Está en la página 1de 3

• HUMANIDADES

ARTE

Iberê Camargo revisitado


Perto dos dez ma
empreitada científi- volumes (para pinturas, gravuras e de-

anos de morte
do pintor; pesquisa
produz um
catálogo das
U ca está ajudando a Fun-
dação Iberê Camargo, de
Porto Alegre, a produzir
um documento definiti-
vo sobre as obras e documentos do pin-
tor gaúcho existentes em sua sede. Oito
pesquisadores trabalham há três anos
senhos), será lançada juntamente com a
inauguração do Museu Iberê Camargo,
uma obra arrojada de mais de 8 mil me-
tros quadrados, feita às margens do rio
Guaíba, com projeto de Álvaro Siza. O
desenho foi premiado na última Bienal
de Arquitetura em Veneza.
na classificação e catalogação dos mais "O catálogo contribuirá para a pro-
obras do artista de 3 mil desenhos, 217 óleos e 354 gra- teção contra falsificações de obras de
vuras existentes na instituição. O estu- Iberê'; diz Mônica Zielinsky, coordena-
do tem o apoio da Petrobras, do Itaú dora dos trabalhos para o raisonné.
RENATA SARAIVA
Cultural, da Fundação de Apoio à Pes- "Temos consciência de que as obras da
quisa do Estado do Rio Grande do Sul fundação são apenas uma parte do le-
- que financia duas bolsas de iniciação gado do artista, que deve estar em torno
científica -, do Conselho Nacional de de 7 mil trabalhos. Mas é difícil encon-
Desenvolvimento Científico e Tecnoló- trar quadros que estão dispersos pelo
gico (CNPq) e Universidade Federal do país, em mãos de tantos colecionado-
Rio Grande do Sul (UFRGS). res particulares e instituições públicas e
O trabalho resultará no lançamen- privadas", comenta.
to, em 2005, do catálogo raisonné de A catalogação será finalizada primei-
Iberê. A edição, que se dividirá em três ramente no acervo da fundação. Atual-

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 91


mente, realiza-seuma mostra retrospec- se possa acompanhar o que acontece- pre se colocou diante do desafio de ser
tiva do pintor, intitulada Iberê Camargo: rá com ela no decorrer do tempo e um grande pintor. Ele não pertenceu a
Diante da Pintura. São cerca de cem tra- quando for emprestada para uma ex- um movimento, mas não foi um pintor
balhos, entre pinturas, desenhos e gra- posição", observa Mônica. No estágio alienado, principalmente em relação aos
vuras, escolhidos e organizados pelo crí- em que o trabalho se encontra, apenas assuntos artísticos. Lutava, por exem-
tico de arte e curador Paulo Venâncio os desenhos e a correspondência do plo, pelo aperfeiçoamento das técnicas
Filho. Estão expostos atualmente na Pi- pintor (que era um grande frasista e de pintura", diz Venâncio.
nacoteca do Estado de São Paulo (até 20 adorava escrever para amigos e fami- No percurso pictórico apresentado
de julho) e seguem depois para o Rio de liares) ainda passarão pelo processo. pela exposição, podem-se encontrar
Janeiro (PaçoImperial), Recife(MAMA) De acordo com a coordenadora do dois elementos tão presentes na obra de
e Salvador (MAM). Na estudo, os pesquisadores Iberê Camargo quanto foram as ban-
exposição podem ser vis- tiveram diversas surpre- deirinhas na de Alfredo Volpi: os carre-
tos também os croquis e sas. "Descobrimos coisas téis e os ciclistas."São símbolos de suas
uma maquete que dão boa Catalogação desconhecidas do públi- reminiscências da infância, muito im-
noção de como será o co e de alguns críticos, portantes para Iberê", comenta Venân-
prédio projetado por Ál- deverá ajudar a como figurinos e cenários cio. Uma surpresa para quem acompa-
varo Siza. Por coincidên- de teatro. Também pintu- nha a trajetória da mostra é o trabalho
cia, o catálogo, o museu e
evitar as muitas ras em cerâmica, tapeça- desenvolvido por Iberê no que diz res-
a retrospectiva acontecem falsificações rias e até um trabalho fei- peito às cores. Solidão, que poderia ex-
perto do ano em que Iberê to em casca de bananeira pressar uma relação dolorida com a
Camargo completaria 90 foram encontrados." Isso morte - o pintor já sofria em conse-
anos. Nascido em 1914, o sem falar em algumas qüência do câncer -, apresenta um pa-
pintor morreu de câncer em 1994. curiosidades, como notas de sapataria e leta expansiva, até mesmo vibrante, to-
"O trabalho de catalogação se mos- muitos documentos e cartas. A catalo- talmente diferente do perfil sombrio de
trou bem mais extenso do que imagi- gação feita pela equipe não só permitirá várias telas anteriores.
namos num primeiro momento': conta a identificação das obras de Iberê - evi-
Mônica Zielinsky. "Há dificuldades, tando falsificações - como contribuirá Inquieto - A sombra desses óleos sobre
pois, além de ser um trabalho inicial- para o trabalho de pesquisadores de tela - presente, por exemplo, nos inú-
mente elaborado em fichas, manual- arte e até mesmo de biógrafos. meros quadros que têm os carretéis
mente, tudo depois é registrado em um Enquanto isso não é possível, o pú- como tema - tem chamado a atenção
banco de dados", diz. "É necessário fa- blico em geral pode ter uma boa idéia da mídia. Mas o que se percebe é que ela
zer identificações de obras que trazem das principais fases da carreira do pin- não obrigatoriamente se refere à rela-
poucos dados. Assim, contamos muito tor na mostra Iberê Camargo: Diante da ção de Iberê com o fim ou o desco-
com a memória de pessoas que convi- Pintura. Divididas em salas, as obras se- nhecido. ''Analisando o conjunto de
veram com Iberê, como dona Maria, guem uma cronologia, mas não de for- sua obra, percebemos que durante toda
sua esposa, e Eduardo Haesbaert, que ma linear. Para deixar isso claro, Paulo a vida ele foi um homem muito inquie-
foi seu impressor (de gravuras) e hoje é Venâncio Filho optou por colocar no to. Sua pintura traduz isso",diz Mônica.
responsável pelo acervo." começo do espaço expositivo obras do Para dar qualidade ainda maior ao tra-
início e do fim da carreira do pintor. Se- balho de catalogação da obra de Iberê,
mbora essas duas fontes parados apenas por uma meia parede, a equipe coordenada por Mônica reali-

E vivas tenham muitas in-


formações sobre a obra do
pintor gaúcho, o nível de
detalhamento para a catalo-
gação, classificaçãoe identificação é ex-
tremamente grande, o que exigeenorme
esforço de pesquisa. Além do nome
trabalhos figurativos dos anos 40, como
a paisagem do Rio chamada Lapa e Au-
to-Retrato, estão no mesmo ambiente
que Solidão, última tela pintada por
Iberê no ano de sua morte.
Nas demais salas, pode-se ver a evo-
lução pictórica de Iberê Camargo. Em-
za também trabalhos de reflexão, com o
objetivo de produzir textos e conferên-
cias sobre a contribuição do artista
para a história da arte e da cultura na-
cionais. As pesquisas têm base na meto-
dologia de Michael Baxandall, um es-
tudioso proveniente da história social
atribuído à obra e à técnica emprega- bora não tenha se vinculado a um mo- da arte, que usa como método de tra-
da, cada ficha contém a data de produ- vimento artístico específico,ele marcou balho a teoria analítica.
ção, a descrição, o local de assinatura, a história da arte brasileira com um ex- "O trabalho consiste em promover
uma transcrição do que Iberê eventual- pressionismo gestual muito próprio, um entrecruzamento de documentos e
mente escreveu em seu verso,o valor es- em que a explosão das tintas e pincela- obras para que se chegue a conclusões
timado pelo próprio pintor, uma pará- das sobre a tela retratam uma inquietu- sobre a repercussão da obra de Iberê no
bola (nas obras para as quais o artista de pessoal bastante intensa. "Sua marca panorama artístico e histórico do país':
criou um código) e uma inscrição (por é a pesquisa pictórica, que nunca aban- explica a pesquisadora. Para Mônica, os
exemplo, quando ele dedicou o traba- donou. Iberê, nascido no interior do três volumes resultantes da pesquisa são
lho a um amigo). Rio Grande do Sul, sempre teve cons- apenas os primeiros de um trabalho de
''Anotamos também as condições ciência da importância da pintura na catalogação que pode ser continuado
em que a obra se encontra no mo- cultura ocidental. Indo morar no Rio sempre que se descobrir novas obras
mento da catalogação, de forma que de Janeiro e estudando na Europa, sem- do artista. •

92 . JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89


Fantasmagoria IV (acima)
e No Vento e na Terra I: pintor
cada vez mais se preocupava
com a idéia da morte

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 93

También podría gustarte