crianças em situações de vulnerabilidade, vieram
recolher as doações, que foram entregues pelo próprio grêmio.

O quarto encontro, foi iniciado pelo tema participação, onde


em grupo fizeram uma discussão de um texto por meio de leitura
coletiva e após cada dupla, conversou por um minuto, colocando
duas palavras-chave e a relação delas com os temas participação,
autonomia e cidadania. E ainda, foi feita uma relação sobre o
conceito de cidadania e as campanhas que estavam desenvolvendo.
Alguns alunos afirmaram que sentiam necessidades de fazer pelos
mais necessitados, mas muitas vezes não sabiam como. Afirmaram
também que pelo grêmio ficava mais fácil, pois todos pensavam
juntos. Foi pedido então, uma tarefa para que perguntassem
aos arredores da escola ou com familiares, se havia alguma rede
de apoio social (Ongs, líder comunitário e etc) e trouxessem no
encontro seguinte). Todos concordaram em fazer.

Outra atividade foi Discutir sobre o andamento da campanha


do agasalho (se já haviam doações e o incentivo da escola). Os

913
alunos colocaram que toda a escola estava muito empenhada
nas doações. Neste dia outra proposta foi iniciada, sendo a caixa
de sugestão, em que primeiro se discutiu qual seria a pergunta
geradora e depois, como seria divulgada a campanha. Foi feita
uma caixa e um cartaz para os alunos do grêmio divulgarem nas
salas de aula. Foi colocada, então, a caixa, o cartaz, papel e caneta
no espaço combinado para que toda a escola pudesse participar.
A pergunta colocada no cartaz foi: Como podemos melhorar a
escola? Estas ações de ouvir os demais alunos da escola, reflete
um potencial transformador nos alunos, pelo fato de exercitar a
empatia (PARO, 2011; ASBAHR ET AL.,2017).

Por fim, neste encontro foi feito uma dinâmica em que


um colega ficava na frente do grupo e tentava descobrir qual o
personagem estava escrito no papel em que cada um recebeu.
O grupo dava dicas até o colega acertar. Para isso, combinavam
entre si formas de se comunicar em que todos concordassem.
Eles demonstraram gostar muito, pois nem todos conheciam os
personagens e não podiam facilitar ao colega que estava à frente
do grupo para descobrir.

Por fim, no quinto encontro foi feito a leitura da caixa


de sugestões, discutidas no grupo e vistas as que poderiam
ser absorvidas e executas pelo grêmio. Como a escola inteira
participou, dentre os recados estavam: brincar mais, atividades
culturais, de esportes e de alimentos na escola. Algumas se
assemelhavam aquelas que o grêmio já havia projetado em sua
campanha. Com isso algumas foram colocadas novamente no
quadro de propostas. Foi também retomada a tarefa do encontro
anterior sobre pesquisar Ongs e outras formas de rede de apoio
no bairro. Dois alunos disseram que conversaram com as famílias
e que as campanhas são feitas a partir da igreja do bairro. Demais
disseram que não tem em seu bairro ou a família desconhece.
Neste dia também foi discutido a Campanha do leite, onde foi
discutido com o grupo sobre os benefícios e importância do leite
e um lugar para doação. Muitos se manifestaram, lembrando de
conteúdos estudados em sala de aula.

A campanha do leite passou pelo mesmo procedimento da


campanha do agasalho, em que foi feito cartazes, divulgado em
sala e colocado um lugar para colocação da doação no pátio, sendo

914
recolhida todos os dias por um período menor, por ser produto
perecível e entregue para uma creche. O encontro foi finalizado
com uma dinâmica, em que foi entregue um palito de dente e um
balão para cada participante encher. Foi pedido para que todos
andassem pelo espaço, jogando os balões para cima e ao ouvirem
palmas deveriam pegar e entregar a quem estava conduzindo.
Foi dito para todos que, quem conseguisse deixar a bexiga sem
estourar seria o vencedor. A expectativa era que bastaria que
todos entregassem os balões cheios sem se sabotarem para que
todos ganhassem, porém alguns tentaram furar os dos colegas,
pelo simples fato de estarem com o palito. Ao final foi feito uma
reflexão sobre como pensaram o comando dado e o motivo de
alguns estourarem o do colega e outros não, relacionando as
questões de individualidade, coletividade, cooperação.

Os indicativos de participação ao longo dos cinco encontros


sugerem algumas mudanças nos alunos, ao desempenharem
muito bem o planejamento e execução das tarefas para cumprir
suas propostas iniciais e percebem o quanto o esforço em
conjunto, colabora também no desenvolvimento individual, na
participação e autonomia. O grêmio deve ser considerado não
somente como possibilidade de tomada de decisões, mas como
processo emancipatório, em que os alunos possam desenvolver
seu senso crítico, vivenciando práticas de autonomia e cidadania
(ASBAHR, ET AL., 2017).

Em seus relatos, é visível que se sentem pertencentes e que


estão representando eticamente os demais discentes da escola,
que o escolheram, pois no caso da caixa de sugestões, estão agindo
democraticamente ao ouvir a todos. Ocorre um envolvimento de
todo o grupo, mudando até mesmo as posturas individuais ao
longo dos encontros, pois em suas individualidades, encontram-
se os solícitos, os pró-ativos, os tímidos, enfim, as diversas formas
de serem e agirem (PARO, 2011).

Nesta visão, é possível ver a importância, no caso de alunos


do fundamental, sejam eles dos anos iniciais e finais, terem apoio
da escola, neste caso do tutor e da IES, para juntos construírem
condições para o seu desenvolvimento enquanto um aluno mais
autônomo e mais tarde adultos com mais autonomia em sua vida,
onde quer que esteja. As experiências vivenciadas na escola, serão

915
base para suas ações em demais espaços (PARO, 2011).

É a escola cumprindo seu papel de promover um espaço de


desenvolvimento. Claro, que no processo, muitas vezes precisam
ser retomados temas, para que situações ainda presentes e, que
implicam na atuação coletiva, sejam transformadas, inclusive
refletindo com o tutor as condições que estão sendo estendidas
no dia a dia e não somente nos encontros do grêmio, para a
transformação da escola em um espaço mais democrático,
favorecedor e garantidor de um aluno mais autônomo. E com os
alunos também ocorrem reflexões, a fim de que estes apresentem
maior consciência da sua representatividade, principalmente
quando não colaboram nas atividades, faltam aos encontros
ou não cumprem seu papel, quando o grupo constrói seus
combinados.

Conclusões

Conclui-se então que é possível por meio de atividades


didático-pedagógicas no grêmio e a partir das necessidades dos
alunos, promover condições de ensino sobre a participação em
ações no grêmio estudantil e em outras situações nas quais os
alunos irão vivenciar.

Por isso, o projeto maior ao qual este trabalho está vinculado,


apresenta um diferencial, uma vez que para além de execução
de atividades, promove relações mais democráticas e ações dos
alunos na realidade escolar. Enquanto trabalho nesta escola,
as atividades foram a alça para o desenvolvimento dos alunos,
ao serem instrumentalizados a todo momento, no individual e
coletivo, foram protagonistas desde o processo eleitoral até o
cumprimento das propostas. Esses movimentos colaboraram
na vida dos alunos, pois procurou retratar a realidade política,
enquanto representantes dos discentes. Na escola, o grêmio
representa aquela comunidade e precisa ter ações que perpassem
pela ética, comunicação e avaliação das suas próprias atitudes.

Desta forma, pode-se concluir que o projeto maior,


aprimora de forma dinâmica um trabalho no espaço escolar,
atendendo sua própria realidade. E a escola também colabora ao
propor condições do funcionamento dos grêmios, ainda que sua

916
existência seja um direito dos alunos, a cooperação de todos traz
resultados mais consistentes. Por fim, o grêmio, por meio de todo
o processo aqui apresentado, contribui com a escola, para que
esta cumpra o seu papel de garantir participação e possibilita o
desenvolvimento de autonomia dos alunos.

Referências

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A.; ASSIS, S. M. P. (2017). Grêmios estudantis e a psicologia
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no desenvolvimento psíquico. In: EUZÉBIO FILHO, A. (Org.).
Psicologia para além do consultório: reflexões e contextos de
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BRASIL. Lei n. 7.398, de 04 de novembro de 1985. (1985). Dispõe


sobre a organização de entidades representativas dos estudantes
de 1º e 2º graus e dá outras providências. Brasília: Congresso
Nacional. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L7398.htm >. Acesso em: 02 jul. 2019.

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na escola pública. (2011). Pró Reitoria de Graduação - Núcleo de
Ensino da UNESP. São Paulo: E-livros Prograd, p.709-732.

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um programa de formação visando a sua participação. 2019.
148 f. Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências, Bauru, 2019,148 f.

PARO, V. H. Educação para a democracia: o elemento que falta


na discussão da qualidade do ensino. (2000). Revista Portuguesa
de Educação. Braga, v. 13, n. 1, p. 23-38.

PISTRAK, M. M. Fundamentos da escola do trabalho. (2011). São


Paulo: Expressão Popular.

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v. 3.

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917
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conselhos escolares e grêmios estudantis. (2016) In: MESQUITA,
A.M; FANTIN, F.C.B; ASBHAR, F. F. S. (Orgs.). Currículo comum para
o ensino fundamental municipal de Bauru. Prefeitura Municipal
de Bauru, p. 263-279. Disponível em: <http://www.bauru.sp.gov.
br/arquivos2/arquivos_site/sec_educacao/curriculo_ef2.pdf>.
Acesso em: 01 ag. 2019

918
Jóvenes caminando hacia una cultura
de legalidad y derechos humanos.
Una experiencia intergeneracional
en el sur del GBA

Matías Penhos1
Georgina Guadalupe González2

Resumen

El artículo explora las dimensiones en torno al deseo de
aprender que se pone en juego en la interacción juvenil a partir
de la participación en los juegos de rol conocidos como Modelos
de Naciones Unidas de la Universidad Nacional de Quilmes
(MONUUNQ), que desarrolla desde el proyecto de extensión
universitaria “Levanta la mano”, desde la educación no formal. La
práctica lúdica involucra estudiantes de nivel primario, secundario
y universitario de la región Sur del Conurbano de la provincia
de Buenos Aires para problematizar saberes, capacidades
y reconocimientos de una socialización que los contiene,
buscando identificar la mutua influencia en la articulación intra e
intergeneracional.

La edición 2019 implementa la iniciativa global “Educación


para la Justicia” (E4J); una propuesta que despliega la Oficina
de Naciones Unidas sobre la Delincuencia y la Droga (UNODC),
promoviendo el protagonismo de los jóvenes desde la sociedad
civil para impulsar los ejes del mandato del organismo. E4J
surge como uno de los ejes programáticos que instrumenta la
Declaración de Doha (2015) con el fin de prevenir la delincuencia
y promover una cultura de legalidad y derechos humanos a partir
de una serie de actividades educativas diseñadas para cada uno

1. mpenhos@unq.edu.ar. Universidad Nacional de Quilmes. (Centro de Derechos


Humanos “E. Mignone”)
2. georginaguadalupegonzalez@gmail.com. Universidad Nacional de Quilmes. (Centro de
Derechos Humanos “E. Mignone”)

919
los tres niveles de enseñanza mencionados.

La universidad pública auspicia el proceso de construcción


ciudadana que integra la realidad comunitaria local a la global, la
acción individual con la colectiva, el empoderamiento de sujetos
de derechos con capacidad de involucrarse en la vida social de
acuerdo a valores y normas del sistema de Naciones Unidas.

Palabras clave: Motivación / Jóvenes / Educación / Derechos


humanos

Introducción

Los Modelos de Naciones Unidas de la Universidad


Nacional de Quilmes3 han logrado consolidar una práctica
educativa desde el plano lúdico, cuya transcendencia en la zona
de influencia del Conurbano Sur del Gran Buenos Aires empieza
a dejar su impronta en los grupos de jóvenes que sostienen su
participación desde el año 2006 cuando se realizó la primera
edición. Este trabajo voluntario, promovido desde un proyecto
de extensión universitaria que hemos denominado “Levanta
la mano. El derecho a vivenciar el espacio intersubjetivo” ha
sido sostenido en el tiempo, acabando de materializar la 14ª
conferencia del MONUUNQ, los pasados 29 y 30 de agosto de
2019. Siempre planteándose desde el ámbito de educación no
formal, se ha apostado a reconfigurar el lugar del joven como
principal protagonista de la experiencia, al punto de que el propio
cuerpo de docentes y autoridades realmente queda relegado de
la práctica misma, a contramano de lo que suele predominar en el
ámbito escolar. Dicho lugar no sólo es planteado desde el plano
del aprendizaje, sino también, y fundamentalmente, desde el
plano de la enseñanza. En otras palabras, la generación de jóvenes
más adultos (que atraviesan las franjas etarias entre los 17 y los
20 y pico) terminan educando a las generaciones de jóvenes más
precoces (hasta los 16 años). Este enfoque en particular, es sobre
el que nos interesa problematizar: ¿por qué estos mismos jóvenes
que transitan en el ámbito escolar, en esta escenificación que se
plantea, asumen un rol lleno de compromiso, responsabilidad

3. En adelante MONUUNQ.

920
y sensibilidad a una acción atravesada por fundamentos ético-
políticos que les plantea la práctica del juego de rol?

Poniendo en acto el concepto de sujetos de derecho, los


grupos de jóvenes que toman parte de los MONUUNQ asumen,
en la medida en que la experiencia de haber participado del juego
de rol les abre un nuevo horizonte de sentidos y significados,
el compromiso de devolver este aprendizaje expansivo
(ENGESTRÖM) en espacios de socialización donde se articulan
conocimientos previos con nuevos saberes, donde las y los otros
son interlocutores del pensar-se, y de este modo se propicia una
significativa retroalimentación de un intercambio dialógico entre
dos personas o más, en este caso entre los mismos jóvenes. Se
trata de construir un lenguaje político donde la pregunta y la
opinión del otro, en el marco de un debate juvenil maduro y con
espíritu crítico, tenga presente que al enseñar también se aprende
y que dicha acción no puede estar exenta de la responsabilidad
de cada interlocutor/a.

La oportunidad de adecuar el dispositivo del Modelo de


Naciones Unidas al mandato temático de la Oficina de Naciones
Unidas contra la Droga y el Delito ha resultado una novedad muy
destacada a explorar puesto que la iniciativa global “Educación
para la justicia” (https://www.unodc.org/e4j/) ha entendido que
para avanzar hacia un enfoque interdisciplinario y preventivo
sobre las cuestiones que hacen al crimen y a la justicia penal, es
necesario avanzar hacia una cultura de la legalidad. En tal sentido,
para la juventud que transita el nivel de enseñanza secundario, los
Modelos de Naciones Unidas, se convierten en una herramienta
imprescindible para establecer una conciencia ciudadana sobre
la importancia del estado de derecho, a la vez que recuperan el
ejercicio de la acción juvenil a través del conocimiento científico
y técnico que permita generar un diagnóstico y propuestas
colectivas de políticas públicas.

El agregado que introduce nuestra experiencia, y que


indudablemente la singulariza, es que el espacio de educación no
formal se recrea desde y con la universidad pública, lo que termina
por resignificar la práctica lúdica, en la medida en que estudiantes
y docentes universitarios que se involucran como voluntarios
del comité organizador facilitan los procesos de enseñanza-

921
aprendizaje, haciendo más accesible el horizonte de una cultura
de legalidad como la que promueve la UNODC, y fortalece,
además, la dimensión del discurso y de la acción política, puesto
que la cultura institucional respecto a las relaciones de poder que
circular en la educación pública son la mayor garantía de alcanzar
una instancia de plena pluralidad (ARENDT), en una coyuntura
regional y nacional tan regresiva para el ejercicio cotidiano de
derechos (PENHOS).

La referencia actual de la ONU sobre la juventud

A diferencia de otras épocas, contextos, el sistema de la


Organización de las Naciones Unidas en la actualidad, parece
haber revisado algunos lineamientos de acción, apostando
especialmente al vínculo que se abre entre el sistema internacional
y la sociedad civil, más allá de la relación con los estados miembros
que lo integran. Surgen dos ejes temáticos de diagnóstico y
acción que nos gustarían resaltar, puesto que a nuestro juicio
se contraponen a tendencias pasadas donde predomina el
aletargamiento y el desencanto. Por un lado, el énfasis en la
prevención como fundamento conceptual transversal; y por otro,
el lugar de las y los jóvenes en el impulso y sostenimiento de los
procesos de paz y no violencia.

Ambos temas se exhiben como significados novedosos, a la


vez que parecen incorporarse con fuerza incipiente en los discursos
de autocrítica institucional que asoman cada vez con más fuerza
y expresan cierta perspectiva rupturista, al tiempo que además,
comienzan a institucionalizarse en algunos centros de gestión
de políticas globales que pertenecen a la ONU. La presencia de
ambas dimensiones no son totalmente nuevas; más bien deben
analizarse en el marco de un proceso de mediano plazo que
abarca las últimas dos gestiones de la Secretaría General, incluida
la anterior de Ban Ki-moon. En todo caso, a partir de la asunción
de António Guterres, se detecta una voluntad política aún más
sensible al impacto sobre la vida cotidiana, como se insinúa a partir
de los testimonios que se comparten a continuación. En relación
al enfoque preventivo, el propio Secretario General, marca su
presencia en cada una de sus intervenciones públicas, a través de
los diferentes dispositivos mediáticos: publicaciones, mensajes
audiovisuales y radiales, websites oficiales y conferencias de todo

922
tipo. A continuación, seleccionamos uno de los párrafos más
paradigmáticos, donde se pone especial atención a la impronta
que él intenta incorporar para esta concepción:

He pedido un cambio de enfoque, con una postura menos


reactiva, adoptando una tendencia más firme hacia la
prevención. La prevención implica hacer todo lo que
podamos, entre una amplia gama de intervenciones y
actividades, para ayudar a los países a evitar el estallido
o agravamiento de las crisis que causan un sufrimiento
humano a gran escala. La prevención es el hilo conductor
del complejo entramado de mis esfuerzos de reforma.
Tanto la Agenda 2030 como las resoluciones sobre el
sostenimiento de la paz (resolución 70/262 de la Asamblea
General y resolución 2282 (2016) del Consejo de Seguridad)
son muestra del firme apoyo a un enfoque integral de la
prevención; la mejor prevención es el desarrollo sostenible e
inclusivo. Si bien estos dos enfoques son complementarios,
la Agenda 2030 sigue siendo la arquitectura dentro de la cual
las resoluciones sobre el sostenimiento de la paz ofrecen un
marco sólido que permite a las Naciones Unidas centrarse
en apoyar la planificación y el cumplimiento de aspectos
específicos de los Objetivos de Desarrollo Sostenible en lo
que se refiere a la paz. (NACIONES UNIDAS, 2017: 7)

Algo similar sucede con el protagonismo que la Secretaría


General le otorga a las y los jóvenes, en paralelo al llamado a
los estados miembros del sistema a incorporarles, en su doble
condición de responsables y destinatarios de políticas públicas
que se diseñan y ejecutan:

En nuestra estrategia, sin embargo, hay un vacío: la labor


con los jóvenes. Durante demasiado tiempo, los jóvenes se
han visto excluidos de la toma de decisiones que afectan
a su futuro. Debemos aprovechar la labor realizada con el
apoyo de los Estados Miembros, el Enviado para la Juventud
y la sociedad civil. Pero esta no puede ser una iniciativa
donde los ancianos sean quienes hablen de las nuevas
generaciones. Las Naciones Unidas deben empoderar a
los jóvenes y aumentar su participación en la sociedad y su
acceso a la educación, la formación y el empleo. (NACIONES

923
UNIDAS 2016)

Complementariamente, en el siguiente informe del


Secretario General se integra la prevención con la juventud a
través del gran tema que supone abordar los conflictos y las
mediaciones sobre la seguridad y la paz:

Durante el período sobre el que se informa, utilizar el impulso


de los jóvenes en pro de la consolidación de la paz se ha
convertido en un elemento esencial de las actividades de
las Naciones Unidas. En abril de 2018 se presentó al Consejo
de Seguridad el estudio independiente sobre los progresos
logrados en relación con la juventud y la paz y la seguridad,
“El elemento que falta para la paz”, de conformidad con lo
dispuesto en su resolución 2250 (2015) sobre la juventud
y la paz y la seguridad, en la que se solicitaba al Secretario
General que llevara a cabo un estudio sobre los progresos
logrados en relación con la contribución positiva de la
juventud a los procesos de paz y la solución de conflictos.
Posteriormente, en su resolución 2419 (2018), el Consejo
de Seguridad pidió que se otorgara mayor papel a la
juventud en la negociación y aplicación de acuerdos de
paz, y recomendó a la Comisión de Consolidación de la Paz
que en su asesoramiento incluyera formas de lograr que los
jóvenes participasen en las actividades nacionales dirigidas
a consolidar y sostener la paz. La División de Desarrollo
Social Inclusivo del Departamento de Asuntos Económicos
y Sociales ha venido colaborando con las oficinas de las
Naciones Unidas en los países, los organismos pertinentes
de las Naciones Unidas y los ministerios de la juventud
de Burkina Faso, Costa de Marfil y el Togo. Esa labor tiene
por objeto fortalecer los procesos participativos entre los
gobiernos y los jóvenes de la sociedad civil a través de
talleres de desarrollo de la capacidad, diálogos abiertos y
campañas nacionales sobre la aplicación de los Objetivos
de Desarrollo Sostenible que se han llevado a cabo en las
escuelas, los barrios, las aldeas y las comunidades. El objetivo
del proyecto es promover la revisión y reformulación de las
políticas nacionales para la juventud a fin de afrontar mejor
los desafíos actuales y de potenciar el papel de los jóvenes
como agentes en la construcción de sociedades pacíficas y

924
sostenibles. (NACIONES UNIDAS 2018b: 11)

En base a nuestra experiencia comunitaria, consideramos


oportuno puntualizar dos criterios que debieran tenerse en
cuenta a la hora de promover este enfoque: en primer lugar,
las asociaciones civiles del territorio no sólo deben tener entre
sus destinatarios a las y los jóvenes en las acciones sociales
que se despliegan, sino que las ONG debieran estar integradas,
predominantemente, por este sector poblacional, especialmente
también en las cuestiones más ejecutivas; y, en segundo lugar,
consideramos sumamente pertinente que el grupo de jóvenes
trabaje intra e inter-generacionalmente, a través de una franja
etaria bien amplia que no dude en incorporar niñas y niños que
bordeen (y hasta superen) el límite inferior de la adolescencia, para
garantizar que las prácticas de intercambio tengan un carácter
orientativo y pedagógico de quienes son referentes jóvenes que
limitan la frontera de la adultez. En esta dinámica, los procesos
de enseñanza y aprendizaje suelen incorporar dimensiones
extraordinariamente originales y motivadoras según nuestros
propios estudios de campo (PENHOS, 2019).

Una iniciativa que se presenta como oportunidad

Hasta la fecha, el sistema de Naciones Unidas no cuenta


con muchos antecedentes que se orienten a promover
institucionalmente los Modelos de Naciones Unidas. Apenas si
encontramos antecedentes que alcanzaron cierta formalización
en resoluciones de la Asamblea General, en la que se destaca,
especialmente, la A/RES/41/68 de 1986, que promueve el llamado
a los estados miembros a apoyar la labor de las oficinas de la
Federación Mundial de Asociaciones de Naciones Unidas (https://
www.wfuna.org/) en sus territorios (aun cuando debe reconocerse
que estas asociaciones no cuentan regulaciones jurídicas que
ayude a definir el carácter y las condiciones de su colaboración).

Por medio de invitaciones protocolares y comunicados


de prensa, leídos oportunamente por el comité organizador
del juego de rol durante las ceremonias de apertura o cierre de
las conferencias, suelen predominar salutaciones públicas que
remiten las autoridades del sistema, desde la Secretaría General
hasta cada uno de los organismos que toma este compromiso,

925
incluyendo principalmente a los Centros de Información de
Naciones Unidas. Este es el mecanismo que suele predominar
durante las jornadas que duran las conferencias de los juegos de
rol que se hacen una vez al año (en general dos días, en algunos
casos pueden durar tres y hasta cuatro días). Con frecuencia, las
palabras enviadas se limitan a destacar la importancia de reunirse
y promover los valores del sistema ONU, en un encuentro donde
la juventud es protagonista. Excepcionalmente, las autoridades
suman su presencia física a la mesa de oradores donde se
desarrolla la escenificación.

Desde la actual gestión del Secretario General António


Guterres pueden descubrirse dos acciones innovadoras
específicamente orientadas a estas prácticas lúdicas. La primera de
ellas involucra al Departamento Global de Comunicaciones, que ha
lanzado la iniciativa UN4MUN (https://outreach.un.org/mun/) para
fortalecer la enseñanza y el entrenamiento de los organizadores
de los juegos de rol que realizan estas escenificaciones, con el fin
de que las prácticas lúdicas estén más alineadas a la labor actual
de las Naciones Unidas. La segunda, involucra a la iniciativa global
denominada “Educación para la Justicia” (E4J), que depende de la
Oficina de Naciones Unidas contra la droga y el delito (UNODC)
de Viena. Los fundamentos de su formulación se remontan al año
2015, cuando se celebró el 13° Congreso de las Naciones Unidas
sobre la Prevención del Delito y la Justicia Penal. La comunidad
internacional aprobó por unanimidad la Declaración de Doha,
reconociendo la estrecha relación entre el desarrollo sostenible y
el estado de derecho. Hasta aquí nada que no se haya refrendado
anteriormente, a partir de las iniciativas que se pusieron en juego
desde los Objetivos de Desarrollo del Milenio con el amanecer
del siglo XXI y su posterior reformulación en los 17 Objetivos de
Desarrollo Sostenible.

Sin embargo, al hilar más fino se observa que la Declaración


de Doha (avalada por Resolución 70/174 de la Asamblea General)
resalta la importancia de la educación como una herramienta
para prevenir el crimen y la corrupción. Al mismo tiempo,
enfatiza el papel fundamental de la educación en niños y jóvenes
para promover una cultura que apoye el estado de derecho,
la prevención del delito y la justicia penal. Puede reconocerse
que la declaración no afirma taxativamente la orientación hacia

926
una “cultura de derechos humanos” (como solemos reivindicar
quienes nos ubicamos bajo la perspectiva de EDH); tampoco
utiliza el concepto de “cultura de la prevención” que ha venido
promoviendo el Secretario General, António Guterres; pero bien
podría admitirse que el abordaje se ubica en la misma clave, y en
todo caso el concepto de prevención actúa como sinónimo de esa
cultura de legalidad.

7. Ponemos de relieve que la educación para todos los niños


y jóvenes, incluida la erradicación del analfabetismo, es
fundamental para prevenir la delincuencia y la corrupción y
promover una cultura de legalidad que propugne el estado
de derecho y los derechos humanos y respete al mismo
tiempo la identidad cultural. Destacamos también a ese
respecto el papel fundamental de la participación de los
jóvenes en las iniciativas de prevención del delito. Por lo
tanto, procuramos:
(a) Crear un entorno de aprendizaje seguro y positivo
en las escuelas, con el apoyo de la comunidad, incluso
protegiendo a los niños contra todas las formas de
violencia, hostigamiento, acoso escolar, abusos sexuales
y uso indebido de drogas, de conformidad con las leyes
nacionales;
(b) Incorporar la prevención del delito, la justicia penal y
otros aspectos del estado de derecho en nuestros sistemas
educativos nacionales;
(c) Incorporar estrategias de prevención del delito y
justicia penal en todas las políticas y programas sociales y
económicos pertinentes, en particular los que afectan a la
juventud, con especial hincapié en los programas centrados
en la ampliación de las oportunidades de educación y
empleo para jóvenes y adultos jóvenes;
(d) Facilitar el acceso a la educación para todos, incluidas
las aptitudes técnicas y profesionales, así como promover
las aptitudes de aprendizaje a lo largo de la vida para todos.
(OFICINA DE LAS NACIONES UNIDAS CONTRA LA DROGA Y
EL DELITO: 7)

El Programa Global para la implementación de la Declaración


de Doha ha desarrollado, entonces, “E4J” (sus siglas iniciales en
inglés), con el fin de producir y difundir material didáctico en las

927
áreas del mandato de la UNODC, con el propósito de impactar
en las comunidades educativas del mundo entero a través de los
Modelos de Naciones Unidas. Aquí se ha descubierto un vínculo
genuino con la sociedad civil para resaltar la relación de las
Naciones Unidas y los MUN, con un especial correlato pragmático.

Este acontecimiento con escasos precedentes en la historia


del sistema ONU, toma con gran responsabilidad institucional
el compromiso de “territorializar” la iniciativa educativa desde
estos juegos de rol que, redescubriendo fuerzas vivas juveniles
de la sociedad civil, a la vez que son promovidos por ONGs y/o
grupos universitarios, respaldándose en las redes de docentes y
estudiantes de nivel secundario que se construyen desde espacios
de educación no formal. El sitio web que pertenece a la UNODC
(https://www.unodc.org/e4j/en/model-united-nations/index.html)
viene promoviendo la organización y recopilando los registros
de las diferentes experiencias pedagógicas, particularmente
en el nivel de educación media, perfeccionando herramientas
didácticas y potenciando su debate académico.

Recientemente, se ha lanzado una guía producida por el


propio organismo sobre los Modelos de Naciones Unidas, que
ha sido probada y revisada en el primer encuentro internacional
de entrenamiento para organizadores de Modelos de Naciones
Unidas en la sede central europea de la ONU en Viena, Austria,
en mayo de 2018. Allí, un pequeño grupo de especialistas,
académicos y jóvenes organizadores de estos juegos de rol
en diferentes partes del mundo, mezclados entre el grupo de
expertos que forma parte del equipo permanente de la UNODC,
ha podido constatar la voluntad política de las autoridades de la
Oficina de Viena de impactar en las redes de estos organizadores
de MUN, reformulándose problemas y prácticas sociales que
tienen incumbencia a escala planetaria, siempre atentos al
mandato temático de dicho organismo.

El entusiasmo y el voluntarismo que impulsa el propio


sistema de Naciones Unidas puede llegar a descubrir nuevas
formas de cooperación y solidaridad bajo el mismo horizonte
utópico que vislumbró el sistema ONU hace más de setenta años
atrás, y por qué no reinventar formas de gestión innovadoras
donde las y los jóvenes son protagonistas de la transformación

928
para enfrentar los desafíos de los tiempos actuales, si a ellas se
suman, por partida doble, políticas públicas gubernamentales
y aportes de la sociedad civil que acompañen estas decisiones.
Del éxito de esta articulación dependerá que otros órganos de
Naciones Unidas generen igual o mayor sinergia replicando
esta estrategia. La apuesta de la UNODC resulta demasiado
trascendente –inversamente proporcional al riesgo de fracaso
que supone– para animarse a traspasar la frontera de este umbral,
en tiempos donde los “muros del no-reconocimiento” parecen
naturalizar políticas internacionales sostenidas en la desigualdad
social, la discriminación estructural y la violencia del sistema.

La educación no formal como nuevo punto de referencia para


identificar el lugar del joven

Los enfoques interdisciplinarios, como los que prescribe


la prevención en cualquier área de la vida social, suelen emerger
con mayor fuerza cuando se trasvasan los límites institucionales
–en nuestro caso el ámbito escolar–, allí donde el sistema de
enseñanza suele diluir el control sobre las prácticas educativas
más reproductivas, y donde la interacción social con el medio,
permea con otros actores comunitarios, reconfigurando los
procesos de enseñanza y aprendizaje, y abriendo nuevas
“ventanas al mundo” que permiten decodificar la realidad desde
otros lugares. En Argentina, cuando pensamos en estas formas
de intercambio entre la universidad y el “exterior” (en nuestro
ejemplo, ese “exterior” está representado por las escuelas primaras
y secundarias) hablamos de políticas universitarias de “extensión”,
o de “vinculación social”.

A los efectos de generar indicadores que releven las


incidencias pedagógicas de la práctica lúdica, así como las
derivaciones de los intercambios entre jóvenes de diferentes
edades y niveles, nos hemos propuesto desarrollar un proyecto de
investigación que focalice en estos esfuerzos de sistematización
que desarrolla iniciativa territorial en el sur del Gran Buenos Aires:
“La participación ciudadana juvenil articulando las tensiones
locales-globales sobre la prevención del delito y la justicia penal”
(1333/19), financiado por la Universidad Nacional de Quilmes.
Bajo el formato de una metodología cualitativa de investigación,
se han efectuado una serie de entrevistas semi-estructuradas, en

929
las que los testimonios fueron recuperando ejes sobre los cuales la
iniciativa de extensión universitaria viene focalizando desde hace
un buen tiempo. Uno de ellos recupera la idea del aprendizaje
expansivo, ya comentada en la introducción:

En mi caso particular el modelo está bastante bueno. Si


tendría que puntuar le pondría un ocho de diez, porque
está bastante bueno. Me aporta o me suma que aprendo
y también sociabilizo con los demás colegios o los demás
chicos de mi edad que también vienen acá y ven de otra
forma también. Y veo que las demás o los demás delegados
que participan también les pasa lo mismo y se animan
a sacarse un poco los miedos de hablar en público a la
hora de dar un discurso, se animan a tener debates, ida y
vuelta y después te haces amistades así… (K. V., 18 años,
masculino, estudiante de 6° año, Escuela Secundaria N°1,
Don Bosco).

Abandonada a la suerte del trabajo voluntario, colectivo y


persistente, con frecuencia sujeta al padecimiento de todo tipo
de contingencias, sobre estos resquicios la educación no formal
logra despertar motivaciones insospechadas y colabora a la
hora de-construir aquellos discursos que instalan estereotipos,
incluso oficialmente en los ámbitos institucionales. La perspectiva
que previene la circulación de estereotipos y las prácticas
discriminatorias ha sido abordada con cierta profundidad
anteriormente (vésase Penhos, 2014), y siempre está presente en
las entrevistas que se realizan a los grupos de estudiantes:

Yo, primero que nada, lo recomiendo plenamente porque,


así como me sacó la vergüenza para preguntar el nombre
de una calle, me enseñó mucho, me concientizó. Soy una
persona que a partir de los Modelos comencé a llevar a
cabo una deconstrucción, porque hace unos años no sé, por
decir un ejemplo, la comunidad LGBTI estaba mal vista y yo
creo que a partir de los modelos comencé a decir: “No. No
hay un binarismo sexual, se puede aceptar la diversidad”.
Así también me deconstruí con lo que es la contaminación
ambiental porque empecé a entender que tirar un papel
al piso tiene sus consecuencias y no es cuestión de
sacar un papel del bolsillo, lo tiro y listo. Toda acción

930
tiene sus resultados y yo, a partir de los modelos, me fui
concientizando de cosas que hacía y veía naturales porque
estaban plasmadas en mí así y empecé a desnaturalizarlas
y verlas con otra visión, con otro criterio. Y yo creo que a
partir de ahí me empecé a formar quizá como ciudadano,
entendiendo otros puntos de vista y otros derechos que no
tenía conocimiento y ahora sí…” (T. L., 19 años, masculino,
estudiante de la carrera de Licenciatura en Comunicación
Social, Universidad Nacional de Quilmes).

Como comenta el estudiante, se logran modificar sentidos


de producción y circulación del conocimiento, y se reconstituye
una red de reciprocidad cuya fuerza se sostiene en el apego a un
sentido de pertenencia grupal, la perspectiva interdisciplinaria y el
trabajo colaborativo, sumando uno por uno a los actores escolares,
aún los más indirectos –padres y familiares, autoridades escolares,
representantes de gestión pública que ocupan cargos técnico-
administrativos– que suelen mantener una prudente distancia
de un entorno comunitario cuyos límites cuesta definirlos y sus
tiempos son tan flexibles.

En general, la educación no formal suele plantearse como


complemento a las tareas regulares del sistema escolar, es decir,
puede desarrollarse por canales paralelos, pero no son pocas las
situaciones en que las acciones se obstaculizan, se superponen
y/o hasta se contraponen. La experiencia de gestionar un
proyecto de extensión universitaria “Levanta la mano. El derecho a
vivenciar el espacio intersubjetivo”, desde la Universidad Nacional
de Quilmes (https://ddhh.unq.edu.ar/?page_id=119), con más de
catorce años de desarrollo en el Gran Buenos Aires Sur (incluye
las jurisdicciones de la provincia de Buenos Aires que abarca los
partidos de Avellaneda, Quilmes, Berazategui y Florencio Varela,
principalmente), arroja algunas certezas que nos permiten
compartirlas a la hora de adecuar el análisis a un estudio de caso
(PENHOS, 2014).

Una universidad “puertas adentro” (RINESI) –y no “puertas


hacia afuera”– como la Universidad Nacional de Quilmes, permite
no sólo reformular las prácticas educativas del sistema escolar
primario y secundario, sino también capitalizar experiencias de
interacción donde las y los jóvenes son protagonistas prioritarios.

931
Esta conquista de la sociedad argentina, que recoge la tradición
de la Reforma Universitaria de 1918, que a 100 años de su gesta
histórica sigue alimentando las expectativas de buena parte de
los sectores populares por el ascenso social, permite fortalecer los
intercambios con las demandas del entorno social. Como otras
tantas minorías que pugnan por ser reconocidos socialmente y
reducir los niveles de desigualdad, el ámbito universitario permite
a estos sectores estructuralmente discriminados, descubrir
instancias de articulación colectiva donde son reconocidos
no sólo individualmente, sino también, colectivamente. Muy
especialmente, en estos entornos comunitarias que abre la
universidad desde la extensión o vinculación social: adultos
mayores; personas con discapacidad; grupos LGBTI; pueblos
originarios; migrantes… Las y los jóvenes no son la excepción. El
siguiente testimonio permite develar la subjetividad que atraviesa
el concepto de “puertas adentro”, y que habilita a transitar la
universidad pública, más allá de que no se posee, formalmente, la
ciudadanía universitaria:

Me di cuenta que no solo de quinto y sexto pueden


participar sino también sectores de primaria, secundaria e
incluso universitario y no hace falta que seas estudiante de
la UNQ. Se abre las puertas también a otras universidades
y eso es algo que para mí es fundamental. Se abre otro
panorama. Te encontrás con otros estudiantes, otras
edades, con distintas carreras. Como por ejemplo lo mío es
lo económico, y por ahí me dicen “¿cómo vas a ir a un taller
de derechos humanos si estas en contador público?” Y le
digo eso no tiene nada que ver. Me gusta la contabilidad,
pero también me gusta lo que es humanístico, y si me gusta
también esto trataré de poner en balance los dos (D.C.B.,
19 años, femenino, estudiante de la carrera Contador
Público, Universidad de Buenos Aires)

Esto se ha podido alcanzar desde estrategias pedagógicas


que involucran la dimensión lúdica para de-construir lógicas
institucionales que suelen conspirar contra las intenciones de los
actores educativos de pensarse en tanto sujetos de derecho. La
siguiente entrevistada reivindica “estrategias de organización” del
estudio a partir de estos intercambios, así como a la vez enfatiza
el ejercicio democrático que facilita la producción y la circulación

932
de las voces juveniles, dimensión que reivindica especialmente la
tradición universitaria argentina:

Si te soy honesta, en el primer año fui porque iban todas


mis amigas y quería ver a qué iban, así que en el primero
no tuve mucha participación porque no sabía mucho.
Pero en el segundo ya fui con otro enfoque. Fue como:
“Acá vengo a hacer política, acá vengo a hacer tratados. No
vengo a sentarme y mirar y quedarme callada.” Y empecé a
armar mis cosas mejor, adquirí estrategias de organización
sobre lo que tenía que llevar ya hecho, de que tenía que
hacer en el momento. Además, me incita mucho a seguir
participando el hecho de que todos tienen voz, a todos se
le da la posibilidad de hablar, de dar su opinión y está muy
bueno que la opinión que uno va a dar es lo que realmente
sostiene. Es lo que más se me dificulta, pero también lo que
más me atrae del modelo.” (M. E., 18 años, estudiante de
Escuela Modelo Mariano Acosta, de gestión privada, Don
Bosco).

Los sistemas de enseñanza tienen ante sí, entonces, la


oportunidad de capitalizar este nuevo punto de referencia, desde
el cual se puede resignificar el impacto de valores universales –en
el año 2019 fue la justicia– en la vida cotidiana de las generaciones
juveniles. Y para ello, resulta imperioso incidir en las políticas
públicas de los estados miembros de que conforman el sistema de
la ONU, a la vez que el sistema internacional se debe replantear los
métodos para fortalecer alianzas con la sociedad civil planetaria
a los efectos de impulsar una retroalimentación virtuosa, donde
la movilización de recursos humanos dispone de una maravillosa
capacidad de explotar al máximo la voluntad de afrontar e incidir
sobre las problemáticas globales desde perspectivas locales. Sin
necesidad de recurrir a un extraordinario fondo de financiamiento
y sin generar la obligación de instalar una infraestructura material
en el territorio, las redes de los Modelos de Naciones Unidas
sostienen un diálogo fluido, permanente y fundamentalmente
motivador con las y los jóvenes, fortaleciendo roles sociales y
responsabilidades con un sentido de pertenencia y convicción
en el sistema supranacional llamativamente alto: quien haya
presenciado la puesta en escena de los juegos de rol en alguna
ocasión, no dudaría en advertir que allí se expresa un umbral

933
pedagógico trascendente, de un modo mucho más genuino,
transparente y desinteresado que el real, incluyendo a buena
parte de las y los representantes diplomáticos de los estados
miembros que se despliegan a lo largo y a la ancho del planeta.

Conclusión

Al iniciar el artículo, nos preguntábamos sobre la motivación


de las y los jóvenes que participan de nuestra práctica extensiva,
para sostener niveles de alto involucramiento personal y colectivo.
Curiosamente, estos grupos de jóvenes se reconocen desde
relaciones sociales diferentes a las que los marcos tradicionales
–escuelas, familias, clubes sociales– les permiten, y comparten
una percepción del mundo sensible a una ciudadana global que
potencia sus voces. Lo que en otros contextos pasa totalmente
desapercibido, un discurso y una acción políticas atadas a
valores y normas universales, en estos ámbitos la lucha por el
reconocimiento refuerza la identificación generacional de las y los
estudiantes.

El re-significar la relación comunidad e institución


educativa abre planteos transformadores para las y los jóvenes
del Gran Buenos Aires Sur que son partícipes y protagonistas
de la experiencia del MONUUNQ, espacios no formales donde
los sujetos pueden pensarse y moverse en un territorio nuevo
que los interpela y reclama. Reclamo que los impulsa a ponerse
frente a sí mismos, haciendo consciente ciertos aprendizajes que
se adquirieron en la práctica formal y que, por ciertas prácticas
anquilosadas, repetitivas o bancarias, los sujetos no logran
visualizar ni apropiarse de los mismos.

Temas que desbordan de complejidad en la agenda


que establece la comunicación global, son abordados con
responsabilidad y sin caer en el oportunismo de la noticia
–“amarilla”– mediática ni reduccionismos analíticos que
predominan en la opinión pública y en importantes referentes del
discurso y de la gestión gubernamentales:

Y bueno es muy importante la prevención del delito ya


sabiendo que el país está cada vez más en crisis, y que todos
somos conscientes de eso, y que el país va decayendo y la

934
criminología va aumentando porque muchas personas se
quedan sin trabajo y no tienen recursos. No tienen cómo
rebuscárselas y muchos tienen que terminar saliendo a
delinquir porque necesitan. Y es muy interesante abordar
los temas… la justicia penal también. Saber, con todo esto
también, siempre están los derechos de todos y que todos
tienen derecho a un ambiente laboral digno por más que
no lo tengan. Ahí estamos viendo una violación del derecho
por parte del Estado. (N. G. H., 17 años, estudiante de la
Escuela de Educación Secundaria N° 2 de Florencio Varela)

En este sentido, la política aporta elementos esenciales


para establecer un horizonte crítico y desnaturalizar el orden
social existente, que con frecuencia logra desplegar su carácter
más reproductivo en base al status quo y la tradición. Cuando
la educación y política articulan, el significado para la acción
humana, avanzar hacia un plano cultural como el que promueve
la iniciativa “Educación para la Justicia”, resulta viable a la hora de
alimentar esperanzas para abordar asertivamente los problemas
que puedan socavar el estado de derecho, y que en este sentido,
puedan obturar el goce pleno de los derechos humanos.

En nuestra experiencia, la educación no formal se relaciona


íntimamente con la ciudadanía, en tanto y en cuanto, por un lado,
se descubre un sentido de pertenencia, autonomía y cuidado de
sí mismo (CULLEN, 2009); y por el otro, se establece una alteridad
responsable, es decir, de saberse interpelados por el otro (MELICH).
Este proceso trasciende la formación disciplinaria para reformular
hábitos cotidianos a través de una experiencia ontológica que
propicia ámbitos lúdicos que de-construyen la rutina institucional;
donde el anclaje intergeneracional facilita una identidad juvenil
colectiva. En este plano, la noción de sujeto de derecho desplaza
a la de objeto y entonces la novedad subjetiva enciende el deseo
de aprender y democratiza el poder de enseñar (CULLEN, 2004).

A modo de cierre, nos parece oportuno reivindicar que la


experiencia del MONUUNQ se inspira en los lineamientos que
hacen posible una educación en derechos humanos con y desde
las y los jóvenes, tal como lo subraya el punto 3 de la cuarta fase
del Programa Mundial de Educación en Derechos Humanos:

935
Decide que la cuarta etapa del Programa Mundial se centrará
en los jóvenes, haciendo especial hincapié en la educación
y formación sobre la igualdad, los derechos humanos
y la no discriminación y en la inclusión y el respeto de la
diversidad con el fin de construir sociedades inclusivas y
pacíficas, y estará en consonancia con la Agenda 2030 para
el Desarrollo Sostenible y, en particular, con la meta 4.7 de
los Objetivos de Desarrollo Sostenible, teniendo en cuenta
las sinergias entre los diferentes conceptos y métodos
educativos allí mencionados; (Resolución A/HRC/39/3 del
20 de septiembre de 2018)

Bibliografía

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Barcelona.

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936
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speeches/2016-12-12/secretary-general-designate-ant%C3%B3nio-
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Oficina de las Naciones Unidas contra la Droga y el Delito (2015):


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avance neoliberal en tiempos de represión en Yudkin Suliveres,
Anita (comp.) 20° Aniversario Cátedra UNESCO de Educación para la
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Penhos, Matías (2014): Los Modelos de Naciones Unidas.


Estrategias para romper el muro del No-reconocimiento.
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194. Universidad Central Bogotá, Colombia. Disponible en: http://
www.redalyc.org/articulo.oa?id=105114733011 (consultada el
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Rinesi, Eduardo (2015): Filosofía (y) política de la universidad.


Ediciones de la Universidad Nacional de General Sarmiento, Los
Polvorines (Provincia de Bs. As.).

937
Lei estadual paz nas escolas:
afronta ou confirmação dos Direitos Humanos
no sistema educacional?

Tainá Santos de Oliveira1

Resumo

No âmbito nacional o direito à educação, além de ser um
direito humano é uma garantia e direito fundamental previsto
como dever do Estado, conforme dispõem os artigos 6 e 205 da
Constituição Federal de 1988. Desse modo, a pesquisa norteia-
se pela análise da Lei Estadual nº 5.156/2018, mais conhecida
como “Lei Paz nas Escolas” do Estado de Mato Grosso do Sul.
Tem-se como problema central deste estudo a polêmica acerca
do entendimento sobre o elevado grau punitivo aos estudantes
e a violação dos direitos humanos e da lei 8.069/1990. Para tanto,
a metodologia adotada foi desenvolvida mediante estudos de
normas legais, artigos científicos, periódicos, revisão bibliográfica
de renomados autores através da consulta de conteúdos
relevantes e inerentes que constituíram o embasamento teórico.
Os resultados obtidos em decorrência da pesquisa demonstram
quão delicada está a educação no Brasil e despertam um alerta
sobre este setor que precisa urgentemente de mudanças. Por isso,
é necessário que a educação seja entendida como uma saída para
os problemas sociais que geram um verdadeiro caos no país.

Palavras-chave: Brasil. Educação. Direitos Humanos.


Introdução

O direito à educação é um direito humano e uma garantia e


direito fundamental previsto como dever do Estado, de acordo com
os artigos 6 e 205 da Constituição Federal de 1988. Desse modo,

1. Graduanda em Direito nas Faculdades Integradas de Três Lagoas – FITL/AEMS, Estado


de Mato Grosso do Sul, Brasil. tainasoliver@hotmail.com

938
a pesquisa rege-se pela análise da Lei Estadual nº 5.156/2018.
O problema central deste estudo está na polêmica acerca do
entendimento sobre o elevado grau punitivo aos estudantes e a
violação dos direitos humanos e da lei 8.069/1990. A metodologia
foi desenvolvida através de estudos de normas legais, artigos
científicos, periódicos e revisão bibliográfica. Diante do atual
cenário brasileiro, a educação deve ser priorizada urgentemente,
tendo em vista a grande crise política, social e decadencial que o
país enfrenta decorrentes da semiformação e de uma sociedade
líquida que pela valorização do capital enfraquece as relações
humanas e permite a escassez de qualidade da educação. Por
isso, a cooperação entre a população e o governo será capaz de
mudar esta situação, somente quando um trabalhar a serviço do
outro de mãos dadas por um bem comum, será possível construir
uma diferente história para o Brasil. Não é um processo simples e
nem rápido, mas o quanto antes acordarem deste pesadelo, mais
rápido será a transformação de vida de um povo sofredor e de
um país que merece uma nova perspectiva no cenário mundial,
através da efetiva valorização da educação.

Educação: um Direito Humano

A educação no Brasil enfrentou e ainda enfrenta inúmeras


dificuldades, pois para que se torne eficaz, esta depende dos
fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, entre outros.
Contudo, após atravessar algumas barreiras a educação é definida
como um direito e garantia fundamental dos seres humanos,
descritos na Constituição Federal Brasileira.

No panorama mundial, a tendência à oferta universal de


escolarização se intensificou onde o Estado assumiu o lugar
de principal ator do desenvolvimento, pronunciadamente
em momentos em que enfrentou a crise econômica ou a
guerra. Mas, além disso, o Brasil foi um dos países em que
a existência de escola primária e o alastramento de sua
cobertura junto a todos os indivíduos responderam antes
a uma intenção política de unidade cultural requerida pela
unidade nacional. A visão da escola como instrumento
no qual está prescrito o quê e como professores (as)
deveriam ensinar atendeu às expectativas de promover
uniformidade, conformidade, lealdade e patriotismo. Foi

939
preciso transcorrer quase a metade do século XX para que
o ideal de escola para todos passasse a ser interpretado
como direito social assentado na exigência democrática de
igualdade social (OLIVEIRA; SANTANA, 2010 p.199).

Segundo a definição de (BASÍLIO, 2009, p. 37) por direito


à educação podemos identificar o direito de acesso à prestação
educacional oferecida pelo Estado, é de sua responsabilidade
seja via manutenção direta ou fiscalização de estabelecimentos
escolares.

Essa educação, que possibilita o desenvolvimento humano


em todas suas qualidades, tornando-o senhor de sua
história, demonstra-se essencial para a formação de uma
sociedade mais justa e igualitária, e indispensável para
legitimação da soberania popular. O povo soberano, ativo
e consciente, é a própria legitimação da ordem política
(COMPARATO, 2006, p. 230, apud BASILIO, 2009, p. 37).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948


institui a educação como um direito de todos, conforme assegura
artigo XXVI;

Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será


gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais.
A instrução elementar será obrigatória. A instrução
técnico-profissional será acessível a todos, bem como a
instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução
será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito
pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.
A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos,
e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
manutenção da paz (DUDH, 2009, p.14).

Diante deste cenário, é de suma importância destacar que


educação é incontestavelmente um direito humano, entretanto
a realidade enfrentada em muitos países impede a configuração
deste direito. No ano de 2014, a paquistanesa Malala Yousafzai
vencedora do prêmio Nobel da Paz, tornou-se um grande símbolo

940
na luta pela educação como um direito humano em seu país.

A paquistanesa Malala Yousafzai, de 17 anos, ganhadora do


Nobel da Paz de 2014 junto com o indiano Kailash Satyarthi,
não conquistou sua notoriedade de maneira fácil. A jovem
se tornou conhecida ao mundo após ser baleada na cabeça
por talibãs ao sair da escola, quando tinhas 15 anos. O ataque
aconteceu no dia 9 de outubro de 2012. Malala seguia
em um ônibus escolar. Seu crime foi se destacar entre as
mulheres e lutar pela educação das meninas e adolescentes
no Paquistão – um país dominado pelos talibãs, que são
contrários à educação feminina. Em entrevista à BBC, Malala
disse que “a melhor maneira de superar os problemas e lutar
contra a guerra é através do diálogo. Esse não é um assunto
meu esse é o trabalho do governo (...) e esse é também o
trabalho dos EUA”. A jovem considerou importante que os
talibãs expressem seus desejos, mas insistiu que “devem
fazer o que querem através do diálogo. Matar, torturar e
castigar gente vai contra o Islã. Estão utilizando mal o nome
do Islã”. Em sua entrevista à “BBC”, Malala também assegura
que ela gostaria voltar algum dia ao Paquistão para entrar
na política “Vou ser política no futuro. Quero mudar o futuro
do meu país e quero que a educação seja obrigatória”,
disse a jovem. “Para mim, o melhor modo de lutar contra
o terrorismo e o extremismo é fazer uma coisa simples:
educar a próxima geração”, insistiu. “Acredito que alcançarei
este objetivo porque Alá está comigo, Deus está comigo e
salvou a minha vida”. “Eu espero que chegue o dia em que o
povo do Paquistão seja livre, tenha seus direitos, paz e que
todas as meninas e crianças vão à escola”, ressaltou a menor,
se expressando com eloquência e muita segurança cada
vez que fala da situação em seu país. Malala admitiu que
a Inglaterra causou em sua família uma grande impressão,
“especialmente em minha mãe, porque nunca havíamos
visto mulheres tão livres, vão a qualquer mercado, sozinhas
e sem homens, sem os irmãos ou os pais”. Após a entrevista,
os talibãs paquistaneses acusaram Malala de não “ter
coragem” e prometeram que vão atacá-la novamente se
tiverem uma chance. “Nós atacamos Malala porque ela
falava contra os talibãs e o Islã e não porque ela ia à escola”,
explicou Shahid, referindo-se ao blog que Malala escrevia

941
na “BBC” e que lhe valeu reconhecimento internacional
(ALVAREZ, 2017, N/P).

Malala é uma referência importantíssima sobre a luta para


efetivação da educação como um direito humano, tendo em
vista que a conquista deste direito foi e é marcada por inúmeras
batalhas travadas muitas vezes contra o próprio Estado que
deveria permitir o acesso e garantir uma educação de qualidade,
mas torna-se, na maioria das vezes, o maior obstáculo até a linha
de chegada.

No âmbito nacional o direito à educação é uma garantia e


direito fundamental previsto como dever do Estado, conforme
dispõem os artigos 6 e 205 da Constituição Federal de 1988;

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,


o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho (BRASIL, 1988).

A educação escolar é imprescindível para a formação de


um cidadão, o Estado edita leis e elabora um Plano Nacional de
Educação com vigência de dez anos após sua publicação, visando
ofertar com qualidade o ensino no país.

Uma análise sobre a Lei nº 5.156, de 12 de janeiro de 2018 do


estado de Mato Grosso do Sul

A educação é um direito humano, dever do Estado e da


família, além de ser imprescindível na formação de um indivíduo.
Nesse contexto, faz-se necessário apresentar o lado obscuro da
educação brasileira através de um dos seus agravantes, que é a
total desvalorização da educação por parte de uma parcela dos
educandos.

Para estampar esta desvalorização efetuada pela acentuação

942
da violência, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado
de Mato Grosso do Sul, demonstra a realidade de muitas escolas
brasileiras frente à barbárie:

3ª Câmara Cível Apelação - Nº 0803223-47.2012.8.12.0017 -


Nova Andradina Relator – Exmo. Sr. Des. Eduardo Machado
Rocha Apelante : José AntonioFrugeri de Andrade
(Representado(a) por seu Pai) Jose Antonio de Andrade
Advogado : Jean Junior Nunes Apelado : Município de Nova
Andradina Procurador : Pricila Carvalho Eich
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS – PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO
DA DIALETICIDADE – REJEITADA – MÉRITO - SUPOSTAS
AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS EM SALA DE AULA - PRÁTICA
DE BULLYING – NÃO COMPROVAÇÃO - ART. 333, I, DO
CPC - AUTOR QUE APRESENTA UM ELEVADO NÚMERO DE
OCORRÊNCIAS DISCIPLINARES - DANO MORAL NÃO
CONFIGURADO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – CARACTERIZADA
– HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – MANTIDOS – RECURSO
DESPROVIDO. Rejeita-se a preliminar de não conhecimento
do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, quando
verificado, nas razões recursais, que a parte apelante
impugnou os fundamentos da sentença, aduzindo
argumentos para reformá-la. Provando a municipalidade
o comportamento agressivo do apelante, tanto verbal
quanto físico, seja com relação aos colegas de sala de aula,
seja com os professores, assim como o histórico de registros
de ocorrências disciplinares nas escolas em que estudou
anteriormente e, levando-se em conta que o autor não
provou os fatos constitutivos de seu direitos, nos termos do
art. 333, I, do CPC, a improcedência do pedido inicial torna-
se imperiosa (TJ/MS, 2014).

Neste caso acima citado é evidente que fatos como esse se


repitam todos os dias na escola. O bullying, o preconceito em todas
as suas esferas, acompanhados de agressões físicas ou morais com
os colegas de classe e até mesmo com os professores, indicam o
quão urgente é colocar a educação como prioridade, tanto na
família como no Estado, pois fatos como estes escancaram as
feridas da má educação e mostram até que ponto a sociedade
chegou.

943
Essas circunstâncias estão se repetindo continuadamente
e como consequência, surge um povo que está se acostumando
com a barbárie. Estes fatos podem ser ilustrados pelo mais recente
ataque de violência dentro das escolas do país;

[...] dois ex-alunos invadiram a Escola Estadual Raul Brasil


em Suzano, na Grande São Paulo, e atiraram em alunos e
professores. O atentado deixou 10 mortos e 10 feridos.
Das vítimas, 4 estudantes, 1 funcionária e a coordenadora
pedagógica da escola morreram no local. Duas morreram
já no hospital ou a caminho dele. Os atiradores Guilherme
Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25,
se mataram na sequência. A polícia ainda não sabe o que
motivou o massacre que assolou o país nesta quarta. Este
foi o quarto atentado que deixou mortos em escolas no
Brasil nos últimos oito anos (BELLONI, 2019, N/P).

Nos últimos anos, a violência tem aumentado


significativamente dentro das escolas. As notícias sobre práticas
violentas dentro das salas de aula são cada vez maiores, seja
moral, física ou psicológica, a violência nunca foi e nem será um
meio de reivindicar melhorias em qualquer setor.

A tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar


tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em
dia. O problema que se impõe nesta medida é saber se por
meio da educação pode-se transformar algo de decisivo
em relação à barbárie. Entendo por barbárie algo muito
simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto
desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem
atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a
sua própria civilização — e não apenas por não terem em sua
arrasadora maioria experimentado a formação nos termos
correspondentes ao conceito de civilização, mas também
por se encontrarem tomadas por uma agressividade
primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um
impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda
mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir,
aliás uma tendência imanente que a caracteriza. Considero
tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os outros
objetivos educacionais por esta prioridade (ADORNO, 2003,

944
p. 70).

Diante deste cenário de violência dentro das escolas


brasileiras, o estado do Mato Grosso do Sul estabeleceu a Lei nº
5.156/2018, mais conhecida como “Lei Paz nas Escolas” que é
composta por seis artigos e dispõem sobre a adoção de atividades
com fins educativos para enfrentamento à violência e reparação de
danos causados no âmbito dos estabelecimentos que compõem
o Sistema Estadual de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul.

Art. 1º Ficam os estabelecimentos do Sistema Estadual de


Ensino autorizados a executar a aplicação de atividades
com fins educativos como ação disciplinar posterior à
advertência verbal ou escrita, observando-se o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e o Regimento Interno das
escolas.
§ 1º As atividades com fins educativos são: I - PAE (prática
de ação educacional); II- MAE (manutenção do ambiente
escolar).
§ 2º As atividades com fins educativos deverão ocorrer
mediante a prática de ações voluntárias de manutenção e
preservação do patrimônio escolar, preservação ambiental,
a reparação de danos ou a realização de atividade
extracurricular, por meio de registro da ocorrência escolar
com lavratura de termo de compromisso, constando a
presença e a anuência dos pais ou do responsável legal, em
obediência ao disposto no art. 1.634, do Código Civil.
§ 3º Constitui Prática de Ação Educacional:
I - reuniões com os alunos e demais segmentos da
comunidade escolar para discutir questões relacionadas
à violência na escola, buscando compreender a visão
dos mesmos sobre o tema, esclarecer dúvidas, prestar
orientações, informar seus direitos e deveres;
II - círculos restaurativos e de cultura da paz, espaços de
resolução pacífica de conflitos de menor potencial ofensivo,
voltados a restabelecer os laços que foram rompidos entre
agressores e vítimas, promovendo a participação social,
o respeito e a dignidade entre as partes, bem como a
reparação voluntária do dano;
III - participação em palestras, seminários, ciclos de
debates e outras atividades pedagógicas que possibilitem

945
ao estudante oportunidade de refletir sobre a conduta
praticada e sua responsabilização consciente;
IV - exposição de cartazes, folders e materiais informativos;
V - atividades pedagógicas culturais e de lazer, tais como,
apresentação de músicas, peças teatrais, coreografias,
jograis, gincanas e filmes educativos.
§ 4º Constitui Prática de Manutenção do Ambiente Escolar:
I - reparação de danos;
II - restauração do patrimônio da escola ou dos segmentos
internos da comunidade escolar.
Art. 2º Caberá ao pai ou responsável legal reparar o eventual
estrago causado à unidade escolar ou aos objetos dos
colegas, professores e servidores públicos.
Art. 3º Na aplicação disciplinar serão consideradas a
natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que
dela provierem, tanto em relação ao patrimônio público
ou particular quanto à integridade física e psíquica dos
colegas, professores e servidores.
Art. 4º O gestor escolar adotará providências para apurar
suspeita de que o estudante esteja carregando algum
objeto que coloque em risco a integridade física própria
ou de terceiros, sendo vedada a exposição do revistado ou
situação vexatória.
Art. 5º Para efeito das regras de benefícios sociais concedidos
às famílias carentes, a administração da Escola Pública
comunicará às autoridades competentes a omissão de pais
ou responsáveis, quanto aos seus deveres de acompanhar
frequência e desempenho dos filhos.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,
produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018 (DIÁRIO
OFICIAL/MS, 2018).

Acerca do disposto na lei supracitada é válido destacar


que o seu texto, ainda quando projeto de lei, passou por debates
polêmicos sobre o grau de punição aos alunos, tendo em vista que
alguns deputados alegaram que a escola tem o dever de educar e
não de punir, pois os atos praticados por criança ou adolescente
de acordo com os artigos 101 e 112 do Estatuto da Criança e do
Adolescente serão punidos por meio da autoridade competente.

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art.

946
98, a autoridade competente poderá determinar, dentre
outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante
termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento
oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou
comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da
criança e do adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar
IX - colocação em família substituta.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade
competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes
medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua
capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será
admitida a prestação de trabalho forçado [...] (BRASIL, 1990).

Dessa forma, é de suma importância ressaltar que a lei não


foi criada com a intenção de resolver o problema da violência
punindo severamente aos alunos que praticarem os atos
infracionais, tendo em vista que para ser aprovada a lei foi alterada
inúmeras vezes no intuito de respeitar a dignidade do aluno, bem
como as leis que o protegem. O texto legal foi criado para dar uma
maior eficácia no regimento interno das escolas estaduais que já
preveem algumas destas medidas dispostas pela lei.

947
É imprescindível que o aluno acusado da prática de ato de
indisciplina, tenha ciência por escrito da conduta que lhe
incorre, e exerça o contraditório e à ampla defesa, sendo
obrigatório o comparecimento dos pais/responsáveis,
em caso de criança ou adolescente, no intuito de assisti-
lo e representá-lo (Constituição Federal de 1988, Art. 5º,
LIV e LV). [...] Quando a conduta for diagnosticada como
ato infracional, ou seja, tipificada em nosso Código Penal
como crime ou contravenção, inicialmente é necessário
identificar a idade do infrator. Se o ato infracional for
praticado por criança (art. 105, da Lei 8.069/90) esta deverá
ser encaminhada ao Conselho Tutelar ou, na ausência
deste, Juizado da Infância e Juventude, para aplicação das
medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA . Se o
ato infracional for praticado por adolescente, deverá ser
lavrado o Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia,
que providenciará os encaminhamentos ao Ministério
Público e Justiça da Infância e Juventude, para aplicação
das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA
(ROMANOWSKI, 2015, p.08).

Nesse sentido, a Lei Paz nas Escolas, criada com o propósito


de sanar os casos de indisciplina nas escolas para melhorar o
convívio no ambiente escolar entre alunos e professores, divide
opiniões e como toda proposta tem pontos positivos e negativos.

Sobre a polêmica entorno da “Lei Harfouche” o juiz de


direito do Estado de São Paulo, Marcelo Nalesso Salmaso,
comentou que o projeto de lei é uma solução nada efetiva
para a “doença” que é violência nas escolas pelo país [...].
‘Segundo as agências de segurança norte-americanas boa
parte dos atentados de ex-alunos às escolas tem como
motivo o bullying ou punições humilhantes sofridas na
escola. Não tem um efeito punitivo eficaz e só aumenta
a probabilidade do aluno se tornar ainda mais violento’
(FERNANDES, 2017, N/P).

Para (HARFOUCHE, 2016, N/P) a Lei 5.156/2018 promove


uma mudança de paradigmas no ambiente escolar, através
da retomada da autoridade da Direção e dos professores, em
substituição ao autoritarismo.

948
Considerações Finais

Nota-se que a situação da educação no Brasil é crítica, os


índices de violência no ambiente escolar aumentam a cada dia e
diante de tanta barbárie a sociedade está desacreditada no futuro
da educação.

Em decorrência de tantos agravantes da educação no


âmbito nacional, o estado de Mato Grosso do Sul editou a Lei
Paz nas Escolas na tentativa de solucionar pelo menos um dos
problemas educacionais que é a violência. Todavia, a aprovação
da lei gerou um novo debate que consiste na violação dos
direitos humanos dos alunos infratores que seriam submetidos à
manutenção do ambiente escolar.

De acordo com os seis artigos abordados pela Lei


5.156/2018 não há nenhuma punição que obrigue a criança ou
o adolescente a prestar algum serviço que lhe humilhe ou viole
os direitos humanos, uma vez que a manutenção do ambiente
escolar é uma medida aplicada ao reincidente após advertência
verbal ou escrita, de forma voluntária e sob a anuência dos pais ou
responsáveis, sem violar as normas legais.

Desse modo, a vigência desta lei não é garantia de sucesso


muito menos de solução dos problemas, longe disso. A lei foi uma
tentativa de solução de conflito, mas que apresenta inúmeras
falhas e a falta de muitos assuntos que têm enorme relevância
no âmbito educacional. A violência é o problema mais visível aos
olhos que para se resolver deve começar a ser solucionado pela
raiz.

É uma utopia acreditar que a situação da educação no Brasil


é de fácil resolução, tendo em vista, a complexidade estabelecida
entre “povo” e governo e todos os problemas sociais que o país
atravessa. Por isso, a cooperação entre a população e o governo
será capaz de mudar esta situação, somente quando um trabalhar
a serviço do outro de mãos dadas por um bem comum, será
possível construir uma diferente história para a educação no
Brasil.

949
Referências Bibliográficas

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e Terra. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Disponível em: http://
www.verlaine.pro.br/txt/pp5/adorno-educacao.pdf. Acesso em:
05/06/2019.

ALVAREZ, S. Saiba quem é Malala Yousafzai, a paquistanesa que


desafiou os talibãs. Disponível em: http://professorpadresergio.
com.br/2017/06/07/malala-yousafzai/. Acesso em: 04/06/2019.

BASÍLIO, D. R. Direito à educação: Um direito essencial ao


exercício da cidadania. Sua proteção à luz da teoria e dos direitos
fundamentais e da Constituição brasileira de 1988. Dissertação,
Universidade de São Paulo, 2009. Disponível em: www.teses.usp.
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Brasil nos últimos 8 anos. 2019, [N/P]. Disponível em: https://
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sobre “Lei Harfouche”, 2017, [N/P]. Disponível em: https://www.
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950
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Eduardo Machado Rocha, Nova Andradina/MS, julgado em
01 de abril de 2014. Disponível em: https://esaj.tjms.jus.br/cjsg/
getArquivodo?conversationId=&cdAcordao=408855&cdForo=0&
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urFEb2b6aeDljW0tVOvGM-FGC6Xj1QGL-epCwf7tgLz2Z6VSuX_
OqqZZcT-5Q0mbuORHXB8GwoxuLufeZ9. Acesso em: 10/06/2019.

951
O Conselho de Educação e a construção de
planos de educação em Direitos Humanos:
uma análise do Conselho Municipal de Educação
da cidade de Caruaru – PE

Erika Patrícia Ferreira dos Santos1

Resumo

A formação dos valores de um cidadão decorre do processo
educacional a que é submetido, e o Estado é o responsável
por criar e implementar planos de ensino na educação básica.
Assim, o cidadão instruído em direitos humanos, conhecedor
de seus direitos e deveres, poderá influenciar na construção
de novos métodos de ensino por meio da sua participação
social. O objetivo da presente pesquisa é observar se de fato o
Estado tem se preocupado em educar os cidadãos em direitos
humanos, sabendo que em breve eles estarão cobrando ações
governamentais efetivas, por meio de sua participação em órgãos
democráticos. Por meio de pesquisa documental e bibliográfica,
será analisado se há algum plano de educação em direitos
humanos sendo aplicado na formação educacional, e se os
participantes do conselho de educação entendem a importância
de debater sobre esses planos. A educação em direitos humanos
é uma educação voltada para a dignidade da pessoa humana, que
busca incrementar valores na sociedade que visem o respeito à
pessoa humana, em suas diferenças, induzindo comportamentos
de promoção da tolerância e da paz. O conselho de educação
é um órgão participativo que permite o exercício da cidadania
democrática por cidadãos conhecedores de seus direitos e
deveres. É necessário uma construção sólida desse ciclo: instrução
em direitos humanos na educação básica, o que formará cidadãos

1. Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida. erikap.direito@


hotmail.com

952
conhecedores de seus direitos e deveres, que terão pleno
discernimento do importante papel que podem desenvolver na
sociedade, de cobrança do ente público na garantia de direitos
individuais e coletivos.

Palavras-chave: Educação; Direitos Humanos; Cidadania;


Participação.

Introdução

O processo de aprendizagem humano é o meio responsável


por formar as características de um cidadão, é através da educação
que ele constrói seus valores. Portanto, a formação de pessoas
conhecedoras de seus direitos e deveres, que valorizam a pessoa
humana, depende de uma base educacional com ensino em
Direitos Humanos.

Nesse diapasão, é possível classificar o ensino em direitos


humanos como essencial para promover o conhecimento ao
sujeito que será capaz de reconhecer e respeitar o outro, em
suas diferenças e igualdades, respeitando a dignidade da pessoa
humana.

A partir dessa compreensão, o cidadão formado e instruído


em direitos humanos toma conhecimentos para si na área da
participação política ativa e na defesa dos Direitos Humanos, e
com esse aprendizado, é estimulado a lutar por direitos em sua
sociedade, seja através dos movimentos sociais ou participando
junto ao governo nos processos decisórios.

Os movimentos sociais impulsionaram a mudança do


cenário político na relação Estado e sociedade. A pressão
social que se dava por meios desses movimentos passou a
ser institucionalizada, com a criação de espaços públicos que
permitem a presença ativa da sociedade nas deliberações de
gestão.

Ainda na década da redemocratização, é possível destacar,


como inovação institucional, o Orçamento Participativo, que
incorpora sociedade e Estado para deliberarem a respeito da
distribuição de bens públicos. Já no contexto atual, um órgão

953
que tem se destacado quando se fala em participação, são os
Conselhos de Políticas Públicas.

O objeto de estudo da presente pesquisa é justamente


esse órgão, o conselho de políticas públicas, que conta com a
participação de membros da sociedade civil e do estado, o que
permite o exercício do controle social do povo para com o Estado,
e, efetiva direitos sociais de participação.

Nesse espaço de deliberação são formuladas políticas


públicas relacionadas a temática do conselho, nesse caso,
o Conselho Municipal de Educação delibera sobre assuntos
relacionados a educação. O cidadão que participa ativamente
deste instituto participativo é capaz de influenciar a tomada de
decisão do Estado, em assuntos da temática do conselho.

Assim, a criação de políticas públicas que visem implementar


planos de ensino em Direitos Humanos na educação básica pode
contar com a participação social, através daquele cidadão que já
fora instruído em direitos humanos.

Nesse aspecto, é possível visualizar a importância de uma


sociedade formadora de pessoas conhecedoras de seus direitos,
que irão garantir decisões estatais pautadas no respeito à
dignidade da pessoa humana e que cobrarão do Estado ações em
defesa de direitos individuais e coletivos.

Portanto, nossa pesquisa busca, inicialmente, conhecer


a formação do Conselho de Política Pública, e em uma análise
dos membros da sociedade civil identificar aqueles que foram
instruídos em Direitos Humanos, para verificar qual a sua
contribuição na formulação de políticas públicas no sentido de
ensino em Direitos Humanos.

Em um tópico dedicado a Educação em Direitos Humanos


destacaremos contribuições sociais advindas da implementação
desse ensino no nível básico da educação, com reflexos em uma
sociedade capaz de promover a defesa da tolerância e da paz.

954
O Conselho de Politícas Públicas

A democracia representativa enfrenta uma crise por não


permitir uma participação ativa da sociedade nas decisões
públicas, já que encontra-se limitada apenas ao voto, ou seja, o
cidadão através de seu voto escolhe quem o representará durante
todo mandato, após esse ato, ocupa uma posição passiva frente a
política.

Segundo Alves (2013, p. 233):

[...] esse déficit democrático começa a ser compensado


na América latina, na década de 90, quando ocorre a
abertura política com a adoção de um modelo democrático
de regime político, que era capaz de assegurar, além da
participação formal, por meio de eleições periódicas, outros
mecanismos de participação popular, como a constituição
de conselhos, que integraram paritariamente representante
do poder público e da comunidade, com competência para
estabelecer, gerir e avaliar políticas públicas desenvolvidas
pelos governos.

Em decorrência disso, começam a surgir novas práticas


governamentais que permitem um maior acesso aos atos da
vida pública por parte dos cidadãos da sociedade civil, fruto de
um novo modelo democrático, “como revela o seu próprio nome,
a democracia participativa baseia-se na abertura do Estado a
uma participação popular maior do que admitida no sistema da
democracia puramente representativa”. (PEREZ, 2004, p. 32)

O Estado era o grande responsável por realizar essa abertura


política, trazendo à tona um modelo democrático de regime
político que de fato permitia a participação, entretanto, como
afirma Chauí (1984, p. 57) “[...] o cidadão, portador de direitos e
deveres, é essencialmente criador de direitos para abrir novos
espaços de participação política”, assim, a garantia da democracia
não é incumbência apenas do Estado, as manifestações sociais
devem buscar direitos e uma “[...] representação política
tradicional com a participação popular direta para a concretização
dos direitos fundamentais”. (SILVA, 2009, p. 62).

955
Surgem, então, os órgãos participativos, com maior
destaque os conselhos de políticas públicas e o orçamento
participativo que realmente influenciaram as políticas públicas
no Brasil democrático. Nos dias de hoje os Conselhos de Políticas
Públicas têm se destacado quando o assunto é participação,
Avritzer (2009 p. 34), define os conselhos “como instituições
híbridas nas quais têm participação atores do Executivo e atores
da sociedade civil relacionados com a área temática na qual o
conselho atua.”

Quando criados, os conselhos possuíam uma função


consultiva, apenas de auxílio ao poder público, logo após, esses
conselhos desempenharam um importante papel ao discutir
sobre a ampliação de direitos de segunda dimensão, e, assim,
tornaram-se de fato espaços institucionalizados de deliberações,
exercendo atualmente funções importantíssimas no âmbito
social.

Ao olhar para os conselhos e enxergá-los como órgãos que


permitem a cidadania e a democracia direta, e, com isso, garantem
a participação popular, percebemos que atualmente uma das
mais avançadas formas de manter o diálogo entre a população
e o governo são justamente os Conselhos de Políticas Públicas,
que segundo Gohn (2001, p. 7) são “[...] canais de participação
que articulam representantes da população e membros do poder
público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens
públicos”.

Esses espaços são de discussões a respeito de elaboração


de políticas públicas, onde a relação entre o povo e o Estado se
transforma em base para decidir conforme os desejos da sociedade,
já que, sem a presença de representantes da população o governo
decidiria de forma unilateral. “Daí a possibilidade de o cidadão
participar direta ou indiretamente da própria tomada de decisão
pela Administração, sem, obviamente, retirar da Administração os
poderes que lhe são inerentes.” (PEREZ, 2004, p. 140)

Isso não significa dizer que a sociedade toma o poder


decisório do Estado, ela apenas adentra ao campo da tomada
de decisão, estabelecendo-se em uma posição ativa no campo
político.

956
Concretizam os conselhos, dessa forma, um deslocamento
do poder decisório do eixo central da Administração Pública
(chefia do Poder Executivo) para a periferia de sua estrutura
orgânica, em movimento de desconcentração. (PEREZ,
2004, pag. 142)

É importante ressaltar que a Constituição Federal brasileira


estabelece diversas normas de obrigatoriedade da cooperação
entre a sociedade civil e as instâncias de governo, que ocorre
ordinariamente por meio dos conselhos de Políticas Públicas.

Segundo Perez, (2004, p. 141) os conselhos “representam, de


certa forma, uma novidade no âmbito da Administração Pública
brasileira, acostumada, durante séculos, à atuação unilateral,
senão autoritária e arbitrária”.

Essa participação é possível, pelo fato da formação do


Conselho ser de forma preferencialmente paritária entre membros
da sociedade civil e do governo, os quais deliberam sobre diversos
assuntos que dizem respeito à área de atuação do conselho. No
entanto, há outros tipos de composição, a depender do Conselho,
os quais são apresentados por Perez, (2004, p 142):

Quanto a forma de composição, a legislação prevê diversos


modos: a participação majoritária do Poder Público (os
representantes dos administrados têm minoria de votos e
os do Poder Público a maioria); a participação paritária há
igual número de participantes e votos do Poder Público e da
sociedade) e a participação majoritária dos administrados
(o Poder Público têm minoria dos votos e os administrados
maioria).

Sabendo, então, que há diversos formas de composição


dos Conselhos de Políticas Públicas, que no entanto, sempre
contam com representantes do Poder Público e da Sociedade,
cabe agora a análise de como é feita a escolha dos conselheiros,
representantes, e quais as funções exercidas por esses no âmbito
do conselho. Alves (2013, p. 238) afirma que:

[...] quanto à representatividade, é difícil assegurar que


a escolha dos conselheiros seja realmente democrática,

957
sob a perspectiva da sociedade civil, da mesma forma que
os mesmos não estão sujeitos a quaisquer processos de
controle e responsabilização. Os representantes populares
nos conselhos não são submetidos a qualquer procedimento
de legitimação substantiva, já que não são eleitos pelo voto
universal, e por isso não recebem uma delegação explícita,
como seria desejável em qualquer regime democrático.

Desse modo, não há um processo de eleição para a escolha


do representante, o que de fato ocorre é uma indicação de pessoas
que estão ligadas às temáticas do conselho e que demonstram
interesse na área. É notável que, como ocorre na democracia
representativa, se a eleição fosse realizada por meio do voto,
possivelmente, as decisões tomadas pelos representantes eleitos
nem sempre representariam o povo.

Com relação às funções do Conselho serão citadas as mais


importantes:

Função deliberativa onde os conselhos possuem, segundo


Alves, (2013, p. 237), “a atribuição de elaborar normas de
estruturação das políticas sociais no respectivo âmbito de atuação,
estabelecer programas e ações, além de possuírem competências
para estabelecer critérios de financiamento das políticas”. É
no exercício dessa função que os conselheiros decidem sobre
assuntos específicos de interesse do conselho.

De acordo com Buvinich, (2012 p. 72) “a capacidade


deliberativa (o poder de decisão) é apontada pela maioria da
doutrina como a efetiva partilha de poder político e o grande
diferencial conferido aos conselhos na reforma constitucional”.
Daí se extrai a importância da função deliberativa, a possibilidade
da sociedade poder tomar a decisão.

Função consultiva, não há tomadas de decisão de forma


direta, mas, emissão de parecer que influencia as decisões, é uma
“função de assessoramento, desprovidos de quaisquer ‘atribuições
mandatórias’, que normalmente mobilizam conhecimentos de
experts nas áreas de atuação específica, sem qualquer autonomia
com relação aos órgãos do poder executivo”. (ALVES, 2013, p. 237)

958
É justamente no exercício dessas funções que os conselheiros,
especificadamente os da sociedade civil, conseguem intervir nas
decisões ora realizadas de forma unilateral pelo governo e que
agora são realizadas respeitando a soberania popular. Como
os conselhos são lugares de deliberação o essencial é que haja
realmente discussões, pois a constituição desses locais tem por
princípio a representatividade e respeito às diferentes vontades,
onde há multiplicidade de interesses, como afirma Buvinich (2012,
p. 61)

A teoria deliberativa agrega a participação, mas vai além


ao focar não somente o processo participativo, mas os
resultados que podem ser extraídos da participação. Neste
sentido, a deliberação ganha importância, pois seria o
resultado concreto da multiplicidade de interesses sociais
confluindo com um propósito específico.

Os Conselhos de Políticas Públicas embora tenham surgido


no fim do século XX ainda têm muitos espaços para alcançar, a
instituição do conselho em alguns munícipios tem sido novidade
para a sociedade, por outro lado, há espaços políticos que não
contam com a presença desse órgão, e a sociedade desconhece
sua capacidade de influenciar a tomada de decisão na gestão da
coisa pública.

Uma gestão pautada na participação social tem suas ações


firmadas pela legitimidade social, todavia, deve ser observada
a estruturação dos institutos de participação, para que não se
tornem instrumentos de manipulação da vontade popular.

Educação em Direitos Humanos

Embora o Brasil tenha avançado significativamente em


instituições democráticas, é notável tamanha desigualdade
existentes em diversos setores da sociedade, principalmente
quanto a garantia de direitos de algumas minorias, como negros,
mulheres, homossexuais e índios, os quais têm seus direitos
violados diariamente.

Essa crise se sustenta na debilidade presente no país no


que diz respeito a cultura educacional em direitos humanos,

959
o processo de aprendizagem não conta com educação em
direitos, democracia e política. O indivíduo enquanto agente
político, desconhece seus direitos e seu papel frente ao Estado
Democrático de Direito.

O povo é o detentor do poder político em uma sociedade,


porém, desconhece sua força e não sabe como exercê-la. Para
influenciar a tomada de decisão do Estado e conseguir intervir na
criação e implementação de políticas públicas, o cidadão precisa
conhecer seus direitos.

A educação é um instrumento imprescindível para que


o indivíduo possa reconhecer a si próprio como agente
ativo na modificação da mentalidade de seu grupo, sendo
protagonista na construção de uma democracia.2

Nesse aspecto, temos a importância da Educação em


Direitos humanos desde a educação básica, como garantidora de
direitos fundamentais. É necessário destacar que a Constituição
Federal em seus artigos 205 a 214 traz a educação como um
direito fundamental que deve ser proporcionada a todos.

A educação é um processo mais amplo que a escolarização,


pois não se trata apenas de ler e escrever, mas de adquirir o
domínio de instrumentos de análise, comunicação e ação.
No entanto, é inegável o papel fundamental e insubstituível
da escola no processo educativo. Tendo em vista a sua
importância para o desenvolvimento do ser humano, é
necessário que todos/as tenham acesso à educação, no
mínimo a básica, que aqui no Brasil compreende o ensino
fundamental e médio.3

Embora o Estado seja o grande responsável por


proporcionar essa educação, a Declaração Universal dos Direitos

2. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Educação em


Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais – Brasília: Coordenação Geral de Educação em
SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos
Humanos, 2013.
3. LIRA, Kalline Flávia Silva. Educação em direitos humanos na educação básica:
perspectivas e desafios no sertão pernambucano. Revista Cadernos de Estudos e
Pesquisa na Educação Básica,Recife, v.4, n.1, p. 64-79,2018. CAp UFPE.

960
Humanos pede que “cada indivíduo e cada órgão da sociedade,
tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do
ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e
liberdades” (ONU, 1948, p. 4).

Em 2003 foi criado o Comitê Nacional de Educação em


Direitos Humanos, e consequentemente elaborado o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) que
preconiza que:

[...] a educação em direitos humanos deve abarcar questões


concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos
procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos
que possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora
e libertadora, voltada para o respeito e valorização da
diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de
formação da cidadania ativa (BRASIL, 2009, p. 23).

Portanto, a aplicação e ampliação do ensino em Direitos


humanos nas escolas só é possível com o comprometimento
de diversos setores da sociedade: da comunidade escolar, dos
gestores, da rede de promoção de direitos humanos.

O Programa Nacional de Direitos Humanos, em sua terceira


versão (PNDH-3), aponta a Educação e Cultura em Direitos
Humanos como um dos seus eixos temáticos e assinala:

[...] a educação e a cultura em Direitos Humanos visam à


formação de nova mentalidade coletiva para o exercício da
solidariedade, do respeito às diversidades e da tolerância.
Como processo sistemático e multidimensional que orienta
a formação do sujeito de direitos, seu objetivo é combater
o preconceito, a discriminação e a violência, promovendo a
adoção de novos valores de liberdade, justiça e igualdade
(BRASIL, 2010, p. 185).

Para que essa educação seja efetivada, um fator


determinante é a formação de educadores em direitos humanos,
com adoção de estratégias pedagógicas que orientem esse
projeto educacional.

961
Outro elemento importante para que avancemos nos
processos de formação de educadores em educação em
Direitos Humanos é dispor de materiais adequados, tanto
para a formação de professores, quanto para o ensino
fundamental e médio. Ainda são poucos os recursos –
textos, vídeos, jogos, softwares, etc. com esta preocupação.4

Educar em Direitos Humanos não é uma tarefa fácil,


principalmente em um país que passou por uma fase de ditadura,
e que mesmo após um período de redemocratização, ainda
apresenta elevados números de casos de violação a direitos
constitucionalmente dispostos.

Para reverter essa situação, é necessário investir no


processo educacional, com inclusão de disciplinas que atentem
para os Direitos Humanos, onde o assunto seja levado a sério, e
não seja visto como uma luta de minorias, e sim como a luta de
uma sociedade pela defesa de direitos, na busca da igualdade e
da tolerância.

O Conselho Municipal de Educação e a construção de Planos


Educacionais

A criação de planos educacionais pode ser fruto do debate


acerca de uma política pública, e o Conselho de Política Pública é
um órgão que permite a participação da sociedade nesse processo
de formulação de políticas públicas a serem implementadas no
campo social.

Portanto, a implementação por parte do Estado, de uma


política pública que foi fruto das deliberações realizados no
conselho de política pública, efetiva a participação social, e mais
ainda, garante o direito à cidadania, já que o cidadão participa
ativamente no processo de decisão do Estado, como traz Leonardo
Avritzer (2009, p. 146):

A criação de conselhos como mecanismo institucional para

4. CANDAU, Vera Maria Ferrão. SACAVINO, Susana Beatriz. Educação em direitos humanos
e formação de educadores. Educação (Porto Alegre, impresso), v. 36, n. 1, p. 59-66, jan./
abr. 2013.

962
dar concretude ao direito constitucional à participação,
entendida, assim, como a intervenção efetiva da sociedade
na formulação, implementação e controle da política
pública.

O ciclo de uma política pública tem início com a


identificação de um problema, que é levado ao poder público
através da participação social no conselho, em seguida, o governo
estabelece uma agenda que compreende os problemas que serão
enfrentados, após isso, há a formulação de alternativas e a tomada
de decisões, esses últimos ocorrem nas deliberações realizados
no conselho.

No âmbito educacional a participação do povo nesses


institutos pode ser um fator determinante na inclusão de
Educação em Direitos Humanos nas escolas, onde, após a
identificação do problema, o cidadão passa a cobrar e exigir
do Estado ações governamentais com a finalidade de alcançar
objetivos adequados a solução do problema.

“A criação de direitos não é suficiente para a afirmação dos


valores humanos e da democracia, portanto é importante também
aprender a exigi-los, a cumpri-los e a reinventá-los.”5 Dessa forma,
a sociedade deve cobrar do Estado a promoção e defesa dos
Direitos Humanos, porém, apenas cidadãos conhecedores de
seus direitos têm a consciência do papel que podem exercer.

Dessa forma, cabe à sociedade civil garantir o direito de


participação, demonstrando interesse em participar das reuniões
do conselho, participando de forma séria e com comprometimento,
garantindo assim, deliberações eficazes. Como considera Dal
Bosco (2008 apud ALVES, 2013, p. 233):

a participação da sociedade civil na definição das políticas


públicas se dá mais por atuação dos grupos de pressão da
sociedade civil, do que pela atuação voluntária dos governos.

5. Heloísa Marinho. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UMA PROPOSTA CRÍTICO


LIBERTADORA. GT3: Educação em Direitos Humanos e processos de democratização/
redemocratização. Disponível em: <http://www.ufpb.br/evento/index.php/ixsidh/
ixsidh/paper/viewFile/4374/1661>

963
Assim, a construção de planos de educação no âmbito
municipal, estadual ou nacional, deve ser fruto de um conjunto de
iniciativas que garantem a participação social, com colaboração
entre a sociedade e o governo, para construção de políticas
públicas que atendam as demandas locais.

Além do Estado desenvolver estratégias de participação,


o povo deve exigir a concretização de ações de Educação em
Direitos humanos na escola, pois, é a educação que vai permitir o
envolvimento dos agentes sociais no processo participativo, para
consolidar uma cultura de respeito aos direitos humanos.

A junção do cidadão instruído em direitos humanos,


conhecedor de seus direitos e deveres, com um Estado que
garante a participação por meio de institutos de participação, é
uma sociedade que garante direitos individuais e coletivos, que
respeita os cidadãos em suas diferenças e garante a igualdade.

Referências

ALVES, Fernando de Brito. Constituição e participação popular:


a construção histórico-discursiva do conteúdo jurídico-político
da democracia como direito fundamental./ Curitiba: Juruá, 2013.

AVRITZER, Leonardo. Experiências nacionais de participação


social. Cortez Editora, 2009.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de


outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituição.html>.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da


República. Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais
– Brasília: Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos
Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos
Humanos, 2013.

______. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos.


Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília:
MEC/SEDH, 2009.

964
______. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3).
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Brasília: SEDH/PR, 2010.

BUVINICH, Danitza. O mapeamento da institucionalização


dos conselhos gestores de políticas públicas nos munícipios
brasileiros. Ver. Adm. Pública – Rio de Janeiro, jan./fev. 2014.

CANDAU, Vera Maria Ferrão. SACAVINO, Susana Beatriz. Educação


em direitos humanos e formação de educadores. Educação
(Porto Alegre, impresso), v. 36, n. 1, p. 59-66, jan./abr. 2013.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. São Paulo: Moderna, 1984.

CUNHA, Heloísa Marinho. Educação em direitos humanos: uma


proposta crítico libertadora. GT3: Educação em Direitos Humanos
e processos de democratização/redemocratização. Disponível
em:<http://www.ufpb.br/evento/index.php/ixsidh/ixsidh/paper/
viewFile/4374/1661>

GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação


sociopolítica. Cortez, São Paulo, 2001.

LIRA, Kalline Flávia Silva. Educação em direitos humanos


na educação básica: perspectivas e desafios no sertão
pernambucano. Revista Cadernos de Estudos e Pesquisa na
Educação Básica, Recife, v.4, n.1, p. 64-79,2018. CAp UFPE.

ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos


Direitos Humanos. Nova York, 1948. Disponível em: <http://www.
onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso: 21 jul. 2019.

PEREZ, Marcus Augusto. A Administração Pública Democrática:


Institutos de Participação Popular na Administração Pública.
Belo Horizonte: Fórum, 2004.

SILVA, Frederico Barbosa da, JACCOUD, Luciana, BEGHIN, Nathalie.


Políticas Sociais no Brasil: Participação Social, Conselhos e
Parcerias. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.
php?option=com_content&view=article&id=5491> Acesso em 02
de julho 2019.

965
Relato de experiência de trabalho social
envolvendo temáticas voltadas à
educação em Direitos Humanos

Márcia Maria Cunha1


Luciana Dantas de Oliveira2
Vanessa Isabella dos Santos Ramos3

Resumo

Este resumo relata a experiência de educação em Direitos
Humanos da equipe do Trabalho Social do Programa Minha Casa
Minha Vida de Bauru. Com o aumento da violência na sociedade,
fez-se necessário buscar formas de refletir sobre este tema com
os beneficiários e moradores do entorno dos empreendimentos,
dando destaque para os diversos tipos de violência, em especial
de gênero, bem como o cuidado com o meio ambiente. Assim,
foi elaborado o Projeto “Festival de Artes Minha Casa Minha Vida”
que prevê apresentações artísticas para as diferentes idades que
trabalhem os temas de forma lúdica com objetivo de formar
público, levantar demandas e/ou promover ações coletivas para
discutir tais temáticas. Na primeira e segunda edição do Festival
que ocorreram em 2017 e 2018, mais de 3 mil pessoas puderam
prestigiar 67 apresentações realizadas nos residenciais e em seus
entornos. Já na terceira edição do Festival a equipe decidiu ampliar
o alcance das temáticas para o território trabalhando em parceria
com as escolas públicas municipais e estaduais atendendo com
43 apresentações 31 escolas, além de projetos sociais um público
de 5 mil pessoas. Com a realização dos Festivais foi possível
garantir o acesso à cultura, e, por meio desta, discutir e refletir

1. Assistente Social da Prefeitura de Bauru -SP e estudante de Mestrado do Programa de


Pós-Graduação de Serviço Social da Unesp de Franca-SP. marcia.marcusso@gmail.com
2. Psicóloga da Prefeitura de Bauru e estudante do curso de Psicologia Jurídica do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Sagrado Coração de
Bauru-SP. lucianadantas@bauru.sp.gov.br
3. Assistente Social da Prefeitura de Bauru e estudante do curso de Trabalho Social
com Famílias do Programa de Pós-Graduação da instituição Acrópole Educacional de
Bauru-SP. vanessaramos@bauru.sp.gov.br

966
sobre os direitos humanos, suas violações e as possíveis formas
de enfrentamento. Além disso, a equipe vem desenvolvendo
o Trabalho Social através de grupos socioeducativos, cursos,
atividades esportivas, culturais, de educação ambiental e
patrimonial, buscando contribuir para a garantia dos direitos e a
melhoria da qualidade de vida.

Palavras-Chave: Trabalho Social. Programa Minha Casa Minha


Vida. Direitos Humanos.

Introdução

A cidade de Bauru é localizada na região central do São Paulo,


considerado de porte médio com população estimada de 374.272
pessoas (IBGE, 2018). A cidade sedia a 7ª Região Administrativa do
Estado de São Paulo, a qual engloba 39 municípios e 3 Regiões de
Governo.

O processo de urbanização da cidade foi impulsionado


pela ferrovia. A população de Bauru reside predominantemente
na cidade apresentando uma taxa de urbanização de 98,33%,
enquanto que a população rural é de 1,67% (Censo, 2010).

Referente aos problemas e demandas habitacionais que


foram apresentados pelo Plano Local de Habitação de Interesse
Social – PLHIS (2010) Bauru possui o seguinte cenário:
• Déficit habitacional = 4.300 Unidades Habitacionais-U. H.
• Demanda Futura (0-3 SM até 2025) = 2.700 U.H.
• Imóveis inadequados = 10.500 (envolvendo irregularidade
fundiária, adensamento excessivo, moradias sem banheiro e
carência de infraestrutura) e núcleos irregulares = 27.

Frente ao problema do déficit habitacional, o Governo


Federal instituiu uma série de Programas destinados à promoção
de Habitação de Interesse Social - HIS a partir da disponibilização
de recursos para viabilizar empreendimentos para esse público,
como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida.

O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV é um


programa federal criado pela Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009
e tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção

967
e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação
de imóveis urbanos para famílias com renda mensal de até R$
4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais) e compreende
vários subprogramas, mas focaremos no campo de intervenção
que é por meio do Programa Nacional de Habitação Urbana –
PNHU e tem o objetivo de promover a produção ou aquisição
de novas unidades habitacionais, ou a requalificação de imóveis
urbanos, para famílias com renda mensal de até R$ 5.000,00 e no
âmbito do PMCMV o qual atende a linha de financiamento através
do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR destinado a famílias
com renda mensal de até R$ 1.800,00 na área de atuação do FAR.

A operacionalização dos recursos do Programa Minha Vida


é realizada pela Caixa Econômica Federal, instituição financeira
responsável pela expedição dos critérios e dos atos necessários
à operacionalização do programa, bem como da definição de
critérios técnicos.

Pode-se afirmar que o PMCMV representou uma grande


ruptura em relação às práticas anteriores, por trazer a questão da
habitação para o centro da agenda governamental, pela escala de
intervenção, viabilizando o acesso à moradia para os setores de
mais baixa renda, historicamente excluídos dos financiamentos
para aquisição da casa própria e também por inaugurar o
atendimento a parcela mais vulnerável da população, os sem
rendimentos, que nunca haviam sido atendidos por programas de
habitação, o que possibilitou acesso a outros direitos de cidadania
e sociais tais como ao endereço formal para recebimento de
correspondências, energia elétrica, saneamento básico, entre
outros.

Além da produção de moradias, o Programa Minha Casa


Minha Vida prevê 1,5% dos recursos da obra para a execução
do Trabalho Social. A Portaria 21 de 22 de janeiro de 2014 do
Ministério das Cidades defini como Trabalho Social um conjunto
de estratégias, processos e ações, realizado a partir de estudos
diagnósticos integrados e participativos do território que
contribuam para a melhoria da sua qualidade de vida e para a
sustentabilidade dos bens, equipamentos e serviços implantados.

O trabalho social não é simplesmente um apoio da obra.

968
É um componente estratégico da política habitacional e urbana.
Com a escala das intervenções no Brasil e com o financiamento
do trabalho social, hoje não se trata mais de projetos pilotos. O
conceito se consolidou e seus objetivos vão além da moradia. O
trabalho social (TS) busca garantir a organização, a participação
e a mobilização popular (Secretaria Nacional de Habitação –
Ministério das Cidades, 2011).

O município de Bauru aderiu ao Programa Minha Casa Minha


Vida em abril de 2009. A cota para a Fase I do Programa Minha casa
Minha Vida em Bauru foi de 1.816 unidades habitacionais divididas
entre 07 complexos. A cota para a Fase II do Programa Minha
casa Minha Vida em Bauru foi de 3.728 unidades habitacionais
divididas entre 15 complexos.

Em 2017, a equipe técnica do PMCMV elaborou um plano


para executar o Projeto de Trabalho Social intitulado Plano de
Articulação Intersetorial das macroáreas dos empreendimentos
(PAIME) do PMCMV.

O PAIME é uma proposta com ênfase na execução direta


das ações através das secretarias municipais e demais atores
sociais que atuam nos territórios onde foram implantados os
empreendimentos residenciais de interesse social da faixa 1 do
PMCMV.

Este trabalho vai apresentar as ações do Projeto “Festival


de Artes Minha Casa Minha Vida” que compõe as atividades do
Projeto de Trabalho Social do PMCMV.

Metodologia

Diante da crescente “onda” de violência e violação dos


direitos humanos que atinge a sociedade brasileira, a equipe
do PMCMV durante a execução do TS nos residenciais sentiu a
necessidade de mobilização, informação e sensibilização dos
beneficiários para refletir sobre tais temas, seus correlatos, além
de seus impactos na vida dos indivíduos sejam eles físicos,
psicológicos e/ou sociais, principalmente após o linchamento
seguido de morte de um morador executado por outros
moradores devido à suspeita de roubo de um botijão de gás.

969
Esse caso comoveu a todos na cidade e a equipe do TS sentiu a
necessidade de desenvolver com urgência ações voltadas para a
minimização da violência e a defesa dos direitos humanos.

Ressalta-se que há um número significativo de beneficiários


do PMCMV da Faixa I o quais encontram-se em situação de
vulnerabilidade e/ ou risco social, sendo muitas vezes vítimas de
situações de violência em suas diversas formas desconhecendo
caminhos para superação desse contexto. Assim, visando a
discussão dos temas de forma a abranger todos os públicos, foi
proposto um projeto que possibilitasse o acesso dos beneficiários
a apresentações artísticas que trabalhassem os temas supra
citadas de forma lúdica possibilitando não só a mobilização
e sensibilização através da linguagem artística, mas também
a identificação do público com as temáticas apresentadas, a
conscientização, e posterior levantamento de demandas para
encaminhamentos aos serviços especializados e/ou trabalhos
mais direcionados a determinados públicos.

Para fomentar a reflexão dos temas, também foi proposto,


dinâmicas participativas sobre a temática, oficinas e/ou
workshops conduzidas pelos grupos artísticos. Tais atividades
foram acompanhadas por técnicos e/ou estagiários da equipe
técnica do PMCMV, a fim de acolher as demandas que emergirem
durante essas ações bem como auxiliar nas informações sobre os
órgãos responsáveis por este tipo de atendimento.

Assim estruturou-se um Festival de apresentações de teatro


que tem como objetivo mobilizar e sensibilizar a população
em geral dos empreendimentos através de apresentações
artísticas que abordem os temas: violência doméstica, violência
urbana e a banalização da vida, discriminação e diversidade
racial (a questão do negro) e de gênero, o e direitos humanos.
Além disso, o projeto busca fomentar e difundir as pesquisas
contemporâneas nas artes cênicas, facilitando o acesso ao público
regional; promover a formação de artistas locais; contribuir
para a tomada de conscientização do público-alvo sobre os
temas escolhidos, suscitar a formação de público, e facilitar a
identificação das demandas de pessoas vítimas de violência,
oportunizando acolhimento, discussão do tema e efetivação dos
encaminhamentos necessários.

970
O Projeto “Festival de Artes Minha Casa Minha Vida foi
realizado em parceria com a Secretaria Municipal da Cultura de
Bauru e está na sua 3ª edição. O procedimento para a contratação
dos espetáculos foi iniciado com o envio do projeto para aprovação
à Caixa Econômica Federal, responsável pela liberação de recursos,
e com a aprovação é realizado um edital de Chamamento Público
aos interessados a participar do festival.

O 1° Festival de Artes Minha Casa Minha Vida ocorreu em


01/12/17 a 15/12/17, com 34 apresentações de teatro distribuídas
entre os dezenove residenciais do PMCMV, atingindo diretamente
cerca de 1.500 (mil e quinhentas pessoas) e indiretamente
6.000 (seis mil pessoas). Ele foi considerado o maior evento
descentralizado de teatro do Brasil.

A 2ª edição do Festival de Artes Minha Casa Minha Vida


ocorreu nos dias 28 de julho a 12 de agosto de 2019 com 33
apresentações distribuídas na macroárea de 11 residenciais,
atingindo um público estimado de mais de 2 mil pessoas.

Esta edição contemplou somente os residenciais da 2ª fase


do programa, sendo 3 espetáculos selecionados dentro dos 3
eixos temáticos contemplados no Edital de Chamamento Público.

As peças selecionadas foram: Eixo 1 – Violência Doméstica:


Saber Ser Cia Giralua Artes; Eixo 2 – Violência Urbana e banalização
da Vida: A Pereira da Tia Miséria – Núcleo “ As de Paus”; e Eixo 3 –
Discriminação e Preconceito racial e de Gênero: As Multidançarinas
– Companhia Multidançarinas. Cada espetáculo foi apresentado
11 vezes, sendo uma em cada residencial. Algumas apresentações
foram realizadas em locais públicos e/ou em escolas inseridos no
território dos residenciais visando ampliar o acesso ao evento a
macrorregião.

A partir do sucesso das 1ª e 2ª edição, realizou-se a 3ª edição


que para além das temáticas violência e violação dos direitos
humanos, discutiu a convivência comunitária, a sustentabilidade,
as vantagens e os riscos do imediatismo da nossa geração
bombardeada a cada segundo pelas redes sociais num mundo
digital.

971
A mesma ocorreu no período de 01 de junho a 16 de junho
de 2019, com 43 apresentações de teatro distribuídas entres as
regiões da macroárea dos 19 empreendimentos do PMCMV,
atingindo um público de mais de 5 mil pessoas de todas as faixas
etárias.

Nesta edição pensando na proposta do desenvolvimento


territorial, as peças foram realizadas nas escolas municipais e
estaduais com objetivo de trabalhar a pertença social. Além
das escolas públicas as apresentações ocorreram em projetos
sociais, no CEU das Artes. Para este festival, 5 espetáculos foram
selecionados dentro dos 5 eixos temáticos contemplados no
Edital de Chamamento Público

As peças selecionadas foram: Eixo 1 - A Violência x A Força da


Mulher: Diálogos Sobre Violência Doméstica e O Empoderamento
Feminino: Projeto – Las Myl e Una Noches, Proponente: Kjesed
Ana Victoria Faundes Encina; Eixo 2 - Aprendendo A Conviver: A
Arte Das Relações Humanas e Da Superação Dos Conflitos, Projeto
– Os Vikings e o Reino Saqueado Proponente – Adriano Gouvella;
Eixo 3 - Sustentabilidade Ambiental: Na Natureza Nada Se Cria
Tudo Se Transforma: Projeto – Terra Frágil: Proponente – M. C.
Basso Produções ME; Eixo 4 - Geração Nem Nem: Nem Tão Rápido,
Nem Tão Longe Se Vai Sem Um Pouquinho De Resiliência. Projeto
– Cabeças de Livro, Proponente – Alessandro Costa Figueiredo
Brandão; e Eixo 5 – A História de Bauru: A Gente Mora Aqui Projeto
– Pelos Trilhos de Bauru, Uma Estação de História, Proponente:
Andressa Francelino

Dentre os 5 eixos, 4 deles e seus respectivos espetáculos


selecionados foram apresentados 07 vezes em cada território/
bairro nos quais existem empreendimentos do PMCMV –
Faixa 1. Contudo, um deles foi selecionado para trabalhar o
pertencimento e o direito à cidade e foi apresentado 14 vezes
pelos territórios, sendo que 1 apresentação FOI realizada no
grande evento ocorrido no Teatro Municipal localizado no centro
da cidade, o qual contou com a apresentação dos beneficiários do
programa que participam das diversas oficinas nos condomínios.
Neste eixo, a peça conta a história do município de Bauru, no
intuito de aproximar a história de vida de cada morador e de cada
espectador da peça da história do local, da história da sua cidade

972
de forma a contribuir para o desenvolvimento do sentimento de
pertença.

Resultados

Como resultados deste projeto, pode-se pontuar que a


aceitabilidade da população em relação a essa nova proposta
metodológica para iniciar a reflexão com grupos que não possuem
acesso as artes em seu cotidiano foi surpreendente, as respostas
verbalizadas e a participação crescente do público a cada evento
foi um indicador de satisfação.

Em todas as ocasiões houveram questionamentos do


público sobre quando seriam ofertadas outras oportunidades
de participação. A proposta lúdica foi propositalmente aplicada
nos empreendimentos como instrumento de aproximação à
reflexão sobre os temas elencados, bem como o fomento ao
público cultural e a amplitude com ações coletivas, no intuito de
agregar pessoas para o início do trabalho de desenvolvimento
socioterritorial

É possível afirmar que o projeto por meio da cultura e a arte


detém o poder de tocar e produzir transformação nas pessoas
independentemente da idade, cor ou classe social. Através da
linguagem do riso, do drama, da cênica, da fantasia que mergulha
na realidade do cotidiano, diversas temáticas foram discutidas,
as quais mesmo sendo carregadas do peso das dores diárias,
chegou ao nosso público na leveza de um malabaris, na beleza
de um sorriso infantil, mas grande e dotada de significado tal qual
caminhasse em pernas de pau.

Considerações Finais

Com o registro deste relato de experiência, pretende-se


contribuir para as discussões no âmbito da Educação em Direitos
Humanos sobre ações profissionais que busquem trabalhar temas
tão urgentes de serem tratados e ao mesmo tempo tão difíceis de
serem abordados com estratégias diversas que comprovadamente
tem contribuído para a reflexão do público em geral de forma
eficaz.

973
Referências Bibliográficas

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Disponível em: http://institutosoma.org.br/projeto/plano-local-
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arquivos/trabalho_social_e_intervencoes_habitacionais.pdf>
Acesso em 16 de julho de 2019.

974
Un mapa actualizado del asesinato de líderes y
lideresas sociales en Colombia. Reflexiones sobre
la actual situación de Derechos Humanos,
la democracia, y el papel de las élites nacionales

Marisabel García Acelas

Palabras clave: Líderes y lideresas, derechos humanos, asesinato,


elites.

Resumen

La ponencia presenta un mapa actualizado del asesinato
de líderes y lideresas sociales en Colombia, con base a diversos
informes publicados entre 2016 y 2019. Ahonda en la relación
existente entre esta práctica sistemática de exterminio y su
correlación con los intereses económicos de las élites sobre el
territorio nacional. De igual forma, plantea reflexiones sobre el
escenario de post acuerdo, exponiendo los vacíos de un proceso
que ha dejado intacto el modelo económico, y profundiza el
despojo bajo una aparente resolución del conflicto armado entre
dos actores del mismo.

Las cifras y los énfasis

A lo largo de la historia política de Colombia quienes


lideran procesos sociales y defienden los derechos humanos, han
sido objeto de asesinato, desaparición forzada, desplazamiento,
encarcelamiento y amenaza. Basta nombrar a Jaime Garzón,
Elsa Alvarado, Mario Calderón, Manuel Gustavo Chacón,
Eduardo Umaña Mendoza, para recordar momentos de tristeza
y estupefacción nacional. Como ellos (as), otros cientos sufren
cotidianamente hechos de violencia, al punto que pareciera que
como sociedad hemos naturalizado su estigmatización, y en
diversas ocasiones, justificado su agresión.

975
El periodo referido al actual proceso de paz entre el
Gobierno y las insurgencias de las FARC y el ELN1, ha sido cruento;
las cifras oscilan entre 350 y 500 personas líderes asesinadas desde
2012, lo que podría traducirse en que cada cuatro días muere una
esperanza de cambio en el país. Aunque no existe un registro
unificado, ni siquiera por parte de las instituciones estatales, se
puede evidenciar que las organizaciones sociales y observatorios
de periodismo de investigación han realizado esfuerzos por
sistematizar lo sucedido, pero desafortunadamente, siguen
siendo sub registros del fenómeno.

La mayoría de informes realizados hasta el momento,


muestran datos desde enero de 2016 a julio/ diciembre de 2018.
Los periodos de análisis varían temporalmente, ya sea presentando
datos anuales como: el Alto Comisionado de las Naciones Unidas
para los Refugiados (ACNUR), Somos defensores y La Oficina del
Alto Comisionado de Naciones Unidas para Derechos Humanos
(OACNUDH), y Front Line Defenders; semestrales o trimestrales
como: Cumbre Agraria e Indepaz y Somos Defensores; o en
periodos particulares como el informe de la Defensoría del Pueblo
que analiza desde enero de 2016 a febrero de 2018 y a través de
alertas tempranas hasta diciembre de 2018, así como el informe
¿Cuáles son los patrones?2 que abarca de noviembre de 2016 a
julio de 2018.

Al respecto, vale la pena destacar tres elementos. El primero


de ellos es que, los informes analizados, cualquiera sea su autoría,
marcan un aumento en el asesinato a personas líderes en el país
mostrando cifras que van en ascenso durante los últimos tres
años.

1. Cabe anotar que el proceso de negociación con esta insurgencia fue suspendido
desde enero de este año.
2. El más reciente de todos (Febrero 2019), presentado por las siguientes organizaciones:
Confederación Nacional de Acción Comunal, Instituto de Estudios Políticos y
Relaciones Internacionales de la Universidad Nacional (IEPRI), Comisión Colombiana
de Juristas (CCJ), Centro de Investigación y Educación Popular (CINEP), Programa
Somos Defensores, Asociación Campesina del Catatumbo (ASCAMCAT), Verdad
Abierta, Coordinación Colombia - Europa - Estados Unidos (CCEEU), y Movimiento Ríos
Vivos Antioquia.

976
Año Somos Cumbre Front Line OACNUDH ¿Cuáles son Defensoría
Defensores Agraria e Defenders los patrones? Del Pueblo
Indepaz
2016 80 92 86 61 99 133

2017 106 106 89 84 114 126

2018 66 78 100 a julio 164


Enero a marzo a mayo
Julio a septiembre

Fuente: Se toma como referencia la tabla presentada en el informe “Asesinatos
de líderes sociales en Colombia en 2016–2017: una estimación del universo”,
presentado por De justicia y se complementa con fuentes secundarias.

La organización De justicia conjuntamente con Human


Rights Data Analysis Group, presentaron en septiembre del
2018 un informe que busca indagar por aquellas personas que
quedan por fuera de las cifras. En correspondencia, realizan una
estimación y destacan múltiples dificultades presentes para
llevar a cabo un registro completo de los casos. Dentro de los
resultados presentados, concluyen un estimado de más de 60
casos de los últimos dos años, que pudieron haberse presentado
como desaparecidos, que no se reportaron a las entidades
gubernamentales o a la sociedad civil, o que fueron ejecutados en
lugares aislados, aumentando las cifra presentadas inicialmente.

Un segundo elemento a mencionar es que todas las


victimas lideraban procesos sociales de defensa de derechos,
tal como queda evidenciado en la Alerta Temprana 026 de 2018
de la Defensoría del Pueblo, donde se afirma que “las personas
asesinadas hacían parte de 424 organizaciones sociales, comunales,
étnicas, de género y diversidades, políticas y populares de carácter
regional y nacional con presencia en 32 divisiones territoriales que
se encuentran en riesgo”. De igual forma, reivindicaban agendas
de defensa de los derechos humanos, dentro de las cuales se
encuentran las siguientes coincidencias:

977
Defensa del territorio y de los recursos naturales

Implementación de los puntos del Acuerdo de paz entre gobierno y FARC:


sustitución de cultivos de uso ilícito y formulación de Planes de Desarrollo
con Enfoque Territorial (PDET)

Demandantes de procesos de restitución de tierras (desplazados)

Denuncias relacionadas con temas de expendio de drogas,


presencia de actores armados

Denuncias por corrupción

Acceso a la participación política.

Fuente: Cuadro realizado con la información contenida en el informe: Todos los


nombres, todos los rostros: informe de derechos humanos sobre la situación de
lideres/as y defensores de derechos humanos en los territorios.

Por último, aunque el asesinato se ha presentado a lo largo y


ancho del territorio nacional, los informes coinciden en identificar
que ha habido una acción localizada en los departamentos de
Cauca, Antioquia, Nariño, Valle del Cauca, Córdoba, Norte de
Santander y Chocó, como zonas en las que se presentan de forma
reiterada la violación a los derechos humanos de lideres y lideresas
sociales.

Fuente: Construcción propia con base a la información obtenida de los informes


referenciados. El color más oscuro marca el departamento con más número de
asesinatos.

978
Estos espacios geográficos contienen, al menos, las
siguientes correlaciones: (i) afectadas por el desplazamiento
forzado; (ii) presencia de grupos paramilitares; (iii) altamente
militarizadas; (iv) presencia de cultivos de uso ilícito o lugares
donde existen rutas del narcotráfico; (v) desarrollo de actividades
extractivas legales e ilegales; (vi) presencia de fuertes procesos de
organización social; (vii) reiteradas advertencias de riesgo sobre
la población civil por parte del Sistema de Alertas Tempranas;
(viii) aledañas o incluidas en los municipios priorizados para la
adopción de los PDET; (ix) finalmente se encuentran en o cercanas
a las antiguas Zonas Transitorias de Normalización (ZVTN) o
Espacios Territoriales de Capacitación y Re- incorporación (ETCR),
donde los miembros de las FARC-EP se concentraron para realizar
el proceso de dejación de armas.3

Los datos presentados en este apartado, contrastan con el


ambiente político de dicho periodo, caracterizado por la firma del
acuerdo de paz entre el Gobierno y las FARC, y la esperanza de un
posible tránsito a formas no violentas de solucionar los conflictos
sociales. En esa perspectiva, diversos grupos de víctimas han
acudido a las instancias establecidas desde el gobierno nacional,
a fin de conseguir reparación por la violación de sus derechos,
para exigir la restitución de sus tierras y la no repetición; sin
embargo, han sido y siguen siendo objeto de hechos de violencia
de forma generalizada y sistemática. Este carácter, denunciado en
todos los informes consultados, fue descrito ampliamente por la
Procuraduría General de la Nación, en el informe presentado en abril
de 2018, denominado: “Violencia sistemática contra defensores
de derechos territoriales en Colombia”; contraponiéndose a las
comunicaciones emitidas desde la Fiscalía General y el Ministerio
de Defensa, entidades que niegan que el fenómeno se presente
de forma sistemática y generalizada.

Los informes analizados muestran patrones en los ataques,


relación entre los perfiles de las víctimas, y la existencia de una
naturaleza organizada de estos actos. La Procuraduría advierte
que este fenómeno afecta sustancialmente los procesos de

3. Estas correlaciones son descritas de forma amplia en el informe: ¿CUÁLES SON LOS
PATRONES? Asesinatos de Líderes Sociales en el Post Acuerdo, referenciado en la
bibliografía.

979
defensa territorial, en tanto los asesinatos tienen repercusiones en
las comunidades de las que hacen parte estos lideres y lideresas.
Generan miedo, inacción y terror, y son discriminados pues se
realizan precisamente sobre aquellas personas que tienen un
papel protagónico al interior de las organizaciones. Por tal razón
se puede concluir que tienen como objetivo la desarticulación
de las luchas sociales territoriales a través de homicidios de alto
impacto.

El interés sobre los recursos estratégicos

No deja de ser inquietante que cada cierto periodo se pare


el contador de asesinatos y se reinicie. Al parar el conteo pareciera
que los asesinatos anteriores dejaran de existir. Seguramente,
si el contador tuviera un carácter histórico de larga duración, y
siguiera su curso, la cifra sería desgarradora, tan desgarradora
como los 262.197 muertos, 80.514 desaparecidos, 4210 masacres,
presentados a mediados de 2018 por el Observatorio de Memoria
y Conflicto del Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH).
Esta reflexión invita entonces a comprender el fenómeno desde
una perspectiva estructural, que lleve a describir y analizar las
causas, los perpetradores y los intereses en cuestión.

Los informes coinciden en relacionar las causas de este


fenómeno con las demandas y reivindicaciones sostenidas por
lideres y lideresas sociales. Desde esta perspectiva, es relevante
plantear al menos dos elementos centrales del contexto político y
económico del país.

El primero de ellos es que, durante los últimos años, la


inversión extranjera directa con énfasis en la economía extractiva
ha aumentado, y su crecimiento exponencial se relaciona
directamente con la matriz energética imperante a nivel mundial.
Como consecuencia, se ha ampliado la dependencia económica y
tecnológica, elevando las tasas de extracción de dichos bienes a
lo largo del país4. Entre 2002 y 2018 los gobiernos generaron un

4. Luis Álvaro Pardo en su estudio sobre extractivismo, derechos y tributación presentado


en octubre de 2018, afirma que existen 229 beneficios tributarios y otras deducciones
que explican el hecho de que las empresas mineras y de hidrocarburos se encuentren
entre las que menos contribuyen al fisco nacional por concepto del impuesto de renta.

980
marco general de favorecimiento a la denominada “locomotora
minero energética”, de la mano del aumento mundial de los
precios de minerales e hidrocarburos, que luego del desplome del
carbón en 2012 y del petróleo en 2014, profundizó la crisis fiscal.

Derivado de esta situación, se han generado diversos


conflictos socio-ambientales. En 2014, Mario Alejandro Pérez de
la mano de la organización Environmental Justice Organisations,
Liabialities and Trade, presentaron un informe que ubicó a
Colombia como el segundo país con más conflictos socio
ambientales en el mundo (72 casos), después de Indica donde se
registran 126. El documento analiza los impactos, la población
afectada y caracteriza los sectores y actores económicos
causantes de los conflictos. Por cada conflicto se detalla la forma
de negociación o resolución del mismo, concluyendo que “el
uso de la violencia legal e ilegal que afecta derechos humanos
fundamentales, sigue siendo un instrumento importante para
la resolución de los conflictos ambientales en Colombia” (Pérez;
2014, 65). Pérez, describe 105 eventos de violencia donde destaca
las amenazas a activistas, la represión, el desplazamiento, las
muertes y las desapariciones y alerta sobre los medios violentos
utilizados por la minería, la energía fósil, la generación de energía
y la extracción de biomasa.

No es casualidad que la Corte Constitucional falle


recientemente, limitando las Consultas Populares como
mecanismos de participación contenidos en la Constitución
Política de 1991. La norma da prevalencia al argumento de que
los recursos del subsuelo son propiedad de la nación y, por ende,
las consultas populares no pueden frenar las actividades mineras
proyectadas por el gobierno.

Un segundo elemento está referido a la concentración de


la tierra, como una de las principales causas del conflicto social
y armado. Desde el proceso de configuración de la república, las
tierras liberadas de la corona española fueron concentrándose
paulatinamente en manos de terratenientes. Con desarrollos
regionales particulares, las elites generaron estrategias de
apropiación de baldíos, de tierras con alta capacidad productiva
cuya tenencia era de campesinos, proceso que ha sido retratado
por autores como Dario Fajardo, Absalón Machado, entre otros.

981
Los siguientes datos, actualizados a 2016 con base al último Censo
Agrario, muestran la dimensión actual del proceso de apropiación
y concentración:

La distribución de la tierra en cifras5

1. El 1 % de las fincas de mayor tamaño tienen en su poder


el 81 % de la tierra colombiana. El 19 % de tierra restante se
reparte entre el 99% de las fincas.
2. El 0,1 % de las fincas que superan las 2000 hectáreas ocupan el
60 % de la tierra.
3. En 1960 el 29 % de Colombia era ocupado por fincas de más
de 500 hectáreas, en el 2002 la cifra subió a 46 % y en 2017 el
número escaló al 66 %.
4. El 42,7 % de los propietarios de los predios más grandes
dicen no conocer el origen legal de sus terrenos.
5. Las mujeres solo tienen titularidad sobre el 26 % de las tierras.
6. De los 111,5 millones de hectáreas censadas, 43 millones (38,6
%) tienen uso agropecuario, mientras que 63,2 millones (56,7
%) se mantienen con superficies de bosques naturales.
7. De los 43 millones de hectáreas con uso agropecuario, 34,4
están dedicadas a la ganadería y solo 8,6 a la agricultura. La
situación debería ser inversa, pues se recomienda que 15
millones de hectáreas deberían utilizarse para ganadería, pero
se usan más del doble. Por su parte, 22 millones son aptas para
cultivar, pero el país está lejos de llegar a esa cifra.
8. Los predios de más de 1000 hectáreas dedican 87 % del
terreno a ganadería y solo el 13 % agricultura. En los predios
más pequeños, es decir, los menores a 5 hectáreas, el 55 % del
predio se dedica a ganadería y el 45 % a agricultura. A pesar de
que la situación es menos dramática en este último sector, la
tendencia a la ganadería siempre es más alta que otras formas
de explotación de la tierra.
9. Los monocultivos predominan. Por ejemplo, el 30 % de las
áreas sembradas en el departamento del Meta corresponde a
palma aceitera.
10. Un millón de hogares campesinos viven en menos espacio
del que tiene una vaca para pastar.

5. Tomado del informe: Radiografía de la desigualdad. lo que nos dice el último censo
agropecuario sobre la distribución de la tierra en Colombia, publicado por OXFAM en
julio de 2017.

982
La ley 1448 de 2011, Ley de víctimas y restitución de tierras,
así como los Decretos Leyes 4633, 4634 y 4635 de 2011 para la
reparación integral y restitución de tierras y derechos territoriales
a las víctimas del conflicto armado, normatizaron los procesos
de restitución luego de décadas de despojo. Sin embargo, las
familias campesinas que lideran el proceso de restitución, han
sido objeto de amenazas, asesinato y desaparición. A julio de
2008, de 281.207 casos a restituir, solo se habían hecho efectivos
6.389, que no corresponden ni al 3%6.

Por su parte, la Unidad de Restitución de Tierras, ha registrado


el asesinato de 40 personas asociadas a procesos de restitución
de tierras o derechos territoriales. En su informe, la Procuraduría
afirma que “los departamentos con más casos de homicidios en
contra de los líderes y lideresas reclamantes de tierras o personas
asociadas a procesos de restitución son Chocó (18 %), Córdoba
(16 %) y Nariño (11 %), seguidos de Cesar, Antioquia y Bolívar con
un 7 %, respectivamente”.

Así mismo, establece al menos cuatro tipos de tensiones


territoriales a las que respondían las luchas de los líderes
asesinados, a saber: (i) en Nariño, Bolívar, Chocó y Valle del
Cauca, producidas por agentes con intereses económicos para
apropiarse de tierras que tienen condiciones agroecológicas
aptas para grandes proyectos agroindustriales y de ganadería
extensiva; (ii) en Nariño y Chocó, y en algunas zonas del norte del
Valle del Cauca, relacionadas al negocio de la coca; (iii) en Bolívar
y en el Norte del Valle del Cauca, tierras cuyo valor aumentó por su
relación con grandes proyectos de infraestructura portuaria, para
carretear o turismo; (iv) otra tensión, en numerosos asesinatos
de los líderes de tierras, es la que se deriva de la presión sobre
territorios étnicos. (Defensoría; 2008, 76)

Al respecto es importante concluir que los asesinatos


analizados a líderes y lideresas sociales, también responden
a estrategias orientadas a desarticular y desanimar a las
organizaciones sociales que desarrollan luchas por los derechos
relacionados con la tierra.

6. Fundación Forjando Futuros y Fundación Paz y Reconciliación. Balance de los 8 años


de la ley de restitución de tierras. 2018

983
La pacificación de la protesta social y el relato nacional de la
paz

Hace más de 20 años que la Asamblea General de las


Naciones Unidas, adoptó la Declaración sobre las Personas
Defensoras de Derechos Humanos. Diversos gobiernos, incluido
el colombiano, asumieron un compromiso para priorizar la
protección de defensores y defensoras, y tal cómo establece
uno de sus apartados: “Adoptar todas las medidas necesarias
para garantizar la protección de toda persona frente a toda
violencia, amenaza, represalia, discriminación negativa, presión
o cualquier otra acción arbitraria resultante del ejercicio legítimo
de los derechos mencionados en la Declaración”. En la actualidad,
el escenario es desolador. Lamentablemente la protección,
promoción y garantía de la vida de lideres y lideresas está en vilo.

Es prioritario colocar esta problemática en la agenda pública


nacional e internacional. La mayor parte de los informes son
resultado del trabajo de las organizaciones sociales y el periodismo
de investigación e independiente que han documentado los casos
durante estos años. En ellos se plantea que existe un cambio en la
estrategia de desarticulación del movimiento social, centrado en
las agresiones con énfasis en el asesinato selectivo, las amenazas,
atentados, detenciones arbitrarias, judicializaciones y robo de
información. Es claro que desde 2016 se ha profundizado la
estigmatización de líderes y lideresas, y se ha construido un
escenario propicio y justificatorio para la violación de los derechos
humanos, que normaliza el exterminio.

Cabe recordar, que las personas asesinadas eran mineros,


pescadores, campesinos, indígenas, profesoras, estudiantes,
sindicalistas, que lideraban procesos sociales en sus comunidades;
y que cada hecho deja una profunda ausencia en su comunidad,
rompiendo el tejido social y cercenando la posibilidad de cambio
en el país. Por medio de la represión, tal como lo afirma Mario
Alejandro Pérez, los proyectos del capital se han impuesto en los
territorios, dejando condiciones de vida desmejoradas a miles
de personas, alteraciones en las cadenas productivas, pérdida de
trabajo y afectaciones irreversibles en términos ambientales.

En relación a la financiación de los actores armados que

984
han abanderado la política del despojo, existen ya en el país 35
sentencias emitidas por los tribunales de Justicia y Paz entre 2011
y 2015, así como el informe Cuentas Claras realizado por la recién
creada Comisión de Esclarecimiento de la Verdad. Sin embargo, el
Estado en su conjunto parece minimizar este fenómeno, dando
paso a la impunidad y la ausencia de análisis más estructurales
que permitan caracterizar patrones comunes entre los crímenes
y en consecuencia generar medidas de protección efectivas.
Progresivamente de las recomendaciones realizadas por
organismos multilaterales como Oficina del Alto Comisionado
de Derechos Humanos de las Naciones Unidas (OACNUDH), del
Representante Especial del Secretario General sobre Violencia
Sexual en Contextos de Conflictos Armados (RESGVSCA), las
recomendaciones realizadas en la Comisión Interamericana de
Derechos Humanos, entre otros.

Pensar en finalizar el conflicto armado de más de 60 años


sin generar un cambio en el modelo de acumulación, expresa
una gran contradicción. El proceso de negociación desarrollado
en la Habana tuvo como punto de partida la no negociación
del modelo, lo cual implicó buscar una solución al conflicto
armado sin tramitar los conflictos sociales que lo causaron.
En consecuencia, la presión por la apropiación de los recursos
presentes en el territorio nacional es latente, y la desigualdad que
tal contradicción reproduce, se ha venido expresando en nuevas
y viejas formas de violencia.

Al día de hoy las tierras siguen concentradas en pocas


manos, el extractivismo es proyecto bandera de los Planes
Nacionales de Desarrollo, el paramilitarismo se ha reencauchado,
los procesos de participación política se mantienen bajo un
carácter restringido, las condiciones laborales de trabajadores y
trabajadoras son cada vez más precarias, y el modelo económico
sostenido en la desigualdad económica, se profundiza.

Las élites han dejado en una encrucijada a la sociedad


colombiana, al construir un relato nacional para finiquitar el
conflicto armado más largo de América Latina, y de forma paralela
implementar políticas que alientan los conflictos sociales ya
existentes. En esa perspectiva, la esperanza nacional por la paz
ha sido traducida en el desarme de uno de los actores armados

985
del conflicto, sin generar cambios en la estructura productiva
nacional, y traduciéndose en pacificación de la lucha social para
tranquilidad del capital. Este escenario necesariamente debe
llevarnos a repensar el problema de la democracia en el país, en la
capacidad que tenemos para comprender qué a más capitalismo,
menos democracia real para nuestras sociedades, en conclusión,
qué a más privilegios, menos derechos.

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ESPAÑOL.pdf

988
Relato de experiência do projeto de
trabalho social do programa Minha casa Minha
vida em Bauru: grupos socioeducativos
em Direitos Humanos

Camila Martins Mansano1


Rosana Maia Lopes2

Resumo

Este trabalho trata-se de Relato de Experiência de Grupo
Socioeducativo desenvolvido através da execução do Projeto
de Trabalho Social do Programa Federal “Minha Casa Minha
Vida” no Residencial “Água da Grama” em Bauru-São Paulo. As
atividades tiveram início em fevereiro de 2017, têm como objetivo
o fortalecimento de vínculos sociocomunitários e a promoção
de reflexão e diálogo na perspectiva dos direitos humanos com
fundamentações teórico-metodológicas baseadas nas obras de
Paulo Freire sobre a educação popular e o método dialógico. A
metodologia utilizada é a mediação de leitura a partir de exercícios
com livros, como por exemplo: “A lagoa encantada: Uma história
sobre respeito”; “O amor tem todas as cores”; “Menina Bonita do
Laço de Fita”; “Crianças como você: Uma emocionante celebração
da infância no mundo”; “É tudo família!”; “O que é a liberdade?”;
“Malala: A menina que queria ir para a escola”. A partir da leitura
dos livros, desenvolve-se o diálogo reflexivo com o grupo sobre: as
diversidades humanas e socioculturais; importância do respeito;
racismo; bullying; os diversos modelos familiares; os direitos
sociais; respeito às pessoas com deficiências; respeito às pessoas

1. Assistente Social na Prefeitura Municipal de Bauru – SP/Brasil. Pós-graduada em Gestão


de Políticas Públicas e Terceiro Setor pelo Centro Universitário de Bauru – Instituição
Toledo de Ensino. camilamansano@bauru.sp.gov.br
2. Agente Social na Prefeitura Municipal de Bauru-SP/Brasil. Pós-graduanda no Curso de
Trabalho Social com Famílias pelo Instituto Acrópole de Bauru. rosanalopes@bauru.
sp.gov.br

989
idosas, etc. Atualmente o grupo é formado por aproximadamente
30 crianças e aberto à participação de outras faixas etárias. Os
resultados observados até o momento referem-se principalmente
ao comportamento dos integrantes e a notória diminuição de
conflitos destes no condomínio, bem como o aumento do respeito
em relação às pessoas idosas do residencial que, conforme relatos
aumentou-se a integração intergeracional e fortaleceram-se as
relações neste contexto.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Grupos socioeducativos.


Programa Minha Casa Minha Vida.

Introdução

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) Faixa 1 é um


programa do Governo Federal criado pela Lei nº 11.977 de 07 de
julho de 2009 com a finalidade de criar mecanismos de incentivo
à produção e promoção de novas unidades habitacionais para
famílias com baixa renda.

Atualmente, o programa atende quatro faixas de renda,


sendo a Faixa 1 para famílias com renda de R$ 0 (zero) até R$
1.800,00, com até 90% de subsídio do valor do imóvel, a faixa 1,5
para famílias com renda de até R$ 2.600,00; a Faixa 2 para famílias
com renda de até R$ 4.000,00; e a Faixa 3 para famílias com renda
de até R$ 9.000,00, conforme informações do site oficial do
Ministério do Desenvolvimento Regional.

O município de Bauru aderiu ao PMCMV em abril de


2009. Na primeira fase do programa, Bauru recebeu 1.816
unidades habitacionais da faixa 1, distribuídas entre 07 (sete)
empreendimentos (Residencial Três Américas I, Eucaliptos, Monte
Verde I, Colina Verde e Morada dos Buritis, Conjunto Habitacional
Jardim Ivone e Conjunto Habitacional São João do Ipiranga).

A seleção das famílias para as unidades habitacionais desta


faixa de renda, na fase 1, foi realizada pela Secretaria Municipal
do Bem-Estar Social – SEBES, sendo estabelecida como uma das
responsabilidades do Município, assim como a execução do
Trabalho Social com as famílias beneficiárias.

990
A partir do ano de 2013, a Prefeitura Municipal de Bauru-
SP, compôs uma equipe específica, parte da composição do Setor
Gabinete do Prefeito, para a continuidade do Trabalho Social
referente aos residenciais da Fase 2, faixa 1.

A 2ª fase do programa, faixa 1, teve início em 2013 e com


isso o município de Bauru-SP recebeu o total de 2.208 unidades
habitacionais em 12 (doze) empreendimentos: Três Américas II,
Água da Grama, Santana, Chácara das Flores I, Chácara das Flores
II, Manacás, San Sebastian, Ipês, Monte Verde II, Monte Verde III,
Arvoredo e Jardim TV.

A seleção das famílias da fase 2 também foi realizada através


de sorteios e indicaram-se famílias provenientes de áreas de risco
e áreas de regularização fundiária, foi executada conforme as
diretrizes do PMCMV, Portaria 595 de 18 de dezembro de 2013,
Ministério das Cidades; embasada municipalmente pela Lei 5631
de 22 de agosto de 2008 que instituiu o Plano Diretor Participativo
e pelo Decreto municipal Nº 12.503, de 25 de junho de 2.014.
Para o reassentamento das famílias das áreas de risco, realizou-se
o levantamento dos residentes nestas áreas, e contou-se com o
apoio da Secretaria Municipal de Planejamento, para a análise e
ateste das áreas de risco.

Referente ao Trabalho Social da faixa 1 do PMCMV está


previsto 2% dos recursos da obra para a sua execução. As
diretrizes estão baseadas na Portaria 21 de 22 de janeiro de 2014
do Ministério das Cidades que define como Trabalho Social:

(...) um conjunto de estratégias, processos e ações, realizado


a partir de estudos diagnósticos integrados e participativos
do território que contribuam para a melhoria da qualidade
de vida e para a sustentabilidade dos bens, equipamentos
e serviços implantados.

Conforme a mesma portaria, os eixos temáticos para a


execução do Trabalho Social nos residenciais do programa são:
Mobilização, organização e fortalecimento social; Acompanhamento
e gestão social da intervenção; Educação ambiental e patrimonial;
Desenvolvimento socioeconômico.

991
Este artigo tratará dos fatos observados pela equipe
conforme as experiências no Residencial Água da Grama do eixo
1 do Projeto do Trabalho Social e o processo de desenvolvimento
social e de fortalecimento dos vínculos comunitários no decorrer
das atividades dos grupos sociofamiliares neste empreendimento,
bem como o embasamento teórico-metodológico e resultados
obtidos até o presente momento.

Relato De Experiência

Em fevereiro de 2017 deu-se início a um trabalho realizado


pelas agentes sociais, com frequência semanal no Residencial Água
da Grama, que consistia em estabelecer vínculo entre a equipe e as
famílias beneficiárias do residencial, para a observação e reporte
das demandas emergentes à equipe técnica. Essa atividade
iniciou-se através de oficinas de artesanatos para mulheres,
promovendo um espaço de convivência comunitária. Porém, no
decorrer das atividades percebeu-se pouca participação do grupo
esperado em consideração às metas propostas para este projeto
e simultaneamente constatou-se a cada encontro, o aumento
crescente do público infantil. Desta forma, adaptou-se o conteúdo
das atividades de artesanato para este público específico e deu-se
continuidade ao grupo de mulheres em horários diferentes.

Durante os encontros com as crianças, ampliou-se a


percepção das agentes sociais quanto ao conhecimento e
apreensão da realidade social destas e de seus familiares no
contexto do condomínio e território.

Conforme o diagnóstico socioterritorial, constatou-se a


falta de serviços de convivência e fortalecimento de vínculos pela
Rede de Assistência Social, sendo que os mais próximos estão
situados em outros bairros e a maioria das famílias do residencial
não possui veículos ou recursos disponíveis para o acesso ao
transporte público.

Verificou-se também, que a maioria das crianças estudava


de manhã, o que impossibilitava a participação neste horário.
Realizou-se então, a alteração da atividade para o final da tarde,
de forma que todas as crianças interessadas pudessem participar.
Com esta alteração, a quantidade de crianças e adolescentes

992
aumentou significativamente.

Inicialmente aplicaram-se as oficinas com artesanato sendo


utilizados materiais em EVA, feltro, recicláveis, elaborando-se
juntamente com o grupo, objetos úteis no cotidiano das famílias,
como por exemplo: chaveiros, prendedores de papéis, porta-
bombom, lembrancinhas de datas comemorativas, decoração do
salão de festas para as datas natalinas, etc.

Verificou-se a crescente motivação, assiduidade do grupo


e o interesse por músicas, o que causou o desenvolvimento de
atividades com a utilização de som, ampliando o repertório
musical e acesso cultural.

Conforme os relatos da agente social responsável pela


atividade houve um evento em que chegou ao residencial e as
crianças do grupo haviam elaborado uma “coreografia surpresa”
ao som de “Carinhoso” de Pixinguinha, fato que a emocionou
muito.

Relata também sobre o entusiasmo quando ouviram pela


primeira vez a música “Aquarela” dos artistas musicais Toquinho e
Vinícius.

Neste momento do processo, passou-se então a integrar


atividades musicais e de artesanato respectivamente, priorizando
o surgimento e expressão dos interesses do grupo.

Com o desenvolvimento das atividades musicais, a agente


social relata que o interesse do grupo, por leitura, “despertou-
se aos poucos” e ao constatar isto, articulou uma campanha
de arrecadação de livros e filmes, o que angariou 70 filmes
socioeducativos com os quais foi possível montar uma videoteca
juntamente com as crianças que possibilitou também a realização
de “sessões de cinema”, contando com recursos que a equipe do
programa adquiriu especificamente para a execução dos projetos.

Para a organização dos materiais arrecadados, planejaram-


se duas atividades específicas para o armazenamento dos vídeos
e dos filmes, adaptando uma “sapateira” para guardá-los. Na
segunda atividade, etiquetaram cada item e elaboraram um

993
registro de todos os materiais em um livro, incluindo anotações
e controles dos empréstimos, de forma que pudessem levar para
as suas casas, porém cientes sobre a importância em conservar
e devolver para que os outros integrantes também tivessem a
oportunidade de usufruir.

Nas sessões de filmes, houve a participação de outros


moradores e familiares dos membros do grupo, os quais passaram
a participar mais ativamente das ações através de doações de
pipocas, lanches e sucos, promovendo então o aumento de
interação nestas atividades que ocorreram no período noturno,
horário em que a maioria dos adultos e pais está presente no
empreendimento.

As atividades com os filmes ainda fazem parte do


planejamento das atividades, quando ocorrem, realizam-se
votações para que a maioria decida sobre qual o próximo vídeo a
ser assistido. Após cada sessão, realiza-se o diálogo para percepção
de interpretação e entendimento dos conteúdos apresentados.
Dentre os filmes já apresentados, temos como exemplos: “O
extraordinário”; “Ferdinando”; “A vida é uma festa”.

No decorrer do desenvolvimento das atividades, no ano de


2017, as ações foram registradas em relatórios para o envio à Caixa
Econômica Federal, sendo isto uma das atribuições do Município.
Com isto, os supervisores da instituição financeira, responsáveis
pela análise dos relatórios mensais de execução de Trabalho Social
de cada empreendimento, notaram o processo e desenvolvimento
socioeducativo expressivo deste grupo do Residencial Água da
Grama e tiveram a iniciativa de organizar uma campanha para
possibilitar a participação de funcionários da CEF, nominando-a
“Voluntários da Caixa”, a qual teve repercussão interna em todo
território nacional. A campanha articulou a doação de livros para
o público infantil e para adolescentes, os quais deveriam ser
enviados para uma das unidades da CEF em Bauru-SP, responsável
pela gestão e supervisão do PMCMV, faixa 1.

Este projeto mobilizou funcionários dos mais diversos


municípios e estados do Brasil, rendendo a doação de 160 (cento
e sessenta) livros.

994
Para o recebimento das doações, realizou-se durante o
“IV Fórum Regional de Habitação de Interesse Social“ no dia 29
de novembro de 2017, no prédio dos “Correios” em Bauru-SP,
contando com o comparecimento do grupo, representantes da
equipe do PTS, chefia do Gabinete do Prefeito, representantes da
CEF e membros da diretoria do condomínio.

Foi notável a todos os presentes, a satisfação com a qual o


grupo de crianças abriu a grande caixa com os livros doados.

Neste ano de 2.019 em abril, no mesmo segmento de


campanha dos “Voluntários da Caixa”, a equipe recebeu 10 livros
como parte de um projeto que a instituição nomeou de “Projeto
Leituras Negras”. No evento de entrega estiveram presentes
representantes municipais, da Caixa Econômica Federal e a
presidenta do Conselho Municipal de Direitos Humanos, Kátia
Souza e Ari Maia, enquanto vice-presidente deste mesmo
conselho em Bauru-SP. A iniciativa foi para atender a demanda
de representatividade para este grupo étnico, sendo que na
primeira fase desta campanha, a gerente de filial da Caixa
Econômica Federal, enquanto socióloga, notou a falta de livros
com personagens afrodescendentes.

Após as primeiras doações em 2017, a agente social


responsável por estas atividades, teve a iniciativa de ingressar em
um curso de “Contação de Histórias” aprimorando-se e obtendo
novas técnicas como a mediação de leituras, desenvolvimento de
atividades lúdicas e encenações e caracterização dos personagens
na desenvoltura dos temas abordados nos livros.

As atividades de leitura foram consolidando-se e os temas


foram sendo escolhidos com a intencionalidade de promover
reflexão e diálogos com as temáticas baseadas em questões
voltadas para o fortalecimento social, eliminação de preconceitos
e discriminações, tolerância e respeito às diversidades, direitos
humanos. Alguns dos temas das atividades foram: Bullying;
Questão racial; Trabalho infantil; Semana sobre a prevenção
à exploração e ao abuso infantil e adolescente; Respeito aos
idosos; Sustentabilidade; Autoestima; A “informação da leitura”; A
“transformação que o conhecimento gera na vida das pessoas”;
Respeito às pessoas com deficiências; A cultura de outros povos e

995
as influências em nossas vidas; “Nem todas as famílias são iguais”;
“Nem todo mundo é igual”, referente às questões de diversidades
sexuais; “O amor tem todas as cores”.

Para as atividades, foram elaboradas as mediações de


leituras a partir dos livros: “A lagoa encantada: Uma história sobre
respeito”; “O amor tem todas as cores”; “Menina Bonita do Laço de
Fita: Sequencia Didática”; “Crianças como você: Uma emocionante
celebração da infância no mundo”; “É tudo família!”; “O que é a
liberdade?”; “Malala: A menina que queria ir para a escola”, entre
outros.

Válido ressaltarmos que, no segundo semestre de 2018,


incluiu-se passeios nos cronogramas das atividades para este
grupo, realizando-se dois passeios entre os meses de julho e
novembro. O primeiro ocorreu no Jardim Botânico de Bauru, do
qual participaram também alguns pais e responsáveis.

O segundo passeio contou com maior protagonismo da


parte dos moradores que através de orientações da equipe de
Trabalho Social do PMCMV, requisitaram transporte público do
Município, articularam ingressos gratuitos, pipoca, suco e água
para todos os participantes e seus familiares. Ocorreu no Ginásio
Poliesportivo de Bauru “Panela de Pressão” para assistirem à um
jogo de basquete que contou com a participação do time oficial
de Bauru-SP e um time de outro município da região.

As finalidades destas atividades com os passeios foram:


o reconhecimento ao direito das famílias ao lazer e recreação, o
incentivo ao esporte, a promoção de valores de respeito ao meio
ambiente, fortalecimento de vínculos familiares e comunitários,
convivência intergeracional e o incentivo ao protagonismo social.

Referencial Teórico

A sociedade atual, em grande medida, impossibilita o


pensamento crítico, tendo presente uma educação bancária que
não proporciona o desenvolvimento “global” do educando.

À educação cabe atingir a pessoa na sua completude,


proporcionando uma formação humana e um pensamento crítico

996
na qual o educando possa se sentir como sujeito integrante e
tenha a educação como um instrumento libertador e que esta
seja com, em e para os Direitos Humanos – DH (MAGRI).

A educação em direitos humanos pode ser entendida como


uma dimensão educativa capaz de atribuir significados práticos
a uma vivência baseada na pluralidade de modos de vida e no
respeito à diversidade (DIAS e PORTO, 2010).

Outro fator indispensável na educação em DH é o diálogo


entre educador e educando. O diálogo deve ser autêntico e
fundamentado no amor. Segundo Freire, sem diálogo é impossível
haver educação, pois não haverá comunicação entre eles e nem a
compreensão dos temas em debate (MAGRI).

O debate referente à educação em DH promovida de


modo consciente e sistemático é uma realidade recente no nosso
país. Foi no contexto da transição democrática, depois dos anos
duros da ditadura militar, que ela emerge no cenário social e
educacional como um tema a ser incorporado nos diferentes
espaços educacionais, sendo eles formais ou informais (MAGRI).

Considerando isso, para Paulo Freire a educação é uma


possibilidade no bojo das transformações contemporâneas. A
educação é o diálogo permanente entre o educando e o educador
no processo de ensino-aprendizado dentro ou fora das escolas. É
um processo comunitário em que o educador e o educando são
sujeitos do saber. É troca de experiências de criação e recriação
da própria vida. Durante o processo de educação o educador
deve fazer várias perguntas e questionamentos ao educando,
desenvolvendo assim seu senso crítico, da busca pelo saber, do
desejo pelo conhecimento. A essência da educação é o diálogo
constante entre o educador e o educando para submeter todas
as palavras à reflexão, tornando a educação uma verdadeira
práxis de transformação do mundo, uma educação para os DH.
O diálogo se apresenta como instrumento de transformação. A
educação só acontece dentro da sociedade, por isso, deve-se estar
em constante relação com o contexto social num todo (MAGRI).

Os princípios que regem de modo geral a educação em DH


são, segundo CANDAU (2000, p.77):

997
a) Compromisso com a vigência dos DH visando à construção
da cidadania, da paz e da justiça; b) Compromisso com a
educação em DH como meio para a transformação social, a
construção da cidadania e a realização integral das pessoas
e dos povos; c) Afirmação da dignidade de toda pessoa
humana, grupo social e cultura; d) Respeito à pluralidade e
à diversidade.

Sobre os processos socioeducativos comunitários de


Educação Não Formal, o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (2018, p.28) aponta que:

A humanidade vive em permanente processo de reflexão e


aprendizado. Esse processo ocorre em todas as dimensões
da vida, pois a aquisição e produção de conhecimento não
acontecem somente nas escolas e instituições de ensino
superior, mas nas moradias e locais de trabalho, nas cidades
e no campo, nas famílias, nos movimentos sociais, nas
associações civis, nas organizações não governamentais e
em todas as áreas da convivência humana.

A educação não formal em direitos humanos orienta-se pelos


princípios da emancipação e da autonomia. Sua implementação
configura um permanente processo de sensibilização e formação
de consciência crítica, direcionada para o encaminhamento
de reivindicações e a formulação de propostas para as políticas
públicas, podendo ser compreendida como: a) qualificação
para o trabalho; b) adoção e exercício de práticas voltadas para
a comunidade; c) aprendizagem política de direitos por meio
da participação em grupos sociais; d) educação realizada nos
meios de comunicação social; e) aprendizagem de conteúdos da
escolarização formal em modalidades diversificadas; e f ) educação
para a vida no sentido de garantir o respeito à dignidade do ser
humano. (PNEDH, 2018, p. 28).

Os espaços das atividades de educação não formal


distribuem-se em inúmeras dimensões, incluindo desde as
ações das comunidades, dos movimentos e organizações sociais,
políticas e não governamentais, até as do setor da educação e
da cultura. Essas atividades se desenvolvem em duas vertentes
principais: a construção do conhecimento em educação popular e

998
o processo de participação em ações coletivas, tendo a cidadania
democrática como foco central.

Nesse sentido, movimentos sociais, entidades civis e


partidos políticos praticam educação não formal quando
estimulam os grupos sociais a refletirem sobre as suas próprias
condições de vida, os processos históricos em que estão inseridos
e o papel que desempenham na sociedade contemporânea.

Muitas práticas educativas não formais enfatizam a reflexão


e o conhecimento das pessoas e grupos sobre os direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais. Também estimulam
os grupos e as comunidades a se organizarem e proporem
interlocução com as autoridades públicas, principalmente no que
se refere ao encaminhamento das suas principais reivindicações e
à formulação de propostas para as políticas públicas.

A sensibilização e conscientização das pessoas contribuem


para que os conflitos interpessoais e cotidianos não se agravem.
Além disso, eleva-se a capacidade de as pessoas identificarem
as violações dos direitos e exigirem sua apuração e reparação
(PNEDH, 2018, p.29).

Metodologia

Concernente à metodologia aplicada, resultou-se de


seu constante aprimoramento e dedicação, além do vínculo
estabelecido entre o “educador” e o “educando”.

Segundo Magri:

O educador é aquele que quer aprender ensinando. É um


insaciável conhecedor. Sendo o ser humano um ser em
potencial, isso quer dizer que ele nunca conhecerá tudo.
Jamais obterá total conhecimento sobre um determinado
assunto. Na educação acontece o mesmo, o educador é
aquele que ajuda a aflorar o conhecimento no educando.

Para Freire (1980), “a vocação ontológica do homem é de


ser sujeito e não objeto. E este tornar-se sujeito, numa perspectiva
transformadora de reflexão-ação”.

999
Freire (1996) traz como proposta “a busca pela igualdade
apostando numa educação que tem como pressuposto o diálogo,
em que todos têm direito à voz e se educam mutuamente”.

Desta forma, a agente social relata que com o apoio


da equipe técnica, tem se fundamentado teoricamente nos
preceitos do renomado autor Paulo Freire, através da leitura de
suas obras, consolidando-se com base e intencionalidade voltada
ao conceito sociopolítico vigente de Educação em Direitos
Humanos, buscando o aprimoramento contínuo dos métodos de
aprendizagem e mediação de leitura, reconhecendo o condomínio
como um espaço para a “educação não formal”, atuando para a
promoção e efetivação de direitos.

Sobre a metodologia de mediação de leitura, a figura do mediador


de leitura, conforme descreve Coelho (2019):

(...) aquele que cria pontes entre os livros e os leitores,


criando as condições necessárias para que livro e leitor se
encontrem, é de fundamental importância no processo de
formação de leitores. É por essa característica de conexão
que a mediação se transforma em um diálogo articulado,
a partir do qual o leitor em formação é visto como um
indivíduo cujas ideias e expectativas são relevantes.

Resultados

Conforme análise comparativa em relação aos aspectos


permeados nos relacionamentos do contexto social do condomínio
e referente ao comportamento deste grupo, expresso coletivamente,
constatamos neste período de execução destas atividades:

- Mudança no comportamento das crianças, apresentando


um aumento de disciplina, cooperação entre si, compreensão
dos assuntos abordados, crescente interesse pela leitura e por
literatura brasileira, participação ativa, etc.;
- Diminuição dos conflitos intergeracionais, os vínculos entre as
crianças e idosos foram fortalecidos, desenvolvendo em ambas as
partes, um senso maior de “empatia” e respeito mútuo;
- Observou-se também que o grau de pertencimento aumentou
e com isso, aumentou a percepção do grupo em relação à

1000
importância do cuidado patrimonial;
- Constatou-se também a diminuição de situações de expressões
de preconceitos e “bullying” entre os integrantes do grupo, o que
ocorria frequentemente no início do processo socioeducativo;
- Fortalecimento de vínculos sociofamiliares e comunitários;
- Com o desenvolvimento das atividades observou também que
recentemente as mães das crianças do grupo têm participado da
organização e cuidado para com a “biblioteca” do residencial e
também têm emprestado os livros, expandindo-se a atividade de
forma que os adultos têm dialogado sobre os livros lidos e suas
respectivas interpretações dos conteúdos;
- o aumento quantitativo do grupo, sendo que as crianças e
adolescentes chamam os seus vizinhos e amigos para participarem;

Concluímos, portanto que o trabalho tem sido efetivo,


podendo-se observar o vínculo estabelecido entre a educadora e o
grupo em uma perspectiva horizontal e dialógica, implementando
assim os direitos humanos pressupostos através de diálogos,
reflexões que ao serem promovidas tem apresentado os resultados
nos comportamentos e relações sociais deste contexto.

O “dialógico” refere-se, portanto, à “forma de diálogo”,


ou seja, a forma proposta por Paulo Freire para a relação entre
educadores e educandos (MENEZES, 2001).

E “observa-se na obra de Freire a defesa de uma relação


horizontal e de igual participação dialógica entre educador e
educando” (MENEZES, 2001).

Para concluir, evidenciamos o diálogo e o amor através


desta definição de Freire (1980, p.83):

O diálogo não pode existir sem um profundo amor pelo


mundo e pelos homens. Designar o mundo, que é ato de
criação e de recriação, não é possível sem estar impregnado
de amor. O amor é ao mesmo tempo o fundamento do
diálogo e o próprio diálogo.

1001
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Humanos a partir de Paulo Freire. Fonte:<http://dhnet.org.br/
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SECCO, Patrícia Engel. A lagoa encantada: Uma história sobre


respeito. 1.ed. Brasil:Melhoramentos, 2013.

1004
Educação em Direitos Humanos em tempos
de retrocessos: uma análise à luz
da teoria de adorno

Heloisa Candido Pereira1


Loise Gabriely Souza Borges2

Resumo

O ataque ao sistema democrático brasileiro tem se
intensificado nos últimos anos, mesmo após o período de
redemocratização. Neste diapasão, o objetivo geral deste
trabalho é identificar, através do método de pesquisa dedutivo,
com abordagem qualitativa, mediante revisão bibliográfica e
documental, os motivos pelos quais a sociedade brasileira ainda
se encontra na iminência de reproduzir a barbárie ocorrida
durante o período ditatorial, e como a crise do processo
formativo, como concebido por Theodor W. Adorno conduz à
essa possibilidade de reprodução da violência institucionalizada.
Para tanto, pretende-se identificar os fatores que impedem a
formação de uma subjetividade autônoma pela via da educação,
e analisar como estes fatores influem diretamente na dominação
e reificação do pensamento humano. À vista disso, partiu-se
de duas problemáticas, quais sejam: a deficiência existente
no sistema educacional brasileiro, que impede que os sujeitos
deste processo se enxerguem como politicamente emancipados
e sujeitos de direitos; e a ausência de uma escola pública de
modelo republicano, que contemple os interesses de todos e o
bem comum. Assim, percebe-se que o atual processo educacional
conduz à impossibilidade de emancipação do juízo racional
coletivo e que a indústria cultural age de maneira a consolidar
as barreiras à formação do senso crítico, limitando o sujeito ao
conformismo.

1. hello_candido@outlook.com
2. loiseborges@outlook.com
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

1005
Palavras-chave: Educação; Emancipação; Theodor W. Adorno.

Introdução

A Educação em Direitos Humanos pode ser compreendida


como o mecanismo mais eficaz para a não repetição de processos
políticos e sociais capazes de conduzir à barbárie, a exemplo do
holocausto ocorrido na Alemanha nazista. Neste diapasão, o
objetivo do presente trabalho é identificar os motivos pelos quais a
sociedade brasileira ainda se encontra na iminência de reproduzir
a barbárie ocorrida durante o período ditatorial, e como a crise
do processo formativo, como concebido por Theodor W. Adorno
conduz à possível reprodução da violência institucionalizada.

Para a identificação destes motivos, o trabalho foi dividido


em duas partes, sendo a primeira destinada à identificação de
mecanismos capazes de tolher nos indivíduos as predisposições
que estes possuem de cometer ou tolerar atos de violência extrema,
e a apresentação de um modelo educacional revolucionário
como caminho para a identificação desses mecanismos e para
a formação de uma consciência autônoma nas pessoas, com
fundamento nas contribuições do filósofo alemão Theodor W.
Adorno. Na sequência, buscou-se apresentar as políticas públicas
desenvolvidas em âmbito nacional, com enfoque específico no
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH),
como forma de efetivação dos direitos humanos no plano jurídico
interno, ressaltando a necessidade de se buscar uma educação
emancipatória, que na perspectiva de Paulo Freire, contrapõe-se
à prática educativa reduzida ao treinamento técnico-científico,
devendo ser, portanto, um modelo de educação que propõe ao
educador um ensinamento que permita instigar nos educandos
um pensamento crítico acerca da realidade social, histórica e
política em que ele está inserido.

O caminho metodológico utilizado para a construção


deste trabalho consistiu em uma análise através do método
hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa, mediante
revisão bibliográfica e documental, que conduziu à confirmação
da hipótese de que o modelo educacional atualmente vigente
necessita ser reformulado para que os pressupostos objetivos e
subjetivos que deram origem à barbárie possam ceder espaço a

1006
uma sociedade emancipada.

No mais, procurou-se trazer uma reflexão acerca da


interdependência existente entre o modelo educacional
atualmente vigente e a indústria cultural promovida pelas classes
dominantes3 como forma direta de dominação e coisificação do
pensamento humano.

Educar para o “nunca mais”



Está cada vez mais visível que a sociedade moderna está
sendo conduzida por uma tendência de libertação do passado,
isto é, uma tentativa de apagar a memória histórica como forma
de isentar-se da culpa de ter consentido com graves violações dos
direitos humanos que ocorreram ao longo do tempo.

O filósofo Theodor Adorno, ao fazer uma análise complexa


e profunda desta sociedade que busca a todo tempo imiscuir-se à
tendência de libertação do passado, verifica que os pressupostos
objetivos que deram origem ao processo de barbárie ocorrido na
Alemanha nazista, ainda estão presentes na sociedade moderna,

3. Na concepção de Karl Marx, em uma sociedade cujo modo de produção é capitalista,


as classes se reduzem à burguesia, composta pelos proprietários dos meios de
produção, e ao proletariado, composto por aqueles que precisam vender ao mercado
sua força de trabalho, pois não detêm a propriedade dos meios de produção.
Resumidamente, para Marx, as classes constituem a expressão de diferentes posições
que os homens ocupam no processo produtivo. De acordo com o seu entendimento,
as classes burguesa e proletária se situam, sobretudo, no nível político. Isso porque,
somente podem ser entendidas como classes cujos interesses são antagônicos, a
partir do momento em que se identificam com uma organização/associação política
e passam a ter consciência da contraditoriedade dos interesses de cada uma. Partindo
desta ideia, Marx formula ainda o conceito de classe dominante, que para ele é aquela
que possui o domínio sobre os meios de produção e consequentemente da força de
trabalho da classe composta por proletários. (BOBBIO, 2007). Nesses termos, Norberto
Bobbio afirma que “(...) a Classe dominadora do mundo da produção é também a que
domina no plano político e a que produz as ideias culturalmente dominantes. Estas
ideias, contudo, tendem a apresentar um quadro harmônico, não contraditório, da
realidade social. Sempre que as Classes subalternas as apropriam, elas produzem uma
“falsa consciência” da situação de Classe e sua função não é mais a de fazer progredir
o curso da história humana, mas a de o sustar; trata-se, no fundo, de um problema de
ideologias. A burguesia exerceu sua função de Classe revolucionária, lutando contra
a ordem feudal e a Classe então dominante, mas, uma vez consolidado seu poder e
desenvolvidas as potencialidades do modo capitalista de produção, findou seu papel
revolucionário e ela tornou-se, pelo contrário, um obstáculo real no caminho do
progresso.” (BOBBIO, 2007, p. 245).

1007
o que revela uma grande probabilidade de ressurgimento de
movimentos sociais e políticos que atentem contra a liberdade e
a dignidade humanas. (ADORNO, 1995).

Esses pressupostos objetivos mantêm-se presentes por


força de uma tendência histórica à qual Theodor Adorno atribuiu
a causa, principalmente, à progressividade dos princípios
burgueses (ADORNO, 1995), responsáveis pela mecanização
da vida do homem, especialmente, do homem consumidor
e do homem trabalhador, que no primeiro caso se identifica
com as representações emitidas por meio de diversos meios de
comunicação, tendo sua liberdade de escolha tolhida em razão
de uma pré-determinação feita pela indústria cultural, e que no
segundo caso é pressionado a inserir-se em uma organização
racional; em ambos os casos tornam-se pessoas totalmente
objetivadas. (ADORNO, 2002).

Além disso, o autor entende que a sociedade está sendo


guiada por uma lei objetiva de desenvolvimento, a qual seria
responsável por conduzir a humanidade à alienação e adaptação
ao existente, impedindo que os sujeitos se enxerguem como
sujeitos dos processos políticos e como seres verdadeiramente
emancipados. (ADORNO, 1995).

Essa lei objetiva de desenvolvimento responsável por


conduzir a sociedade moderna, como entende Adorno, revela a
fragilidade do governo democrático, que deixa de ser concebido
como uma forma de governo capaz de conduzir o indivíduo à
emancipação e passa a ser meramente uma alternativa a qualquer
outra forma de governo. Assim, cria-se um processo de facilitação
dos regimes autoritários dentro das sociedades em razão da
incapacidade dos sujeitos de identificarem a democracia como
forma de governo de verdadeira expressão e soberania populares.

Neste diapasão, é possível compreender que a democracia


está estreitamente relacionada à subjetividade autônoma das
pessoas que compõem a sociedade, uma vez que as condições
objetivas que são impostas aos indivíduos lhes retiram totalmente
a autonomia e a consequente capacidade de pensar e fazer
escolhas com base em um pensamento próprio, característicos de
um sistema democrático de governo.

1008
O autor entende que os pressupostos objetivos existentes
nas sociedades atuais, dificilmente podem ser modificados, e,
portanto, para que movimentos geradores de barbárie não voltem
a eclodir, é necessário dar enfoque aos pressupostos subjetivos,
ou seja, às condições espirituais que tornaram as pessoas capazes
de cometer e de tolerar atos de extrema violência. (ADORNO,
1995). Tais pressupostos subjetivos seriam direcionados a uma
autorreflexão crítica por parte dos pelos indivíduos, a fim de
permitir que eles identifiquem quais são essas condições e criem
uma consciência acerca delas, o que somente pode ser feito
mediante o processo educacional.

No entanto, a educação que conduz à autorreflexão e


produção de consciência acerca de mecanismos subjetivos
propulsores da violência, não deve ser entendida como o modelo
de educação vigente, baseado na severidade e obediência
absoluta à autoridade do educador, ou em outras palavras, uma
educação de base heterônoma, mas sim um modelo educacional
que pressuponha um indivíduo autônomo. (ADORNO, 1995).

Isso porque, o modelo de educação que se fundamenta na


ideia de autoridade absoluta e severidade, tem como alicerce uma
educação baseada na força e voltada à disciplina e que produz
nos educandos um caráter manipulador, caracterizado por uma
impossibilidade dos indivíduos de vivenciarem experiências
humanas diretas, isto é, um caráter fortemente marcado por uma
consciência coisificada que faz com que os sujeitos se enxerguem
como coisas e a partir dessa visão sobre si mesmos, tratem os seus
semelhantes como coisas também. (ADORNO, 1995).

Assim, é evidente que o modelo educacional atualmente


vigente deve ser repensado urgentemente, a fim de ceder espaço
a uma educação progressista, que não somente possui o objetivo
de transmitir os conhecimentos necessários às disciplinas, mas
busca incentivar um pensamento crítico nos educandos acerca
do modo como a sociedade é constituída, desenvolvendo, assim,
uma mentalidade democrática aberta ao diálogo e a crítica, e
principalmente definida como um desenvolvimento pessoal
pautado na autoridade e liberdade, reciprocamente limitadas.
(FREIRE, 2000).

1009
Em consonância com o pensamento de Theodor Adorno,
está o entendimento de Paulo Freire acerca de uma reformulação
do sistema educacional atualmente vigente. Nesses termos, o
professor afirma (...):

(...) a pedagogia radical jamais pode fazer nenhuma


concessão às artimanhas do “pragmatismo” neoliberal que
reduz a prática educativa ao treinamento técnico-científico
dos educandos. Ao treinamento e não à formação. A
necessária formação técnico-científica dos educandos
por que se bate a pedagogia crítica nada tem a ver com a
estreiteza tecnicista e cientificista que caracteriza o mero
treinamento. É por isso que o educador progressista, capaz
e sério, não apenas deve ensinar muito bem sua disciplina,
mas desafiar o educando a pensar criticamente a realidade
social, política e histórica em que é uma presença. É por
isso que, ao ensinar com seriedade e rigor sua disciplina,
o educador progressista não pode acomodar-se, desistente
da luta, vencido pelo discurso fatalista que aponta como
única saída histórica hoje a aceitação, tida como expressão
da mente moderna e não “caipira” do que aí está porque o
que está aí é o que deve estar. (FREIRE, 2000, p. 22).

Assim, é possível compreender que as sociedades


modernas são fortemente marcadas por uma contradição social
que inviabiliza a emancipação dos sujeitos que as compõem.
Isso porque o modelo educacional atualmente vigente ainda
possui uma base heterônoma, impedindo que os indivíduos
vivam na sociedade conforme suas próprias determinações e
consequentemente adquiram uma consciência emancipada.
(ADORNO, 1995).

Por que e para que educar em direitos humanos

O debate acerca de Direitos Humanos é controverso pela


própria natureza, dado que por serem considerados os direitos
mais básicos de todo e qualquer ser humano sem distinção, os
direitos à vida, à liberdade e à igualdade, como tantos outros,
tampouco deveriam suscitar divergências brutais de opiniões.

Especialmente no cenário brasileiro, marcado pela

1010
alarmante violação de direitos fundamentais e humanos, observa-
se uma grande resistência ao abordar o tema, fazendo com que
as deliberações nesse sentido, tornem-se demasiadamente
complexas.

Nesse contexto, é importante recordar a trajetória da


jovem e insegura4 democracia brasileira. Em linhas gerais, desde a
independência até hoje, o país nunca foi um símbolo de revoluções
históricas dramáticas, a exemplo da Revolução Francesa (1789-
1799), que deu origem à Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão5.

Logo:

As condições em que se dá o processo de transição política no


Brasil, a frio, sem rupturas, favorece [sic] soluções de caráter
híbrido com- binando traços da ditadura e de um regime
de compromisso policlassista que inclua setores populares
na aliança, mas numa posição claramente subordinada, sob
direção da grande burguesia. (SADER,1985, p. 141).

Dessa forma, é notável que o que se vivencia atualmente no


Brasil é uma falsa democracia, na qual o conservadorismo é uma
das escusas para grupos burgueses permanecerem em posição
superior hierárquica, cerceando os direitos mais básicos dos
cidadãos.

Tal concepção não é exclusividade brasileira, sendo


igualmente materializada além do âmbito latino-americano,
atingindo sociedades de outros continentes, por meio,
principalmente, do modelo político-econômico alicerçado no
capitalismo. Este sistema prolifera a objetificação de qualquer
tipo de elemento, incluindo o ser humano, visto que o lucro é
o objetivo primordial, sendo válida qualquer estratégia para
impulsionar o consumo, movimentar o mercado e acumular bens.

4. VIOLA, Solon E. A.; CARDOSO, Clodoaldo M. Dossiê: Direitos Humanos, Ética e


Democracia em Tempos Sombrios. Bauru: Revista Interdisciplinar Direitos Humanos,
v.5, n. 2, pg 13-18, jul/dez, 2017.
5. França, 26 de agosto de 1789.

1011
Dessa forma, os discursos dos responsáveis pelo Estado,
os quais atingem, através dos meios midiáticos, grande parte
da população, funcionam como manutenção do poder. De tal
modo, em um país onde se verifica a manutenção das relações de
poder nas próprias instituições estatais, acarretando a reprodução
de conhecimentos e saberes coloniais6, e consequentemente,
impede a consolidação de uma educação numa perspectiva
crítica e emancipatória, como é o caso do Brasil.

A partir disso, o juízo crítico-humanizado se torna


revolucionário, alvo dos mais diversos ataques, enquanto busca,
unicamente, efetivar a democracia e resguardar os direitos
inerentes a cada ser humano frente ao sistema opressor. Não
obstante, são comuns manifestações que objetivam aniquilar
direitos fundamentais, a exemplo das liberdades sexuais,
disposições sobre o próprio corpo, direitos das mulheres, entre
tantos outros.

Para Hannah Arendt (1951, pg. 37) “a privação fundamental


dos direitos humanos manifesta-se, primeiro e acima de tudo, na
privação de um lugar no mundo que torne a opinião significativa
e a ação eficaz.” Neste contexto, destaca-se, principalmente,
as opiniões e ações em favor das minorias, as quais são
frequentemente desconsideradas sob o argumento de que a
democracia é o governo da maioria. Esta situação promove

6. O autor Aníbal Quijano elabora o conceito de colonialidade do saber e o compreende


como uma forma de produzir conhecimento que corresponde às necessidades
cognitivas do capitalismo, o que por sua vez inculca nos indivíduos uma tendência de
naturalização das experiências e relações mantidas entre colonizadores e colonizados,
como se de fato o mundo estivesse dividido entre populações civilizadas e pré-
civilizadas. Dessa forma, o conhecimento eurocêntrico passou a ser admitido como
a única racionalidade válida e como representação da modernidade, constituindo,
portanto, objetivo final de todas as populações que habitam o planeta Terra. Ademais,
o autor afirma que essa noção eurocentrista de conhecimento, tende a compreender
todos os indivíduos como elementos historicamente homogêneos, ou seja, tende a
eliminar todas as especificidades dos grupos que se mostram até conflitantes entre
si, justamente em razão de suas específicas determinações, concebendo-os como
elementos de origem comum, que correspondem a uma mesma lógica de existência.
(QUIJANO, 2009). Nesse sentido, o autor afirma: “(...) na existência societal as relações
entre o todo e as partes são reais, mas necessariamente muito diferentes das que
postula o eurocentrismo. Uma totalidade histórico-social é num campo de relações
sociais estruturado pela articulação heterogénea e descontínua de diversos meios de
existência social, cada um deles por sua vez estruturado com elementos historicamente
heterogéneos, descontínuos no tempo, conflituosos.” (QUIJANO, 2009, pg. 17).

1012
diversas outras violações mais graves, e demonstra que os
Direitos Humanos têm seu significado manipulado pelas classes
detentoras do poder bem como são ainda desconhecidos pela
sociedade, que não contesta as ações estatais, tomando como
verdade o que lhe é apresentado pelas “autoridades”.

Nesse sentido, é certo observar que toda a sociedade


moderna é regida por um poder de violência simbólica, através
da qual as classes ou grupos dominantes inculcam nos grupos ou
classes que ocupam posição de inferioridade na escala societal,
significações derivadas de uma cultura dominante, as quais
são absorvidas por estes últimos como legítimas, em razão da
dissimulação provocada por meio de uma autoridade pedagógica
responsável por transmitir o conteúdo pedagógico. (BORDIEU,
PASSERON, 1992).

Ainda para Bordieu e Passeron, toda ação pedagógica é


objetivamente uma violência simbólica, porque funciona como
uma imposição do que eles denominam de arbítrio cultural, isto
é, uma cultura derivada de grupos e classes dominantes que é
inculcada em todos os destinatários das ações pedagógicas com
base nas relações de força que regem toda a sociedade. (BORDIEU,
PASSERON, 1992). Assim, as classes ou grupos considerados
inferiores tendem a ressignificar todo o conhecimento adquirido
e não transmitido pelas instituições legítimas, em sua maioria,
instituições formalizadas de ensino, o que impossibilita o
indivíduo educado nestas condições de formular um raciocínio
crítico e autônomo.

Prova da sustentação das classes dominantes por meio do


cerceamento ao senso crítico é a presença da educação deficiente.
Inclui-se aqui o ensino pautado em Direitos Humanos. No caso
do Brasil, considerando que o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos (PNEDH) não tem suporte algum para sair do
papel, ganha força o retrocesso e a perseguição aos defensores de
tais prerrogativas.

O documento em tese dispõe de diretrizes a serem


implantadas desde a educação básica até o nível superior, além
de impor o dever de educar os profissionais dos sistemas de
segurança e justiça, para que seja efetivada uma organização

1013
pacífica entre Estado e Cidadãos, ou de outra forma, intenta a
solidificação de um Estado mais democrático e mais humano.

Sendo assim:

Para a consolidação desse modelo de Estado é fundamental


a existência e o funcionamento de sistemas de justiça e
segurança que promovam os direitos humanos e ampliem
os espaços da cidadania. No direito constitucional, a
segurança pública, enquanto direito de todos os cidadãos
brasileiros, somente será efetivamente assegurada com a
proteção e a promoção dos direitos humanos. A persistente
e alarmante violência institucional, a exemplo da tortura e
do abuso de autoridade, corroem a integralidade do sistema
de justiça e segurança pública. (PNEDH, 2007, p. 47).

Contudo, a realidade se dissocia da teoria. Como analisado,


o Estado, em sua forma e composição moderna7, não tem
interesse na formação de uma subjetividade autônoma pela via da
educação, mas é afeto à reificação do pensamento humano, o que
traduz um atentado à democracia, fortalecendo o autoritarismo
contemporâneo.

O indivíduo formado por um conhecimento que lhe é


imposto através de ações pedagógicas objetivamente construídas,
ou seja, de ações pedagógicas que buscam inculcar uma cultura
dominante, encontra-se na iminência de reproduzir a barbárie em
nome de uma ideologia cega que ele constrói e propaga. Nestes
termos, como se observa em um panorama histórico mundial, o
senso comum elege governos, apoia representantes de Estado e

7. Lênin, fortemente influenciado por Karl Marx e Friedrich Engels, define o conceito
de Estado como um produto de uma sociedade em que classes com interesses
econômicos opostos, são inconciliáveis entre si, e por este motivo cria-se um poder que
se sobrepõe às classes, a fim de atenuar o conflito existente entre elas e impedir que
se aniquilem. No entanto, Lênin acrescenta ainda à definição de Estado, um elemento
decisivo para a caracterização desta instituição: para ele, o Estado, além de constituir
um poder que mantém a ordem social, é um poder que atua em favor da classe que
detém o poderio econômico e que através dele, a classe dominante adquire também
poder político e consequentemente toma para si novos meios de dominar e explorar a
classe oprimida. Dessa forma, o autor chega à conclusão de que o Estado, nada mais é,
do que um poder de repressão exercido pela burguesia contra o proletariado. (LÊNIN,
2010).

1014
corrobora com as atrocidades praticadas por eles. Foi o caso do
Nazismo (1933-1945), e do Regime Civil-Militar Brasileiro (1964-
1985), por exemplo, que utilizaram da manipulação midiática
para alcançar seus fins.

Como se observa nos estudos de Hannah Arendt, para que


se consolide um regime totalitário é imprescindível que uma ideia
de terror seja comprada por muitas pessoas. Este ideal, para ser
aceito, deve persuadir o sujeito de que a barbárie é o único meio
viável para se alcançar melhorias no contexto social (ARENDT,
1951).

Mais tarde, na tentativa de superar o autoritarismo


clássico, Bobbio (1986) defende a democracia como um processo
dinâmico8, em constante evolução, de forma que uma sociedade
estagnada não representa um viés pluralista, devendo adaptar-se
às modificações constantes.

A educação que constitui consciência crítica acerca da


formação social não se confunde com a doutrinação, vez que não
é praticada como mecanismo de controle, mas como meio de
contribuição para a formação do senso crítico evolutivo, através da
qual, o sujeito distingue, a partir de fatos, ciência e sensibilidade, o
discurso raso do fundamentado, sendo apto a realizar uma análise
acerca das causas e consequências da soma dos fatores sociais em
que está inserido.

Sabe-se que enfrentar as barreiras impostas à educação


no Brasil, apresenta-se como uma proposta árdua, de modo que
desafiar os obstáculos, resistência e a rejeição à educação em
Direitos Humanos, é um trabalho ainda mais penoso, que vai à
contramão da opinião pública em geral. Esta, por sua vez, aderiu
ao discurso de que defender as prerrogativas garantidas à toda a
humanidade, sem distinção, é uma forma de tutelar criminosos
que agridem os cidadãos de bem.

Assim, mais uma vez, mostra-se necessária e iminente a


instigação do indivíduo, em todas as modalidades de ensino, aos

8. BOBBIO, N. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 6ª ed, 1986, p. 12

1015
reais princípios e propostas abordadas pelos Direitos Humanos,
Fundamentais e Sociais, demonstrando quais os caminhos para
a efetivação do Estado Democrático de Direito, o único capaz de
garantir o desenvolvimento e liberdade dos povos por meio da
cidadania.

A rejeição da massa populacional ao tema é uma das


principais razões pelas quais é tão imprescindível o estímulo da
emancipação do juízo racional coletivo por meio da instrução
pedagógica.

Nestes moldes, o único meio de combater o conformismo


e a objetificação da racionalidade, é através da educação
revolucionária, que devolve a autonomia a uma sociedade que
é tratada como fantoche dos poderes estatais e está acomodada
à situação, porque não tem capacidade de entender o próprio
ambiente em que vive.

O sujeito crítico e humanizado é aberto ao diálogo,


afastando o comportamento hostil e violento em relação às
posições distintas das que defende, ou aos fatos sociais dos quais
não tem conhecimento. No mais, o caminho de independência
se inicia na crítica, mas não na crítica primitiva, pois além da
formação da autonomia racional do cidadão, é imprescindível
que a emancipação venha acompanhada de empatia. Esta é a
finalidade dos Direitos Humanos.

Considerações finais

Diante do que foi exposto, está evidente a contribuição


que as autoridades governamentais, fortemente influenciadas
e financiadas pela burguesia, possuem na formação do modelo
educacional utilizado, o qual consiste em mera reprodução de
conhecimentos técnicos. Da mesma forma, os fatores histórico-
sociais revelam que o senso comum é o grande pilar da sustentação
das classes dominantes no poder, permitindo que o controle social
seja realizado de forma despercebida pelas massas populares.

Assim, a maior causa da deficiência do juízo crítico no


processo educacional é justamente a barreira que ele busca
combater: o conformismo. O controle social está enraizado de tal

1016
forma que a mínima tentativa de instigação à formação de uma
subjetividade autônoma pela via educacional é rechaçada pelas
próprias vítimas do sistema. Estas, por sua vez, são induzidas a
aceitar os padrões impostos às massas através da indústria cultural.

Tais problemas, além de preocupantes, influem também


na civilidade do indivíduo, isto é, conduzem à reificação do
pensamento humano, tornando o indivíduo violento e hostil.

A partir disso, o sujeito “selvagem” não se intimida ao


reproduzir a barbárie, pois não tem capacidade de análise de
causa e consequência, nem mesmo competência para distinguir
o moral e imoral, humano e desumano, sendo um mero ativo do
Estado de Natureza9.

Neste diapasão, Theodor W. Adorno elabora uma teoria que


busca identificar a educação como um processo de emancipação
pessoal e política dos sujeitos, através da desconstrução do modelo
heterônomo de educação atualmente vigente nas sociedades em
geral. Somente através de um processo educacional que permita
ao indivíduo o raciocínio crítico e a compreensão do mundo a
partir de um contexto subjetivo, é que os pressupostos objetivos
e subjetivos que conduzem a uma tendência de libertação do
passado, ao invés de compreensão do mesmo, cederão espaço à
uma sociedade verdadeiramente livre.

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Interdisciplinar Direitos Humanos, v.5, n. 2, pg 13-18, jul/dez, 2017.

1018
Jóvenes adolescentes que construyen la paz

Evelyn Cerdas Agüero1

Resumo

El presente trabajo es parte de una investigación más
amplia realizada en la comunidad de Ciudad Colón, Cantón de
Mora de la Provincia de San José, Costa Rica. El problema que
aborda este trabajo se refiere a conocer ¿Cuáles son las propuestas
de adolescentes para construir la paz al asumir un rol en este
proceso? El enfoque de la investigación es cualitativo y se utiliza el
método fenomenológico. Para la recolección de la información se
utilizó la entrevista en profundidad, la biografía y la escala Likert.
La población participante del estudio estuvo compuesta por
hombres y mujeres adolescentes de la comunidad de Ciudad Colón
entre 15 y 17 años de edad escolarizados (educación formal) y no
escolarizados (no pertenecen al sistema de educación formal).El
estudio concluye que las personas participantes muestran interés
en construir la paz y en asumir parte de esta responsabilidad a
través de sus propuestas, por lo tanto Las universidades por medio
de la extensión y los proyectos que se enmarcan en esta área
tienen una responsabilidad para trabajar en conjunto con y desde
las comunidades, con la juventud y con base en las propuestas de
quienes conocen sus propias realidades y sus capacidades.

Palabras clave: adolescentes, paz, construir la paz, educación.

Introducción

El presente trabajo tiene como objetivo presentar las


propuestas para construir la paz a partir del rol que asumen
jóvenes adolescentes de una comunidad. El problema que aborda

1. Instituto de Estudios Latinoamericanos (IDELA). Universidad Nacional (UNA), Costa


Rica. evelyncer@yahoo.com, ecerdas@una.cr

1019
este trabajo se refiere a conocer ¿Cuáles son las propuestas de
adolescentes para construir la paz al asumir un rol en este proceso?
El enfoque de la investigación es cualitativo y se utiliza el método
fenomenológico. Para la recolección de la información se aplicó
la entrevista en profundidad, la biografía y la escala Likert.
La población participante del estudio estuvo compuesta por
hombres y mujeres adolescentes de la comunidad de Ciudad
Colón entre 15 y 17 años de edad escolarizados (que asisten a un
colegio público de secundaria) y no escolarizados (no pertenecen
al sistema de educación formal).

La paz se plantea como un derecho humano que se refleja


en la praxis social y como un proceso que los y las adolescentes
conciben desde sus realidades, esto significa que “la paz puede
ser sentida, percibida y pensada desde múltiples puntos, espacios
y ámbitos” (Muñoz, 2001, p. 1).

La concepción de la paz se refiere también a la


responsabilidad del ser humano para hacer posible un proceso
dirigido a la búsqueda de la justicia, la igualdad y la libertad.
Según Boulding (2000) la paz tiene implicaciones en la forma de
vida de los seres humanos, en la cual se dé una convivencia sin
violencia y se cumplan todas las potencialidades de las personas.
Lo anterior implica un esfuerzo colectivo hacia su construcción y
potenciación que “puede resultar del deber de construirla asumido
por todos y que, en cambio, puede quebrarse en su totalidad solo
por la acción u omisión” (Alemany, 2010, p. 90).

La importancia de este trabajo radica en que la investigacion


permite darle voz a jóvenes adolescentes que estudian y a los
que no lo hacen para conocer desde sus subjetividades las
propuestas que tienen para construir la paz y lo que pueden
aportar a la sociedad desde su espacio local y cotidiano. En tal
sentido, se plantea que desde la educación en derechos humanos
se debe fomentar la participación, lo cual implica crear espacios
de escucha en el cual los grupos puedan dar sus opiniones y
propuestas porque la EDH parte del sujeto mismo.

En tal sentido, la construccion de la paz atañe a la EDH,


pues la paz es un derecho humano, que aunque aceptado a
nivel internacional, en la normativa, como derecho de tercera

1020
generación o colectivo, es también un derecho humano individual.

Aunado a lo anterior, una tarea de la EDH es promover la


participación de la juventud, pero no solo la juventud escolarizada,
que tiene un poco más de espacio, sino las personas adolescentes
excluídas del sistema escolar y que muchas veces se invisibilizan
en la sociedad.

Asimismo es importante considerar que la EDH promueve


el empoderamiento y la responsabilidad tanto individual como
colectiva, esto implica, que el ser humano se reconozca como
sujeto de derechos con responsabilidad en la sociedad de la cual
forma parte, como sujeto activo, participante, con un rol que
puede asumir en la construccion de la paz.

Ante este panorama se propone que desde la EDH las


universidades, las ONG‘s y las organizaciones que trabajan con
adolescentes no deberían llegar con recetas de como construir la
paz, sino que permitan nuevos espacios desde las subjetividades,
desde lo que las personas actoras de la sociedad proponen, de
lo que pueden hacer, puesto que esto también refleja lo que
observan en sus realidades y que es necesario.

La importancia de construir la paz

Es importante conocer si la juventud adolescente


participante en el estudio considera la trascendencia de construir
la paz en la cotidianeidad y en la sociedad.

El grupo de participantes no escolarizados considera que


es importante construir la paz debido a los resultados que esta
genera, especialmente porque la paz permite mejores relaciones
de convivencia en las cuales se privilegia una comunicación
positiva. También manifiestan que genera paz personal o armonía
interna, es importante mencionar que enfatizan en un resultados
personales que si no se logran pueden generar otros resultados
poco positivos, como la frustración.

El grupo también expresa la aceptación de una serie de


requisitos considerados como necesarios para construir la paz,
que trascienden el ámbito personal, tales como la ausencia de

1021
violencia, la existencia de un ambiente tranquilo para convivir,
hablar como método para resolver conflictos, ser amables y
mejorar las leyes.

Quienes reflejan en sus opiniones una visión positiva de su


rol en la construcción de la paz mencionan que podrían ayudar
a otras personas, solidarizarse con quienes sufren determinados
problemas sociales, hacen especial énfasis en las personas que
son afectadas por el problema de la drogadicción. Otros aspectos
que mencionan son no estar en pleitos con otras personas, con lo
cual aluden a establecer mejores formas de interacción.

Además, muestran sentimientos pesimistas ya que la


consideran que en la realidad actual es una tarea difícil de lograr
por las situaciones de violencia que se generan, también plantean
que es una responsabilidad individual que cada persona debe
asumir.

Al grupo de estudiantes les parece conveniente construir la


paz por razones que obedecen especialmente a sus resultados con
una perspectiva de futuro, estas razones se refieren a que tendrían
más tranquilidad; las relaciones interpersonales cambiarían
porque las personas no pasarían enojadas y se tratarían mejor,
habría respeto mutuo, más ayuda, menos pleitos, respeto a las
opiniones y se escucharían más; habría más disciplina en la
ciudadanía y en las personas que son políticas; se darían mensajes
y ejemplos más positivos.

También, es importante mencionar que aluden a que


construir la paz es importante porque el entorno se caracteriza
por la violencia directa interpersonal, lo cual evitaría que se
incremente más.

Sus creencias muestran que para construir la paz deberían


enfocarse en el trabajo con las personas para que tengan paz y
sean menos violentas, esto se relaciona con la creencia en que
la paz inicia en el interior de cada individuo y se refleja en las
conductas.

Además, expresan que contruir la paz contribuye a que


existan más oportunidades para que las personas tengan calidad

1022
de vida, libertad y una sociedad con más justicia y equidad, lo cual
también se vincula con el papel que le dan a la educación como
elemento importante para prevenir la violencia.

Tienen diversas ideas que giran en torno a los requisitos


o condiciones necesarias para construir la paz, estas se centran
en la vivencia de valores como el amor, la comprensión, la
aceptación mutua y de prácticas como la comunicación, el
diálogo y la no violencia. Igualmente, consideran que la paz es
un derecho humano el cual es importante para que se respeten y
vivan otros derechos. Estas actitudes tienen coincidencia con sus
concepciones de la paz como la práctica de una serie de valores
que medien las conductas y las interacciones entre las personas.

Propuestas para construir la paz

El grupo de jóvenes que no asisten a la secundaria generan


una serie de propuestas que consideran que podrían realizar para
construir la paz, estas propuestas muestran como asumen su rol
en la sociedad, sus capacidades, la conciencia de lo que podrían
hacer, entre las cuales mencionan los siguientes:

3 La práctica de valores relacionados con la paz: Mencionan


que pueden poner en práctica una serie de valores que son
esenciales para la convivencia, tales como el respeto, el respeto a
las opiniones, el amor, la honestidad y compartir. Lo cual implica
una noción de que la paz se construye en la convivencia cotidiana
dado que solo el conocimiento de valores por sí mismos no
permiten el fomento de la paz sino son parte de la praxis en las
relaciones interpersonales.

3 Fomento del diálogo: se refieren a establecer mecanismos


de diálogo que permitan generar espacios de reflexión para que
las personas puedan hacer conciencia de la necesidad de cambio,
aluden en especial a personas que usan drogas. También opinan
que el diálogo es fundamental para hablar sobre los aspectos
positivos que tiene la comunidad y herramienta para resolver
conflictos, para lo cual es necesario hablar con honestidad, en
este sentido, muestran que es una alternativa individual cara a
cara que permite resolver conflictos y mejorar las relaciones entre
las personas.

1023
3 Educar: consideran que la educación es fundamental para
promover la paz, lo cual implica una noción importante acerca de
la educación para la paz y los derechos humanos debido a que
esta se centra en promover procesos que posibiliten la confianza,
la solidaridad, el respeto mutuo y la solución pacífica de los
conflictos (Declaración de Luarca, 2008).

3 Pedir ayuda a Dios: Otras de las acciones se refieren a orar a


Dios para que haya paz y les ayude a que las cosas de la vida salgan
bien en diversos aspectos para que las personas puedan tener paz
interior. Lo anterior implica que asumen las libertades de culto,
de religión, pensamiento, creencias como parte importante de la
cotideaneidad.

3 Denunciar: Además, mencionan la importancia de


denunciar la violencia como una forma importante de construir
la paz y como una responsabilidad que se debe asumir ante sus
formas, como por ejemplo la violencia contra la mujer. En este
aspecto es pertinente agregar que visibilizan la violencia hacia
las mujeres y la importancia de denunciarla, aunque no afecte
directamente a quien denuncia.

Los y las adolescentes que asisten al colegio consideran


que pueden ejercer un rol en la construcción de la paz bajo
determinadas condiciones como por ejemplo, ejercerlo en el
futuro, en su espacio más próximo como en el hogar, aunado a
esto reconocen las posibilidades y capacidades que tienen todas
las personas para construir la paz y sus propias posibilidades de
colaborar con otras personas que hacen propuestas.

El grupo de estudiantes genera una serie de propuestas


que podrían realizar para construir la paz como las siguientes:

3 Promover el diálogo para resolver conflictos: el estudiantado


expresa que el diálogo es importante para resolver los conflictos
interpersonales de los que son parte en el ámbito escolar y familiar.
Lo pueden hacer de forma individual para tratar de solucionar el
problema con las personas directamente involucradas, y también
con la opción de buscar una persona para que medie y les permita
hablar cuando son situaciones en el contexto escolar que lo
requieren.

1024
3 Intervenir ante la violencia física y verbal: mencionan que
cuando existen manifestaciones de violencia directa entre otras
personas pueden generar determinadas acciones para evitarlo
como separar compañeros(as) cuando se golpean, también
proponen la denuncia cuando hay situaciones de bullying en
el colegio para que las autoridades puedan tomar acciones
correctivas. En este aspecto es importante recalcar que aluden
a opciones preventivas que no se refieren al ámbito personal de
conciencia y respeto sino a medidas institucionales correctivas.

3 Pedir ayuda a Dios: Otro elemento se refiere a pedir


la intervención divina, mediante la oración a Dios para que
intervenga en los países donde hay guerras y las consecuencia de
estas en las personas. Así, su rol se supedita a pedir la ayuda a
Dios, el cual se encargaría de las acciones para construir la paz.

3 Necesidad de un cambio personal: La juventud alude a la


necesidad de que se genere un cambio personal como factor
fundamental para construir la paz, vinculado al reconocimiento
de que este es individual, a la necesidad de tener paz interna para
reflejarla en las relaciones humanas, al cambio de actitud hacia
quienes les rodean y cambiar la perspectiva de mirar la realidad.

3 Educar: Proponen que les gustaría generar diversas formas


para educar para la paz, su significado, ejemplos de esta y su
relacion con la prevención de robos, asaltos y diversas foemas de
violencia. Consideran que se puede lograr, también por medio
del trabajo individual al interrelacionarse y generar espacios de
comunicación, así como organizar campañas, reuniones para
discutir determinados temas y hacer propuestas. También, es
importante recalcar que enfatizan en una educación no formal
que promueva la reflexión acerca de la sociedad que se desea
construir.

3 Mantener buenas relaciones interpersonales: También


proponen que a nivel individual pueden mantener buenas
relaciones interpersonales en los diversos espacios como el
colegio, la familia y con sus pares. Lo anterior implica que
reconocen como las relaciones cordiales y fraternas se construyen
en la cotideaneidad desde la subjetividad y se refleja en la
intersubejtividad de la convivencia.

1025
3 Promover actividades recreativas: También se refieren
a que es necesario organizar actividades de recreación en el
centro educativo, vinculadas a la danza, la música y la promoción
del deporte, los cuales se constituyen en espacios de paz en el
contexto escolar.

Discusión de resultados

Ambos grupos muestran la importancia de la educación


en la construcción de la paz más allá de las aulas, reconocen la
necesidad de una educación en un contexto que puede potenciar
el derecho a la recreación y el ocio como elementos necesarios
para la paz, pero además se ven así mismos como jóvenes que
asumen un rol activo en la educación no formal.

Esto es de suma importancia porque la educación es un


derecho humano que tiene un papel vital para el desarrollo de las
personas, para el logro de la convivencia pacífica, la comprensión
y para aprender a vivir en comunidad. La educación es un derecho
humano que, de acuerdo con el Pacto de derechos económicos,
sociales y culturales (1966), se debe dirigir al desarrollo del ser
humano, de su dignidad, a fortalecer el respeto por los derechos
humanos, y a capacitar al ser humano para vivir en una sociedad
libre, donde se manifieste la comprensión, la amistad y la
aceptación de las diferencias.

Así, Martínez (2009) plantea una educación para hacer las


paces, la cual consiste en:

reconstruir las capacidades y competencias que como


seres humanos tenemos para reformar nuestras relaciones
potenciando nuestras capacidades y competencias para
vivir en paz; a saber; la ternura interpersonal y la justicia
institucional. Incluye, por consiguiente, una dimensión
personal, afectiva y emocional, y una dimensión social,
institucional y política (p. 395).

El estudio también evidencia que consideran la construcción


de la paz como una tarea esencial a nivel individual y como una serie
de prácticas que mejoran las relaciones humanas y la convivencia.
Además, este proceso no solo depende del ser humano sino de un

1026
ser supremo, Dios, que ayude a que las personas se esfuercen por
lograr y mantener una vida de paz.

Al mismo tiempo, es fundamental mencionar que dan


especial importancia a la educación en la construcción de la paz,
con una visión propia que trasciende el ámbito formal, lo que se
refiere a la educación para la paz y los derechos humanos.

La situación del consumo de drogas, es reconocida de forma


importante, no es un elemento aislado, sino una problemática social
en la cual inciden una serie de factores relacionados con el tráfico
de drogas, la delincuencia organizada, la falta de oportunidades
laborales y educativas, las expectativas incumplidas que pueden
llevar a buscar las drogas como mecanismos para evadir estas
situaciones.

Además, ambos grupos reflejan en sus opiniones la


importancia de la comunicación en la familia y la necesidad de
ser escuchados, así como la importancia del diálogo no solo para
resolver los conflictos sino para acercar a las personas en proceso
de reflexión acerca de la realidad y el rol que deben asumir en la
sociedad.

Es importante enfatizar en la trascendencia que dan al


fortalecimiento de capacidades personales para el cambio
individual para incidir en las relaciones interpersonales de forma
positiva que permita mejores formas de comunicación y una
convivencia más respetuosa basada en valores.

Conclusiones

Con respecto a las actitudes y opiniones positivas hacia


la construcción de la paz de los y las adolescentes participantes
en el estudio, esta se respalda en los resultados que el proceso
conlleva tales como los que se relacionan con una convivencia
más armoniosa, basada en relaciones humanas respetuosas y con
una mejor comunicación, de forma que paz implica una forma
diferente de asumir las relaciones sociales, que atañe a prácticas
en las que se promueve la afectividad por medio del amor, la
bondad y el perdón.

1027
Sus aportes se vinculan al diálogo, cuyo fin se dirige a
mejorar las formas de resolver los conflictos interpersonales y
como elemento individual que permita un acercamiento solidario
y afectivo con otras personas para motivarlas al cambio.

Además, el estudiantado le otorga un lugar importante


a esta comunicación como una forma de educar hacia una
sensibilización de las personas con respecto al tema de la paz, es
decir, cumplir un rol de educadores para la paz en la sociedad.
También, se enfocan en tomar acciones relacionadas con la
intervención ante las manifestaciones de la violencia física y
verbal interpersonal, ya sea de forma directa al intervenir cuando
hay peleas o indirecta como denunciar el bullying y la violencia
contra la mujer.

Aunado a esto, reconocen la necesidad del cambio individual


que inicia desde lo interno de cada ser, este se relaciona con la
práctica de valores para la paz como el respeto, la honestidad y
el amor lo cual trasciende su reconocimiento, sino que implica su
interiorización y su práctica en las relaciones sociales.

Es importante reconocer su creencia en Dios, al cual le


otorgan una responsabilidad en el sentido de cederle el rol en
situaciones más complejas, pues confían en que puede ayudar en
la guerra, la crueldad, el dolor y la paz interna de cada persona.

La visión del rol en la construcción de la paz refleja una visión


de participación en la sociedad, esta es uno de los elementos
fundamentales en la educación para la paz y derechos humanos,
un principio básico de la vida en comunidad y la convivencia
pacífica que no se puede dejar de lado.

Lo anterior es un indicador de que quienes educan para


la paz y los derechos humanos deben promover espacios de
participación para la juventud en los cuales se les permita hacer
propuestas y llevar acabo acciones desde el espacio local como
sujetos activos en la construcción de la paz. La participacion
de la juventud es un derecho que no solo debe respetarse sino
promoverse, de forma que se empoderen ante la realidad social
y las formas de violencia, injusticia que transgreden los derechos
humanos.

1028
A partir de los resultados es importante recalcar y repensar
el papel que cumplen las universidades públicas por medio
de la extensión y los proyectos que se enmarcan en esta área,
porque tienen una responsabilidad importante al respecto, como
lo es trabajar en conjunto con y desde las comunidades, con la
juventud y con base en las propuestas de quienes conocen sus
propias realidades y sus capacidades, así como promover procesos
pedagógicos de educación no formal que permitan fortalecer y
desarrollar las capacidades de las personas adolescentes.

Referencias

Aedidh (2008). Declaración de Luarca (Asturias) sobre el Derecho


Humano a la Paz. Revista de Paz y Conflictos. Vol. 1. Recuperado de:
<http://revistaseug.ugr.es/index.php/revpaz/article/view/420>.

Alemany, J. (2010). El derecho humano a la paz. En Villán, C. y


Faleh, C. (editores). Contribuciones regionales para una declaración
universal del derecho humano a la paz. Pp.81-112. Asturias:
Asociación Española para el Derecho Internacional de los
Derechos Humanos.

Asamblea General de las Naciones Unidas. (1966). Pacto


Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales.
Consultado en: http://www2.ohchr.org/spanish/law/cescr.htm

Boulding, E. (2000). Cultures of peace: The hidden side of history.


New York: Syracuse University Press

Martínez, V. (2009). Cómo pensar la paz: una perspectiva desde


la filosofía para hacer las paces. En: Todavía en busca de la paz-
1984-2009. Fundación Seminario de Investigación para la paz.
Zaragoza. Pp.385-404. Recuperado de: http://www.ugr.es/~eirene/
docencia/doctorado/formaciondoctores/files/InvestPazIberoa/1-
ComoPensarlaPaz(VicentMartinez).pdf

Muñoz, F. (Ed.) (2001). La paz imperfecta. Granada: Instituto de Paz


y conflictos/Universidad de Granada. Recuperado de: http://www.
ugr.es/~eirene/eirene/Imperfecta.pdf

1029
1030
CAPÍTULO SÉPTIMO

Educación en Derechos Humanos


y Formación de Formadores

1031
1032
O Memorial da Resistência de São Paulo
e os processos formativos em educação
em Direitos Humanos

Aureli Alves de Alcântara1

Resumo

O Memorial da Resistência de São Paulo dedicado à
preservação das memórias da resistência e repressão políticas do
Brasil republicano (1889 a atualidade) está instalado, desde 2008,
em antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social de
São Paulo – Deops/SP (1940 a 1983), período que abrange duas
ditaduras e inúmeras violações de Direitos Humanos. A Instituição
que preserva as memórias destes eventos passados e reflete sobre
o seu legado na atualidade pauta-se pela Educação em Direitos
Humanos em processos formativos que objetivam a consciência
crítica, a conquista da cidadania democrática e a garantia do
respeito à dignidade humana. Contudo, uma grande parte da
população brasileira tem concepções errôneas sobre Direitos
Humanos e sequer possui conhecimentos introdutórios sobre o
tema. A fim de obter êxito no propósito de educar para os direitos
humanos, o Memorial da Resistência realiza inúmeras ações de
formação e parceria para que educadores sejam multiplicadores
das referidas discussões com o público diversificado. O Memorial
tem disponibilizado cursos de formação, para profissionais
que trabalham com educação formal e não formal, em diversos
formatos: encontros introdutórios, cursos intensivos, cursos de
extensão em parceria com universidades, com profissionais de
medidas socioeducativas e organizações destinadas ao público
com deficiência. Além de cumprir as proposições estabelecidas
no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos tem
conseguido excelentes resultados nas práticas e difusão do tema

1. aalcantara@memorialdaresistenciasp.org.br
Memorial da Resistência de São Paulo

1033
junto ao público e estreitado o contato com os educadores.

Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos; museu; curso

A Educação em Direitos Humanos (EDH) apontada por


vários estudiosos como essencial para a construção de processos
democráticos é impulsionada no Brasil na década de 1980,
exatamente no período da redemocratização, quando ocorre o
término da Ditadura Civil Militar (1964-1985).

Contudo, a educação não formal em direitos humanos em


espaços museológicos, principalmente, na cidade de São Paulo,
ganhou impulso somente depois da primeira década do século
XXI com a criação ou reorganização de museus cujas temáticas
referenciavam grupos excluídos que tiveram ao longo da história
brasileira os seus direitos violados, deste período destacam-
se as implantações dos museus: Afro Brasil (2004), Memorial da
Resistência de São Paulo (2009), Diversidade Sexual (2012) e o
novo Museu da imigração2 (2014).

As instituições museológicas citadas são vinculadas


à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de
São Paulo e apesar dos diversificados processos de criação,
reorganização e formas de reinvindicações de grupos que
exigiram representatividade, somente a partir do protagonismo
desses segmentos é que as políticas públicas de preservação do
patrimônio e memória foram gestadas levando-se também em
consideração o arcabouço teórico metodológico da EDH.

Dentre esses casos é representativo o processo que

2. O Museu da Imigração foi criado em 1993. No ano de 1998 foi designado Memorial do
Imigrante e em 2014 foi inaugurado como Museu da Imigração do Estado de São Paulo.
Ainda nesse contexto de reorganização e novos direcionamentos cabe mencionar
o Museu India Vanuíre, localizado na cidade de Tupã no interior do Estado de São
Paulo e que discute questões indígenas. Apesar de inaugurado em 1966, atualmente
faz parte dos museus da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São
Paulo e com os outros quatro museus citados integra o conjunto de museus articulares
Campanha Sonhar o Mundo que desenvolvem ações em prol da Educação em Direitos
Humanos.
Nem todos os museus citados trabalharam inicialmente com a Educação em Direitos
Humanos, mas ao longo dos processos de implantação e desenvolvimento seguiram
por essa perspectiva.

1034
culminou com a implantação do Memorial da Resistência de São
Paulo. A atuação dos ex-presos políticos, familiares de mortos
e desaparecidos e organizações de Direitos Humanos suscitou
em 1998 a transferência da administração do antigo prédio do
DEOPS/SP da Secretaria de Justiça para a Secretaria do Estado da
Cultura e alterou os rumos traçados para o Memorial da Liberdade,
que em face das mudanças ganhou uma nova proposta, projeto
museológico e denominação institucional.

Desde o início de suas atividades, o Memorial da Resistência


aplicou no desenvolvimento das ações educativas e projetos
a metodologia e pedagogia de EDH em espaços não formais
somada aos princípios da educação museal. Dentre as inúmeras
práticas educativas desenvolvidas ressaltam-se os processos
formativos em EDH destinados a educadores do ensino formal e
não formal que trabalham com perfis diversos de público.

Como uma grande parte da população brasileira tem


concepções errôneas sobre Direitos Humanos e sequer possui
conhecimentos introdutórios sobre o tema, as equipes do
Memorial tem se esmerado no propósito de educar para os
Direitos Humanos, inclusive por meio de parcerias a fim de que
educadores sejam multiplicadores das referidas discussões.

Assim, o Memorial tem disponibilizado cursos em diversos


formatos: encontros introdutórios, cursos intensivos, cursos de
extensão em parceria com universidades, com profissionais de
medidas socioeducativas e organizações destinadas ao público
com deficiência. O presente texto tem o propósito de refletir sobre
tais experiências que cumprem as proposições estabelecidas
no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH),
bem como compartilhar os resultados significativos obtidos no
estreitamente de contato com educadores que tem abordado a
temática e desenvolvido projetos e atividades em seus locais de
trabalho.

O Memorial da Resistencia de São Paulo

O Memorial da Resistência de São Paulo é uma instituição


museológica voltada à pesquisa, salvaguarda e comunicação de
referências das memórias da resistência e repressão políticas do

1035
período republicano brasileiro (1889 à atualidade), tendo como
sede o edifício que abrigou o Departamento Estadual de Ordem
Política e Social de São Paulo – (Deops/SP) no período de 1940
a 1983, de forma a contribuir com a reflexão crítica acerca da
História contemporânea do país e com a valorização de princípios
democráticos, do exercício da cidadania e da conscientização
sobre os direitos humanos.

O Deops/SP foi criado em 1924 em meio ao processo de


intensas movimentações políticas de setores da população e
representou a polícia política do estado de São Paulo cuja ação foi
marcada, principalmente, pelo controle e repressão das ações de
resistência política contra os governos ditatoriais do Estado Novo
de Getúlio Vargas (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985).

Embora o Memorial da Resistência esteja instalado


nesse antigo local de repressão política, o conceito gerador
de seu projeto museológico está voltado à valorização das
manifestações de resistência, invertendo a lógica original do
Deops/SP. A opção está respaldada por imbricamentos entre
o espaço prisional remanescente, as memórias de ex-presos
e perseguidos políticos, e a preservação da documentação
oficial do Órgão, revelando a coexistência entre os conceitos de
controle social, repressão e resistência política, possibilitando
a visão crítica sobre o passado recente e a atualidade do país.
O Memorial da Resistência foi o primeiro lugar de memória
dessa natureza no Brasil, que foi readequado para novos usos
educativos e culturais e representa uma efetiva iniciativa em
prol do Direito à Memória e à Verdade.

Os projetos educativos que potencializaram a vocação


educacional do programa museológico do Memorial estiveram
presentes desde o início dos trabalhos de implantação da
Instituição (2007).

O Programa de Ação Educativa

Inicialmente o Programa de Ação Educativa do Memorial


esteve diretamente ligado ao Núcleo de Ação Educativa da
Pinacoteca do Estado de São Paulo, instituição que o Memorial

1036
está vinculado até hoje3. O Memorial desde o começo de
suas atividades contou com visitas educativas e formação de
educadores do ensino formal e não formal e a mediação realizada
entre o discurso expositivo e os diversos perfis de público ganhou
outras formas de ação que continuam pautadas pelos seguintes
objetivos:

a) Contribuir com a formação de cidadãos conhecedores e


críticos em relação á História do Brasil República;
b) Sensibilizar sobre a importância do exercício da cidadania,
do aprimoramento da democracia e do respeito aos direitos
humanos;
c) Discutir as questões relativas à resistência e repressão no país,
especialmente na contemporaneidade.

Tais propósitos têm sido alcançados não somente pelo


potencial transformador que as memórias preservadas pela
Instituição desencadeiam nas novas gerações, mas também pelo
alinhamento dos projetos e atividades com o referencial teórico-
metodológico da EDH e com as proposições presentes no PNEDH
que, enquanto política pública “...consolida a proposta de um
projeto de sociedade baseada nos princípios da democracia,
cidadania e justiça social e o compromisso com a promoção de uma
cultura de respeito aos direitos humanos” (Abade, 2014, p.105).

Tal comprometimento está expresso nos princípios


norteadores das ações educativas do Memorial que apontam
a busca de promoção da conscientização e da formação da
cidadania, valorização dos princípios democráticos e a educação
patrimonial, que evidencia a importância da preservação do
edifício e suas memórias.

3. Desde 2004 a Pinacoteca do Estado de São Paulo administra o prédio denominadode


Estação Pinacoteca onde está instalado o Memorial da Resistência de São Paulo.
Os processos para a implantação do Memorial também foram gerenciados pela
Pinacoteca que até hoje administra a Instituição por meio da Organização Social de
Cultura - Associação Pinacoteca Arte e Cultura (APAC). A gestão dos museus do Estado
de São Paulo vinculados a Secretaria de Cultura a partir de 2005 ocorre por meio
de organizações sociais de cultura. O Memorial da Resistência apesar de funcionar
como um equipamento museológico de características autônomas, no âmbito do
organograma da APAC aparece como uma área técnica da Pinacoteca. Assim, a ação
educativa do Memorial se configura como um programa (Corazza, 2017).

1037
Portanto, os princípios apontados se coadunam com
aqueles estabelecidos pelo PNEDH onde a difusão da cultura de
direitos humanos no país é o objetivo central e visa “a disseminação
de valores solidários, cooperativos e de justiça social uma vez
que o processo de democratização requer o fortalecimento da
sociedade civil...” (PNEDH, 2018, p.12).

As atividades educativas, fundamentadas por todas essas


proposições, tem possibilitado o atendimento de aproximadamente
18.000 pessoas ao ano4, somente pelo Programa de Ação
Educativa que desenvolve atividades variadas como: as visitas
mediadas, rodas de conversa com ex-preso político, atividades
com jogos denominada de Tarde de Memórias, Contação de
História, Encontros de Aprofundamento Temático, Cine Debate,
programação inclusiva para público com deficiência promovida
pelo Projeto Memorial ParaTodos, desenvolvimento de projetos
com grupos em situação de vulnerabilidade social, principalmente
do entorno institucional, material de apoio pedagógico ao
professor, além de formações para profissionais da educação com
características de encontros, cursos de média duração e cursos
intensivos.
Apesar de não ser uma tarefa simples, o Memorial
juntamente com o Programa de Ação Educativa5 tem utilizado
educacionalmente o patrimônio preservado para que os visitantes
reconheçam as violações de direitos, em suas múltiplas formas
e instâncias sociais, e se sintam estimulados, como cidadãos,
a resistirem contra a opressão e a apatia, pautados pela ética,
tolerância e respeito à dignidade do ser humano, enfim, valores
que encontram existência plena apenas sob o Estado Democrático
de Direito.

4. A visitação anual do Memorial da Resistência tem por volta de 80.000 atendimentos


que ocorrem por meio de visitação livre às exposições, atividades desenvolvidas pela
Ação Cultural e projetos pertencentes a outros programas.
5. O Programa de Ação Educativa do Memorial é composto por equipe de seis pessoas:
quatro educadores que realizam as inúmeras atividades educativas: Alessandra
Santiago da Silva, Ana Carolina Ramella Rey Ammon, Marcus Vinicius Freitas Alves
e Renan Ribeiro Beltrame, um analista técnico em educação que é responsável pelo
projeto para o público com deficiência - Memorial ParaTodos: Daniel Augusto Bertho
Gonzales e a coordenação do programa: Aureli Alves de Alcântara.

1038
A formação de educadores no Memorial da Resistência

As últimas pesquisas6 realizadas com os educadores


do ensino formal constataram que o diálogo contínuo com
os docentes torna o Memorial mais conhecido e possibilita o
desenvolvimento de projetos interdisciplinares que exploram o
potencial educativo da Instituição e enfatizam o caráter de sítio
de consciência.

Apesar dos professores avaliarem que as atividades


desenvolvidas pelo Memorial contribuem para a formação dos
alunos por meio de mecanismos específicos de sociabilidade
e aprendizagem através do contato com o patrimônio cultural,
os dados pesquisados enfatizam, por parte dos docentes, maior
interesse por um dos recortes temáticos do museu: Ditadura
Civil-Militar, com a finalidade de complementar os conteúdos
curriculares referentes ao tema desenvolvido nas séries finais do
Ensino Fundamental e Médio do ensino formal.

Os professores ainda não vislumbraram as inúmeras


possibilidades de trabalho com a temática da Ditadura ou outros
temas7 a partir da perspectiva da EDH, principalmente, porque:

a formação em direitos humanos apresenta-se como


uma das lacunas na preparação do (as) profissionais das
diversas áreas no Brasil. Esta representa uma ação essencial,

6. Os museus vinculados à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São


Paulo aplicam duas vezes ao ano pesquisas de público para docentes e discentes
elaboradas em grupos de trabalho por coordenadores dos Núcleos de Ações
Educativas de vários museus. Além destas pesquisas que são comuns a todos os
museus da Secretaria, cada unidade museológica pode aplicar outras pesquisas
elaboradas por cada instituição a fim de mapear aspectos de realidades distintas. Os
resultados obtidos em relação às temáticas no Memorial, e mencionados nesse texto,
são recorrentes em pesquisas aplicadas no período de 2015 a 2019.
7. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que servem como referência para
objetivos, conteúdo e didática de ensino e propõem através da transversalidade
temas como ética, meio ambiente, saúde, orientação sexual, pluralidade cultural entre
outros explicita como objetivo a compreensão da cidadania por meio da participação
social e política, bem como o exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais
pautados por solidariedade, cooperação, repúdio às injustiças, respeito ao outro e a
si mesmo (PCN, 1997), portanto, totalmente relacionados aos princípios da Educação
em Direitos Humanos, no entanto, o estabelecimento desses elos nem sempre são
vislumbrados como possibilidades de trabalho por parte dos professores em virtudes
das dificuldades em vários aspectos enfrentadas pelo profissional de educação.

1039
que responde a uma necessidade indicada em todos os
documentos que se referem ao tema (Tavares, 2013, p.73).

Portanto, não causa surpresa que as orientações do PNEDH


(2018) para a educação não formal, na disposição de concepções
e princípios, bem como nas indicações de ações programáticas
enfatize a necessidade de formação para educadores do ensino
formal, não formal e lideranças sociais.

Quanto às ações programáticas do PNEDH, as indicações


apontam para o desenvolvimento da educação não formal em
direitos humanos pautada pela diversidade de formatos para
atingir inúmeros perfis de formadores. Essa prática é comum na
educação museal à medida que o patrimônio musealizado se torna
ferramenta de processo educativo relacionando o indivíduo com
a sociedade e território visando a compreensão da importância da
herança patrimonial. O Programa de Ação Educativa do Memorial
fundamentado por esses direcionamentos propõe configurações
diversas de formação a fim de propiciar aos educadores e
multiplicadores métodos abrangentes para o desenvolvimento
da EDH com o objetivo de:

Transformar mentalidades, atitudes, comportamentos,


dinâmicas organizacionais e práticas cotidianas dos
diferentes atores sociais e das instituições educativas. O
enfoque metodológico deve sempre privilegiar estratégias
ativas que estimulem processos que articulem teoria e
prática, elementos cognitivos, afetivos e envolvimento em
práticas sociais concretas. (Tavares, 2013, p.76 como citado
em Candau, 2000, p.6)

Desta forma os cursos promovidos em Educação em


Direitos Humanos pelo Memorial atentam para as indicações
metodológicas propostas por Sacavino (2013) que compreende a
educação em Direitos Humanos como prática reflexiva que ocorre
por meio de oficinas pedagógicas fundamentadas em processo
prático-teórico-prático com a finalidade de:

orientação para a transformação social e a formação


de sujeitos de direitos e, nesse sentido, pode ser
considerada na perspectiva de uma educação libertadora

1040
e para o empoderamento dos sujeitos e grupos sociais
desfavorecidos, promovendo uma cidadania ativa capaz de
reconhecer e reivindicar direitos e construir a democracia
(Sacavino, 2013, p.91).

Além da metodologia indicada, as formações para


educadores propostas pelo Memorial consideram as pedagogias8
apontadas por Sacavino (2013) como relevantes para o
desenvolvimento da EDH não formal na contemporaneidade:

a) Pedagogia da indignação: relacionada a naturalização da


cultura da violência e desrespeito aos Direitos Humanos. No
âmbito dessa pedagogia é essencial relacionar o cotidiano com
a realidade do sujeito e o seu grupo social e indignar-se com
as violações dos direitos e da vida a fim de desencadear ações
concretas que estimulem a ação e o compromisso com os Direitos
Humanos. b) Pedagogia da admiração: prática que conscientiza
sobre a valorização da vida, a importância do cuidado e estimula
criticamente a reflexão sobre problemas do planeta, relações
violentas entre as pessoas e desequilíbrios sociais. Pauta-se pela
promoção de direitos, da qualidade da vida e felicidade.

c) Pedagogia da Memória: com a ideia de educar para o ‘nunca


mais’ esta pedagogia está imbricada com os conceitos de
memória e história, ou seja, relacionada às dimensões variadas da
historicidade de lutas sociais e conquistas dos Direitos Humanos
que são modelos para a promoção de transformações e o
compromisso com o ‘nunca mais’.

d) Pedagogia do empoderamento e grupos excluídos: o


empoderamento nas dimensões individuais e sociais deve
fortalecer a afirmação de sujeitos que historicamente tem menos
poder na sociedade e em face de diversos contextos foram
dominados, excluídos e silenciados seja em processos políticos,
sociais, econômicos ou culturais. A inclusão desses indivíduos
revigora e traz fôlego para lutas e reivindicações que podem

8. As chamadas Pedagogias desde o Sul são tratadas detalhadamente por Susana


Sacavino (2013) em texto referenciado ao final desta composição. Nesse trabalho
aponto rapidamente as características de cada uma para mostrar como elas estão
presentes nas práticas de formação de educadores no Memorial da Resistência.

1041
desencadear políticas públicas.

e) Pedagogia das convicções firmes: pauta-se pela convicção de


que a promoção de cultura de Direitos Humanos, principalmente,
pelo estabelecimento da Educação em Direitos Humanos contribui
para a construção da democracia participativa e a cidadania ativa,
que vislumbra uma ação politica entre os cidadãos culminando na
valorização da comunidade e princípios de igualdade, autonomia,
solidariedade e respeito à diversidade.

Como a disponibilização de atividades para formação de


educadores são diferenciadas, em cada uma delas incide em
maior ou menor grau uma destas pedagogias em face do perfil
de educadores que a ação educativa visa alcançar. As formações
desenvolvidas pelo Programa de Ação Educativa são:

1. Encontro com Educadores

Aos educadores do ensino formal e não formal são


oferecidos seis formações anuais com duração de quatro horas
cada. As discussões são autônomas e o educador pode participar
do Encontro que quiser sem nenhum pré-requisito em Encontros
anteriores.

Com temáticas diversas9, a proposta dessa ação é refletir


sobre temas pertinentes ao Memorial que estão relacionados
com a História do Brasil recente, mas que tratam constantemente
das violações dos direitos humanos, principalmente, em virtude
da característica de patrimônio que o Memorial salvaguarda.
Consequentemente, ao refletir sobre as violações aborda-se
a necessidade da EDH e sua importância para o exercício da
cidadania, aprimoramento da democracia e respeito aos direitos
humanos. Além da parte teórica, o Encontro propõe oficinas e

9. Em 2018 foram discutidos os seguintes temas: Educação em Direitos Humanos


para pessoa com deficiência; Violações aos Direitos Humanos na Ditadura Civil-
Militar: considerações gerais e possibilidades e uso de materiais pedagógicos para
a contextualização do período, Por que a Educação em Direitos Humanos: Temas
transversais, Memorial da Resistência e suas práticas educativas; A vivência no
espaço expositivo: o professor como potencializador dos conteúdos do Memorial da
Resistência e por fim Ensino de História e Direitos Humanos: reflexões sobre o Direito
à Memória e à Verdade.

1042
visitas ao Memorial. Várias pedagogias abordadas por Sacavino
(2013) estão presentes nesse processo: a pedagogia da indignação,
pois, enquanto sítio de consciência o Memorial propicia que os
educadores, em sua maioria, criem empatia pelos que resistiram e
comparem as violações da época com as da contemporaneidade,
o que leva o educador a cidadania ativa, inclusive, com o
desenvolvimento de ações com o público que trabalha. Também
é possível a discussão sobre violações do período explorando o
tema Ditadura, os encaminhamentos da Comissão da Verdade e
nesse momento a pedagogia da memória pode ser mais assertiva.

Muitas vezes o mote do Encontro é a própria Educação em


Direitos Humanos, nesse momento é trabalhada a Declaração dos
Direitos Humanos, sua historicidade e a importância de educar a
partir destes princípios. De caráter introdutório, normalmente, o
educador que procura esse tipo formação adquire conhecimentos
iniciais sobre o tema.

2. Curso Intensivo de Educação em Direitos Humanos

A atividade apresenta conteúdo introdutório e objetiva


promover: a iniciação na aprendizagem de conhecimentos
específicos, a troca de experiências, o embasamento reflexivo
para a cidadania ativa e a elaboração de projetos educativos no
âmbito da EDH.

A formação é destinada aos educadores do ensino formal


e não formal (organizações não governamentais, instituições
culturais, projetos socioeducativos, movimento sociais entre
outros), com carga horária de 38 horas e tem programa estruturado
em três eixos orientadores, que constituem a chamada formação
docente em Direitos Humanos: saber curricular, saber pedagógico
e saber experiencial10. A parte teórica é ministrada por meio de
aulas com professores especialistas que abordam os saberes
curriculares e pedagógicos. O saber experiencial se dá pela
narrativa de ações desenvolvidas no ensino formal e não formal

10. O saber curricular trabalha com conteúdos formais específicos do ponto de vista
conceitual, histórico, filosófico e normativo. O saber pedagógico aborda metodologias
educativas para processos formativos em direitos humanos, enquanto o saber
experiencial traz a vivência cotidiana e as práticas desenvolvidas.

1043
e pela prática dos participantes em grupos de trabalhos e oficinas
de projetos.

O curso tem grande procura por profissionais diversos


da área de educação, mas também por psicólogos, assistentes
sociais, educadores sociais entre outros.

Pela diversidade de temas tratados no âmbito da EDH ele


abrange inúmeras pedagogias como as da indignação, memória
e convicções firmes e vem alcançando ótimos resultados de
avaliação à medida possibilita que os educadores desenvolvam
projetos e apliquem em suas realidades.

3. Cursos de extensão e disciplinas em parcerias com as


universidades

A proposição dos cursos de extensão e aulas conjuntas


em disciplina tem acontecido por demandas suscitadas
pelos professores universitários que ao conhecerem as ações
desenvolvidas pelo Memorial nos procuram para a elaboração
conjunta das atividades. Atualmente temos ministrado em
parceria:

a) O curso “Educar, contar e brincar para resistir: a Ditadura


Militar e o direito da criança à memória e a verdade”11
tem como proposta apresentar a questão da Ditadura
Civil Militar como conteúdo formativo nas séries iniciais
do ensino fundamental, refletir sobre o ensino de História
a partir de espaços não formais de educação e discutir
a EDH, principalmente, no que tange as questões de
Direito à Memória e à Verdade. As aulas práticas e teóricas
distribuídas em carga horário de 24h tem por produto
final a elaboração e apresentação de Contação de História
por parte dos educadores que podem escolher outras

11. A proposição da elaboração conjunta do curso foi realizada pelo Prof. Dr. Cleber
dos Santos Vieira que ministra aula na Universidade Federal do Estado de São Paulo
(Unifesp) para as turmas de Pedagogia. As primeiras edições foram realizadas com
grupos de professores que atuavam na zona leste de São Paulo e possuíam grupos
de trabalho em Direitos Humanos. A última edição (2018) teve inscrição aberta para
interessados em geral.

1044
temáticas relacionadas às violações de direitos e/ou
empoderamento de grupos excluídos. Todas as pedagogias
apontadas por Sacavino (2013) estão presentes em virtude
das amplas possibilidades do desenvolvimento dos temas.
Essa atividade faz muito sucesso, principalmente, pelos
aspectos práticos e lúdicos presentes na formação.
b) A disciplina Memória Política e Social, Esquecimentos
e Políticas de Memória12 está em sua primeira edição
e ocorre no âmbito do Curso de Políticas Públicas e se
desenvolverá durante todo o segundo semestre de 2019.
Além do Programa de Ação Educativa outras equipes do
Memorial, gestão e pesquisa, estão envolvidas na atividade.
O Programa de Ação Educativa tem trabalhado com a
questão da EDH e a importância desses conteúdos no
desenvolvimento de políticas públicas para a transformação
de realidades, principalmente relacionadas às políticas de
Memória. Além das pedagogias da memória, indignação
e empoderamento, o curso enfatiza a pedagogia das
convicções firmes que se relaciona a promoção de direitos
e cidadania ativa. A busca da parceria também visa
contemplar a formação prática que relaciona EDH a outros
espaços museológicos, inclusive, com visitas às exposições,
oficinas, conhecimento de lugares de memória, portanto,
agrega à formação universitária o componente experiencial.
No momento ainda não há possibilidade de avaliação mais
aprofundada dessa atividade visto que está em processo e
na primeira edição.

4. Formação com instituições parceiras de medidas


socioeducativas e de trabalho com pessoas com deficiência

Com a função de empoderar grupos excluídos, jovens que


cumprem medidas socioeducativas e pessoas com deficiência,
as instituições que trabalham com esses perfis de público tem
procurado o Memorial para ministrar formações em Direitos

12. O Prof. Dr. Alessandro Soares da Silva é o responsável pela disciplina vinculada à Escola
de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH – USP), a
disciplina era ministrada por ele e esse ano propôs a parceria de ministração conjunta
com a equipe do Memorial. As aulas acontecem no Memorial e o componente
experiencial ocorre por meio de visitas a equipamentos culturais e lugares de memória.

1045
Humanos para os seus funcionários e usuários. No caso do público
com deficiência, as formações tem explorado o Direito da Pessoa
com Deficiência, tema tratado pelo projeto Memorial ParaTodos
e que tem preparado as pessoas para “...o exercício da cidadania
ativa, promover a equidade, a inclusão e a diversidade, reforçar
o combate aos estereótipos, preconceitos, discriminações e agir
contras todas as violações de direitos humanos. (Tavares, 2013,
p.80).

No caso da Instituição de medida socioeducativa além da


formação dos funcionários ocorrerão visitas mediadas com os
jovens ao espaço museológico com reflexões sobre o a dignidade
da pessoa humana e a cidadania ativa.

Conclusão

Todas as atividades de formação até aqui exploradas estão


em conformidade com os princípios e metodologias da EDH,
bem como com as ações programáticas indicadas no PNEDH
para a educação não formal. Estruturadas para diversos perfis
de educadores ampliam as possibilidades de conhecimento
dos pressupostos da EDH em vários níveis de aprendizado e
permitem desconstruir o senso comum sobre direitos humanos
e possibilitam o desenvolvimento da consciência sobre a
necessidade de garantia e respeito à dignidade humana.

O êxito no Memorial nas formações tem sido avaliado


também pelo aumento de solicitações para atividades extramuros
em instituições de caráter diverso ligadas ao ensino formal ou não
formal.

Contudo, não é possível negar que tais práticas de formação


com os educadores enfrentam imensos desafios mediante os
revesses que os Direitos Humanos têm enfrentando na atual
conjuntura brasileira. Desenvolver trabalhos que abordam o
Direito à Memória e á Verdade enquanto é imposto à sociedade
o revisionismo histórico sobre o período ditatorial, falar de Estado
Democrático de Direito mediante aos ataques constantes das
instituições que permitem a sua efetivação, abordar a dignidade
humana quando a fome o desemprego assolam o país estabelece
tão grande dicotomia que só evidencia a necessidade da

1046
resistência para a continuidade do trabalho com os educadores a
fim de evidenciar o tema na sociedade e transformar a realidade.

Referência

Instituto Brasileiro de Museus (2018). Caderno da Política Nacional


de Educação Museal. Brasília, DF: IBRAM. Disponivel em: <https://
www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2018/06/Caderno-da-
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Secretaria de Educação Fundamental. Brasilia: MEC/SEF.146p.

Brasil (2018). Ministério dos Direitos Humanos. Plano Nacional


de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Comitê Nacional de
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Abade, Flávia L. (2014) O lúdico na Educação em Direitos Humanos.


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(pp.103 a 124). São Paulo: Memorial da Resistência de São Paulo:
Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Candau, Vera (2000). Direitos humanos na formação de


professores/as. Trabalho apresentado no X ENDIPE. Rio de Janeiro,
maio. 13p.

Corazza, Bianca (2017). Organizações Sociais de Cultura: um


modelo de gestão sob o ponto de vista da Museologia. Um
estudo e caso do Memorial da Resistência. São Paulo. Dissertação
de Mestrado. pp.123

Memorial da Resistência de São Paulo (Org). (2018). Memorial da


Resistência, 10 anos: PRESENTE! . São Paulo, 2018.

Sacavino, Susana B. (2013). Educação em Direitos Humanos:


pedagogias desde o sul. In: Educação em Direitos Humanos
- Memória e Cidadania (pp.87 a 108). São Paulo: Memorial da
Resistência de São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo.

1047
Tavares, Celma. (2013). O papel dos educadores e educadoras
nos processos educativos em Direitos Humanos. In: Educação em
Direitos Humanos - Memória e Cidadania (pp.71 a 85). São Paulo:
Memorial da Resistência de São Paulo: Pinacoteca do Estado de
São Paulo, 2013.

1048
“De eso se trata: el caso de la formación de
Agentes en prevención contra la Trata
de Personas en el Municipio de Quilmes”

Lic. Oscar Humberto Yañez Canales1

Resumen

La trata de personas es una violación a los Derechos
Humanos, es una forma contemporánea de esclavitud y hoy
representa el tercer ilícito más rentable seguido de las drogas y
el tráfico de armas. La trata consiste en la captación, el traslado y
la recepción de personas a los fines de concretar su explotación.
Se caracteriza porque en el actuar se aprovechan del aislamiento,
la desinformación y alguna condición de vulnerabilidad de la
víctima.

El trabajo que se presenta pretende visibilizar los esfuerzos


realizados por el proyecto “De eso se Trata”, proyecto que es
financiado por la Secretaría de Políticas Universitarias del Ministerio
de Educación y Deportes de la Nación (actualmente Ministerio
de Educación, Cultura, Ciencia y Tecnología). Específicamente se
presentará el enfoque del taller para la “Formación de Agentes en
Prevención contra la Trata de Personas con fines de explotación
Sexual y Laboral” cuyo objetivo es capacitar, sensibilizar y prevenir
acerca de la problemática.

Para ello se hace un recorrido por los principales rasgos del


Protocolo de Palermo y el marco legal en la Argentina, en base
a la Ley Nacional N° 26.364 de Prevención y Sanción de la Trata

1. Becario del Departamento de Economía y Administración de la UNQ perteneciente del


Programa Dimensiones y Alcances del Desarrollo Territorial en la Argentina. Licenciado
en Comercio Internacional de la Universidad Nacional de Quilmes, Argentina.
Estudiante de Licenciatura en Economía del Desarrollo y de la maestría en Gobierno
Local, ambas de la UNQ.

1049
de Personas y Asistencia a sus Víctimas, el rol de los medios de
comunicación y los diferentes actores que intervienen. Completa
el estudio el análisis de las primeras experiencias de los formadores
en prevención de la trata en un lugar en específico: el Municipio
de Quilmes.

Introducción

El trabajo que se presenta pretende visibilizar los esfuerzos


realizados por el proyecto “De eso se Trata”, proyecto que es
financiado por la Secretaría de Políticas Universitarias del
Ministerio de Educación y Deportes de la Nación. Específicamente,
se presentará el enfoque del taller para la Formación de Agentes
en Prevención contra la Trata de Personas con fines de explotación
Sexual y Laboral cuyo objetivo es capacitar, sensibilizar y prevenir
acerca de la problemática.

Para ello, se hace un recorrido por los principales rasgos del


Protocolo de Palermo y el marco legal en la Argentina, en base
a la Ley Nacional N°26.842 de Prevención y Sanción de la Trata
de Personas y Asistencia a sus Víctimas, el rol de los medios de
comunicación y los diferentes actores que intervienen. Completa
el estudio el análisis de las primeras experiencias de los formadores
en prevención de la trata en un lugar en específico: el Municipio
de Quilmes. Finalmente, se elaboran una serie de propuestas y
conclusiones del trabajo.

Antecedentes

La trata de personas es una violación a los Derechos


Humanos2, se configura como una forma contemporánea de
esclavitud y hoy representa el tercer ilícito más rentable seguido
de las drogas y el tráfico de armas. (OIT, 2016)

Los Derechos Humanos, tal como dice la palabra, son


derechos inherentes a todas las personas, sin distinción alguna de
nacionalidad, situación migratoria, género, color, religión, lengua

2. La Declaración Universal de los Derechos Humanos (DUDH) fue proclamada por la


Asamblea General de las Naciones Unidas en París en 1948.

1050
o cualquier otra condición. Todos y todas tenemos los mismos
Derechos Humanos sin discriminación alguna. (DUDH, 1948)

La trata de personas consiste en la captación, el traslado y


la recepción de personas a los fines de concretar su explotación.
Se caracteriza porque en el actuar se aprovechan del aislamiento,
la desinformación y en general, de alguna condición de
vulnerabilidad de la víctima. Con el objeto de asegurar la
permanencia en la situación de explotación, los explotadores se
valen de mecanismos ilícitos tales como el engaño, las amenazas,
violencia, fraude, extorsión y la generación de deuda. (UNICEF;
2012)

La definición moderna de trata de personas está incluida


en El Protocolo Facultativo de las Naciones Unidas para Prevenir,
Reprimir y Sancionar la Trata de Personas, especialmente Mujeres
y Niños, complementa la Convención de las Naciones Unidas
contra la Delincuencia Organizada Transnacional (2000), conocido
como el Protocolo de Palermo3, definiendo por primera vez el
tráfico de seres humanos. Quedando definida la trata de personas
de la siguiente manera:

“Por trata de personas se entenderá la captación, el transporte,


el traslado, la acogida o la recepción de personas, recurriendo a
la amenaza o al uso de la fuerza u otras formas de coacción, al
rapto, al fraude, al engaño, al abuso de poder o de una situación
de vulnerabilidad o a la concesión o recepción de pagos o
beneficios para obtener el consentimiento de una persona
que tenga autoridad sobre otra, con fines de explotación.
Esa explotación incluirá, como mínimo, la explotación de
la prostitución ajena u otras formas de explotación sexual,
los trabajos o servicios forzados, la esclavitud o las prácticas
análogas a la esclavitud, la servidumbre o la extracción de
órganos… La captación, transporte, traslado o recepción de
un niño con fines de explotación será considerada “trata de
personas” aun cuando no se recurra a ninguno de los medios
enunciados.” (Protocolo de Palermo, 2000)

3. El Protocolo de Palermo actualmente, está suscrito por 173 países.

1051
Así, en el artículo 3° se plantea la finalidad del protocolo:

a) Prevenir y combatir la trata de personas, prestando especial


atención a las mujeres y los niños;
b) Proteger y ayudar a las víctimas de dicha trata, respetando
plenamente sus derechos humanos; y
c) Promover la cooperación entre los Estados Parte para lograr
esos fines.

Por su parte, la OIT (1999) en el Convenio 182 sobre las


Peores Formas de Trabajo infantil y la Recomendación R190 sobre
la Acción inmediata para su Erradicación, establece las cinco
peores formas de trabajo, nombradas a continuación:

1. Esclavitud o prácticas similares, como venta o trata de niños


2. Trabajo obligatorio forzoso
3. Contratación, utilización u oferta de niños para ejercer la
prostitución
4. Contratación, utilización u oferta para actividades ilícitas
5. Trabajos que, por su naturaleza, ponen en riesgo la salud o
seguridad de los niños

La Convención sobre los Derechos del Niño (1989) solicita


a los Estados Partes “tomar todas las medidas de carácter nacional,
bilateral y multilateral que sean necesarias para impedir el secuestro,
la venta o la trata de niños para cualquier fin o en cualquier forma.”
(Artículo 35) y así con esto poder “promover la recuperación física y
psicológica y la reintegración social de todo niño víctima.” (Artículo
39)

Por otra parte, la trata de personas, además de vulnerar


los Derechos Humanos, constituye uno de los tres negocios
ilícitos más lucrativos en la actualidad, es un delito complejo
porque se configura a través de distintas acciones orientadas a
extraer beneficios económicos mediante la explotación sexual o
laboral de las víctimas o sometiéndolas a prácticas análogas a la
esclavitud. (Della Penna, 2014)

Bajo la premisa de que toda relación de esclavitud está


fundada en el principio de propiedad, esto nos lleva a reflexionar
que, las víctimas son consideradas meras mercancías y propiedad

1052
de quienes ejercen las redes de explotación, ya que éstas, van
funcionando de manera organizada y permanente. Así, de esta
manera, la explotación se instituye como un “trabajo” sujeto a la
dinámica de mercado, con su oferta y demanda.

La situación en Argentina

En los inicios de la conformación del Estado Nación, tuvo


lugar en 1813 La Asamblea que decretó la “libertad de vientres”,
donde queda determinado que todo hijo de esclavos negros que
habitaban la Argentina nacería libre en lo sucesivo. Esta libertad
jurídica universal más tarde se consagrará en la Constitución
Nacional de 1853 que prohíbe absolutamente la esclavitud, es
decir, quién someta a una persona a la servidumbre para que
ejerza contra su voluntad cualquier actividad, comete un crimen
constitucional. (Schnabel, 2009)

Si avanzamos un poco más, en 1936 se sancionó la


Ley Nacional N°12.331 de Profilaxis, donde se prohíbe el
funcionamiento de prostíbulos. Queda establecido en el art.17
que “Los que sostengan administren o regenteen, ostensible o
encubiertamente casas de tolerancia serán castigados (…)” Pero la
realidad es que a la fecha siguen funcionando al estar habilitados
según ordenanzas municipales bajo eufemismos de cafés, bares
o whiskerías, incluso algunos funcionando en departamentos
privados.

Ya más cercano a la actualidad, en el año 2008 se sanciona


la Ley Nacional N°26.364 de Prevención y Sanción de la Trata de
Personas y Asistencia a sus Víctimas, modificada posteriormente
por la Ley N°26.842 en el año 2012 (la que rige en la actualidad),
sentando las bases sobre las cuales se construye todo el andamiaje
de políticas públicas para la lucha contra la trata de personas. Esto
ha significado el reconocimiento de la problemática de trata de
personas, así como de las diferentes formas de explotación que se
ven implicadas en este delito.

La normativa4 nacional define a la trata de personas como

4. Artículo 2° para personas mayores de 18 años y, artículo 3° para personas menores de


18 años.

1053
“la captación, el traslado, la recepción o acogida de personas con
fines de explotación, dentro del territorio nacional, como desde o
hacia otros países con fines de explotación”, aun incluso existiendo
consentimiento de ésta. Sin embargo, en este punto es necesario
destacar que, la Ley N°26.842 representa un cambio de posición
respecto a la cuestión del consentimiento; para efectos legales;

“existe trata aun cuando no mediare engaño, fraude, violencia,


amenaza o cualquier medio de intimidación o coerción,
abuso de autoridad o de una situación de vulnerabilidad,
concesión o recepción de pagos o beneficios para obtener el
consentimiento de una persona que tenga autoridad sobre la
víctima.”

Este cambio en la normativa implica que no es necesario que


se recurra a la violencia, engaño, amenazas o abuso de la situación
de vulnerabilidad para que se configure en delito, convirtiéndose
ahora estas situaciones en agravantes.

En esta misma línea, la Provincia de Buenos Aires, en el


año 2012, sanciona la Ley Provincial N°14.453 de Prevención y
erradicación de la trata de personas y sus delitos conexos, y la
protección y asistencia para las víctimas y posibles víctimas con
el fin de adoptar medidas de prevención, lucha y erradicación
de la problemática y fortalecer la acción del Estado Provincial y
Municipal frente a este delito.

En septiembre de 2013, se crea el Comité5 Ejecutivo para la


Lucha contra la Trata y Explotación de Personas y para la Protección
y Asistencia a las Víctimas de acuerdo con lo establecido por la
Ley 26.8426. Las acciones que definen a la trata de personas son
tipificadas como delito y como tales incorporados al Código
Penal. El Comité tiene por tareas impulsar y fortalecer las políticas
públicas en la materia que lleva a cabo el Estado Nacional,
propiciar el trabajo coordinado y el esfuerzo aunado de todos los

5. El Comité está integrado por representantes de diversos ministerios e instancias


gubernamentales, como el Ministerio de Seguridad, el Ministerio de Justicia y
Derechos Humanos, el Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social y el Ministerio
de Desarrollo Social. Su coordinación está a cargo de un representante de la Jefatura
de Gabinete de Ministros.
6. Código Penal – Código Procesal Penal.

1054
intervinientes, y elaborar en forma conjunta, planificaciones que
habiliten estrategias cada vez más efectivas de comunicación y
sensibilización.

Finalmente, la Organización Internacional para las


Migraciones (OIM) Argentina, por su parte, tiene por mandato
promover la migración ordenada y humana de personas, proteger
los derechos de los migrantes y cooperar con sus Estados
Miembros. Uno de los principales desafíos que se plantea al
interior de la organización es luchar contra la trata de personas,
puesto que es una forma de migración irregular, cuyos fines
de explotación implican la violación de los derechos humanos
de los migrantes. La OIM estima que anualmente, cerca de 1
millón de personas son víctimas de trata a través de las fronteras
internacionales, mientras que en otras ocasiones se da dentro de
las fronteras de sus propios países.

Vulnerabilidad

La trata de personas, como se ha planteado, tiene sus raíces en


distintas dimensiones; sociales, económicas, políticas y culturales,
donde la vulnerabilidad es un concepto que logra aunar a cada
una de ellas. En cada una de estas dimensiones se hace referencia
a procesos de vulneración que viven las víctimas del delito y
éstos son aprovechados por los y las tratantes; presentándose así,
condiciones que facilitan y promueven todo tipo de explotación.
En este sentido, se pueden identificar diferentes niveles de
vulneración, que se combinan entre sí, fortaleciendo situaciones
que hacen propicia que la explotación tenga lugar. Por esto, la
vulnerabilidad está fuertemente relacionada con los riesgos,
condiciones y presiones a las cuales están sujetos las posibles
víctimas.

Comprender las vulneraciones en sus distintas dimensiones,


como situaciones que están anudadas a la trata de personas,
ciertamente potencia una mejor comprensión de esta problemática,
ya que ayudan a desmitificar ciertos prejuicios que muchas veces
llegan a culpabilizar y responsabilizar injustamente a quienes
atraviesan y son, efectivamente víctimas de esta situación. En este
sentido, uno de los prejuicios más frecuentes en torno a la trata
de personas es aquel que sostiene que la decisión es personal y la

1055
existencia de consentimiento. Frente a estos argumentos la visión
que se plantea es precisa; quien atraviesa esta situación está muy
lejos de decidir autónomamente, dado que nadie puede consentir
su propia explotación.

Otra situación que generalmente padecen las víctimas, es


que, por un lado encontramos a un grupo, que no logra percibir
su condición de víctimas, justamente como consecuencia de la
vulnerabilidad que finalmente los expone a estas situaciones,
mientras que por otro lado, encontramos un grupo de víctimas
que, si bien logran comprender y dimensionar la situación en las
que se encuentran inmersas, no pueden o no quieren escapar,
porque han sufrido además, diferentes formas de violencia, se
encuentran amenazadas y temen represalias contra ellas mismas
o contra los integrantes de su familia, o porque también carecen
de todo tipo de recursos, muchas veces permanecen vigiladas de
forma permanente ignorando el lugar donde se encuentran, o a
veces, por encontrarse sin documentación legal o básicamente,
porque han sido psicológicamente doblegados.

Fases de la trata

La trata de personas opera a través de diferentes acciones


que se orientan a concretar la explotación de las personas en sus
diferentes representaciones.

Siguiendo los aportes teóricos de UNICEF (2017), y el


consenso global que encuadra la conceptualización de la trata
de personas, se presentan a continuación las tres fases7 que
caracterizan a este delito y por lo cual transita. Así, se pueden
encontrar las siguientes fases: la captación, el traslado y la
recepción o acogida.

Fase 1 Captación

Esta instancia comprende el reclutamiento a través de


diversos métodos. En Argentina principalmente es por medio del
engaño, con falsas ofertas de empleo, participación de casting

7. La literatura respecto a las fases de la trata de personas presenta un consenso global


que la caracteriza.

1056
para modelaje, publicidad, entre otros. Generalmente ofrecen
una muy tentadora suma de pago y una posibilidad de cambio
de vida, no demandan experiencia previa, ni conocimientos
específicos, solicitan mayor información personal que la necesaria,
empleando diversas formas de contacto pudiendo ser a través
de avisos en diarios, internet, etc. En esta instancia se presentan
como personas protectoras, proponen una relación de confianza
inmediata y en secreto, buscando aislamiento de los lazos de
confianza.

La modalidad de explotación determina la forma específica


de captación, si es con fines laborales, por ejemplo, se formaliza
con el reclutamiento de familias completas que, aceptando
ofrecimientos de empleos bajo la promesa de buenos salarios
y otras garantías, ignoran la realidad de vivir en condiciones
de hacinamiento, extensas jornadas de trabajo, instalaciones
riesgosas, y sufriendo malos tratos y privados de libertad,
recibiendo a cambio, un pago insuficiente o nada.

Fase 2 Traslado

Comprende la acción que se realiza para desarraigar a


la víctima del lugar en el que vive, pudiendo involucrar viajes
internos (distintas ciudades, provincias) o externos (cuando
el reclutamiento ocurre en el país de origen de la víctima y la
explotación en un país diferente). Aquí, suele darse que la propia
víctima, viaje a distintas zonas con la esperanza de encontrar las
condiciones ofrecidas, ignorando que en el lugar de destino será
sometida a explotación.

Fase 3 Recepción o acogida

Es la instancia donde se recibe a las víctimas en un lugar


que puede ser provisorio o el de destino final donde se llevará
la explotación. Aquí las víctimas van rotando constantemente
bajo dos motivos centrales: satisfacer las demandas específicas
y evitar que generen lazos que podrían brindarles ayuda para
escapar. El encierro no es la única modalidad en la cual transcurre
la explotación, siendo las formas de control a veces más sutiles,
psicológicas, como las acciones de amedrentamiento, las
amenazas, la coerción.

1057
Cabe destacar que, por definición, el delito de trata de
personas supone que se encuentren presentes estas acciones,
pero, aun cuando no se desarrollen las fases previas que buscan
concretar la explotación, la explotación en si misma constituye
una vulneración de derechos y, por tanto, un delito. Estas fases
adquieren sus particularidades según se trate de explotación
sexual o laboral. De este modo, como señala la OIM, la explotación
puede tomar forma de una gran red internacional o un circuito
más pequeño, nacional, pero a fines legales, nos encontramos
frente al mismo delito.

Modalidades de explotación

La trata de personas, en todas sus manifestaciones, somete


a millones de personas anualmente a condiciones de esclavitud
generando importantes réditos económicos, de los cuales más
del 85% proviene del comercio sexual. (UNICEF, 2013)

Explotación sexual: consiste en la obtención de lucro


mediante la actividad sexual ejercida por un tercero que se
encuentra bajo el dominio de quien o quienes la explotan. Las
principales formas de explotación sexual son la prostitución,
pornografía infantil y turismo sexual.

Explotación laboral: las víctimas realizan todo tipo de


actividades productivas en condiciones abusivas, ya sean estas
por exigencias horarias, pago insuficiente, condiciones de
insalubridad e inseguridad, entre otros. El problema en Argentina
se concentra principalmente en los talleres de indumentaria.

Explotación infantil: tanto los niños como niñas pueden


ser víctimas de explotación debido a su particular condición de
vulnerabilidad. En ambos casos, la explotación hace referencia al
comercio sexual y a la explotación laboral.

Otras modalidades: actualmente, la normativa reconoce


otros supuestos de explotación, destacando la extracción forzosa
de órganos, fluidos y tejidos, que se concreta generalmente
mediante engaño o uso de la fuerza. También el matrimonio
forzado es otra modalidad, donde se contrae matrimonio a
cambio de dinero o cualquier tipo de contraprestación.

1058
Medios de comunicación

Una de las dimensiones necesarias para poner fin al delito es


el cambio cultural que permita desnaturalizar la explotación sexual
y cualquier sometimiento de una persona por otra. Desnaturalizar
la forma en que está construida la sexualidad de las mujeres y niñas,
tomadas como objetos, como cosas para el disfrute sexual que
van desalentando las relaciones de igualdad en la sociedad. Los
medios de comunicación utilizan recurrentemente los estereotipos
y de este modo, producen, reproducen y perpetúan las cargas
simbólicas que se asocian a la cosificación de la mujer, donde el
cuerpo constituye un objeto de intercambio mercantilista, es decir,
cuerpos sujetos a ser comercializados.

Por otra parte, es necesario resaltar el rol de los medios de


comunicación, ya que muchas veces, invisibilizan la problemática,
catalogando y exhibiendo estas situaciones, bajo otros rótulos
como prostitución o tráfico, y que en la realidad no se logra ajustar
ni a la lógica ni a las dimensiones de la problemática. Esto quizás,
por desconocimiento generalizado de la problemática o prejuicios
que se anteponen al ejercicio de la profesión de los comunicadores.

Delitos Conexos

Los delitos conexos a la trata de personas son aquellos


delitos que se producen en el marco del proceso de trata de
personas o bien tienen alguna relación con el mismo, atribuidos
básicamente a las fases de captación y acogida. Son delitos que
se llevan adelante para consumar la trata y someter a las víctimas,
pero también, se pueden referir a los supuestos de explotación,
pudiendo constituir de esta manera, delitos autónomos respecto
del delito de trata.

Por otra parte, en el mundo de hoy, globalizado, signado


por los avances tecnológicos y el uso de las Tecnologías de
la Información y la Comunicación TIC, como herramienta
fundamental para el desarrollo de los jóvenes, niños y niñas,
inmersos en esta cultura digital, exhibe una cara que no muchas
veces es contemplada o simplemente no se le atribuye la relevancia
necesaria, nos referimos a la intensa y constante exposición de
la privacidad de las personas, quedando supeditadas al manejo

1059
imprudente de terceros.

Actualmente, internet es la fuente principal de información,


ya sea a través de sitios web o redes sociales, brindando la
posibilidad de acceder a información detallada y personal de quien
se busque. Por esto, es necesario ser extremadamente cautelosos
con lo que se pretende compartir por medio de estas redes, lo que
se publica, las descargas y sitios web visitados, todo esto, junto a
la información personal, conforman la identidad digital. De esto
surge la huella digital: que comprende toda la información digital
disponible en las redes sociales y que una vez se encuentran
cargados en la red son difícil de borrar y controlar, “El principal
riesgo cuando no se cuida la huella digital es brindar información
privada, actual o del pasado, a personas que no tendrían por qué
recibirla.” (UNICEF, 2017)

A continuación, siguiendo los aportes presentados por


UNICEF (2017), se presentan los principales delitos conexos
asociados a la trata de personas:

Ciberbullying

El ciberbullying representa una de las prácticas más


habituales que se reproducen en los espacios digitales y
comprende el hostigamiento online, es decir, el acoso entre pares.
Incluye las conductas hostiles sostenidas de forma reiterada y
deliberada por un individuo o grupo cuya finalidad es anular o
menoscabar a una persona. Tiene la particularidad de permitir
el sostenimiento del acoso por largos períodos ya que, por su
naturaleza digital, pueden ser llevados a cabo a toda hora y desde
cualquier sitio, es decir, son conductas sistemáticas y no aisladas. El
ciberbullying puede darse de diferentes formas; acoso, exclusión
y manipulación.

Sexting

Comprende la viralización8 de imágenes y/o videos íntimos

8. La dinámica de internet y las redes sociales permite que algunos contenidos


comiencen a ser compartidos rápidamente por distintos usuarios. A este proceso se lo
llama viralización.

1060
con contenido sexual de una persona, a compartirlo con parejas
u otras personas. Esto tiene lugar básicamente por la sensación
de confianza generada entre pares y el poco temor hacia posibles
riesgos futuros. Las imágenes que componen el fenómeno de
sexting son obtenidas, en muchos casos, de manera voluntaria,
es decir, quién aparece revelando su identidad es consciente de
ello. Hay quiénes producen contenidos digitales eróticos o bien
dan su consentimiento para que otro lo haga. La pornovenganza,
pornografía vengativa o revenge porn, aparece como una nueva
modalidad de extorsión o venganza multimedial. Los motivos
por los cuales se producen estas intromisiones y violaciones a
la privacidad e intimidad pueden ser varios, pero surge como
predominante, la exposición de estos registros por parte de
exparejas. Una vez que los videos o las fotos comienzan a circular,
millones de usuarios desconocidos con acceso no autorizado a ese
material, continúan compartiéndolo, logrando así una viralización
imparable del contenido.

Grooming

Es la situación en que un adulto acosa sexualmente a un


niño o niña mediante el uso de las TIC. Para cometer este delito,
suelen crearse una cuenta de perfil falso en una red social, sala
de chat, foro, etc. En donde se hacen pasar por un chico o chica y
entablan una relación de amistad y confianza con el niño o niña
que quieren acosar. El mecanismo del grooming consta de varias
fases o etapas. Suele comenzar con un pedido de foto o video de
índole sexual o erótica (pedido por el adulto, utilizando el perfil
falso). Cuando consigue ese material, quien lo pide puede o bien
desaparecer o bien chantajear a la víctima con hacer público esa
información si no entrega nuevos videos o fotos o si no accede a
un encuentro personal.

Construyendo prevención

Terminar con el delito de trata solo es posible si se logra un


cambio cultural a través del cual se desnaturalice la explotación
sexual y cualquier sometimiento de una persona por otra. La
prevención implica sensibilizar y concientizar a la población en
general. Para trabajar en la prevención y lucha contra este delito,
son necesarias campañas de información masiva, para que toda

1061
la población conozca la existencia de la trata de personas y sus
mecanismos, sepa dónde recurrir y a quién preguntar.

El reclutamiento incluye el engaño que puede tomar


distintas formas, a través de diversos medios que varían según
el caso, por lo tanto, la información de los distintos mecanismos
utilizados por las redes de trata de personas es un factor
determinante para poder prevenir este delito.

Otro punto que resaltar, es la relevancia que resulta la


difusión de la información acerca de qué acciones tomar ante
la desaparición de una persona: Denunciar el hecho de manera
inmediata. Para ello se ha establecido en la Argentina una línea
telefónica gratuita, 145 para denuncias. Esta línea funciona las
24 horas, los 365 días del año (Ministerio de Justicia y Derechos
Humanos de la Nación). No es necesario esperar 48 horas para hacer
la denuncia, ni se debe aceptar el argumento de que es necesario
esperar ese tiempo para asentar la denuncia. El Informe Anual
2017 elaborado por el Ministerio Público Fiscal señala que durante
el año 2017 se recibieron 2010 denuncias, esto corresponde a un
incremento de cerca del 12% respecto del año anterior. Poco más
del 60% han sido judicializados a los órganos competentes.

Bajo este marco es que surge la iniciativa del proyecto “De


eso se TRATA Prevenir la explotación sexual y laboral”, proyecto
presentado ante la Secretaría de Políticas Universitarias del
Ministerio de Educación.

A continuación, se presenta un extracto del Informe de las


Multiplicaciones en Escuelas durante el año 2017, un repaso por
las primeras experiencias.

De eso se trata

El proyecto fue diseñado por una Red de Actores Locales


integrada por:

• UFI N°1 Descentralizada de Berazategui9

9. Unidad Fiscal, Fiscal: ICHAZO, Ernesto Daniel.

1062
• Departamento de Trata del Obispado de Quilmes
• Secretaria de Extensión - UNQ
• Centro de Derechos Humanos “Emilio Mignone” - UNQ
• Jefatura de Inspección Región IV

El objetivo general del proyecto fue “Capacitar, sensibilizar


y prevenir a la comunidad sobre el flagelo de la Trata Personas con
fines de explotación sexual y laboral”.

La fundamentación fue el resultado de 5 años de trabajo


donde se detectó la falta de difusión, de campañas de prevención
sobre la problemática de la trata de personas y de agentes
comunitarios capacitados en esta temática compleja, en los
Partidos de Quilmes, Berazategui y Florencio Varela. Por esto, el
desafío enfrentado fue generar una estrategia de acción conjunta
para resolver, de alguna manera, el problema existente y generar
un mayor compromiso de la comunidad.

El principal instrumento de intervención comunitaria


implementado fue el Taller: “Formación de Agentes en Prevención
contra la Trata de Personas con fines de explotación sexual y
laboral” y la posterior multiplicación10 en el territorio a cargo de
las y los asistentes que hubieran aprobado el curso.

Esto permitió dar inicio a las actividades, comenzando con


visitas a las instituciones para coordinar días y horarios con los
directivos escolares. Simultáneamente se seleccionó una persona
que colaboraría en la organización de las multiplicaciones,
cuya tarea principal fue coordinar el traslado y asistencia de las
personas encargadas de las multiplicaciones y el traslado de los
materiales necesarios (computadora, cañón, afiches, etc.) para la
realización de los talleres. La metodología implementada en los
encuentros fue de tipo taller y se realizaron consignas grupales,
promoviendo la participación de los estudiantes. Además, se
proyectaron videos relacionados con la temática y presentaciones
en power point. Sumado a esto, se entregaron materiales a los
estudiantes, docentes y directivos: trípticos, afiches y volantes y

10. El efecto multiplicador que se busca es que los formadores logren replicar lo aprendido
en la comunidad y que éstos luego sigan replicando la información, generando una
red de alerta en la comunidad.

1063
el contacto directo a los directivos con la UFI Nº1 de Berazategui.
Asimismo, se diseñaron y aplicaron encuestas e instrumentos de
observación y registro.

A lo largo del 2º cuatrimestre del año 2017, se realizaron


14 multiplicaciones en escuelas de los partidos de Quilmes y
Berazategui, asistiendo a los talleres 500 estudiantes, 50 docentes
y directivos.

Luego, en mayo del presente año se dio inicio al “II Taller


para la Formación de Agentes en Prevención contra la Trata de
Personas con Fines de Explotación Sexual y Laboral”, que consistió
en 7 sesiones donde se capacitaron personas para ser los nuevos
agentes de prevención, generando durante el taller, un espacio de
formación para estudiantes, graduados, docentes, profesionales,
e integrantes de organizaciones sociales.

Propuesta de taller

Una de las particularidades del taller es, una vez completada


las clases presenciales, se les pide a los futuros agentes la elaboración
de una propuesta de taller a implementar en las multiplicaciones,
quedando a un muy amplio criterio la metodología de realización
del taller o multiplicación. Si bien las multiplicaciones consideran
a un amplio rango de edades, se elabora la siguiente propuesta
de taller como guía base de las actividades a realizar siguiendo
los lineamientos teóricos aportados por Candelo, Ortíz, y Unger
(2003), donde se establecen los principales lineamientos para
planificar, organizar, evaluar y hacer un seguimiento de un taller
independiente de su contenido y contexto específico.

Generalidades

Duración de actividad 2 horas.

Integrantes del equipo 1tutor y 2 multiplicadores.

Registro de la actividad fotográfico / Registro escrito.

Materiales necesarios Recursos materiales: hoja, fibrones, afiches, biromes, pegatina.

Cañón, PC, parlantes.

Folletería.

1064
El registro escrito está pensado como un aporte para trabajar
sobre la propuesta, si bien no se abordará con la rigurosidad que
implica una observación etnográfica como lo plantea Galindo
(1987) que plantea que “el objetivo es obtener una descripción lo
más detallada posible de la vida y la historia de los actores sociales”
sí es posible contemplar algunos aspectos en común para
construir una mirada colectiva sobre la propuesta y sus posibles
modificaciones.

Consideraciones generales del registro: resulta fundamental


comunicar a los estudiantes que se tomará nota con el objeto
de obtener un aporte escrito sobre la actividad, para revisar la
propuesta y mejorarla. Con esto se pretende evitar que la toma
de nota sesgue el comportamiento de los participantes. Por otra
parte, el registro debe ser descriptivo, debe intentar registrar
la mayor cantidad de hechos posibles, resaltando la actividad
en la que se enmarca cada hecho observado. Las valoraciones
personales debes registrarse de forma diferenciada y se debe
contemplar los siguientes aspectos: el espacio físico del aula,
número de participantes, interrupciones, el clima en el aula,
participación de los estudiantes, identificar temas y de interés.

Básicamente el taller se divide en tres etapas, la primera


donde se abordan los temas específicos de la trata de personas, la
segunda, hace referencia a los delitos conexos, y la tercera y final
comprende el cierre y evaluación de la experiencia del taller.

Objetivos

El objetivo general del taller es informar a los estudiantes y


comunidad educativa sobre la problemática de Trata de Personas
y Delitos Conexos mediante la concientización y prevención de
esta problemática social.

Primera parte, trata de personas

Tiene como objetivos específicos

• Trabajar las diferentes representaciones construidas por


parte de los alumnos sobre qué es la Trata de Personas.
• Explorar los conocimientos previos que poseen los

1065
estudiantes relacionados con la Trata de Personas abordados
a través de la educación formal e informal.
• Visibilizar la temática de Trata de Personas a los estudiantes
y comunidad educativa.

Para lograr los objetivos propuestos se propone la
realización de 3 actividades:

Actividad I

• Compartir un primer momento, presentación de todos y


todas (en virtud del tiempo queda sujeto a la cantidad de
estudiantes presentes).
• Representaciones “Qué es la trata de personas”.
- Pregunta disparadora, ¿qué sabemos de la Trata de
personas?
- Discutir entre pares: Mito y Realidad.

Actividad II

• Charla Talleristas.
• Ver video resumen acerca de la Trata de personas. (selección
de los disponibles en los diversos sitios web)

Actividad III

• Formar equipos de trabajo:


- Plasmar en un afiche lo discutido sobre la temática.
- Cada grupo presenta su afiche.
- Puesta en común.

Segunda parte, delitos conexos

Objetivos específicos
• Trabajar sobre los delitos conexos asociados a la trata de
personas.
• Indagar sobre actividades recurrentes que los pueden
exponer a situaciones de peligro.
• Fomentar la idea de que sean multiplicadores en su entorno
social.

1066
Actividad I

• Reflexionar con los estudiantes algunos ítems (ver Anexo


de frases) que les permitan comenzar a identificar acciones
cotidianas que los expone a situaciones de riesgo. (para ello
es necesario trabajar en grupos: mantener o reagrupar los
integrantes)
Modalidad: Mantener o armar grupos de trabajo (se
contempla la opción de armar nuevos grupos para lograr
un quiebre educativo), el número de integrantes dependerá
de la totalidad del curso. Un miembro del proyecto debe
coordinar el trabajo al interior del grupo. Es importante
estar presente en todo momento con los y las estudiantes
para evitar la dispersión. También es necesario evitar hacer
juicios de valor sobre las frases, para el desarrollo óptimo de
la actividad.
Las frases deberán estar escritas en papeles y cada
estudiante obtendrá un papel con la frase al azar y
comentará con el resto de su grupo en qué medida se
siente o no representado con la frase y por qué. Pensar en
posibles causas y contextos que enmarcan las frases. Este
punto es el disparador para las siguientes actividades ya
que las frases corresponden a situaciones comunes que
generalmente no son contempladas para tomar resguardo
acerca de la identidad digital y los delitos conexos.

Actividad II

• Ver video acerca de los delitos conexos, elegir algunas


imágenes.
• Charla Informativa.

Actividad III

• Utilizando la consigna “trata de” formar frases que incentiven


al cuidado y resguardo de la integridad de las personas.
Por ejemplo: Trata de no caminar solo/a de noche. Trata de
conocer a quién tienes agregado en tus redes sociales.
Modalidad: en grupos de trabajo, cada estudiante podrá
armar distintas frases en un gran afiche con el fin de exhibir
tips de prevención a sus compañeros y a la comunidad

1067
educativa. Este afiche debe quedar en un lugar visible del
colegio para que toda la comunidad pueda acceder a él.

Tercera parte, cierre y evaluación de la experiencia del taller

Se proponen las siguientes actividades:

Actividad I

• Construcción de un afiche grupal a cargo de un tallerista.


(opcional)
• Puesta en común, evaluación informal de la experiencia.
Indagar en los conocimientos previos y si consideran en
alguna medida que el taller fue un aporte.

Actividad II

• Encuesta11
Relevar perfiles, percepciones sobre la trata de personas y
los delitos conexos, temáticas que quisieran profundizar y
la percepción sobre la actividad del taller.
Justificación: se propone la implementación de una
encuesta anónima y confidencial para mejorar los procesos,
las acciones desarrolladas y la pertinencia. Se trata de un
instrumento que permitirá tomar decisiones a lo largo del
proceso basado en apreciaciones valorativas sobre lo que
se vino haciendo y cómo se vino haciendo. A través de la
encuesta se busca responder las siguientes cuestiones:
• ¿Podemos asegurar que hemos alcanzado los objetivos
propuestos?
• ¿Estamos aportando efectivamente a la prevención de este
ilícito?

También permitirá evaluar el desempeño de los talleristas y


los temas abordados. El análisis de los resultados puede dar lugar
a la reformulación de la propuesta de los talleristas. Finalmente,

11. En acuerdo a la Ley Nacional de protección de datos personales N°25.326 y la ley de


secreto estadístico N°17.622, el procesamiento de los datos obtenidos en la eventual
encuesta es completamente anónimo.

1068
a través del análisis de resultados de la encuesta se conocerá el
nivel de satisfacción de los estudiantes respecto a las expectativas
frente al taller.

Consideraciones finales

El abordaje de una problemática tan compleja como la trata


de personas requiere del compromiso de muchos actores sociales;
ya que se necesita tanto de la formulación de políticas efectivas
de prevención, protección y asistencia a las víctimas, como del
enjuiciamiento de los responsables.

Un repaso por el marco conceptual de la trata de personas


permite determinar que quiénes padecen esta situación se les hace
presente una doble vulneración de los Derechos Humanos. Por
un lado, la trata se vincula a situaciones previas de vulnerabilidad
de la víctima en su más amplio concepto de vulnerabilidad,
transitando por desigualdad económica, discriminación, falta
de oportunidades, marginalidad social, exclusión, condiciones
de precariedad habitacional, educación, violencia intrafamiliar,
género, edad, entre otros. Todas estas características se condensan
y agudizan la condición de vulnerabilidad de los individuos,
exponiéndolos mayormente a este ilícito. Por otra parte, las
víctimas de este delito experimentan una profunda vulneración
a sus derechos, al ser desposeídas de los derechos que le son
propia por su condición de ser humano, cosificando la vida de una
persona y así fragilizando el derecho a la vida, a la libertad, a la
salud y a la seguridad tanto física como psicológica, y el derecho a
un trabajo digno.

Debe observarse que, muchas de las modalidades de


explotación transcurren en la calle o sitios públicos y abiertos,
suceden a plena luz del día, a la vista de todas las personas.

Esto nos lleva a reflexionar que bajo las condiciones de


vulnerabilidad que se encuentran y padecen las víctimas y las
diversas formas de explotación hace irrelevante pensar en el
consentimiento que pueda ser otorgado.

Así también, la estigmatización de quienes son víctimas


de estos procesos conlleva a que, en muchas ocasiones, tengan

1069
miedo de denunciar a las autoridades o declarar, ya sea por la
condena social o por las humillaciones que puedan recibir. Cuando
los prejuicios se encarnan en el tejido social, se necesita más que
una legislación acertada para removerla, por ello es necesario
la construcción de una sociedad más igualitaria, donde no
predomine la estigmatización de quienes sufren estos procesos.

Para que la trata y la explotación de personas se efectivice


se combinan una serie de eslabones, con diferentes grados de
responsabilidad para quienes participen de estos procesos. Surge
porque hay detrás una demanda que la genera, es decir, un cliente
que ocupa un rol importante en esta cadena de explotación. De
este argumento es que surge la campaña “Sin clientes, no hay
trata”. El “cliente” es quien sostiene el círculo de explotación,
los usuarios de la prostitución, los consumidores de productos
surgidos a partir de la trata de personas son responsables de que
este delito perdure en el tiempo.

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unicef.pdf

UNICEF (2017). “Guía de sensibilización sobre Convivencia Digital”.


Provincia de Buenos Aires. Argentina.

Universidad Nacional de Quilmes y Proyecto de extensión de


Eso se Trata (2017). “Informe Multiplicaciones en Escuelas 2017”.
Buenos Aires, Argentina.

Anexo frases (Actividad II parte B)

Tengo más de 1.000 amigos en Instagram


Me gusta subir fotografías de las actividades que realizo
diariamente
Acepto a todos los perfiles en Facebook
Me gusta conocer gente nueva constantemente a través de las
redes sociales
Me gusta publicar fotografías de las vacaciones con la familia
Me aburre avisar a casa de todos los lugares donde voy
Mis amigos siempre terminan borrachos después del boliche y
me toca volver solo/a a casa
Mis perfiles de redes sociales siempre los dejo públicos
Si me ofrecen una propuesta laboral con excelentes ingresos no
lo pienso dos veces
Mis amigos comparten fotografías íntimas con sus parejas
Cuando estoy con amigos apago el celular para no ser interrumpido
Le cuento a mis amigos/familiares los lugares que voy
frecuentemente
Le cuento a mis amigos/familiares si voy a conocer un local/lugar
nuevo
Le cuento a mis amigos/familiares si tengo voy a una cita a ciegas
No me gusta que mis familiares más cercanos tengan mis claves
de las redes sociales
Nunca comparto las claves de mis redes sociales
No me gusta tener familiares en mis redes sociales

1072
As concepções de educação em
Direitos Humanos na visão de professoras de
ensino fundamental brasileiro

Natália Nascimento Miranda1


Alia Maria Barrios González2
Giulia Ribeiro Salgado3

Resumo

O estudo teve como finalidade analisar as concepções
sobre a Educação em Direitos Humanos (EDH), de um grupo de
educadoras de ensino fundamental (EF) de uma escola pública
de Brasília - Distrito Federal. Estudos nacionais e internacionais
revelam inconsistências entre os discursos e as ações educativas
do cotidiano escolar, assim como a necessidade de mais
pesquisas que possam contribuir com a produção científica
na área. Neste estudo, seis (6) professoras participaram de
entrevistas semiestruturadas sobre aspectos legislativos,
pedagógicos, relacionais e formativos da EDH. A análise de
conteúdo da elaboração discursiva das entrevistadas mostra a
necessidade eminente de repensar a formação de professores
na perspectiva da EDH. A reflexão sobre as legislações e suas
implicações práticas para o trabalho pedagógico é fundamental
para uma real construção de uma cultura de direitos humanos
na escola. Consideramos que, posteriormente, o estudo poderá
contribuir para o desenvolvimento de propostas metodológicas
que, de fato, privilegiem a formação de valores sociais, morais e
éticos fundamentais para a consolidação dos Direitos Humanos
no cotidiano social e educativo, assim como para o avanço do
sistema educacional.

Palavras-chave (fonte: Tesauro da UNESCO): Educação em

1. 2nmiranda@gmail.com
2. aliabarrios@gmail.com
3. aliabarrios@gmail.com
Filiação: Universidade de Brasília - UnB

1073
Direitos Humanos, Educação Cidadã, Ensino Fundamental,
Formação Docente, Educação Continuada.

1 Introdução

A importância da Educação em Direitos Humanos (EDH)


no contexto social atual e na perspectiva da diversidade vem
ganhando espaço e confirmando sua necessidade como
instrumento de formação da pessoa e do desenvolvimento
humano. Desde a promulgação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH) em 1948, também reconhecida como
um marco à compreensão contemporânea de Direitos Humanos
(DH), diversos organismos internacionais e movimentos sociais
vêm trabalhando pela conquista e efetivação desses direitos a fim
de promover a igualdade e a dignidade humanas.

Os DH são considerados um dos eixos fundamentais da


educação e possuem uma relação intrínseca com a mesma,
visto que, seu intuito é o de contribuir para o desenvolvimento
da pessoa no sentido de sua condição de cidadã. No contexto
brasileiro, as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos (DNEDH) definem esta prática como um processo
sistemático e multidimensional, orientador da formação integral
dos sujeitos de direitos, e articulado às dimensões de: apreensão
de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos
humanos; afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que
expressem a cultura dos direitos humanos nos espaços sociais;
formação de uma consciência cidadã; e desenvolvimento de
metodologias participativas e coletivas (Brasil, 2013). Apesar dessa
formulação, diversas pesquisas na área da Educação mostram
que a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que
expressem a Cultura dos Direitos Humanos nos espaços escolares
ainda acontece na perspectiva da transmissão unidirecional do
conhecimento, promovendo uma visão passiva por parte dos
atores escolares frente aos valores morais e éticos fundamentais
para consolidar dita cultura. Essa realidade acaba por expressar
um desafio para que se cumpra o que está previsto no texto das
Diretrizes quando se afirma que a efetivação da EDH é papel dos
sistemas e das instituições de ensino.

Mesmo com as dificuldades enfrentadas na consolidação

1074
de uma Cultura de Direitos Humanos, o ambiente educacional é
um lugar propício para promover avanços na efetivação desses
direitos, pois as relações e interações sociais que acontecem em
seus tempos e espaços criam condições e situações para que a
teoria seja posta em prática e as experiências vivenciadas possam
gerar transformações. “O ambiente escolar é o lugar onde se
movimentam diversidades culturais e diferentes valores sendo,
portanto, necessário que a escola fortaleça, cada vez mais, a
educação multicultural, no sentido de promover o respeito às
diferenças e à dignidade humana” (Matos, 2017, p. 6). O quadro
atual para a EDH, com base em outros estudos, evidencia que o
amparo legal e normativo relativo ao tema contempla inúmeros
documentos e programas, mas urge aplicação. Os espaços
educativos voltados para a formação integral dos sujeitos de
direitos, para além dos conhecimentos teóricos e uso da retórica,
necessitam demonstrar o discurso na ação.

Em vista das considerações iniciais, a pesquisa aqui


apresentada teve como finalidade analisar as concepções
de um grupo de educadoras de ensino fundamental de uma
escola pública de Brasília - Distrito Federal (DF) em relação
à EDH. Por meio de entrevistas semiestruturadas, foram
levantados conhecimentos das participantes sobre aspectos
legislativos, pedagógicos, relacionais e formativos da EDH para,
posteriormente, avaliar os padrões de consistência e inconsistência
entre as elaborações discursivas das educadoras e as Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Uma vez que
a EDH é uma preocupação central desta pesquisa, buscou-se
observar se as respostas fornecidas nas entrevistas mostram
conhecimentos sobre o tema e, portanto, a possibilidade de uma
real implementação de ações educativas na perspectiva da EDH.
De acordo com Benevides (1996), o processo educacional, em
si, contribui tanto para conservar quanto para mudar valores,
crenças, mentalidades, costumes e práticas. No mesmo sentido,
Dornelles (2006, como citado em Jesus, 2007, p. 277) afirma que a
questão da educação é bastante complexa e requer a explicitação
de um posicionamento claro por parte do educador, por poder
desempenhar o papel de agente social transformador. Essas
citações demonstram uma das razões da escolha e a importância
das entrevistas serem realizadas com professores, pois se entende
que estes têm a responsabilidade de serem formadores de

1075
opiniões e de condutas morais e éticas, gerando uma expectativa
com relação à postura atuante que devem assumir enquanto
estão no lugar e consequentemente no dever de educar.

No âmbito internacional, estudos como o de Muñoz (2014)


ressaltam dificuldades dos contextos escolares para implementar
ações voltadas para a formação de valores de convivência
(respeito pela diversidade, participação ativa na comunidade,
colaboração, autonomia e solidariedade), de forma que as políticas
educativas não se concretizam. No âmbito nacional, estudos
como os de Carvalho, Sesti, Andrade, Santos e Tibério (2004)
e Matos (2017) revelam que a questão das concepções sobre
EDH, em entrevistas com educadores de instituições escolares
distintas, apresentam resultados semelhantes de que há uma
fragilidade entre os discursos proclamados e as condutas e ações
educativas no cotidiano escolar. Convém, portanto, investigar o
quadro situacional do DF quanto a essa temática para contribuir
com a produção científica na área de EDH e, futuramente, dar
continuidade a projetos e desdobramentos práticos voltados para
a formação inicial e continuada dos profissionais de educação.

2 Contextualização e implementação das Diretrizes para a


Educação em Direitos Humanos no Brasil

No Brasil, houve um fortalecimento das discussões sobre


a EDH no final da década de 1980, através dos processos de
redemocratização do país e de várias experiências pioneiras
que se centraram na luta pelos DH (Brasil, 2013). De acordo com
Candau (2012), as primeiras atividades na direção da EDH foram
desenvolvidas por instituições não governamentais, com a adesão
paulatina de diferentes órgãos públicos (estaduais e municipais).
Foi a partir dos anos de 1990, que o governo federal assumiu um
papel protagônico com a formulação e ampliação de diversas
políticas públicas. Para Candau (2012), um marco importante,
no âmbito da educação, foi a inclusão do tema transversal
‘pluralidade cultural’ nos Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Básico de 1995.

Com base na Década das Nações Unidas para a Educação


em Matéria de Direitos Humanos – 1995/2004, e em diversos
documentos internacionais que abordam a EDH, dentre eles

1076
o Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos
aprovado pela ONU em 2004, o Estado brasileiro oficializou a EDH
como política pública em julho de 2003. Dita oficialização teve
como ponto de partida a constituição do Comitê Nacional de
Educação em Direitos Humanos (CNEDH) com a primeira missão
de elaborar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH), que teve sua primeira edição em 2003 e a segunda em
2006 (Brasil, 2013; Candau, 2012). O PNEDH de 2006 apresenta
em seus objetivos gerais os seguintes pontos: a) destacar o papel
estratégico da EDH para o fortalecimento do Estado Democrático
de Direito; b) encorajar o desenvolvimento de ações de EDH pelo
poder público e a sociedade civil por meio de ações conjuntas;
c) orientar políticas educacionais direcionadas para a constituição
de uma Cultura de Direitos Humanos; d) estimular a reflexão, o
estudo e a pesquisa voltados para a EDH; e e) incentivar formas de
acesso às ações de EDH a pessoas com deficiência (Brasil, 2006).

Em 2012, foram aprovadas, homologadas e publicadas no


Diário Oficial da União as Diretrizes Nacionais para a Educação
em Direitos Humanos (DNEDH) (Resolução CNE/CP1/2012),
que fundamentam a EDH nos seguintes princípios: I) dignidade
humana; II) igualdade de direitos; III) reconhecimento e
valorização das diferenças e diversidades; IV) laicidade do Estado;
V) democracia na educação; VI) transversalidade, vivência e
globalidade; e VII) sustentabilidade socioambiental (Brasil, 2012).

Em relação ao currículo, as DNEDH ressaltam o trabalho


com os DH pela transversalidade (temas relativos aos DH tratados
interdisciplinarmente), pela disciplinaridade (os DH como
conteúdo específico de disciplina), e de forma mista. Considerando
a transversalidade, as Diretrizes sinalizam que a EDH deve estar
presente nos diversos documentos escolares (Projeto Político
Pedagógico – PPP e Regimento Escolar), assim como permear as
metodologias de ensino e os processos avaliativos (Brasil, 2012).
As Diretrizes também sinalizam a necessidade de formação inicial
e continuada sobre o tema para os profissionais das diferentes
áreas do conhecimento e, em específico, para os profissionais
da educação. De acordo com a Resolução CNE/CP1/2012, a EDH
deverá constar como componente curricular obrigatório dos
cursos destinados aos profissionais citados (Brasil, 2012).

1077
Com base nas Diretrizes, o planejamento e desenvolvimento
de ações de EDH nos contextos escolares deve considerar as
necessidades, características biopsicossociais e culturais dos
diferentes sujeitos e seus contextos, através de ações que: a)
valorizem a diversidade; b) contribuam para a formação de
valores sociais, morais e éticos fundamentais para a construção e
consolidação de uma Cultura de Direitos Humanos; c) permitam
a participação ativa de toda a comunidade escolar nos diferentes
processos escolares e, especialmente, a participação dos
educandos; d) procurem a afirmação de valores que contribuam
para a transformação da sociedade a partir de um posicionamento
ativo e problematizador das situações-problema que surgem na
realidade (Brasil, 2013). Partindo dessas especificações, destaca-se
a necessidade de possibilitar o posicionamento ativo, por parte
dos alunos, tanto no processo de construção do conhecimento
quanto na construção das normas de disciplina e de organização
da escola, no sentido de garantir o protagonismo por parte dos
mesmos.

3 Método

Conforme explicitado anteriormente, o objetivo do estudo


foi analisar as concepções de um grupo de educadoras de
ensino fundamental de uma escola pública de Brasília - DF sobre
aspectos legislativos, pedagógicos, relacionais e formativos da
EDH. Uma vez que as concepções abrangem um conjunto de
saberes compartilhados socioculturalmente e ressignificados
de maneira singular pelo sujeito a partir de suas vivências nos
diversos contextos em que participa, optou-se por realizar uma
pesquisa de caráter qualitativo. Conforme colocado por diversos
autores (ex. Pinto & Branco, 2009; Ramos & Salomão, 2013) essas
concepções orientam e organizam as práticas pedagógicas dos
professores no cotidiano escolar, sendo importante seu estudo.

Para Godoy (1995, p. 63), “a pesquisa qualitativa tem o


ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador
como instrumento fundamental”, sendo que é uma preocupação
central do investigador a compreensão do fenômeno em estudo
a partir da perspectiva dos participantes. Sendo uma abordagem
descritiva, na qual a palavra escrita tem um lugar de destaque,
privilegia os dados coletados através de instrumentos como a

1078
entrevista semiestruturada, que possibilita “o acesso direto ou
indireto às opiniões, às crenças, aos valores e aos significados
que as pessoas atribuem a si, aos outros e ao mundo circundante”
(Fraser & Gondim, 2004, p. 140).

Em um primeiro momento do estudo, o projeto de pesquisa


foi apresentado à direção da escola que se interessou pelo tema.
Após obter a autorização da escola e da regional de ensino, o
projeto foi apresentado aos educadores, que foram convidados
para a realização das entrevistas. Participaram seis (6) educadoras
com interesse pelo tema e disponibilidade de tempo. Todas as
entrevistas foram realizadas no contexto escolar, de acordo com a
disponibilidade das participantes e após a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, no qual foi explicitado
que as entrevistas seriam gravadas em áudio. Somente uma
das participantes solicitou o registro escrito de suas respostas.
Consideramos que esse procedimento de registro não prejudicou
a coleta de dados, uma vez que foi possível realizar o registro de
todas as respostas da entrevistada.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas a partir


de um roteiro de entrevista, construído especificamente para o
estudo, com 11 questões sobre: aspectos legislativos (diretrizes/
resoluções), pedagógicos, relacionais e formativos da EDH. As
informações obtidas através das entrevistas foram submetidas
a uma análise de conteúdo, a partir de categorias de análise
construídas de acordo com: a) os objetivos do estudo; b) as
perguntas do roteiro de entrevista; c) os aspectos comuns das
falas das participantes; e d) aspectos abordados nas DNEDH.

De acordo com Campos (2004), a análise de conteúdo


constitui-se em um conjunto de técnicas usadas na análise de
dados qualitativos, especialmente dados de comunicações,
que permite produzir inferências embasadas em pressupostos
teóricos de diversas concepções de mundo e nas situações
concretas de sua produção e recepção. Na análise de conteúdo,
analisa-se tanto o conteúdo manifesto (mensagem explícita),
quanto o conteúdo latente, sendo que seus resultados devem ter
como apoio o conteúdo manifesto e devem refletir os objetivos
da pesquisa.

1079
Considerando a complexidade do material a ser analisado,
é indicado dividir a análise em fases que garantam a qualidade do
processo analítico. Com base nessa ideia, a realização da análise
de conteúdo contou com os seguintes passos: transcrição das
entrevistas, leitura e análise prévia das transcrições, construção
das categorias de análise, e análise das categorias com base
nas DNEDH. As categorias construídas foram: concepções sobre
os DH, concepções sobre a EDH, ações para a EDH no contexto
escolar, e necessidades de formação docente para a EDH.

4 Discussão dos resultados

Inicialmente, apresentamos uma breve descrição e análise


dos dados das participantes (Tabela 1), destacando aspectos como
sua experiência no Ensino Fundamental (EF), tempo de atuação
na escola, graduação e formação em EDH. As entrevistadas foram
identificadas com a letra P (professora) e um número de acordo
com a sequência de realização das entrevistas.

Tabela 1
Dados das participantes

TEMPO DE TEMPO
FORMAÇÃO
IDENTIFICAÇÃO IDADE ATUAÇÃO NA GRADUAÇÃO
NO EF ESCOLA EM EDH
ATUAL

P1 25 3 anos 1 mês Pedagogia Não

P2 50 27 anos 6 anos Pedagogia Não

P3 29 3 anos 1 mês Pedagogia, Não


Letras Francês,
Letras
Português

P4 28 1 mês 1 mês Pedagogia Não

P5 50 23 anos 4 anos Pedagogia Não

P6 52 30 anos 6 anos Matemática Não

Com referência aos dados obtidos, nota-se que, os


fatores idade, tempo de atuação no EF e tempo na escola atual,

1080
quando analisados em conjunto, podem subdividir o grupo de
entrevistadas em dois, pois metade das professoras têm menos
de trinta anos de idade, no máximo 3 anos de experiência no EF
e no mínimo um mês de atuação na escola atual, enquanto que,
a outra metade tem mais de cinquenta anos, no mínimo 23 anos
de carreira e atuam na escola há pelo menos 4 anos. O ponto de
interesse nesse aspecto foi verificar de que maneira o tempo de
profissão pode influenciar nas concepções que se tem a respeito
da EDH.

No que tange à formação acadêmica, duas entrevistadas


destacaram- se das demais; uma por não ser graduada em
Pedagogia, e a outra por possuir mais de um diploma de curso
superior (Pedagogia, Letras Francês e Letras Português). A
observação desses aspectos conduziu a investigação no sentido
de pensar de que maneira a formação em outras áreas de
conhecimento, distintas da Pedagogia, pode contribuir para a
compreensão dos DH. Nesse sentido, buscou-se analisar se as
respostas dessas professoras se diferenciaram substancialmente
das outras ou se prevaleceu uma visão comum sobre o assunto.

Cabe evidenciar que, apesar das diferenças de idade e


tempo de formação e atuação, nenhuma das participantes possui
formação em EDH, o que de início pode indicar para uma noção
superficial e generalizada sobre o tema.

Nos próximos tópicos, continuamos a discussão dos


resultados de acordo com as categorias de análise construídas.

4.1 Concepções sobre os Direitos Humanos

O Caderno de EDH: Diretrizes Nacionais (2013) reconhece


os DH como um assunto amplo, pois são resultado de um longo
processo histórico e social e considera que suas interpretações
sofrem influências culturais. A construção desse conceito é
formulado com base no eixo fundamental da dignidade da
pessoa humana, assim como previsto no Artigo I da DUDH; “Todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade” (Organização das Nações
Unidas, 1948).

1081
Os DH são, portanto, aqueles que o indivíduo possui
simplesmente por ser uma pessoa humana, por sua importância
de existir e, nessa lógica, também são vistos como direitos
fundamentais, já que preconizam a garantia pelo direito à vida,
à liberdade, à alimentação, à educação, à segurança, ao livre
pensamento, ao meio ambiente sadio, entre outros, estando em
consonância com a Constituição Federal da República Federativa
do Brasil de 1988 (CF/88).

De modo geral, na análise das entrevistas, as concepções


sobre DH evidenciaram noções vagas e de senso comum,
restringindo-se a apenas alguns aspectos sobre o tema. Para
exemplificar o exposto, a noção mais recorrente foi a de DH visto
como liberdade individual, identificada nas respostas de quatro
educadoras (P2, P4, P5 e P6), como “(...) a gente tem direito de ir
e vir, fazer o que quiser sem prejudicar o outro.”, “que os DH, ele
ultrapassa o seu espaço e vai até o outro, o outro ser humano.”, “(...)
é o que a pessoa pode realizar não esquecendo que outras pessoas
também têm direitos (...)”, “É você saber aonde é que começa o seu
direito, aonde é que termina, onde é que começa o direito do outro.”.
Assim sendo, deixam de considerar que os DH são muito mais do
que uma simples visão de limites individuais ou uma condição
em que só é permitido a uma pessoa fazer algo desde que não
comprometa a integridade de outrem. A liberdade individual está
prevista no rol dos DH, porém, não deve ser confundida com o
termo em si.

Já a visão de DH relacionados aos direitos fundamentais


previstos na CF/88 apareceu nas falas de duas entrevistadas
(P2 e P5). Tal relação, entretanto, foi estabelecida sem muitas
especificações ou explicações, sendo apenas citados exemplos
referentes à questão da liberdade de locomoção e da igualdade
(“Eu acho como diz a própria Constituição, a gente tem direito
de ir e vir (...)” e “(...) e que, mesmo dentro das suas diferenças, as
pessoas possam ser tratadas de forma igual. É um dos princípios da
Constituição está bem no começo.”). Isso indica que as entrevistadas
compreendem e reconhecem a importância da CF/88 no campo
dos DH, muito embora não tenham detalhado o que seria essa
compreensão, ou não soubessem explicar com precisão como
essa relação se estabelece.

1082
Ressalte-se que, entre as respostas, apenas uma entrevistada
(P3) elencou os DH enquanto processo histórico e social: “E os DH
são o momento da gente, primeiro, conseguir refletir sobre isso, sobre
essas diferenças, sobre como a sociedade institui historicamente
diferenças entre os indivíduos e como elas são tratadas como normais,
como elementos normatizados, como se a coisa é assim porque ela
sempre foi assim, é natural, uma coisa da natureza humana. Quando
na verdade não, ela é um processo histórico social e que esses direitos
humanos têm que ser trabalhados, vistos e pensados para que a
gente diminua o máximo, até o ponto que a gente consiga realmente
ter uma sociedade igualitária(...)”.

4.2 Concepções sobre Educação em Direitos Humanos

A respeito do que as professoras entendem por EDH,


metade afirmou não conhecer as DNEDH e a outra metade
limitou-se a dizer que conhece pouco, sem mais explicações.
Quando questionadas, entretanto, sobre como apresentariam a
EDH para um professor recém-formado, apenas uma foi direta em
responder que não conseguiria, pois não conhece o assunto, já as
outras buscaram explicar de alguma forma como fariam.

Observou-se, na fala das entrevistadas, duas categorias


de respostas predominantes; as evasivas e as que destacaram a
EDH como sendo uma educação que visa diminuir as diferenças.
Esta concepção apareceu nas respostas de três professoras (P3,
P4 e P6), porém, mais uma vez, o que se constatou é que os DH
são vistos por apenas um de seus aspectos, enquanto que, em
se tratando de educação, deve-se levar em conta que esta é um
processo sistemático e multidimensional, e, assim como apontado
no Caderno das Diretrizes (Brasil, 2013, p.11), “a EDH trabalha com
a orientação de crianças, jovens e adultos para que assumam suas
responsabilidades enquanto cidadãos, promovendo o respeito
entre as pessoas e suas diferenças; fazendo com que reconheçam
seus direitos e defendam os direitos dos outros”.

Além disso, segundo as professoras, as práticas pedagógicas


cotidianas promovidas na/pela escola estariam alinhadas com
as DNEDH na medida em que são desenvolvidos projetos
temáticos como o “Projeto Cidadão no Mundo” e a “Semana de
Conscientização sobre o Uso da Água”. Tais projetos priorizariam

1083
o trabalho com os pilares dos valores humanos, como ética,
solidariedade, amizade, justiça, responsabilidade. Ressalta-se,
contudo, que as práticas educativas não se limitam a projetos, estas
se referem a todo o processo intencional de ensino aprendizagem,
implicando, inclusive, a necessidade de haver sintonia entre o
discurso e a ação. Portanto, o que se percebe é que, nesse aspecto,
o trabalho com os DH é considerado apenas na perspectiva do
desenvolvimento de atividades focais e pontuais.

Outra atividade destacada por duas professoras (P2 e P6)


foi a do “Recreio com Paz”, em que os estudantes foram divididos
em dois blocos de acordo com o ano escolar (bloco 1 – estudantes
mais novos: 1º, 2º e 3º anos, e bloco 2 – estudantes mais velhos
– 4º e 5º anos), sendo que o primeiro intervalo é destinado para
o bloco 1 e o segundo para o bloco 2. Durante esse momento,
são oferecidas várias atividades lúdicas e brincadeiras para que as
crianças possam estar envolvidas e terem opções de divertimento
e lazer. A divisão do recreio foi proposta dessa forma em função
das brigas recorrentes que aconteciam entre alunos, conforme
relatou uma das entrevistadas. Se analisado à luz da EDH, o
problema em si não foi resolvido, pois foi negado aos alunos o
direito a aprenderem a conviver na diversidade e a exercitarem
o respeito pelo próximo. Nesse sentido, é possível inferir que a
escola se eximiu do papel de formação, optando por um caminho
mais simples de controle, evitando o problema por meio de uma
pretensa solução e levando- se a pensar que, se um dia o projeto
do “Recreio com Paz” for extinto e os alunos passarem a conviver
novamente no mesmo espaço as brigas voltarão a acontecer.

No registro das entrevistas, não foram explicitados


aspectos essenciais sobre a EDH como um processo sistemático
e multidimensional (histórico, social, cultural, político, cognitivo,
entre outros), orientador da formação integral dos sujeitos de
direitos, como sendo questões primordiais no fazer pedagógico
das professoras.

4.3 Ações para a Educação em Direitos Humanos no contexto


escolar

A rotina escolar, descrita pelas professoras, segue basicamente


a seguinte organização: 1) entrada, que é o momento da acolhida

1084
dos alunos pela direção pedagógica, 2) fila e encaminhamento
das turmas para a sala de aula, 3) atividades pedagógicas diárias,
geralmente as professoras trabalham com duas disciplinas por dia,
4) momento do lanche em sala de aula e, após, recreio no pátio,
5) retorno para a sala e 6) fim do turno - saída, na qual os alunos
vão em fila para o pátio e os pais/responsáveis vêm buscá-los.
Além das atividades rotineiras, durante o ano, a escola desenvolve
projetos temáticos, como o “Cidadão do Mundo”, a “Semana de
Conscientização do Uso da Água”, o “Recreio com Paz”, citados
anteriormente.

Procurou-se identificar possíveis ações para a EDH na


escola, de acordo com o discurso dos envolvidos no processo
pedagógico. O objetivo central da EDH, previsto nas Diretrizes, é
promover a formação para a vida e para a convivência, no exercício
cotidiano dos DH como forma de vida e de organização social,
política, econômica e cultural. As atividades mencionadas pelas
entrevistadas, como o acolhimento e a própria rotina de sala de
aula desenvolvem, de alguma forma, essa formação para a vida,
pois trazem conversas, orientações, falam sobre a compreensão
do respeito ao indivíduo, ensinam noções de regras, disciplina
e organização, mas não contemplam, ou pelo menos não ficou
evidenciado, o que a escola considera como formação para o
exercício da cidadania segundo os aspectos sociais, político,
econômico e cultural. Convém saber, portanto, como a teoria
acontece na prática e como se dá a produção de conhecimentos
pelas experiências na escola, pois, de certo, esses momentos e
suas respectivas atividades são propícios para o desenvolvimento
de práticas e construção de valores de DH.

Ainda nesse contexto, é importante analisar como as


professoras conduzem o processo de formação de seus alunos na
rotina de sala de aula e perceber de que maneira elas consideram
que as atividades possam ser importantes para a EDH. Deve
haver uma preocupação para que os DH sejam estudados nos
conteúdos das disciplinas, mas também cuidar para que estejam
presentes na educação de valores, como a formação do caráter
e da personalidade. Das professoras que trataram desse aspecto
(P1, P4 e P5), todas ressaltaram que a abordagem conteudista
prevalece em suas práticas e que o uso dos livros didáticos e
literários é a estratégia de ensino recorrente para trabalhar

1085
com essa temática. Vale salientar, inclusive, que as disciplinas
Português e História foram as únicas mencionadas, como se fosse
exclusividade destas tratar esse assunto na escola.

Considerando as ações educativas com enfoque nos DH


é válido perceber de que maneira a questão da resolução de
problemas é tratada na escola. Segundo Carbonari (2007), a
formação de sujeitos de direitos dá-se na interação. Os conflitos e
os dissensos inerentes à convivência humana também são parte
da realidade da escola, e, portanto, também é responsabilidade
desta sensibilizar os indivíduos a participarem de um processo
ativo na resolução de problemas, formar sujeitos cooperativos
na realização dos DH e orientar a iniciativa, o sentido de
responsabilidade e o empenho em construir um presente e
um amanhã melhores. O diálogo, como mediador de conflitos,
apareceu na fala de uma entrevistada (P5) e esta afirmou que
valoriza a sua utilização, sempre que acontece alguma coisa pede
para os alunos explicarem o que aconteceu, pensarem sobre
seus atos, refletirem sobre se o que fizeram foi certo ou errado
e como podem fazer para resolver o problema. A resolução de
conflitos dentro de um clima de diálogo e exercício de escuta é
uma das propostas da EDH, pois propicia a construção de valores,
significados e estabelecimento da cultura dos DH na escola.

Uma das entrevistadas, em contrapartida, exemplificou o


projeto “Recreio com Paz” como uma ação importante da escola
para a EDH. Sob essa ótica, o que a professora não considerou
é que a solução para o problema das brigas foi simplesmente
“resolvido” pela separação dos alunos da convivência no mesmo
espaço e o fizeram “porque geralmente os maiores dominam
a área” (P2). Com base na solução exposta, subentende-se que,
para resolver a situação, optou-se por uma via mais cômoda,
aparentemente mais fácil e cujos “resultados” puderam ser
notados mais rapidamente, pois supostamente o problema das
brigas foi resolvido. Fica, entretanto, o questionamento: o que
está sendo feito efetivamente para ensinar os alunos a conviverem
em paz, dialogarem e se respeitarem, e, assim trabalhar pela
conscientização e transformação da realidade escolar?

1086
4.4 Necessidades de formação docente para a Educação em
Direitos Humanos

Acredita-se que “a gestão e os demais profissionais da


educação devem ser o ponto de partida para a implantação e
a disseminação das práticas educativas voltadas para a EDH”
(Brasil, 2013, p. 46). Como, porém, tornar isso uma realidade se os
profissionais atuantes na escola não tiveram acesso a uma formação
específica e, portanto, não foram preparados adequadamente
para lidar com questões que envolvam a abordagem de práticas e
de valores voltados para os DH?

Os dados informados nas entrevistas demonstram que,


direta ou indiretamente, as professoras não conhecem as DNEDH,
o que, por sua vez, aponta para a necessidade de formação e
atualização de conhecimentos na área de EDH. Nesse sentido,
quando comentam a respeito de como seria possível apoiar
a formação dos educadores em relação à EDH, as falas das
professoras estão em consonância com os artigos 8º e 9º das
DNEDH, pois reconhecem e afirmam a necessidade de inserção
de conhecimentos referentes à EDH nos programas de formação
inicial e continuada dos profissionais de todas as áreas de
conhecimento e especialmente dos profissionais de educação.
Dentre as educadoras, quatro (P1, P3, P5 e P6) destacaram o papel
da Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação
(EAPE) da Secretaria de Educação do Distrito Federal como
canal promotor de cursos específicos sobre a temática dos DH,
principalmente no que tange às questões legislativas, pois falta
informação e divulgação sobre as mesmas no âmbito do trabalho
docente.

Um aspecto que chamou a atenção na fala de duas


entrevistadas (P2 e P3) refere-se à maneira como tratam a
exigência de formação na área da EDH, levando-se a refletir sobre
as implicações advindas de sua obrigatoriedade. P2 expôs que
“então, nós, como professores, a partir do momento que a gente tiver
obrigatoriedade de estudo, estar por dentro disso tudo, eu acho que
a escola vai agir mais, vai funcionar mais pra isso”, enquanto que,
P3 considerou que “(...) é claro que existem os cursos da EAPE, mas
os cursos da EAPE também passam pela vontade do profissional de
participar daquele curso, então, se o profissional não acha que é

1087
um problema de gênero, ele não vai buscar um curso que vai tratar
sobre as questões de gênero (...)”. Ou seja, são pontos de vista que
interferem na liberdade de escolha do profissional orientar os
próprios rumos de sua carreira e que ao mesmo tempo levam-
nos a pensar sobre em que medida essa liberdade de escolha
favorece ou limita sua formação humana e profissional. Refletir
sobre a questão da obrigatoriedade de estudo e formação inicial
e continuada é também olhar para as questões de autonomia,
auto responsabilidade e participação ativa na educação, que são
pilares centrais da EDH.

O compromisso com a educação também diz respeito a


maneira como o profissional presta apoio ao trabalho da escola
para a construção de uma Cultura de DH. Expressões como “a partir
das próprias vivências dentro do trabalho da escola; a necessidade e a
importância do diálogo entre a comunidade escolar; o envolvimento
mais engajado com o que já vem sendo desenvolvido; através do
acompanhamento do trabalho feito no dia-a-dia” compuseram
o rol de propostas das entrevistadas para explicitar como seria
possível apoiar o trabalho da escola na consecução do objetivo
supracitado. Em teoria, há um reconhecimento da importância
das intervenções práticas e do comprometimento engajado
que as professoras devem ter no seu trabalho docente para que
a Cultura de DH venha a se efetivar no contexto escolar. Seriam
necessários, entretanto, mais acompanhamentos para observar
se os discursos se confirmam em termos práticos.

De todo modo, não se pode negar a existência de uma


lacuna entre a formação e a atuação docente no que se refere à
preparação para lidar com a EDH. Os professores não têm culpa
de terem-lhes sido negado o direito ao acesso a uma educação
que os formassem como cidadãos e ao mesmo tempo os
preparassem para formar novos. Apesar disso, enquanto forem
comprometidos com a construção de um mundo melhor, ainda
têm a responsabilidade de educar, conscientizar e formar seus
alunos para a convivência pacífica, inspirados no respeito ao
próximo e na aceitação das diferenças.

1088
5 Considerações Finais

As análises dos resultados da pesquisa revelam que


a ausência de formação inicial e continuada em EDH reflete
diretamente nas concepções de senso comum expressas pelas
entrevistadas, assim como, na falta de conhecimentos sobre os
aspectos legislativos referentes ao tema. Essa constatação contribui
para afirmar a necessidade de mais incentivos, investimentos e
melhorias na oferta de cursos de graduação e formação específica
dos profissionais de educação, para desenvolver nestes uma
consciência crítica e cidadã diante da realidade social em que
estão inseridos e capacitá-los a promover e vivenciar a Cultura dos
DH em seu trabalho docente e em sua própria vida.

Inicialmente, havia uma expectativa com relação ao grupo


de professoras formadas mais recentemente, principalmente
as que realizaram sua graduação nos anos posteriores aos da
aprovação das legislações sobre DH no Brasil, de que estas
tivessem recebido algum tipo de formação em EDH ao longo de
sua trajetória acadêmica, o que não se verificou de fato. Nesse
sentido, é possível inferir que o cenário de formação docente
atual, apesar das atualizações normativo-legais brasileiras, no
campo dos DH, não tem acompanhado tais mudanças e ainda não
passou pelas reformulações curriculares necessárias para efetivar
a Cultura de DH em seu meio. Além disso, não foram observadas
discrepâncias consideráveis entre as entrevistadas com formação
em outras áreas de conhecimento ou com mais de uma graduação
em relação às concepções sobre EDH apresentadas pelas formadas
em Pedagogia. De outro modo, há um pensamento, de certa
forma, comum compartilhado pelas professoras. Este, por sua
vez, expressou noções gerais e superficiais sobre os DH e a EDH
demonstrando uma fragilidade com relação ao entendimento
global e a respectiva efetivação do tema nas práticas escolares.

Cabe destacar que, de acordo com o que está previsto


nas DNEDH, o enfoque da EDH deve ser interdisciplinar, não
podendo restringir-se à mera memorização e repetição de
conteúdos curriculares pré-estabelecidos, mas deve promover
uma cultura de consolidação dos direitos humanos de maneira
que todas as disciplinas assumam o compromisso de efetivar
os valores humanos visando maior participação e emancipação

1089
dos alunos no contexto social em que vivem. Neste processo
educativo, o papel do professor é essencial, observando-se a
superação da reprodução de conteúdos para a construção de
uma relação dialógica entre professor e aluno, abrindo-se espaço
para a problematização dos conteúdos e a reflexão crítica na
compreensão da relação destes com a realidade (Carvalho, 2016).

Os dados analisados confirmam, portanto, que os


conhecimentos e as concepções sobre EDH no contexto da
escola em estudo ainda direcionam os processos pedagógicos,
predominantemente, na perspectiva da transmissão unidirecional
do conhecimento, e refletem uma visão passiva por parte dos
educadores frente aos valores morais e éticos fundamentais para
consolidar a Cultura dos DH. Em termos de ação educativa, ainda
são necessários alguns avanços para que haja a possibilidade de uma
real construção e efetivação de valores, atitudes, comportamentos
e práticas na perspectiva da EDH. Para tanto, é fundamental que
o espaço e a comunidade escolar estejam abertos e dispostos a
se engajarem no processo de transformação da realidade que
vivenciam, por meio da utilização de metodologias participativas
e de construção coletiva orientadas para as mudanças de
mentalidade, atitudes e práticas, individuais e coletivas. Nesse
intuito, o docente, ao refletir sobre os problemas sociais e as
alternativas de formular novas estratégias que possibilitam ao
educando maior autonomia, participação e criticidade, pode
colaborar na formação de sujeitos mais participativos e conscientes
da realidade social em que vivem.

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1092
Democracia, Diversidad y Derechos Humanos.
Los desafíos en la formación de docentes

Mitzi Benítez Vega1

Resumen

En el contexto de la formación inicial de los estudiantes
de pedagogía de la Facultad de Educación de la Universidad de
Antofagasta, se ubica la asignatura de “Democracia, Diversidad
y Derechos Humanos”. Tiene como propósito desarrollar
competencias de reflexión crítica ante los desafíos que impone el
desarrollo sustentable del entorno educativo donde desarrollarán
su vida profesional. Con un sustento teórico dado por las leyes
nacionales existentes en el marco de una política de formación
ciudadana y por los aportes de documentos internacionales sobre
la temática. La ponencia tiene como propósito, tanto compartir la
experiencia docente, las opiniones de los alumnos que cursan y han
cursado la asignatura, como compartir preguntas que subyacen
a la cuestión central de qué es y cómo vivimos la “democracia”,
en una sociedad como la chilena donde encontramos prejuicios,
discriminación, intolerancia y apatía hacia el otro.

Por otra parte, considerar el contexto estudiantil universitario,


que ha puesto el feminismo en el escenario educativo. Obligando
a las generaciones de los académicos educados en un paradigma
patriarcal a revalorar las relaciones entre las personas, generando
opiniones encontradas. Entonces, aparecen preguntas como: ¿están
preparados los educadores de educadores para abordar temas de
democracia, diversidad y derechos humanos sin prejuicios?; ¿se
debe considerar un perfil de profesor y profesora que aborde los
temas de democracia, ciudadanía y derechos humanos?; ¿cuánto
hemos avanzado en las temáticas de democracia, diversidad y
derechos humanos? Participar en un coloquio con estos temas es

1. mitzi.benitez@uantof.cl. Universidad de Antofagasta

1093
lo que motiva esta ponencia.

Palabras clave: Formación de docentes, democracia, diversidad,


derechos humanos.

Introducción

Como se indicara en el resumen, este escrito tiene como


propósito compartir la experiencia docente en la dictación de
la signatura, “Democracia, diversidad y derechos humanos”, que
deben cursar todos los estudiantes de las carreras de Pedagogía
de la Facultad de Educación de la Universidad de Antofagasta.

Durante el presente año 2019, hubo que hacer una revisión,


de las distintas temáticas que compone el curso, en el marco de los
rediseños de las mallas curriculares de las carreras de Pedagogía,
como también teniendo presente los movimientos sociales, que
han instalado los propios estudiantes como por ejemplo el tema
del feminismo, todo ello teniendo como marco referencial las
políticas e incitativas del ministerio de educación.

Al inicio del curso se establece una guía de aprendizaje que


va señalando el itinerario de las clases y las temáticas. Por diversas
razones esta guía ha tenido cambios, durante el proceso de la
realización de la asignatura. La continuidad se vio interrumpida
por los movimientos impulsados por los alumnos, los que
paralizaron las actividades por un período de casi dos meses.

No obstante lo anterior se pudo recuperar y terminar la


asignatura con el cumplimiento de los resultados de aprendizajes
RA, esperados, que para estos efectos son dos: Explicar los
principales componentes teóricos relacionados con la democracia,
la diversidad y los derechos humanos; Diseñar estrategias que
permiten visualizar el respeto hacia las personas y el valor a la
diversidad.

Al término del semestre se aplicó una encuesta a los


estudiantes, donde se obtuvo información relevante sobre la
percepción y expectativas de ellos en relación a la signatura.
Información que será de considerada para mejorar las estrategias
para el próximo curso.

1094
Antecedentes teóricos

La asignatura es teórico-práctica, de carácter obligatorio


adscrita al curriculum del área de formación general. Sienta las
bases del quehacer ciudadano enfocado en la pedagogía y las
implicancias en lo aprendizajes de los estudiantes.

Las temáticas abordadas en el curso se pueden resumir


en: Conceptualización Introductoria sobre la democracia. La
democracia como problema moral y político. Educación, principio
y valores propios para crear espacios democráticos, diversos y
de respeto a los derechos humanos. Realidad y discurso sobre
la diversidad. Como también lo ético valórico en los procesos de
cambio del siglo XXI y su influencia en la convivencia escolar, en
un contexto de tolerancia y respeto por el otro.

Los documentos ministeriales como las Leyes vinculadas


a los propósitos del curso, constituyeron parte importante del
contexto teórico. Ley 20911 Plan de Formación Ciudadanía.
20.609 Ley de no discriminación. 20.845 Ley de inclusión escolar.
Ley 20.885 que crea la Subsecretaría de Derechos Humanos. Esta
última crea la Subsecretaría de Derechos Humanos y modifica la Ley
Orgánica del Ministerio de Justicia mandata al nuevo organismo
para coordinar y realizar seguimiento al accionar del Estado en la
elaboración de las políticas públicas con un enfoque en derechos
humanos, principalmente a través del Plan Nacional de Derechos
Humanos. Subsecretaría de Derechos Humanos 2016-2018.

Podemos mencionar también, algunos de los textos que


le dieron el sustento teórico a las clases, como la Declaración
Universal de la Democracia, aprobada en el 98° conferencia
Interparlamentaria, 11 al 15 de septiembre 1997 en el Cairo. En
cuyo texto señala: “… la Unión Interparlamentaria reafirma el
compromiso con la paz y del desarrollo, la vocación y el compromiso
para promover la democracia. Como la necesidad de contar con
sistemas pluralistas de gobierno representativos en el mundo”. La
presentación de estas afirmaciones en clases, pueden abrir el
debate, el que debe ser guiado por la profesora, no siempre se
logra ya que son sólo unos pocos estudiantes los que opinan.

La Declaración Universal de Derechos Humanos, aprobados

1095
por la asamblea General de las Naciones Unidas el 10 de diciembre
de 1948, fue un texto de lectura y análisis, trabajado en talleres, se
analizan los articulados vinculados con su futura vida profesional.

Otro texto relevante fue el Artículo, presentado en el


Boletín 47, Proyecto principal en educación en América latina y
el Caribe(1998): “La Educación en derechos humanos: Reflexiones y
retos para enfrentar un nuevo siglo” del autor Abraham Magendzo
K. Premio Nacional de Ciencias de la Educación 2017, quien en sus
extenso currículo, destaca que integró la Unidad de Currículum
y Evaluación del Ministerio de Educación y se desempeñó como
consultor internacional y conferencista de UNESCO, la OEA, el
Instituto Interamericano de Derechos Humanos, su artículo fue
uno de las lecturas obligatorias del curso.

Contamos también con la publicación de la UNESCO (2008)


“Convivencia democrática, inclusión y cultura de paz: lecciones
desde la práctica educativa innovadora en América Latina,
se trabajó con todo el marco conceptual que proponen esta
publicación en la Primera Parte.

Descripción de la experiencia docente

La metodología de enseñanza aprendizaje consideró:


clases expositivas con apoyo de videos y PPT, trabajo colaborativo
en grupo de los estudiantes, para abordar los temas mencionados
en los párrafos anteriores, bajo la estrategia de taller.

Las lecturas de textos seleccionados, individual y colaborativa


también formaron parte de la metodología de aprendizaje,
para concluir con la realización individual de un ensayo, donde
los estudiantes eligieron un tema del listado propuesto, el que
desarrollaron, crítica y creativamente, con el conocimiento previo
de la rúbrica de evolución.

Como estrategias de aprendizaje se realizó glosario de los
conceptos nuevos para los estudiantes. En la dinámica de las clases,
el método socrático (Preguntas profesor-alumnos) estuvo presente.

Debates al interior de los grupos de trabajo colaborativo,


en los talleres. Responder cuestionarios, exponer ideas centrales.

1096
Se contó también con el apoyo de la plataforma Moodle, como
repositorio de los textos.

Conclusiones

De la aplicación de la encuesta y de la observancia del


acontecer en la dictación de la asignatura podemos concluir:

1. No siempre las expectativas del profesor son las que tiene el


alumno en relación a la asignatura.

2. No obstante lo anterior, valorar y reconocen que se deben


preparar como futuros profesores en el conocimiento y la
práctica de la democracia.

3. Los estudiantes demandan mayor instancia de debate


constante, sin coordinación, guía y evaluación de dicha
dinámica. Sólo como un espacio para dar opiniones, conocer
lo que piensan sus pares. Este es uno de los temas que será
considerará para la próxima dictación de la asignatura.

4. Valoran que se hayan alcanzado los resultados de aprendizaje


del curso, como también que la profesora esté dispuesta a
responder sus dudas.

5. Consideran que las evaluaciones han sido adecuadas al logro


de los resultados de aprendizaje.

6. Frente a la pregunta que se planteó como elemento provocador


en el resumen de este escrito, si ¿están preparados los
educadores de educadores para abordar temas de democracia,
diversidad y derechos humanos sin prejuicios?. Podemos señalar
que desde lo académico y lo teórico se está preparado. El tema
de los prejuicios es algo que hay que trabajar constantemente.

7. Otra de las preguntas que guiaron la mirada crítica del


desarrollo de la asignatura, fue preguntarnos si ¿se debe
considerar un perfil de profesor y profesora que aborde los
temas de democracia, ciudadanía y derechos humanos?.
Puedo responder más que un perfil específico , se debe tener
la expertiz en el conocimiento de los temas vinculados, como

1097
también una disposición de apertura frente a los cambios
radicales que nos presenta este siglo XXI.

8. Podemos responder a la pregunta: ¿cuánto hemos avanzado


en las temáticas de democracia, diversidad y derechos
humanos?. Sin duda se ha avanzado, pero es un camino
que siempre estará proponiéndonos desafío que debemos
entender, conocer, estudia, aceptar, y fortalecer las estrategias
docentes para formar con un criterio de apertura a los futuros
profesores.

Por todo lo anterior el diálogo permanente con los


estudiantes es fundamental, como también instar a estos a
estar informados de los acontecimientos locales, nacionales e
internacionales, para poder mantener un debate con fundamento
en relación a la democracia, diversidad y derechos humanos.

Bibliografía

Obligatoria del curso

Cortina, Adela (2009) Ética mínima: introducción a la filosofía


práctica.170COR (Referencia biblioteca UA) (1995) La Ética de la
Sociedad Civil. Anaya. Madrid.

Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación (1995)


Contenidos Fundamentales de Derechos Humanos para la
Educación Santiago – Chile. 323.04 BUG 1995 (Referencia
biblioteca UA)

Declaración de las Naciones Unidas sobre Educación y Formación


en materia de Derechos Humanos. INDH 2011.

Fundación Felipe Herrera Lane (Chile)(2000) Pluralismo, sociedad


y democracia la riqueza de la diversidad. (Referencia biblioteca
UA) ALTA DEMANDA 323.042

Giannini Humberto; Patricia Bonzi (1996). Filosofía y Democracia.


Congreso Latinoamericano.

1098
LEYES, MINEDUC, vinculadas a la temática.
20.609 Ley de no discriminación
20.845 Ley de inclusión escolar.
20.911 Ley Formación ciudadana
20.885 que crea la Subsecretaría de Derechos Humanos.

Magendzo, Abraham (1994). Ensayos para la reconciliación:


derechos humanos; fundamentos de la convivencia. Corporación
Nacional de Reparación y Conciliación. Santiago – Chile.
(Referencia biblioteca UA 323 E59e)

(1994) La Construcción de una Nueva Práctica Educativa Comisión


Nacional de Derechos Humanos. México

(2004) De miradas y Mensajes a la Educación en Derechos


humanos. Cátedra UNESCO

ONU (1945) Declaración Universal de Derechos Humanos.

Touraine, Alain (1995).Qué es la democracia? (Referencia biblioteca


UA 321.4 TOU)

1099
La enseñanza del Derecho para futuros
profesores, como promotores de su vigencia

Prof. Romina Basualdo1

Resumen

Actualmente existen numerosos proyectos de investigación
referidos a la implementación de principios y técnicas didácticas a
la enseñanza del Derecho. En Argentina, encontramos espacios y
equipos de investigación dedicados plenamente a la capacitación
de docentes a cargo de materias de Derecho. Pero, dicha
investigación y reflexión están orientadas a la enseñanza del
Derecho en los Planes de Estudio de Abogacía.

En los Profesorados en Ciencias Jurídicas, la formación


orienta al egresado a la enseñanza del Derecho en los diferentes
niveles educativos, y lo coloca como principal responsable de la
formación ciudadana de sus estudiantes y, por lo tanto, promotor
de los Derechos Humanos; por lo que el proceso de apropiación
de los contenidos cobra vital relevancia como futuro responsable
de dicho proceso.

Este perfil docente, hace necesaria una revisión sobre las


particularidades que presenta el desarrollo de la Didáctica del
Derecho en el contexto de la formación de futuros docentes en
Ciencias Jurídicas, en perspectiva a su futura labor docente.

Para ello, se propone el análisis de los planes de estudio


de tres universidades nacionales de Argentina, con especial
atención a la formación pedagógico didáctica, a través de análisis
documental y entrevistas.

1. Romina.a.basualdo@gmail.com
Universidad Nacional de Río Cuarto

1100
Esta revisión permitirá identificar las estrategias didácticas
específicas para la enseñanza del Derecho que son transmitidas y
puestas en práctica, y lograr así una caracterización de la enseñanza
del Derecho para quienes lo enseñarán posteriormente.

Dicha caracterización puede dar lugar a futuras reflexiones


y recomendaciones que permitan una potenciación de las
particularidades de dicha formación jurídico- didáctica docente.

En la actualidad existen numerosos proyectos de


investigación referidos a la implementación de principios y técnicas
didácticas a la enseñanza del Derecho. Mundialmente, constituye
una preocupación el enseñar Derecho, para superar el viejo modelo
academicista y su metodología memorístico-repetitiva. Numerosos
centros de investigación, institutos y universidades, intentan
identificar las herramientas más eficaces para lograr la enseñanza
del Derecho y generar aprendizaje significativo del mismo.

En Argentina, entre los diversos espacios de reflexión e


investigación al respecto, la Universidad de Buenos Aires, posee
una revista dedicada exclusivamente a la temática; cuyos artículos
son de fácil acceso en la web, para la difusión y aplicación de los
avances abordados. En la Universidad Nacional de Córdoba, existen
equipos de investigación dedicados plenamente a la identificación
y capacitación de docentes, a cargo de materias de Derecho.

En la generalidad de los casos, la investigación y reflexión


están orientadas a la enseñanza del Derecho en los Planes de
Estudio de la carrera de Abogacía, con casi nula remisión a otras
carreras.

En el caso de los Profesorados en Ciencias Jurídicas, la


formación orienta al egresado a la enseñanza del Derecho en
niveles secundario y superior, universitario y no universitario, por
lo que el proceso de apropiación de los contenidos del Derecho
cobra vital relevancia como futuro responsable de dicho proceso.
Si bien ambas carreras se orientan al conocimiento del Derecho, la
particularidad de enfoque que se realiza-o debe realizarse-es que
mientras que en Abogacía se conoce la Ley para su aplicación como
recurso de apelación, de defensa de una postura o perspectiva
de un hecho particular, el proceso jurídico; los estudiantes

1101
del profesorado, estudian para comprenderlo y enseñarlo a
destinatarios de diferentes niveles educativos (secundario y
superior) como docentes responsables del proceso de enseñanza.

Además, ambas carreras se orientan, por definición de sus


planes de estudio, a la vigencia de los Derechos Humanos; sin
embargo, como se señaló previamente, su relación con ellos, o el
rol del profesional, no es igual. Por lo que también debe revisarse
si –por un lado- realmente se encuentra presente la atención a
los Derechos Humanos y-por otro-si se otorgan las herramientas
para la transmisión de dichos derechos, comprendiendo que no
se trata de un mero traslado de información, sino que debe incluir
el análisis reflexivo y crítico de la realidad en la que se encuentran
inmersos, para ser capaces de identificar las vulneraciones y
generar un compromiso para su superación; en ellos y en sus
futuros estudiantes.

En pocas palabras, debemos preguntarnos si la Educación
en Derechos Humanos constituye una preocupación en la
formación de los futuros profesores en Ciencias Jurídicas.

Es por eso que se hace necesaria una revisión sobre las


particularidades que presenta el desarrollo de la Didáctica del
Derecho en el contexto de la formación de los futuros docentes
en Ciencias Jurídicas, en perspectiva a su futura labor docente.

Esta revisión permitirá identificar las estrategias didácticas


específicas para la enseñanza del Derecho que son transmitidas
y puestas en práctica, y lograr así una caracterización de la
enseñanza del Derecho para quienes lo enseñarán posteriormente,
incluyendo la perspectiva de los derechos humanos.

El presenta trabajo, forma parte de un proyecto de tesis


orientado a la identificación de las herramientas didácticas
ofrecidas a los estudiantes de las carreras de Profesorado en
Ciencias Jurídicas de tres universidades nacionales de Argentina.

La Didáctica como preocupación curricular

El artículo 71 de la Ley de Educación Nacional 26.206/2006


establece que la Formación Docente tiene la finalidad de “preparar

1102
docentes con capacidad de enseñar, generar y transmitir los
valores necesarios de las personas, para el desarrollo nacional y
la construcción de una sociedad más justa”. Aquí ya se presenta
esta relación entre la formación otorgada a los estudiantes de los
profesorados y su compromiso social: particularmente habla de la
construcción de una sociedad más justa, que-como suponemos-
incluye la vigencia de los Derechos Humanos; pues no concebidos
otra manera de justicia.

Tal como señala José Tuvillo Rayo (1998) “los profesores


tenemos el deber moral de hacer comprender a nuestro alumnado
cuáles son los caminos que con mayor acierto conducen a un
planeta más justo y menos violento y qué cambios son necesarios
para lograrlo (…) Esto exige no sólo su formación permanente
sino sobre todo una profunda reflexión de la práctica educativa”,
haciendo referencia a la importancia de la Educación de Derechos
Humanos en los docentes; pues constituyen el motor de
enriquecimiento de los conocimientos en el aula, teniendo una
importante influencia sobre sus alumnos.

Esto cobra mayor relevancia aún n nuestro contexto


latinoamericano, en donde, tal como señala Agudelo Colorado
(2015) tomando las palabras de Magendgo (2005), significa
educar para el ejercicio de los derechos a “partir de la visión de los
oprimidos, pero que fueron “alfabetizados en derechos humanos”
por haber vivido en carne propia la violación de sus derechos y
haber tomado conciencia de esta práctica educativa para luchar
contra la impunidad y por un estado de derecho”.

De esta manera se contextualiza la vital importancia de


que los institutos de formación docente y las universidades
formen a docentes consientes de esa historia que nos identifica, y
comprometidos con la realidad que se nos presenta.

La preocupación didáctica

Existe un vasto desarrollo de la Didáctica, como


fundamentación a las decisiones tomadas en torno a lo que se
enseña y cómo se enseña; por lo que actualmente es considerada
una Ciencia teórico-práctica, que se ocupa del proceso de
enseñanza aprendizaje, en los diferentes contextos educativos, tal

1103
como explican Rivilla y Mata (2009). Sin embargo, este desarrollo
no es uniforme en todas las áreas de conocimiento a ser enseñado.

Como complemento de ese conocimiento general, se han


desarrollado diferentes didácticas específicas que, como expone
Alicia Camilloni (2007), trabajan desde una situación particular
de enseñanza, con un tipo de contenido, en una franja etaria
determinada, en un nivel y modalidad educativa particular; por
lo que se considera que las Didácticas específicas se encuentran
más cerca de la práctica que la Didáctica general, constituyendo-
entre todas-un entramado complejo. De esta manera, especifica
la misma autora, encontramos la Didáctica de la Matemática, de
las Ciencias Sociales, de la química, del nivel primario, secundario
o inicial, entre otras; según el criterio utilizado para la clasificación.

En lo que respecta a la Didáctica del Derecho, existe una
preocupación por cómo enseñar el sistema normativo, como
un intento de superar la tradicional metodología de enseñanza
basada en clases magistrales, con un aprendizaje netamente
memorístico y centrado en el conocimiento ofrecido por los libros
y-en este caso- en los textos jurídicos. Sin embargo, la mayor parte
de la bibliografía disponible, tanto nacional como internacional,
refiere a la enseñanza del Derecho en la formación de futuros
abogados, cuyo objetivo de esta formación se orienta al litigio,
la investigación y, en menor medida, una posible docencia; pero
con atención al perfil del egresado propuesto por los planes de
estudio de abogacía.

Siguiendo a Silvina Gvirtz y Mariano Palamidessi (2014), a


la hora de definir los contenidos a enseñar, es importante tener
en claro la intencionalidad con la que ese contenido va a ser
transmitido. Por eso, lo que parece a primera vista ser el mismo
contenido (las normas jurídicas), presenta una perspectiva y
análisis particulares, porque la intencionalidad con la que se
presenta a un estudiante de abogacía, no es la misma para
quien se está formando para ser docente. En este último caso
estamos hablando de un “enseñar a enseñar Derecho”, con los
requerimientos y particularidades que demanda el futuro rol
docente de esos estudiantes.

Es por esta razón que la bibliografía disponible, si bien ha

1104
ido ocupando diferentes espacios no atendidos previamente en
la enseñanza del Derecho, se limita a la formación de estudiantes
de abogacía; quedando sin atención la formación de docentes de
Derecho. De esta manera, se hace más que necesario conocer si
dicha preocupación se evidencia con los Planes de Estudio de los
Profesorados en Ciencias Jurídicas, con qué características y qué
necesidades se plantean en perspectiva a la formación de estos
futuros docentes.

Como un acercamiento a la realidad nacional, en 2001,


Osvaldo Alfredo Gozaini, publica el libro “La Enseñanza del
Derecho en la Argentina”, en el cual realiza un diagnóstico
sobre cómo se enseña Derecho en la carrera de Abogacía de las
Universidades de Capital Federal y Gran Buenos Aires. En él, hace
referencia a la metodología reinante en la enseñanza jurídica,
caracterizada por las clases magistrales, en las cuales el alumno es
un mero agente pasivo que desarrolla un proceso de aprendizaje
y del cual se espera una repetición memorística de los textos
legales; lo que, según el autor, limita sus posibilidades laborales,
ya que en la práctica la memoria es insuficiente frente a la reflexión
e integración de las leyes que exige la resolución de casos y el
desempeño profesional en general. Este análisis mantiene su
vigencia, por ausencia de trabajos posteriores similares.

La preocupación por revisar las prácticas de enseñanza


del Derecho, genera el surgimiento de diferentes espacios de
reflexión, como jornadas, congresos y revistas de investigación.
En 2003, la Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos
Aires, comienza con la edición y, publicación de “Academia, revista
sobre la enseñanza del Derecho”, con una periodicidad semestral,
orientada a “promover estudios e investigaciones, provocar
debates especializados, producir reflexiones teóricas, difundir
informes derivados de investigaciones, de prácticas docentes,
traducciones, así como presentar reseñas bibliográficas referidas
a temas relacionados con la enseñanza y aprendizaje del Derecho
y temas afines”, según lo publicado en su página web. También
encontramos otras publicaciones como la Revista Persona,
de la Universidad Católica Argentina y la “Revista Pedagogía
Universitaria y Didáctica del Derecho” de la Facultad de Derecho
de la Universidad de Chile, para nombrar las revistas específicas
de la temática.

1105
En ellas, numerosos artículos construyen un conocimiento
a partir de la reflexión de la propia práctica de docencia jurídica,
con el aporte de docentes del campo del Derecho como de
la Didáctica, compartiendo experiencias y promoviendo el
interés por potenciar las posibilidades de aprendizaje respecto
a la enseñanza de la Ley. El factor común de la gran parte de
los artículos, y coincidiendo con lo que diagnostica Gozaini, es
el punto de partida: las clases bajo un modelo tradicional, sin
cuestionamiento de dicho modelo ni participación alguna de
otro agente que no sea el docente, ni en otro contexto que no
sea el aula. Resulta interesante como los autores de los diferentes
artículos intentan justificar la ruptura con ese modelo, aplicando
teorías o principios de la Didáctica General o renovando algunas
metodologías, en pos de promover el aprendizaje significativo en
sus estudiantes.

En Derecho, siguiendo a María Francisca Elgueta y Eric


Eduardo Palma (2013), se refieren a la Didáctica General del
Derecho, como disciplina que estudia la enseñanza y el aprendizaje
del Derecho de manera contextualizada; dando lugar a Didácticas
Específicas del Derecho, que particularizan su estudio según la
rama del Derecho del que se trate: Didáctica del Derecho Civil,
Didáctica del Derecho Comercial, del Derecho Penal, etc.

Dicho debate se mantiene vigente a lo largo de los años,


como el caso de Mario Antonio Zinny, que en el año 2014, vuelve
a poner en relieve la poca autocrítica de las principales Facultades
de Derecho de nuestro país, quienes consideran que la calidad
educativa está dada por el nivel de exigencia a los estudiantes, sin
preguntarse si realmente ellos aprenden, lo que no se asegura por
la simple aprobación de las materias.

Un referente en la materia es Jorge Witker (2016), quien


plantea la necesidad de revisar la enseñanza del Derecho para
superar el modelo academicista tradicional y dirigirse hace una
enseñanza activa, que promueva la comprensión del contenido
con una activa participación del estudiante, que debe investigar,
comparar y reflexionar en torno a los contenidos jurídicos; lo que
puede promoverse a través de diferentes recursos didácticos
y formatos de clase, que pretenden correr la centralidad del
docente como fuente única del conocimiento, para acompañar y

1106
guiar a los alumnos en un proceso de descubrimiento reflexivo de
los contenidos a trabajar. En su obra, no sólo justifica la necesidad
de formar profesionales críticos y reflexivos para el contexto social
existente, sino que promueve diferentes recursos que permiten
una dinámica más flexible, participativa y constructiva del
conocimiento académico en la formación del profesional jurídico,
en este caso, de los abogados.

De alguna manera es lo que Gabriel Álvarez Undurraga


(2014) planteaba en su artículo “La investigación jurídica como
instrumento de mejoramiento del proceso de enseñanza-
aprendizaje del Derecho”, al sostener que es inevitable que
nos replanteemos nuestras metodologías de enseñanza, en
un contexto social-que es la realidad de nuestros estudiantes-
mediados por las Tecnologías y el cambio constante. Lo que
se corresponde con lo planteado por Gabriel Fairstein (2013),
al describir su preocupación por la reproducción que hacen
los abogados del método de enseñanza que recibieron en su
formación: concretamente le preocupa los casos en los que deben
enseñar en el secundario y lo hacen de la misma manera que lo
hicieron sus profesores, sin reflexión o transposición didáctica real,
adecuando el contenido (su estructuración, manifiesta el autor),
las metodologías y los propósitos, al grupo de clase particular.
Esta es una preocupación que surge desde el momento mismo
de construir la clase, ya que, como menciona David Mosquera
Schvartz (2015), es necesario tener en cuenta los problemas
epistemológicos que pueden presentarse al momento de
planificar, producto de la complejidad que significa la integración
y comprensión de las normas y de la necesaria contextualización
socio histórica que debe hacerse de esas leyes que se trabajen.

Particularizando los cambios que pueden llevarse a cabo


en las clases de Derecho, numerosos trabajos plantean algunas
estrategias como alternativa superadora de las clases magistrales
tradicionales como Mosquera Schvartz (2015) y Gómez Francisco
con Rubio González (2017), Zinny (2014), Adolfo Díaz (2016),
Gozaini (2001), Ríos y Juri (2016) y Witker (2016) quienes refieren
a estrategias de enseñanza aplicables a diferentes ramas del
Derecho o algunas en particular (como el caso de Colmo, 2011, y
Pérez Vallejo, 2013)

1107
Sin embargo, es importante aclarar que en todos los
casos enunciados y encontrados hasta el momento, se refieren
a la enseñanza del Derecho para Abogados, en vista al futuro
desempeño profesional que puede, en algunos casos, incluir
la docencia. Incluso, talleres o seminarios en los cuales han
desembocado muchas de las investigaciones, se orientan hacia el
abogado que, sin tener formación pedagógica o didáctica, están
a cargo de enseñar Derecho.

Lo que aún no se identifica, es un similar desarrollo (en


cuanto a su profundidad y diversidad de aportes) de la Didáctica
del Derecho para futuros docentes en Ciencias Jurídicas, cuya
formación didáctica debe ser específicamente orientada a
la enseñanza del Derecho en diferentes contextos y niveles
educativos. A partir de esta preocupación, es que surge la
necesidad de identificar sus características actuales.

Es necesario aclarar que, en la investigación bibliográfica


realizada, la Educación en Derechos Humanos tampoco se
particulariza para los estudiantes del profesorado. La mayoría de
los documentos señalan la importancia de su transversalidad en
todos los profesorados, sin atender a la particularidad del perfil
y su consecuente campo laboral de los profesores en ciencias
jurídicas; principales encargados de llevar adelante la educación
cívica de sus estudiantes.

Como explica Alicia Camilloni (2006), la Didáctica es una


disciplina en busca de su identidad, por la amplitud de su objeto
y los aportes que recibe de otras disciplinas, como la Psicología,
la Pedagogía, entre otras. A pesar de ello, coincidiendo con
Antonio Rivilla y Francisco Mata (2009), cuyo trabajo se enmarca
en la formación del profesorado, se la puede definir como “la
disciplina o tratado riguroso de estudio y fundamentación de
la actividad de enseñanza en cuanto propicia el aprendizaje
formativo de los estudiantes en los diversos contextos” (2009:7);
por lo tanto es correcto sostener que “amplía el saber pedagógico
y psicopedagógico, aportando los modelos socio-comunicativos
y las teorías más explicativas y comprensivas de las acciones
docentes…” (p.7).

Por tal amplitud, es que se encuentra superada la perspectiva

1108
de limitar su objeto al proceso de enseñanza-aprendizaje, no sólo
por la complejidad de factores que intervienen mientras se enseña
y se aprende, sino que además se entienden que ambos procesos
son claramente diferentes y delimitados, “y hasta contradictorios
en muchos casos” (Camilloni, 2006: 27).

De la misma manera lo sostiene Magda Becker Soares


(1983), quien critica el binomio “enseñanza-aprendizaje” por hacer
suponer que la enseñanza necesariamente resulta del aprendizaje
y determinan el objeto de la Didáctica. Pues, contrariamente,
“la enseñanza es un fenómeno independiente del aprendizaje,
con características propias, con una especificidad que lo torna
legítimo como objeto de estudio y de investigación” (p.3); por
lo que se hace necesaria una revisión crítica de la Didáctica, que
supere la perspectiva tradicional destinada a ofrecer modelos de
enseñanza, con una visión superficial, por la complejidad y las
particularidades de las situaciones de enseñanza.

Para comprender con mayor claridad la perspectiva


planteada, Rivilla y Mata (2009) explican que el saber didáctico
requiere de un gran esfuerzo reflexivo-comprensivo, destinado no
sólo a ofrecer modelos y herramientas para la enseñanza, sino que
además debe acompañarse de la preocupación constante por el
estudio comprensivo y la actualización constante de los factores
intervinientes en su objeto de estudio. Por lo tanto, para dichos
autores, en el marco de la formación que ofrece el profesorado
a quienes desean enseñar profesionalmente, la Didáctica se
encarga de interrogantes como

para qué formar a los estudiantes y qué mejora profesional


necesita el profesorado, quiénes son nuestros estudiantes
y cómo aprenden, qué hemos de enseñar y qué implica las
actualización del saber y especialmente cómo realizar la
tarea de enseñanza al desarrollar el sistema metodológico
del docente y su interrelación con las restantes preguntas
como un punto central del saber didáctico, así como
la selección y el diseño de los medios formativos, que
mejor se adecúen a la cultura a enseñar y el contexto de
interculturalidad e interdisciplinariedad, valorando la
calidad del proceso y de los resultados formativos” (p.7)

1109
Becker Soares (1983), opina que a quien cabe la responsabilidad
de ocuparse de los procesos de enseñanza y de aprendizaje, con un
carácter prescriptivo y normativo, son las denominadas didácticas
especiales, por especificarse en un determinado contenido, su
estructura, naturaleza y procesos cognitivos.

En el Derecho la preocupación por esta especificidad


también está presente: María Francisca Elgueta y Eric Palma (2013)
sostienen que no es correcto hablar de “Didáctica de la Enseñanza
del Derecho”, por limitarse a la perspectiva docente, como si fuera
este quien determina el proceso de enseñar y aprender, olvidando
muchos factores que influyen y determinan lo que pasa en el aula
durante la clase; además de mantener una visión simplista de la
tarea docente, limitada a la repetición de los materiales, con una
casi inevitable respuesta positiva de quien aprende.

Por el contrario, estos autores sostienen que la enseñanza


es un proceso de mediación entre lo que necesita aprender una
persona y lo que aprende realmente, por lo que debe abordarse
con una serie de estrategias que alienten a los estudiantes al
aprendizaje de los contenidos, la aprehensión de su estructura,
la integración de sus partes y la reflexión sobre los propósitos de
todo ello. Es por ello que proponen la expresión “Didáctica General
del Derecho”, entendiéndola como “una disciplina que estudia la
enseñanza y el aprendizaje del Derecho de manera contextualizada,
es decir, considerando los requerimientos históricos a la profesión,
los currículos formativos y las características de las instituciones
formadoras, además de las políticas educativas nacionales e
internacionales” (2013: 11). Su objeto de estudio será el acto
didáctico, es decir, las interrelaciones posibles entre la enseñanza, el
aprendizaje, el contenido y el contexto educativo; ocupándose del
proceso de enseñanza y de aprendizaje en el aula, mediado por un
contenido propio de la formación jurídica, de tipo contextualizado.

A partir del desarrollo científico de su conocimiento


generalista, para aportar a la mejora y reflexión de la praxis docente,
sus reflexiones son pertinentes a todas las disciplinas jurídicas,
que le darán su especificidad según las características de la rama
del Derecho de la que se trate, dando lugar a la generación de
didácticas específicas del Derecho: de esta manera encontramos
la Didáctica del Derecho Civil, Del Derecho Comercial, Del Derecho

1110
Penal, etc.

Por lo tanto, la formación inicial y permanente de los


profesores, implica un proceso más que complejo: la transmisión
de los contenidos-que ellos luego debe enseñar a partir de una
transposición didáctica-es apenas un elemento, pues debe motivar
la apropiación significativa de los contenidos, que permitan no sólo
comprenderlos, sino poder aplicarlos en diferentes situaciones
para resolver no sólo situaciones en el aula sino también, de la vida
en general. Es aquí donde la Educación en Derechos humanos
vuelve a presentarse como una necesidad imperiosa.

Aplicación de la didáctica

Anteriormente, se habló de la transposición didáctica; tal vez


sea la base del trabajo docente, eso que se espera de un docente
con formación didáctica. Sin embargo, por sí sola, teniendo en
cuenta sólo los aspectos conceptuales, no logra una enseñanza
con la complejidad requierida para que el alumno aprenda.

El concepto de transposición didáctica, ampliamente


utilizado en diferentes campos didácticos, nace en la tesis de
doctorado de sociología de Michael Verret en 1975, que la entendió
como la transformación necesaria que se aplica a un objeto de
conocimiento para convertirlo en objeto de enseñanza; lo que
Chevallard (1985) define como“…un conjunto de transformaciones
adaptativas que van a hacerlo apto para tomar lugar entre los
objetos de enseñanza. El trabajo que un objeto de saber a enseñar
hace para transformarlo en un objeto de enseñanza…” (Gómez
Mendoza, 2005: 86-87). En pocas palabras, la esencia del trabajo
docente: ser capaz de acercar a sus estudiantes a la comprensión
de un contenido que, probablemente, de manera solitaria no
podrían entender de la misma manera.

Para lograr esa transposición el docente se vale de técnicas


de enseñanza, entendidas como “las formas a través de las
cuales se transmiten los contenidos y proponen actividades de
aprendizaje” (Ríos y Juri, 2016: 90). La aplicación de estas técnicas
dependerá del método que inspira al docente en sus prácticas, es
decir- según Ríos y Juri-, refiere al “dinamismo propio del proceso
de acercamiento entre un sujeto que tiene la intención de

1111
aprender, otro que pretende enseñar y el objeto de conocimiento
a ser aprendido (2016:80) o lo que Jorge Witker señala como
“el conjunto de procedimientos adecuados para lograr un fin
específico” (p. 129).

Este mismo autor, en su obra propone como método


adecuando en la enseñanza del Derecho, lo que denomina como
“método de enseñanza activo y de aprendizaje activo”, orientado
hacia la construcción activa de los conocimientos por parte de los
estudiantes, buscando generar un “espíritu de investigación crítica
y creación de la solución jurídica” (p. 133), combinando diferentes
técnicas a lo largo del proceso, que permitan contextualizar y
problematizar el conocimiento; con un alto compromiso del
docente en el conocimiento de los sujetos que aprender, para la
estructuración del conocimiento y la elección de técnicas que más
eficaces resulten para la promoción del aprendizaje pretendido.

Dichas técnicas se planifican en consonancia con las


actividades de aprendizaje, entendidas como “el conjunto de
acciones que realizan los estudiantes para promover cambios
relativamente estables en sus saberes, conductas y actitudes”
las que “deben ser realizadas por los alumnos que, con interés
y compromiso, toman sus propias decisiones al momento de
aprender”; demandando de los profesores “diseñar las consignas
y generar las condiciones institucionales y áulicas, para potencia
y acompañar los procesos de resolución de problemas de estas
actividades” (Ríos y Juri, 2016, p. 95). Lo que para Witker es “un
método de aprendizaje activo”.

Para lograrlo, los autores hacen referencia a diferentes


técnicas de enseñanza como el estudio de casos, el seminario, la
resolución de problemas y diferentes instancias de trabajo grupal.
Pero sin perder de vista su importancia vital en todas las
formaciones profesionales, la Educación en Derechos Humanos
cobra aún mayor relevancia si nos referimos a quienes forman
a los ciudadanos del mañana. Un docente en Ciencias Jurídicas
no puede limitar su conocimiento o formación a la norma, su
metodología y herramientas didácticas para hacerlo asequible a
sus alumnos; es necesario que genere las condiciones necesarias
para el análisis, el debate, la crítica y la reflexión de la realidad que
nos rodea.

1112
Otorgarles a sus estudiantes herramientas que les permitan
defender y proteger los derechos propios y ajenos, utilizando y
valorando las oportunidades que brinda la democracia, es un
requisito ineludible de su ética profesional. Como lo dicen Carolina
Ugarte Artal y Concepción Naval Durán (2011):

“…los docentes son un ejemplo vivo de aprendizaje para


los alumnos. Estos tienen que comprobar que existe coherencia
entre lo que el profesor transmite, su conducta y el clima de
respeto hacia estos derechos que promueve en el aula. Por
ellos, la formación en derechos humanos del mismo profesor es
imprescindible” (p12).

A modo de conclusión…

No es materia de este trabajo, analizar la presencia de dicha


formación en los planes de estudio del profesorado; los autores
no coinciden en el diagnóstico, como sí lo hacen respecto a la
necesidad de su presencia. Además, es un trabajo que debe
realizarse particularmente, ya que cada institución posee su
propia organización.

Sin embargo, identificar dicha presencia, es una tarea más


que necesaria, a los fines de llamar a la reflexión a los responsables
de las políticas educativas, para que sea una realidad en los Planes
de Estudio, pero también en las aulas de todos los niveles.

Porque, como se sostuvo a lo largo del presente, el


Estado de Derecho requiere de la vigencia real de todos los
derechos humanos, para todos los ciudadanos. En la formación
de esa ciudadanía, el rol del docente es fundamental; sobre
todo de que encargado de dar a conocer esos derechos, los
sistemas de protección de los mismos y las implicancias de cada
responsabilidad.

Coincidiendo con Agudelo Colorado, se necesita de un


compromiso desde los responsables de la formación inicial, que
se replique en docentes que no dejen de preocuparse y mantener
dicho compromiso a lo largo de su vida. Tal autor sostiene:

“Las facultades de educación tendrían que asumir el reto

1113
de formar nuevos docentes con la suficiente inteligencia,
creatividad y voluntad política para romper con la lógica
de la escuela convencional, que, está claro, es incapaz de
preguntarse por los DD.HH. (…) un cuerpo de docentes
que se forme con la concepción de asumir y entender a
los niños, las niñas y los jóvenes como sujetos de derecho,
es decir, como sujetos que, en el marco de la exigibilidad
del derecho a la EDH, requiere docentes con capacidad de
responder a esa exigencia ética y política que demandan las
actuales generaciones” (2015: p.113)

La didáctica debe particularizarse para el profesor en


Ciencias Jurídicas, de la mano de un Educación en Derechos
Humanos que le permita su pleno desarrollo pedagógico,
profesional y personal…para él y sus alumnos.

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1117
Formación ética y ciudadana en los diseños
curriculares de formación docente para el nivel
primario de la República Argentina

Gabriela Saslavsky1
Erika Hebe Villarruel 2

Palabras clave: Diseño curricular; Formación docente inicial;


Derechos humanos

Resumen

En la República Argentina, durante el período 2003-2015 se
aprobó un conjunto de leyes que amplió derechos a la población.
En este marco, contenidos referidos a dichas normativas se
incorporaron en las propuestas curriculares de todos los niveles
del sistema educativo.

En el año 2007 el Ministerio Nacional formuló


recomendaciones para la elaboración de los diseños curriculares
jurisdiccionales de Formación docente, proponiendo un espacio
destinado a trabajar los derechos humanos, memoria, identidad,
democracia denominándolo Formación ética y ciudadana.

En este trabajo, desde una perspectiva cualitativa con


características descriptivas y comparativas, nos preguntamos
cómo estos lineamientos nacionales se interpretan y se reformulan
en las propuestas curriculares de la formación docente de nivel
primario en cada jurisdicción. Por tanto, nuestra base empírica
son los Diseños curriculares de las 24 provincias que conforman
nuestro país.

Para el análisis de los documentos partimos de definir los

1. gabrielasas@gmail.com
2. erikavillarruel@hotmail.com
Instituto Superior de Formación Docente Nro. 24

1118
siguientes ejes: denominación del espacio curricular, contenidos,
aspectos pedagógicos didácticos, enfoque, propuestas de
instancias formativas institucionales, bibliografía, año de cursada
y carga horaria. De acuerdo con este análisis los 24 diseños fueron
organizados en tres grupos: 1) los que formulan principalmente
enunciados clásicos, 2) los centrados en la construcción de
ciudadanía, 3) los que se orientan hacia contenidos pedagógico-
didáctico.

Provisoriamente observamos que este espacio permitió la


presencia de contenidos imprescindibles en la formación docente
pero que no siempre consideran a la educación cono derecho
social, al niño/a como sujeto de derecho, ni al docente como
promotor de los mismos como lo establece la Ley de Educación
Nacional.

En la República Argentina, existe consenso en relación


a definir el período 2003-2015 como un período en que se
aprobaron un conjunto de leyes que ampliaron derechos a la
población, como por ejemplo Ley de Educación Nacional, Ley de
Matrimonio Igualitario, la de Asignación Universal por Hijo y la
Ley de Identidad de Género, entre otras. También existe consenso
en definir que este período contó con una política muy definida
en relación con la sangrienta dictadura militar iniciada en 1976
y culminada en 1983. En ese sentido, se llevaron adelante varias
medidas emblemáticas, entre ellas la anulación de las “leyes de
perdón”, que permitió la reapertura de juicios contra militares
acusados de genocidio y violación de los Derechos Humanos.
El enjuiciamiento de algunos de los máximos responsables del
Terrorismo de Estado (entre ellos Jorge Rafael Videla, que terminó
sus días en la cárcel), la transformación de los centros clandestinos
de detención en espacios de memoria y de DDHH como la Escuela
de Mecánica de la Armada (Ex ESMA), el fuerte apoyo a Abuelas y
Madres de Plaza son algunos de los ejemplos más destacables en
este sentido.

Asimismo, tanto la legislación de nuestro país como las


políticas destinadas a la infancia y a la juventud que en los últimos
años se vienen implementando, conciben a niños, niñas y jóvenes
como sujetos de derecho, es decir, con ciudadanía plena, como
protagonistas activos en su comunidad que cuentan con capacidad

1119
de incidencia. Esto significa que no son meros portadores de
derechos futuros, sino ciudadanos y ciudadanas que cuentan con
derechos y a quienes el Estado debe garantizarles la posibilidad
de su ejercicio efectivo en el presente.

Dentro de este marco se puede mencionar La Ley de


Educación Nacional N° 26.206 que legisla el sistema educativo,
en su artículo 3º enuncia la necesidad de que la educación tenga
como centro de sus preocupaciones la formación ciudadana
como una garantía para la construcción de una sociedad justa,
que reafirme la soberanía y la identidad nacional, que fortalezca
el desarrollo económico y social, y que sea respetuosa de los
derechos humanos y las libertades fundamentales. Asimismo,
señala que el Estado debe garantizar el acceso a la información y
el conocimiento como herramientas fundamentales para que ese
objetivo sea posible.

En el inciso “c” del artículo 11° se explicita que es propósito


de la educación brindar una formación ciudadana comprometida
con los valores éticos y democráticos de participación, libertad,
solidaridad, resolución pacífica de conflictos, respeto a los
derechos humanos, responsabilidad, honestidad, valoración y
preservación del patrimonio natural y cultural.

El artículo 92° indica que es necesario ofrecer recursos para


la efectiva inclusión de contenidos curriculares mínimos comunes
a todas las jurisdicciones en temas tales como: la construcción
de una identidad nacional desde la perspectiva regional
latinoamericana (particularmente la región MERCOSUR); la causa
de la recuperación de Malvinas; y el ejercicio y la construcción
de la memoria colectiva de la historia reciente con el objetivo
“de generar en los/as alumnos/as reflexiones y sentimientos
democráticos y de defensa del Estado de Derecho y la plena
vigencia de los Derechos Humanos”.

Estos artículos están en consonancia con la Convención


de los Derechos del Niño, y con el nuevo paradigma sobre
ellos expresado en la Ley de Protección Integral de la Niñez
y Adolescencia (Nº 26061) que presenta una transformación
radical en la concepción de la infancia porque supera la visión de
“patronato”, ligada a la asistencia y el tutelaje y sostenida durante

1120
un largo período histórico en nuestro país, y plantea que el niño
es un sujeto de derecho.

Cabe preguntarse si estas normativas generales se reflejan


en los distintos niveles del sistema educativo, si tiene presencia
en el conjunto de saberes a transmitir a través de la enseñanza
sistemática. y para el marco del presente trabajo, cabe preguntarse
si se encuentran en forma concreta en los contenidos a enseñar
en la escuela primaria.

Durante el año 2004 se definió que el Ministerio Nacional


en acuerdo con el Consejo Federal de Educación3 debía definir
núcleos de aprendizaje prioritarios para todos los niveles y años de
la escolaridad obligatoria, con el propósito de asegurar la calidad
de la educación, la cohesión y la integración nacional y garantizar
la validez nacional de los títulos. Estos núcleos que conforman los
Núcleos de Aprendizajes Prioritarios (NAP), definen los contenidos
básicos que deben estar presentes en todas las escuelas del país,
precisan qué saberes relevantes deben incluirse para promover
la igualdad de condiciones en todo el país. Los NAPs, además
de restituir el papel del Estado Nacional como garante de las
condiciones de igualdad educativa, asumen la responsabilidad
de reponer el lugar de los niños y los jóvenes como sujetos de
derecho.

Se presentan a continuación algunos ejemplos de estos


contenidos en relación con el contexto presentado anteriormente,
contenidos referidos, entre otros, a los derechos, la memoria, la
identidad, la ciudadanía, la democracia aclarando el ciclo y el área
al que pertenecen:

Durante el Primer Ciclo (1ero, 2do y tercer año) de la


Educación Primaria, la escuela ofrecerá situaciones de enseñanza
que promuevan en los alumnos y alumnas: • La construcción
progresiva de una concepción ética que estimule la reflexión

3. El Consejo Federal de Educación es el organismo de concertación, acuerdo y


coordinación de la política educativa nacional para asegurar la unidad y articulación
del Sistema Educativo Nacional. Su presidente es el Ministro de Educación de la
Nación y se encuentra a su vez integrado por la máxima autoridad educativa de cada
jurisdicción y tres representantes del Consejo de Universidades.

1121
crítica y la discusión argumentativa para promover la aceptación
de la convivencia en la diversidad. La participación en prácticas
áulicas, institucionales y/o comunitarias como aproximación a
experiencias democráticas y de ejercicio ciudadano que consideren
a las personas como sujetos de derechos.

La reflexión en torno a la dimensión ética, política e intercultural


de saberes de las diferentes áreas y de temas transversales como:
Educación Ambiental, Educación Vial, Educación Cooperativa,
Educación Sexual, Educación para la Paz, Educación para la Salud,
Educación Tributaria y Educación para el Consumo, entre otras.

El conocimiento de los Derechos Humanos, especialmente


de los Derechos del Niño, y de los procedimientos a su alcance
para reconocerlos, ejercitarlos y defenderlos en la vida cotidiana.

Durante el período que abarca 4°, 5° y 6° años de la


Educación Primaria, la escuela ofrecerá situaciones de enseñanza
que promuevan en los alumnos y alumnas: • El conocimiento de la
Declaración Universal de los Derechos Humanos y el análisis de su
vigencia en la Argentina y en América Latina.

• La construcción progresiva de una concepción ética que


estimule la reflexión crítica y la discusión argumentativa en el
marco valorativo de los derechos humanos universales y que
tienen jerarquía constitucional.
• El conocimiento y la comprensión de las dimensiones éticas,
jurídicas y políticas de nuestra historia reciente promoviendo
la construcción colectiva de la memoria.
• El conocimiento de los Derechos Humanos, especialmente de
los Derechos del Niño, y de los procedimientos a su alcance para
reconocerlos, ejercitarlos y defenderlos en la vida cotidiana.
• La aproximación al conocimiento de casos vinculados a la
vulneración de derechos en la historia reciente, a través de
testimonios orales y visuales entre otros.
• El conocimiento y la comprensión de casos contextualizados
vinculados a la vulneración de derechos en la historia reciente
a través de testimonios orales y visuales entre otros. Tipificación
de los crímenes de lesa humanidad en el caso argentino y
posibles analogías a casos internacionales (genocidios u otros).

1122
Asimismo, los NAPs reconocen la importancia de las
efemérides, entendidas como eventos escolares que permiten
poner de relieve un acontecimiento para contribuir a la creación
de sentidos de pertenencia colectiva acordes con los valores
éticos y políticos reivindicados por nuestra comunidad. En este
sentido, se señalan dos fechas consagradas en el calendario
escolar que dialogan directamente con estas temáticas: el 24 de
marzo, establecido por la Ley como Día de la Memoria, la Verdad y
la Justicia y el 22 de octubre, declarado también por Ley como Día
Nacional por el Derecho a la Identidad.4

En síntesis, como se ha señalado, es considerable el marco


normativo existente que habilita la enseñanza de los derechos
humanos, la memoria, la identidad, la formación ciudadana, la
democracia, etc. en el nivel primario. De hecho, estos contenidos
aparecen, con diversidad de propuestas y formatos en todos los
Diseños Curriculares de la Educación Primaria de las provincias del
país.

En este sentido, se puede decir que el currículo establece


una pauta de ordenamiento de la experiencia educativa que
es extraordinariamente importante como declaración pública
acerca de lo que se espera en esas prácticas y de las experiencias
que niños y niñas pueden tener en las instituciones.

Formación docente inicial y diseños curriculares

De la misma manera que se aprobaron los NAPS para


unificar y orientar el trabajo con los contenidos destinados al Nivel
Primario, en el año 2007 el INFOD (Instituto Nacional de Formación
Docente) a través de la Resolución 24 establece los Lineamientos
Curriculares Nacionales para la Formación Docente Inicial (Res.
CFE N°24/07). Dentro de este documento se aclara “El presente
documento es una propuesta para la discusión, busca profundizar

4. 22 de octubre: Día Nacional por el Derecho a la Identidad. A partir del año 2004, el
Congreso de la Nación instituyó el 22 de octubre como el “Día Nacional del Derecho a
la Identidad”. Ese día se recuerda la labor realizada por las Abuelas de Plaza de Mayo,
quienes impulsaron la creación de este derecho a partir de su lucha para recuperar
a los nietos apropiados de forma ilegal por las fuerzas represivas durante la última
dictadura cívico-militar en nuestro país.

1123
y mejorar las definiciones curriculares, generar progresivos
consensos y, especialmente, fortalecer la integración nacional del
currículo de formación docente apoyando la coherencia y calidad
de las propuestas de formación en todo el territorio.”. Asimismo,
define los campos de conocimiento en que se organizarán los
contenidos, “Los distintos planes de estudio, cualquiera sea la
especialidad o modalidad en que forman, deberán organizarse en
torno a tres campos básicos de conocimiento:

Formación general: dirigida a desarrollar una sólida


formación humanística y al dominio de los marcos conceptuales,
interpretativos y valorativos para el análisis y comprensión de la
cultura, el tiempo y contexto histórico, la educación, la enseñanza,
el aprendizaje, y a la formación del juicio profesional para la
actuación en contextos socio- culturales diferentes.

Formación específica: dirigida al estudio de la/s disciplina/s


específicas para la enseñanza en la especialidad en que se
forma, la didáctica y las tecnologías educativas particulares, así
como las características y necesidades de los alumnos en los
niveles individual y colectivo, en el nivel del sistema educativo,
especialidad o modalidad educativa para la que se forma.

Formación en la práctica profesional: orientada al


aprendizaje de las capacidades para la actuación docente en las
instituciones educativas y en las aulas, a través de la participación
e incorporación progresiva en distintos contextos socio-
educativos.” 5

Estos lineamientos corresponden a una regulación nacional,


que define los marcos, principios, criterios y formas de organización
de los diseños curriculares jurisdiccionales y de la gestión del
currículo.

A partir de esa regulación surge otro nivel que es de


definición jurisdiccional en el que cada provincia teniendo en

5 “Lineamientos Curriculares Nacionales para la Formación Docente Inicial” Resolución


CFE N° 24/07. Buenos Aires, 7 de noviembre de 2007. Consejo Federal de Educación.
Ministerio de Educación.

1124
cuenta ese marco nacional organiza su propuesta de formación
docente. Para acompañar la elaboración de los diseños
provinciales el INFOD elaboró un documento de recomendaciones
para la elaboración de Diseños Curriculares Provinciales para el
Profesorado de Educación Primaria. [4], ofreciendo un marco para
la definición de los propósitos y contenidos en los planes para la
formación docente inicial.

Dentro de estas Recomendaciones, y en el campo de la


Formación General, aparece la propuesta de un espacio destinado
a trabajar los contenidos referidos a derechos humanos, la
memoria, la identidad, la formación ciudadana, la democracia,
pero desde la instancia de la formación docente. Este espacio
es denominado Formación ética y ciudadana y se lo presenta
aclarando que, “la formación ética y ciudadana se ha ubicado
como espacio específico en los diferentes niveles educativos
constituyéndose asimismo en un área en la formación general
de los docentes. Desde este espacio se abordan la integración
de los problemas éticos con los derechos humanos, el Estado y
la ciudadanía con el fin de desarrollar la actitud crítica, plantear
problemas éticos y sociales, discutir las alternativas para su
solución y transmitir valores democráticos.”

Asimismo, plantea al docente como trabajador con derechos


y deberes y enfatiza la definición de niños/as y adolescentes
como sujetos de derecho. A partir de esta caracterización, este
espacio propone el tratamiento de la normativa vigente relativa
a distintos aspectos que hacen a la preservación y ejercicio
de los derechos y al cuidado de los niños y jóvenes. Se deberá
incluir, el tratamiento de temas y problemas vinculados con
educación sexual y salud reproductiva, cuidado y preservación
del medio ambiente, educación vial. Serían también objeto de un
tratamiento específico los Derechos del Niño.

Diseño metodológico

Teniendo en cuenta lo descripto, el presente trabajo


se propone analizar los Diseños curriculares de la Formación
Docente para el Nivel Primario que se desarrollan en nuestro país,
tomando como eje la existencia o no de un espacio destinado a la
formación docente en el área de Derechos Humanos, Ciudadanía,

1125
Derechos del Niño, Verdad, Justicia, Memoria.

El mismo es un avance de una investigación en proceso


que se desarrolla por un equipo perteneciente al Colectivo de
docentes terciarios Andares y Pensares. Es un trabajo descriptivo,
comparativo, en el marco de la Investigación cualitativa.

Nuestra base empírica son los Diseños curriculares de las 24


jurisdicciones que conforman el sistema educativo de nuestro país,
considerando que los mismos han sido elaborados a posteriori
de la sanción de la Ley de Educación Nacional y que deberían
contener espacios para que los futuros docentes se encuentren en
condiciones de desarrollar situaciones de enseñanza para abordar
los contenidos mencionados en los NAPS.

Identificamos semejanzas y diferencias con que se presentan


los espacios curriculares que materializan las prescripciones y
recomendaciones propuestas por el marco normativo nacional.

La indagación empírica se realizó en base a los diseños


curriculares del Profesorado de Educación Primaria, que en nuestro
país se dictan en Institutos de Formación Docente que dependen
de cada una de las 24 jurisdicciones, tomando los espacios
curriculares que toman las líneas de trabajo fundamentalmente
de Derechos Humanos.

Realizamos Análisis de Contenido, lo que nos ofrece la


posibilidad de investigar sobre la naturaleza del discurso, que se
materializa en los Diseños curriculares.

Este procedimiento nos permite analizar y cuantificar los


materiales de la comunicación, entendiendo que los diseños
curriculares son un punto de partida para los docentes, quienes
deben interpretarlos, reelaborarlos, recortarlos, desagregarlos, en
definitiva, materializarlos en propuestas didácticas concretas.

Esta herramienta metodológica, nos sitúa como


investigadores respecto de la realidad en una doble perspectiva:

- Los datos tal y como se comunican.


- El contexto de los datos.

1126
Desde nuestro trabajo el análisis del contenido se configura
como una herramienta que nos permite describir objetiva y
sistemáticamente el contenido de nuestras fuentes documentales:
los diseños curriculares.

Descripción

Para el análisis de los documentos partimos de definir los


siguientes analizadores: Nombre o denominación del espacio
curricular (si lo hubiese), contenidos, menciones a la enseñanza,
Aspectos pedagógicos didácticos, enfoque, propuestas de
instancias formativas institucionales, bibliografía, año de la
formación y carga horaria.

A efectos de la presente ponencia tomamos los que


describimos a continuación:

• Nombre o denominación del espacio curricular

De los documentos analizados surge que la denominación


más utilizada es el propuesto por las recomendaciones del
INFOD: Formación Ética y Ciudadana. Dentro de este grupo se
encuentran diez provincias, como, por ejemplo: Misiones, Jujuy,
Salta, Mendoza, San Juan, San Luis, Tucumán Santiago del Estero.

Por otro lado, se encuentran las jurisdicciones que han


modificado esta denominación, incorporando Los Derechos
Humanos y la Construcción de ciudadanía en la denominación del
espacio. Se pueden mencionar Entre Ríos, Chaco, Chubut. Santa
Fé, CABA.

Se puede destacar el caso particular de La Pampa que


incluye en su nombre el componente didáctico, Formación ética y
ciudadana y su didáctica.

Las provincias de Buenos Aires y Río Negro no poseen un


espacio curricular específico, incluyendo contenidos referidos a
esta temática en el área de Ciencias Sociales.

Una mención especial recibe la provincia de La Rioja que


denomina a este espacio Ética y deontología profesional., misma

1127
denominación del espacio propuesto en el año 1980 durante la
Dictadura Militar.

• Contenidos propuestos (formas de enunciarlos ya que


esto denota un posicionamiento)

Resulta interesante señalar que la denominación definida


por la jurisdicción no determina los contenidos seleccionados o
la forma de organizarlos, es por eso que la organización anterior
presentada teniendo en cuenta las denominaciones, no siempre
se mantiene al analizar los contenidos propuestos.

3 Podemos encontrar jurisdicciones que se centran


principalmente en aspectos formales o de definición,
acercándose a una propuesta curricular de Nivel secundario,
con contenidos que provienen de diversas disciplinas como
Derecho y Filosofía, respetando la lógica interna de las
mismas, esperando que esos planteos generen una actitud
reflexiva por parte de los estudiantes.

Un ejemplo corresponde a la provincia de Tucumán,


que define este espacio como una asignatura que “brinda
herramientas para clarificar nociones teóricas de ética (...)” y
“como un espacio reflexivo para desarrollar destrezas para la
argumentación moral en un clima pacífico de discusión racional”.
Desde este lugar no define al destinatario ni el lugar que ocupa
dicha asignatura en la formación docente. Asimismo, define los
siguientes ejes de contenidos: Introducción a la ética, El problema
de la discriminación, La vida en democracia y la Constitución
argentina, Los Derechos Humanos desde una mirada descriptiva
y conceptual.

Otras jurisdicciones se acercan a esta perspectiva como por


ejemplo Santa Fe, Mendoza, Catamarca, La Rioja.

Destacamos a La Rioja que, en su denominación particular,


Ética y deontología, establece un listado de contenidos desde
una perspectiva declarativa y centrada en un deber ser,
como por ejemplo el eje 4: “Deontología aplicada al ejercicio
de la profesión docente: Concepto de trabajo y profesiones
en la vida contemporánea. La profesión y el enfoque ético:

1128
perfeccionamiento propio y servicio social. Cualidades y requisitos
morales para el ejercicio de la profesión. Ámbitos de aplicación de
la ética docente: consigo mismo, con los educandos, sus colegas,
la familia, la sociedad. Derechos, deberes y obligaciones.”

3 Podemos agrupar otros Diseños que amplían la mera


enunciación de contenidos disciplinares incorporando la
acción como parte constitutiva de la formación ciudadana.

Por ejemplo, la provincia de Tierra del Fuego propone:


Concepto de democracia más allá de las elecciones. La ciudadanía:
como noción compleja y de goce efectivo de los derechos,
incluyendo una perspectiva comunitaria. Su estructura supera la
nómina de contenidos fragmentados aclarando que no son meros
contenidos informativos, sino que constituyen aprendizajes
vivenciales, con trabajo de campo, entrevistas, foros y paneles
debates.

Considera la dimensión institucional cuando incluye en su


contenido la toma de decisiones institucionales como estrategia
para estimular la participación y de esta manera vivenciar la toma
de decisiones. Y enlaza conceptos, valores y actividades vinculadas
a un contexto concreto, valores éticos como base de las prácticas
sociales y democráticas.

San Luis, Entre Ríos, Formosa, Córdoba, Salta son otras


jurisdicciones que comparten esta mirada.

3 Otro agrupamiento es el de los diseños que refieren al


sujeto destinatario de la formación docente.

Desde este lugar, encontramos las provincias de La Pampa,


San Juan, Santiago del Estero, Chaco, CABA, Jujuy que en sus
enunciados aclaran el lugar que tienen estos contenidos en la
formación docente y le agregan especificaciones que refieren a la
enseñanza de los mismos para el nivel en que se desempeñarán
los futuros docentes, por ejemplo, CABA que plantea:

“Análisis crítico de los contenidos de Formación Ética


y Ciudadana en el Diseño Curricular de Nivel Primario.
Enseñabilidad de los contenidos de Formación Ética y Ciudadana.

1129
La operacionalización del currículum y la formación del
juicio moral en niños y adolescentes: la autonomía moral. Las
situaciones cotidianas de la escuela y el aula como oportunidades
para el análisis ética. Los contenidos de otras asignaturas y la
dimensión ética. El desarrollo moral de los niños y adolescentes. El
tratamiento en el aula. El docente frente a los conflictos de valores:
la neutralidad beligerante. La gestión del desacuerdo: estrategias
y recursos privilegiados”.

Por su parte, Santiago del Estero propone una lectura crítica


de las prácticas de ciudadanía en el orden escolar, lo cotidiano y el
entorno educativo como así también el análisis de la intervención
didáctica.

La Pampa, es otra jurisdicción que propone un abordaje


didáctico, la elaboración de proyectos colectivos y el análisis de
los modelos implícitos en las prácticas y discursos morales de las
escuelas. Tiene en cuenta la formación específica en saberes a
enseñar, sus fundamentos y su metodología.

3 Encontramos provincias que incorporan en sus contenidos


al docente como trabajador teniendo en cuenta sus
derechos como por ejemplo Misiones, Córdoba y La Pampa

3 Otros ponen énfasis en la Pedagogía de la Memoria y los


Derechos Humanos como los diseños de Entre Ríos, Chaco,
Córdoba, La Pampa, San Juan, Neuquén.

Conclusiones provisorias

Encontramos diversidad en la denominación de los espacios


curriculares, muchos responden a la propuesta por el INFOD
y otros están más centradas en los Derechos Humanos y en la
construcción de la ciudadanía.

Por otra parte, se puede decir que algunas provincias


proponen este espacio desde un enfoque teórico, atiborrado de
nociones abstractas y definiciones donde se presenta la moralidad
como un orden de principios universales, apartándose de una
mirada concreta, situacional e histórica, acercándose más a una
propuesta de contenidos del nivel secundario, desde una mirada

1130
academicista.

Desde este lugar asimilan DDHH a derechos naturales


y esenciales y presentan derechos como deberes con una
concepción de moral descontextualizada, acercándose a una
concepción liberal en la que el ciudadano pasa a ser titular de
deberes y no de derechos.

Estos diseños, por lo general, no tienen en cuenta el


destinatario ni tampoco mencionan el lugar de dicho espacio en
la formación de un docente.

Otras jurisdicciones se centran en la formación del ciudadano


en general, incorporando a los contenidos conceptuales prácticas
formativas, vivenciales en el ámbito institucional centrándose en
la importancia de la participación de los alumnos en la toma de
decisiones. Asimismo, definimos un conjunto de provincias cuyas
propuestas se fundamentas en una perspectiva de la Pedagogía
de la Memoria y Derechos Humanos.

Por último, otro grupo incorpora la dimensión pedagógico


didáctica, teniendo en cuenta al sujeto en formación y al nivel
para el cual se está formando.

Podemos aventurar la hipótesis de que la diversidad


de concepciones para abordar este espacio se debe, por un
lado, a las interpretaciones que cada jurisdicción realiza sobre
los Lineamientos Nacionales, pero también al carácter de los
contenidos incluidos en este campo que no están claramente
definidos desde esos mismos lineamientos, dando lugar a
múltiples propuestas posibles.

Es fundamental la existencia de un espacio de formación


ética y ciudadana en el ámbito de la formación docente, pero la
misma no solo implica el desarrollo de contenidos específicos, sino
que incluye la profundización de aspectos pedagógico- didácticos
para que los futuros docentes cuenten con herramientas para el
trabajo con estos contenidos, con el objetivo que se visualicen a
sí mismos como promotores y defensores de los derechos de sus
futuros alumnos.

1131
El posicionamiento ético-político del docente implica,
en este sentido, no sólo conocer y transmitir los derechos, sino
favorecer la mirada crítica de las y los estudiantes respecto de
su cumplimiento y brindarles herramientas que les posibiliten
exigirlos. Pero una formación desde un enfoque centrado en los
DDHH no puede ser declarativa. Requiere una vivencia particular
institucional que los incluya y los desarrolle, dado que no alcanza
solo con la teoría, sino que implica una práctica concreta. Es
imposible formar desde este enfoque si los mismos no tienen
presencia y realidad en la vida de la institución formadora. Por
otra parte, esta mirada se complejiza al tomar conciencia que se
está formando a futuros trabajadores que deben conocer y hacer
respetar sus derechos, como así también el ámbito de formación
debe respetar los derechos de los que allí trabajan.

Por tanto, abordar la formación desde un enfoque de


educación en y para los DDHH implica considerar no sólo la
inclusión de contenidos normativos en el currículum, sino
comprometer todas las prácticas que se dan en la institución y
que hacen a la construcción democrática: el sistema de relaciones
que se tejen entre estudiantes, docentes, auxiliares y directivos;
las prácticas de enseñanza que se desarrollan; las estructuras de
poder institucionales; la participación de los y las estudiantes en la
vida institucional, en las decisiones; la comunicación y el diálogo
que se sostiene con las alumnas y alumnos, etc.

En síntesis, se puede afirmar que la formación docente


inicial en y para los DDHH además de contar con un espacio
específico, implica la construcción de una cultura y un clima
institucional respetuoso de los derechos, pero además requiere
un análisis profundo de la concepción de derecho y ciudadanía
que, en general en los documentos analizados se presentan
como universales, respondiendo a los tradicionales parámetros
eurocéntricos.

Si nos posicionamos en las miradas decoloniales de la


pedagogía podemos afirmar que la educación es la estrategia de
colonialidad por antonomasia, “de modo tal que es con ella que se
siguen consolidando el funcionamiento de la matriz colonial en la
formación de los imaginarios, entendiendo por éstos las formas de
percibir y comprender el mundo propias de cada cultura, siempre

1132
conflictivas y contradictorias”. (Palermo, 2014, p. 45).

Desde esta perspectiva, no alcanzaría con incorporar un


espacio o un conjunto de contenidos, sino que sería necesario
profundizar en la configuración epistémica de la decolonialidad y
su potencial epistemológico, liberador y emancipador en toda la
propuesta curricular de formación docente.

La educación en y para los DDH sin señalar que existen


distintas perspectivas, percepciones y concepciones sobre esta
cuestión limita el aprendizaje. El estudiante, futuro docente,
debería saber que existen distintas perspectivas, percepciones
y concepciones dado que la diversidad cognitiva configura
contradicciones en los estudiantes, las cuales lo hacen pensar y
reflexionar. En la formación docente, consideramos fundamental,
la formación para una ciudadanía abierta e interactiva, capaz de
reconocer las asimetrías de poder entre los diferentes grupos
culturales, de trabajar los conflictos y promover relaciones
solidarias.

Referencias

Palermo, Z. (Comp.). (2014). Para una Pedagogía decolonial.


Buenos Aires: Del Signo. Palermo, Z. (Ed.). (2015). Des/decolonizar
la universidad. Buenos Aires: Del Signo.

Reguillo Cruz, R (2003): Ciudadanía cultural. Una categoría para


pensar los jóvenes. Publicaciones ITESO. Nro55.

Diseños Curriculares provinciales

Recomendaciones para la elaboración de Diseños Curriculares


Diseños Curriculares -Profesorado de Educación Inicial -Ministerio
de Educación Instituto Nacional de Formación Docente. Área de
Desarrollo Curricular

1133
Educación sobre la égida de los
Derechos Humanos: sus posibilidades
en los procesos de formación docente
e inclusión educativa en Brasil

Valdelúcia Alves da Costa1

Resumen

Estudios desarrollados en países de América Latina2 revelan
las posibilidades de la educación bajo de los Derechos Humanos
en los procesos de formación docente e inclusión educativa
para el enfrentamiento y superación de la violencia histórica
contra a los individuos con deficiencia en la escuela. Este trabajo
presenta una investigación desarrollada (2013 y 2014) en dos
escuelas públicas de Brasil, en la cual se consideró la educación, la
formación docente y la inclusión educativa en la perspectiva de los
derechos humanos, establecidos en el Plan Nacional de Educación
en Derechos Humanos de Brasil (UNESCO, 2006), al proponer la
educación como un fin en sí misma y un medio indispensable de
acceso a los demás derechos y, consecuentemente, las cuestiones
sobre los derechos humanos en la educación son tensionadas en
la perspectiva de la Teoría Critica de la Sociedad, involucrando
profesoras y profesores, como participantes de la investigación y
actuantes en las escuelas públicas en Niterói (RJ) y Recife (PE).

Palabras clave: Educación en Derechos Humanos; Formación


Docente; Inclusión Educativa.

1. valdeluciaalvescosta@id.uff.br Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil


2. Brasil (Costa, 2018; 2015; Costa y Leme, 2016); (Crochík, 2018, 2016, 2015, 2011); Chile
(Montecinos, Briceño y Figueroa, 2016); Colombia (Builes, Morillo y Cedeño, 2016);
Costa Rica (Rodriguez y Sanabria, 2016) y México (Vargas Segura, Cíntora, Arochi;
Jacobo y López, 2016).

1134
Abstract

Studies developed in Latin American countries reveal the


possibilities of education under Human Rights in the processes
of teacher training and educational inclusion to confront and
overcome historical violence against individuals with disabilities
in school. This work presents a research carried out (2013 and
2014) in two public schools in Brazil, which considered education,
teacher formation and educational inclusion in the perspective of
human rights, established in the National Plan for Rights Education
Human Rights in Brazil (UNESCO, 2006), in proposing education
as an end in itself and an indispensable means of access to other
rights and, consequently, human rights issues in education are
stressed in the perspective of the Theory Criticism of the Society,
involving teachers and teachers, as participants in the research
and acting in public schools in Niterói (RJ) and Recife (PE).

Keywords: Education in Human Rights; Teacher Formation;


Educational Inclusion.

Introducción

Este estudio considera la perspectiva de los derechos


humanos establecidos en el Plan Nacional de Educación en
Derechos Humanos (PNEDH, UNESCO, 2009), al proponer
‘la educación como un derecho en sí mismo y un medio
indispensable para el acceso a otros derechos’. Por lo tanto, las
cuestiones sobre los derechos humanos en la educación que nos
moviliza, son tensionadas en la perspectiva de la Teoría Crítica de
la Sociedad, al plantearnos las siguientes interrogantes: ¿Cuáles
son los desafíos de la formación, de la práctica docente y de la
experiencia en la educación inclusiva? ¿Cuáles los aspectos
sociales, históricos, pedagógicos, y las actitudes docentes que aún
permiten la segregación y la negación de los derechos humanos
en la educación? ¿Cuáles las causas históricas y sociales que llevan
a las y los profesores se ‘consideraren no preparados para actuar
en escuelas inclusivas’, o sea, no preparados para vivir experiencias
todavía presentes en su actividad educativa con las diferencias de
ser y de aprender de las y los alumnos? ¿La escuela es organizada
en los aspectos arquitectónicos, curriculares y pedagógicos en
consonancia con la educación en derechos humanos?

1135
En este estudio, consideramos la educación inclusiva en
la perspectiva de la amplia participación social. Desta manera,
el derecho a la educación impone políticas, actitudes y retos a
la sociedad. Una vez que no solamente las leyes democratizan
la escuela, y sí, todavía sus experiencias democráticas. Así la
importancia del debate sobre el derecho universal a la educación
destacando sus influencias y sus desdobramientos; articular el
dueto de las políticas públicas con las prácticas educacionales en
las escuelas públicas; y conocer la percepción y las concepciones
de las y los profesores cuanto al derecho a la educación por la
reflexión sobre políticas públicas, actitudes y retos que dan base a
las experiencias inclusivas en el cotidiano de las escuelas públicas.

¿Lo que revelan nuestras investigaciones sobre la Educación


en Derechos Humanos?

Durante el periodo comprendido entre 2013-2014 realicé


un estudio en dos escuelas públicas en los municipios de Niterói
(estado de Rio de Janeiro) y Recife (estado de Pernambuco), en el
cual consideramos la educación, la inclusión escolar y la formación
docente en la perspectiva de los derechos humanos, establecidos
en el Plan Nacional de Educación en Derechos Humanos de
Brasil (UNESCO, 2006), al proponer la educación como un fin
en sí misma y un medio indispensable de acceso a los demás
derechos y, consecuentemente, las cuestiones sobre los derechos
humanos en la educación que nos movilizan son tensionadas en
la perspectiva de la Teoría Critica de la Sociedad. En este estudio se
consideraron los aspectos educativos del cotidiano de las escuelas,
tales como la formación docente y las actitudes que aun permiten
la manifestación del prejuicio, la segregación y la educación ajena
a los derechos humanos y, por tanto, favorable a la negación de
las diferencias y demandas humanas. Las profesoras participantes
del estudio actúan en clases con alumnas y alumnos considerados
en situación de inclusión debido a sus discapacidades, ofreciendo
apoyo de la Atención Educativa Especializada (AEE). Los resultados
expresan avances en la implementación de las políticas de
inclusión escolar y, al mismo tiempo, la necesidad de ampliación y
difusión de la educación y formación en derechos humanos en la
organización de escuelas públicas en Brasil.

La sociedad brasileña ha realizado esfuerzos a favor de

1136
la afirmación de una cultura contraria a la discriminación de las
minorías históricamente excluidas y, consecuentemente, crece
la demanda por inclusión en sus diversas instancias y por la
afirmación de la educación en derechos humanos, ampliando la
conciencia del combate a la violencia provocada por la violación
histórica de los derechos humanos, promoviendo la matrícula de
alumnas y alumnos con discapacidad en la escuela pública, sobre
todo, en este momento, con el apoyo de las políticas públicas y de
la legislación que preconizan la educación inclusiva.

Considerando la demanda humana, cultural y social por


emancipación, a favor de la educación inclusiva y reflexionando
sobre las políticas de educación y formación de profesoras(es),
derivadas de la legislación vigente que se insertan, como
acciones políticas, en la dimensión socio-cultural contemporánea
con complejas demandas, es posible afirmar que la educación
de alumnas(os) con discapacidad debe ocurrir en los salones
de clases junto con los demás colegas. En esta perspectiva, se
crean condiciones para el desarrollo de su autonomía y de su
identificación con las y los alumnos con discapacidad, posibilitando
la experiencia con las diferencias humanas y culturales en el
combate a la violencia. Esto es señalado por Crochík (2009, p.16),
al analizar el papel de la educación en el combate a la iniciación
de la violencia “Pensar la educación escolar como institución
necesaria al combate a la violencia, como formadora de individuos
autónomos, democráticos y emancipados, sin desconsiderar los
límites de esta sociedad”.

Así, la educación contribuye para la formación de individuos


autónomos, capaces de reflexionar y, a su vez, superar lo que pueda
ser identificado en nuestra cultura, y en la sociedad como forma
de manipulación y estimulación a la violencia sin reproducirla,
conforme lo destaca Crochík (2009, p. 25) “Una razón que se piensa
a sí misma y reconoce la violencia que practica, pudiendo así
deshacerse de ella o al menos resistir a ella”. Es necesario afirmar que
la inclusión de alumnas y alumnos con discapacidad en la escuela
pública es posible y se hace urgente para el fortalecimiento de la
democracia. Para esto, existe la necesidad de pensar la educación
inclusiva para que se materialice en el enfrentamiento y en el
encaminamiento de las propuestas y programas de la educación
y de adopción de principios pedagógicos democráticos con

1137
respecto a las minorías históricamente excluidas de la educación,
que en este estudio tiene a la escuela pública como lugar
privilegiado. Otro factor importante en la educación inclusiva
de alumnas y alumnos con discapacidad en la escuela pública es
la oportunidad de la convivencia con colegas sin discapacidad,
dándoles la oportunidad de percibirse como individuos capaces
de desarrollarse en sus diversas dimensiones, tales como la social,
cultural, psíquica, biológica y económica. Entonces, se deben
ofrecer las oportunidades a los medios para la organización de
la escuela democrática con vistas al aprendizaje que tenga como
eje guía a la experiencia entre diversas subjetividades, o sea,
profesoras(es) y alumnas(os) con/sin discapacidad aprendiendo
juntos (AINSCOW, 2008).

Por lo tanto, cabe preguntarse en cuanto a la formación


docente para la educación inclusiva: ¿Cómo es posible pensar
en una educación que se direccione a las diferencias físicas,
cognitivas y sensoriales de las y los alumnos, si su enfoque es la
homogeneización? ¿Cómo pensar en una educación inclusiva
sin reconocer las diferencias de las y los alumnos como parte de
su subjetividad? Y ¿Cómo pensar en una sociedad democrática
con el mantenimiento de escuelas escindidas entre regulares y
especiales? En el enfrentamiento de tales indagaciones, Adorno
(2000) presenta como alternativa pensar la formación del individuo
más allá de la adaptación a la sociedad de clases, a la producción
y para la desbarbarización de la escuela por la educación en la
búsqueda de la superación de los modelos sociales, educativos y
pedagógicos homogeneizadores.

Procesos de formación e inclusión: experiencias de educación


en derechos humanos en la escuela pública brasileña

Se desarrollaron estudios en Niterói (estado de Rio de Janeiro)


y Recife (estado de Pernambuco), municipios con experiencia
en la implementación de las políticas públicas de educación
inclusiva en las escuelas públicas. Participaron profesoras de
Educación Fundamental actuantes en clases regulares, con
alumnas y alumnos en situación de inclusión y en Sala de
Recursos Multifuncionales (SRMs), con el apoyo a la inclusión, en
la Escuela Municipal Ayrton Senna (Niterói) y la Escuela Municipal
Engenho do Meio (Recife), que ofrecen Educación Fundamental

1138
en las etapas iniciales—1° al 4° año—en la jornada de la mañana
y tarde; su estructura física es compuesta por salones de clases
climatizados y bien estructurados arquitectónicamente; son diez
salones de primer año por jornada (mañana y tarde), dos por
jornada de segundo y tercero (mañana y tarde) y dos salones de
cuarto (tarde), con aproximadamente entre veinticinco a treinta
alumnas y alumnos por clase. Ambas escuelas tienen laboratorio
de informática y Sala de Recursos Multifuncionales (SRMs), en
las cuales ofrecen la Atención Educativa Especializada (AEE),
como apoyo a la inclusión en sus clases regulares. Las profesoras
participantes del estudio (diez en cada escuela), actuantes en
clases inclusivas y en SRMs, son licenciadas en pedagogía, entre
otras licenciaturas, como letras, geografía, historia, cursaron
programas de formación continua en el área de educación
especial, con énfasis en abordajes inclusivos de educación para
alumnas y alumnos con discapacidad, tales como intelectual,
auditiva, visual y física, con destaque para los cursos sobre Lengua
Brasileña de Señas (LIBRAS), Tecnologías Asistidas3, Comunicación
Alternativa4, Braille5, Soroban6, Dosvox7, entre otros, ofrecidos
por las Secretarias Municipales de Educación, evidenciando el
compromiso de la gestión escolar con la implementación de las
políticas públicas, del Ministerio de Educación, de educación
inclusiva en las escuelas públicas. Dentro de los resultados
destacamos los aspectos centrales propuestos en el estudio:

• En Cuanto a la Actuación Docente:

Las profesoras de las escuelas estudiadas flexibilizan/


adaptan/modifican los contenidos curriculares, los métodos de

3. Término utilizado para identificar el arsenal de recursos y servicios que contribuyen


para proporcionar o ampliar las habilidades funcionales de personas con discapacidad
y promover la vida independiente e inclusión.
4. Se destina a las personas sin habla o sin escritura funcional o en desfase entre su
necesidad comunicativa y su habilidad de hablar y/o escribir.
5. Sistema de escritura táctil utilizado por personas ciegas o con baja visión. Es
tradicionalmente escrito en papel en relieve.
6. Sistema de aprendizaje de cálculo adoptado para personas ciegas.
7. Se trata de un sistema para microcomputadoras de la línea PC para uso en ambiente
Windows. Se estima que en la actualidad este sistema es utilizado por miles de
personas en Brasil y otros países de lengua portuguesa (África y Europa). También hay
una versión en español para atender la demanda de otros países de América Latina.
Está disponible gratuitamente en Internet.

1139
educación y los recursos pedagógicos inclusivos, recomendados
por el Ministerio de Educación, para facilitar el acceso al aprendizaje
de las y los alumnos en situación de inclusión, mostrándose
receptivas y acogedoras en cuanto a las diferencias y necesidades
especiales de aprendizaje de las y los alumnos con discapacidad.
Se observó la atención a las recomendaciones presentes en
las Adaptaciones Curriculares8, propuestas por la Secretaria de
Educación Especial/SEESP/MEC (BRASIL, 2000). El trabajo docente
cuenta con el apoyo del equipo pedagógico y gestor, lo que
contribuye para el desarrollo del proceso de inclusión escolar,
incluso en la reciente experiencia con la educación inclusiva y la
escasez de recursos financieros y materiales disponibles en las
escuelas estudiadas. En cuanto a las profesoras, actuantes en las
escuelas de Niterói y Recife, destacamos algunas afirmaciones:

• Se sienten desafiadas actuando en el salón de clases donde


hay alumnas y alumnos con/sin discapacidad estudiando
juntos, demostrando reconocimiento de las diferencias de
aprendizaje y afirmación de los derechos humanos, como el
derecho a la educación;

• Participan de programas de formación continua, con


temáticas sobre abordajes de educación para alumnas
y alumnos con discapacidad, para la actuación en aulas
regulares y en la SRMs, promovidos por las Secretarias
Municipales de Educación; aunque los cursos no atiendan
de manera suficiente las demandas de su trabajo
docente, debido a la diversidad de las discapacidades y,
consecuentemente, de las necesidades educativas de las y
los alumnos en situación de inclusión.

En cuanto a la accesibilidad arquitectónica, a la organización


curricular y pedagógica de las escuelas:

• Accesibilidad física y arquitectónica: las escuelas tienen


rampas y baños adaptados;

8. Adaptaciones Curriculares propuestas por el “Proyecto Escuela Viva—Garantizando el


acceso y permanencia de todos los alumnos en la escuela—alumnos con necesidades
educativas especiales”, de la Secretaria de Educación Especial, Ministerio de Educación,
Brasilia, DF, 2000. Disponible: www.mec.gov.br/seesp - acceso: 10/08/2018.

1140
• Cuentan con recursos pedagógicos necesarios para
la Atención Educativa Especializada (AEE) en las Salas
de Recursos Multifuncionales (SRMs), tales como
computadores con programas Dos Vox para alumnas y
alumnos ciegos (Niterói), adaptaciones para alumnas
y alumnos con parálisis cerebral y otros materiales
pedagógicos adaptados a las necesidades educativas de
las y los alumnos con sordez, deficiencia física e intelectual.
Intérpretes de LIBRAS fueron identificados en la escuela de
Niterói; es importante considerar que en la escuela de Recife
no hay alumnos sordos en situación de inclusión y, si hay,
predominantemente alumnos con Síndrome de Espectro
Autista y discapacidad intelectual.

Entre los resultados se destacan: a) identificación de actitudes


docentes que expresan acogida a las necesidades educativas
especiales de alumnos con discapacidad, incluso considerando
los limites sociales; b) fragilidad de la conciencia en cuanto a la
educación como derecho precoz al ser afirmado en la escuela
pública, c) ausencia y/o escases de accesibilidad arquitectónica,
curricular y pedagógica, que obstaculiza el acceso y permanencia
con sustentabilidad de esos alumnos en la escuela pública; d) bajo
nivel de conciencia en cuanto a la manifestación del prejuicio
que permite la discriminación y/o ‘la inclusión marginal’ en la
escuela pública; e) los factores sociales y culturales obstaculizan la
afirmación de la educación en las dimensión humana y social para
alumnos con y sin discapacidad. Sin embargo, hay más visibilidad
y un tanto de consciencia acerca de las diferencias humanas y la
diversidad cultural como algo posible de convivir en la sociedad.
Es evidente que existen múltiples retos para la educación inclusiva
en la escuela pública y a la afirmación de los derechos humanos,
sobre todo, debido a que no se tiene una experiencia histórica con
la sociedad amplia en su sentido de convivencia respetuosa con
la diversidad humana y cultural, o sea, considerar la necesidad e
importancia de la participación de todos los segmentos sociales
como, por ejemplo, las consideradas minorías históricamente
excluidas de los bienes culturales y de las instancias sociales.

Las cuestiones sobre la óptica de los derechos humanos y


tensionadas en la perspectiva de la Teoría Crítica de la Sociedad
son:

1141
• ¿Cuáles son los desafíos a la formación, a la práctica docente y a
la experiencia de la educación inclusiva?

• ¿Cuáles son los aspectos sociales, históricos, pedagógicos, y las


actitudes docentes que aún permiten la segregación y la negación
de los derechos humanos en la educación?

• ¿Cuáles son las causas históricas y sociales que llevan a las y


los profesores a no ‘sentirse preparados a actuar con alumnas y
alumnos considerados en situación de inclusión en las escuelas
públicas’, o sea, se consideran inaptos a vivir experiencias todavía
no presentes en su actividad educativa con las diferencias de ser y
de aprender de las y los alumnos?

• ¿Está la escuela organizada en los aspectos arquitectónicos,


curriculares y pedagógicos en consonancia con la educación en
derechos humanos?

En cuanto a estas cuestiones, según Bobbio (2004, p. 19):

(...) la Declaración Universal de los Derechos Humanos


(ONU, 1948) desencadenó un proceso de mudanza en el
comportamiento social y la producción de instrumentos
y mecanismos internacionales de derechos humanos que
fueron incorporados al ordenamiento jurídico de los países
signatarios.

Pero ante la ambigüedad de la historia, según el referido


autor, refiriéndose a Kant, es necesario un movimiento, por parte
de los individuos, contrario a las actitudes de pasividad ante el
mundo en el combate a la violación de los derechos humanos en
Brasil y demás países de América Latina.

Reflexiones finales

Este quehacer pedagógico banaliza y/o niega la demanda


humana hacia una formación teórica que posibilite una actuación
investigativa contraria a la barbarie en la escuela, y en las demás
instancias sociales. Admitir esa perspectiva formativa, por la
experiencia teórica e investigativa contribuirá en la humanización
de las y los profesores, alumnas y alumnos, a contraponerse a la

1142
dominación y a la inconsciencia social, marcas de la sociedad de
clases a favor de los derechos humanos. Así, será posible soñar
con un futuro y que este venga de manera promisoria para la
totalidad de las mujeres y los hombres en nuestra América Latina.
Es pertinente afirmar, y teniendo como base los resultados de
nuestros estudios investigativos, que la sociedad brasileña,
representada por los movimientos sociales y las comunidades
educativas y científicas, han alcanzado avances en su esfuerzo a
favor de la superación de la segregación impuesta históricamente
a los individuos con discapacidad en las diversas dimensiones
sociales, como la escuela, la comunidad, la cultura y el mundo
laboral, entre otras.

Por lo tanto, las cuestiones centrales, presentadas en este


estudio, se refieren a la formación docente, la educación inclusiva
y sus posibilidades en la perspectiva de los derechos humanos,
establecidos en el Plan Nacional de Educación en Derechos
Humanos de Brasil (UNESCO, 2006, p. 25):

De este modo, la educación se entiende como un derecho


en sí mismo y un medio indispensable para el acceso a
otros derechos. Así mismo, la educación cobra mayor
importancia al orientarse hacia el pleno desarrollo humano
y a sus potencialidades, valorando el respeto a los grupos
socialmente excluidos. Esta concepción de educación busca
hacer efectiva la plena ciudadanía para la construcción
de conocimientos, el desarrollo de valores, actitudes y
comportamientos, además de la defensa socio ambiental y
de la justicia social.

Ojalá que con la afirmación y la experiencia del ejercicio de


los derechos humanos en la educación tengamos en el presente
las posibilidades objetivas y las condiciones subjetivas a la
superación de la segregación y la exclusión educativa y social.
Para tal, se hace necesario y urgente el surgimiento de actitudes
de acción que se contrapongan a la inercia y a la barbarie en
todas sus manifestaciones, especialmente en la escuela pública
en Brasil. Considerando los resultados de nuestros estudios, sobre
la formación, la inclusión y la educación en derechos humanos en
Brasil, enfocandonos en sus retos y perspectivas, con la intención
de afirmar la democratización de la escuela y el combate a la

1143
violencia materializada en segregación histórica de niños, niñas
y adolescentes con discapacidad, desarrollados en escuelas
públicas en Niterói y Recife, vale destacar que la cuestión central
considerada fue en relación a las actitudes de las profesoras frente
a las y los alumnos con discapacidad en situación de inclusión y
la educación inclusiva en la escuela pública, considerando las
políticas públicas de educación inclusiva en el enfrentamiento y
combate a la manifestación del prejuicio que dificulta el acceso a la
educación como derecho humano y social y, consecuentemente,
afirmamos que todavía son muchos los retos (lo que es previsible
en una sociedad desigual y burguesa) al igual que también son
prometedoras de perspectivas dialécticas y promisoras.

Referencias

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1145
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www.mec.seesp.gov.br; www.sedh.gov.br aceso en 02/01/2019.

1146
CAPÍTULO OCTAVO

Educación en Derechos Humanos,


Medio Ambiente, Nuevas Tecnologías
y Medios
1147
1148
Desafios do médico veterinário
na saúde ambiental e bem estar social

Alício José Corbucci Moreira1


Júlio César Pereira Spada2

Resumo

Inicialmente a saúde humana e dos animais foram tratadas
como áreas de atuações distintas e, quase sempre, abnegavam
atenção as questões ambientais. Esse modelo foi substituído
gradualmente por uma visão mais holística do processo,
culminando em um sistema integrado das áreas da saúde
denominado “saúde única” (saúde humana, animal e ambiental).
Com a contextualização da saúde ambiental como ferramenta
de promoção da saúde em âmbito geral, houve uma melhora
significativa das questões sanitárias, principalmente em países em
desenvolvimento, que detém maioria dos recursos naturais ainda
disponíveis. Entretanto, devido a ganância humana, crescimento
populacional e pressão pelas grandes corporações por novas áreas
cultiváveis, resultam em desafios ainda maiores aos profissionais
da área na manutenção da saúde ambiental, a qual impacta
diretamente na saúde das pessoas e dos animais. Segundo a
própria Declaração Mundial dos Direitos Humanos, no seu artigo
25 é direito das famílias o acesso à saúde e bem-estar social, o
qual só é possível mediante o equilíbrio do sistema, e através de
ações/medidas socioeducativas por um profissional capacitado,
protegendo os recursos naturais e preservando a cultura local.
Nesse tocante, far-se-á necessária uma revisão bibliográfica sobre
o assunto com objetivo de discutir pontos tão contraditórios e ao
mesmo tempo importantes para nossa sociedade. Conclui-se que
o papel do médico veterinário é fundamental para a manutenção
geral da saúde, por atuar de uma forma muito próxima aos
animais, população e as empresas do ramo.

1. aliciojcm@gmail.com. Fundação Educacional de Andradina – FEA


2. juliospadamv@yahoo.com.br. Fundação Educacional de Andradina – FEA

1149
Palavras-chave: Saúde Única; Saúde Pública; Direitos Humanos;
Sustentabilidade.

Introdução

Para alguns historiadores a Medicina Veterinária nasce a


partir do momento em o homem começa a domesticar os animais,
por volta de 4.000 anos a.C., de acordo com o Papiro de Kahoun,
descoberto no Egito, em 1890. Entretanto, foi na era cristã, em
meados do século VI, em Bizâncio, que um verdadeiro tratado
enciclopédico denominado HIPPIATRIKA (arte de curar cavalos)
foi publicado, o qual era compilado por diversos autores com
inúmeros artigos, entre aos quais a sua grande maioria escrito
por Apsirtos, considerado por muitos como o pai da medicina
veterinária no hemisfério ocidental. Finalmente em 1761 a
Medicina Veterinária passa a ser reconhecida como profissão, por
meio da criação da primeira Escola de Medicina Veterinária no
mundo, na cidade de Lyon, França (CFMV, 2013).

No Brasil, a Medicina Veterinária cientifica é muito mais


“jovem”, somente no início do século XIX, mais precisamente
em 1910, surgem as primeiras instituições no país: a Escola de
Veterinária do Exército, e a Escola Superior de Agricultura e
Medicina Veterinária, ambas na cidade do Rio de Janeiro, com
enfoque inicial na saúde animal e saúde humana, além dos
interesses comerciais e de mercado já impostos na época por
outros países (CFMV, 2013).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1946,


reconhecendo a necessidade de se conciliar os inseparáveis
preceitos da saúde humana com a saúde dos animais, enfatizou
que se criasse uma seção de saúde veterinária, denominada como
Saúde Pública Veterinária (OMS, 2019).

Nesse tocante, fica evidente as mudanças pela qual a


atividade passou no decorrer dos anos. Grande parte dessas
ocorreram pela evolução do próprio homem, de seus costumes
e necessidades da sociedade, dentre essas novas abordagens e
através da inserção do conceito de saúde ambiental, surge o termo
“Saúde Única”, utilizada para referenciar a união indissociável
entre a Saúde Animal, Humana e Ambiental.

1150
Questões ambientais e até mesmo sociais são discutidas
com muito mais afinco. No Brasil, em parte, isso também se deve
a criação do órgão de classe (Decreto nº 23.133 de 1933), o qual
normaliza e institui uma conduta ético-profissional em relação
as atividades desempenhadas pelo Médico Veterinário em nosso
país (Lei nº 5.517 de 1968). Uma vez estabelecida e normatizada
a profissão, houve a abertura de espaço para que conceitos mais
modernos de produção, como por exemplo o Bem-Estar Animal,
fossem empregados no país.

Atualmente no Brasil existem aproximadamente 300


instituições de ensino que oferecem o curso de Medicina
Veterinária. De acordo com Tiecher apud Correa (2019) o cenário
da profissão é considerado positivo, porém o profissional não pode
ser formado apenas pela parte técnica. Provavelmente as novas
cobranças impostas a atividade, com uma visão menos tecnicista e
mais abrangente sobre outras questões igualmente importantes,
seja pela necessidade mais sustentável de se trabalhar.

Entretanto, Assad e& Almeida (2004) afirmam que:

A sustentabilidade da agricultura é defendida e almejada


por diferentes setores produtivos e segmentos sociais, mas
ainda se apresenta utópica, pois na maioria das vezes a
sustentabilidade está se impondo muito mais pelo aporte
da questão ambiental do que pelo lado da justiça social.

Os autores ainda citam os 5 (cinco) grandes desafios da


sociedade, governo e dos profissionais que atuam na atividade
agropecuária, entre eles aos desafios ambientais e sociais. Dessa
forma, o objetivo do presente trabalho foi discutir os desafios
ligados as questões ambientais e sociais que permeiam a profissão
do Médico Veterinário, devido a importância do tema, e sua atual
repercussão.

Discussão

Influência social e desafios na formação do Médico Veterinário

A formação tecnicista praticada em inúmeros cursos por


um longo período vem sendo substituída gradualmente por

1151
um modelo mais dinâmico e interativo com as necessidades
impostas pelo mercado, e principalmente pela nossa sociedade
atual. Podemos afirmar que um marco importante na formação
profissional do Médico Veterinário foram as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Medicina Veterinária,
instituída pela Resolução CNE/CES em 1 de fevereiro de 2003, da
Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, o que define os princípios
fundamentais para a formação profissional do Médico Veterinário.

Essa resolução traz em seu Art. 3º está a seguinte descrição:

O Curso de Graduação em Medicina Veterinária tem


como perfil do formando egresso/profissional o Médico
Veterinário, com formação generalista, humanista, crítica
e reflexiva, apto a compreender e traduzir as necessidades
de indivíduos, grupos sociais e comunidades, com
relação às atividades inerentes ao exercício profissional,
no âmbito de seus campos específicos de atuação em
saúde animal e clínica veterinária; saneamento ambiental
e medicina veterinária preventiva, saúde pública e
inspeção e tecnologia de produtos de origem animal;
zootecnia, produção e reprodução animal e ecologia e
proteção ao meio ambiente. Ter conhecimento dos fatos
sociais, culturais e políticos da economia e da administração
agropecuária e agroindustrial... (BRASIL, 2003).

Essas diretrizes vão de encontro com a Declaração Universal


dos Direitos Humano, mais precisamente com o seu Artigo 25°:

Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente


para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar,
principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao
alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos
serviços sociais necessários.

Com objetivo de atender boa parte das diretrizes da CNE de


2003 e também da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
boa parte das instituições de ensino tem incorporado em suas
grades curriculares disciplinas que preparam o egresso para
as novas tendências e exigências nacionais e internacionais, no
âmbito político, econômico e principalmente social, o qual sofre

1152
grande influência das novas questões ambientais. Um bom
exemplo, foi a introdução da Disciplina de Medicina Veterinária
Preventiva e Saúde Pública regularmente, através de estudos
direcionados em Saúde Pública Veterinária.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS,


2019), Saúde Pública Veterinária compreende:

Todos os esforços da comunidade que influenciam e


são influenciados pela arte e ciência médico-veterinária,
aplicados à prevenção da doença, proteção da vida e
promoção do bem-estar e eficiência do ser humano.

Portanto, podemos afirmar que existe uma crescente


preocupação com a formação da pessoa, tão grande quanto a
formação do próprio técnico, pois o profissional é cobrado não
só pelos seus conhecimentos específicos, como também pela sua
postura e atuação junto a sociedade. Atualmente essa sociedade
sofre alterações na própria estrutura familiar: deixando de criar
laços afetivos com outros indivíduos ou até mesmo preferindo
interações através do “mundo digital”.

Segundo Kohn & Moraes (2007) essa sociedade estrutura-


se, em primeiro lugar, a partir de um contexto de aceitação global,
na qual o desenvolvimento tecnológico reconfigurou o modo de
ser, agir, se relacionar e existir dos indivíduos, ficando conhecida
como “sociedade da informação”.

Essa nova postura, de certa forma, exige muito do egresso,


os quais tem que lidar com uma longa lista já existente de
atividades e, ao mesmo tempo atentar-se aos novos costumes
e suas peculiaridades. Uma situação que criou um forte nicho
de mercado foram as formações de “famílias mistas”, através da
inserção de pets (principalmente cães e gatos) como membros da
família moderna. Entretanto, para o Médico Veterinário surgiram
alguns paradigmas em função dessa “humanização” dos animais.

1153
Os desafios do Médico Veterinário na promoção da saúde
ambiental e bem-estar social

Recentemente a Medicina Veterinária tem expandido


seu campo de atuação, isso se deve primordialmente: pela
disponibilidade de técnicas avançadas de diagnóstico e de terapia,
bem como pelos avanços científicos em outras áreas, como a
genética, a biotecnologia, a fisiologia, etc., o que proporcionou
uma melhora significativa nos sistemas de produção animal.
Entretanto, o maior desafio do “novo veterinário” seja conciliar
os novos avanços alcançados com questões inerentes do “novo
mundo”, antenado nas questões ambientais.

De maneira geral, podemos afirmar que os desafios


impostos pela sociedade atual ao governo, agricultores e porque
não, para o médico veterinário são os desafios ambientais, sociais,
econômicos, territoriais e tecnológicos. Quanto aos desafios
ambientais e sociais podemos afirmar (ASSAD & ALMEIDA, 2004):

I. Desafio ambiental - buscar sistemas de produção


adaptados ao ambiente de forma que a dependência de insumos
externos e de recursos naturais não renováveis seja mínima;

II. Desafio social – Pela capacidade de contenção de fluxos


migratórios, que favorecem a urbanização desorganizada, esse
desafio consiste em adotar sistemas de produção que assegurem
geração de renda para o trabalhador rural e que este disponha de
condições dignas de trabalho, remuneração e equidade.

Para entender essa nova demanda social vamos relembrar


alguns eventos históricos que impactam diretamente em nossa
forma de vida mesmo depois de muitos anos. Talvez para grande
parte da população mundial, inclusive para o agronegócio, a
Segunda Guerra Mundial foi extremamente impactante. Podemos
salientar que, o período pós-guerra criou um marco na atuação do
médico veterinário, em parte, devido a necessidade crescente na
produção de alimentos, e também da mecanização e tecnologia
empregada na produção animal e vegetal, o qual resultou em
aumento considerável dos volumes produzidos.

Segundo PfuetzenreiterI et al. (2004) este período cria

1154
uma nova fase na Saúde Pública veterinária, caracterizada pelo
trabalho voltado para a população com o uso da epidemiologia
no desenvolvimento de programas de controle de zoonoses pelas
agências de saúde pública. Como consequência da interação
com profissionais da medicina humana, os médicos veterinários
começaram a ocupar várias posições nas áreas técnicas e
administrativas da saúde pública (CARVALHO et al. 2017).

Uma outra característica deste período é o impacto direto e


indireto pela ação do homem no ambiente e consequentemente
na sociedade, seja pelo aumento dos poluentes industriais, pelos
dejetos da atividade pecuária, ou até mesmo a substituição da
produção em pequena escala por um formato verticalizado de
produção. A alteração do panorama ambiental de forma drástica,
associada a aglomeração de pessoas em seu entorno, acabou
contribuindo para surtos de doenças emergentes na época.

De acordo com Zanella (2016) existem vários fatores para


a emergência ou a reemergência de doenças, mas o principal
é a expansão da população humana. Outros fatores incluem
mudanças climáticas, globalização e intensificação da produção
animal. Isto é preocupante, já que 75% das doenças humanas
emergentes ou reemergentes do último século são zoonoses.
Portanto, as zoonoses atravessam a barreira do tempo e, ainda
hoje são desafiadoras para os profissionais ligados a saúde.
Dessa forma, os profissionais começam a atentar-se para práticas
agropecuárias sustentáveis, o que de certa maneira preserva o
ambiente e reduz a disseminação dessas doenças.

Até então o termo sustentabilidade não fazia parte do


cenário mundial e também das atribuições do médico veterinário
moderno. Somente em 1972, após a Primeira Conferência das
Nações Unidas sobre o Ambiente Humano em Estocolmo, na
Suécia, surge a ideia de desenvolvimento sustentável. Entretanto,
em 1987, a “Comissão Brundtland”, como ficou conhecida,
publicou um relatório inovador, “Nosso Futuro Comum” – que
traz o conceito de desenvolvimento sustentável para o discurso
público (ONU/BRASIL, 2019).

Mesmo passado muito tempo após a Conferência das


Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,

1155
realizada no Rio de Janeiro, em 1992, conhecida como a “Cúpula
da Terra”, e sua “Agenda 21”, ainda hoje sofremos na resolução de
boa parte do diagrama proposto na época.

De acordo com Assad & Almeida (2004):

Encontrar maneiras de direcionar as atividades agrícolas


de formas mais sustentáveis, que atendam às exigências
econômicas, sociais e ambientais, constitui tarefa muito
difícil, especialmente dentro de um contexto agrícola, o
qual ainda, em boa parte é fruto da “Revolução Verde”.

Com o início da globalização e da era digital houve um


maior apelo as questões ambientais. Porém, Duarte (1998) discorre
que, no Brasil, a globalização e a modernização da agricultura
resultaram em um desenvolvimento econômico e tecnológico
associado a degradação e o esgotamento dos recursos naturais,
com a concentração de renda e, consequentemente, exclusão
social no setor agrícola (DUARTE, 1998).

Com as migrações sociais do campo e alterações familiares


já mencionadas anteriormente foi necessária uma atuação mais
conjunta entre os profissionais ligados a saúde dos animais,
humana e ambiental, através da utilização dos conceitos de
“Saúde Única”. A World Veterinary Association (WVA, 2016)
define como o esforço integrado de múltiplas disciplinas para
a obtenção de saúde para as pessoas, os animais e o ambiente,
reconhecendo que a saúde e o bem-estar de seres humanos,
animais e ecossistemas estão interconectados.

No Brasil, hoje, isso só é possível, graças a criação do


Sistema Único de Saúde (SUS), criado no Brasil em 1988, com a
promulgação da nova Constituição Federal, e regulamentado
pelas Leis Orgânicas da Saúde nº 8.080/90 e nº 8.142/90. É papel
do SUS de acordo com o artigo 198 da Constituição Federal de
1988:

Conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos


e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
administração direta e indireta e das fundações mantidas
pelo Poder Público (BRASIL, 1988).

1156
De maneira geral, podemos afirmar que o Médico Veterinário
promove o bem-estar social através de ações diretas (na saúde
animal e ambiental) e indiretas na saúde (saúde humana). No que
tange a saúde dos animais e do ambiente, as ações consistem
na vigilância em saúde (vigilância epidemiológica, sanitária,
ambiental, etc.), enquanto que na saúde humana baseia-se na
assistência a saúde através de programas como Núcleo de Apoio a
Saúde da Família (NASF). O programa foi criado pelo Ministério da
Saúde (2008), com o objetivo de apoiar a consolidação da atenção
primária da saúde no Brasil, ampliando as ofertas de saúde na
rede de serviços, assim como a resolutividade, a abrangência e o
alvo das ações.

Atualmente, regulamentados pela Portaria nº 2.488, de 21


de outubro de 2011, os núcleos são compostos por equipes
multiprofissionais que atuam de forma integrada com as
equipes de Saúde da Família. A composição de cada um dos
NASF será definida pelos gestores municipais, seguindo
os critérios de prioridade identificados a partir dos dados
epidemiológicos e das necessidades locais e das equipes de
saúde que serão apoiadas. (BRASIL, 2019).

Esse modelo de equipes multiprofissionais atuando de


forma conjunta no estado e municípios, de certa forma, ainda é
utópica e um grande desafio. Isso pode ocorrer em razão da forma
como os núcleos são compostos, pela quantidade de profissionais
envolvidos e até mesmo pela falta de um profissional específico,
e de certa forma indispensável para promoção da saúde. Não é
incomum a formação de equipes multiprofissionais sem a presença
de um médico veterinário, o que pode ocorrer por incompetência
dos gestores no momento da escolha e/ou falta de conhecimento
dos conceitos de saúde no sentido amplo e atual.

É comum que boa parte dos gestores municipais


concentrem os problemas de saúde pública veterinária somente
sobre o Médico Veterinário responsável pelo Centro de Controle
de Zoonoses (CCZ) dos municípios, o que poderia ser sanado com
a obrigatoriedade de um Médico Veterinário compondo a “mesa”
do NASF, com exceção ao profissional já responsável pelo CCZ, que
obrigatoriamente já tem que trabalhar em sintonia com o órgão
de saúde do próprio município, através de ações de prevenção e

1157
controle de zoonoses, controle de população animal, controle de
animais sinantrópicos e medidas socioeducativas.

Atualmente um grande desafio para os profissionais da


saúde nas áreas urbanas é o controle dos animais sinantrópicos, o
quais são definidos como animais que se adaptaram a viver junto
ao homem, a despeito da vontade deste. Diferem dos animais
domésticos, os quais o homem cria e cuida com as finalidades de
companhia (SÃO PAULO, 2019). Essas espécies se beneficiaram das
condições ecológicas criadas pela atividade humana no processo
de urbanização, o que resultando na capacidade dessas espécies
habitar em ecossistemas urbanos ou antropizados, se adaptando,
independentemente da vontade do homem.

Dentre as inúmeras espécies de animais classificadas


sinantrópicos (abelhas, aranhas, baratas, carrapatos, escorpiões,
formigas, morcegos, mosquitos, pombos, etc.), alguns vem
repercutindo na transmissão de doenças emergentes e
reemergentes em centros urbanos, como a raiva, dengue, febre
amarela e leishmaniose, entre outras. Algumas dessas doenças
são de extrema importância em saúde pública, pela sua letalidade
ou por custo elevado e prolongado do tratamento.

A raiva é sem dúvida alguma a zoonose que recebe a maior


atenção dos órgãos envolvidos na manutenção da saúde, isso
porque trata-se de uma doença infectocontagiosa letal para a
maioria dos animais e seres humanos. Segundo a WVA² (2016) a
raiva é preocupante pois existem mais de 200 milhões de cães
abandonados no mundo, o que necessita de atenção especial por
parte da sociedade.

Durante muito tempo os casos de raiva de maneira geral


vinham diminuindo, graças a intensificação das ações de vigilância
e controle da raiva canina e felina nos últimos 30 anos. Apesar
disso no período de 2010 a 2018, foram registrados 36 casos de
raiva humana, apesar das vacinações de cães e gatos em todo
país. (BRASIL, s/d).

Ainda de acordo com os dados do Ministério da Saúde


(BRASIL, s/d) a grande maioria dos casos de raiva em humanos
foi por agressão direta de morcegos em áreas ribeirinhas, com

1158
ocupação humana. Provavelmente com o desmatamento e as
novas edificações, houve uma natural migração e aproximação
do homem e dos animais com os morcegos hematófagos, o que
resultou na confirmação de novos casos de raiva.

Entre meados de 2016 foram confirmados casos de raiva


no Estado de São Paulo, inclusive no município de Andradina.
De acordo com Carmo apud Santos (2016), da Coordenadoria de
Assistência Técnica Integral (CATI - Regional de Andradina) ele
foi procurado por produtores intrigados com o comportamento
de duas novilhas em suas propriedades, que estavam com
dificuldades de andar, afastadas do rebanho, e de alimentação. O
mesmo em uma visita às propriedades logo constatou o problema,
o qual foi confirmado através de coleta e envio de material para
análise laboratorial. Santos (2016) alerta para possíveis abrigos
artificias construídos pelo homem na região (pontes e barragens
hidrelétricas próximo a reservas naturais) que estariam servindo
de abrigo para os morcegos hematófagos.

Outra zoonose que causa sérios problemas em saúde púbica


são as leishmanioses, são doenças infecciosas, não contagiosas,
causadas por diferentes espécies de protozoários do gênero
Leishmania (BATES, 2007). São consideradas primariamente como
uma zoonose podendo acometer o homem, quando este entra em
contato com o ciclo de transmissão do parasito, transformando-se
em uma antropozoonose (BRASIL, 2014).

Durante muito tempo, o procedimento com os animais


acometidos, em função da gravidade, era a eutanásia, uma vez
que, não havia um tratamento efetivo e regulamentado pela
Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e aprovado
pelo CFMV. Com as pesquisas e procura por uma droga efetiva no
tratamento dos cães, o mesmo foi autorizado recentemente.

Em 2017, foram notificados à Organização Mundial de


Saude (OMS), 22.145 novos casos, onde desse número, 20.792
casos eram provenientes de sete paises: Brasil, Etiópia, Índia,
Quênia, Somália, Sudão do Sul e Sudão (WHO, 2017).

Atualmente as leishmanioses, estão integradas no grupo


de doenças infecciosas negligenciadas, ocorrendo nos países

1159
mais pobres e atingindo assim as populações mais vulneráveis,
sendo aquelas que não dispõe de acesso a serviços de saúde,
apresentando ampla distribuição global (OPAS, 2019). A falta
de saneamento, o desmatamento, o acumulo de lixo em locais
com alta pluviometria são os principais fatores de risco, isso
porque o ‘mosquito palha” (principal vetor) é o responsável pela
disseminação da doença, o que impõe um grande desafio as
classes médicas.

Com a possibilidade de tratamento dos animais com drogas


que até então eram exclusivamente para humanos, surgiu uma
nova esperança para os animais e seus proprietários, entretanto, o
fato resultou em “certo desconforto” com alguns profissionais que
defendem a eutanásia. Outra situação que outrora não era vivida
são as recusas em sacrificar os animais positivos, quando testados
pelo CCZ e comprovadamente positivos. O grande problema é que
o custo do tratamento é elevado e vitalício. Alguns proprietários
que optam por tratar acabam não realizando de forma correta, ou
até mesmo abandonando a terapêutica ou os próprios animais, o
que coloca parte da população em risco.

O que fica claro dentre as inúmeras situações que surgem


para os futuros profissionais é: a inevitável associação dos animais
na estrutura familiar de uma forma muito íntima, além do desafiador
cenário que os profissionais da saúde terão que enfrentar com as
alterações ambientais.

Considerações Finais

Conclui-se que o Médico Veterinário tem um importante


papel no bem-estar da população, através de ações fiscalizadoras,
de promoção da saúde, e principalmente como mediador entre o
homem, os animais e o ambiente. Entretanto, isso só é possível com
uma formação mais humanística e holística da profissão. Dessa
forma, com o apoio da sociedade, com uma correta utilização da
tecnologia, e principalmente com profissionais preparados para
os novos desafios, práticas cada vez mais sustentáveis surgirão,
resultando em ganhos ambientais e consequentemente sociais.

1160
Referências

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phlebotomine sandflies. International Journal for Parasitology,
Australia, n. 37, p. 1097-1106, 2007.

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2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 de


outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção
Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para
a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da
Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
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1161
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1163
O meio ambiente como um direito humano
essencial e a necessidade da criação de
mecanismos preventivos de sua violação através
da educação em Direitos Humanos

Vitória Rodrigues Sanches1


Juliana Silva de Freitas2

Resumo

O presente trabalho tem objetivo de analisar as atrocidades
cometidas no Brasil em relação à preservação do meio ambiente.
Enquanto um direito humano e fundamental, essencial para
a presente e futuras gerações, o meio ambiente deveria ser
amplamente protegido, mas na prática brasileira não é o que
se verifica. Levando em consideração a legislação internacional
e nacional que visa a sua proteção, notou-se necessário muito
mais que normas formais para se atingir uma prevenção efetiva
contra catástrofes que têm atingido o meio ambiente brasileiro e
deixado marcas indeléveis e irreversíveis. Nos últimos anos, dois
tristes e lastimáveis eventos de degradação ocorreram no Brasil,
notadamente no estado de Minas Gerais, nas cidades de Mariana
e Brumadinho, casos esses que são analisado no presente estudo,
sendo possível afirmar que a fiscalização corrupta e negligente
compactuou para o crime contra o meio ambiente natural.

No Brasil há leis ambientais que visam à prevenção e


proteção do meio ambiente natural, porém, segundo uma
pesquisa realizada pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia), o desmatamento aumentou 54 % em
janeiro de 2019 (IMAZON, 2019). Logo, observa-se que legislações
não são efetivamente cumpridas, confirmando também as

1. vitoria.sanches13@gmail.com
2 juliana.silvadefreitas@hotmail.com
UNIVERSIDADE: Centro Universitário Toledo de Ensino – UNITOLEDO – Araçatuba – SP
– BRASIL

1164
fiscalizações feitas de forma negligente e corrupta.

Em síntese, fica a indagação a ser repensada: como pode


o Brasil combater mais efetivamente os crimes contra o meio
ambiente? Segundo o estudo realizado no presente trabalho,
constatou-se que a solução partirá primeira da educação em
direitos humanos e segundo pela inclusão de políticas públicas
efetivas, no caso da segunda solução apresentada, esta deverá ser
destinada tanto às empresas, para que realizem uma produção
sustentável, quanto aos consumidores, para que consumam da
mesma forma e conscientemente, fatores cujo sucesso depende
da educação.

Palavras-chaves: direitos humanos; educação; meio ambiente;


direito ambiental.

I. Evolução histórica do direito ambiental e sua importância


para toda coletividade

É incontrovertível que o Direito Ambiental é recente no


aspecto jurisdicional, nos ordenamentos jurídicos ao redor do
mundo e, principalmente, no cenário brasileiro. Pode-se afirmar
que teve nascimento no século XX, com uma maior valorização a
partir do ano de 1960, época em que houve uma crise ambiental
e uma reflexão populacional a respeito do tema.

No final da Segunda Guerra Mundial, alguns acontecimentos


despertaram o pensamento sobre a saúde ambiental na
conjuntura social, como exemplo os bombardeios em Hiroshima
e Nagasaki, os quais fizeram a população se preocupar com a
possível poluição radioativa mundial, foi então que movimentos
ambientalistas surgiram. Um desses movimentos foi em 1962,
que foi impulsionado pela escritora Rachel Carson, que escreveu
alguns livros relatando a importância da preservação do
ecossistema para assegurar o meio ambiente a saúde humana da
atual e futuras gerações.

Logo, com a evolução desencadeada mundialmente, ficou


evidente que a atuação do ser humano, no aspecto ambiental,
ocasionou algumas degradações, sendo estimuladas cada vez
mais pelo crescimento desenfreado da exploração com o intuito

1165
de obter vantagem econômica, o que trouxe a necessidade de
colocar limites para o ser humano e o uso do meio ambiente,
mostrando a ascensão da importância da preservação do
ecossistema em tempos hodiernos.

Mediante fatores em âmbitos históricos, socioeconômicos,


morais e técnicos, a problemática da violação excessiva ao meio
ambiente tangente à destruição, desmatamento, descrédito
e poluição ao meio se faz presente no país – sendo um ato
retrógrado para toda a população brasileira, tornando-se essencial
a criação de mecanismos preventivos para combater tais práticas
deploráveis.

Não surpreendentemente, a problemática está ligada à


globalização e ao modelo de capitalismo funesto e longe de ser
consciente. Invariavelmente tem se esquecido de que qualquer
degradação do planeta terrestre é de interesse de todas as nações,
razão pela qual a prevenção é elemento essencial.

Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo


abordar a necessidade e a importância do desenvolvimento e
do fortalecimento da Educação em Direito Humanos no ensino
brasileiro, como um meio de prevenir práticas violentas ao
meio ambiente, o qual é configurado como um direito humano
essencial.

I. a. Historicidade do Meio Ambiente no Ordenamento Jurídico


Brasileiro

Em um viés nacional, a Constituição da República Federativa


do Brasil de 1988 teve um marco simbólico abordando vários
temas importantes para a vivência humana, recebendo o nome
de Constituição Cidadã, além de assegurar a democracia para o
povo brasileiro – pós-estado ditatorial -, também tem/tinha como
objetivo garantir a dignidade humana, com isso protegendo
todos os meios de e para convívio social dos cidadãos. Um desses
meio é o Meio Ambiente, que teve uma lei especial consagrada
em seu favor, dando a proteção jurídica necessária ao mesmo,
também sendo garantida pela Lei Maior em seu artigo 225:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

1166
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os
presentes e futuras gerações.”

Tal artigo foi criado e inserido no ordenamento jurídico no


ano de 1988, com o início da vigência da atual Constituição, após
vários movimentos ambientais ao redor do mundo, conferências
e tratados internacionais em que o Brasil foi signatário. Contudo,
foi implantado com um estimulo da Lei 6.983 de 1981, nomeada
como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que tinha por
desígnio orientar atos dos entes federativos quando se tratava de
meio ambiente, trazendo em seu artigo 3°, inciso 1, o conceito de
meio ambiente:

Art. 3, I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis,


influências e interações de ordem física, química e biológica,
que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Em análise do artigo supramencionado, a doutrina,


majoritariamente, cita uma ineficiência neste conceito legal,
trazendo uma restrição meio ambiente natural. Com isso, a
doutrina complementa:

“Meio ambiente é, também considerado, conjunto de


elementos naturais, urbanos, laborais e culturais que
propiciam desenvolvimento equilibrado de todas as formas
de vida”.

Um dos movimentos que foram muito significativos para o


meio ambiente, foi a reunião em Estocolmo, em 1972, onde teve a
criação de um novo ramo do Direito, reunião essa em que o Brasil
teve participação e impulsionou semeando a ideia em todo o
território brasileiro, Nesse evento houve debates sobre questões
ambientais, tendo em vista que a degradação do meio já era
perceptível, surgindo então o Direito Ambiental.

Sendo a ideia inserida no ordenamento jurídico brasileiro


em 1988, logo teve, em 1992, a Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, o qual ficou
popularmente conhecida como Rio – 92, tal evento foi sediado no

1167
Brasil com o objetivo de debater e buscar soluções a respeito de
problemas ambientais em todo o mundo.

Disseminando, por todo o Brasil, o conceito de Direito


Ambiental após várias manifestações de ideias favoráveis a
proteção do meio ambiente, que foi dada como “conjunto de
normas e princípios que regulamentam as relações e interações
das pessoas com o meio ambiente que elas integram, a fim de
garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as
sadias qualidades de vida, para a presente e futuras gerações”

I. b. Do Direito Universal ao Meio Ambiente Digno

Conforme o ideário de Direito Ambiental, trazido por


vários ambientalistas e aprimorado pela legislação, o meio
ambiente é essencial para a vida do ser humano. Nesse sentido,
mediante configurações individualistas e egocêntricas em tempos
hodiernos, o Direito busca formar uma sociedade que esteja ligada
com o altruísmo, empatia e respeito, tanto para com o tratamento
humano quanto para a preservação do meio em que esteja
inserido, o que se caracteriza como meio ambiente.

Em consonância com o ramo do Direito que se tornou


um Direito Humano após processos históricos, pode-se tratar
de princípios que o regem, dentre eles encontra-se o Princípio
da Cooperação Entre Povos, o qual expresso que a proteção
ambiental é um direito humano que independe de fronteiras, ou
seja, territórios em que a população reside, pois é configurado
como ubíquo, está ao mesmo o tempo em toda a parte.

Completando o princípio supracitado, doutrinariamente


aparece o Princípio da Natureza Pública da Proteção e do Controle
Público, o qual implica na busca pela efetividade da tutela
ambiental, trazendo a expressão “in dubio pro natura”, significando
que quando ocorrer interpretações distintas, deve buscar “na
dúvida, a escolha deve recair no benefício ao meio ambiente”,
possibilitando o entendimento que o Estado não pode ficar
inerte a práticas maléficas ao meio, deve impor limites, fiscalizar e
controlar, sendo o gestor.

Com o propósito de incentivar o cuidado humano para esse

1168
Direito, surgiram várias organizações de aspectos internacionais
e intergovernamentais, como exemplo UNESCO (Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), IMO
(Organização Marítima Internacional), FAO (Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), PNUMA
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) entre outras
que estimulam papel importante para um desenvolvimento
sustentável em âmbitos de regiões, nações e mundialmente.

Ademais, muitos tratados internacionais, resoluções,


declarações e programas de políticas públicas entram em ação
para influenciar a tutela jurídica na área em questão, à exemplo
é a Carta Mundial para Natureza, a qual traz várias resoluções
em sua letra, como a resolução 35/7 de 30 de outubro de
1980, expressando que os benefícios da natureza dependia da
manutenção dos processos naturais, porém os mesmos foram
postos em risco devida a exploração excessiva e o crescimento
desenfreado dado pelos habitantes terrestres.

Logo, muitas resoluções surgiram com a mesma temática,


ano após ano traziam a questão em importância. ONGs nacionais
e internacionais obtiveram uma grande relevância, a Greenpeace
e a WWF (Word Wide Fund for Nature), essas apoiam atuando na
recuperação e conservação ambiental. Bem como, os movimentos
para o desenvolvimento sustentável foi adotado por diversos
países, incluindo o Brasil, países do bloco internacional MERCOSUL,
os quais buscam aperfeiçoar as legislações e compatibilizar-
se com outras, criando e assinando acordos mesmo diante de
diferenças ambientais existentes em seus países, fazendo jus ao
Princípio da Cooperação Entre Povos.

O Direito Ambiental veio coerentemente ao encontro da


dignidade da pessoa humana, sendo necessário o reconhecimento
universal. O surgimento desse ramo do Direito se deu a partir de
acontecimentos que instigaram o povo a fazer uma reflexão sobre
seus atos excessivos, trazendo questões sobre como manter o
meio ambiente vivo para as gerações vindouras, a conscientização
democrática para a preservação ligada ao progresso humano.

1169
II. Degradação ambiental face ao desenvolvimento econômico

No Brasil, conforme visto anteriormente, existem leis e


políticas públicas que visam proteger o meio ambiente. No
entanto, assim como em outras partes do globo a proteção
ambiental se contrapõe ao crescimento econômico, isto porque
as matérias-primas e fontes de energias mais baratas advêm
da extração “in natura”, que em decorrência, causa uma maior
degradação nos ecossistemas naturais.

Por ser um país que está em desenvolvimento o Brasil


tem maior interesse por esse tipo de crescimento econômico,
qual seja aquele que não se preocupa com a sustentabilidade.
Errôneo, entretanto generalizar referida situação, afinal existe
esparsas iniciativas que se preocupam com a preservação, e
por esse motivo, desenvolvem estratégias para que economia e
preservação ambiental caminhem juntas.

No entanto, válido considerar, que o presente trabalho visa


analisar uma parcela de graves acidentes ocorridos no Brasil, que
tiveram em decorrência o dano ambiental e humanístico.

Nesta seara as degradações ambientais ocorridas foram


ocasionadas por sociedades empresariais, que, mesmo tendo
conhecimento das legislações e políticas públicas protecionistas,
dispensaram e extrapolaram os limites estabelecidos, para então
conseguirem maiores rendimentos, lembrando que as alternativas
mais degradantes são também as mais baratas.

Não obstante, o Estado apesar de criador de normas


e políticas que visem à proteção ambiental, também é
responsável pela fiscalização e consequentemente aplicação da
lei. Interessante destacar que a eficácia normativa não existiria
apenas com a transcrição dos limites nela estabelecido, existindo,
portanto, a necessidade de se fiscalizar e punir as atividades
que compõem risco ambiental, aliás, a eficácia da lei vigente
se entende exatamente como a verificação no plano fático do
cumprimento legal.

Dessa forma, como será demonstrado a seguir houve casos


alarmantes no Brasil em que a degradação ambiental se constatou

1170
irreversível, tendo inclusive vítimas fatais e que tiveram como fatores
decisivos a ingerência empresarial, na qual o interesse econômico
se sobrepõe ao interesse coletivo de proteção ambiental.

II. a. Rompimento da Barragem de Mariana-MG e Brumadinho-


MG

Antes de abordar o ocorrido, é importante esclarecer


as características e os riscos que as atividades exercidas pelas
mineradoras assumiam ao utilizar o sistema de barragem para
mineração.

Segundo um estudo feito pela PUC-RJ, Barragem de Rejeito


consiste em

Uma barragem de rejeito é uma estrutura de terra construída


para armazenar resíduos de mineração, os quais são definidos
como a fração estéril produzida pelo beneficiamento de
minérios, em um processo mecânico e/ou químico que
divide o mineral bruto em concentrado e rejeito.

Logo, nos desastres ocorridos em Mariana-MG no ano de


2015 e em Brumadinho-MG 2019, ocorrera o rompimento das
barragens que continham esses rejeitos.

Como visto anteriormente existem legislações nacionais


que visam à proteção ambiental, no caso específico de barragens
a principal lei que regula o tema é a Lei n°12.334 de 2010, que
prevê uma série de medidas que devem ser observadas, fixando
os órgãos que deverão compor a fiscalização.

No entanto conforme se verificará nos tristes exemplos a


seguir, não existe no Brasil uma fiscalização efetiva, e tampouco
um cumprimento efetivo da lei ambiental.

II. a. 1. Rompimento da Barragem de Mariana-MG

Ocorrido no ano de 2015, o rompimento da barragem de


Mariana é considerado como um dos maiores desastres industriais,
referido ocasionou inúmeros danos. Embora tenha gerado um
contingente baixo de perdas humanas, quando comparado a

1171
outros de mesma categoria, o principal dado desse ocorrido está
na degradação intensa do meio ambiente e suas consequências
no tempo, “lavando” os estados de Minas Gerais e Espírito Santo
com 51 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério.

Segundo investigações concluídas, é de conhecimento que


a barragem apresentava defeitos estruturais, como assolamento
da base, que colocam em cheque a estabilidade da estrutura,
contudo não houve um monitoramento para que medidas fossem
adotadas para configurar uma segurança maior para os moradores
locais, que agora estão desabrigados devido o ocorrido.

Dentre os danos ambientais, está a poluição do Rio Doce,


que abastecia vários municípios. A destruição do subdistrito de
Bento de Abreu pode ser citada como referência do dano cultural,
urbanístico e materiais causados as famílias que ali residiam.

II. a. 2. Rompimento da Barragem de Brumadinho-MG

Ocorrido no ano de 2019, o rompimento da barragem de


Brumadinho foi apontado pelo jornal G1 como um dos maiores
desastres socioambientais do Brasil, chegando a 248 mortos até o
dia 5 de julho de 2019, com ainda 22 pessoas desaparecidas.

O tipo de barragem criada, nesse caso, é determinado


tipo montante, onde os detritos são depositados e compactados
em camadas, isso coloca em pauta a resistência dessa forma de
contingência dos resíduos que são descartados, uma vez que são
construídas pelos sedimentos que não possuem valor agregado
na mineração.

Mas, segundo a ONU, um dos principais problemas


na questão das barragens, é de que inicialmente elas foram
projetadas para suportar um volume de resíduos, mas que ao
longo dos anos, por necessidade, alterações estruturais são feitas
a fim de comportar um volume maior do que o original.

No caso de Brumadinho, inicialmente em 1976, sua


capacidade era de 12 milhões de metros cúbicos, ela fora
desativada em 2015, e em 2018 a Vale recebeu um licenciamento
para realizar obras a fim de fazê-la deixar de ser uma barragem.

1172
A ONU ainda frisa que o maior problema no ponto de vista
da construção é de que o modelo determinado é avaliado levando
em consideração não somente requisitos legais de segurança,
mas também um conjuntos de custos, que fazem com que, em
via de regra, as indústrias optem por for formas de custeiam a
construção e atrelado a isto ocorre um fator de insegurança maior.

II. b. Atrocidades ocorridas na Amazônia

A Amazônia é um bioma que na maior parte de sua extensão


se situa no país Brasil, compreendida em três regiões nacionais,
quais sejam, norte, nordeste e centro- oeste. Tem como principal
característica a sua diversidade seja pela variedade de espécies
de animais seja pela riqueza em plantas e fertilidade no solo, não
existem dúvidas de sua importância para a própria nação e para o
mundo.

Nesse sentido, segundo uma definição feita pela Associação


O ECO (2014), além de ser responsável por abrigar milhões de
pessoas, o bioma amazônico também é responsável por contribuir
para o equilíbrio climático global.

[...] Neste verde e vasto colosso de águas e florestas vivem


mais de 33 milhões de pessoas, incluindo 1,6 milhão
de povos indígenas de 370 etnias distintas, além de
ribeirinhos, extrativistas e quilombolas. A floresta garante
a sobrevivência desses povos, fornecendo alimentação,
moradia e medicamentos. O grande bioma amazônico tem
uma relevância que vai além de suas fronteiras: influencia
diretamente o regime de chuvas do Brasil e da América
Latina e é um fundamental sorvedouro de carbono,
contribuindo para o equilíbrio climático global. Sua
imensa cobertura vegetal estoca entre 80 e 120 bilhões de
toneladas de carbono. [...] Associação O ECO (2014).

Por tais motivos, visando à proteção da região que


compõe a região amazônica, no ano de 2007, foi sancionada
a lei complementar 124 que criou a Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), autarquia responsável
por estimular o desenvolvimento sustentável e de dispor sobre o
Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA).

1173
Apesar do empenho das casas legislativas em traçar
estratégias protecionistas criando leis e autarquias que deveriam
proteger esse bem jurídico, esperada situação não se torna
eficaz, por falta de fiscalização mais severa e por conta de
uma mentalidade ainda ignorante da maioria dos produtores
e empresários de que não existe progresso econômico sem
sustentabilidade. Sendo oportuno qualificar sustentabilidade,
como sendo o desenvolvimento econômico com alternativas que
protejam o meio ambiente.

Conforme se denotará apesar de todo esforço, não apenas


do poder público, mas também de organizações sociais sem fins
lucrativos, a Amazônia continua em crise. Não é novidade para o
Brasil, tampouco para o mundo de que a extração vegetal tem
aumentado.

Recentemente, precisamente no mês de agosto, ano de


2019, a Amazônia sofreu com incêndios de grandes proporções,
situação lamentável que foi reportada em renomados jornais
internacionais.

Sob a manchete de “A Amazônia arde em chamas, Brasil


registrou este ano 71.497 focos de incêndio florestal, o maior
número para o período nos últimos sete anos. Metade deles na
maior floresta tropical do mundo” o jornal El País (2019) relata
o incêndio que abala as nações, trazendo fotos e relatos sobre
oque se passou no dia 10 de agosto, dia em que se iniciaram os
incêndios.

No entanto apesar do colapso dos incêndios ter gerado


grande revolta, não são recentes as atrocidades e o aumento de
degradação ambiental nessa região, tampouco os incêndios não
se iniciaram neste momento.

De acordo com o Instituto do Homem e do Meio Ambiente


da Amazônia (IMAZON), que tem um sistema de alerta de
desmatamento (SAD), desde 2018 já existia o desmatamento.

Em julho de 2019, o SAD detectou 1.287 quilômetros


quadrados de desmatamento na Amazônia Legal, um
aumento de 66% em relação a julho de 2018, quando o

1174
desmatamento somou 777 quilômetros quadrados. Em
julho de 2019, o desmatamento ocorreu no Pará (36%),
Amazonas (20%), Rondônia (15%), Acre (15%), Mato Grosso
(12%) e Roraima (2%).(IMAZON, 2019)

No entanto, no caso do desmatamento a motivação não


está manifestada somente na falta de fiscalização, mas sim, no
desejo desenfreado de expansão dos agricultores e pecuaristas,
que, inclusive, ameaçam os fiscais responsáveis por controlar a
atividade que causa impacto no meio ambiente.

Conclusão

Compreendida tamanha importância da criação do Direito


Ambiental, é possível afirmar o quanto é essencial à interpretação
do Direito Ambiental como um Direito Humano, tornando-se
efetiva o entendimento e aplicação da Educação em Direitos
Humanos nos ensinos.

O estímulo à educação é assegurado pela Constituição


da República Federativa do Brasil, trazendo-a como um direito
social, fomentando a igualdade substancial entre os cidadãos.
A educação incentiva ao respeito, quando a mesma é efetiva
e garantida constitucionalmente, gera coerência aos Direitos
Humanos e a dignidade da pessoa humana, desenvolvendo,
concomitantemente, a educação em direitos humanos.

Sob a égide de Maria Victoria Benevides, a educação em


direitos humanos se caracteriza como:

A formação de uma cultura de respeito à dignidade humana


através da promoção e da vivência dos valores da liberdade,
da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação,
da tolerância e da paz.

Tais valores supramencionados pela autora citada se


configuram como vetores essenciais que devem ser colocados
em prática para que se constituam em hábitos humanos, sendo
fixados na educação atrelada ao desenvolvimento da pessoa
humana. Como característica da referida educação, a mesma
autora menciona:

1175
A educação em direitos humanos tem natureza permanente,
contínua e global. Sendo uma educação necessária voltada
para a mudança. [...] Tendo objetivo de atingir corações
e mentes e não apenas uma instrução meramente
transmissora de conhecimento.

Em suma, uma educação em direitos humanos efetiva, não


somente irá promover conhecimentos sobre os direitos humanos,
que são para todos, sem qualquer distinção, mas também ensinará
os comportamentos que devem ser adotados para que dignidade
humana e os direitos humanos sejam respeitados e, finalmente,
reconhecidos por toda a população como um direito inerente a
personalidade humana.

Nesse sentido, a educação em direitos humanos voltada


a criação de respeito ao mesmo, projetará na sociedade uma
mentalidade de proteção. Nesta seara, válido o entendimento
de que haverá também a culturalização pelo prezar do meio
ambiente saudável e equilibrado, bem como pela progressão de
futuras gerações se preocuparem cada vez mais com seu habitat
natural, o planeta Terra.

A educação mais uma vez sendo o caminho mais seguro


de transformação social, na qual, o respeito pelo outro tornará a
vivencia e o futuro mais estáveis.

Afinal não se deve ter como preocupação de manutenção


da raça humana apenas no que se refere à paz mundial. Pois, do
que adiantaria paz, se não houvesse o planeta para se viver.

Portanto, uma educação em direitos humanos que objetiva


o respeito e a prevenção do meio ambiente sustentável, se
equivale em termos lógicos à busca pela manutenção da paz.
Sendo importante destacar que referida preocupação dever-se-ia
estender a toda coletividade mundial por se tratar de um direito
humano que ultrapassa as fronteiras, e que se estendem a todos
nós, humanos.

1176
Referências

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da Vale em Brumadinho pode ser a pior no mundo em 3
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brasil-47034499> Acessado em: 28 de agosto de 2019

Benevides, M. V. (2000). Educação em Direitos Humanos: De que


se trata?. Disponível em: <http://www.rcdh.es.gov.br/sites/default/
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em%20DH%20de%20que%20se%20trata.pdf>

Carvalho, T. Ministério do Meio Ambiente: qual o papel desse


órgão?. Politize, 2018. Disponível em: <https://www.politize.com.
br/ministerio-do-meio-ambiente/#toggle-id-1>. Acesso em: 19 de
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Acessado em: 27 de agosto de 2019.

G1 Minas. Lista de mortos na tragédia em Brumadinho: veja


quem são as vítimas identificadas (2019). Disponível em: <https://
g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/01/26/veja-quem-
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(2019) Boletim do Desmatamento da Amazônia Legal (julho 2019)
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1177
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em: <https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28611-o-que-e-
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Pereira, L. M., Rocha, A. C. S., Fuzishima, A. C. G., Liberatti, A. I., Neto,


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www.maxwell.vrac.puc-rio.br/20720/20720_3.PDF> Acessado em:
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Ministério do desenvolvimento regional. Disponível em: <http://
www.sudam.gov.br/> Acessado em: 27 de agosto de 2019.

1178
Relato de experiência de trabalho social voltadas
ao meio ambiente e Direitos Humanos:
o pomar urbano do residencial arvoredo –
Programa Minha Casa Minha Vida

Claudia Patricia Clérigo1


Vanessa Isabella dos Santos Ramos2
Tathiana Rodrigues Saqueto3

Palavras chaves: trabalho social, educação ambiental,


pertencimento local

Prefeitura Municipal de Bauru/ São Paulo/ Brasil


Resumo

Este resumo relata a experiência de educação em direitos


humanos da Prefeitura Municipal de Bauru (PMB) /SP – Brasil. Com
a degradação ambiental e o avanço do capitalismo que em escala
mundial está retirando da natureza matérias-primas e exaurindo
sua capacidade de recuperação, ações que visem à reflexão e
qualificação da relação do homem com o meio ambiente são
fundamentais. Assim sendo, foi elaborada pela equipe de Trabalho
Social (TS) do Programa de Habitação Minha Casa Minha Vida,
projetos de Plantio de Árvores Frutíferas, Produção de Mudas
e Revitalização de Áreas Verdes, seguindo o eixo de Educação
Ambiental e Patrimonial previsto nas normativas do programa
dentro e nos territórios de implantação dos empreendimentos
habitacionais. A atividade no Residencial Arvoredo iniciou em
junho de 2019 e previu na primeira etapa o plantio de 80 árvores
e contará na segunda etapa com a revitalização de uma praça.
Com suporte técnico da PMB, parceria com a Organização da
Sociedade Civil (OSC) “Fruto Urbano” que possui expertise na
mobilização e plantio de frutíferas, a atividade foi realizada

1. claudiaclerigo@gmail.com
2. psicossocial@bauru.sp.gov.br
3. tathianasaqueto@bauru.sp.gov.br

1179
por beneficiários/as, voluntários/as e equipes e contou com
participação de aproximadamente 80 pessoas. A primeira etapa
do projeto impactou positivamente a comunidade que se dispôs
a cuidar das árvores até seu desenvolvimento. Em alguns anos
o Residencial Arvoredo terá o seu Pomar Urbano plantado por
moradores/as que estabeleceram uma nova relação com o meio
ambiente, o uso comum de espaços coletivos, o pertencimento
local e os direitos humanos.

Introdução

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi criado


pela Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009 com a finalidade de
criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas
unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos
e compreende vários subprogramas. Objeto deste artigo é
a intervenção por meio do Programa Nacional de Habitação
Urbana (PNHU), cujo foco são famílias com renda mensal de até
R$ 1.800,00, sem rendimentos, com baixos rendimentos e/ou
impossibilidade de comprovação dos mesmos.

Referente a esta faixa de renda familiar, classificada como


faixa 1, foi estabelecido pelo Ministério das Cidades, que os
municípios executem o Trabalho Social (TS) como contrapartida
ao subsídio federal aportado nos empreendimentos, cujas
despesas referentes às ações do TS são ressarcidas pelo PMCMV,
o qual limita o valor de ressarcimento em 1,5% do valor total da
obra para que o município viabilize a execução mínima.

O TS em Habitação de Interesse Social (HIS) segue as


diretrizes que constam na Portaria 21 de 22 de janeiro de 2014,
e dispõe sobre o “Manual de Instruções do Trabalho Social nos
Programas e Ações do Ministério das Cidades”.

No município de BAURU/SP, o Trabalho Social desenvolvido


com recursos municipais ressarcíeis pela União, por essa
característica, vem trazendo muitos desafios para a equipe
técnica. Neste sentido o CFESS (2016, p. 41) aponta:

O trabalho social na política urbana, exercido por


assistentes sociais sob a direção do projeto ético-político,

1180
deve estar orientado na perspectiva do direito à cidade.
Nesse sentido, o desafio está na apropriação do “seu
significado social no processo de reprodução das relações
sociais, ante as profundas transformações que se operam
na organização e consumo do trabalho e nas relações
entre o Estado e a sociedade civil com a radicalização
neoliberal” (Iamamoto, 2009, p. 368), refletidas na questão
urbana. O que impõe apreender as determinações políticas,
econômicas e sociais que demarcam as condições objetivas
do trabalho do/a assistente social na sociedade brasileira
contemporânea, para qualificar a intervenção profissional
na multidimensionalidade da problemática social que se
revela no espaço urbano, numa perspectiva de totalidade.

Sendo, neste caso, a equipe social e a responsabilidade


técnica, orientadas pelo conhecimento do Serviço Social, se
embasa em Iamamoto (1997, p.31), que considera: “A pratica
profissional exige-se um profissional qualificado, que reforce e
amplie a sua competência critica, não só no executivo, mas que
pensa, analisa pesquisa e decifra a realidade”. E esse profissional
com a instrumentalidade que, de acordo com Guerra (2000, p.
22), “... é uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai
adquirindo na medida em que realiza objetivos. Ela possibilita
que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas
profissionais...”, também Martinelli 2014, p.11 in Citelli e Jurkewics.

Após o pleito eleitoral de 2016, com uma proposta de um


governo participativo, descentralizado, integrado e também uniu
as ações do TS das Fases I e II sob a coordenação do Gabinete
do Prefeito, visto que antes as ações da Fase I eram realizadas
pela Política de Assistência Social e as ações da Fase II eram
realizadas pela equipe técnica social vinculada ao Gabinete do
Prefeito, composta para trabalhar com a Política de Habitação
de Interesse Social – PMVMV no município, e pensando então
em uma atuação descentralizada e integrada das secretarias
municipais nos territórios elaborou-se a execução do que foi
denominado “Plano de Articulação Intersetorial das Macroáreas
dos Empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida no
Município de Bauru/SP” – PAIME/PMCMV, o qual foi aprovado pela
Caixa Econômica Federal unificando o Planos de Desenvolvimento
Socioterritoriais (PDST) de 11 empreendimentos entregues na

1181
Fase II do PMCMV. A partir daí a iniciou -se a Etapa I do PAIME que
consistia nas Secretarias Municipais de Governo na execução de
atividades do TS que estivessem de acordo com os eixos previstos
na Portaria 21 de 22 de janeiro de 2014, sendo: Mobilização,
organização e fortalecimento social; Acompanhamento e gestão
social da intervenção; Educação ambiental e patrimonial; e
Desenvolvimento socioeconômico.

Considerando que os empreendimentos estão localizados


em regiões nas quais faltam equipamentos e serviços públicos
e são distantes do centro onde costumeiramente a maior parte
das atividades através das políticas públicas são ofertadas, assim;
o PAIME busca levar até beneficiários/as do PMCMV políticas
públicas. Nesse sentido Koga 2011, p. 26: “Esta mais do que patente
que a justiça social está além da ótica da economia. É preciso
que o desenvolvimento seja social, participativo, sustentável,
preservacionista como defensor do meio ambiente e afiançador
de novas condições de cidadania e dignidade”.

O PAIME/PMCMV prevê na Etapa II que, para além da


execução direta das atividades do TS, ainda sejam realizadas
parcerias com outras esferas de governos, ONGs, Associações,
Fundações, Cooperativas, Conselhos, Autarquias, Empresas e
quaisquer outros atores que estejam presentes nos territórios que
possuem empreendimentos do PMCMV no município. Koga 2014,
p. 31 in Citelli e Jurkewics, evidenciam:

Em geral a gente atua no território, mas não nos atentamos


para as interações, na correlação de forças, as demandas
que atuam no território. Existe a questão político partidária,
as forças dentro da UBS, a força de grupos organizados na
região. Se não conseguirmos converter os representantes
dessas forças em nossos aliados, nada de sucesso do nosso
trabalho.

Rattner in Ascerald (2009, p. 08), considera que:

[...] as decisões sobre a organização do espaço e da


vida social e cultural ultrapassam a problemática e a
competência técnico-instrumental dos planejadores e
tecnocratas, configurando uma situação que exige o

1182
diálogo, a comunicação e a interação consciente de toda
a comunidade. A rigor, ao planejador caberia não somente
projetar edifícios e espaços “para o povo” mas engajar-
se, junto com a população, na redefinição e reconstrução
de sua sociedade. A cidade, ou área metropolitana, deve
servir o cidadão como modelo de civilização sustentável –
equitativa harmoniosa e ancorada em princípios de justiça
social e autonomia individual. Experiências históricas
recentes indicam que a solução para esses problemas
não pode ser concebida apenas em termos técnicos e
financeiros. O desafio apresentado aos planejadores e
administradores urbanos é o de como implementar um
novo conceito de poder político comunitário local.

Assim, buscar a participação social para construir


coletivamente o planejamento de ações nos territórios, torna-se
um imperativo para aqueles que acreditam em uma sociedade
mais justa e democrática.

Ao iniciar a Etapa II do PAIME, realizamos contatos com


diversos atores no município para a manutenção das atividades
previstas ou articulação de outros projetos e ações nos territórios,
sendo que em um desses territórios está o Residencial Arvoredo
que possui 496 unidades habitacionais divididas em 31 blocos e
foi inaugurado em 25/02/2015, onde se deu a prática relatada.

Desenvolvimento

Logo após a entrega do residencial a PMB iniciou as


atividades do TS no Empreendimento, a adaptação como
processo requer o desenvolvimento de atividades as quais as
normativas do programa requisitam. Na medida em que o tempo
passava percebiam-se algumas intervenções de cunho hostil com
as assistentes sociais e demais membros da equipe. Em pouco
tempo, tínhamos uma dificuldade na receptividade das atividades,
consideramos que o papel de apoio às famílias se tornava um
dificultador para determinados atores do contexto condominial.
Queixas que chegavam através do Plantão Social, eram
encaminhadas e esse movimento de instrumentalizar a população
na busca de seus direitos incomodava alguns interesses escusos.
Episódios de extrema violência ocorriam nas dependências

1183
do condomínio. Em 25/04/2016 ocorreu o linchamento de um
casal que por motivos banais foram atingidos, levando ao óbito
do rapaz. Após esse fato, em qualquer ação social a equipe era
agressivamente interpelada com questionamentos e por vezes
era requerida a apresentação da atividade a ser realizada por
transeuntes que não era possível identificar se eram residentes.

Adorno (apud Guerra: 2001) toma como elemento da


análise do fenômeno da violência as relações entre os homens,
a subjetividades das relações interpessoais entre os sujeitos e as
determinações históricas das relações entre as classes sociais.

“(...) a violência é uma forma de relação social; está


inexoravelmente atada ao modo pelo quais os homens
produzem e reproduzem suas condições sociais de
existência. Sob esta óptica, a violência expressa padrões
vigentes de sociabilidade, modos de vida, modelos
atualizados de comportamentos vigentes em uma
sociedade em um momento determinado de seu processo
histórico. A compreensão de sua fenomenologia não pode
prescindir, por conseguinte, da referência às estruturas
sociais; igualmente não pode prescindir da referência aos
sujeitos que a fomentam enquanto experiência social. Ao
mesmo tempo em que ela expressa relações entre classes
sociais, expressa também relações interpessoais (...) está
presente nas relações intersubjetivas que se verificam
entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, entre
profissionais de categorias distintas. Seu resultado mais
visível é a conversão de sujeitos em objetos, sua coisificação”
(p. 31).

Nessa perspectiva os Direitos Humanos foram requisitados


para impedir que o homem cometesse atrocidades como
Auschwitz, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial a Europa
pautou a necessidade de se criar repertórios legais e instituições
para impedir tais práticas, como evidencia Maia (2014, pg. 139):

Não obstante, a consideração da dialética entre a barbárie


e cultura coloca, ela mesma, um critério objetivo para a
formação, explicitando por Adorno (2000) sob a forma
de um imperativo: que Auschwitz não se repita. Se, como

1184
apontou Walter Benjamim, tampouco a transmissão da
cultura está isenta de barbárie, é preciso pensar a educação
como um processo contraditório, em que o ajustamento do
indivíduo a regras sociais bárbaras não está ausente e, ao
mesmo tempo, estimular no estudante uma compreensão
crítica sobre si mesmo e sobre a cultura, sem esconder as
dificuldades envolvidas nesse processo, como o medo.
Assim, a finalidade da educação -, formar um indivíduo
autônomo, que possa resistir a reproduzir cegamente a
barbárie – está sintetizada como uma exigência, de não
repetir Auschwitz.

A partir destas situações, a equipe se debruçou a refletir


sobre quais ações poderiam ser realizadas e de que forma
poderiam ser tratadas essas demandas. Foi quando se pensou
na elaboração de um repertório de cunho participativo, onde o
protagonismo fosse considerado, dando inicio a uma serie de
atividades que foram contribuindo para a adesão ao trabalho
social e encontrou maior espaço com a implantação da horta
comunitária no residencial, que trouxe um novo olhar para os
moradores sobre as possibilidades de convivência comunitária,
porém a horta se restringia a um grupo de 11 moradores que
realizavam a atividade.

AMIUCCI,(2018) considera que:

O grande desafio posto ao profissional de Serviço Social é


desenvolver a capacidade de decifrar a realidade e construir
propostas criativas e efetivar direitos, se apropriando de
aporte teórico-metodologicos, ético-políticos, técnico
operativos que norteiam seu trabalho.

E foi através do envolvimento desses moradores e sua


atuação positiva na horta que encontramos alicerce para firmar o
trabalho social coletivo e esse grupo inspirou os demais moradores
nas ações voltadas ao meio ambiente.

A partir de reuniões com os técnicos envolvidos nas ações


de meio ambiente, foi estabelecido um cronograma para iniciar
os plantios no ano de 2019. O projeto piloto foi realizado no
Residencial Arvoredo, escolhido a partir da experiência exitosa

1185
com os projetos de Hortas Comunitárias Urbanas e Unidade
Móvel de Alimentação Saudável.

A Horta Comunitária Urbana do Residencial Arvoredo faz


parte do eixo de Desenvolvimento Socioeconômico.

As atividades na Horta Comunitária do Residencial Arvoredo
foram implantadas em outubro de 2018 e compreenderam a
realização de um curso para formação dos horteiros com aulas
teóricas e práticas sobre plantio de hortaliças e a estruturação dos
espaços para plantio no residencial aconteceu concomitantemente
numa área ociosa dentro do empreendimento.

Entendemos que é necessário o enfrentamento das


condições de pobreza através de mudanças estruturais no modelo
econômico vigente, a noção de pobreza é ampla e estrutural e
não pode ser tomada como natural, embora faça parte do nosso
cotidiano como cita Yasbek (2012, p. 290)

A pobreza é parte da nossa experiência diária. Os impactos


destrutivos das transformações em andamento no capitalismo
contemporâneo vão deixando suas marcas sobre a população
empobrecida: o aviltamento do trabalho, o desemprego, os
empregados de modo precário e intermitente, os que se tornaram
não empregáveis e supérfluos, a debilidade da saúde, o desconforto
da moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a fome,
a fadiga, a ignorância, a resignação, a revolta, a tensão e o medo
são sinais que muitas vezes anunciamos os limites da condição de
vida dos excluídos e subalternizados na sociedade.

O Serviço Social atua na transversalidade das inúmeras


expressões da questão social, dentre elas a mediação entre o
sistema econômico – Estado e a sociedade e está inserido no
campo dos direitos sociais, intervindo frente às expressões da
questão social que surgem a partir da desigualdade social, fruto
do contexto sociopolítico e econômico, o qual interfere no modo
de vida dos cidadãos, recaindo no acesso nulo ou precário dos
bens e serviços. Como Iamamoto evidencia (2005, p. 28):

Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas


suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os

1186
indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área
habitacional, na saúde, na assistência social pública etc.
Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia,
por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a
ela resistem e se opõem.

Embora a prática ainda se encontre em andamento alguns


resultados já podem ser observados, inclusive através de relato dos
participantes que a prática contribuiu para melhoria nutricional
das famílias, introduzindo hábitos alimentares saudáveis na vida
cotidiana, fortaleceu o convívio comunitário e em consequência
disso a melhoria nas relações comunitárias e a presença do
sentimento de pertencimento territorial e local; melhoria nas
relações interpessoais; participação efetiva nas ações coletivas;
superação das dificuldades relacionais e sociais; fortalecimento
do convívio familiar e comunitário; efetividade das pactuações
poder publico e população; aquisição de novos conhecimentos
técnicos de plantio e manejo; possibilitou a geração de renda,
garantido a autonomia para manejo das mesmas, exercitou a
cooperação e o trabalho em equipe, favoreceu a aquisição de
novos conhecimentos técnicos de plantio e manejo e despertou
o interesse por praticas de associativismo.

A Unidade Móvel de Vida Saudável trouxe cursos na


área de alimentação que também fizeram parte do eixo de
Desenvolvimento Econômico.

Para o desenvolvimento da atividade foi contratado o


Serviço Social da Indústria (SESI) que possui reconhecida expertise
no tema e atende as necessidades do serviço requerido.

A primeira fase da atividade que ocorreu em setembro de


2018 foram realizados os seguintes cursos: 1- Alimente-se Bem,
2- Sabor na Medida Certa, 3- Escolhas Conscientes em Todas as
Fases da Vida, 4- Gourmet.

Para a segunda fase denominada “Gastronomia


Sustentável: do plantio à panela de pressão” que foi realizada
em março de 2019 foram oferecidos os seguintes cursos: Preparo
de Hortaliças I e Preparo de Hortaliças II e Especial Panela
de Pressão, versão essa que foi elaborada especialmente para

1187
atender as necessidades dos/as beneficiários/as do PMCMV, e
por solicitação da equipe técnica social desenvolveram os temas
pensados a partir das necessidades da população atendida nas
hortas comunitárias dos empreendimentos, onde os moradores
produzem uma variedade de hortaliças que nem sempre tem
o hábito de consumir, ou sabem prepará-las de modo a melhor
aproveitar os valores nutricionais ou mesmo para que seja um
alimento atrativo para consumo.

Também para atender uma necessidade observada pelo


trabalho social, na qual as famílias não apresentam condições
financeiras para aquisição de alimentos, solicitamos a elaboração
e execução do módulo: “Especial Panela de Pressão”, que tem
como objetivo a economia e a preservação de recursos naturais
não renováveis (gás de cozinha) e a possibilidade de preparo de
uma refeição única de valor nutritivo e de baixo custo que atenda
toda família.

As atividades foram realizadas na Unidade Móvel de


Vida Saudável, que compreende uma carreta adaptada em um
baú semirreboque, com capacidade para atender 20 pessoas
simultaneamente. São cozinhas didáticas adaptadas em carretas
totalmente equipadas com eletrodomésticos, utensílios de
cozinha e todos os materiais necessários para os cursos de acordo
com as normas sanitárias vigentes. A equipe técnica é formada
por Nutricionista e Auxiliar de Cozinha, capacitadas para atender
as necessidades dos cursos.

Essas atividades possibilitaram o fortalecimento dos


vínculos da população com a equipe, e a partir da participação
de crianças e adolescentes nas atividades de circo, fotografia e
xadrez, ampliamos o universo de pessoas interessadas em realizar
atividades de preservação do patrimônio ligadas à questão do
meio ambiente no condomínio.

No que concerne às atividades de meio ambiente, a


Organização Não Governamental (ONG) Fruto Urbano (FU) se
colocou à disposição para realizar um projeto de Formação de
Pomares Urbanos (FPU) através do plantio de arvores nativas do
cerrado, nos Empreendimentos da Faixa 1 do PMCMV.

1188
O Fruto Urbano foi fundado no início do ano de 2014 em
Bauru, a 350 km da capital do estado de São Paulo, o projeto é
totalmente independente, atualmente a estrutura conta com
o apoio do Instituto Soma, da Prefeitura Municipal de Bauru e
outros pequenos apoiadores empresariais, mas ainda é financiado
integralmente por seus membros e tem como objetivo principal
incentivar e facilitar o plantio de árvores frutíferas pelas cidades
respeitando as características específicas de cada formação
vegetal, trabalha com educação e conscientização ambiental da
comunidade e periodicamente reúne voluntários para plantios
coletivos de árvores frutíferas em espaços públicos.

O Plantio de Pomares Urbanos (PPU) é uma atividade


complementar da atividade do PAIME – Produção de mudas e
Revitalização de áreas verdes, que foi elaborada e é executada
pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Bauru/SP, com o
objetivo de trazer à discussão questões ambientais, incentivando os
participantes para os cuidados com a vegetação das áreas verdes e
manutenção das mudas nativas implantadas no empreendimento,
bem como contribuir para a socialização dos moradores, criar um
espaço agradável, visando a conscientização e a importância da
valorização e preservação dos espaços de área comum.

A metodologia do PPU inicialmente era constituída de uma


palestra de apresentação da atividade e oficina de plantio onde
os participantes são previamente orientados sobre a técnica de
plantio e na mesma semana ocorre a atividade de plantio.

Quanto a comunicação elaboramos uma campanha


chamada “Adote uma Árvore” que teve o papel de mobilizar
as pessoas para a atividade e sensibilizar para a importância
do cuidado pós plantio, e no intuito potencializar as ações de
propriedade e inspirar o cuidado na irrigação das arvores cada
muda que foi adotada por um morador recebeu uma Certidão
de Nascimento para cada árvore plantada, na qual constava as
informações da espécie e do/a participante que plantou a árvore
e quem será responsável pelos cuidados de manutenção e rega
da mesma e ainda se comprometendo a partilhar os frutos.

A forma identificada para que as informações da campanha


“Adote uma árvore” chegasse ao público-alvo, composto por

1189
moradores dos residenciais, foi objetiva e simplificada. Tal proposta
foi possível de ser executada pelo fato do setor contar com equipe
multidisciplinar e com conhecimento em multiplataformas.
Sendo assim, todas as suas ações são produzidas no próprio
setor e divulgadas, de forma orgânica, em redes sociais, veículo
impresso, rádio e televisão. Peças publicitárias como outdoors,
busdoors, folders, flyers e cartazes fazem parte das estratégias de
comunicação.

No caso em questão, a concepção da campanha “Adote uma


árvore” teve início com o levantamento dos stakeholders (público
estratégico) com o objetivo de trazer à tona uma reputação
positiva para a ação, bem como para a imagem da Prefeitura de
Bauru e do PMCMV do município. Além, é claro de atender as
demandas locais dos moradores por meio do envolvimento dos
mesmos. (BALMER, 2008; CUCCULELLI, 2008).

Para isso, foram analisados os stakeholders internos, que


são elementos ligados diretamente ao efeito da ação, nesse caso,
PMB e PMCMV e os externos, que podem ser influenciáveis, como
imprensa, comunidades e moradores dos residenciais.

Feito essa análise, a próxima etapa da campanha foi pautar


a identidade corporativa. Dessa forma, o modelo de Melewar e
Jenkins foi tomado como exemplo. (ADAPTADO DE MELEWAR E
JENKINS, 2002, p.81).

Comunicação corporativa

Comunicação não controlada


Comunicação e
Arquitetura e organização identidade visual

Identidade visual

Comportamento da corporação
Comportamento Identidade corporativa
Comportamento da gerência

Comportamento dos empregados

Objetivos, filosofias e princípios

Nacionalidade Cultura corporativa


Imagem e história corporativa

1190
Todos os tópicos foram analisados para a concepção da
identidade visual da campanha. Porém, o que mais foi levado
em consideração foram os objetivos, filosofias e princípios,
nacionalidade e imagem e história corporativa que levam à
cultura corporativa e formam sua identidade.

Como a missão dos órgãos públicos envolvidos é tornar


acessível as informações e contribuir para melhorias diretas na
vida da população, foram feitos cartazes que foram distribuídos
dentro do residencial, convites que foram colocados embaixo
das portas dos apartamentos e peças para divulgação em redes
sociais.

As artes produzidas e divulgadas contam com imagens de


folhas e a textura de fundo do cartaz é uma folha em transparência
para deixar o visual mais leve.

Porém, só as informações do cartaz como: ação, dia, local,


horário não seriam suficientes para atrair e envolver o público.
Foi então que a campanha ganhou os “bebês frutas”. Eles foram
usados para aproximar as crianças e gerar um sentimento de que
as mudas que seriam plantadas eram bebês que precisavam de
cuidados constantes.

Isso gerou uma identificação imediata nas crianças, ainda


mais porque elas adotaram as árvores e ganharam a certidão de
nascimento das mesmas, despertou o censo de responsabilidade,
tanto que elas passaram a transmitir para os adultos a importância
do plantio e cuidados com o meio ambiente.

Na elaboração das peças, as cores usadas foram


fundamentais, pois cada cor tem relação com os sentidos e
sentimentos (HELLER, 2012).

Alguns exemplos das cores usadas são: Amarelo:


estimulante, alerta, esperança, Vermelho: dinamismo, energia,
calor, Verde: bem-estar, paz, equilíbrio, Roxo: estima, valor,
dignidade, Azul: verdade.

Além das cores citadas, é prudente enfatizar que todas


as cores trazem com elas experiências universais, e de forma

1191
inconsciente estão enraizadas no pensamento do ser humano, o
que possibilita o despertar de sentimentos.

Com base nos fatores citados, foi possível fazer uma


campanha com custo reduzido e de forte impacto no público-
alvo.

Iniciamos então em 12/06/2019 realizamos a palestra de


apresentação do Plantio de Pomares Urbanos no Residencial
Arvoredo, nesta o coordenador da ONG Fruto Urbano, explanou
sobre a cidade que temos e a cidade que queremos a importância
da arborização das cidades reduzindo o calor para as pessoas
com mais sombras, proporcionando melhor qualidade de vida no
espaço urbano coletivo, falou sobre a possibilidade de ampliação
da oferta de frutas regionais mencionando como essas ações
colaboram para o desenvolvimento de um meio ambiente que
seja favorável ao incremento de espécies de aves no contexto
urbano. Ressaltou que as árvores no espaço urbano contribuem
diretamente para o aumento da saúde e qualidade de vida das
pessoas, oferecendo também alimento, abrigo e sombra, ensinou
ainda que árvores urbanas atuam como reguladoras naturais
do clima e da chuva ajudam na diminuição da poluição, atraem
pássaros, entre outras inúmeras vantagens.

Em 16/06/2019 numa manhã de domingo realizamos o


Plantio do Pomar Urbano no Residencial Arvoredo. Inicialmente
reunimos os participantes em área livre do condomínio ao lado
do salão de festas e os participantes adultos e crianças moradores
do empreendimento e voluntários do FU acompanharam o
plantio de uma árvore revisando os ensinamentos fornecidos na
Oficina de Plantio. A partir desse plantio inaugural, as famílias se
deslocaram na área livre do condomínio para escolher um dos
locais previamente preparados pela Secretaria de Meio Ambiente
que previamente abriu os berços para o plantio das arvores
frutíferas as quais puderam escolher qual variedade gostariam de
plantar entre as espécies disponíveis num total de 9 variedades
em sua maioria nativas do cerrado que é o bioma da nossa região.
As espécies adquiridas foram: Araçá amarelo, Acerola, Cereja
Brasileira, Goiaba, Grumixama, Pitanga, Nêspera e Uvaia.

Após o PPU a equipe técnica recebeu uma solicitação de

1192
uma criança, informando que não possuía regador, solicitou que
fornecêssemos esse item para fazer a rega de sua árvore, visto
que tinham sido utilizados vários regadores plásticos durante o
plantio. Aliado a essa necessidade e para estreitar os vínculos com
moradores garantindo que as regas nas arvores fossem feitas com
regularidade, foi criada a “Oficina de Regadores”, que foi realizada
no dia 02/07/2019 no salão de festas do empreendimento e
contou com a participação de crianças e adultos envolvidos com o
plantio e cuidado com as árvores frutíferas consistiu na confecção
de regadores a partir de galões de plástico de 5l e 2l descartados
no lixo do próprio condomínio que foram adaptados para ter uma
aparência próxima a de um regador e formam decorados com
desenhos dos “bebês fruta desenvolvidas para a divulgação da
atividade. Esta atividade foi executada também com o intuito de
monitorar as atividades de rega das arvores e envolver ainda mais
aquela comunidade, especialmente adultos, nos cuidados com o
local onde vivem, uma vez que a maioria dos participantes eram
crianças.

Verificamos através do relato dos moradores que os


cuidados se estenderam as demais árvores plantadas no
condomínio e que isso já havia se tornado um hábito que envolvia
não somente os moradores envolvidos no plantio das frutíferas e
adotantes de árvores, mas outros moradores do empreendimento
que se sentiram motivados a colaborar de alguma forma, já
demonstrando um sentimento coletivo de pertencimento local
ao que observou Romanini et all in Fórum Habitar, 2017:

Essa relação de pertencimento do lugar, nos faz entender


que se esse sentimento é “incorporado” pela população,
e assim passa a ter uma relação de troca com as pessoas,
“utilizado”, garantindo a urbanidade e vitalidade do lugar. O
estudo do lugar, através da percepção, atitudes e valores a
ele atribuídos, nos faz compreender porque moradores e a
população em geral se identificam mais em determinados
locais e assim, se apropriam de maneira mais espontânea.

As férias escolares chegaram e as crianças continuaram


regando suas árvores frutíferas, vários com a presença de
responsáveis, o ambiente do playground que por vezes era
ocupado com pessoas fazendo uso de substâncias psicoativas

1193
começou a ser ocupado por famílias em atividades de lazer e
legitimou-se como um espaço de convivência.

Ansiosas, as crianças solicitaram continuidade das atividades,


ao que reconhecemos nesse pedido a possibilidade de ampliar as
relações comunitárias e proporcionar aprendizagens vivenciais.
Durante as visitas para outras atividades no empreendimento
observamos que todas as 56 mudas de arvores frutíferas estavam
implantadas com sucesso, não houve vandalismo, perda por falta
d’água nem por outro motivo, denotando o envolvimento dos
moradores na preservação das mesmas.

Dando sequência as atividades relativas ao meio ambiente e


convivência comunitária, realizamos o Cine Verde com a exibição
do filme: “O Lorax : em busca da trúfula perdida” cuja historia trata
de um garoto que mora em um lugar onde as arvores são feitas de
plástico e tudo é artificial, ele resolve sair da cidade em busca da
ultima semente de arvore para que possa impressionar a garota
por quem é apaixonado.

Participaram mais de 60 crianças, dentre elas as crianças


que participaram do plantio e novas crianças que começaram a se
envolver com as demais na rega das árvores.

O filme com um enredo de fácil compreensão agradou


as crianças com seu cenário colorido e criaturas mágicas, e aos
adultos através da moral da história, que demonstra a importância
da natureza para os seres humanos como pertencentes ao meio
ambiente, e o que a ganância do homem pode acarretar.

O Lorax é o exemplo perfeito de que as ações que fazemos


hoje terão reflexo tanto na nossa vida quanto na de outras pessoas e
futuras gerações, deixando a lição que não importa o quanto você
tem de dinheiro ou de bens materiais, mas sim que tipo de pessoa
você quer ser e o que você quer deixar de lembrança para quem
fica depois que você se for, levando nada de dinheiro e nada de
material, apenas suas experiências e histórico de atitudes. Em um
contexto mais amplo, demonstra a industrialização irresponsável
e consequente desmatamento desenfreado, que tem tornado o ar
cada vez mais poluído, ocasionado doenças cada vez mais graves.

1194
Após um mês do PPU não mais identificávamos aquele
clima inóspito nas áreas comuns do condomínio, a alegria das
crianças brincando e de jovens passeando pelas áreas começaram
a fazer parte da rotina do condomínio.

Conclusão

Reconhecemos que todas as atividades que vem sendo


executadas tiveram seu papel na construção dessa apropriação
dos espaços, e o fato de o sujeito colocar empenho e disposição,
em prol do coletivo, foi uma aquisição significativa.

Para termos lugares de uso comum vivos e bem utilizados,


precisamos buscar uma inter relação positiva dos lugares com as
pessoas conforme pontua OLIVEIRA, 2016, p.200:

Referimos-nos a noção de pertencimento ou pertença a


um determinado grupo, sociedade, ideal, projeto etc., sem
a qual cessam quaisquer motivações do indivíduo para a
participação ou preservação da cidadania. Essa dimensão
possui uma natureza ontológica. Incluem-se aí as diferentes
formas de identidades políticas, culturais e territoriais e
suas lutas pelo reconhecimento dos direitos a diferença e
a alteridade.

O fato de terem sido implantadas com sucesso 100% das


mudas, mesmo na estiagem que castigou o município de Bauru/
SP chegando a ficar 45 dias sem chuva e com umidade relativa
do ar entre 43.8 e 12,7, foi tão importante para a avaliação do
TS realizada pelo grupo, provocando mudanças na aplicação
da atividade que a partir dessa experiência passa a incorporar a
oficina de regadores e propõe ainda uma campanha pelo uso de
canecas plásticas em substituição a copos descartáveis durante
as atividades. O impacto dessas atividades ligadas ao Plantio de
Pomar Urbano foi significativo sendo que um dos coordenadores
da ONG Fruto Urbano Kallil Axcar trouxe a avaliação para a seguinte
reflexão: “O impacto dessas atividades ligadas ao Plantio de Pomar
Urbano valorizam muito a formação de vínculos, principalmente
em relação a afetividade; e desenvolver ações de cuidado com o
meio ambiente e alimentação saudável estão diretamente ligados
à preservação da vida e da espécie, enquanto a violência presente

1195
nas comunidades, os alimentos com agrotóxicos e as políticas não
conservacionistas estão relacionadas diretamente com a morte,
seja do solo, da floresta ou das pessoas.”

O protagonismo é resultado de trabalhos horizontalizados


nos quais as relações de subalternidade sejam extintas. Construir
um mundo diferente pressupõe o exercício de fazer um mundo
diferente junto.

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1198
Direitos Humanos e discurso televisivo:
principais abordagens temáticas
de telejornais brasileiros

Flaviana de Freitas Oliveira1


Ana Maria Klein2

Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal


de Nível Superior (Capes)

O Estado brasileiro tem o compromisso de desenvolver uma
educação comprometida com os Direitos Humanos, conforme
o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH
(BRASIL, 2007). O conhecimento acerca destes direitos demanda
processos educativos de diferentes naturezas, dentre eles os
informais, como os veiculados pela mídia. O projeto toma como
objeto de reflexão a educação informal para os Direitos Humanos
veiculada pela televisão, um dos meios de comunicação mais
populares no Brasil. Conforme a Pesquisa Brasileira de Mídia
2016, 63% dos entrevistados usa a televisão como principal meio
de comunicação para se obter informado. O objetivo principal
foi identificar a abordagem dos Direitos Humanos em cinco
telejornais brasileiros de emissoras abertas durante os meses
de julho a dezembro de 2018: SBT Brasil (SBT), Jornal da Cultura
(TV Cultura), Jornal Nacional (Rede Globo), Jornal da Record
(Record) e Brasil Urgente (Band). As notícias foram categorizadas
para melhor entendimento sobre os temas referentes a Direitos
Humanos, com posterior análise do discurso das mídias. Como
resultado, chegou-se à conclusão de que a maioria das notícias
veiculadas nos telejornais abordam violência social (29,3%) ou
política nacional (10,5%). A terceira categoria mais abordada pelos
noticiários televisivos são os feminicídios, com percentual de 9,8%.

1. flavianadefreitas@gmail.com
2. ana.klein@unesp.br.
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Câmpus de São José
do Rio Preto/SP – Brasil

1199
Educação, ciência e tecnologia têm poucas notícias divulgadas,
com percentual irrelevante. As matérias sobre direitos de grupos
específicos não educam sobre Direitos Humanos e tampouco
trazem formação cidadã ao telespectador. Esta pesquisa visa
contribuir com a reflexão acerca do papel da televisão no que
tange à Educação em Direitos Humanos.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Mídia. Telejornais. Educação


em Direitos Humanos. Educação Informal.

Introdução

Vivemos a era da informação e do conhecimento, em


que informar e se manter informado é um dos requisitos para a
efetivação da cidadania. A mídia, neste contexto de informar, é
apontada pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH) (Brasil, 2006) como um dos eixos educadores. Os meios
de comunicação, portanto, tem papel fundamental na formação e
difusão da representação da dignidade da pessoa humana e dos
direitos fundamentais.

A inserção dos Direitos Humanos no cotidiano popular está


intrinsecamente relacionada à dinâmica social e política da vida
democrática, principalmente em uma era em que a mídia possui
presença massiva.

Vale ressaltar a importância dos telejornais neste cenário


– conforme a Pesquisa Brasileira de Mídia (Brasil, 2016), 63% dos
entrevistados usa a televisão como principal meio de comunicação
para se obter informado. Embora esta importância dada à mídia
televisiva, vale ressaltar que os telejornais nem sempre veiculam
os direitos humanos de forma educativa, visto que muitas vezes
se utilizam de discurso de intolerância e ódio.

Esta pesquisa analisa quais são os principais temas


abordados em telejornais de cinco emissoras brasileiras,
constatando se estes estão cumprindo – ou não – seu papel de
promover a igualdade e a liberdade, princípios amplamente
preconizados pela Constituição Federal (Brasil, 1988) e pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948).

1200
Assim, visa-se contribuir com o debate em torno do
tema, traçando panorama realista de como a televisão aborda
e, principalmente, se viola rotineiramente os Direitos Humanos,
visto o enorme potencial de alcance deste meio de comunicação.

O Discurso das Mídias

O presente artigo tem como fundamentação a teoria sobre


o discurso das mídias de Patrick Charaudeau. O autor parte do
pressuposto de que não existe informação neutra, já que todo
ato de informar envolve os valores e as convicções do emissor da
informação. No caso desta pesquisa, referimo-nos aos telejornais.
Para Charaudeau (2018), a notícia descreve o que passou,
reporta reações e analisa os fatos. A partir deste entendimento,
Charaudeau (2018) suscita as seguintes questões: quais são os
princípios de seleção dos fatos? Quais são os modos de recorte
midiático do espaço social? Como são identificadas as fontes?

Sabe-se que a seleção dos acontecimentos, operada pelas


mídias, impõe um certo recorte do espaço público e configuração
do acontecimento. É neste momento que existe a escolha editorial
de cada telejornal. Essas escolhas dependem da maneira pela qual
as mídias constroem representações sobre o que pode interessar
ou emocionar o público.

Como consequência, as mídias, ao selecionar as informações


e apresentá-las como o que realmente aconteceu, impedem
que outros acontecimentos cheguem ao conhecimento do
cidadão. Elas determinariam, impositivamente, o cardápio
evenemencial do dia. (Charaudeau, 2018, p. 139)

Não há como garantir autenticidade nem imparcialidade


nesta categoria jornalística. Ressalta-se que, na construção de
uma reportagem, há diversos artifícios para deixá-la com mais
credibilidade, como as roteirizações e as dramatizações destinadas
a tocar a afetividade do espectador. Partindo deste entendimento,
Charaudeau (2018) estabelece que há, no campo jornalístico, uma
armadilha da falsa imparcialidade.

(...) Não há questionamento nem tentativa de análise


(inclusive no domínio científico) que possa fazer-se fora

1201
de um modo de pensamento crítico, ou seja, de encontro
a outros pontos de vista. O direito da reportagem, com
efeito, está numa situação desconfortável pelo fato de que,
em nome da visada de informação do contrato midiático,
deve abster-se de mostrar seu ponto de vista pessoal.
Entretanto, isso é impossível (toda construção de sentido
depende de um ponto de vista particular) e necessário
(todo procedimento de análise implicada tomadas de
posição. (Charaudeau, 2018, p. 222)

Quando pensamos na construção da notícia do telejornal,


devemos atentar-nos a dois aspectos: o propósito e a construção
da identidade de seus parceiros. O propósito é marcado pelo
recorte que o telejornal faz do que ocorreu no espaço público
durante o cotidiano, transformando os acontecimentos do mundo
em um pensamento único. A identidade dos parceiros classifica-se
como o conjunto da encenação do telejornal, cujo papel principal
é desempenhado pelo apresentador.

Vê-se, através dessas características, que o gênero telejornal,


sob a proposta de nos apresentar os acontecimentos que
surgem no mundo referencial, nada mais faz do que nos
entregar (já pronto) um mundo evenemencial construído
por ele mesmo e em parcelas. Igualmente, sob a proposta de
nos permitir melhor compreender os fenômenos, apelando
para os comentaristas, só faz fornecer explicações pontuais
e fragmentadas. Encontramo-nos, então, em plena ilusão e
realismo e em pleno simulacro de verdade, mas é através
desse “fazer crer” que o telejornal se define. (Charaudeau,
2018, p. 230)

Dessa forma, entende-se que o telejornal faz, em suas ações


ou omissões, escolhas editoriais na hora de passar informação
para o seu telespectador. Assim, pretendeu-se fazer uma análise
dos principais temas abordados por alguns noticiários televisivos,
como forma de entender como estão os discursos desses meios
de comunicação.

1202
Problema e Caracterização do Estudo

Para realização desta pesquisa, utilizamos notícias


veiculadas por cinco telejornais das principais emissoras de TV
abertas de amplitude nacional: Jornal Nacional (Rede Globo),
Jornal da Cultura (TV Cultura), Brasil Urgente (Band), SBT Brasil
(SBT) e Jornal da Record (TV Record). Foram coletadas notícias
veiculadas por estes telejornais entre junho e dezembro de 2018,
totalizando 276 matérias examinadas.

Com o objetivo de fazer uma análise coerente sobre


a abordagem dos telejornais de diversos temas, optamos
por classificar todas as notícias analisadas. Esta classificação
considerou o título e o enfoque das matérias, como forma de
criar categorias e, dessa forma, sistematizar os assuntos que estão
sendo tratados nos noticiários televisivos.

Assim, foram criadas as seguintes categorias:

1. Acidentes: Nesta categoria estão as notícias que se referem


a tragédias aéreas, rodoviárias, acidentes domésticos e
acidentes em locais públicos.
2. Atuação judiciário e polícia: Nesta categoria estão as
notícias que se referem a atividades e decisões de Tribunais
de Justiça, manifestações de magistrados, investigações e
delações, atuações da polícia na repressão ao crime e no
auxílio à sociedade civil.
3. Ciência e tecnologia: Nesta categoria estão as notícias que
se referem a tecnologia e ciência, como envio ao espaço de
uma sonda solar pela NASA e o uso de patinetes elétricas
em São Paulo.
4. Contravenções: Nesta categoria estão as notícias que se
referem às contravenções penais, à prisão de contraventores
e aos crimes praticados pela internet.
5. Economia: Nesta categoria estão as notícias que se referem
à economia interna ou externa, mencionando temas
como taxas de juros, aumento ou diminuição de vendas,
comércio entre países, subsídios na venda de óleo diesel,
reajustes de preços, salários e direitos trabalhistas.
6. Educação: Nesta categoria estão as notícias que se referem

1203
à idade mínima de acesso à educação, demissão de
docentes, acompanhamento da vida escolar dos alunos
pelos pais, conquistas estudantis e premiações na área da
educação.
7. Esportes: Nesta categoria estão as notícias que se referem
aos campeonatos nacionais e internacionais de futebol,
campeonato de vôlei masculino, campeonato de natação
masculina e ensino de esportes por organizações não
governamentais.
8. Feminicídios: Nesta categoria estão as notícias que se
referem a assassinatos de mulheres cometidos em razão
do gênero.
9. Grupos específicos e desenvolvimento humano: Nesta
categoria estão as notícias que se referem à promoção ou
violação de direitos de grupos específicos, como: mulheres,
idosos, população LGBTI, refugiados, crianças e índices de
IDH.
10. Meio ambiente: Nesta categoria estão as notícias que se
referem aos desastres naturais como furacões e terremotos,
desmatamento no Brasil, previsões climáticas, chuva de
meteoros, ações de preservação da fauna brasileira e
atuação de multinacionais.
11. Política internacional: Nesta categoria estão às notícias
que se referem a posicionamentos e decisões do
presidente norte americano, manifestações de governos
sobre atentados políticos e ações da União Europeia.
12. Política nacional: Nesta categoria estão as notícias que se
referem a agenda presidencial, agenda de presidenciáveis,
alianças políticas antes das eleições, dados e informações
aos eleitores, atuação do congresso nacional, atentado
político praticado contra presidenciável, anúncio de
ministérios, após as eleições presidenciais, entrevistas e
manifestações do presidente eleito e obras públicas.
13. Saúde: Nesta categoria estão as notícias que se referem
a doenças, alto custo de planos de saúde, falsos médicos,
decisões da ANVISA, vegetarianismo no Brasil, erros
médicos, campanhas de vacinação, mortes por falta de
atendimento e casos de sarampo.
14. Tráfico: Nesta categoria estão as notícias que se referem à
apreensão de drogas e à prisão de acusados de tráfico.

1204
15. Variedades: Nesta categoria estão as notícias que se
referem a ações generosas ou altruístas, comportamento e
vida de pessoas famosas, indicações de locais para lazer e
homenagens a pessoas.
16. Violência social: Nesta categoria estão as notícias que
se referem a homicídios, furtos, roubos, violência contra
animais, crimes de trânsito, lesão corporal, atuação do
crime organizado, tiroteios e danos ao patrimônio público.

Quadro 1: Categorias das notícias telejornalísticas analisadas

A partir desta categorização, foi possível fazer uma análise


qualitativa para interpretação aprofundada dos dados obtidos.
Esta análise se caracteriza por ser um processo indutivo que tem
como foco a fidelidade ao universo de vida cotidiano. Segundo
André (1983) ela visa apreender o caráter multidimensional dos
fenômenos em sua manifestação natural, bem como captar os
diferentes significados de uma experiência vivida, auxiliando a
compreensão do indivíduo no seu contexto. Foi possível comparar
estas abordagens com os valores e os motivos que levam
determinado tema a ter papel relevante – ou não – no noticiário
televisivo.

Tal metodologia baseou-se na visão de que a mídia


cumpre papel social enquanto educadora informal e, portanto,
é necessário analisar quais temas estão sendo frequentemente
noticiados nos meios de comunicação. A televisão, enquanto
concessão estatal, tem que obedecer aos princípios e as normas
do Estado Brasileiro, principalmente no que se refere à promoção
dos Direitos Humanos.

Resultados e Discussões

No total, foram sistematizadas 276 notícias de acordo com


as categorias mencionadas na metodologia. Percebeu-se que
há uma discrepância relevante entre os temas abordados nos
telejornais: alguns assuntos, como violência social, são abordados
maciçamente, enquanto outros, como ciência e tecnologia, quase
não aparecem nos noticiários. Com a análise, chegou-se aos
seguintes resultados:

1205
Figura 1. Temas das notícias analisadas nos telejornais a partir do título e do
enfoque das matérias

Percebe-se, a partir do gráfico apresentado, que quase um
terço das notícias categorizadas referem-se à violência social.
Quando esta categoria é somada à categoria de feminicídios,
que também se trata de violência social, temos 39,1% de todas as
matérias veiculadas nos telejornais.

A alta abordagem de notícias violentas encontra respaldo


nas teorias sobre o discurso midiático. Os jornais, especificamente
os noticiários televisivos, tentam passar os relatos do dia a dia, mas
isso não ocorre. O banal, o cotidiano, o evidente, perdem espaço
para aquilo que seja passível de emocionar o telespectador,
de produzir grandes imagens e de passar a mensagem de um
acontecimento grandioso ou inesperado. Charaudeau (2018),
para explicar tal fenômeno, usa como exemplo o acidente: afinal,
não é o acidente enquanto tal que interessa às mídias, mas o que
ele comporta de drama humano.

Por meio desta análise, justifica-se o emprego de notícias


de infração às regras constitutivas da experiência humana,
como as guerras, a exclusão, a doença, o desemprego e todas

1206
as manifestações de transgressão à ordem social (greves,
assassinatos, revoluções, etc.). Isso justifica o julgamento que se
repete a respeito das mídias, de que só divulgam notícias ruins
(Charaudeau, 2018).

Ora, quando pensamos na ampla maneira como os


telejornais analisados têm divulgado notícias que se referem a
violência social, vamos ao encontro do pensamento de que por
trás da suposta realidade transmitida pela mídia, há uma busca
incessante pela audiência e pela atração do público por meio
do grotesco. Lima (2009) ressalta que informar é apenas uma
função aparente do jornalismo, já que por trás dessa pretensão há
diversos objetivos ideológicos dos meios de comunicação.

O jornalismo, como segmento da comunicação de massa,


exerce a função aparente de informar, explicar e orientar. As
funções subjacentes são muitas, variadas, incluindo-se no
rol a função econômica, a ideológica, e educativa, a social,
entre outras. Mas o que diferencia de fato o jornalismo de
outras atividades é o desempenho da tarefa informativa
e orientativa. O alimento dessa função é a ocorrência
social, sobre a qual se debruça o jornalismo para, a partir
daí, manter a sua audiência a par dos acontecimentos,
possibilitando-lhe orientar-se diante da avalanche de
ocorrências relevantes na sociedade moderna. (Lima, 2009,
p. 11-12)

Tais correntes teóricas nos possibilitam entender porque a


violência social é tão abordada nos telejornais, enquanto outros
temas de interesse público são raramente mencionados. As notícias
sobre violação de Direitos Humanos raramente são educativas e
não servem como forma de conscientizar a população sobre seus
direitos e a dignidade da pessoa humana.

Dentro do contexto de violência, ainda é fundamental


destacar algo que salta aos olhos: os feminicídios. Entre todas
as matérias, os feminicídios ocupam o terceiro lugar entre as
categorias escolhidas para esta pesquisa, ficando atrás apenas da
violência social e da política nacional. No total, 9,8% das matérias
são referentes a feminicídios, uma das 16 categorias levantadas
para esta pesquisa.

1207
No Brasil, uma mulher é morta a cada duas horas, conforme
levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade
de São Paulo e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em
2018, 1.173 mulheres foram vítimas de feminicídios, crimes de
ódio motivados pela condição de gênero.

Tal situação demonstra uma clara violação dos Direitos


Humanos das mulheres. Em 2017, a Organização das Nações
Unidas (ONU), por meio da Revisão Periódica Universal (Conselho
de Direitos Humanos da ONU, 2017), destacou às claras violações
de direitos no País e pediu o combate à violência contra a mulher.

Na ocasião, a ONU também destacou a violência contra


a população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e
intersexuais), considerando que o Brasil é o país que mais mata
travestis e transexuais no mundo. Merece destaque o fato de
que, embora a violência social esteja presente em grande parte
das notícias, durante o período analisado não houve notícias que
se referissem à morte de LGBTIs por homofobia ou transfobia.
O mesmo ocorreu em relação ao crime de racismo, que não foi
abordado nos telejornais.

Esta ausência de abordagem da homofobia, da transfobia e


do racismo, em um país em que tais modalidades de preconceitos
são repetitivas e incessantes, demonstram que os telejornais ainda
têm um longo caminho a percorrer para que se tornem efetivos
educadores em Direitos Humanos. Falar de violência social sem
se referir aos problemas vividos pelas minorias sociais demonstra
uma falta de construção da dignidade humana nos noticiários.
Neste sentido está a percepção de Kellner (2001):

A cultura da mídia pode constituir um entrave para a


democracia quando reproduz discursos reacionários,
promovendo o racismo, o preconceito de sexo, idade,
classe e outros, mas também pode propiciar o avanço dos
interesses dos grupos oprimidos quando ataca coisas como
as formas de segregação racial ou sexual, ou quando, pelo
menos, as enfraquece com representações mais positivas
de raça e sexo. (Kellner, 2001, p. 13)

Uma das categorias feitas para esta pesquisa foi a de grupos

1208
específicos e desenvolvimento humano, que foi abordada em
6,1% do total de notícias. Foi possível identificar, nesta categoria,
claras violações aos direitos de migrantes, idosos e crianças.
Poucas matérias se tratavam da promoção de direitos destes
grupos específicos.

A segunda categoria mais mencionada nos noticiários


televisivos foi a de política nacional. Considerando-se que a análise
foi realizada em ano de eleições presidenciais, houve abordagem
maciça de matérias referentes a agenda de presidenciáveis,
alianças políticas, atuação do Congresso Nacional, manifestações
do presidente eleito, entre outras questões políticas.

O interessante, nesta abordagem, é que a política ficou


restrita às eleições – pouco se falou de projetos de lei, de votações
no Congresso Nacional, de ações relacionadas ao governo vigente
na época. A palavra democracia apareceu muitas vezes, sempre
no sentido das eleições, sem mencionar a participação popular
nos atos do Executivo e do Legislativo.

Quando pensamos neste cenário, considerando que a


democracia é requisito para os Direitos Humanos, mais uma
vez nos atentamos para a falta de preparo – ou interesse – dos
telejornais em esclarecer seus telespectadores sobre os princípios
referentes aos Direitos Humanos.

A atuação do Judiciário e da polícia é a quarta categoria


mais abordada nos telejornais analisados, representando 8,3%
do total de notícias. Em tempos de extrema divulgação de casos
de corrupção, de decisões dos Tribunais de Justiça e de atuações
policiais na repressão ao crime, esta categoria acaba tendo uma
abordagem próxima à da política nacional.

As categorias de acidentes, saúde, variedades, economia,


tráfico, contravenções e meio ambiente não foram muito
exploradas, mas também não tiveram baixo índice de abordagem.
Cada categoria apareceu entre 2,5% e 5,0% do total de matérias e
se referiram a assuntos variados, sem enfoque específico.

Na categoria de esportes, que apareceu em 2,9% das


notícias, é necessário atentar-se, mais uma vez, para o recorte de

1209
gênero. Todas as matérias analisadas, sem exceção, referiram-se
a campeonatos masculinos. Foram abordados o futebol, o vôlei
e a natação masculina, sem nenhuma referência aos respectivos
esportes praticados por mulheres. Apenas uma matéria de
esporte teve cunho social, retratando a ação de uma Organização
Não-Governamental que ministra aulas de tênias para crianças
carentes. Ao abordarem somente os esportes masculinos, a mídia
acaba por reproduzir o machismo, reforçando esta violação aos
direitos das mulheres.

A mídia é uma das maiores disseminadoras de preconceitos


em nossa sociedade. As mulheres, foram transformadas em
objeto de consumo ou em escravas domésticas, deixaram
de ser pessoas. Basta assistir uma propaganda de cerveja
ou de sabão em pó para perceber isso. Ao mesmo tempo a
mídia tenta criar uma falsa aparência de igualdade entre os
sexos. Assim, ratifica o machismo promovendo violências
de gênero. (CHAVES, 2010, p. 218)

Por fim, é importante mencionar as categorias que tiveram
baixa visibilidade nos telejornais: educação (2,2%), política
internacional (1,4%) e ciência e tecnologia (1,1%). A política
internacional teve baixo enfoque provavelmente por conta das
eleições presidenciais no Brasil, já que toda a atenção da editoria
de política ficou voltada para a rotina dos presidenciáveis.

Resta entender, então, por que educação, ciência e


tecnologia são tão menosprezadas nos telejornais brasileiros. Mais
uma vez deparamo-nos com a questão da audiência e da escolha
editorial pela notícia que traz algo sensacional e que mexe com
a emoção do telespectador. Casos de violência e de corrupção,
por exemplo, acabam sendo mais atrativos do que falar sobre
educação ou ciência. Abordar estes temas, entretanto, faz parte
da construção da cidadania.

A Constituição Federal, em seu artigo 221, dispõe o seguinte:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de


rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas;

1210
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à
produção independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e
jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da
família. (Brasil, 1988)

Conforme se observou nesta pesquisa, a televisão não


tem cumprido com o princípio de dar preferência a finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas. A informação
transmitida pelos telejornais possui vícios em suas abordagens e
ainda repetem estereótipos e sensos comuns, não levando para a
população uma educação pautada na emancipação humana e no
interesse social.

Assim, fica evidente a perspectiva teórica de Charaudeau


(2018) ao analisar o discurso das mídias. O autor, que defende
que a construção da notícia ocorre a partir dos valores e dos
modos discursivos de cada meio de comunicação, diz que o efeito
emocional criado pela televisão ainda é a principal forma para
obter altos índices de audiência.

Por trás do discurso midiático, não há um espaço social
mascarado, deformado ou parcelado por esse discurso.
O espaço social é uma realidade empírica compósita,
não homogênea, que depende, para sua significação,
do olhar lançado sobre ele por diferentes atores sociais,
através dos discursos que produzem para tentar torna-lo
inteligível. Mortos são mortos, mas para que signifiquem
“genocídio”, “purificação étnica”, “solução final”, “vítimas
do destino”, é preciso que se insiram em discursos de
inteligibilidade do mundo que apontam para sistemas
de valores que caracterizam os grupos sociais. Ou seja,
para que o acontecimento exista é necessário nomeá-lo.
O acontecimento não significa em si. O acontecimento
só significa enquanto acontecimento em um discurso.
O acontecimento significado nasce num processo
evenemencial que, como vimos, se constrói ao término de
uma mimese tripla. É daí que nasce o que se convencionou
chamar de “a notícia”. (Charaudeau, 2018, p. 131-132)

1211
Dessa forma, percebe-se que os telejornais reproduzem
os preconceitos e os sensos comuns da sociedade, ao lançar
um olhar que produza audiência e que traga teor emocional a
seus telespectadores. A Educação em Direitos Humanos, neste
processo, acaba prejudicada pelos interesses mercadológicos e
pela falta de compromisso dos meios de comunicação com seu
papel social.

Primeiramente, no atinente aos profissionais da


comunicação, eles deveriam conhecer melhor a
problemática que envolve os Direitos Humanos, bem
como a sua relação íntima com os movimentos sociais que
articulam as tramas que lhes dão sentido e contribuem para
sua garantia. Tal aspecto encontra ligação umbilical com a
necessidade de um novo perfil dos “donos” dos veículos de
comunicação que, ao invés de tratar a informação como
mercadoria, eles deveriam encará-la como mais um bem
que se traduz indispensável para a realização do homem na
sociedade democrática. (Cruz & Moura, 2012, p. 99)

Por fim, esta pesquisa nos leva a reflexão de que os


telejornais, ao escolherem a abordagem de seus temas, acabam
criando uma cultura midiática que pode ocorrer de duas maneiras:
por técnicas que visam a banalização de certos temas e setores da
sociedade, ou por resistência e luta contra as classes dominantes
ao utilizar uma linguagem menos estereotipada e comprometida
com o poder.

Considerações Finais

Esta pesquisa teve o objetivo de categorizar diversas


notícias de telejornais, no período de junho a dezembro de
2018, para sistematizar os assuntos que são mais retratados nos
noticiários televisivos. Com esta análise, percebeu-se que a mídia
ainda está longe de cumprir com sua função social e educativa.

O espetáculo da violência e do grotesco ainda dominam


a maior parte das matérias veiculadas, como forma de buscar
audiência a qualquer custo. Percebe-se que os telejornais não
cumprem com sua função constitucional de ter programação
educativa, cultural e informativa. Esta crítica também é feita por

1212
Marshall (2003):

Esse padrão de jornalismo contemporâneo, compromissado


com o mercado, abdica dos princípios humanísticos,
libertadores e idealistas, que residiam na essência do
jornalismo clássico. (...) A ética humanística do jornalista,
fundada nos valores do interesse público e do bem-estar
coletivo, acaba sendo atropelada (...). (Marshall, 2003, p. 56-
57)

A televisão, enquanto educadora informal, deve promover


uma consciência cidadã e pautada nos Direitos Humanos. Fica
evidente, a partir desta pesquisa, a urgência em se discutir a
qualidade da mídia, principalmente pensando nas maciças
violações de Direitos Humanos na abordagem da violência social
e na repetição dos preconceitos sociais. Enquanto observamos
apenas notícias “rentáveis” na programação televisiva, sem
enfoque nas dimensões educativas, culturais e humanísticas, não
poderemos falar em um telejornalismo comprometido com sua
função social.

Referências

André, M. E. D. A. (1983). Texto, contexto e significado: algumas


questões na análise de dados qualitativos. Cadernos de Pesquisa,
45, 66-71.

Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília: Senado. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituição.htm.

Brasil (2016). Pesquisa Brasileira de Mídia 2016. Brasília: IBOPE


Inteligência. Disponível: <http://www.secom.gov.br/atuacao/
pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-
contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016.pdf/view.

Brasil (2006). Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.


Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Charaudeau, P. (2018). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.

1213
Chaves, F. N. (2010). A sociedade capitalista e o feminino: sua
estrutura falocêntrica e a questão da aparência. In C. Marcondes
Filho (Org.). Transporizações. São Paulo: ECA-USP.

Conselho de Direitos Humanos da ONU (2017). Relatório do Grupo


de Trabalho sobre a Revisão Periódica Universal. Genebra. Disponível:
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/08/RPU-Brasil.
docx.docx.pdf.

Cruz, F. S. & Moura, M. O. (2012). Os Direitos Humanos como


Produto: reflexões sobre a informação e a cultura da mídia. Revista
Sequência, 65, 79-102. Disponível: http://www.scielo.br/pdf/seq/
n65/n65a05.pdf.

Kellner, D. (2001). A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC.

Lima. E. P. (2009). Páginas ampliadas: o livro-reportagem como


extensão do jornalismo e da literatura. Barueri: Manole.

Marshall, L. (2003). O jornalismo na era da publicidade. São Paulo:


Sumus.

ONU (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris.

1214
Tecnologia e educação, instrumentos eficazes
no combate à falta de profissionalização:
O trabalho como fim e a educação
como meio para ressocializar

Francis Fernanda de Oliveira Neiva1

Resumo

O direito à educação, que por lei é de todos, não está sendo
observado, mas, através de políticas públicas pode ser efetivado,
basta vontade política e também a participação da sociedade
civil. A situação dos egressos dos presídios, por exemplo, que em
sua maioria são desprovidos de uma educação formal, terão uma
mínima ou nenhuma chance de se inserir na sociedade, tendo,
portanto, grandes possibilidades de serem reincidentes. Sabe-
se que a educação é o caminho não só para se conseguir um
emprego, como também para elevar a autoestima do indivíduo.
A implantação de escolas tradicionais nos presídios é suplantada
pela contenção de gastos, por isso, não se tem promovido este
empreendimento para recuperar os detentos. E também porque,
uma grande maioria destes, ainda aguardam julgamento e estão
ali provisoriamente. Para promover uma significativa redução
dos gastos, a utilização da tecnologia junto à educação é com
certeza a forma mais eficiente e eficaz de se conseguir aumentar
as chances de empregabilidade. Através de uma entrevista com o
diretor de um presídio onde as detentas se mantém ociosas por
grande parte do tempo, se detectou a necessidade e a viabilidade
de implantação de uma tele sala a fim de proporcionar-lhes a
educação a distância. Após a realização da entrevista realizou-
se inúmeras pesquisas para investigar outros presídios ou
penitenciárias que já possuem este tipo de ensino e o impacto
que este proporcionou na vida de egressos.

1. fernanda-neiva2011@hotmail.com. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e


do Mucuri

1215
Palavras chave: egressos, educação, tecnologia.

1 Introdução

A constituição federal de 1988 em seu artigo 205, preceitua


que, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Com base neste artigo e observando a consequência da falta
da educação na vida do cidadão, tem-se a dimensão de qual
será pois, o destino daquele que, sendo egresso de um sistema
prisional cruel, onde se o indivíduo entra “analfabeto e sai com
graduação em Artes Criminais”, questiona-se se este terá alguma
chance, mesmo que ínfima de ingressar novamente na sociedade.

Como a educação tradicional tem uma mínima


probabilidade de ser implantada em um presídio, uma vez que
a maioria dos que nele estão ainda aguardam julgamento, ou
seja, estão ali provisoriamente, sendo portanto, prioridade nas
penitenciárias, pensou-se na educação a distância, por ser mais
viável financeiramente e poder proporcionar ao detento, maiores
chances de reinserção na sociedade que, através desta, poderá obter
desde a alfabetização, o conhecimento técnico, profissionalizante
ou uma graduação e quem sabe, até mesmo uma pós graduação.
Só com políticas públicas voltadas para fomentar sua formação em
uma área de conhecimento do seu interesse é que se poderá dar
oportunidades aos egressos.

Para se chegar a um melhor e mais rápido resultado, pensou-


se em realizar um laboratório em um presídio, restringindo-se
apenas à uma parte da população carcerária, a feminina. Espera-
se, posteriormente, estender também à população carcerária
masculina.

2 Objetivos

2.1 Objetivo Geral

Estudar o instituto da educação aliada à tecnologia, e os


seus efeitos na realidade das mulheres que cumprem pena nos

1216
estabelecimentos prisionais brasileiros.

2.2 Objetivos Específicos

Analisar os dados do sistema prisional brasileiro, a fim


de entender a realidade social das mulheres que se encontram
encarceradas no Brasil;

Compreender os reflexos da educação como meio de


emancipação da mulher e instrumento de reinserção da egressa
do sistema prisional no mercado de trabalho;

Perquirir as diretrizes educacionais no cárcere e a idealização


de políticas públicas pelos órgãos estatais;

Propor políticas públicas de acesso à educação através do


uso da tecnologia;

Analisar projetos já existentes de aplicação da educação


à distância no sistema carcerário no Brasil para implantá-la no
Presídio Regional de Teófilo Otoni.

Desenvolvimento

Enquanto a detenta está cumprindo pena ou esperando


pelo julgamento, pode estudar e remir sua pena, se preparar
para o ENCCEJA, o ENEM e fazer cursos, se preparando assim,
para enfrentar o mercado de trabalho quando sair, além de, é
claro, preencher o tempo ocioso com algo útil. Ao pensar na
oferta de cursos às encarceradas, o primeiro questionamento
pode se vincular aos custos de tal prestação, sobretudo nos
estabelecimentos prisionais, espaço em que as questões de
segurança exigem um aparato para qualquer ação, uma vez que
a preocupação primordial é que não haja o comprometimento
da segurança interna da instituição. Sendo assim, conclui-se que,
o método mais adequado e seguro seja o ensino à distância. Por
opção metodológica, o presente projeto de pesquisa procurará
estudar os reflexos da educação à distância na vida das mulheres
encarceradas, sua evolução enquanto indivíduo, tendo em vista
a urgente necessidade de ofertar educação de qualidade como
forma de emancipação social e meio eficaz de possibilitar a

1217
reinserção no mercado de trabalho.

Segundo a jornalista Waleiska Fernandes (2015) “Quando o


assunto é escolaridade, apenas 11% das mulheres encarceradas
concluíram o Ensino Médio e o número de concluintes do Ensino
Superior ficou abaixo de 1%. Metade das detentas possui o Ensino
Fundamental incompleto, 50%, e 4% são analfabetas.”

Tendo em vista a atual situação brasileira, é necessário que


sejam repensadas as questões vividas pela população carcerária,
e usar o ensino a distância como um meio de proporcionar a
ela uma nova realidade. Há grande preocupação de como esse
público será inserido novamente na sociedade e, se é possível
falar em reinserção, em especial no mercado de trabalho. Nesse
sentido, a educação pode contribuir para a formação do mesmo,
promovendo esta inserção e, aliada ao uso da tecnologia a favor da
popularização da educação pública, pode facilitar e agilizar esse
processo de transformação da realidade social, a partir da releitura
da própria noção de educação no contexto da emancipação da
mulher em condição de aprisionamento.

Para Behar (apud NASCIMENTO, 2014, p.02), a educação à


distância é uma das grandes dinamizadoras do processo de ruptura
na área educacional, sinalizando a necessidade de mudanças
levando em conta a relação ensino/aprendizagem, dinamizada
pela construção de outro modelo pedagógico. As políticas
públicas, no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica, são
abrangentes e assinalam um vislumbre, por parte do Estado, de
uma nova perspectiva educacional para o futuro.

Moore e Kearsley (2008, p.21) afirmam que com a EaD


“[...] mais pessoas estão obtendo acesso mais facilmente a mais
e melhores recursos de aprendizado do que podiam no passado
[...]”.

Para Castells (apud NASCIMENTO, 2014, p. 04), as redes


representam a nova morfologia social de nossas sociedades
que modificam a forma e os resultados do processo produtivo.
Nesse sentido, a sociedade exige alternativas de organização
que possam ser sustentáveis frente aos desafios e incertezas da
realidade do trabalho e dos aspectos sociais, políticos, econômicos

1218
e educativos do mundo globalizado.

É fato que a educação à distância está presente, já há


algum tempo, no Brasil. Em 1981, surgiu com o Telecurso 1º Grau,
método de ensino supletivo que abrangia da 5ª à 8ª série do
ensino fundamental, criado pela Fundação Roberto Marinho com
base na experiência do Telecurso 2º grau – que estreou em 1978,
o Telecurso 1º grau foi produzido em parceria com o Ministério
da Educação (MEC) e a Universidade de Brasília (UnB). Sua
denominação passou a ser Telecurso 2000 e, desde 1998, contou
com a parceria do MEC para o projeto Teles salas 2000, este foi
desenvolvido com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT). O Telecurso 2000 é considerado o maior projeto de educação
à distância em prática no Brasil. Ele utilizava fitas de vídeo e livros,
sendo que cada capítulo dos livros apresentava e desenvolvia o
conteúdo de uma tele aula. Os livros e fitas de vídeo do Telecurso
podiam ser adquiridos em bancas de jornais e revistas, livrarias ou
por telefone. (Educabrasil-2001).

Posteriormente, também os cursos superiores de


tecnologia, as licenciaturas e também as pós-graduações em
diversas áreas do conhecimento foram autorizados a funcionar
à distância. A tecnologia veio, portanto, contribuir para encurtar
as distâncias entre as pessoas e o direito destas de terem uma
educação. Destarte, é apenas uma questão de vontade político
administrativa a sua inserção também no espaço das prisões, a
fim de dinamizar o acesso da detenta à educação.

Partindo desse pressuposto, se elaborou a seguinte questão


norteadora: Quais as vantagens da utilização da educação aliada
à tecnologia, ao se implantar a EaD no presídio em nossa região e
quais as possíveis consequências desta utilização para a detenta?

4. Metodologia de Pesquisa

No que tange aos procedimentos metodológicos e


técnicos, a presente pesquisa se insere como teórico-dogmática,
pois adotará método de trabalho bibliográfico, construído a partir
de análise e releitura das melhores e mais relevantes doutrinas
pertinentes ao assunto abordado, tendo como base as discussões
a partir da educação à distância. Iniciando-se com os autores

1219
Michael G. Moore, Greg Kearsley, Patricia Alejandra Behar, Manuell
Castells. Paralelo a educação à distância, o trabalho procurará
também, analisar as teorias dos doutrinadores que estudam a
problemática da educação no sistema prisional brasileiro e sua
possível evolução através da EaD, além da pesquisa de dados
diretamente no Presídio de Teófilo Otoni, onde será feita a coleta
de dados empíricos através de entrevistas com o Diretor do
mesmo e com o Gerente de Produção e Assistente Pedagógico
a fim de buscar dados para a comprovação da necessidade da
educação da detenta e posterior pesquisa com as detentas para
averiguar a intenção das mesmas, quais suas preferências com
relação aos cursos.

Portanto, no que se refere aos setores do conhecimento,


a pesquisa tem como natureza básica a transdisciplinaridade,
por envolver ramos diferentes do direito. Partindo dos Direitos
Humanos, passando pelos Direito Constitucional e Penal,
chegando ao Direito do Trabalho.

Na condição de seres humanos, e como tais, temos direitos


e um deles é à educação. No âmbito internacional, destaca-se a
Convenção sobre Direitos Humanos que;

Artigo 26: 1. Todo ser humano tem direito à instrução.


A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível
a todos, bem como a instrução superior, está baseada
no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do
pleno desenvolvimento da personalidade humana e do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e
pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações
e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das
Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

O direito à educação é objetivo e é o pleno o desenvolvimento


da pessoa e o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos.
Sendo estes universais, interdependentes, indivisíveis e executáveis
pelo Estado em termos legais e políticos. A Constituição Federal
de 1988, em seu artigo 208, estabelece que:

1220
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro)


aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso
na idade própria (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009);

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito


(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996);

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa


e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições


do educando;

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da


educação básica, por meio de programas suplementares
de material didático escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 59, de 2009);

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito


público subjetivo.

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder


Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade
da autoridade competente.

Dada a situação atual no Brasil, é necessário repensar


os problemas enfrentados pela população carcerária, e qual o
meio de proporcionar uma nova realidade aos presos no sistema
prisional. Existe uma grande preocupação sobre como esses
eles serão reintroduzidos na sociedade se for possível falar em
reintegração, especialmente no mercado de trabalho.

Como sujeito de direito, o detido também tem direito


à educação, portanto, é dever do Estado garantir esse direito.
Somente com políticas públicas destinadas a promover sua

1221
formação em uma área de conhecimento de seu interesse, os
detentos podem ter oportunidades.

A Lei de Execução Criminal (LEP) No. 7.210, de 1984, prevê a


educação escolar no sistema prisional nos artigos 17 a 21:

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução


escolar e a formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se


no sistema escolar da Unidade Federativa.

Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com


formação geral ou educação profissional de nível médio,
será implantado nos presídios, em obediência ao preceito
constitucional de sua universalização. (Incluído pela Lei nº
13.163, de 2015)

§ 1º O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á


ao sistema estadual e municipal de ensino e será mantido,
administrativa e financeiramente, com o apoio da União,
não só com os recursos destinados à educação, mas pelo
sistema estadual de justiça ou administração penitenciária.
(Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

§ 2º Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas


cursos supletivos de educação de jovens e adultos. (Incluído
pela Lei nº 13.163, de 2015)

§ 3º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal


incluirão em seus programas de educação à distância e de
utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento
aos presos e às presas. 7.627 (Incluído pela Lei nº 13.163, de
2015)

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de


iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.
Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino
profissional adequado à sua condição.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de

1222
convênio com entidades públicas ou particulares, que
instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á


cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas
as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos,
recreativos e didáticos.

Art. 21-A. O censo penitenciário deverá apurar: (Incluído


pela Lei nº 13.163, de 2015)

I - o nível de escolaridade dos presos e das presas; (Incluído


pela Lei nº 13.163, de 2015)

II - a existência de cursos nos níveis fundamental e médio e


o número de presos e presas atendidos; (Incluído pela Lei nº
13.163, de 2015)

III - a implementação de cursos profissionais em nível de


iniciação ou aperfeiçoamento técnico e o número de presos
e presas atendidos; (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

IV - a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo;


(Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

V - outros dados relevantes para o aprimoramento


educacional de presos e presas (Incluído pela Lei nº 13.163,
de 2015).

Também prevê, a LEP, a remição através do estudo:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime


fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por
estudo, parte do tempo de execução da pena. (Redação
dada pela Lei nº 12.433, de 2011).

§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à


razão de: (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência


escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive

1223
profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação
profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; (Incluído
pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 2º As atividades de estudo a que se refere o § 1o deste


artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial
ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser
certificadas pelas autoridades educacionais competentes
dos cursos frequentados. (Redação dada pela Lei nº 12.433,
de 2011)

§ 3º Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas


diárias de trabalho e de estudo serão definidas de forma a
se compatibilizarem. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de
2011)

§ 4º O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no


trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a
remição. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 5º O tempo a remir em função das horas de estudo será


acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino
fundamental, médio ou superior durante o cumprimento
da pena, desde que certificada pelo órgão competente do
sistema de educação. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 6º O condenado que cumpre pena em regime aberto ou


semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão
remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de
educação profissional, parte do tempo de execução da pena
ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do
§ 1o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 7º O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão


cautelar. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 8º A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos


o Ministério Público e a defesa. (Incluído pela Lei nº 12.433,
de 2011)

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3

1224
(um terço) do tempo remido, observado o disposto no art.
57, recomeçando a contagem a partir da data da infração
disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

Art. 128. O tempo remido será computado como pena


cumprida, para todos os efeitos. (Redação dada pela Lei nº
12.433, de 2011)

Art. 129. A autoridade administrativa encaminhará


mensalmente ao juízo da execução cópia do registro
de todos os condenados que estejam trabalhando ou
estudando, com informação dos dias de trabalho ou das
horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de
cada um deles. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 1º O condenado autorizado a estudar fora do


estabelecimento penal deverá comprovar mensalmente,
por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a
frequência e o aproveitamento escolar. (Incluído pela Lei nº
12.433, de 2011)

§ 2º Ao condenado dar-se-á a relação de seus dias remidos.


(Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

Art. 130. Constitui o crime do artigo 299 do Código Penal


declarar ou atestar falsamente prestação de serviço para
fim de instruir pedido de remição.

Conclusão

Embora sempre se acreditou que os detentos pudessem


se recuperar durante o cumprimento de sua pena, hoje se sabe,
pelas estatísticas, que o índice de reincidência é muito grande e
que a maioria deles não se transformam.

A implantação da Educação a Distância nos presídios, em


especial no Presídio Regional de Teófilo Otoni, só trará benefícios
às detentas, sendo esta a solução mais prática, menos onerosa aos
cofres públicos e com maiores chances de trazê-las novamente
para viver em sociedade, com um mínimo de dignidade, porque só
o estudo e o trabalho poderão lhes devolver também a autoestima.

1225
Pretende-se, portanto, transformar este quadro em que as
detentas se encontram, iniciando com a educação, passando pela
valorização do destas enquanto seres humanos e culminando
com a sua propensa inserção no mercado de trabalho.

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1227
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Años
• Gestión institucional
• Docencia de pregrado
Comisión Nacional • Investigación
• Vinculación con el medio
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