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Artículos de reflexión derivada de investigación

Fundamentos da teoria bioecológica de Urie


Bronfenbrenner
Idonézia Collodel Benetti*, Mauro Luis Vieira**, Maria Aparecida Crepaldi***,
Daniela Ribeiro Schneider****

Resumo
A presente pesquisa, de natureza teórica, tem por objetivo trabalhar os seguintes aspectos da
Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner: as origens das pro-
* Mestre em Linguística, Mestranda posições do autor, suas bases ontológicas e epistemológicas, o ponto de vista antropológico
em Psicologia na Universidade e a aplicação da teoria em termos de método e técnicas utilizadas em pesquisas nesta funda-
Federal de Santa Catarina, Brasil. mentadas. Devido à dificuldade de encontrar escritos acadêmicos que abordem, um a um,
Correo electrónico: todos esses aspectos em um só trabalho é que se objetivou o presente artigo. É uma tentativa
idonezia@hotmail.com de revelar o que está oculto e/ou diluído no discurso científico presente nos escritos de Bron-
fenbrenner e trazer, de uma maneira simples e didática, tais fundamentos necessários para a
** Doutor em Psicologia Experimental, compreensão crítica da teoria em pauta.
professor do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Palavras-chave: antropologia, epistemologia, metodologia, ontologia, teoria bioecológica.
Universidade Federal de Santa
Catarina, Brasil.
Correo electrónico: Fundamentos de la teoría bioecológica de Urie Bronfenbrenner
maurolvieira@gmail.com
Resumen
*** Doutora em Saúde Mental, Esta investigación, de naturaleza teórica, tiene como objeto trabajar los siguientes aspectos de la Teoría
professora do Programa de Bioecológica del Desarrollo Humano, diseñada por Urie Bronfenbrenner: los orígenes de sus propuestas,
Pós-Graduação em Psicologia da sus bases ontológicas y epistemológicas, el punto de vista antropológico, su aplicación en términos me-
Universidade Federal de Santa todológicos y las técnicas utilizadas en las investigaciones en ese campo científico. Debido a la dificultad
Catarina, Brasil. de encontrar escritos académicos que se ocupen, uno a uno, de todos estos aspectos en un único trabajo,
Correo electrónico: es que se realiza este artículo. Es un intento de revelar lo que está oculto o diluido en el discurso cien-
maria.crepaldi@gmail.com tífico presente en los escritos de Bronfenbrenner, y llevar de manera sencilla y didáctica los elementos
esenciales necesarios para una comprensión crítica de la teoría en cuestión.
**** Doutora em Psicologia Clínica,
professora do Programa de Palabras clave: antropología, epistemología, metodología, ontología, teoría bioecológica.
Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Santa
Catarina, Brasil. Fundamentals of the Bioecological Theory of Urie Bronfenbrenner
Correo electrónico:
Abstract
danischneiderpsi@uol.com.br
This theoretical research focuses on the following aspects of the Bioecological Theory of Human Develo-
pment, designed by Urie Bronfenbrenner: a) origins of his proposals, b) ontological bases, c) epistemo-
Recibido: 7 de junio del 2013
logical bases, d) anthropological point of view, and e) application of the theory - the method and techni-
Aprobado: 31 de agosto del 2013
ques used in research in that particular scientific field. The article was written because of the difficulty of
Cómo citar este artículo: Collodel Benetti, finding scientific writings that address all of these aspects in one single work. It attempts to reveal what
I., Vieira, M. L., Crepaldi, A. M. y Ribeiro is hidden and/or diluted in the scientific discourse underlying the writings of Bronfenbrenner and in a
Schneider, D. (2013). Fundamentos da simple and didactic manner to deal with the essential elements needed for a critical understanding of
teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. the theory in question.
Pensando Psicología, 9(16), 89-99.
Keywords: anthropology, epistemology, methodology, ontology, Urie Bronfenbrenner theory.
90 Artículos originales de investigación Pensando Psicología / Volumen 9, Número 16 / enero-diciembre 2013

Considerações Iniciais Busca-se, então, destacar questões ontológicas,


epistemológicas, antropológicas e metodológicas liga-
A Psicologia do Desenvolvimento é uma área da ciên- das à perspectiva teórica estudada. A ontologia, que le-
cia que se (pre)ocupa em estudar as pessoas focando vanta questões básicas sobre a forma e a natureza da
o seu desenvolvimento, como processo que alberga realidade, ocupando-se em entender o que pode ser co-
mudanças no decorrer da vida do indivíduo, voltadas nhecido; a epistemologia, que é um ramo da filosofia
para as várias etapas que ele atravessa ao longo de sua que se preocupa em entender como se pode conhecer
o mundo e qual é a relação entre o interessado/inqui-
existência, desde o nascimento até a morte. E, ao evi-
sidor e o conhecimento; a antropologia, que se atém à
denciar o desenvolvimento humano na qualidade de
concepção acerca do ser do homem e a metodologia,
processo, essa ciência está atenta às condições que ca-
que está focada em como se obtém o conhecimento do
pacitam a pessoa a adaptar-se ao seu habitat de ma-
mundo, e em como o interessado pode buscar desco-
neira mais efetiva, observando o crescimento entre o
bertas ou qualquer coisa que ele acredita que pode ser
organismo e os contextos em mudança, nos quais ele
conhecida (Schwandt, 1994).
vive, cresce e desenvolve-se, como sujeito ativo e parti-
Entretanto, é necessário pontuar que, apesar das as
cipativo do seu próprio desenvolvimento.
inúmeras pesquisas com aporte teórico nos pressupos-
Dentre as abordagens voltadas à Psicologia do
tos científicos de Bronfenbrenner e seus colaboradores
Desenvolvimento, esse trabalho pretende colocar em
– Moen, Elder, Lüscher, Evans, Morris, Damon, Lerner,
evidência alguns aspectos relevantes, porém pouco ex-
Ceci, para citar alguns –, há escassez de pesquisas en-
plorados, da teoria de Urie Bronfenbrenner e, portan-
globando os aspectos supracitados, no modelo proposto
to, escassamente encontrados na literatura, de forma
para esse estudo. Não foram encontrados, na terminolo-
ilustrativa e didática. Assim, a intensão dessa tarefa é gia usada para buscar e recuperar informações na Biblio-
ir um pouco mais além de apenas apontar que a teoria teca Virtual em Saúde, os descritores fundamentais para
está ancorada no contexto e nos processos proximais, as pretensões ao desenvolvimento desse trabalho, duran-
afirmando que eles são, de fato, elementos que apre- te a busca na qual o nome Bronfenbrenner foi associado
sentam forte influência no desenvolvimento humano. às palavras ontologia, epistemologia, antropologia, meto-
É objetivo, também, avançar um pouco mais do que dologia e seus equivalentes em língua inglesa: ontology,
apenas salientar o valor da relação sujeito/contexto, na epistemology, antropology and methodology.
qualidade de fenômeno não apenas adaptativo ao que Para ampliar as possibilidades de investigação, pa-
é (im)posto pelo ambiente, sublinhando que o indivi- res de expressões foram usados, a saber: a) teoria bio-
duo é um ser capaz de alcançar consciência intelectu- ecológica/hierarquia correlações e b) fundamentos da
al e emocional, tornando-se um protagonista influente bioecologia/teoria de Bronfenbrenner –a) bioecology
no seu meio social, com um caráter ativo em relação ao theory/hierarchy correlation e b) bioecology funda-
seu próprio desenvolvimento sendo, simultaneamente, mentals/Bronfenbrenner’s theory– sem que resultados
produto e produtor de desenvolvimento. compatíveis fossem localizados. Os mesmos descrito-
Então, com uma perspectiva multidimensional de res foram utilizados para o mapeamento da literatura,
olhar a realidade e enfatizar a inter-relação do com- realizado a partir de artigos de periódicos brasileiros
portamento humano com o ambiente social (Wor- e internacionais, indexados nas bases de dados Scie-
mer, 2007), é ambição trabalhar os seguintes aspectos lo, Capes, SciVerse, Web of Science e lisa (Library and
da teoria, ora em pauta: a) origens das proposições de Information Science), sem que houvesse indicativo de
Bronfenbrenner, b) bases ontológicas, c) fundamen- trabalhos que envolvessem essas palavras/expressões.
tos epistemológicos d) ponto de vista antropológico e Vale lembrar que há esforços nesse sentido, os
e) aplicação da teoria – método e técnicas usadas em quais resultaram em alguns trabalhos que trazem ele-
pesquisas fundamentadas nos pressupostos desse cam- mentos essenciais para que se compreendam os estudos
po científico. Essa intenção assenta-se na dificuldade de Bronfenbrenner, tendo em vista a hierarquia de cor-
de encontrar escritos acadêmicos que abordem, um a relações previamente mencionada. É o caso de: Modelo
um, todos esses aspectos em um só trabalho, oferecen- bioecológico de Bronfenbrenner: contribuições para o de-
do uma visão mais abrangente da teoria e uma discus- senvolvimento humano (Polonia, Dessen y Silva, 2005)
são que aponte mais do que somente os pressupostos e A teoria de Urie Bronfenbrenner: uma teoria contextu-
teóricos do autor. alista? (Tudge, 2008). Em ambas as obras, a teoria é ca-
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racterizada como bioecológica e como contextualista. Simpatizante das ideias de Vygostski e Lewin,
Porém, ao articular a discussão sobre o assunto, é pin- Bronfenbrenner foi influenciado fortemente pelo pen-
celado brevemente três dos cinco aspectos pretendidos samento de ambos (Johnson, 2008). Vygotski, pai da
para esse trabalho –epistemologia, ontologia e meto- Teoria Sócio-histórica, é conhecido por advogar que o
dologia– sem que se apontem os aspectos antropológi- desenvolvimento humano é o resultado das interações
cos e históricos, anteriores e contemporâneos à teoria, entre o indivíduo e seu contexto social, e por deixar
e fundamentais para a construção desta. Nesse cenário, claro que tal desenvolvimento não pode ser compre-
a escassez foi o agente propulsor para a escolha do tema endido separado do contexto sociocultural no qual as
que gerou a elaboração do presente estudo. pessoas estão inseridas (Vigotsky, 1978). Lewin, estu-
Entretanto, convém enfatizar que, dado o espaço dioso da Teoria do Campo, enfatizou que as atividades
destinado a um trabalho do porte de um artigo, a pre- psicológicas acontecem dentro de um espaço que con-
tensão não é esgotar o assunto, nem tampouco efetivar tém todos os eventos passados, presentes e futuros, que
um estudo bibliométrico sobre esse tópico, mas abor- moldam e afetam o comportamento do indivíduo, ex-
dá-lo de forma que possa ser encarado como estímulo plicando esse comportamento em relação às influên-
para reflexões e discussões, que possam contribuir para cias sociais (Bargal, Gold, y Lewin, 1992).
futuros questionamentos e outros trabalhos nessa área. Esse cenário científico estimula Bronfenbrenner e
Então, sob a rubrica das limitações temporais e espa- o impele para o que há muito, desde sua infância, já ha-
ciais, o presente estudo teórico é uma tentativa de reve- via observado. Nascido na antiga União Soviética, em
lar o que está oculto e/ou diluído no discurso científico 1917 – ano que marca o fim do império russo e a vitó-
subjacente aos escritos de Bronfenbrenner e trazer, de ria da revolução naquele país (Corraliza, Blanco y Loe-
uma maneira simples e didática, o conteúdo do tema, ches, 1987) –sua família muda para os Estados Unidos
com base no que foi proposto pelo autor. em 1923, em uma época de conturbações sociais e po-
líticas em sua terra natal.
Em solo estrangeiro, o menino Urie encontra um
Tangenciando Histórias: as origens cenário multicultural, principalmente na escola, onde
do pensamento bioecológico tem a oportunidade de conviver com crianças de dife-
rentes etnias, e de culturas outras, distintas daquelas
A teoria bioecológica do desenvolvimento humano de com as quais ele estava familiarizado. Essa mudança
Bronfenbrenner (tbdh) surge de sua insatisfação rela- pode ser considerada, segundo sua própria terminolo-
cionada às abordagens vigentes e às ideias reinantes na gia, como uma “transição ecológica”, uma vez que trou-
psicologia de sua época. Como cientista, ele rejeitava o xe alterações de contexto.
associacionismo dicotômico e o desejo positivista que Longe da terra natal, seu pai –médico– consegue
apontavam que a ciência social, para ser útil e científica, trabalho em uma instituição para pessoas com sofri-
deveria ser pura, neutra e descontextualizada (Bronfen- mento psíquico e/ou necessidades especiais. Era um
brenner, 1979). Suas inquietações estavam relacionadas cenário que compunha um sanatório, em uma área
a abordagens fragmentadas do estudo do desenvolvi- rural, onde os pacientes que estavam fora das enfer-
mento humano, cada uma focada em seu próprio nível marias frequentavam as salas de aula, ou trabalhavam
de análise – só a criança, só a família, só a sociedade, etc. no cultivo da terra, nas granjas e nas oficinas, e onde
– cada qual estudada à parte do seu respectivo contex- os funcionários tinham suas residências vizinhas à
to. Nesse sentido, a ênfase no rigor científico delineava instituição. Morando nas proximidades, o pequeno
e conduzia a experimentos elegantes, porém de escopo Urie acompanhava-o nas visitas aos pacientes e ob-
limitado, uma vez que acabava apresentando situações servava sua angústia ao constatar que os coeficientes
não familiares e artificiais. Assim, Bronfenbrenner, ao intelectuais desses pacientes –avaliados no início da
criticar as condições experimentais artificiais criadas internação– diminuíam após algumas semanas, na se-
por alguns pesquisadores de sua época, ousa afirmar gunda avaliação. Assim, em consequência dos baixos
que, fora do contexto, “grande parte da Psicologia de- escores, quem antes se encontrava em estado “nor-
senvolvimental é a ciência do comportamento desco- mal” era classificado como “deficiente mental”, e não
nhecido da criança em situações desconhecidas com recebia alta do tratamento, o que significava, em mui-
adultos desconhecidos por períodos de tempo mais bre- tos casos, permanecer na instituição para o resto da
ves possíveis” (Bronfenbrenner, 1996, p. 16). vida.
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Além disso, o menino já se dava conta de que os A Teoria Bioecológica e os Contextos


internos, avaliados como “menos doentes”, com a “re- de Desenvolvimento
galia” de trabalhar nas casas dos funcionários, aumen-
tavam seus coeficientes intelectuais após deixarem a
O modelo bioecológico de desenvolvimento humano
instituição (Bronfenbrenner, 1996). Fica, assim, plan-
proposto por Bronfenbrenner aparece na literatura
tada a semente da curiosidade em pesquisar a influ-
em 1977 através do artigo “Towards a developmental
ência do sobre o desenvolvimiento humano, que mais
Psychology”, e no seu livro clássico “The ecology of hu-
tarde germinará, permitindo que esse cientista, junta- man development” em 1979, sendo concebido por vá-
mente com seus colaboradores, elabore uma teoria ro- rios estudiosos da área como um divisor de águas na
busta, capaz de influenciar o pensamento e as práticas compreensão da ontologia humana (Bronfenbrenner,
de muitos psicólogos e pesquisadores dessa área. 2005). Nessas obras, o autor advoga que o desenvol-
Enquanto frequentava os cursos de graduação em vimento é um processo que envolve estabilidades e
Psicologia e Música na Universidade de Cornell –em mudanças nas características biopsicológicas dos indi-
1938– Bronfenbrenner conheceu Kurt Lewin, profes- víduos durante o curso de sua vida e, também, através
sor naquela instituição e que à época desenhava sua Te- de gerações (Bronfenbrenner y Morris, 2006).
oria de Campo (Bronfenbrenner, 1979), a qual exerceu Então, fica estabelecido que, para melhor entender
grande impacto sobre a teoria bioecológica a ser cons- o desenvolvimento humano, é necessário considerar
truída. Trilhando os caminhos dos seus antecessores todo o sistema bioecológico que envolve o indivíduo,
estudiosos da Psicologia do Desenvolvimento, ele re- enquanto ele se desenvolve. Em seu paradigma, Bron-
cebe, em 1940, a titulação de Mestre pela Universidade fenbrenner (2005) considera o desenvolvimento de-
de Harvard. Mais tarde, em 1942, esse grande ecologis- pendente de quatro dimensões que interagem entre
ta humano é laureado com o título de PhD pela Uni- si, denominadas de “Modelo ppct” –Processo, Pessoa,
versidade de Michigan, com um trabalho baseado na Contexto e Tempo.
Sociometria de Moreno, defendendo que o indivíduo
e o grupo são unidades orgânicas que se inter-relacio- Processo
nam, influenciam-se e, portanto, não podem ser estu-
dados isoladamente (Bronfenbrenner, 1996). O processo recebe destaque como o principal mecanis-
Entretanto, a teoria de Bronfenbrenner foi revisi- mo responsável pelo desenvolvimento, e tem a ver com
tada e reformulada constantemente durante sua car- as interações recíprocas que acontecem de maneira
reira. O primeiro modelo, por ele delineado em 1979, gradativa, em termos de complexidade, entre o sujeito
denominado “ecológico”, coloca em destaque o ambien- e as pessoas, objetos e símbolos presentes no seu am-
te como “ingrediente” fundamental para a compreen- biente imediato (Bronfenbrenner y Morris, 2006). Es-
são de como o indivíduo desenvolve-se. Em 1992, esse sas formas particulares de interação entre organismo e
modelo fica um pouco mais detalhado, contemplando contexto são primordiais e entendidas como processos
os aspectos do desenvolvimento vinculados à pessoa, proximais, e tem que ocorrer regularmente em longos
e ganha a denominação “Teoria dos Sistemas Ecoló- períodos de tempo. Os processos proximais são consi-
gicos” (Prati, Couto, Moura, Polleto, e Koller, 2008). derados os motores do desenvolvimento, diferindo de
Mais tarde, a teoria evolui e o entendimento do desen- acordo com as características individuais e as carac-
volvimento humano passa a contemplar um esquema terísticas do contexto, tanto espacial quanto temporal
mais amplo, que propõe quatro aspectos inter-relacio- (Bronfenbrenner, 2005). O próprio autor apresenta os
nados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo (mo- exemplos de: brincar com uma criança pequena, brin-
delo ppct). Nessa perspectiva mais avançada, o saldo car individualmente ou em grupo, atividades entre
dessa evolução teórica focaliza mais o indivíduo e suas crianças, aprender novas habilidades, ler, etc., como
disposições, levando em conta a dimensão do tempo e a engrenagens do desenvolvimento.
interação entre a pessoa e o contexto. Esses ajustes, en- Isso porque é através do engajamento nessas tarefas
tretanto, geraram também novas denominações: “Mo- e interações que o indivíduo torna-se capaz de dar senti-
delo Bioeco-lógico de Desenvolvimento Humano” e, do ao seu mundo e, a partir disso, transformá-lo. As pes-
atualmente, “Teoria Bioecológica do Desenvolvimen- soas com quem as crianças pequenas interagem numa
to Humano”. base regular em períodos longos de tempo são os pais,
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mas, especialmente no caso de crianças pequenas, outras Finalmente, as características de Disposições são
pessoas mais velhas, como professores, parentes, irmãos aquelas relacionadas às diferenças de temperamento,
e pares, os quais desempenham importante função nos motivação, persistência, etc., que envolvem a capaci-
processos que envolvem a interação direta – face a face – dade de engajar-se e persistir em atividades de pro-
processos proximais (Bronfenbrenner, 2005). gressiva complexidade. Um exemplo que favorece a
compreensão dessa característica faz referência a duas
Pessoa crianças que, tendo as mesmas condições de recurso,
seguem trajetórias bem diferentes, dependendo do tipo
No que diz respeito à pessoa, Bronfenbrenner recon- de motivação que recebem –se uma for estimulada a
heceu a relevância dos fatores biológicos e genéticos no ser bem-sucedida e persistir nas tarefas, provavelmente
desenvolvimento (Bronfenbrenner y Ceci, 1994), porém terá mais sucesso do que a outra que, apesar dos recur-
deu especial atenção às características pessoais que os sos, não tem a mesma disposição, força e persistência
indivíduos trazem com eles para as situações sociais, (Bronfenbrenner y Morris, 2006).
principalmente nos trabalhos realizados na década de
oitenta (Bronfenbrenner, 1993; 1995). Esses atributos da Contexto
pessoa foram divididos em três tipos e nomeados por ele
como: Demandas, Recursos e Disposições/Força. O contexto é caracterizado por qualquer evento ou
As características de Demanda são disposições condição fora do organismo que pode influenciar
comportamentais que movem os processos proximais ou ser influenciado pela pessoa em desenvolvimen-
e mantém suas operações, oferecendo mais probabili- to, e apresenta-se classificado em quatro subsistemas
dade para influenciar o desenvolvimento futuro. São socialmente organizados, que auxiliam a amparar e
disposições que agem como um estímulo imediato em nortear o ser em crescimento: Microssistema, Mesos-
direção à outra pessoa, por exemplo, a curiosidade e ca- sistema, Exossistema e Macrossistema e, da forma
pacidade de resposta (interagir ou não) tendo em vis- como estão dispostos, auxiliam a descrever e ana-
ta fatores tais como idade, cor da pele, aparência, física, lisar os contextos de vida –proximais e distais– do
etc. Essas demandas podem influenciar as interações desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1993).
iniciais em função das expectativas do indivíduo, ou Nessa linha de raciocínio, com objetivo de enfatizar
interferir retardando e até impedindo que elas acon- a importância do contexto na vida do ser humano,
teçam, podendo favorecer processos de crescimento o ambiente ecológico é concebido por ele como um
psicológico ou rompê-los via impulsividade, distração, conjunto de estruturas concêntricas, a exemplo das
apatia, insegurança, timidez, sendo, portanto, disrupti- matrioscas – bonecas russas, que se encaixam umas
vas do ponto de vista desenvolvimental (Bronfenbren- dentro das outras, na ordem da maior (exterior) até
ner y Morris, 2006). a menor –e que se movem do nível mais interno para
As características de Recurso influenciam a ca- as superfícies externas (mais amplas). É importante
pacidade de o individuo engajar-se em processos pro- salientar que esses quatro sistemas envolvem a pessoa
ximais ativos: habilidades, experiências, inteligência em crescimento.
–características parcialmente relacionadas com recur- A essa altura, é importante descrever cada uma das
sos cognitivos e emocionais e, diferentemente dos pro- estruturas propostas pela abordagem em questão. Os
cessos de Demanda, não são imediatamente aparentes. microssistemas, considerados como o centro gravita-
Há também os recursos sociais e materiais promotores cional do ser biopsicossocial, são ambientes nos quais
de processos proximais, tais como acesso à boa comi- os papéis, as atividades e as interações face a face acon-
da, moradia, cuidado parental, oportunidades educa- tecem. Essa estrutura permite, como contexto primário
cionais apropriadas a uma determinada sociedade, etc., de desenvolvimento, que o indivíduo observe e engaje-
e os recursos que funcionam como elementos pertur- -se em atividades conjuntas, cada vez mais complexas,
badores: deficiências genéticas, lesões cerebrais, de- com o auxílio direto de pessoa(s) com quem ela tem
ficiências graves, etc. São os “passivos” e os “ativos” uma relação afetiva positiva, e que já possuem conheci-
biopsicológicos que influenciam a capacidade de um mentos e competências que ela ainda não possui (Bron-
organismo para se engajar efetivamente em processos fenbrenner y Morris, 2006). Na qualidade de contexto
proximais (Bronfenbrenner y Morris, 2006). secundário pode favorecer o indivíduo com encoraja-
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mento, condições, e oportunidades, para que ele pos- O macrossistema é um contexto de estrutura mais
sa fazer tudo o que desenvolveu no contexto primário, ampla, e compõe-se de todos os padrões globais do
sem orientação direta. micro, meso e exossistema, que fazem parte das cultu-
Entretanto, é digno de nota que tal estrutura pode ras, crenças, valores, e costumes dominantes na socie-
promover e, também, inibir o envolvimento do indiví- dade, juntamente com os sistemas sociais, políticos e
duo em atividades na interação com o ambiente ime- econômicos –recursos, riscos, oportunidades, opções
diato. Exemplos de microssistemas são: a escola, a e estilos de vida, padrões de intercâmbio social– pre-
família, o local de trabalho, etc., onde o indivíduo inte- dominantes em uma cultura, que filtram e orientam os
ratua diretamente com seu interlocutor, e a influência comportamentos do cotidiano do indivíduo, que estão
bidirecional flui em via de mão dupla. É o caso da in- incluídos em cada um desses sistemas, e que podem
teração pais-bebê: a criança afeta a vida dos pais e vi- afetar transversalmente os sistemas nele inclusos. É a
ce-versa, e as atitudes e sentimentos dos pais afetam a arquitetura –de dimensão societal– de uma (sub)cul-
criança; é através do microssistema que as estruturas de tura, ou de outro contexto social mais amplo. É pos-
níveis mais distantes alcançam a criança em desenvol- sível explicar o macrossistema ao serem considerados
vimento (Papalia, Olds, y Feldman,1975). os eventos que influenciam o contexto familiar, por
Consistentes com o caráter integrativo do desen- exemplo, o caso de uma criança que cresce em uma fa-
volvimento, os mesossistemas compreendem a intera- mília nuclear ou extensa e é fortemente influenciada
ção entre dois ou mais microssistemas, onde a pessoa pelo macrossistema da cultura presente nesse contexto
em desenvolvimento está inserida. A vinculação entre (Bronfenbrenner, 2005).
o microssistema familiar e o escolar, ou o elo entre a
família e os amigos das crianças caracterizam essa es-
Tempo
trutura – por exemplo, a união de esforços entre pais
e professores tendo em vista o desenvolvimento sadio
O cronossistema, uma dimensão incorporada sub-
da criança. Em outras palavras, o mesossistema consis-
sequentemente aos demais elementos dessa teoria
te na interação entre dois ou mais microssistemas em
que a pessoa em desenvolvimento participa e cujas in- (Bronfenbrenner y Evans, 2000), é a estrutura que adi-
terações podem ser promotoras ou inibidoras do de- ciona dimensões de tempo às estruturas existentes, ao
senvolvimento. captar as mudanças do meio – o grau de estabilidade
Nesse prisma, um olhar mais atento para o me- ou mudanças na vida dos indivíduos face aos even-
sossistema pode revelar que um indivíduo com desem- tos ambientais e as transições que ocorrem ao longo
penho satisfatório ou excelente em um microssistema da existência, que produzem condições que afetam o
pode não ser bem sucedido em outro. Uma mesma desenvolvimento das pessoas. É o efeito do tempo so-
criança, por exemplo, pode executar bem as tarefas es- bre outros sistemas, cujas dimensões estão vinculadas
colares em casa, mas comportar-se de maneira inibida aos atributos da pessoa, aos processos proximais e aos
e até paralisada, quando questionada sobre a mesma ta- parâmetros do contexto.
refa em ambiente escolar (Papalia et al. 1975). Essa perspectiva enfatiza como os fatores contex-
O exossistema, a exemplo do mesossistema, con- tuais do macrossistema tais como mudanças no regime
siste na aliança entre dois ou mais contextos. Entretan- político e crises econômicas podem impactar os indi-
to, diferentemente, o indivíduo em desenvolvimento víduos e seus contextos (Kağitçibaşi, 2007). Isso inclui
não se encontra nele inserido. É o caso do ambiente de divórcio, mudanças na composição familiar, lugar da
trabalho dos pais que, embora seja distal à criança, aca- residência, emprego dos pais, bem como eventos mais
ba por afetá-la, porém indiretamente: quando a empre- amplos, tais como guerras, ciclos econômicos, ondas
sa permite que a mãe saia para amamentar seu bebê, ela de migração, etc.
contribui para que o período de amamentação prolon- É fundamental realçar que essas mudanças podem
gue-se, já que esse fenômeno depende do estímulo da ser impostas por condições externas ao indivíduo, ou
sucção. Ou quando o ambiente de trabalho interfere no podem surgir de condições advindas do organismo,
comportamento parental: os pais têm um dia estressan- já que as pessoas podem selecionar, modificar e criar
te no ambiente de trabalho e ficam menos disponíveis a muitas de suas próprias definições e experiências. A tí-
dar um cuidado de qualidade para seu filho (Bronfen- tulo de ilustração, podem-se citar mudanças familiares
brenner, 2005). em função do aumento de mulheres trabalhadoras nas
Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner 95

indústrias e o declínio da família estendida em países conceitos, os pesquisadores costumam fazer o exercí-
em desenvolvimento, como fatores do cronossistema. cio de articular sua posição em relação a cada termo
Nessa direção, o desenvolvimento ocorre através individual e coletivamente, uma vez que esses termos
da interação entre a pessoa em desenvolvimento e os relacionam-se e têm influência sobre a escolha dos mé-
cinco contextos –micro, meso, exo, macro e cronossis- todos necessários para determinado estudo. Conforme
tema– interconectados, que se influenciam, promoven- anunciado no título desse trabalho, além dos funda-
do interação e desenvolvimento em uma construção mentos históricos, outros aspectos importantes nos es-
que alberga desde o grupo mais próximo até a reali- critos de Bronfenbrenner são dignos de destaque.
dade mais distante que atinge e impregna a vida social, É importante ressaltar, entretanto, que abordar tais
conforme ilustrado na figura 1. O desenvolvimento hu- aspectos não é um exercício fácil, visto que eles per-
mano é, nesse espectro, interativo e contextualizado, e passam histórica e filosoficamente o pensamento e as
o indivíduo não é um ser passivo. Antes disso, é inte- pressuposições teóricas tecidas pelo autor, oferecendo,
rativo, copartícipe no próprio processo de desenvolvi- algumas vezes, a interface de sentido entre alguns deles;
mento, e é também dependente de outros que com ele uma sobreposição comum, principalmente, quando se
interajam. trata de analisar ontologia e epistemologia, em que não
raro os conceitos se confundem, gerando dificuldades
durante a análise.
Nessa tarefa, os aspectos históricos, teóricos, antro-
pológicos, ontológicos, epistemológicos serão apresen-
tados e cada um deles será conceituado e relacionado
com particularidades da teoria em análise. É nesse que-
sito que esse trabalho pretende ser didático, ao oferecer,
conceituar e relacionar –na mesma empreitada– os “ou-
tros” detalhes da teoria, que quando procurados como
referência para a composição de estudos que deman-
dam olhares de investigação e reflexão histórico-filosó-
fico-científicos não são encontrados.

Ontologia

O Dicionário Oxford de Filosofia define ontologia


como “[...] o termo derivado da palavra grega que
Figura 1. Diagrama esquemático e ilustrativo dos níveis do am- significa ‘ser’, mas usado desde o século xvii para de-
biente a partir da Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner nominar o ramo da metafísica que diz respeito àquilo
Fonte: elaboração dos autores
que existe” (Blackburn y Marcondes, 1997). Então, on-
tologia é a parte da filosofia envolvida com a natureza
A Propósito dos “Outros” Aspectos do ser, da realidade, da existência, que potencialmente
Importantes da Teoria pode ser abordada. É a ciência ou a teoria do ser, que
alberga algumas questões abstratas como a existência
No mundo acadêmico, para pesquisar e escrever so- de determinadas entidades (Schwandt, 1994).
bre determinado assunto em Psicologia, além de usar a A visão a respeito da realidade em Bronfenbren-
linguagem científica apropriada, exige-se um requisito ner, que defende que o ambiente (organismos, fenô-
mínimo de familiaridade com a filosofia da pesquisa. menos físicos, cultura, sociedade, etc.) influencia os
Particularmente, é necessário que se tenha claro alguns indivíduos e é por ele influenciado, dá conta de que o
conceitos bastante importantes sobre: a) ontologia, b) ser bioecológico está em uma relação dialética com o
epistemologia, c) antropologia e d) metodologia, sub- psicológico e o social, e nenhum fenômeno pode ser
jacentes às teorias, sistemas ou práticas psicológicas compreendido isoladamente, sem conexão com os de-
de interesse daquele que se debruça a investigar sobre mais fenômenos que o cerca. Existe uma materialidade
determinado tema científico. Apesar de existirem al- –realidade exterior que independe do nosso entendi-
gumas tradições filosóficas que problematizam esses mento e que não necessita deste para existir– em movi-
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mento no espaço e em um dado momento no tempo, e cos), nem as variáveis externas (ambientais), nem tam-
os fenômenos, que fazem parte desse contexto, podem pouco as variáveis interpessoais (processos proximais)
ser compreendidos quando examinados em sua cone- que são capazes, por si só, de explicar como ocorrem
xão indissolúvel com os demais fenômenos circundan- as mudanças desenvolvimentais (Fonseca, 2007). Nesse
tes (Masson, 2007). sentido, pelo que está cunhado –apresentado e divulga-
Nesse movimento, a materialidade é inquieta, mó- do no meio científico–, pode-se inferir que essa teoria
vel, sujeita a mudanças, em constante renovação e desen- está pautada em uma visão de conhecimento constru-
volvimento. A estabilidade é momentânea –o que parece tivista-interacionista.
estável– começa já a definhar e, então, colocar-se do pon-
to de vista da dialética significa colocar-se no ponto de Antropologia
vista do movimento e da mudança. Essa visão do ser da
realidade está presente na teoria bioecológica de Bron- Etimologicamente, a palavra antropologia é a junção de
fenbrenner e, por essa razão, é fácil pensá-la como uma duas palavras gregas: anthropos (homem, ser humano) e
teoria materialista dialética (Tudge, 2008). Isso pode ser logos (conhecimento) que, somadas, oferecem o sentido
melhor comprovado com base nas relações cotidianas – de “estudo do homem” ou “ciência do homem” (Mar-
processos proximais– e nas características individuais, coni y Presotto, 2006) e tem se dedicado a investigar o
levando em consideração, também, o contexto e o tem- ser homem, preocupada em saber quem é ele e como
po, conforme preconizado no modelo ppct. concebê-lo. Então, o objeto do estudo da Antropologia
é a pessoa enquanto ser biológico, pensante e integrante
Epistemologia de grupos sociais, bem como as diversas manifestações
e expressões por ela realizadas, produtora que é de cul-
A palavra grega episteme, que significa conhecimen- turas, com capacidade para organizar-se em sociedades
to empírico, pode ser traduzida como um conjunto estruturadas (Marconi y Presotto, 2006).
de ideias e pressupostos fundamentais que definem a Porém, a preocupação com o estudo do ser hu-
natureza do conhecimento determinando o que é in- mano está presente em várias áreas do conhecimento
telectualmente aceito em um dado momento como que não só a Antropologia. É, por exemplo, o caso da
conhecimento verdadeiro (Zuñiga, 2010). É o estudo Psicologia. Enquanto a primeira busca conhecer o ho-
do estudo –a investigação de como se adquire o pleno mem como componente de grupos socialmente orga-
conhecimento de determinada ciência– e a relação en- nizados, a segunda tem o foco na subjetividade do ser,
tre aquele que conhece e aquilo que é conhecido, em muito embora essas áreas do conhecimento estabele-
uma determinada época. çam interface, quando destacam o ser homem como
Nessa perspectiva, a episteme fornecida pela teoria objeto de estudo fundamental para as ciências huma-
bioecológica de Bronfenbrenner sustenta que o desen- nas (Toren, 2012).
volvimento humano é o resultado de uma construção Assim, na qualidade de foco de estudo da Psicolo-
social e histórica; não é um processo universal, mas cul- gia, antropologicamente falando, Bronfenbrenner olha
tural e específico, e a realidade é concebida como depen- para o homem como um ser inter-relacional –que es-
dendo, em parte, da cultura, da história, e dos sistemas tabelece relações proximais e dialoga com as pessoas,
ecológicos encapsulados em determinado contexto, sen- objetos e símbolos do ambiente. E, nesse sentido, o de-
do, dessa maneira, entendida como múltiplas realidades, senvolvimento humano emerge das relações constituí-
já que o contexto alberga mais de uma realidade viven- das entre o indivíduo e o(s) contexto(s) em que ele está
ciada (Tudge, 2008). Assim, o indivíduo constrói-se a inserido (Tudge, 2008).
partir das relações recíprocas com o meio, que é sempre
revestido de significados inerentes à cultura e aos “ingre- Metodologia
dientes” sociais e econômicos ali presentes.
É, portanto, uma teoria relacional, que permite en- Metodologia é uma palavra que tem sua origem em três
tender as relações entre os indivíduos e o seu contexto vocábulos gregos: metà (para além de), odòs (caminho)
social, salientado que não existe uma causa única e sin- e logos (estudo) e refere-se à teoria acerca do método ou
gular para explicar o desenvolvimento individual. Não de um conjunto de métodos (Gamboa, 2011). Contudo,
são apenas os recursos internos (biológicos e psicológi- diferente do método –que é o caminho ou o procedi-
Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner 97

mento que serve de instrumento para alcançar o obje- É importante salientar que esse método advoga fa-
tivo da investigação–, a metodologia é um recurso que vorável a que haja uma equipe de pesquisadores –um
deriva de uma posição teórica e epistemológica para a grupo de trabalho que esteja devidamente treinado
seleção das técnicas específicas de uma investigação. para capturar e acessar, também, os dados não verbais
Nesse sentido, estudos recentes têm apresentado a através da observação, e que esteja apto a discutir em
Inserção Ecológica como recurso para a pesquisa, vis- conjunto a diversidade de interpretação e análise de da-
to que os indivíduos não podem ser separados de seus dos decorrente da coleta em campo. Essa discussão e
contextos, no momento em que estão sob investigação, reflexão entre o grupo de estudiosos é importante para
e o conhecimento advindo do processo investigativo é a compreensão do contexto de pesquisa e atua como fa-
obtido através da parceria entre pesquisador e parti- cilitadora da validade ecológica do estudo (Prati, Cou-
cipantes da pesquisa, em um processo co-construtivo to, Moura, Poletto y Koller, 2008).
(Tudge, 2008). Entretanto, esse procedimento meto- E, no afã de unir compatibilidade e fidelidade teóri-
dológico não foi idealizado por Bronfenbrenner e seus ca ao rigor científico dos trabalhos ancorados nessa teoria,
colaboradores, já que não se acha em sua obra a propo- além da inserção ecológica, que prevê o estudo dos fenô-
sição de um método sistematizado de pesquisa (Prati, menos e dos indivíduos em seus próprios contextos, as
Couto, Moura, Poletto y Koller, 2008). entrevistas abertas têm sido utilizadas como instrumen-
Assim, partindo do princípio que, no enlace entre to para a coleta de dados, por permitir que o informante
o investigador/sujeito e o objeto do conhecimento, a ta- expresse seu ponto de vista e suas experiências integral-
refa do pesquisador é rastrear e adotar estratégias cien- mente, captando, assim, maior número de informações e
tificamente válidas para incrementar o conhecimento detalhamento do assunto em questão (Turner, 2010). Vale
já existente, os discípulos de Bronfenbrenner e simpa- salientar que nem todos os pesquisadores que se apoiam
tizantes de seu pensamento científico têm se debruça- na teoria bioecológica do desenvolvimento humano de
do para delinear métodos de estudo compatíveis com
Bronfenbrenner usam a Inserção Ecológica como méto-
a teoria-base que norteia o pensamento bioecológico
do de pesquisa. Essa é uma proposta nova entre os ad-
de desenvolvimento humano proposto por esse autor.
miradores e seguidores do autor, que ainda buscam mais
É importante mencionar o grupo de pesquisadores da
compreensão, aprimoramento e precisão nos critérios ne-
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ufrgs),
cessários para a sistematização da mesma.
que vem se apoiando nas proposições teóricas desse
cientista para construir o delineamento denominado
Inserção Ecológica –proposto por Cecconello e Koel- Considerações Finais
ler– como recurso de sistematização ao modelo ppct
(Prati, Couto, Moura, Poletto y Koller, 2008). Não basta sentir a chegada dos dias lindos.
Tendo em vista o entrelaçamento entre teoria e É necessário proclamar: os dias ficaram lindos.
Carlos Drummond de Andrade
métodos, e a influência que o problema de pesquisa
impõe à investigação, esse delineamento tem auxiliado
alguns pesquisadores que utilizam esse referencial te- Mesmo após sua morte em 2005, a voz de Urie Bron-
órico, com base na inserção ecológica, que tem o am- fenbrenner continua a ressoar para além das fronteiras
biente como elemento essencial para as inter-relações, do país onde foi elaborada sua teoria. Sua produção
uma vez que nele acontecem os processos proximais cientifica é, sem dúvida, um divisor de águas na esfera
–as interações face a face entre as pessoas, os objetos dos estudos em desenvolvimento humano. Mais que
e os símbolos, caracterizando-se por ser um método isso: antes dele, os psicólogos estudavam a criança,
de pesquisa do “desenvolvimento-no-contexto” (Prati, os sociólogos a família, os antropólogos a sociedade,
Couto, Moura, Poletto y Koller, 2008). Assim, em har- os economistas o cenário econômico da época e os
monia com o que preconiza a teoria, pesquisadores e cientistas políticos debruçavam-se sobre a estrutura
participantes da pesquisa –ambos inseridos no contex- e a conjuntura de uma determinada sociedade (Ceci,
to de desenvolvimento desses participantes– são vis- 2006). Com seu conceito inovador referente à bioeco-
tos em termos de interação de processos proximais, já logia do desenvolvimento humano, todas essas instân-
que todos os envolvidos, o que inclui os pesquisadores, cias – do indivíduo às estruturas políticas – são vistas
também são pessoas em desenvolvimento, e têm seus como parte conjunta do curso de vida do indivíduo,
próprios contextos e experiências. envolvendo tanto a criança quando o adulto.
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Ele “sentiu” e “proclamou”, no sentido dado por delo teórico que permita o surgimento de protocolos
Carlos Drummond de Andrade, uma teoria ontologi- interventivos, instrumentos de medida, planejamen-
camente dialética, antropologicamente inter-relacio- tos estratégicos e modelos de trabalho que envolvem
nal, epistemologicamente construtivista-interacionista. uma série de formulações, cada vez mais diferenciadas,
Além disso, fez discípulos apaixonados pelo que ele e análises de dados correspondentes, cujos resultados
“sentiu” e “proclamou”, dispostos a ancorar-se em suas preparem, sucessivamente, o palco para a próxima ro-
pressuposições para dar continuidade a seu legado, evi- dada, tendo em vista os parâmetros sociais e culturais
denciado a necessidade de continuar na incessante bus- da realidade presente.
ca pela construção de um trabalho que possa contribuir As contribuições de Urie Bronfenbrenner e seu
com métodos fiéis, compatíveis e rigorosamente cientí- modelo PPCT para a compreensão do desenvolvi-
ficos, capazes de, uma vez aplicados, trazer probidade mento humano, e consequentemente para as pesqui-
digna de reaplicabilidade e reconhecimento acadêmico. sas em psicologia, estão pautados no fato de que seus
As relações diádicas com seu pai, com os internos pressupostos conseguiram reformular o estudo do de-
e externos do sanatório visitado por ele durante sua in- senvolvimento, a partir de um foco exclusivo sobre o
fância, além da relação com pessoas de outros contex- indivíduo descontextualizado. Com eles, as pessoas em
tos (representativamente multiculturais), assim como desenvolvimento são vistas em uma interação dinâmi-
o impacto dos macro e microeventos históricos –Re- ca –foco nos processos proximais– com os múltiplos
volução Russa, imigração para outro continente, ex- contextos nos quais estão inseridas, que podem afetar
periência em diferentes universidades e o contato com diretamente seu bem-estar biopsicossocial. A maior
vários pesquisadores do mundo acadêmico em psico- contribuição de Urie é esta: ele iluminou e transfor-
logia– tanto da sua geração quanto de gerações poste- mou a forma como pesquisadores, gestores de políti-
riores, marcaram sua trajetória de vida e fizeram desse cas públicas, estudantes, pais, professores, etc. estudam,
homem o cientista que hoje conhecemos. Seus estudos conceituam, escrevem sobre, e procuram melhorar o
foram pautados pela responsabilidade para com o in- desenvolvimento humano.
divíduo e a comunidade, em seus contextos diversos, e
jamais entraram em conflito com a fidelidade e o dever Referências
dedicado à ciência. Ao contrário, seus pressupostos te-
óricos buscaram reafirmar o envolvimento do conhe-
Bargal, D., Gold, M. y Lewin, M. (1992). Introduction:
cimento em prol da visão integrada da pessoa com seu The Heritage of Kurt Lewin. Journal of Social Issues,
contexto, e ele advogou que esse procedimento deveria 48(2), 3-13.
fazer parte do repertório de todo o cientista em prol de
Blackburn, S. & Marcondes, D. (1997). Consultoria da edição
políticas públicas mais adequadas, promotoras de de- brasileira. Em Marcondes, D., Dicionário Oxford de filo-
senvolvimento humano. sofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Bronfenbrenner foi, indubitavelmente, um advo-
Bronfenbrenner, U. (1979). The ecology of human develop-
gado incansável em favor de contextos apoiadores para
ment: Experiments by nature and design. Cambridge,
indivíduos e famílias e ensinou uma geração inteira de MA: Harvard University Press.
pesquisadores em ciências sociais a cultivar uma visão
Bronfenbrenner, U. (1993). The ecology of cognitive develop-
mais ampla e inclusiva, tendo em vista as diferentes
ment: Research models and fugitive findings. Em Woz-
forças atuantes sobre os indivíduos. Talvez, seu legado niak, R. & Fischer, K. (Eds.), Development in context:
mais marcante e duradouro seja sua insistência de que Acting and thinking in specific environments (pp. 3-44).
as pessoas não devem apenas lutar por um conheci- Hillsdale-NJ: Erlbaum.
mento mais preciso do desenvolvimento humano, mas Bronfenbrenner, U. (1995). Developmental ecology through
também agir sobre esse conhecimento para melhorar a space and time: A future perspective. Em Moen, P., El-
vida das pessoas. der Jr, G. H. & Lüscher, K. (Eds.), Examining lives in con-
O estudo do desenvolvimento humano em seu text: Perspectives on the ecology of human development
contexto real tem implicações vitais para futuras pes- (pp. 619-647). Washington DC: American Psychologi-
quisas em ciência do desenvolvimento e em psicolo- cal Association.
gia. Chegou-se ao ponto em que é possível e necessário Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento
analisar os requisitos apontados pela teoria bioecoló- humano: experimentos naturais e planejados. Porto Ale-
gica para projetos de pesquisa com base em um mo- gre: Artes Médicas.
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