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Convergência

Novembro e Dezembro • 2023 • ANO LVIII


Convergência ISSN 0010-8162

Diretora: Irmã Eliane Cordeiro de Souza, mc


Editor: Frei Vanildo Luiz Zugno, ofmcap
Redatora: Ir. Maria Neusa dos Santos,imc - MTB - 40099/SP

Conselho Editorial: Ir. Maria Neusa dos Santos, ciic


Fr. Oton da Silva Araújo Júnior, ofm
Ir. Edgar Nicodem, fsc
Ir. Silvânia Aparecida Coelho, sts
Ir. Zirlaide Barreto Mendonça, cp

Projeto Gráfico e Diagramação: Sirlete Regina da Silva


Revisão: Ir. Zirlaide Barreto Mendonça, cp
Impressão: Editora FTD - Sede São Paulo
Ilustração da Capa: Ir. Luiz Carlos Lima, FMS

DIREÇÃO, REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO


SDS, Bloco H, n. 26, sala 507 – Ed. Venâncio II
70393-900 – Brasília - DF
Tel.: (61) 3226-5540
E-mail: publicacoes@cbnacional.org.br
www.crbnacional.org.br
Registro na Divisão de Censura e Diversões Públicas
do PDF sob o n. P. 209/73
Sumário

EDITORIAL............................................................................................ 5
ARTIGOS................................................................................................ 9
Tudo começou com “os discípulos do caminho”
Ir. Sueli Bellato.................................................................... 9
Memória de criatividade sinodal da VRC na História
da Igreja
Fr. Luiz Carlos Susin
Fr. Rubens Nunes da Mota.......................................................... 17
A sinodalidade e os carismas
Zuleica Aparecida Silvano................................................ 23
Por um amanhã mais sinodal
Ir. Silvânia Aparecida Coelho
Ir Teresinha Mendonça Del’Acqua.................................... 31
A Vida Religiosa Consagrada (VRC) no estilo sinodal,
ferida com práticas anti-sinodais
Ir. Teresinha Mendonça Del’Acqua................................... 37
A Memoria Iesu: o sol da Igreja em tempos de crise
e sempre
Pe. Vinícius Augusto Teixeira............................................ 49
A crise na formação da Vida Religiosa Consagrada
Cleyson Fellipe................................................................... 65
A Formação Inicial em analogia com a Iniciação à
Vida Cristã: algumas considerações e implicações
Frei Adriano Borges de Lima............................................ 75
Missão, Comunidade e Sinodalidade
Irmã Valmí Bohn............................................................... 85
Seminário Latinoamericano e Caribenho de Irmãos
Religiosos: hacia lo esencial del seguimiento de Jesús
y la centralidad de la relacionalidad humana
Irmão Marcos Divino do Amaral...................................... 95
5
Editorial

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


A 26ª Assembleia Geral Eleti- uma afirmação tanto programá-
va da CRB convidou os religiosos tica quanto desafiadora. Desde os
e as religiosas a “ressignificar a primeiros momentos de seu ponti-
Vida Religiosa Consagrada no ficado, o Papa Francisco manifes-
discipulado de Jesus Cristo, em tou através de palavras, gestos e
sinodalidade, missionariedade e iniciativas o sonho de uma Igreja
contínua conversão, à luz da Pa- sinodal em saída missionária.
lavra”. Tanto o horizonte quanto O caminho sinodal é uma opor-
as prioridades estabeleceram im- tunidade para recuperar e apro-
portantes pautas para o triênio. fundar a autêntica experiência
Além de aspectos práticos e or- de fé do Povo de Deus através de
ganizacionais, é importante que uma expressão viva de ser Igreja,
o horizonte e as prioridades se- marcado pela participação, in-
jam dinamizados como elementos cluindo as questões estruturais,
norteadores da vida e missão dos constituindo-se uma autêntica
consagrados e consagradas. experiência de fé. Por um lado,
Entre as diversas formas de percebe-se alegria e entusiasmo
aprofundar o horizonte e as prio- com a perspectiva sinodal, por ou-
ridades do triênio, a Equipe In- tro, há resistências de grupos que
terdisciplinar, com a colaboração lançam mão das mais variadas
de outros religiosos/as, está elabo- estratégias para manter o “status
rando e vai publicar uma série de quo”.
reflexões, considerando os eixos O sonho do próximo Sínodo é
das prioridades: discipulado, si- promover “uma Igreja cada vez
nodalidade e missionariedade. mais sinodal também em suas
O primeiro conjunto de artigos instituições, estruturas e proce-
a ser publicado será sobre Sinoda- dimentos, para constituir um es-
lidade e Vida Religiosa Consagra- paço em que a comum dignidade
da. O Papa Francisco afirma que batismal e corresponsabilidade
“o caminho da sinodalidade é o ca- na missão não somente sejam
minho que Deus espera da Igreja afirmadas, mas exercidas e pra-
do terceiro milênio”. Trata-se de ticadas” (Instrumentum Laboris,
6 21). Inegavelmente, a aposta no comunidade. No final de cada ar-
Sínodo é alta. O desejo é tocar a tigo há um conjunto de perguntas
EDITORIAL

vida da Igreja Povo de Deus em para aprofundamento e partilha.


todas as suas dimensões. O primeiro texto convida-nos a
Pensar uma Vida Religiosa fazer memória da rica e significa-
Consagrada fora do contexto da tiva experiência do Concílio Vati-
sinodalidade seria algo estranho cano II, desencadeada pelo Papa
ao Evangelho. Historicamente, no João XXIII. A Irmã Sueli Belat-
seguimento de Jesus Cristo, os re- to, com sensibilidade e maestria,
ligiosos e religiosas configuraram destaca elementos do contexto
inúmeras experiências de sinoda- sociocultural e eclesial que são
lidade, sendo inovadores em mo- importantes para compreender o
mentos cruciais da vida eclesial. itinerário do Concílio Vaticano II.
A VRC tem muito a contribuir e O Concílio Vaticano II continua
receber do processo sinodal. Des- sendo o referencial indispensável
de as origens há muitas experi- para retomar e avançar na Sino-
ências de sinodalidade na Vida dalidade.
Religiosa: assembleias, capítulos, No segundo, os freis Luiz Car-
modelos de gestão partilhada, los Susin e Rubens Nunes da
protagonismo de leigos, delegação Mota, convidam os religiosos (as)
de responsabilidades e outras ex- a fazer memória da criatividade
periências que podem enriquecer sinodal da VRC na história da
as práticas sinodais da Igreja e Igreja. Começando com os tem-
repercutir positivamente nas or- pos apostólicos até os nossos dias,
dens, congregações e institutos de eles nos convidam a descobrir, em
VRC. Configurar uma Igreja sino- cada período, como a VRC, com
dal, como lugar aberto, onde todos criatividade, soube forjar expe-
se sintam em casa, e possam efe- riências de sinodalidade, sendo
tivamente participar e ser prota- muitas delas inovadores. Consi-
gonistas é um dos grandes desa- derando esse rico percurso histó-
fios do Sínodo e da Igreja atual. rico, o convite que nos fazem os
Com o objetivo de aprofundar o autores é de criar e não lamentar.
eixo da sinodalidade, oferecemos O terceiro artigo, da Irmã Zu-
nesta edição cinco textos. Cada leica Aparecida Silvano, é sobre
um deles é relativamente curto Sinodalidade e Carismas. A par-
para que possa ser lido, pessoal tir de uma acurada análise exe-
ou comunitariamente, refletido, gética da tradição paulina e de
meditado, rezado e partilhado em Lucas a autora desvela práticas
sinodais do Novo Testamento. Os VRC, foram se afastando da vi- 7
dons partilhados (sabedoria, fé, vência sinodal. As consequências
profecia, cura...) constroem comu- da antissinolidade foram funes-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


nidade. Além disso, a sinodalida- tas. O insistente convite é avan-
de acentua a solidariedade, pois çar na aprendizagem e vivência
onde “um membro sofre, todos os do estilo sinodal, tanto na abran-
membros sofrem com ele; se um gência quanto na profundidade,
membro é glorificado, todos os com a transformação de paradig-
membros regozijam-se com ele” mas, práticas e estruturas.
(1Cor 12,26). O Sínodo para a Amazônia
A perspectiva de um itinerá- afirma que para caminhar jun-
rio mais sinodal é a proposta do tos é necessária uma conversão
quarto artigo escrito pelas Irmãs sinodal. Uma conversão que em
Teresinha Mendonça Del’Acqua e primeiro lugar é obra do Espí-
Silvania Aparecida Coelho. O pe- rito que convoca todo o Povo de
ríodo que estamos vivendo requer Deus à comunhão, participação e
uma VRC nova como resposta buscar novos caminhos eclesiais,
aos clamores atuais. A constru- especialmente de ministeriali-
ção de uma Vida Religiosa Sino- dade e sacramentalidade. Entre
dal é um caminho profético que os protagonistas, o Sínodo desta-
oferece grandes possibilidades. ca a vida consagrada, os leigos e
Enveredar pelo caminho sinodal as mulheres. Esperamos que os
na VRC é expressar-se com amor, textos que estão sendo disponi-
gratuidade, misericórdia, perdão, bilizados possam contribuir para
inclusão, alegria e humanidade. que, como religiosos e religiosas,
Assumir esse itinerário eclesial é possamos assumir o protagonis-
participar de todo coração da pro- mo que nos pede o Sínodo para
posta de uma Igreja Sinodal em a Amazônia e a nossa última As-
Saída Missionária proposta pelo sembleia Geral Eletiva.
Papa Francisco. Para completar o conjunto des-
O quinto e último texto des- ta edição, quatro outros artigos
ta reflexão é da Irmã Teresinha nos ampliam o horizonte. Pe. Vi-
Mendonça Del’Acqua sobre Vida nícius Augusto Teixeira convida a
Religiosa Consagrada: sinodali- deixarmo-nos iluminar pela Me-
dade e anti-sinodalidade. Com moria Iesu, o sol que ilumina o ca-
sensibilidade a Irmã Teresinha minhar da Igreja e da VRC.
vai mostrando como paulatina- Na sequência, dois textos so-
mente a Igreja, e a própria vida bre formação para a VRC. No pri-
8 meiro, o salesiano Cleyson Fellipe de Religiosos Irmãos que aconte-
aponta alguns sintomas, causas e ceu em julho passado, em Quito,
EDITORIAL

possíveis terapias para essa rea- no Equador.


lidade tão fundamental em nosso A extensão deste editorial –
modo de vida. No texto seguinte, um pouco maior que o normal! –
o frade capuchinho Frei Adriano deve-se ao fato de ter sido escrito
Borges de Lima propõe o modelo a quatro mãos. O projeto e a ela-
da Iniciação à Vida Cristã como boração deste número da Revista
iluminar para nossos processos Convergência foram feitos e exe-
formativos. cutados pela Equipe Interdiscipli-
Depois da formação, a missão nar e pelo Setor de Publicações.
é tema do texto de Irmã Valmi Esperamos que esta longa intro-
Bohm, assessora para o Setor dução os/as motive para a leitura
de Missão da CRB Nacional. Ela e, sinodalmente, cresçamos no
nos apresenta algumas reflexões nosso compromisso e prática de
e constatações que, da prática, uma VRC e de uma Igreja em que
surgem para os/as que queremos todas as mãos trabalhem juntas
pensar e viver a missão na inter- para o mesmo fim que é o Reino
congregacionalidade, uma rea- de Deus.
lidade cada vez mais presente e
que é, sem dúvida, um caminho Ir. Edgar Genuino Nicodem fsc
de futuro para a VRC no Brasil. Coordenador da Equipe
Esta edição é concluída com Interdisciplinar
um relato afetivo apresentado por
Fr. Vanildo Luiz
Irmão Marcos Divino do Amaral Zugno, OFM Cap.
sobre sua experiência no Seminá- Editor Revista Convergência
rio Latino-americano e Caribenho
9
Artigos

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


TUDO COMEÇOU COM
“OS DISCÍPULOS DO CAMINHO”

Ir. Sueli Bellato1

O acesso para o Descrevem os dicionários de


Sínodo passa pelo língua portuguesa que o mofo
Concilio Vaticano II decorre de ambientes com portas
fechadas, falta de circulação de
O Papa João XXIII convocou o ar e luminosidade, favorecendo a
Concilio Vaticano II e convidou à proliferação de fungos. Esta ilus-
Igreja a ouvir a Palavra de Deus. tração remete a descrição verifi-
Eleito em 28 de outubro, o Papa cada pelo Papa João XXIII. Pre-
João XXIII assumiu o papado em ocupado em retomar a fidelidade
4 de novembro de 1958. Em 11 de ao projeto de Jesus, o Papa Bom,
outubro de 1961, ao convocar Con- identificou obstáculos a realiza-
cílio Vaticano II, o papa São João ção do projeto missionário e não
XXIII emitiu uma de suas frases foi poupado de incompreensões e
que atravessou, e segue atraves- sofrimentos.
sando os tempos: “a Igreja deve Sua vivência em cargos diplo-
abrir portas e janelas para tirar máticos, visitador na Bulgária,
o cheiro de mofo”. A pergunta que na Grécia, na Turquia e Nuncio
podemos nos fazer: “Onde o Papa, Apostólico na França, marcada
filho do povo, que foi chamado pelo apelo a favor da construção
para substituir o Papa Pio XII que da paz e com o diálogo universal
esteve à frente da Igreja por mais certamente contribuiu para a or-
de 20 anos, identificou o mofo?” questração de evento do século,

1
Religiosa da Congregação de Nossa Senhora- Cônegas de Santo Agostinho, Mestra em
Direitos Humanos. Coordenadora regional da CRB Brasília. Endereço para contato:
bellatosueli@gmail.com
10 como foi considerado o Concilio epidemias favorecidas pela sub-
Vaticano II. nutrição, sem mencionar os pro-
TUDO COMEÇOU COM “OS DISCÍPULOS DO CAMINHO”

A década de 1950-1960 intro- blemas permanentes colocados


duziu acontecimentos que, em pelo crescimento constante da
muito, impactaram a sociedade, população mundial foram temas
grandes avanços científicos e tec- tratados pelo Papa João XXIII
nológicos e mudanças culturais e durante seu governo, como o da
comportamentais, foi a época de X Conferência Geral da FAO, re-
importantes descobertas científi- alizada em 10 de novembro de
cas como o ADN (Ácido Desoxirri- 1959. Os desafios apontados não
bonucleico, ou DNA). Foi a década seriam exclusivos para os partici-
em que começaram as transições pantes da Conferência, mas tam-
de televisão, provocando uma bém para a Igreja. O apelo para
grande mudança dos meios de co- trabalhar para a paz sempre foi
municação. No campo da política recorrente nas falas do Papa.
internacional, os conflitos entre Na noite de 11 de outubro de
os blocos capitalistas e socialistas 1958, da sua janela para a janela
(guerra fria) ganhava cada vez do mundo, por ocasião da abertu-
mais força. 1959 acontece a revo- ra do Concilio Vaticano II, o Papa
lução cubana e começa as guerras João XXIII comoveu gerações de
do Vietnã. Urgia uma mudança cristãos e não cristãos, num pro-
de postura também da Igreja. nunciamento de improviso e cheio
As mensagens e participações de ternura:
do Papa João XXIII contribuíram "Voltando para casa, vocês vão
para a importância de conversão encontrar as crianças. Façam uma
do olhar e do agir de toda a Igreja. carícia nos seus filhos e digam:
João XXIII procurou promover esta é a carícia do papa. Vocês vão
a modernização da Igreja, deter- encontrar algumas lágrimas para
minando sua independência em enxugar. Digam uma palavra boa:
relação aos poderes estabelecidos o papa está conosco, especialmen-
e divulgou a ideia segundo a qual te na hora da tristeza e da amar-
a igreja devia intervir construti- gura". Era o célebre "Discurso
vamente em assuntos políticos, da Lua" que Roncalli proferiu de
econômicos e sobretudo sociais. improviso, enquanto o clarão da
lua iluminava a multidão reuni-
Os problemas mundiais, as ru-
da na Praça de São Pedro (SÃO
ínas e a devastação acumuladas
JOÃO XXIII..., 2023).
durante a guerra, a propagação
da miséria em certas regiões, as
Conversão Eclesial que o acompanhou naquele 25 de 11
permanente janeiro de 1959, por ocasião do
anúncio da convocação do Con-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


cilio. Em entrevista ao Observa-
Ao tornar público o anúncio da
tório Romano, guardado em ví-
convocação do Concílio Vaticano
deo, o senhor Guido revelou que
II o Papa indicou o chamado à
o anúncio e a dinâmica adotada
conversão eclesial como a abertu-
pelo Papa de convocação do Con-
ra a uma reforma permanente de
cílio era para que a Igreja do Séc.
si mesma por fidelidade a Jesus
XX não se omitisse do necessário
Cristo:
diálogo com o mundo que muda-
Toda a renovação da Igreja va. E prosseguiu: “o Papa João
consiste essencialmente numa XXIII guardou em segredo para
maior fidelidade à própria vo- que nada e ninguém o dissuadis-
cação. (…) A Igreja peregrina é se de tamanha missão inspirada
chamada por Cristo à esta re-
forma perene. Como instituição
e acompanhada todo o tempo pelo
humana e terrena, a Igreja ne- Espírito Santo”. (HÁ 60 ANOS...,
cessita perpetuamente desta re- 2019);
forma». Há estruturas eclesiais Guido foi também perspicaz
que podem chegar a condicionar
no reconhecimento do mérito de
um dinamismo evangelizador;
de igual modo, as boas estrutu- outros dois Papas: Paulo VI, que
ras servem quando há uma vida sucedeu ao Papa João XXIII e deu
que as anima, sustenta e avalia. prosseguimento aos trabalhos do
Sem vida nova e espírito evan- Concílio e, um outro, chegado “do
gélico autêntico, sem fidelidade fim do mundo” o argentino Jorge
da Igreja à própria vocação»,
Bergoglio, o Papa Francisco, que
toda e qualquer nova estrutura
se corrompe em pouco tempo. chegou para valorizar e dar im-
(EG, 26). (ARPEN, 2022). pulso ao grande Concilio.
O Papa João XXIII, ao con-
Conhecedor das resistências e vocar o concílio, “falava de uma
até mesmo oposições às mudan- atualização, ou melhor ainda, de
ças, o Papa João XXIII cuidou de uma ventilação que dispersasse o
semear em bom terreno, onde o mofo acumulado ao longo dos sé-
solo ácido ou os espinhos não im- culos” (ARPEN, 2022)
pedissem o nascimento da boa se-
Assim, de 11 de outubro de
mente.
1962 a 8 de dezembro de 1965, o
Quem relata as atitudes pru- colégio de cardeais teve a oportu-
dentes do Papa João XXIII é Gui- nidade de conferir o “estado da
do Gusso, “ajudante de quarto”
12 arte” e buscar profeticamente no- e homens, a maioria religiosas,
vos ares. de diversas denominações cris-
TUDO COMEÇOU COM “OS DISCÍPULOS DO CAMINHO”

O Concílio Vaticano II produ- tãs, criarem o Centro de Estudos


ziu duas Constituições Dogmáti- Bíblicos – CEBI, hoje espalhados
cas: a Dei Verbum (Sobre a Reve- por todo o país, com o propósito
lação Divina) e a Lumen Gentium de conhecer a Palavra de Deus e
(Sobre a Igreja). Também ofere- realizar o desígnio do Pai de re-
ceu à toda Igreja duas Consti- velação da Palavra aos pequenos
tuições Pastorais Conciliares: a (Mt 11,25).
Sacrosanctum Concilium (Sobre
a Sagrada Liturgia da Igreja) e a Quem convoca é Deus
Gaudium et Spes (Sobre a Igreja
no Mundo atual). É também pela Palavra de
Para reconhecer a necessidade Deus que se entende a pertença
de buscar os desígnios de Deus é ao Povo de Deus. Como afirmou
necessário ter acesso à Palavra de Irmã Márian Ambrosio, “quem
Deus. A Dei Verbum apontou para me convoca é Deus!” É com Ele
a preocupação de que, não somen- que se sonha continuar a descer
te o clérigo, mas também leigos e para junto do seu povo que sofre
leigas tivessem acesso à Palavra e suplica, que se estabelece uma
de Deus, abrindo espaço para rea- aliança. Ao invés de fios que se
lidades eclesiais em que a Sagra- entrelaçam, o que reúne as pes-
da Escritura é rezada e também soas consagradas é uma vocação,
estudada. Custa crer que tenha aliás, uma com-vocação. Em uma
sido necessário acontecer o Con- comunidade religiosa, o testemu-
cilio Vaticano II para modificar a nho das\dos Irmã\ãos se toca e
realidade de instituições religio- experimenta, não através de sua
sas que não permitiam aos seus capacitação para atingir os objeti-
membros livre acesso à Bíblia em vos de um projeto, mas em sua ex-
nome da preservação exegética ou trema disposição interior de fazer
outro motivo. parte deste “lugar teológico” des-
de o qual se grita ao mundo que
Outra realidade contraditória
Deus é comunidade (2021).
é constatar até os dias atuais a
falta de oferta de estudo da Sa- Um outro bom vento que o
grada Escritura em muitas comu- Concílio Vaticano II inspirou foi
nidades para leigos e leigas. a reforma da Liturgia. Valendo-se
do retorno às fontes bíblicas e pa-
Foi sopro do Espírito Santo,
trísticas, permitiu resgatar o ver-
no Brasil, há 44 anos, mulheres
dadeiro significado da Celebração
da Palavra de Deus. E não menos Francisco encontrou a presença 13
importante, a adoção da língua de mofo e poeira. Ao público que
vernácula e a posição do celebran- deseja realizar novos eventos ecle-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


te de frente para a comunidade, e siais, o Papa Francisco responde
não de costas para ela. O exercí- que ainda não se colocou na práti-
cio do poder vivido sem o espírito ca decisões anteriores. Perspicaz
do serviço ameaça a experiência o Papa pode perceber que a reali-
fundante da transfiguração que zação de um novo evento não sig-
somos convidados e convidadas nifica “avançar necessariamente
a participar na Mesa do Banque- para águas mais profundas”.
te. Quantas comunidades, Brasil Transcorridos 60 anos do Con-
afora, desassistidas de padres ce- cilio Vaticano II temos muitos dos
lebram a sua fé nas Celebrações mesmos desafios: guerras, mais
da Palavra. irmãos e irmãs passando fome e
Nas comunidades distantes e vivendo em condições degradan-
muitas vezes de difícil acesso, é tes, mais violência, de um lado
a vida religiosa que se encontra e, de outro, mais concentração
presente animando, lendo a Pala- de riqueza e poder nas mãos de
vra de Deus, à luz da realidade e poucos. Na Igreja, o clericalismo,
fazendo acontecer a sinodalidade, o machismo, a invisibilidade dos
a fraternidade, o Concilio Vatica- humildes, os preconceitos, o indi-
no II. Favorecer a leitura da Pala- vidualismo, a adoção de práticas
vra de Deus significa muitas ve- não compatíveis com a simplici-
zes lutar por direitos sociais, re- dade e austeridade, o fechamento
correr à implantação de políticas em si, recomendam a necessidade
públicas, escolas, postos de saúde, de arrependimento e conversão.
transporte, tirar as escamas dos O Papa Francisco, na Encícli-
olhos, dar de comer a quem tem ca Fratelli Tutti, nos convida a
fome e animar os que estão desa- refletirmos e tomarmos consci-
nimados. Assim a Igreja caminha ência do “rumo que o mundo está
com sua gente! tomando” e a crescente distancia
E, como num vendaval nos que existe entre a obsessão pelo
chega o Papa Francisco pisando próprio bem-estar e a felicidade
manso, com os sapatos impreg- da humanidade. Multidões des-
nados de América Latina, e firme locadas por motivos de fome, con-
como o Papa João XXIII flitos de diversas causas, guerras,
Eleito em 13 de março de 2013, perseguições, pobreza extrema,
verificamos que, também o Papa enormes desigualdades sociais,
14 muitas vezes combinados com ou- de evangelização e em motores
tros motivos, como por exemplo de libertação e desenvolvimento”
TUDO COMEÇOU COM “OS DISCÍPULOS DO CAMINHO”

impacto de mudança climática (Puebla, 96). Hoje este velho, e,


clamam pela assistência da Igre- sempre novo modo de ser Igreja,
ja. É dentro desta realidade que continua mais vivo e necessário
somos chamados “a buscar um do que nunca, justamente porque
Deus verdadeiro e anunciar que a Igreja ainda carrega o peso de
Deus é um bem verdadeiro para suas estruturas que muitas vezes
todas as sociedades” (apud FT, n. não favorecem a transmissão da
31, nota de rodapé). Este anúncio fé.
do Papa Francisco encontra-se O Concílio Vaticano II apre-
em total sintonia com a inspira- sentou a conversão eclesial como
ção do Papa João XXIII quando a abertura a uma reforma perma-
surpreendeu o mundo com a con- nente de si mesma por fidelidade
vocação do Concílio Vaticano II. a Jesus Cristo. Apropriados do
O Papa Bom pensou no Concilio significado da atualização do pro-
porque era visível que a Igreja ti- jeto de Deus para constituição de
nha dificuldade em dialogar com uma comunidade fraterna é ne-
o mundo moderno e não demons- cessário que. individual e coleti-
trava estar disposta a discernir vamente, contribuamos para afir-
e agir de acordo com os gritos da mar com profetismo a Mensagem
humanidade. de Amor, Paz e Justiça pela qual
Na busca de conviver com um Cristo foi assassinado, ressusci-
Deus que caminha com o Seu povo tou e vive no meio de nós e, traba-
e de realizar a fraternidade, à luz lharmos para remover os empeci-
da renovação trazida pelo Conci- lhos que seguem nos impedindo
lio, parcela do Povo de Deus tem de vivermos como filhos e filhas
buscado responder ao chamado de do mesmo Pai. Esperemos que o
amor do Pai. A criação das CEBs, Sínodo revigore os compromissos
grupos de pessoas simples que assumidos pelo Concilio Vaticano
se reúnem para pensar juntos a II. Até aqui a indicação de escuta,
sua realidade à luz da Palavra de discernimento e participação no
Deus é a aplicação de Puebla. As processo preparatório do Sínodo.
CEBs “converteram-se em centros
15
Para dialogar em comunidade:

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1 Como você viveu na sua comunidade as etapas preparatórias
para o Sínodo da Sinodalidade que acontecerá em Roma ?
2 De que modo sua comunidade vive a experiencia do encontro e
escuta do Deus da vida ?
3 Que novos caminhos, a escuta e o discernimentos pessoal e
comunitário, em sua comunidade tem indicado para atualizar
a mensagem do Evangelho ?

Referências
AMBROSIO, Marian. Pronunciamento oral. Assembleia Geral Eletiva da
CRB. Brasília, 2022.
ARPEN, Jackson. Um novo “aggiornamento” na Igreja. Disponivel em:
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2022-10/um-novo-aggiorna-
mento-igreja-60-anos-concilio-vativano-ii.html Acesso em: 22 de agosto de
2023.
CELAM. Documento de Puebla. São Paulo, Paulus, 2004.
HÁ 60 ANOS o primeiro anúncio do Concílio Vaticano II. Uma inesperada
primavera. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/categorias/586300-ha-60-
-anos-o-primeiro-anuncio-do-concilio-vaticano-ii-uma-inesperada-primave-
ra Acesso em: 22 de agosto de 2023.
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti. Carta Encíclica sobre a Fraternidade
Universal e a Amizade Social. São Paulo, Paulinas, 2020.
SÃO JOÃO XXII. Festa sob o sinal do Concílio. IHU Online, 11 de outubro
de 2019. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/78-noticias/561090-sao-joao-
-xxiii-festa-sob-o-sinal-do-concilio Acesso em: 24 de agosto de 2023
17

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


MEMÓRIA DE CRIATIVIDADE SINODAL
DA VRC NA HISTÓRIA DA IGREJA

Fr. Luiz Carlos Susin1


Fr. Rubens Nunes da Mota2

Neste terceiro texto de apro- minamos a organização monacal,


fundamento da compreensão da embora com traços hierarquizan-
sinodalidade na Vida Religiosa tes, exercendo as novidades do
Consagrada (VRC), depois de “capítulo” e da mútua obediência;
examinar os problemas que nos c. Na sequência, retratamos um
desafiam e buscar as fontes caris- período em que a forma de orga-
máticas da sinodalidade da VRC nização monacal já não respondia
no NT, vamos trilhar um pouco às novas exigências e o Espírito
da história da VRC, fazendo me- criou novas configurações em for-
mória da criatividade sinodal de mas diversas de fraternidades; d.
modo especial em quatro passos Com as transformações sociais
para a edificação institucional da da modernidade, o esforço por vi-
VRC: a) O amor que nasce na ex- ver a vida em comum com novas
periência de Cristo ressuscitado e missões, tempo de apostolado por
seu Espírito, e que inspira as pri- instituições apostólicas e missio-
meiras comunidades, buscando nárias; e. E, por fim, com a orien-
conviver de forma hospitaleira; tação do Concílio Vaticano II, exa-
b) Em um segundo momento, exa- minamos a grande movimentação

1
Frade Menor Capuchinho. Doutor em Teologia. Professor na PUCRS e ESTEF. Membro
da Equipe Interdisciplinar de Assessoria da CRB Nacional. Endereço para contato:
lcsusin@pucrs.br
2
Frade Menor Capuchinhos. Mestre e Doutorando em Psicologia. Endereço para contato:
freirubens@hotmail.com
18 da VRC com apelo a comunidades etapa das fontes primárias de
menores e inseridas em meios toda VRC entra em nova etapa
MEMÓRIA DE CRIATIVIDADE SINODAL DA VRC NA HISTÓRIA DA IGREJA

missionários populares para res- histórica.


ponder aos ‘sinais dos tempos’ e 2. Já nos séculos III e IV sobrevém
viver a sinodalidade partilhada certa mediocridade, a burocra-
para dentro e para fora. tização religiosa e o esfriamen-
1. “Vede como eles se amam” (Ter- to do primeiro amor nos gran-
tuliano): convém um preâmbu- des centros. Mas sopra o Espí-
lo, um horizonte para a paisa- rito e a Palavra que levaram
gem que vamos percorrer aqui. pessoas audazes ao deserto do
Desde o Novo Testamento, a co- Oriente, dando assim origem à
munidade cristã testemunha o vida monacal cristã na solidão
amor de Deus em Cristo Jesus, de eremitas e anacoretas – no
este único mandamento que li- ermo despovoado - repetindo
berta de tudo mais. Formam-se até milhares de vezes o ver-
comunidades “transgressivas” sículo da Palavra de Deus na
do status quo social, comunida- meditação hesicasta. Assim,
des de conversão, de partilha e Paulo Ermitão, Evágrio, Antão
comunhão, de irmandade sem e outros tantos recomeçaram
discriminação e de testemunho no silêncio e na solidão. Mas
até o sangue, o martírio. É o Pacômio entendeu que é neces-
caso da Perpétua, a senhora, sária mais presença, mais co-
e de Felicidade, a escrava, que munidade, e, inspirando-se em
entram juntas, de mãos dadas, Macário, dá início ao cenóbio
na arena dos leões diante da - como em uma colônia de pro-
sanha da plateia. “Não há ju- tozoários, donde vem a palavra
deu nem grego, não há escravo “cenóbio”: cada monge com sua
nem livre, não há homem nem casinha unicelular em torno de
mulher; pois todos vós sois um uma casa central de oração co-
só em Cristo Jesus” (Gl 3,28). mum, nutrição para todos jun-
Este é o começo da sinodalida- tos. E daí para Basílio, no sé-
de, o “Caminho” a que Lucas culo IV, se dá o passo seguinte:
se refere como seguimento de a primeira comunidade toda
Jesus em seu evangelho e nos reunida sob o mesmo teto em
Atos dos Apóstolos, fundamen- torno da liturgia. No Ocidente,
to originário de toda VRC (cf. Martinho de Tours, e sobretu-
Perfectae Caritatis 1). Com o do Agostinho uniram à solidão
crescimento e a identificação a paixão pela vida em comum,
da Igreja com a sociedade, essa pela comunidade de oração
e de bens, como os primeiros nos interessa, a sinodalida- 19
cristãos. Agostinho insiste no de. Os mosteiros, primeiro no
companheirismo que ajuda a Oriente e depois no Ocidente,

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


viver a vida monástica. Bento se multiplicaram de forma im-
e sua irmã Escolástica se tor- pressionante como alternativa
nariam a pedra de fecho des- à sociedade feudal.
sa etapa monacal com o lema 3. Quando a vida monacal se
Ora et Labora: a irmandade mundanizava e começava a de-
monacal se sente reunida sob cair, não faltaram reformado-
a autoridade de um pai ou de res e novo espírito. Mas nos sé-
uma mãe comum. Nela todos/ culos XII e XIII toda a vida mo-
as podem também tomar a pa- nacal não dava mais conta de
lavra, assim como se deve obe- uma sociedade mais dinâmica
diência também mútua, “uns em que emergiam socialmente
aos outros”, e não somente ao e politicamente as comunas,
superior (cf. Regra 71). Com o os burgos e ensaios de repúbli-
monaquismo inventa-se o ca- cas. Começam então a surgir
pítulo – esta invenção de sino- as Fraternitates de diversos
dalidade num mundo imperial tipos, homens ou mulheres
extremamente autoritário e que, justamente em itinerân-
hierarquizado. O instigante cia, em pregações ambulantes,
filósofo italiano Giorgio Agam- andavam sempre em irman-
ben, em seus dois livros Opus dades, em grupos – sinodais
Dei (sobre política, mas desde na missão. Ir. Delir Brunelli,
a vida monacal) e Altíssima em sua tese sobre Sta. Clara,
Pobreza (também sobre políti- evidencia diferentes grupos de
ca, mas desde as fraternidades mulheres que se reuniam en-
mendicantes medievais) anota tão para um novo tipo de VRC
que nesses espaços houve a ou- apesar das imensas resistên-
sadia de transgredir as estru- cias de uma Igreja e sociedade
turas impostas em seus con- patriarcal com toda autorida-
textos sociais, para inventar de masculina. Um movimento
um mundo novo, com regras muito original, por exemplo, é
e relações novas, próprias. O o de Beguinas, organizadas em
despojamento, a irmandade pequenas aldeias como base
em oração, a economia em co- para uma vida itinerante em
mum e a reunião capitular nas grupos, pregando o evangelho
decisões são quatro dispositi- de um lugar a outro. É impres-
vos decisivos para o que aqui sionante o desconhecimento
20 posterior, apesar de algumas Irmãs de São José de Cham-
dessas aldeias ainda existi- béry, pelas Filhas da Carida-
MEMÓRIA DE CRIATIVIDADE SINODAL DA VRC NA HISTÓRIA DA IGREJA

rem na Bélgica, sendo as mais de ou Vicentinas. E assim, às


conhecidas beguinages a de vezes encorajadas outras vezes
Bruges e a de Lovaina. Foram mal compreendidas e até per-
obrigadas mais tarde à vida seguidas, sempre mais mulhe-
das carmelitas de clausura, res dão início a formas de vida
mas ainda assim subsistiram em comum em contexto missio-
a seu modo até o século XX. É nário e apostólico, na educação
curioso, numa Igreja patriar- e no cuidado de crianças, do-
cal, que os begardos seguis- entes e idosos. O patriarcado
sem o modelo das beguinas, e eclesiástico encerra algumas
os franciscanos fossem escutar em mosteiros e outras resis-
Santa Clara quando desapare- tem, o que de qualquer forma
ceu São Francisco. Francisco e será uma verdadeira explosão
Domingos deram vida às mais de criatividade a partir de en-
conhecidas Fraternitates entre tão.
tantas Ordens mendicantes 5. Observando de perto, as Or-
que elaboravam suas normas dens antigas, monacais ou
em comum, em reuniões capi- mendicantes, acabaram ga-
tulares. Além disso, em termos nhando vida nova, renovação
de sinodalidade, deram mais e revitalização, sempre quando
um passo, a eleição periódica aceitaram receber influxos dos
dos encargos de ministros, aca- novos grupos que respondiam
bando com cargos vitalícios. melhor aos sinais dos tempos.
Com o rodízio, o poder não O que renova e dá vida nova é
pode ser assimilado à pessoa, e o melhor do antigo com o me-
terminado seu tempo, o minis- lhor do novo. Assim, os mostei-
tro volta a ser um frade como ros contemplativos ganharam
todos os demais. revitalização em contato com
4. Já no século XVI, final da Ida- as fraternidades itinerantes,
de Média e começo da Moderni- e essas com a vida apostólica
dade, Joana de Chantal come- moderna, sobretudo a missão
ça a Ordem da Visitação (Vi- fora da Europa. No entanto, a
sitandinas) no sul da França, modernidade acelerou a trans-
Ângela Merici dá início a uma formação do Ocidente com a
congregação de professoras e industrialização, com a urba-
catequistas, as Ursulinas, se- nização, com mais educação
guidas no século seguinte por geral, com famílias menores,
e com secularização. Todas as linguagem mais popular. Em 21
Ordens e Congregações, assim termos de sinodalidade, pas-
como a Igreja em sua totalida- sou-se a trabalhar numa supe-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


de, chegaram ao meio do sécu- ração de uma obediência mecâ-
lo XX numa espécie de esqui- nica e vertical – “manda quem
zofrenia, encerradas em uma pode, obedece quem deve” – a
linguagem exótica, anti-mo- uma obediência ligada ao em-
derna. Marcadas por um mo- poderamento: se o poder, numa
delo tridentino romanizante e física quântica, é “capacidade
por um estilo barroco repleto de ação em conjunto” (Hannah
de sobreposições devocionais e Arendt), ou seja, exerce poder
costumes que se tornaram ar- quem empodera os demais, en-
tificiais, pareciam realidades tão o empoderamento na VRC
estranhas que começavam a se dá pelos carismas do Espíri-
minguar nos centros do Oci- to partilhados a cada membro
dente. Esclerosar ou buscar re- em vista da edificação comum.
novação? O exercício do poder parti-
6. Mais uma vez o Espírito e a lhado, a mudança da palavra
Palavra vieram por João XXIII “superior” ou “superiora” para
e o Concílio Vaticano II. O do- coordenador ou coordenadora,
cumento conciliar Perfectae ministro ou ministra, etc. é um
Caritatis e depois a Exortação dos sintomas de nova sinodali-
Apostólica de Paulo VI Evan- dade nesse tempo. A vida mais
gelica Testificatio ofereceram inserida em missões no meio
critérios para renovação de to- do povo reconfigura a sinoda-
das as Ordens e Congregações: lidade em comum com o povo,
“desengessar” as instituições, não mais em conventos e gran-
centrar a espiritualidade na des casas tradicionais. Assim,
Palavra de Deus, sair da pa- com o dinamismo da história e
ralisia e do exotismo, renovar seus impactos na reconfigura-
as Constituições, atender os si- ção da VRC, finalizamos esta
nais do Espírito no tempo pre- memória processual em que
sente, tornar a vida mais leve e a sinodalidade se dá com vida
mais “humana”, em irmandade cada vez mais em comum, em
renovada, comunidades meno- formas sinodais que não co-
res e mais missionárias, abra- nhecem paredes, mas pontes
çando a vida das Igrejas locais. até ecumênicas e interreligio-
Finalmente mais inseridas em sas. Quando o aspecto institu-
meios populares, com rosto e cional endurece e trava a par-
22 ticipação e a partilha inclusive Povo de Deus. Exerce as relações
do poder, novos sinais dos tem- de poder e obediência cada vez
MEMÓRIA DE CRIATIVIDADE SINODAL DA VRC NA HISTÓRIA DA IGREJA

pos são sinais do Espírito para mais com autoridade capitular e


a VRC. de forma participativa em vista
Em conclusão, em termos de da missão no mundo que a cir-
sinodalidade pode-se afirmar que cunda. E, como bem anota Agam-
a VRC conheceu um crescimento ben, ela tem um ousado caráter
que parte da solidão do deserto transgressivo e criativo, moldan-
e avança em direção a uma con- do formas de vida em comum que
vivência cada vez mais intensa convém chamar de proféticas e
e participativa, ampla e aberta, “contraculturais”, mas não exó-
sem descuidar a interioridade. ticas e exibicionistas, em relação
Mantém seu coração na Palavra e aos contextos sociais, culturais e
na oração, mas se desenvolve em eclesiais de seu tempo. Não é tem-
irmandade e em missões cada vez po, portanto, de lamentar, mas de
mais ousadas e inseridas junto ao criar.

Para dialogar em comunidade:


1 Com o breve itinerário histórico da descoberta de valores si-
nodais no seguimento de Jesus, o que este itinerário nos pode
inspirar?
2 Em sua Ordem ou Congregação, qual foi a ousadia transgres-
siva das origens e o que elas ainda interpelam?
3 Examinando também para fora da Ordem ou Congregação,
para a Igreja e para o contexto social em que nos é dado viver,
o que o nosso exercício de sinodalidade pode aprender de ou-
tros e o que pode oferecer a outros no mundo ao nosso redor?
23

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A SINODALIDADE E OS CARISMAS

Zuleica Aparecida Silvano1

Introdução (ministérios) (TABORDA, 1990;


TABORDA, 2011, p. 149). É claro
O termo “sinodalidade” não que no texto bíblico o termo “mi-
ocorre na Bíblia, mas é possível nistério” é diakonía (serviço), po-
verificar práticas sinodais nas rém está vinculado à pregação.
comunidades primitivas descri- Assim, o ministério é um dos ca-
tas nos textos do NT (Gl 2,1-10; rismas a ser colocado a serviço
1Cor 12–14; Rm 12 e At 15,1-35). da comunidade. Para aprofundar
A sinodalidade é fundamentada essa temática foi escolhido 1Cor
por uma espiritualidade de comu- 12, no qual Paulo se serve da ima-
nhão, baseada na experiência da gem corporal e apresenta a uni-
Trindade, e que se expressa na dade na diversidade de carismas
corresponsabilidade e na partici- recebidos pelo Espírito Santo. Es-
pação de todas(os), dado que cada ses “dons espirituais” também são
membra(o) tem a mesma dignida- chamados de “serviço, realizações
de de filha(o) de Deus recebida no e manifestações do Espírito”, res-
batismo e é chamada(o) a estar a saltando os “efeitos e a unidade da
serviço. Nesse artigo refletir-se-á ação de Deus na vida das comuni-
sobre a sinodalidade e os carismas dades” (ZABATIERO, 2020. p. 90).

1
Irmã Paulina. Doutora em Teologia Bíblica pela FAJE e mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício
Instituto Bíblico. Docente na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e assessora no Serviço de
Animação Bíblica (SAB/Paulinas). Membro da Equipe Interdisciplinar de Assessoria da CRB
Nacional.
24 A diversidade e a unidade da origem comum dos carismas,
dos dons (1Cor 12,1-11) que é o Espírito Santo e sua ação
A SINODALIDADE E OS CARISMAS

em conceder e distribuir os dons


para cada membro da comunida-
A igreja de Corinto é rica em
de. Em 1Cor 12,3-11, o Espírito é
dons concedidos pelo Espírito
designado como autor de uma in-
Santo. Contudo, destacava-se o
tervenção direta na comunidade
dom de “falar em línguas” (a glos-
ao distribuir os carismas (v. 11),
solalia), por evidenciar a ação po-
sendo um sujeito dinâmico e res-
derosa do Espírito. Segundo Pau-
ponsável pela ação. Porém, é
lo, o critério para o reconhecimen-
notória a relação entre os dons
to dessas experiências carismáti-
distribuídos para os membros da
cas é ter a consciência de que são
comunidade e a menção a uma
dons concedidos por Deus, gratui-
fórmula triádica (dado que ainda
tamente, para estarem a serviço
não há o conceito de Trindade).
da comunidade, portanto não tem
Assim, pode-se dizer que a diver-
porque continuar essa disputa e a
sidade dos dons e a sua unidade
divisão entre os batizados.
parte dessa harmonia entre as
Na introdução de 1Cor 12 (vv. pessoas divinas e que essas “cons-
1-3), o autor apresenta os crité- tituem um único princípio ativo e
rios para discernir as pessoas que operante no batizado” (BARBA-
receberam os dons espirituais da- GLIO, 1989, p. 323).
quelas que são falsas, ao partir da
Ao analisar a lista de dons per-
relação existente entre Espírito
cebe-se a criatividade do Espírito,
Santo, o messianismo e o senhorio
que atua em consonância com a
de Jesus. Essa introdução é ne-
realidade dos membros que com-
cessária, dada que os membros da
põem a comunidade. Ao conside-
comunidade confundiam os dons
rar a afirmação do v. 7, “a mani-
espirituais com os fenômenos das
festação do Espírito é dada a cada
experiências de êxtase das outras
um para o bem comum”,21pode-se
religiões pagãs. Ao chamar os
dizer que nenhum membro é isen-
deuses de “ídolos mudos”, o au-
to de dons, todos são envolvidos,
tor sublinha o não envolvimento
e esses dons são concedidos para
deles na história, ressaltando a
estarem a serviço da vida comu-
dinamicidade do Espírito Santo
nitária. Outro dado a salientar é
e a presença de Deus em toda a
trajetória do povo: Ele ouve, entra
1
As traduções de 1Cor 12 são extraídas da
em comunicação, vê, vem ao en- tradução própria editada em: A BÍBLIA.
contro. Segue-se a apresentação Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2015.
p. 418-420.
a forma pela qual o Espírito se dade, Paulo exorta a ter cuidado 25
torna visível, para uma finalida- em não fazer desse dom motivo de
de precisa: o bem comum. O Após- orgulho, de arrogância não edifi-

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tolo ressalta ainda que o Espírito cando a comunidade (1Cor 8,1).
concede a diversidade de dons, e é O terceiro dom é a fé, que, nes-
a fonte de sua unificação. Por isso se contexto está relacionado com
a insistência em dizer que esses a capacidade de realizar mila-
diferentes carismas são segundo gres, prodígios ou de curar, seria
“o mesmo Espírito”. O primeiro a fé taumatúrgica (1Cor 13,3).
dom é “da palavra de sabedoria”,
O dom da profecia não consiste
que, ao estar associada à “pala-
na capacidade de anunciar, exor-
vra”, pode ser a sabedoria focada
tar e consolar (1Cor 14,3), dada a
no discurso, no “ensino”, na “exor-
todos batizados. O profeta é antes
tação”, ou seja, são pessoas que
de tudo um ser humano que está
têm o dom da percepção correta
em íntima relação com o Espíri-
da realidade e da conduta ade-
to (1Cor 14,1), é o mensageiro de
quada na vida cotidiana, mas que
Deus, comunicando a sua vontade
nasce do profundo conhecimento
e a sua presença no meio do povo.
do mistério divino, provavelmen-
O termo “profecia” algumas vezes
te, se refere ao dom do ensina-
pode ser interpretado como sendo
mento. Enquanto o dom da pala-
fenômenos extraordinários, com
vra de conhecimento refere-se ao
revelações que são dadas pelo Es-
discurso marcado pela compre-
pírito (2Cor 12,1.7; Gl 1,12). Po-
ensão dos mistérios cristãos, da
rém, essas revelações são denomi-
revelação cristã (1Cor 2,11), que
nadas ora com a expressão “man-
são compreensíveis para o pen-
damento de Deus” (1Cor 14,37)
samento humano por meio de seu
ora com “Palavra do Senhor” (1Ts
Espírito. Pode ser também um
4,15). Outras vezes, Paulo fala do
aprofundamento sobre o mistério
profeta como aquele que transmi-
de Cristo, que são concedidos por
te o que era oculto. Entretanto, o
Deus e não por um esforço hu-
conteúdo deste mistério, que deve
mano de adquirir conhecimento.
ser revelado, dá testemunho da
Essa ênfase no dom é importante
justiça de Deus (Rm 3,21) e anun-
para essa comunidade em Corin-
cia a Boa-Nova de Deus, que é Je-
to, pelas diferentes concepções de
sus Cristo (1Cor 4,1; 15,15). Mis-
conhecimento (o intelectual, a re-
tério que fazia parte do plano de
velação, a aquisição de conteúdo)
Deus, desde antes da criação do
e por sua supervalorização. Ao di-
mundo, e que é revelado por deci-
zer que é um dom espiritual e que
são de Deus (Gl 4,4).
deve estar a serviço da comuni-
26 Os dons da cura das doenças dirigente, o segundo exalta a ne-
são vistos como prodígios. Ele cessidade dos membros mais fra-
A SINODALIDADE E OS CARISMAS

está no plural (dons) para res- cos, menos nobres. Essa inversão
saltar que é dado por Deus para está em estreita relação com 1Cor
ocasiões específicas ou até mesmo 3,7 e Fl 2,1-11, visto que a comu-
para doenças diferentes, porque, nidade é o corpo de Cristo Cruci-
para Paulo, as doenças eram re- ficado e Ressuscitado, do Filho de
sultantes da fragilidade humana, Deus, que assume o processo de
mas também do pecado. esvaziamento.
Por fim, menciona a glossola- Essa perícope começa com a
lia, que consistia no dom de uma comparação entre o corpo hu-
comunicação particular com o mano, que sendo um tem vários
mundo celeste. Na comunidade membros e Cristo. Essa compa-
de Corinto era considerado um ração será desenvolvida nos vv.
dom por excelência, por estar vin- 14-26 e com Cristo nos vv. 27-
culado às experiências de “êxtase 30. Chama a atenção que a com-
espiritual”. Para Paulo, é uma paração com o corpo humano é,
manifestação da graça divina que curiosamente, com Cristo, e não,
edifica a Igreja, portanto é neces- inicialmente, com a Igreja. A es-
sário ter alguém para interpretar colha de “Cristo” facilita Paulo
a fim de ser um dom para a comu- estabelecer uma relação entre o
nidade. Para o Apóstolo, todos os cristão (1Cor 6,15), o corpo cru-
dons devem apontar para quem cificado e ressuscitado de Jesus
o concede (Deus), não para quem (1Cor 1-4), o corpo eucarístico
o recebe, nem para o mediador (o (1Cor 10,16-17) e o eclesial (1Cor
portador desse dom). 12). Os membros da comunidade,
fundamentados em Jesus Cristo,
Os dons e a comunidade comungam do mesmo pão euca-
como Corpo de Cristo rístico e, por conseguinte, estão
interligados e complementam-se,
(1Cor 12,12-30) em um sinal visível do amor de
Deus. Deste modo, a comunidade
A metáfora corporal remete à é descrita como aqueles(as) que
literatura greco-helenística (Aris- estão em Cristo. Cristo como uma
tóteles, Política V, 462d) e o apólo- entidade plural, que incorpora os
go de Menênio Agripa (Tito Lívio, batizados n’Ele. Isso é corrobo-
Ab urbe condita 2,32) (ALETTI, rado na frase seguinte, quando
2010, p. 68-69). A diferença entre afirma que: “porque também, em
Menênio e Paulo é que, enquanto um só Espírito, todos nós, em um
o primeiro deseja enaltecer a elite só corpo, fomos batizados, quer
judeus, quer gregos, quer escra- dade dos órgãos e suas funções 27
vos, quer livres, e, a todos, um só visam a complementaridade e a
Espírito nos foi dado de beber”. solidariedade entre os membros

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Nessa frase também aparece o da comunidade, sendo essas não
Espírito com essa função de criar só necessárias, mas queridas por
comunhão entre esses diferentes Deus (v. 18).
membros provenientes de origem Verifica-se uma hierarquiza-
étnico-religiosas diferentes e de ção das funções ao considerar os
status sociais diversos, mas que membros superiores (vv. 19-24),
pelo batismo constituem um úni- que aqui representam as funções
co corpo. Pelo batismo forma-se de apóstolos, mestre ou de coor-
uma unidade, porém não se fala denadores da comunidade, e os
de uma uniformidade étnica, so- “inferiores”, que são os executores
cial e cultural. De fato, pelo batis- das tarefas. Essa hierarquia tor-
mo o crente começa a fazer parte na todos interdependentes uma
de um corpo eclesial, unificado vez que todos cooperam para a
pelo Espírito Santo. Salienta-se unidade do corpo. Assim, na co-
que no v. 12 há uma relação entre munidade cristã os membros fra-
o Corpo e Cristo, no entanto, no v. cos e deficientes são fundamen-
13, não aparece o termo “Cristo”, tais, e a esses é concedida mais
mas acentua o corpo eclesial, em “honra” (1Cor 12,24). Por isso, a
seu sentido orgânico. Provavel- comunidade é chamada a se pre-
mente, Paulo, ao utilizar o mesmo ocupar com os mais vulneráveis,
termo “corpo”, não visa acentuar mais fracos, pois, sem esses, não
a distinção entre esses dois aspec- seria possível a experiência do
tos, mas sim sua interdependên- amar e servir.
cia na pluralidade, mas garantin-
A frase “se um membro sofre,
do a unidade.
todos os membros sofrem com ele;
Nota-se um paralelismo entre se um membro é glorificado, to-
os vv. 14-18 que ressalta a mul- dos os membros regozijam-se com
tiplicidade dos membros e os vv. ele” (1Cor 12,26) chama a atenção
19-26, que insiste sobre a soli- para sinodalidade que acentua a
dariedade entre os membros da solidariedade, mas também a co-
comunidade. Esse paralelo ajuda munhão que há nesse corpo ecle-
a compreender que Paulo, ao uti- sial com a alegria e o sofrimento
lizar uma imagem conhecida na entre os membros como um si-
Antiguidade para outras finali- nal profético. Essa comparação
dades, não tem a intenção de res- também é aplicada para compre-
saltar os órgãos mais fracos, mas ender a diversidade e a unidade
a apresentação dessa multiplici- dos dons espirituais (vv. 27-30),
28 dado que são diversos dons que reuniam nas casas, as chamadas
os membros recebem no ato batis- “igrejas domésticas”. O Apóstolo
A SINODALIDADE E OS CARISMAS

mal, com funções diferentes, po- emprega esse vocábulo para falar
rém são complementares e man- dos cristãos das comunidades lo-
têm a unidade do corpo eclesial. cais e do grupo cristão em seu con-
Paulo emprega “ekklesía” (v. 27), junto (1Cor 15,9; Gl 1,13; Fl 3,6),
uma palavra grega, que pode ser por isso pode-se dizer que, nesse
traduzida por “congregação”, “as- contexto, é possível interpretar
sembleia”, “igreja”, “reunião”, “co- nesses dois aspectos. A grande
munidade”. novidade de Paulo foi servir-se de
Essa palavra, na cultura hele- uma expressão típica do judaísmo
nística, provém de ek-kaleô, que e aplicá-la às comunidades consti-
significa “chamar”, “convocar” e tuídas de pessoas da cultura gen-
designava a assembleia popular tílica, com esse sentido de sinoda-
dos cidadãos livres das cidades- lidade. Assim, a comunidade em
-estados, que se reuniam para Corinto faz parte do povo eleito e
tomar alguma decisão política ou é essa comunidade de pessoas li-
judicial. Porém, era aplicado ape- vres que se reúnem por sua ade-
nas quando estavam reunidos, são a Cristo. Portanto, “Corpo de
portanto referia-se a uma reunião Cristo” não é uma metáfora para
extraordinária ou a reuniões re- descrever a comunidade, nem
gulares para discutir assuntos re- é sinônimo de Cristo, mas para
ferentes à cidade. Na Septuaginta afirmar nosso ser em Cristo (Gl
(versão grega da Bíblia), ekklesía 3,28b). E mais, é interessante en-
traduz a palavra hebraica qāhāl, tender a menção aos dons e à sua
na expressão que poderia ou não hierarquização, quando o Apósto-
ter uma conotação religiosa. Esse lo elenca, nos três primeiros pos-
termo designa à comunidade de tos, os apóstolos, os profetas e os
Israel reunida ao redor da Pala- mestres.
vra de Deus no Monte Sinai (Dt Esses três serviços estão re-
4,10; 18,16), ou uma comunidade lacionados com a palavra, aquilo
de pessoas ligadas ao Deus de Is- que Paulo descreve com os dons
rael, que recebem d’Ele os ensina- da palavra de sabedoria e conhe-
mentos para poderem organizar cimento. Eles são apresentados
a vida comunitária e social. (SIL- por primeiro, pois estão vincula-
VANO, 2021. p. 28-29). dos ao Espírito, que é aquele que
Nas cartas paulinas, ekklesia concede o dom da palavra, e tam-
nomina a assembleia local daque- bém por ajudar na edificação da
les que aderem a Jesus Cristo; as comunidade como pessoas envia-
comunidades primitivas que se das por Deus, para falar em seu
nome. Depois apresenta os dons afirmações nos vv. 29-30 estabele- 29
de “realizar prodígios” e os “dons cem um ligame com os vv. 16-20,
de curas”, esses estão vinculados, acentuando a diversidade de

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por serem ações extraordinárias, dons, pois são eles que constituem
gestos taumatúrgicos. o corpo eclesial, ao contrário não
É importante salientar que, ao seria um corpo. Ao mesmo tempo
ter presente os gestos de Jesus e sublinha suas diferentes funções.
seu mandato missionário, o anún- Portanto, todos os carismas estão
cio do evangelho e a cura dos en- a serviço do bem comum, não ha-
fermos são os mais importantes vendo um maior do que o outro.
testemunhos da instauração do O ministério também é um ca-
Reino de Deus. Em seguida cita risma ligado à pregação ou ao de
o dom de “dar assistência, a ca- coordenar da comunidade, que se
pacidade de governar”, que estão reunia nas casas. Além da comu-
mais relacionados à execução de nhão, Paulo acentua a solidarie-
tarefas na comunidade. Por fim, dade, a participação e a corres-
acrescenta “o dom de falar em lín- ponsabilidade entre os membros,
guas diferentes”. Essa posição no que se colocam a serviço para a
final da lista parece ser proposi- edificação da comunidade. Es-
tal, por ser um dom considerado ses carismas específicos estão no
maior do que os outros. Assim, cerne de nossas Congregações,
Paulo o relativiza e afirma que expressando essa unidade e, ao
é também necessário para a edi- mesmo tempo, a criatividade do
ficação da comunidade, quando Espírito, e que são chamados a
há quem interpreta a mensagem caminhar juntos nesse corpo ecle-
pronunciada nessas “línguas” sial, tendo como centro a unidade
chamadas celestiais (1Cor 14). As trinitária.

Para dialogar em comunidade:


1. Qual é a relação entre sinodalidade, carismas e ministérios?
Qual é a relação entre o carisma do seu instituto e sinodalida-
de (caminhar juntos com o diferente)?
2. Como manter vivo o carisma diante das exigências e dos desa-
fios da realidade atual?
3. Estamos acolhendo o carisma que nos foi dado, que tem como
fonte a comunhão trinitária?
30 Referências
A SINODALIDADE E OS CARISMAS

ALETTI, J.-N. Eclesiología de las cartas de San Pablo. Estella (Navar-


ra): Verbo Divino, 2010.
BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1989.
SILVANO, Zuleica A. Carta aos Gálatas: “Até que Cristo se forme em nós”
(Gl 4,19). São Paulo: Paulinas, 2021.
TABORDA, Francisco. A Igreja e seus ministros: uma teologia do ministé-
rio ordenado. São Paulo: Paulus, 2011.
TABORDA, Francisco. Carisma e institución. Boletin CLAR, Bogotá, v. 28,
p. 20-26, 1990.
ZABATIERO, J. P. T. M. As listas de dons espirituais em Paulo. In: ROSSI,
L. A. S.; SILVA, V. da. (Orgs.). Dons e carismas na Bíblia. São Paulo:
Paulus, 2020.
31

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


POR UM AMANHÃ MAIS SINODAL

Ir. Silvânia Aparecida Coelho1


Ir Teresinha Mendonça Del’Acqua2

Em tempo algum se pronun-


de autoridade, de consciência, de
ciou tanto a palavra sinodalidade.
ordem sexuais, culturais e sistê-
Nosso reconhecimento à Igreja,
micos. Exatamente nesse bur-
na pessoa do Papa Francisco, por
burinho e convulsão planetária
nos ter presenteado com a propos-
somos convocadas/os e interpela-
ta sinodal, provocando-nos a um
das/os, por meio do Sínodo Ecle-
novo olhar, novas atitudes e dese-
sial (2021-2024), a assumirmos
jo de conversão, mediante a sua
com radicalidade nossa identida-
convocação para um caminho de
de batismal como Povo de Deus,
discernimento, a partir da escuta
ou seja, o protagonismo cristão
da Palavra de Deus, rezada e par-
na vida eclesial (LG, n. 10). Se-
tilhada entre irmãos e irmãs.
gundo o teólogo Renato Alves de
É verdade que nos situamos Oliveira, a sinodalidade expressa
numa época caraterizada por um “convite a uma caminhada
múltiplas mudanças rápidas e em conjunto na Igreja, um mé-
profundas. Somos afetadas/os por todo eclesial que deve perpassar
numerosas tensões, violências, todas as instâncias, organismos,
exclusões, crises econômicas, cul- ministérios e ministros da Igre-
turais, políticas, sociais, alimentí- ja.” (2022, p. 267).
cias, climáticas, abusos de poder,

1
Irmã Serva da Santíssima Trindade. Superiora Geral da Congregação. Psicóloga.
Conselheira da CRB Nacional. Endereço para contato: silvaniastscoelho@gmail.com
2
Irmã Franciscana de Maria Imaculada. Psicóloga. Membro da Equipe Interdisciplinar
de Assessoria da CRB Nacional. Endereço para contato: teresinhamendel@gmail.com
32 A sinodalidade nos mergulha, “barcas pesadas” para se deslan-
imediatamente, na Trindade que charem no oceano do discipula-
POR UM AMANHÃ MAIS SINODAL

é o modelo perfeito e por excelên- do missionário de Jesus Cristo.


cia, de comunhão, relação, uni- (DAp, n. 31).
dade na diversidade, de recipro- Caminhando com a Igreja que
cidade, de inclusão, de valoriza- nos interpela a peregrinar por ve-
ção e acolhimento às diferenças; redas sinodais, mesmo navegan-
características básicas que não do entre correntezas humanas,
podem faltar na concretização da culturais e estruturais tempestu-
vivência sinodal. Portanto, a si- osas, podemos ressaltar expressi-
nodalidade eclesial está pautada vas formas emergentes de sinoda-
na construção da comunhão, de lidade que têm potencializado a
uma Igreja em saída, como re- VRC:
corda o Papa Francisco; aberta e
a) interesse e entusiasmo cres-
aprendiz no exercício da inclusão,
centes, proféticos e vigoro-
considerando que todas as pesso-
sos por maior compreensão
as, independente de raça, classe
e vivência da sinodalidade
social, gênero e idade são sujeitos
em sua amplitude, traduzi-
importantes na edificação diária
da no concreto das relações
do caminho sinodal.
interpessoais comunitárias e
Acontece que, com o caminhar pastorais e nos paradigmas
histórico, o caráter sinodal ecle- organizacionais, desde as pe-
sial, ou seja, participativo, corres- quenas opções cotidianas;
ponsável, dialogal, inclusivo, foi
b) inspiradas/os pelo horizon-
sendo, gradualmente, contamina-
te da 26ª Assembleia Geral
do e desvitalizado por ideologias
Ordinária da CRB e Con-
totalitárias, modelos hegemôni-
ferência Latino Americana
cos, hierárquicos, centralizado-
e Caribenha, destacamos o
res e excludentes dos diferentes
empenho de avançarmos no
e das diferenças. Sutilmente, a
ressignificar a VRC em cha-
Igreja em suas amplas e múlti-
ve sinodal, com o dinamis-
plas configurações históricas e,
mo audaz das “Mulheres da
consequentemente, a Vida Reli-
Aurora, enfrentando as on-
giosa Consagrada, (VRC), como
das adversas, tanto ad intra
parte integrante e muito vital na
como ad extra;
Igreja (DAp, n. 216-224), foram se
concebendo, se organizando e se c) retomadas gradativas de
expressando de formas mescladas experiências sinodais com
por tais ideologias, tornando-se novos olhares e realces, po-
-tencializando-as e, criati- banindo assim as decisões 33
vamente, tecendo outras tidas como democráticas, se-
práticas de vida, alicerçadas gundo o voto da maioria sem

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


numa subjetividade huma- consenso e que abre brechas
nizadora, nos valores essen- para partidarismos, concha-
ciais e inegociáveis, segundo vos, jogos de interesses e ex-
a proposta do Evangelho, dos clusões;
Carismas Congregacionais e f) um jeito de viver e organizar
dos Institutos de Vida Consa- a vida pessoal, comunitária e
grada; institucional, com revisões de
d) as práticas sinodais vão se compromissos, momentos de
desdobrando, envolvendo reflexões e retiros, têm sido
novas e mais leves relações, inspirados na afirmação im-
expressões linguísticas mais perativa de Isaías - “alargue
cordiais, formas estruturais o espaço de sua tenda, esten-
e organizacionais menos for- da bem suas lonas, estique
mais e mais dialogalmente suas cordas, firme suas esta-
inclusivas, humanas e huma- cas” (Is 54,2) - texto motiva-
nizadoras; cional da Etapa Continental
e) as análises, os discernimen- do Sínodo.
tos e as decisões têm sido re- Expande-se a consciência de
alizadas de forma mais sua- que a ciranda do tecer uma cultu-
ve, envolvente e corresponsá- ra sinodal tem seu início no pro-
veis, pelas Irmãs e Irmãos, à fundo do ser de cada pessoa que
luz do Evangelho (At 15,28), se deixa conduzir pela inspiração
que se colocam em atitude de trinitária quando:
discípulas/os, num clima de a) desejamos e nos esforçamos
oração e escuta ao Espírito por uma vida mais simples,
Santo, conforme nos lembra com relações de irmandade,
o profeta Isaías “Toda ma- na qual a/o outra/o mora em
nhã o Senhor desperta meus nossos corações como irmã e
ouvidos para que, como uma irmão;
boa discípula, bom discípulo,
b) assumimos uma coordena-
eu preste atenção” (Is 50,4b).
ção e animação, consideran-
Percebe-se ainda, um novo
do que a vida é processo e a
jeito de discernir, comunita-
participação de todas/os é
riamente, utilizando o método
fundamental nas tomadas de
da Conversação Espiritual,
decisões;
34 c) vivenciamos a circularidade e em comportamentos que contra-
nas relações e no desempe- riam a proposta da sinodalidade.
POR UM AMANHÃ MAIS SINODAL

nho das diversas atividades Há grandes desafios a enfren-


missionárias, dentro e fora tar no dia a dia da vida comunitá-
de nossas comunidades; ria, no jeito de governar, de esta-
d) rezamos para além das ora- belecer relações, de estar junto às
ções formais; rezamos a vida pessoas, especialmente das mais
com cantos, símbolos e ex- excluídas e em contextos de vul-
pressões corporais dentro ou nerabilidade, de viver a missão,
fora das nossas capelas; de nos relacionarmos com os nos-
e) fortalecemos e vivenciamos sos colaboradores e leigos, ligados
em nosso cotidiano congrega- aos nossos carismas.
cional e nos diversos espaços Urge uma Vida Religiosa Con-
e formas de inserção, a troca sagrada nova, que dê repostas no-
de saberes sem considerar vas para os clamores desse tempo
uma pessoa mais importante que se chama hoje. A verdadeira
do que a outra, possibilitan- vivência da sinodalidade é cami-
do novos aprendizados; nho profético e oferece grandes
f) buscamos vivenciar a nos- contribuições para a construção
sa consagração batismal, de uma Vida Religiosa Sinodal,
como critério primeiro para com traços e expressões de mais
a vivência da consagração amor, gratuidade, respeito, in-
religiosa, assumida nos con- clusão, alegria, humanidade, en-
selhos evangélicos de Casti- fim, uma vida que testemunha o
dade, Pobreza, Obediência e amor de Deus, na qual as pessoas,
outros específicos. olhando para o interior das Con-
gregações, Institutos e para o jei-
Sem deixar de considerar e ce-
to de ser e viver de cada mulher
lebrar o caminho já percorrido,
e homem consagrados, possam fa-
há de se convir que na procura e
zer a experiência de um Deus que
no desejo de traçar um itinerário
é amor, misericórdia, compaixão e
de um amanhecer mais sinodal,
caminheiro.
nos deparamos no ardor e labor
de uma travessia mais dinâmica, Fixemos o nosso olhar e o nos-
enfrentando noites escuras com a so coração na Santíssima Trinda-
sensação, às vezes, de estarmos de, como verdadeiro protótipo da
distanciando daquilo que é essen- sinodalidade. Tenhamos presente
cial e nos prendendo no supérfluo que o nosso Deus Uno e Trino é
comunhão e que nenhuma das e Institutos de Vida Consagrada, 35
três pessoas divinas vivem para deixemo-nos interpelar e trans-
si, mas para a outra, em profun- formar pelo Espírito que sopra

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


da inter-relação, numa ciranda do cinzas e poeiras, suscitando novo
mais puro amor. Vislumbramos vigor, (Jo 3,8), “fazendo novas
um caminho longo pela frente, de todas as coisas.” (Ap 21,5). Con-
novas práticas que muito exigirá tinuemos a caminho como VRC,
de nós humildade, paciência amo- constituída de mulheres e ho-
rosa e desapego, porém, não há mens da aurora, que teimam em
motivos para desanimarmos, pois romper a escuridão. Prossigamos
Jesus continua nos dizendo: “Não tecendo a grande rede da missio-
temas!” (Mt 10,33; 28,5), “Avan- nariedade, da intercongregacio-
cem para águas mais profundas” nalidade e das relações humani-
(Lc 5,4). zadoras, escutando, diariamente,
Como VRC feminina e mascu- do mestre Jesus: “Permanecei no
lina, contemplativa e apostólica meu amor!” (Jo15,9).

Para dialogar em comunidade:


1. Como abraçarmos, cada vez mais, a sinodalidade como uma
inspirada oportunidade de avançarmos no exercício da comu-
nhão, do respeito, do diálogo, do perdão e das relações mais
sororais e fraternas, como Vida Religiosa Consagrada e Insti-
tutos de Vida Consagrada?
2. A busca da vontade de Deus e a tomada de decisões, mediante
as interpelações da realidade, tem sido a partir da escuta da
Palavra, do Espírito e do vigor original dos carismas de nossas
Congregações e Institutos ou a partir de certas necessidades,
urgências e interesses pessoais ou grupais?
3. Quais estacas imóveis temos mantido em nós como indivídu-
os, como comunidade e como Congregação e Institutos, que
nos impedem de desapegarmos de certos conceitos, ideologias,
cargos, lugares, formas organizacionais, impedindo nossa iti-
nerância discipular e missionária?
36 Referências
POR UM AMANHÃ MAIS SINODAL

CELAM. Documento de Aparecida. São Paulo, Paulinas, 2007.


OLIVEIRA, Renato Alves. A Trindade como fundamento teológico da sinodali-
dade. ATeo, Rio de Janeiro, v.26, n.69, p.248-279, jan/jun. 2022.
37

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


A VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA
(VRC) NO ESTILO SINODAL, FERIDA
COM PRÁTICAS ANTI-SINODAIS

Ir. Teresinha Mendonça Del’Acqua1

Inicialmente gostaria de expli- em diferentes intensidades e nos


citar que esta reflexão-conversa últimos anos ela tem tido rele-
tem por objetivo avançarmos no vância vital e até determinante
processo de aprendizagem e vi- do futuro eclesial. A sinodalidade
vência do estilo sinodal, em sua tem a Trindade como fonte inspi-
abrangência e profundidade, racional e expressão de unidade
através de ações transformadoras na diversidade, de acolhimento
de paradigmas, práticas e estru- da singularidade, de inclusão e de
turas. Perseguindo tal objetivo se- reciprocidade. Conforme o Papa
rão utilizadas certas iluminações Francisco (2021) “o tema sinoda-
teóricas e análises esperançosas lidade não é um capítulo de ecle-
de maiores e novas expressões siologia, muito menos uma moda,
sinodais na VRC, tanto feminina um slogan”. Trata-se, segundo
como masculina nas suas múlti- ele, de um estilo de vida eclesial
plas formas. encarnado no cotidiano.
A sinodalidade vertical e hori- A Sinodalidade é uma questão
zontal, profética e potencializado- de humanização das relações do
ra de humanismo saudável ser humano no seguimento dis-
A prática da sinodalidade tem cipular e missionário de Jesus
perpassado a história da Igreja Cisto no mundo. Como a sinoda-

1
Irmã Franciscana de Maria Imaculada. Psicóloga. Membro da Equipe Interdisciplinar
de Assessoria da CRB Nacional. Endereço para contato: teresinhamendel@gmail.com
38 lidade não é estática, ela fomenta e de transformação pelo Espírito.
e fortalece experiências de poder (Instrumentum Laboris..., n. 18).
A VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA (VRC) NO ESTILO SINODAL FERIDA COM PRÁTICAS ANTI-SINODAIS

como capacidade de influenciar, Com tais enfoques torna-se claro


impactar, nutrir e integrar a di- que a sinodalidade não oferece
versidade de dons (Cor 12, 4-11), soluções mágicas, mas aponta ca-
capacidades e potenciais huma- minhos esperançosos e dinâmicos
nos e de motivar mudanças posi- que desafiam nossa criatividade,
tivas em benefício do bem comum, a sermos “mais ouvido” do que
na modalidade de serviço, discer- “palavras”, às relações mais hu-
nimento comunitário, correspon- manas, centradas em Jesus Cris-
sabilidade, ampliação e articula- to e à novas práticas.
ção do rosto plural da Igreja. Evidente é que a VRC na sua
O Instrumentum Laboris para essência é profeticamente audaz,
a Primeira Sessão Sinodal a ser portadora de criatividade con-
realizada em outubro de 2023, em tínua, de impulso para o cresci-
seu número 6, afirma que “a di- mento, para a maturidade e para
nâmica sinodal é uma maneira de múltiplas formas de serviços e mi-
apreciar e aprimorar a rica diver- nistérios e tem implementado di-
sidade sem esmagá-la em unifor- versas práticas sinodais ao longo
midade”. Renato Alves de Olivei- de sua história. Acontece, porém,
ra, enfatiza que “a sinodalidade que a VRC se encontra imersa
é um convite a uma caminhada na sociedade e na Igreja, ambas
conjunta na Igreja. Trata-se de gradualmente, mescladas por di-
um método eclesial que deve ferentes antropologias, filosofias,
perpassar todas as instâncias, teologias e ideologias seculares e
organismos, ministérios e minis- multipolarizantes. Inegável é que
tros da Igreja! (2022, p. 248-279). as impactantes e numerosas in-
Portanto, o estilo sinodal de ser e fluências recebidas nem sempre
atuar não compactua com para- são congruentes à sua identidade
digmas piramidais e excludentes. inspirada no Evangelho, no servi-
A sinodalidade como um modo re- ço samaritano (FT, cap. II)) e nos
lacional e organizacional huma- princípios inegociáveis da fé cris-
nizador nos interpela à profundas tã católica.
e sérias revisões e mudanças ra- Lentamente, a igreja e a VRC
dicais a partir de uma disposi- como parte integrante e vital na
ção integral para um dinamismo Igreja (DAp, n. 216 - 224), fo-
construtivo de respeito orante, de ram sendo organizadas de for-
escuta atenta e não julgadora, di- mas piramidais, hierárquicas e
álogo, discernimento comunitário
baseadas no binômio domínio e Dentre outras expressões de 39
subserviência e adotando certas adesões, merecem destaques as
terminologias que expressavam e seguintes:

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


legitimavam tais práticas, muitas a. Empenho pela saída contínua
dentre elas ainda vigentes. Che- do “eu” para um “nós”, como
gou-se a considerar a obediência Igreja comunidade relacional
sem consciência crítica e corres- orientada para a missão;
ponsabilidade, denominada “obe-
b. Revisão de linguagem, mui-
diência cega” como uma virtude
tas vezes não inclusiva e até
relativa à santidade.
preconceituosa e excludente;
Perguntemo-nos: Em tempos
c. Ampliação da consciência
de ampliação da consciência, de
e discernimento vigilante
processos sinodais e de expansão
quanto às resistências e ob-
da subjetividade saudável e cria-
jeções ao novo, ao inespera-
tiva, é coerente continuar usando
do e ao diferente individual,
termos que, histórica e psicolo-
ritual, cultural, estrutural e
gicamente, traduzem conceitos
sistêmico;
e imagens piramidais e hierár-
quicas e podem evocarem expe- d. Séria revisão dos programas
riências de negação da dignidade e práticas religiosas formati-
batismal tais como “superior/a”, vas, institucionais e pastorais
“moderadora/or suprema/o”, “de- em vista do empoderamento
finidora/or”, “inspetora/or” e ou- das pessoas como sujeitos ati-
tros termos correlatos que enfati- vos de sua formação, na socie-
zam concepções de poder vertical, dade, Igreja e congregações;
de mando e expressam classismo? e. Diminuição de práticas coti-
Mesmo mergulhada no vasto dianas de privilégios, concha-
oceano um tanto temido a respei- vos, chantagens emocionais,
to da sinodalidade eclesial profé- conivências não saudáveis e
tica e em águas um tanto turvas, induções que cerceiam a liber-
numerosos têm sido os avanço das dade nas escolhas e adesões;
adesões criativas e entusiastas, f. Criação e efetivação de pro-
já traduzidas em ações transfor- tocolos de prevenção e tutela
madoras, impulsionadas também de crianças, adolescentes e
pelo tema do 3º Ano Vocacional do pessoas em condições de vul-
Brasil, “Vocação: graça e missão” nerabilidade e promoção de
e pelo lema: “Corações ardentes, espaços seguros de proteção
pés a caminho”. e de cuidado ad intra e ad ex-
tra;
40 g. Empenho na prática da cul- Anti-sinodalidade traiçoeira
tura do encontro na acolhida
A VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA (VRC) NO ESTILO SINODAL FERIDA COM PRÁTICAS ANTI-SINODAIS

e apreciação da pluralidade Concomitantemente às cres-


étnica, cultural, intergera- centes adesões e o interesse vigo-
cionais, dons e habilidades, roso e criativo em relação à sino-
rompendo fronteiras e bus- dalidade, há fortes expressões an-
cando caminhar juntas/os su-
ti-sinodais violentadoras da dig-
perando as fragmentações e
nidade humana, que sinalizam a
polarizações;
necessidade de tornar realidade a
h. Discernimento dos sinais dos afirmações de São Paulo: “não há
tempos em sintonia e aten- judeu nem grego, não há escravo
ção ao sopro do Espírito que
nem livre, não há homem nem
garante a fidelidade à missão
mulher; pois todos vós sois um só
e se revela à Igreja possibili-
em Cristo Jesus” (Gl 3,28) e da
tando decisões consensuais
afirmação do documento conciliar
proféticas, soprando onde e
Lumem Gentium. n. 28, “nenhu-
quando deseja. (GS n. 4; Ap
2, 7; Jo 3,8)); ma desigualdade existe em Cris-
to e na Igreja, por motivo de raça
i. Tecelagem da vida em co-
ou de nação, de condição social ou
mum a partir da singularida-
de sexo”. Não inesperadamente,
de e colaboração de cada pes-
emergem do profundo do ocea-
soa, segundo a diversidade
no da insegurança e do medo de
dos carismas expressos em
diferentes funções; perder status e prestígios minis-
teriais, geralmente vinculados ao
j. Desenvolvimento de ativida-
poder hierárquico, centralizador e
des e organização de equipes
opressor, excludente de forças vi-
focadas na missão e não nas
tais à Igreja, “bolhas” de resistên-
preferencias e habilidades
cias cristalizadas, defensoras de
individuais ou redução das
pessoas a meros instrumen- uma Igreja patriarcal, piramidal
tos para manutenção e de- e clerical alicerçadas num radica-
sempenho institucional; lismo petrificado.
k. Formação para a sinodali- Embora seja um caminho pro-
dade, fortalecendo as prá- fundamente desafiador, constran-
ticas sinodais já existentes gedor, doloroso, porém, inegavel-
e, intencionalmente, desen- mente necessário, se quisermos
volvendo novas com maior uma Igreja mais transparente do
consciência de que o processo Reino de Deus, ousemos mergu-
é interminável, por se tratar lhar na obscuridade oceânica da
de um estilo de vida.
VRC e detectar alguns elementos Como o clericalismo é alicer- 41
sabotadores dos pilares sinodais, çado no exercício do poder de for-
ou seja: comunhão, participação e ma vertical e autoritária, muitas

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


missão. Minha intenção ao abor- pessoas, por medo, falso “respei-
dar essa temática é lançar flashs to” e até por certo infantilismo se
de luz sobre o imenso iceberg me- tornam subservientes e se auto
nos saudável, submersos na VRC, boicotam em suas capacidades e
em suas várias formas e motivar direitos de se expressarem com
possível ampliação de percepções, sinceridade e liberdade de parti-
reflexões e um processo de trans- cipar e de ser corresponsável co-
formação profética, empoderando munitariamente. Essa forma de
assim vigorosas e mais expressi- idolatria a quem exerce uma fun-
vas expressões dos valores pro- ção, cargo, liderança e autorida-
postos pelo Evangelho, descorti- de motiva submissão opressora,
nando um horizonte esperançoso. passividade por parte das pessoas
Com este propósito, irmãs e lideradas e atitudes e comporta-
irmãos, imbuídas/os de corres- mentos fortemente narcisista por
ponsabilidade, almejando maior parte de quem detém o poder des-
vitalidade, sentido e satisfação de pótico. Relativamente recente, o
sermos consagradas/os, desem- Papa Francisco (2023) afirmou
bacemos as lentes de nossa men- categoricamente que “chegou a
tes e corações e na ótica de uma hora de pastores e leigos cami-
conversão pessoal, comunitária nharem juntos em cada âmbito da
e institucional em chave sinodal vida da Igreja, em todas as partes
consideremos alguns aspectos de do mundo. Os fiéis leigos não são
nosso viver que poderão ser mais hóspedes na Igreja, estão em sua
humanos e humanizadores. casa, por isso são chamados a cui-
dar da própria casa”.
Dentre tantos, queremos des-
tacar o clericalismo que, segundo O clericalismo como uma for-
o Papa Francisco em sua fala aos ma de poder opressor, abusivo e
jovens italianos (2018), “é uma negativamente competitivo cons-
perversão na Igreja”. Essa inci- titui um disparador propício para
siva afirmação deve-se ao fato do outras formas de violências e abu-
clericalismo, tanto clerical como sos, tais como abusos de poder, de
laical, constituir uma das formas consciência ou espiritual, de auto-
mais brutais de anti-sinodadlida- ridade como o autoritarismo, ins-
de ou de violência abusiva da dig- titucional, econômico e sexual nas
nidade humana. suas múltiplas formas e intensi-
dades, tanto no âmbito da VRC
42 como nos meios eclesiais em geral. tuição, uma tomada de consciên-
Lamentavelmente, nossa igreja cia, seguida do cultivo de um forte
A VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA (VRC) NO ESTILO SINODAL FERIDA COM PRÁTICAS ANTI-SINODAIS

encontra-se pandemicamente en- desejo de concretizar o almejado,


ferma e dilacerada, e tem perdido a partir de pequenas práticas que
a credibilidade devido o aflorar aos poucos se expandiram e re-
dos diversos tipos de abusos, aco- verberaram. Um imenso oceano é
bertados, e ultimamente escanca- formado de minúsculas gotículas
rados por numerosas denúncias e de água, que isoladas podem ser
pelos meios midiáticos. consideradas até insignificantes.
Ampliando o nosso espectro Depois do clericalismo, há ou-
em relação a anti-sinodalidade tras práticas sorrateiras que tam-
importante se torna pontuar que bém queremos assinalar:
o clericalismo não é o único vilão a) Uma formação uniforme, mo-
sanguessuga da sinodalidade. nofocal e intra institucional
Disseminados e, muitas vezes sem uma visão sistêmica,
“cosmeticamente domesticados” eclesial atualizada, interdis-
no decorrer da história, há alguns ciplinar, intercultural, inter-
tubarões predadores sorrateiros congregacional, intergeracio-
alojados nas profundezas de nos- nal, interinstitucional e não
sas concepções, estruturas e prá- personalizada, ignorando o
ticas cotidianas, formativas, reli- processo individual de cada
giosas, decisórias e pastorais. Há pessoa: sua história, idade,
tempo Jesus nos alertou: “Cui- necessidades, desejos, experi-
dado com os falsos profetas. Eles ências profissionais, saberes
vêm a vocês vestidos de peles de prévios, cultura, expe­riências;
ovelhas, mas por dentro são lobos
b) A indiferença por “surdez ou ce-
devoradores” (Mt 7,15).
gueiras intencionais” e o des-
À essa altura destas reflexões respeito às solicitações e justas
e análises certamente alguém necessidades específicas;
está se questionamento: Em meio
c) O minar e o não reconhecer os
a tantos emaranhados, por onde e
processos criativos e os diver-
como começar o exorcismo e a pre-
sos dons necessários ao bem
venção do clericalismo, das vio-
comum dinâmico e as perse-
lências e da diversidade de abu-
guições por ciúmes ou inveja;
sos? Irmãs e irmãos, revisitemos
nossa memória e jamais esqueça- d) O verticalismo decisório e as
mos que, todas as grandes reali- transferências autoritárias,
zações começaram com uma in- impositivas e não dialogais
e a tomada de decisões pela
maioria, assim abrindo bre- Pistas preventivas 43
chas para partidarismos,
ideologias dominantes e dis-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


Após elencar diversas práticas
putas de poder-domínio e de anti-sinodais, indicamos algumas
extermínio das expressões sugestões, que talvez possam pre-
minoritárias, porém não me- venir ou não reforçarem anti-si-
nos importantes; nodalidade:
e) Planejamentos inflexíveis, a. Deixar-se conduzir polo so-
que ignoram as necessidades, pro do Espírito Santo que
as experiências de vida, po- nos convida a um processo
tencialidades e as condições ininterrupto de conversão
das pessoas destinatárias; pessoal, pastoral, reforma
f) A não inclusão de pareceres estrutural e cultural de todos
dos/as Animadores/as Vo- os seguimentos da Igreja e
cacionais, Formadores/as e da VRC a partir da intimida-
Comunidades Formadoras de com Jesus Cristo, segundo
e Comunidades Eclesiais na seu mandato: “Permanecei
aprovação de formandos/as em mim” (Jo 15,4);
iniciais em relação à mudan- b. Acolher a diversidade dos
ça de etapas ou para admis- dons (Cf. 1 Cor 12, 4-7) e a ri-
são aos votos e ordenações; queza das culturas;
g) Humilhações, xingamentos, c. Incentivar e promover a cor-
apelidos ferinos, compara- responsabilidade na diversi-
ções negativas, desprezos; dade de atividades congrega-
h) Discriminações com base na cionais e apostólicas;
nacionalidade, contexto cul- d. Impulsionar o trilhar caminhos
tural, etnia, gênero, fator de conhecimento mútuo e de
econômico e de origem, numa partilha em vista a uma vida
mescla de aporofobia, xenofo- em comum humanizadora;
bia, homofobia;
e. Desenvolver práticas de dis-
i) Manipulações e chantagens cernimento comunitário sob
emocionais através de indu- a liderança do Espírito Santo;
ções, pressões, intimidações, fa-
f. Adotar medidas preventivas
vores especiais e jogos afetivos;
às violências e abusos, assu-
j) Ausente ou insuficiente for- mindo efetivamente Protoco-
mação ética e legal a respeito los de Proteção de Crianças,
do uso dos MCS / tecnologia e Adolescentes e Pessoas em
responsabilidades legais.
44 condições de vulnerabilida- tão dilacerado como pessoas
de recomendado pelo Papa sinodais iluminadas pela fé
A VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA (VRC) NO ESTILO SINODAL FERIDA COM PRÁTICAS ANTI-SINODAIS

Francisco, colocando em ação cristã;


as orientações do Motu Pró- k. Fomentar a cultura do en-
prio sobre a proteção de me- contro e do acolhimento, do
nores e pessoas vulneráveis cuidado, do convívio e do bom
2019); trato por meio da escuta, di-
g. Fortalecer a corresponsabi- álogo, respeito, inclusão dos
lidade do cuidado humano, diferentes e das diferenças,
espiritual e pastoral enco- educando-nos para a sorori-
rajando e empoderando as dade e a fraternidade;
pessoas no seu processo de l. Rever e resignificar nossas
desenvolvimento integral e prioridades, ritmo e estilo
do serviço que é, “em grande de relações, organizações e
parte, cuidar da fragilidade” estruturas numa chave sino-
(FT, n. 115); dal;
hy. Estudar e zelar pela im- m. Potencializar todas as experi-
plementação de todas as con- ências sinodais já existentes
dutas propostas pelo Estatu- como capítulos locais e con-
to da Criança e do Adolescen- gregacionais, rotatividade
te (ECA) e pelo Estatuto da das funções, transferências
Pessoa Idosa em nossas co- dialogadas, discernimento
munidades religiosas e pas- comunitário, equipes inter-
torais; disciplinares, envolvendo lei-
i. Traçar caminhos viáveis que gos qualificados nas ativida-
favoreçam os processos de des congregacionais;
reconciliação, superação de n. Banir, consciente e intencio-
injustiças e de trincheiras, nalmente de nossas atitudes,
muros e divisões estéreis em comportamentos e práticas
vista à comunhão como uma de toda espécie e nível de ma-
força impulsionadora que ir- nutenção e “revência mórbi-
radia e transborda no teste- da e insana” ao clericalismo
munho os valores do Reino; laical, religioso e clerical;
j. Mergulhar na sociedade se- o. Escutar, discernir e agir pe-
cularizadamente plural e dagogicamente, como eterno
nas grandes mudanças cul- aprendizes, cônscios de que a
turais e multidinâmicas que vida discipular e missionária
perpassam o tecido social sofre numerosos e contínuos
impactos, nem sempre com- Elementos conclusivos 45
patíveis com os valores cris-
tãos e o estilo da VRC;

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


Considerando a sinodalidade
p. Tecer uma espiritualidade como um elemento determinan-
e uma cultura e práticas si- te das relações humanas huma-
nodais, a partir do discerni- nizadoras e reconhecedora da
mento pessoal e comunitário dignidade da pessoa imagem de
com a intencionalidade de Deus (CTI, 2004), com a mesma
oferecer processos formati- dignidade batismal, podemos
vos e pastorais adequados e afirmar que as práticas sinodais
condizentes às interpelações são inegáveis antídotos e preven-
e desafios dos tempos atuais; tivos eficazes a todas as formas e
q. Ampliar a consciência e as níveis de violências auto infligi-
formas de cuidado com a casa das, interpessoais, institucionais,
comum e com seus habitan- estruturais, culturais, sociais e
tes, especialmente, os que se sistêmicas.
encontram em condições de Inegavelmente, temos um lon-
vulnerabilidade, desenraiza- go caminho ainda a percorrermos,
dos, sem voz e sem vez; alimentando um ininterrupto iti-
r. Promover círculos de comu- nerário de conversão, pessoal,
nicações e de experiências si- comunitária, institucional, estru-
nodais viáveis; tural, eclesial, cultural e pastoral
centrados no seguimento discipu-
s. Oportunizar espaços seguros
lar e missionário de Jesus Cristo
e sãos, de convivência pacífi-
que nos agraciou com o mandato:
ca, objetivando o aumento da
“Todo aquele que quiser, entre
confiança, credibilidade ecle-
vós, fazer-se grande, que seja vos-
sial e religiosa e do vínculo de
so serviçal; e qualquer que, entre
pertença corresponsável;
vós, quiser ser o primeiro, que seja
t. Aprofundar as referências
vosso servo, bem como o Filho do
teológicas, espirituais e pas-
Homem não veio para ser servido,
torais que impulsionam o
mas para servir e para dar a sua
desdobramento do processo
vida em resgate de muitos.” (Mt
sinodal em nossas práticas
20, 26b).
cotidianas;
Não desanimemos, Irmãs e Ir-
u. Desnaturalizar o relativis-
mãos! prossigamos com confiança,
mo, as violências e os abusos
paciência, perseverança criativa,
diversos.
audácia e respeito aos diferentes
46 ritmos, cultivando a mentalidade a) “Permanecei no meu amor”
e o estilo sinodal com linguagem (Jo 15,9);
A VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA (VRC) NO ESTILO SINODAL FERIDA COM PRÁTICAS ANTI-SINODAIS

renovada e inculturada. A jorna- b) “Avancem para águas mais


da humana é um contínuo pro- profundas” (Lc 5,4);
cesso de conversões e aprendiza-
c) “Não temas, pois eu estou
gens sucessivas e sinuosas, entre
com você; não tenha medo,
ondas agradavelmente sonoras
pois eu sou o seu Desus. Eu
alternadas por ondas revoltas e
o fortalecerei e o ajudarei; eu
amedrontadoras do tecer históri-
o segurarei com a minha mão
co. Continuemos no empenho por
direita vitoriosa”. (Is 41,10).
assumirmos o estilo sinodal de
ser, realisticamente firmes, sem Alarguemos o espaço de nos-
desânimo, na esperança e no dina- sas tendas, estendamos bem suas
mismo do verbo esperançar, entre lonas, estiquemos suas cordas,
muitas feridas históricas abertas, firmemos suas estacas. (Is 54,2)
contradições, limites e contínuas lembrando-nos que “ninguém põe
interpelações socioculturais, mas remendo de pano novo em roupa
seguramente enxertadas/os em velha.” (Mt 9,16).
Jesus Cristo. Tomemos a sério os
seus mandatos:

Para conversar em comunidade:


1. Que práticas sinodais podemos assumir comunitariamente
para que haja mais acolhida, participação espontânea e entu-
siasmo em ser consagrada/o pela missão?
2. Em quais aspectos nossa organização comunitária e nossos
processos formativos favorecem a condição de vulnerabilidade
e atitudes passivas dos membros da comunidade e das/os for-
mandas/os?
3. Como podemos reconciliar dinamicamente a corresponsabili-
dade, a autoridade e a participação?
4. Como temos articulado a comunhão, a participação e a missão,
pilares do Sínodo, em nossos relacionamentos, organizações e
práticas cotidianas?
Referências 47

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


CELAM. Documento de Aparecida. São Paulo, Paulinas, 2007.
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL (CTI). Comunhão e serviço:
A pessoa humana criada à imagem de Deus. 2004. Disponível em: https://
www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_con_
cfaith_doc_20040723_communion-stewardship_po.html.
COMPÊNDIO DO CONCÍLIO VATICANO II. Constituições, Decretos, Decla-
rações. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
FRANCISCO Papa. Sinodalidade não é um slogan, significa essencialmente
"caminhar juntos". Vatican News, 2021.Disponível em: https://www.vati-
cannews.va/pt/papa/news/2021-09/papa-francisco-encontro-diocese-roma-
-sinodalidade.html Acesso em: 08 set. 2023.
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti. Carta Encíclica sobre a Fraternidade So-
cial e a Amizade Social. São Paulo, Paulinas, 2020.
FRANCISCO, Papa. Motu Próprio sobre a proteção de menores e pes-
soas vulneráveis. Roma, 26/03/2019. Disponível em: https://www.vatican.
va/content/francesco/pt/motu_proprio/documents/papa-francesco-motu-pro-
prio-20190326_latutela-deiminori.html.
FRANCISCO, Papa. Os leigos não são "hóspedes" em sua própria casa. O
clericalismo é uma praga. Vatican News, 13 de agosto de 2018. Disponí-
vel em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-02/papa-francisco-
-leigos-sinodalidade-corresponsabilidade-pastores.html. Acesso em: 08 set.
2023.
INSTRUMENTUM LABORIS do Sínodo para a Amazônia. Vaticano, 19 de
junho de 2019. Disponível em: http://secretariat.synod.va/content/sinodoa-
mazonico/pt/documentos/instrumentum-laboris-do-sinodo-amazonico.html
Acesso em: 01 set. 2023.
OLIVEIRA, Renato Alves. A Trindade como fundamento teológico da sinodali-
dade. ATeo, Rio de Janeiro, v. 26, n. 69, p. 248-279, jan./jun. 2022.
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CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA
EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

Pe. Vinícius Augusto Teixeira1

Resumo: Este artigo convida à redescoberta da centralidade de


Jesus Cristo como eixo norteador da vida da Igreja, critério deci-
sivo de seu processo de conversão e inspiração permanente de sua
missão em meio às crises e perplexidades do momento presente e
em todas as circunstâncias. Neste terreno, a Vida Consagrada de-
sempenha um papel fundamental, uma que se reconhece chamada
a semear vitalidade e esperança, testemunhando a fecundidade
e a radicalidade da sequela Christi como memória e profecia de
uma existência modelada pelos valores do Reino e iluminada pelo
Sentido derradeiro da história.
Palavras-chave: Jesus Cristo, Evangelho, Igreja, missão e
conversão.

Introdução por instabilidades, sobressaltos e


riscos os mais diversos. Enquanto
Em todas as épocas da histó- tal, a crise é uma realidade ine-
ria, a Igreja e a Vida Consagra- vitável. Importa saber como a as-
da atravessam vales tortuosos sumimos e a enfrentamos dentro
e noites escuras, caracterizados de cada circunstância em que nos

1
Presbítero da Congregação da Missão (Vicentinos ou Lazaristas). Endereço para con-
tato: viniciusaugustocm@gmail.com
50 toca viver e testemunhar o que Ocidente – pautando-se talvez em
somos chamados a ser. Em que alegorias e analogias provenien-
A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

ou em quem nos apoiamos? Quais tes do mundo grego, serviram-se


os princípios que nos orientam e da imagem da lua que recebe do
animam? Que valores interna- sol a luz que a faz resplandecer
lizamos e irradiamos? Onde se na escuridão da noite. Este é,
enraíza e se nutre a mística que pois, o assim denominado myste-
nos reúne e nos move? Partindo rium lunae. Na ótica dos Padres,
do chamado mysterium lunae, as realidades visíveis do sol e da
tematizado pelos Padres da Igre- lua foram criadas para exprimir
ja, queremos centrar-nos naqui- a realidade invisível da relação
lo que o cristianismo – e nele a intrínseca entre Jesus Cristo e a
Vida Consagrada – tem de mais Igreja. Com efeito, escreve Oríge-
essencial e determinante, de mais nes:
genuíno e revitalizador: a memo-
ria Iesu. Aí se encontra, de fato, a Como se diz do sol e da lua que
são os dois grandes luminares
experiência vital, o eixo norteador do firmamento do céu, assim
e a força motriz de todo processo também, para nós, Cristo e a
de conversão e reforma eclesial a Igreja (...). Como o sol e a lua
que nos convida o percurso sino- iluminam nossos corpos, assim
dal proposto pelo Papa Francisco. Cristo e a Igreja iluminam nos-
sas almas. (Homilias sobre o Gê-
nesis I, 7).
Mysterium lunae
A Igreja não tem luz própria.
Não se pode compreender a Sem a luz que procede de Jesus
Igreja – seu mistério, sua natu- Cristo, resta-lhe apenas a opaci-
reza, sua missão – a não ser me- dade de uma existência despro-
diante uma total e permanente vida de substância, significado e
referência a Jesus Cristo. A ela relevância. “Fulget Ecclesia non
se aplicam, de modo radical e de- suo sed Christi lumine”, escreve o
cisivo, as palavras do apóstolo: mesmo Ambrósio (Hexaemeron IV,
“Quanto ao fundamento, ninguém 2, 8). A missão da Igreja consiste
pode colocar outro diverso do que em iluminar e aquecer o mundo
foi posto: Jesus Cristo” (1Cor com a mesma luz que a ilumina e
3,11). Para expressar essa de- aquece por dentro. Por isso, cabe-
pendência da Igreja em relação a -lhe fazer-se sempre receptiva ao
Cristo, alguns Padres – a começar Sol que é Cristo, dado que sua ca-
de Orígenes (séc. III), no Oriente, pacidade de iluminar e aquecer
e de Santo Ambrósio (séc. IV), no deriva de seu estar voltada para
ele, de seu expor-se à luz que lhe çar o movimento e assim alcançar 51
vem de seu Senhor, de seu cons- o vértice da lua cheia, brilhando
tante confronto com a memoria no firmamento com todo fulgor

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


Iesu, cuja chave de compreensão recebido anteriormente do As-
se encontra no evento pascal, tes- tro Luminoso e transmitindo ao
temunhado pelos cristãos das ori- mundo a fecundidade que lhe vem
gens (cf. At 10,37-43; 2,32-36). de sua fonte. É, pois, da plenitude
Do ponto de vista astronômico, de Cristo que a Igreja recebe sua
a lua entra na fase chamada nova, graça e verdade (Jo 1,16).
a menos reluzente desde a pers- É ainda Santo Ambrósio quem
pectiva da Terra, precisamente sublinha a dialética entre o eclip-
quando se encontra mais próxima se da Igreja ou de seu escondi-
ao sol, quando mais estreitamen- mento em Cristo e a consequente
te se une a ele. Por outro lado, a irradiação de seu esplendor na
lua cheia, a que brilha com maior noite do mundo. Demos, pois, a
intensidade no firmamento, cor- palavra ao douto e zeloso bispo de
responde àquela fase em que a Milão:
lua se situa mais distante do sol,
deixando, portanto, a Terra mais A Igreja dirige do alto seus vis-
lumbres, muitas vezes se eclip-
exposta à sua luz e calor. Como sa e muitas vezes desponta
os Padres interpretam o escondi- como a lua, mas, em virtude de
mento da lua como imagem prefi- seus eclipses, cresceu e mereceu
gurativa da Igreja? Por que a lua engrandecer-se, encolhendo-se
nem sempre refulge, nem sempre pelas perseguições e sendo coro-
projeta sobre a terra a luz que lhe ada pelos testemunhos de seus
heróis da fé. Ela é a verdadeira
vem do sol? Por que, às vezes, a Lua, que da luz indefectível de
lua parece esmaecida, apagada seu Irmão [o Sol-Cristo] extrai a
ou morta? Chegamos, então, ao luz da imortalidade e da graça.
que H. Rahner (1900-1968) deno- A Igreja resplandece não por sua
minou o mistério da Chiesa mo- própria luz, mas pela de Cristo,
rente. Esta “morte” aparente ou e recebe seu esplendor do ‘Sol da
Justiça’, a ponto de poder dizer:
esta “obscuridade” da Igreja deve 'Já não sou eu quem vivo, mas é
sinalizar, na realidade, sua mais Cristo quem vive em mim' (He-
íntima união com o Senhor em xaemeron IV, 2, 8).
momentos de declínio, crise, sofri-
mento ou perseguição. E é desta Na escuridão da história, na
união vital e profunda, é desta noite do tempo, quando o mundo
conjunção com o Sol, que a Igreja parece rodeado de espessas nu-
pode haurir o vigor para recome- vens, a Igreja deve cintilar com a
52 luz recebida de seu Sol, circunda- realidade, não se eclipsa. Pode
da das estrelas que são os santos, esconder-se dos olhares, mas
A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

as testemunhas fiéis do Ressusci- não desaparece, porque – ainda


que seja verdade que, durante
tado (Ap 7,9-10). Mas esta luz a as perseguições, ela diminui –
Igreja só capta e reflete quando se porque alguém se separa dela,
oculta no sol que é Cristo, naque- isso acontece para que cresça
le que a faz fecunda e resplande- pelo testemunho dos mártires
cente, com a condição de que ela e, feita esplêndida pelas vitó-
se deixe interpelar e transformar rias daqueles que derramam o
sangue por Cristo, expanda por
pelo espírito de Jesus, desapare- todo o mundo um mais intenso
cendo para que ele transpareça clarão de piedade e de fé” (Hexa-
como “a luz do mundo” (Jo 8,12), emeron IV, 2, 9).
“a luz verdadeira que ilumina
todo homem” (Jo 1,9). Uma Igreja provada e ferida,
Com efeito, assim como, por cuja imagem se acha obscureci-
sua encarnação redentora e por da, encontra em tais circunstân-
sua morte de cruz, o Filho de cias uma oportunidade de haurir
Deus desceu ao mais profundo fecundidade, luz e calor de sua
abismo e à mais densa escuridão, imersão no mistério de Cristo, de
a fim de gerar a vida nova e dis- sua proximidade com o Sol que
sipar as trevas do mundo com a nasce do alto, de sua comunhão
aurora radiosa de sua glória e do total com seu Senhor, do abra-
fogo abrasador de seu Espírito, ço do Crucificado-Ressuscitado.
assim a Igreja (e nela cada um A razão de ser e atuar da Igreja,
de seus membros), no seguimen- sua identidade mais radical, não
to fiel de seu Senhor, enfrentando se robustece da genialidade de
provações e adversidades, é cha- seus mentores, nem das disposi-
mada a morrer nele e a ressusci- ções de seus hierarcas, nem das
tar com ele para a vida em pleni- invenções de seus artífices, nem
tude, experimentando a força re- tampouco se empalidece com as
generadora de seu amor esponsal, críticas de seus detratores, nem
participando intimamente de seu com as incoerências de seus mem-
mistério pascal e compartilhando bros. A fonte de sua luz é o Cristo,
seus frutos de salvação (Jo 12,24). aquele que a sustenta e impulsio-
Explica o mesmo Santo Ambrósio: na, fazendo-a luzir para a glória
de Deus e para o bem e a salva-
A Igreja tem também suas fases, ção do gênero humano e de toda
a da perseguição e a da tranqui- a criação (Mt 5,16). Importa, pois,
lidade. Com efeito, tal como a que a Igreja esteja sempre com
lua, parece eclipsar-se, mas, na
aquele que jamais deixa de estar Desde suas origens, o princípio 53
com ela, segundo sua promessa de atração e agregação da comuni-
(Mt 28,20). Então, de luna mo- dade cristã consiste em reconhe-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


rente, escondida com Cristo em cer como Senhor e Cristo aquele
Deus (Cl 3,3), fulgirá como luna Jesus de Nazaré que, enviado pelo
partoriente, porque feita capaz de Pai e ungido pelo Espírito, passou
gerar novos filhos, sempre aque- entre nós fazendo o bem, anun-
cida e iluminada pelo Sol eterno. ciando o Reino de Deus com obras
Da contemplação do mysterium e palavras, foi incompreendido,
lunae, depreende-se que, para perseguido e condenado injusta-
ser revitalizada em sua missão, mente, entregou sua vida em um
a Igreja precisa primeiro interio- gesto radical de amor e venceu o
rizar sua identidade no retorno mal e a morte com sua ressurrei-
ao essencial do Evangelho, isto ção. Nele e por ele, foi-nos dada a
é, no encontro com Jesus Cristo salvação (At 4,12). Com efeito, de-
e no confronto com sua memória pois da ressurreição, sob o impul-
salvadora, da qual foi constituída so do Espírito Santo, os discípulos
depositária, mensageira e refle- lançaram um olhar retrospecti-
xo. No fim dos tempos, lembram vo sobre o itinerário de Jesus de
ainda os Padres, tendo levado a Nazaré, recuperando, por assim
bom termo a missão que lhe in- dizer, tudo o que ele viveu, fez e
cumbe, a Igreja poderá então de- ensinou, desde a Galileia até Je-
saparecer, totalmente assunta no rusalém (At 10,37-43; 2,32-36; Jo
esplendor da glória eterna, já que 14,26). Tal memória, ao colocar
não lhe compete ser o termo últi- em evidência a relação ontológica
mo da história. Imersa, assim, na entre o Jesus histórico e o Cristo-
luz sem ocaso de seu Senhor, ela -Senhor, constitui o ponto de par-
será enfim a “lua radiante”. tida da fé professada pela Igreja e
o polo fundante e permanente da
O astro luminoso: vida cristã, de sua práxis, de seu
testemunho e de seu anúncio.
Jesus Cristo
Em síntese, a Igreja se iden-
Mas o que significa esta imer- tifica como a comunidade cons-
são da Igreja no mistério de Cris- tituída em torno da memória de
to? Como se efetua este seu “es- Jesus Cristo, o Crucificado-Res-
condimento” no Sol para fulgurar suscitado, que, depois de ter vi-
com a luz que lhe vem de seu vido sua particular história, vive
Mestre e Senhor? para sempre na glória e, por meio
54 de seu Espírito, acompanha, ilu- amor (Lc 9,28-36). Trata-se, pois,
mina e orienta a comunidade de de aprofundar na própria vida e
A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

seus discípulos de todos os tem- compartilhar com os irmãos a fas-


pos e lugares. O cristianismo é, cinante experiência de que Deus
pois, eminentemente anamnéti- é amor e nos chama à plena rea-
co: “Lembra-te de Jesus Cristo lização que só o amor aprendido
ressuscitado dentre os mortos...” de Jesus é capaz de proporcionar
(2Tm 2,8). Qualquer tradição que a quem nele permanece para pro-
se pretenda genuinamente cristã duzir frutos (1Jo 4,7-21; Jo 15,1-
precisa reportar-se a essa memó- 17). Não será demais recordar as
ria pascal, isto é, internalizar e palavras com que o Papa Bento
reavivar essa síntese originária e XVI sintetizou a perene novidade
primordial, na qual não há a me- do cristianismo:
nor cisão entre a historicidade de
Jesus de Nazaré – sua vida, con- Nós cremos no amor de Deus —
deste modo pode o cristão ex-
duta, mensagem, missão e morte primir a opção fundamental da
– e o senhorio do Cristo Ressus- sua vida. Ao início do ser cris-
citado. tão, não há uma decisão ética ou
Ontem e hoje, é do encontro uma grande ideia, mas o encon-
tro com um acontecimento, com
pessoal e comunitário com Je-
uma Pessoa que dá à vida um
sus Cristo vivo e atuante entre novo horizonte e, desta forma, o
os seus que nasce a disposição rumo decisivo. (Deus caritas est,
de segui-lo, de participar de sua n. 1).
vida, de deixar-se formar por sua
palavra e exemplo (discipulado) Eis aí, pois, o elemento cons-
e, assim, continuar sua obra de titutivo e basilar de toda a vida
amor, comunicando aos outros a cristã e, portanto, da identida-
alegria de tê-lo descoberto (mis- de da Igreja e de sua missão na
são) (Jo 1,35-44). Encontrar e se- história: receber de Cristo o amor
guir a Cristo, deixar-se encontrar que deve impregnar e configurar
por ele e responder ao convite que todas as suas ações e palavras,
ele nos dirige para acompanhá- opções e renúncias, estruturas e
-lo na semeadura do Reino impli- obras, iniciativas e projetos. Di-
ca testemunhá-lo com a verdade zia com acerto Santo Agostinho:
de uma existência transfigurada “Cristo é formado naquele que
pela contemplação de seu rosto, recebe a forma de Cristo. Recebe
com a retidão de uma consciência a forma de Cristo aquele que ade-
iluminada pela fé e a generosida- re a Cristo com amor espiritual.
de de um coração abrasado pelo Disto decorre que, imitando-o, se
torne o que ele é, na medida que da pelas tradições que a consig- 55
lhe é possível” (Comentário sobre naram e transmitiram, tal como
a Carta aos Gálatas, n. 37). Tra- a descobrimos nos evangelhos:

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


ta-se, portanto, não apenas de um a vida inteiramente doada de
princípio originante, historica- Jesus, seu ser para o Pai e para
mente situado, mas sobretudo de os irmãos, sua cotidianidade em
um princípio identitário, que se Nazaré, seu estilo despojado de
afirma como luz para ver, critério honras e privilégios, seu profetis-
para julgar e inspiração para agir. mo missionário na Galileia, seu
Isso quer dizer que o ser cris- recolhimento orante no alto da
tão – por seu próprio enraizamen- montanha, sua convivialidade em
to na história de um homem no Betânia, sua opção fundamental
qual Deus se revela e que se re- pelo Reino, sua gratuidade no ser-
vela como Deus – nutre-se de um vir, sua predileção pelos pobres,
evento fundador que se faz me- sua compaixão pelos sofredores,
mória perene e implicativa, capaz sua misericórdia para com os pe-
de reler o passado do Nazareno à cadores, sua entrega na cruz, sua
luz do evento pascal, encorajar o ressurreição, o dom do Espírito...
presente daqueles que o seguem A essa sua forma de existência,
e descortinar o futuro que o Res- ao seu mistério e ministério, Je-
suscitado nos abriu como autor e sus associa seus discípulos de
realizador de nossa fé (Hb 12,2). modo muito estreito, tornando-os
A memoria Iesu manifesta, então, seus continuadores e herdeiros
seu caráter performativo, por- de sua filiação divina (Mc 6,8-11;
que modela a existência cristã e Mt 10,5-15; Lc 9,2-5; 10,2-12; Jo
impulsiona seu testemunho, um 20,17; Rm 8,16-17).
testemunho que é, na realidade, Por conseguinte, como deposi-
transparência e irradiação da tários da memoria Iesu, os cristãos
verdade do Evangelho, acolhida e de todos os tempos se reconhecem
vivida por quem se deixou seduzir chamados a viver segundo o estilo
e alcançar por Cristo e dele rece- de vida de Jesus de Nazaré confes-
be a luz que se difunde em suas sado como o Cristo (At 10,37-43).
obras, gestos e palavras, no dom Isso implica fazer memória do ca-
total de uma vida descentrada de minho percorrido por Jesus com
si mesma e livremente doada aos seus discípulos, sem falsificar sua
outros. pessoa, nem atenuar as exigên-
A memoria Iesu se apresen- cias de seu projeto, procurando
ta, portanto, como anamnesis da imbuir-se de seus sentimentos e
história do Filho de Deus narra- atitudes mais profundos (Fl 2,5).
56 Nisto consiste o seguimento de corresponder à sua altíssima vo-
Jesus: acompanhar seus passos, cação” (GS, n. 10).
A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

deixar-se fascinar e mover pelo Assim, manter viva e palpi-


projeto que decorre de sua prá- tante a memória de Jesus não se
xis e de sua pregação, no espírito restringe a uma confissão doutri-
das bem-aventuranças; aprender nal, nem a um conhecimento me-
de sua confiança indeclinável no ramente teórico de seu percurso
amor do Pai em todas as circuns- histórico, nem a uma emotividade
tâncias da vida, nas manhãs en- superficial e momentânea, nem
solaradas e nas noites escuras, a uma volta melancólica a um
nas consolações e desolações de passado sepultado nas areias do
seu caminho de doação e serviço; tempo. Trata-se de uma adesão
acolher com gratidão e reverência total e empenhativa, um livre as-
filial o Deus que se revela em Je- sentimento da inteligência e do
sus como o Deus conosco e para coração para viver segundo seu
nós, o Pai bondoso e compassivo, Evangelho, ou seja, de acordo com
o Criador amigo da vida, sempre a boa notícia que se irradia de sua
voltado para suas criaturas; car- vida e do que ela nos revela a res-
regar a cruz no caminho traçado peito de Deus e do ser humano.
pelo Mestre, arcando com as con- Trata-se, portanto, de deixar que
sequências da paixão pela justiça “Cristo habite pela fé em vossos
e pela verdade, do empenho pela corações e que sejais arraigados
fraternidade e pela paz, da defesa e fundados no amor” (Ef 3,17).
dos indefesos e maltratados; crer, Dito de outro modo, a memória do
enfim, que Jesus vive para sem- Salvador tem para seus discípu-
pre e é o fundamento de nossa es- los força indicativa: aponta para
perança, já que, no Ressuscitado, o sentido da vida e abre o cami-
foi potencialmente vencida toda nho que a ele conduz; força orde-
negatividade do coração humano nadora: estabelece uma escala de
e do mundo e foi-nos assegurado valores sobre os quais alicerçar a
o futuro promissor da eternidade. existência; força transformadora:
Em Cristo, enfim, o ser humano forja nossa humanidade, colocan-
descobre sua máxima realização, do em evidência a bondade e a be-
como recordou o Vaticano II: “A leza de que ela é portadora; força
Igreja acredita que Jesus Cristo, educativa: instrui-nos no amor
morto e ressuscitado por todos, que deve pautar nossas relações e
oferece aos homens por seu Espí- ações; força persuasiva: convence-
rito a luz e a força para poderem -nos da verdade sobre Deus e so-
bre o ser humano e convida-nos a uma crise benfazeja, entendida 57
abraçar o dom da filiação e o de- como apelo à conversão, ao des-
safio da fraternidade. centramento de si e ao crescimen-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


Sem uma permanente referên- to contínuo. Resta, pois, à Igreja
cia à pessoa de Jesus de Nazaré, o expor-se sempre mais a essa me-
Cristo, a Igreja não pode subsistir mória e examinar-se à sua luz, de
enquanto tal. Para a comunidade modo a mantê-la sempre pujante
eclesial – nascida do coração do em seu interior e testemunhá-la
Crucificado-Ressuscitado e reu- de modo convicto e convincente
nida pelo Espírito que a edifica dentro dos diferentes contextos
– manter desperta a memória de em que sua missão se desenvolve.
Jesus corresponde a uma necessi- De sua fidelidade à memória de
dade vital e a uma tarefa inego- Jesus, à sua forma vitae, e de sua
ciável, sem a qual sua identidade inserção criativa nas realidades
se diluiria até desaparecer como humanas e históricas, depende-
o orvalho da manhã, restando-lhe rão a coerência e a credibilidade
apenas uma sobrevivência artifi- da Igreja em face do mundo con-
cial, estéril ou vegetativa, ainda temporâneo. Vale, pois, ter pre-
que encoberta por invólucros ide- sente aquilo que escreveu Dom
ológicos, aparatos triunfalistas, Tonino Bello (1935-1993), pastor
discursos grandiloquentes ou efi- da Igreja servidora, a Igreja do
cientes estratégias organizativas. avental, como ele gostava de di-
Com efeito, nada disso serve de zer, ao sublinhar a necessidade
critério definitivo de fidelidade de uma profunda e constante re-
evangélica. Como escreveu Con- lação com Cristo como condição
gar (1904-1995), importa “revisar de possibilidade e de fertilidade
as formas concretas da existência da caridade pastoral e do ardor
eclesial por meio de um retorno missionário:
integral ao Evangelho”.
Em primeiro lugar, não somos
Por tudo isso, a memoria Iesu nós que levamos Cristo em nós,
é o Sol que ilumina a Lua-Igreja, é Cristo quem nos leva em si”.
é seu maior patrimônio, seu prin- Daí a urgência de “abandonar-
cípio unificador, é a realidade que -se inteiramente a Jesus Cristo
para anunciar verdadeiramente
a inspira e interpela sem cessar,
o Reino nas estradas do mundo.
apresentando-se não raro como (p. 33.44).
uma “memória perigosa” (Metz) e
desencadeando em seus membros
58 O astro iluminado: a Igreja minho de sua plenitude. O Vatica-
no II, na Constituição dogmática
A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

Em todas as fases da história Lumen Gentium, fez-se arauto


da Igreja, particularmente nesta dessa visão eclesiológica:
que nos toca viver – marcada por
A Igreja ‘prossegue sua peregri-
tantas rupturas e esgarçamentos nação no meio das perseguições
no tecido eclesial, por polarizações do mundo e das consolações de
exasperadas, oposições infunda- Deus’ (Santo Agostinho), anun-
das, posturas entrincheiradas, ciando a cruz e a morte do Se-
abusos intoleráveis e, acima de nhor até que ele venha (cf. 1Cor
11,26). Mas é robustecida pela
tudo, pela crise de fé que se acha
força do Senhor ressuscitado, de
na origem, no meio e no termo modo a vencer, pela paciência e
de todos esses fenômenos – não pela caridade, suas aflições e di-
podemos prescindir de uma pro- ficuldades tanto internas como
funda imersão no mysterium ec- externas, e a revelar, velada
clesiae, cujo centro dinamizador é mas fielmente, seu mistério, até
Jesus Cristo. Tal imersão não nos que por fim se manifeste em ple-
na luz. (n. 8).
permitirá reduzir a Igreja a uma
mera instituição religiosa e ainda A figura patrística do myste-
menos a uma estrutura social ou rium lunae (ou da “luz ilumina-
a uma organização qualquer. da”, como escreve H. de Lubac)
Ao contrário, à luz do misté- firma-nos na certeza de que a
rio de Cristo que a faz viver, ha- Igreja não pode subsistir sem
veremos de compreender a Igre- uma comunhão vital com Jesus
ja como aquilo que ela é em sua Cristo, revelador do Pai e doador
natureza mais íntima e em sua do Espírito, de quem recebe tudo
manifestação mais genuína: ícone o que é chamada a viver e ofere-
da Trindade Santa, “povo reunido cer: a santidade de sua vida, a
em virtude da unidade do Pai, do caridade de suas obras, a auten-
Filho e do Espírito Santo” (São ticidade de seu testemunho, o
Cipriano. De orat. Dom., 23), as- ardor de sua missão, o conteúdo
sembleia (ecclesia) dos que foram de sua pregação, etc. Sem imer-
chamados a constituir o povo de são no mistério de Cristo e sem
Deus, no seguimento de Jesus o contínuo aprofundamento de
Cristo, conduzidos pelo Espírito sua memória, a Igreja se eclipsa
que estabelece a unidade na di- interiormente, encoberta e obs-
versidade e arroja a missão de curecida pelas densas névoas das
fazer germinar as sementes do cisões e contradições, infidelida-
Reino nos sulcos da história, a ca- des e crises que se instalam em
seu interior, em razão tanto de chamados a uma adesão convic- 59
possíveis procedimentos escusos ta e apaixonada a Jesus Cristo
por parte de seus membros quan- para deixar-nos formar, reformar

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


to de perseguições e hostilidades e aperfeiçoar por ele, medida do
que lhe são impostas de fora. Os homem novo (Ef 4,13), sem o qual
santos – desde os mais contem- nada podemos fazer (Jo 15,5). E,
plativos até os mais apostólicos embora teoricamente convencidos
– dão testemunho dessa absoluta dessa verdade, jamais poderemos
primazia da memoria Iesu e mui- dá-la por descontada em nossa
tos souberam exprimi-la de modo vida diária. A centralidade de
lapidar. Bastaria cita o belo hino Jesus Cristo não é simplesmen-
“Iesus dulcis memoria”, inspirado te uma premissa essencial ou um
em São Bernardo (+1153), ou a preceito doutrinal, mas sim uma
“intima cognitio Jesu Christi”, de busca crucial e um princípio per-
que fala Santo Inácio (+1556) em formativo, mesmo quando não há
seus Exercícios (n. 232), ou ainda nada de novo e de surpreendente
o “Ressouvenez-vous que nous vi- para dizer sobre o tema.
vons en Jésus-Christ…”, que São Por isso, para pensar a Igreja
Vicente de Paulo (+1660) endere- e colaborar com sua desejada re-
ça a seus Missionários (SV I, 295). forma ou em seu processo contí-
Só quando se deixa iluminar e nuo de conversão (ecclesia semper
interpelar por Cristo, pode a Igre- reformanda), é necessário partir
ja iluminar e interpelar o mundo de uma radical e vigorosa experi-
no qual está inserida, com o qual ência de fé, cujo eixo é o encontro
se faz solidária e ao qual deve com Jesus Cristo, aprofundado
anunciar as insondáveis riquezas na escuta da Palavra e na vivên-
do Evangelho para humanizá-lo cia eucarística, isto é, no perscru-
em profundidade. Cabe-lhe, pois, tar e celebrar sua memória que
fazer sua a contundente afirma- estabelece o vínculo da caridade
ção do apóstolo: “Para mim, o vi- entre aqueles que formam seu
ver é Cristo” (Fl 1,21). E, quando corpo. Trata-se, pois, de voltar a
nos referimos à Igreja, estamos Jesus para revitalizar o “senti-
falando de cada diocese, paró- do espiritual da Igreja”. De fato,
quia, comunidade, bem como de como esclarece M. Kehl, sem esse
cada um de nós batizados, qual- sentido espiritual – que abarca o
quer que seja a vocação específi- “fenômeno-Igreja” com suas luzes
ca que tenhamos abraçado [mi- e sombras mediante uma visão
nistros ordenados, consagrados/ de fé – ficaremos sempre em um
as, leigos/as], porque todos somos nível superficial de compreensão
60 da identidade da Igreja e não dis- Uma Igreja centrada em Jesus
poremos de vitalidade suficien- Cristo, voltada para o mundo e
A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

te para colaborar de modo mais fiel à sua missão de evangelizar


efetivo no processo contínuo de é, consequentemente, uma Igreja
recriação de suas estruturas e descentrada de si mesma, menos
posturas. Muito antes, Romano preocupada com a manutenção de
Guardini (1885-1968) já havia ad- suas estruturas e mais empenha-
vertido: “A Igreja vive no tempo, da em fazer-se “samaritana da
desenvolve-se e muda como to- humanidade”, como seu Mestre e
das as realidades vivas. Contudo, Senhor. Isso, por um lado, implica
em sua realidade mais profunda, vencer as tentações da autorrefe-
é sempre a mesma e seu núcleo rencialidade, da autossuficiência,
mais íntimo é Cristo”. da acomodação, do carreirismo,
Fora do terreno e do horizonte do clericalismo, do mundanismo
da fé, aquilo que se pretende como espiritual, como nos tem exorta-
uma justa e urgente reforma não do o Papa Francisco. Por outro
passará de uma recauchutagem lado, requer também um renova-
de escassa confiabilidade e o que do esforço de coerência, integri-
se desejaria como uma conversão dade, lisura e retidão em todos os
profunda não será mais do que um procedimentos, como também de
verniz que, embora melhorando uma postura compassiva, gene-
a aparência, não atinge o âmago, rosa, solícita e gratuita em face
não toca a consciência, não desce dos dramas, indigências e sofri-
ao coração, não questiona a condu- mentos vividos pelas pessoas, es-
ta, não ordena a escala de valores, pecialmente por aquelas que têm
não transforma a crise em opor- sua dignidade relegada e sua vida
tunidade e não instaura um novo maltratada. Só assim, a Igreja po-
modo de viver, de fazer-se presen- derá apresentar-se como transpa-
te e de atuar segundo o estilo de rência e irradiação da luz de Cris-
Jesus tal como nos mostram os to em meio às noites escuras da
evangelhos. Em outros termos, “só história, neste tempo de crescente
a redescoberta do profundo, com irrelevância das instituições reli-
uma decisiva recuperação da vida giosas, no qual o espectro cultural
interior e dos valores que a acom- da fé cristã, que antes possibilita-
panham, dará às nossas Igrejas os va sua difusão, já não se mostra
traços dos ícones: janelas do eterno tão evidente e abrangente como
abertas para a história” (BELLO, antes.
2018, p. 37).
Como temos afirmado insis- namismo da psicologia humana e 61
tentemente, tudo isso requer o de suas interações. Em um pas-
deixar-se iluminar pelo Sol que é sado mais remoto, vigorava uma

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


Cristo, o constante retorno à ra- acentuação quase exclusiva sobre
dical novidade do Evangelho, o o aspecto individual da conversão.
fazer-se permeável às exigências Em tempos mais recentes, talvez
do seguimento, o confronto com a como reação à ênfase preceden-
memória do Crucificado-Ressus- te, prevaleceu (não raro de modo
citado. Ressoa aqui o contunden- unilateral) a insistência sobre a
te apelo dos cristãos da primeira conversão social e estrutural. O
hora, em um contexto de grandes pontificado atual nos tem recor-
desafios e adversidades: “Corra- dado a importância de encontrar
mos com perseverança para o cer- o justo equilíbrio, de tal modo que
tame que nos é proposto, com os um polo sempre remeta ao outro,
olhos fixos naquele que é o autor posto que, como recordou o Papa
e realizador da fé, Jesus Cristo” em sua primeira entrevista de
(Hb 12,1-2). É, com efeito, a partir longo fôlego (19/8/2013), “as refor-
da interiorização desse princípio mas organizativas e estruturais
dinâmico e performativo da vida são secundárias, isto é, vêm de-
da Igreja que se efetivam e con- pois. A primeira reforma deve ser
solidam a conversão, a comunhão a da atitude” (note-se que o termo
e a missão que perfazem o itine- secundária, tal como empregado
rário da Sinodalidade em franca aqui, de modo algum denota me-
atuação. nor importância).
Do contrário, trancafiados em
Conclusão: conversão um individualismo cerrado e inó-
e missão cuo ou dispersos em um coletivis-
mo sem rostos, sem nomes e sem
A reforma eclesial a que o Papa consistência, corremos o risco de
nos convoca deve começar por contentar-nos com estereótipos e
cada pessoa e comunidade. Não chavões, sem avançar, ainda que
pode haver conversão pastoral, a pequenos passos, na direção de
institucional ou estrutural sem uma conversão profunda, veraz e
conversão pessoal e comunitária. frutuosa, que se vai ampliando e
O Documento de Puebla (1979) estendendo como círculos concên-
colocou em evidência essa dialéti- tricos emanados de uma experi-
ca (n. 281). Trata-se, com efeito, ência vital de encontro com Jesus
de uma hierarquia inscrita no di- Cristo, de uma opção fundamen-
62 tal pelo Reino, capaz de influir e giante e provocativa, servindo-
transformar a pessoa, a comuni- -nos de uma linguagem adequada
A MEMORIA IESU: O SOL DA IGREJA EM TEMPOS DE CRISE E SEMPRE

dade, a Igreja e a sociedade. e compreensível, mas, acima de


Compenetrando-nos dessa tudo, com o testemunho da cari-
dialética da conversão integral, dade, concretizado na atenção aos
mediante a prática do discerni- mais vulneráveis e na proteção da
mento, haveremos de assimilar Casa Comum, em um estilo ecle-
e desenvolver as linhas mestras sial acolhedor e serviçal, menos
da reforma proposta pelo Papa burocrático e mais compassivo.
como balizas de grande ressonân- Contudo, nada disso será possível
cia evangélica, de tal modo que o se não palpita em nosso interior
mundanismo dê lugar à coerên- uma sempre renovada adesão a
cia que se alimenta de uma vida Jesus Cristo, Sol que não declina,
espiritual profunda, a autorrefe- o único que ilumina e aquece sua
rencialidade se dilua na cultura Igreja. As palavras do Papa Fran-
do encontro e na amizade social, cisco não deixam a menor mar-
o carreirismo e o autoritarismo gem à dúvida:
sejam suplantados pelo espírito
A primeira motivação para evan-
sinodal de comunhão e partici- gelizar é o amor que recebemos
pação, a acomodação e o imobi- de Jesus, aquela experiência de
lismo, por uma renovada paixão sermos salvos por ele que nos
missionária. Desse modo, deixan- impele a amá-lo cada vez mais.
Com efeito, um amor que não
do suas fortalezas de segurança
sentisse a necessidade de falar
e conforto, a Igreja (que somos da pessoa amada, de apresentá-
nós mesmos!) poderá sair pelos -la, de torná-la conhe­cida, que
caminhos acidentados que levam amor seria? Se não sentimos
de Jerusalém a Jericó (Lc 10,33- o desejo intenso de comunicar
Jesus, precisamos de nos deter
37), onde se encontram os caídos em oração para pedir-lhe que
e machucados pelo egoísmo, pela volte a cativar-nos. Precisamos
indiferença e pela injustiça, a fim implorá-lo cada dia, pedir sua
de oferecer-lhes o bálsamo da mi- graça para que abra nosso co-
sericórdia, a montaria do cuidado ração frio e sacuda nossa vida
tíbia e superficial (...). Por isso,
integral e a hospitalidade que a é urgente recuperar um espírito
dignidade humana requer para contemplativo, que nos permita
manter-se de pé. redescobrir, cada dia, que somos
depositários de um bem que hu-
Assim, ser-nos-á dado irradiar
maniza, que ajuda a levar uma
a luz de Cristo, ou seja, trans- vida nova. Não há nada de me-
mitir a memoria Iesu de forma lhor para transmitir aos outros.
significativa e relevante, conta- (EG, n. 264).
63
Para conversar em comunidade:

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1. Como se deve entender e aplicar a centralidade de Jesus Cristo
na vida e na missão da Igreja?
2. Qual a contribuição que a Vida Consagrada pode oferecer para
manter sempre viva e palpitante a memoria Iesu no seio da
Igreja?
3. Como se articulam a vivência e a transmissão da fé, a conver-
são e a caridade em nossos dias?

Referências
BELLO, Tonino. Con Cristo sulle strade del mondo. Trentuno meditazioni
per una Chiesa in missione. Milano: San Paolo, 2018.
BENTO XVI, Papa. Deus caritas est. Carta Encíclica sobre o amor cristão.
São Paulo: Paulus, 2005.
CAPIZZI, Nunzio. «La memoria Jesu, principio e ΚΡΙΣΙΣ della Chiesa». Syna-
xis XV/1 (2007), pp. 7-28.
FRANCISCO, Papa.. Evangelii gaudium. Exortação Apostólica sobre a
evangelização no mundo atual. São Paulo, Paulinas, 2013.
HURTADO, Manuel. Crer em Jesus Cristo hoje. Vida Pastoral, São Paulo,
ano 53, n. 284, maio-junho 2012.
KEHL, Medard. Dove va la Chiesa? Una diagnosi del nostro tempo. Brescia:
Queriniana, 1998.
RAHNER, Hugo. Simboli della Chiesa: l’ecclesiologia dei Padri. Milano:
San Paolo, 1995.
65

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


A CRISE NA FORMAÇÃO DA VIDA
RELIGIOSA CONSAGRADA
Cleyson Fellipe1

Resumo: O presente artigo busca refletir sobre a “atual” crise


na formação das novas gerações na Vida Religiosa Consagrada.
É uma crise interna, resultado das fragilidades presentes no
processo formativo dos/as novos/as religiosos/as. Há uma urgente
necessidade de um retorno a Cristo, de uma formação que tenha
como meta a conformidade da vida do/a formando/a com a vida
de Jesus. Para isso, é preciso, pessoas maduras humanamente
e espiritualmente, para acompanharem vocacionalmente os/as
jovens que estão nas etapas iniciais e os/as já consagrados/as. Um
dos fatores geradores de crises, é o desafio em encontrar consagra-
dos/as qualificados para assumirem a missão de formador/a nas
comunidades formativas, por vezes, corre-se o risco de improvisá-
-los/as, o que de modo algum é aconselhável. O artigo foi dividido
em três itens, a saber: O encontro com Cristo e a configuração a
Ele, A Vida Religiosa Consagrada como caminho de configura-
ção a Cristo, A necessidade de relações sadias e a formação de
formadores na VRC. Para ajudar na reflexão, foram utilizados,
além das Sagradas Escrituras, alguns dos documentos da Igreja;
no tocante ao processo formativo na VRC e, alguns escritos de
teólogos renomados na área como o Pe. Lourenço Kearns e o Pe.
Jaldemir Vitório. O referente artigo não tem intenção de esgotar
os assuntos abordados, mas de propor uma séria reflexão sobre
o tema discutido.
Palavras-chave: crise, vida religiosa, configuração, formação,
formadores.

1
Religioso Salesiano de Dom Bosco. Licenciado em Filosofia e Pedagogia. Endereço
para contato: cleysonfellipe2013@gmail.com
66 Introdução formar alguém, sobretudo, numa
sociedade plural e tão diversifi-
A CRISE NA FORMAÇÃO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

A Vida Religiosa Consagrada é cada como a que estamos vivendo


um dom do Espírito Santo para à atualmente. Entretanto, existem
Igreja de Jesus e para a socieda- valores dos quais não temos o
de. São homens e mulheres que direito de abrir mão, pois não se
apostam suas vidas no anúncio do forma simplesmente para o Insti-
Evangelho, através de diversas tuto ou para Igreja, forma-se para
frentes de evangelização e na vi- o Reino. Quem exerce tais funções
vência de distintos carismas e es- nas Congregações e comunidades,
piritualidades. Além do mais, são nunca poderia esquecer, que an-
pessoas apaixonadas por Cristo, tes de qualquer coisa, é necessá-
Ele é a causa, ou melhor, Ele é a rio levar o formando e a forman-
única causa que faz valer a pena da, a uma profunda experiência
uma entrega total e definitiva da de fé com a pessoa de Jesus.
própria vida.
Queremos neste breve artigo O encontro com Cristo
abordar situações que põem em e a configuração a Ele
crise o processo formativo dos
religiosos e das religiosas. O ob- A experiência de encontrar
jetivo disto, é levar-nos a uma Jesus, não é só requisito para os
reflexão sempre mais profunda religiosos e religiosas, mas para
das nossas ações e dos impactos todo cristão. A vida cristã nas-
causados na vida da Igreja e da ce e se fortalece na relação com
sociedade. O Senhor nos chama o Senhor. São Marcos, no evan-
para vivermos com autenticida- gelho que escreveu, afirma-nos
de nossa consagração religiosa, que Jesus chamou os seus “para
não obstante, nossas fragilidades que ficassem com ele” (Mc 3,14).
humanas e contradições. Contu- Esta deve ser a primeira atitude
do, é aqui, que Ele espera nossa de alguém que se decide por Cris-
resposta de amor e o nosso desejo to, a saber: querer viver com Ele.
sincero de trilharmos constante- Isto não é uma utopia ou simples-
mente o caminho de conversão, mente uma proposta romântica –
proposto para todos que querem sentimental. É bem mais! É uma
ser discípulos seus. decisão que implica doação de si,
É sabido da grande responsa- conformidade da vida do discípulo
bilidade que têm os formadores e com a do Mestre. Caso contrário,
formadoras, nunca foi tarefa fácil não passaremos de meros propa-
gadores da fé ou de um carisma
e espiritualidade. Será que o Se- nos dizer: “vai, vende o que tens, 67
nhor precisa disto? Antes, não é o dá aos pobres e terás um tesouro
nosso coração que Ele deseja? no céu. Depois, vem e segue-me”

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


Ainda no evangelho segundo (v.21). O que quer Jesus, acima
Marcos, nos foi narrado o encon- de tudo? Que fiquemos com Ele,
tro de Jesus com o homem rico que tenhamos a coragem de arris-
(Mc 10,17-23). O primeiro aspec- car tudo o que temos e somos por
to a ser observado é que Jesus amor a Ele. Este é o desafio diário
estava a caminho de Jerusalém. da vida cristã e, por sua vez, da
Aproximava-se o momento mais Vida Religiosa Consagrada.
angustiante de sua vida: a hora O encontro com Jesus, nos de-
da paixão. Esta é também a hora sinstala, quebra as nossas per-
de todo aquele que se decide por nas, nossas falsas seguranças,
Cristo. Um cristianismo que não Tira-nos da ilusão de nos achar-
tenha a coragem de abraçar a mos autossuficientes, senhores
cruz, não tem razão de ser. Sabe- de nós mesmos e daquilo que fa-
mos o quanto é difícil aceitar às zemos com a nossa vida. Não é
cruzes que nos são impostas ao fácil ser cristão, não é fácil ser
longo da vida. Estamos sempre um religioso/a consagrado/a. Ou
diante da tentação de buscar o damos tudo a Ele ou não damos
que nos é mais confortável, colo- nada. E é justamente quando o
cando em xeque a nossa identida- colocamos como centro da nossa
de religiosa. vida, que poderemos amar de ver-
Foi neste caminho que apare- dade às pessoas. Disse-nos o Papa
ceu um homem, que humildemen- Francisco, no Congresso Interna-
te ajoelhou-se diante de Jesus e cional de Catequese: “quem colo-
perguntou: “Bom Mestre que fa- ca Cristo no centro da sua vida
rei para herdar a vida eterna?” descentraliza-se! Quanto mais
(v.18). É interessante notarmos te unes a Jesus e ele se torna o
o verbo utilizado na pergunta, centro da tua vida, tanto mais ele
fazer, “que farei?”. A resposta de te faz sair de ti mesmo, te descen-
Jesus foi além do nível do fazer. traliza e abre aos outros” (FRAN-
Ele não descarta nossas ações, CISCO, 2013). Ser cristão é ter
pois sabe que por trás delas, exis- feito a experiência do encontro
te o nosso desejo de vida eterna. com o Senhor e, só quem o encon-
Contudo, Ele quer bem mais do trou na verdade do seu coração,
que as nossas obras, por isso, Ele foi capaz de comprometer-se com
nos olha com amor, para depois a proposta do Reino.
68 A Vida Religiosa Consagrada zes tenho a impressão de que al-
como caminho de guns religiosos/as não acreditam
A CRISE NA FORMAÇÃO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

que o céu seja uma realidade, pois


configuração a Cristo vivem de um modo tão superficial
que se tornaram incapazes de re-
A Vida Religiosa Consagrada, conhecer o Primado do Absoluto
nada mais é, do que um caminho como condição fundante da consa-
de configuração a Cristo. No qual, gração religiosa.
todos os dias somos chamados/as
No processo formativo, por ve-
a conversão: “Uma conversão que
zes, nos deparamos com forma-
seja sadia e evangélica, que tenha
dores/as desanimados/as espiri-
a pessoa de Jesus Cristo no cen-
tualmente; parecem cansados/as
tro, como modelo. Uma conversão
ou mesmo esgotados/as com as
que deixe espaço para o Espírito
inúmeras tarefas que lhes foram
Santo, para que ele possa indicar
incumbidas, para além do cuida-
as áreas necessárias da conver-
do com os formandos/as. Enquan-
são” (KEARNS, 1999, p. 27). Este
to isso, “vamos levando com a
processo se dá primeiramente na
barriga”, neste ínterim, perde-se
vida de cada consagrado/a e, em
o precioso tempo de ajudar os/as
um segundo momento, perpassa a
formandos/as a buscarem Cristo e
vida comunitária. Sem um proje-
colorarem Nele o sentido da vida.
to comum de seguimento a Jesus,
Assim, vamos nos preocupan-
a vida fraterna se tornará um in-
do com o que é periférico. É bem
ferno, pois cada um agirá confor-
verdade, que em tais contextos,
me suas próprias convicções.
podem existir formandos/as que
Uma das crises da formação na não cultivaram os valores da vida
Vida Religiosa Consagrada, é que espiritual, foram se acomodando
quase não se fala mais em conver- a realidade e puseram os interes-
são. A quem diga que seja um dis- ses pessoais acima de Cristo e do
curso ultrapassado e que a socie- Evangelho. Triste fim!
dade mudou. A sociedade pode até
Como poderemos falar de Cris-
ter mudado, mas os valores que
to sem antes experimentá-lo?
fundamentam a consagração re-
Como poderemos nos configurar a
ligiosa, permanecem os mesmos.
Ele, se o conhecemos apenas por
Pouco a pouco, fomos nos adap-
ouvir falar? É triste a realidade
tando a uma mentalidade autos-
de um consagrado/a que não viva
suficiente, como se não precisás-
diariamente em intimidade com o
semos de Deus e soubéssemos nos
Senhor. A vida consagrada se tor-
virar muito bem sem Ele. Às ve-
na um peso, portanto, começa-se O Decreto Perfectae Caritatis 69
a ir em busca de outras compen- lembra: “Os religiosos, portanto,
sações, para suprir o vazio inte- fiéis à profissão, deixando tudo

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


rior e a falta de sentido vocacio- por amor de Cristo (Mc 10,28),
nal. Quão desafiadora é a missão sigam-no (Mt 19,21) como úni-
dos formadores/as, não é mesmo? ca coisa necessária (Lc 10,42),
São chamados/as a colaborarem ouvindo Sua Palavra (Lc 10,39),
com o Espírito Santo, para fazer- solícitos das coisas que são d’Ele
-nos sempre mais homens e mu- (1Cor 7,32)” (PC, n. 5). Tudo o que
lheres apaixonados por Cristo e fazemos deve ser expressão da
pela sua proposta de salvação. E nossa conformidade com o Senhor
quando um formador/a não vive e com o seu Evangelho. Para o
uma profunda e autêntica intimi- Papa João Paulo II:
dade com o Senhor? A formação
se torna superficial, sem profun- As pessoas consagradas serão
missionárias, antes de mais,
didade espiritual, sem abertura aprofundando continuamente a
ao Espírito Santo... Então, para consciência de terem sido cha-
que servirá? Talvez, forme exce- madas e escolhidas por Deus,
lentes administradores; grandes para quem devem, por isso mes-
intelectuais; exímios pregadores, mo, orientar toda a sua vida e
mas não, discípulos de Cristo. O oferecer tudo o que são e pos-
suem, libertando-se dos obstá-
Padre Jaldemir Vitório, em seu li- culos que poderiam retardar a
vro: A formação na Vida Religiosa resposta total de amor. Dessa
Consagrada, ressaltou que forma, poderão tornar-se um
verdadeiro sinal de Cristo no
a formação na VRC deve se tor- mundo. Também o seu estilo de
nar mistagogia na medida em vida deve fazer transparecer o
que se configura como caminho ideal que professam, propondo-
de fé humanizadora, trilhado -se como sinal vivo de Deus e
como corpo apostólico, tendo como persuasiva pregação, ain-
a perfeição do Deus Trindade da que muitas vezes silenciosa,
como meta [...] Esta perspecti- do Evangelho (VC, n. 25).
va mistagógica serve de alicerce
para o processo formativo, em Para isso, os formadores(as)
todas as suas etapas. Quem se
também precisam acompanhar
dispõe a ajudar os irmãos nessa
caminhada assume a função de os/as formandos/as. Um acompa-
mistagogo, com todas as exigên- nhamento sério e personalizado.
cias de quem peregrina cada dia Escutando-os mais com o cora-
para Deus (2022, p. 42-43). ção do que com uma razão fria e
calculista. Cristo, serve-se dos
70 que escolheu para esta missão de humana entre às pessoas. Desde
acompanhar a formação, para que os primeiros anos da formação
A CRISE NA FORMAÇÃO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

o caminho de configuração a Ele inicial, somos incutidos/as numa


dos formandos/as na VRC, seja cultura do ir ao encontro dos/as ir-
pautado pelo diálogo fraterno; mãos/ãs, de nos fazermos presen-
pela sinceridade e honestidade tes na comunidade de um modo
por parte do acompanhante. Ne- afetivo e efetivo. Isto nos amadu-
cessitando também da abertura rece humanamente, nos dá condi-
e da docilidade do acompanhado. ções de termos mais empatia por
Sendo assim, o próprio discerni- aquele/a que parte o pão e senta
mento vocacional, se tornará mais conosco à mesa; abre o nosso cora-
evangélico; sem tantos desgastes ção para nos solidarizarmos com a
emocionais e espirituais. Quere- dor do irmão/a que sofre, livra-nos
mos uma VCR, formada sempre do individualismo e de nos achar-
mais, por pessoas maduras hu- mos autossuficientes.
manamente e espiritualmente; Entretanto, nas nossas comu-
por homens e mulheres genero- nidades também existem muitas
sos na sua resposta ao Senhor e relações doentias e, por vezes,
felizes pela vida que livremente contrárias ao Evangelho. Quanto
e conscientemente abraçaram: “o a formação, nem sempre é fácil
processo formativo só atinge seu construir relações sadias, sobre-
objetivo ao se configurar como tudo, quando se colocam “pes-
caminho para o Deus vivo e ver- soas doentes” responsáveis pela
dadeiro [...] Tanto formadores condução das vidas que ali estão.
quanto formandos deverão estar O pior é quando, além disso, são
convencidos dessa realidade” (VI- imaturas afetivamente, não for-
TORIO, 2022, p. 45). mam para o Reino, mas para os
seus interesses mesquinhos e
A necessidade de relações parciais. Subvertem-se valores
sadias e a formação de primordiais da consagração reli-
giosa. Por isso
formadores na VRC
quando se trata de pensar uma
O ser humano é essencialmen- pessoa a quem confiar o acom-
te ser em relação. É no contato panhamento das novas voca-
com o outro que também temos a ções, ter em mãos algumas pau-
tas pode ser de grande valia.
oportunidade de irmos nos conhe-
Em todo o caso, desaconselha-se
cendo, descobrindo nossas fragili- agir ‘ao deus-dará’, caindo na
dades e o nosso potencial. A VRC armadilha da improvisação (VI-
é mestra em favorecer a relação TORIO, 2022, p. 81).
É cada vez mais urgente, a 1. Testemunho de vida de oração 71
necessidade da preparação de ir- – Um religioso/a que desco-
mãos/as, para assumirem a mis- briu na relação com o Senhor

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


são de formadores/as. Esta es- a força movedora da sua con-
colha precisa ser feita de modo sagração. Por isso, não reza
responsável. Não se improvisa simplesmente para cumprir
formadores, antes, os forma; os um preceito, mas por ter con-
acompanha; os oferece condições vicção que é na oração que
para o seu próprio amadureci- ele/a encontra o dinamismo
mento humano e espiritual. In- da sua missão. Além do mais,
felizmente, nem sempre se levam sua vida é continuidade da
sua meditação, pois reza de
em conta estes fatores, o que tem
verdade, quem reza a própria
gerado inúmeros problemas em
vida e faz da vida uma conti-
algumas casas de formação. Asse-
nua oração;
gura-nos o Padre Vitório:
2. Capacidade de escuta e dis-
O atual cenário das congrega- cernimento - Um religioso/a
ções religiosas mostra-se pre- que saiba escutar, não ape-
ocupante quando se trata da nas com os ouvidos, mas so-
escolha de pessoas suficiente- bretudo, com o coração. Que
mente maduras a quem confiar
tenha capacidade de sofrer
a tarefa da formação das novas
vocações. A prudência recomen-
com o outro, de sentir a sua
da a não entregar os formandos dor e, assim, de ajudá-lo a
a pessoas desqualificadas (VI- discernir a vontade de Deus.
TORIO, 2022, p. 88. Basta de pessoas frias, amar-
guradas, cheias de si, dando
A escolha de religiosos/as para palpite em tudo e incapazes
assumirem a missão de formado- de parar para ouvir o irmão.
res nas casas de formação, não É necessário formadores/
deve ser baseada em critérios pes- as que no acompanhamento
soais, aqui, serve-nos, principal- vocacional saibam colocar à
mente, o Evangelho, as Constitui- margem seus preconceitos,
ções de cada Instituto e as diretri- suas percepções, suas empa-
zes da Igreja. Não temos dúvidas tias por uns e desprezos por
de que existem características outros;
que são fundamentais em alguém 3. Afabilidade no tratamento –
que acompanha os formandos/as. Religiosos/as que sejam cor-
Elencamos aqui algumas: diais, educados, de fino trato.
Que não sejam diplomatas,
meticulosos, escrupulosos,
72 homofóbicos etc. Que saibam tênticas, maduras. Não viemos
tratar os formandos como ir- para a VRC para sermos soltei-
A CRISE NA FORMAÇÃO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

mãos e, não, como seres infe- rões desiludidos com o amor, pelo
riores ou como animais que contrário, viemos para sermos fe-
precisam ser domesticados; cundos no testemunho da nossa
4. Coerência entre o que se diz consagração; decididos em amar
e o que se faz – Religiosos/ sem distinção e em acolher sem
as que tenham testemunho restrições.
e coerência de vida. Que não Nossas relações só serão sadias
sejam contraditórios entre e evangélicas quando forem refle-
o que dizem e o que fazem. xo da nossa relação com Cristo e
Que forme não apenas por do nosso compromisso de fé com o
suas palavras, mas em pri- Reino. Ele deve estar no centro do
meiro lugar, pela beleza da
coração de um consagrado/a, no
sua oferta diária ao Senhor,
centro das relações pessoais e co-
na simplicidade da vida; na
munitárias de nossas comunida-
alegria de quem tudo deu a
des, no centro da formação inicial
Cristo por amor; na radicali-
e permanente. Só assim, todos
dade evangélica e na compai-
nós, formandos/as e formadores/
xão pelos pobres;
as; seremos mais honestos/as com
Estas são algumas das ca- a nossa consagração religiosa; se-
racterísticas que esperamos en-
remos mais testemunhas da radi-
contrar nos formadores/as. Bem
calidade evangélica que professa-
sabemos, que como nós, eles/as
mos, que hoje, já não devem ser
ainda não alcançaram o cume da
perceptíveis simplesmente pela
perfeição, carregam consigo suas
eloquência do nosso discurso, mas
fragilidades; os seus medos; suas
pela beleza do nosso sorriso; pelo
frustrações. Contudo, buscam
afeto cristão do nosso abraço; pela
crescer no caminho da santidade.
sinceridade do nosso olhar e, so-
Não estamos à procura de forma-
bretudo, por nosso coração palpi-
dores/as extraordinários/as e aci-
tante por Cristo, que hoje é a nos-
ma de qualquer suspeita, mas de
sa vida e um dia será o nosso céu.
homens e mulheres que acompa-
nhem, favoreçam o protagonismo,
irradiem entusiasmo pela missão Considerações finais
e, acima de tudo, nos ajudem a
ser de Cristo. Não estamos à pro- Querido irmão e querida irmã,
cura de comunidades formativas chegando ao final deste artigo,
ideais, mas de comunidades que espero ter contribuído para nos-
favoreçam relações sadias, au- sa reflexão. Tenho certeza de que
cada um/a de nós, ama profunda- as. O Senhor, na sua bondade, 73
mente a vocação que abraçou, não conta convosco, para que o Es-
obstante, nossas fragilidades e pírito Santo modele o vosso co-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


desvios no caminho rumo a Cris- ração e configure-os a Ele. Que
to. O Senhor continua contando nós, formandos/as, saibamos re-
conosco, a crise pode ser a opor- conhecer a presença de Cristo no
tunidade de olharmos para Ele e nosso processo formativo. Seja-
repetirmos como Pedro: “Senhor, mos homens e mulheres apaixo-
salva-me!” (Mt 14,30). Salva-me nados pelo Evangelho. Que todos
de uma consagração descompro- os consagrados/as, encantem-se
metida Contigo e com o Reino, da por Cristo e encantem ao falar
mediocridade de uma consagra- Dele, encantem os jovens do nos-
ção pautada em meus interesses, so mundo; pela fidelidade ao sim
de uma fraternidade maquiada dado diante do altar. Sejamos
por um comunitarismo estéril e sempre felizes, na certeza de que
distante de Ti. “sabemos em quem acreditamos”
Nossos sinceros agradecimen- (2Tm 1,12), Ele “nos dará cem ve-
tos aos religiosos e religiosas que zes mais”, e quando nada mais de
desempenham nas congregações efêmero existir; Ele próprio será
a missão de serem formadores/ nossa recompensa (Mt 10, 28-31).

Para dialogar em comunidade:


1. Como consagrado/a, procuro a cada dia me configurar a Cristo?
2. Quais são as lacunas no processo formativo da minha Congre-
gação?
3. Como posso ajudar para sanar essas lacunas?

Referências
FRANCISCO, Papa. A vocação de ser catequista. Discurso aos participantes
no Congresso Internacional de Catequese, Roma, 27 de setembro de 2013.
L’Osservatore Romano, Roma, 1 ago 2013.
JOÃO PAULO II, Papa. Vita Consecrata. Exortação apostólica pós-sinodal
sobre a Vida Consagrada e sua missão na Igreja e no mundo. São Paulo:
Paulinas, 1996.. .
74 KEARNS, Lourenço. A Teologia da Vida Religiosa Consagrada. Apareci-
da, SP: Santuário, 1999.
A CRISE NA FORMAÇÃO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

PERFECTAE CARITATIS. Decreto sobre a conveniente renovação da Vida


Consagrada.Vaticano, 28 de outubro de 1965. Disponível em: https://www.
vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_de-
cree_19651028_perfectae-caritatis_po.html Acesso em: 30 de agosto de
2023.
VITÓRIO, Jaldemir. A formação na Vida Religiosa Consagrada: refle-
xões para uma pedagogia mistagógica. São Paulo: Paulinas, 2022.
75

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


A FORMAÇÃO INICIAL EM ANALOGIA COM
A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES
Frei Adriano Borges de Lima1

Resumo: A Vida Religiosa Consagrada (VRC) desde o Concílio


Vaticano II foi provocada a regressar às fontes, a partir de um
caminho que também exige adaptação às novas condições do tem-
po (PC, 2013, n. 2). Mais tarde, a Congregação responsável pela
VRC, numa orientação sobre a formação nos Institutos Religiosos,
vai afirmar que: “a renovação adequada dos Institutos depende
principalmente da formação dos seus membros” (CIVCSVA, 1990,
n. 1). Desafiada a uma fidelidade criativa que, guarde o legado e
transmita o carisma aos que são chamados hodiernamente, a VRC
se vê diante da exigente tarefa de não perder a viva convicção de
que, o que garante essa renovação, a qual pretende permanecer
fiel à inspiração originária, é a busca de uma conformidade cada
vez mais plena com o Senhor. Este desafio incide diretamente,
embora não exclusivamente, sobre a formação dos novos consa-
grados e consagradas. O presente artigo parte da consideração
que, rever a metodologia formativa a partir do regresso às fontes
é também reconsiderar o processo de Iniciação à Vida Cristã (IVC)
como possibilidade metodológica. Consequentemente, a possibi-
lidade da analogia entre ambas propostas faz surgir algumas
oportunas considerações e implicações.
Palavras-chave: formação inicial; vida consagrada; iniciação
cristã; inspiração catecumenal.

1
Frade Menor Capuchinho. Bacharel em Teologia e Filosofia. Especialista em
Franciscanismo e Formadores de Seminários e Casas de Formação. Membro Conselho
Internacional de Formação da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Formador
na etapa do pós-noviciado. Endereço para contato: adriano.bl78@gmail.com
76 A Iniciação à Vida Cristã de ou ainda, levar o iniciado a uma
inspiração catecumenal adesão integral da pessoa de Je-
A FORMAÇÃO INICIAL EM ANALOGIA COM A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES

sus Cristo (COSTA, 2012, p. 834).


Desde os primórdios da Igreja O catecúmeno, nome dado
se buscou comunicar a mensagem aquele que era iniciado nos mis-
de Jesus, por meio da catequese, térios de Cristo e da Igreja, era
que segundo Francisco Morás “é introduzido, por meio da liturgia
como um sino que faz chegar lon- e da catequese, aos chamados
ge a mensagem da Palavra de sacramentos da iniciação cristã
Deus” (2004, p 8). Ao fazer ecoar (Batismo, Crisma e Eucaristia),
forte este anúncio, convida todas os quais eram a fonte e ápice de
as pessoas à adesão firme e dedi- todo o processo catecumenal. Já
cada ao projeto de Jesus. O Dire- nos primeiros séculos, essa pre-
tório Geral para Catequese indi- paração catecumenal supunha
ca que de modo geral, sempre foi etapas: pré-catecumenato (anún-
tarefa principal do processo ca- cio), catecumenato (discipulado),
tequético, ajudar a conhecer, ce- purificação (preparação próxima
lebrar, viver e contemplar o mis- aos sacramentos) e mistagogia
tério de Cristo (DGC, 1998). Este (experiência sacramental). Daí
processo se dava em um chama- dizer que “a expressão ‘Iniciação
do clima mistagógico, cujo termo à Vida Cristã’ se refere tanto ao
remete a dois vocábulos gregos: caminho catequético catecumenal
“mystes”, que significa mistério, de preparação aos sacramentos
e “agein”, que significa conduzir. quanto aos próprios sacramentos
Portanto, a dinâmica catequética que marcam a iniciação e a vida
em perspectiva mistagógica re- nova que deles nasce” (CNBB,
mete ao “acompanhamento para 2019, n. 124).
descobrir o mistério já presente Como primeira conclusão po-
em cada experiência de vida, para demos dizer que o termo inicia-
buscar Deus, que não se acrescen- ção está ligado à experiência
ta, por assim dizer, ao exterior e da passagem, a um processo de
como complemento da nossa vida, transformação e conformação a
mas já está presente nela, per- Cristo. É caminho de discipulado.
manecendo sempre aquele que Supõe ruptura com a vida ante-
deve vir” (PAGNUSSAT, 2022, p. rior, fortalecer as escolhas, per-
22). Ou seja, o objetivo principal é tença a uma comunidade. Liga-se
conduzir através do mistério; ini- a transformação proveniente do
ciar ao conhecimento do mistério; aprendizado de uma experiência
religiosa, que se apresenta ao ini- (RICA), principal instrumento de 77
ciante como opção definitiva, que resgate às fontes catequéticas,
transformará sua vida ao assu- aponta os seguintes pontos como

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


mir a sua identidade cristã. expressão essencial do processo
catecumenal: a) centralidade do
As características mistério pascal; b) unidade das
essenciais da IVC três etapas; c) o amadurecimen-
to progressivo da fé; d) o anúncio
Aprofundando o tema, dois au- urgente da centralidade e experi-
tores nos ajudam a perceber quais ência da fé em Jesus Cristo; e) o
as principais características deste alto grau de responsabilidade da
processo chamado IVC, tão pre- comunidade; e f) a intensidade e a
sente nos primeiros séculos do integridade da formação (LELO,
cristianismo, mas, também forte- 2008, p. 45-56).
mente resgatado na dinâmica ca- Ambos autores nos ajudam a
tequética atual. A primeira autora confirmar que temos aqui uma
é Débora Regina Pupo que aponta verdadeira pedagogia da inicia-
cinco principais características, a ção, na qual três momentos mere-
saber: a) a transmissão viva da cem destaque:
revelação cristã; b) os destinatá- 1. o anúncio transmitido, cuja
rios são adultos convertidos; c) é centralidade é o mistério
um itinerário sacramental; d) é pascal, ou seja, a vida de Je-
um itinerário de aprendizagem sus Cristo. É este primeiro
marcado pela celebração de ritos anúncio (kerigma) que marca
de passagem; e) é um itinerário o princípio e o fim desejado
comunitário (PUPO, 2022, p. 13- para todo processo de inicia-
14). A partir destas característi- ção cristã: ser um com Cristo
cas ela faz observar que a cate- Jesus;
quese de inspiração catecumenal 2. os itinerários marcados pe-
possui em si o seguinte caráter: a) las etapas e suas referências
pascal; b) iniciático; c) litúrgico, simbólicas, em constante sin-
ritual e simbólico; d) comunitário; tonia e unidade, vão forman-
e) conversão permanente e de tes- do o caminho do discipulado.
temunho (PUPO, 2022, p. 19-23). Os sacramentos (Batismo,
O segundo autor é o padre An- Crisma e Eucaristia) são
tonio Francisco Lelo que, a par- pontos altos, mas, ao mesmo
tir de um estudo global do Ritu- tempo, princípio de vida para
al de Iniciação Cristã de Adultos o novo discípulo; e
78 3. a dimensão comunitária que te seguimento e aprofundamento
evoca a responsabilidade dos batismal.
A FORMAÇÃO INICIAL EM ANALOGIA COM A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES

que participam do processo. No entanto, é importante re-


“Na tradição da Igreja, a ini- cordar que anterior é o fato de que
ciação cristã é tarefa de toda a o seguimento está na base do ser
comunidade: é o seio da Igre- cristão. “E disse [Jesus] a todos:
ja que gera a fé” (NÚCLEO se alguém quiser vir após mim,
DE CATEQUESE PAULI- renuncie a si mesmo, tome a sua
NAS, 2018, p. 36). Iniciados, cruz cada dia e me siga” (Lc 9, 23).
formados e enviados para ser “Ao abraçar a VRC, no sentido vo-
e formar comunidade. cacional escolhe-se ‘um’ caminho
e não ‘o’ caminho. E esse se torna
Vida Religiosa Consagrada ‘meu’ caminho, ‘o’ caminho para
e a formação inicial mim, sem desmerecer os demais”
(VITÓRIO, 2022, p. 19) De fato, o
Tendo visto um pouco sobre a seguimento, o conduzir e viver a
iniciação cristã busquemos defi- partir da configuração a Cristo,
nir, também guardando os limites é algo comum tanto para a IVC
desta reflexão, o que se entende como para formação inicial à VRC.
por VRC. O Concílio Vaticano II Também é importante recor-
ao tratar do tema apresentou dar e perceber que de maneira
como exigência fundamental des- geral a formação inicial para
te modo de vida a sequela Christi VRC é composta de três etapas:
(PC, n. 5). O Papa São João Paulo aspirantado/postulado, noviciado
II, seguindo a compreensão conci- e juniorato. O primeiro momen-
liar, destacou que a VRC é como to significativo é a primeira pro-
um singular e fecundo aprofun- fissão religiosa que acontece na
damento da consagração batis- conclusão do noviciado. Mas, será
mal (VC, 1996, n. 30). Portanto, a celebração dos votos perpétuos
conceitualmente este modo voca- que irão marcar a conclusão da
cional de vida volta-se, sobretudo, formação inicial e início da forma-
ao seguimento de Jesus Cristo e ção permanente. Na IVC, como
o aprofundamento da graça batis- foi visto anteriormente, também
mal. O carisma próprio de cada temos etapas (pré catecumenato,
Instituto e/ou Sociedade de Vida catecumenato, purificação, mista-
Apostólica, verdadeiro sopro do gogia), como também momentos
Espírito Santo para vitalidade fortes e significativos (os sacra-
e reavivamento da Igreja, será o mentos da iniciação cristã em si).
que marcará o modo de ser des- De certa forma podemos observar
também aqui uma analogia entre damento da fé e do carisma 79
ambos os processos. abraçado. Todos, formandos,
formadores e toda comunida-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


Portanto, naturalmente já
existe algo de próximo na pedago- de formativa, ou seja, aque-
gia da iniciação cristã em relação les que estão no dia a dia
a pedagogia da formação inicial, dos formandos, devem estar
pois ambas querem conduzir para cientes que estão seguindo
Deus, por meio de processos e eta- os passos de Jesus Cristo, a
pas. Voltar às fontes e apreender partir de um carisma especí-
as características fundamentais fico. “O processo formativo só
da iniciação cristã de inspiração atinge seu objetivo ao se con-
catecumenal, é mais que um ca- figurar como caminho para o
minho possível, parece oportuno e Deus vivo e verdadeiro, reve-
adequado para o tempo presente. lado por Jesus de Nazaré, a
Fonte de vitalidade e novas pos- ser continuamente conhecido
sibilidades. Mas, que também e interiorizado” (VITÓRIO,
trazem algumas considerações e 2022, p. 15). O voltar às fon-
implicações concretas. Vejamos. tes, tanto em relação ao ca-
risma, mas também quanto
A Formação Inicial ao modo de transmitir a fé
tornam-se não só necessá-
em analogia com a
rios, mas, imprescindíveis
Iniciação à Vida Cristã para a eficácia do processo.
A formação inicial como mista-
Visto que de fato pode ser con-
gogia também tem como consequ-
siderada válida a relação de seme-
ência a exigência de se observar
lhança entre a IVC e o processo de
um perfil minimamente definido
formação para VRC e, tendo ob-
de formador(a), pois, “exige que
servado algumas características
os formadores tenham consciên-
principais dessa iniciação a partir
cia de sua identidade específica,
da inspiração catecumenal, cabe
além de clareza quanto à espe-
agora destacar quais as implica-
cificidade da VRC e uma correta
ções existentes quando se trata do
concepção do que seja a formação”
processo de formação inicial. Três
(VITÓRIO, 2022, p. 73). Os for-
serão as indicações e outras mais
madores devem ser verdadeiros
as implicações, a saber:
mistagogos, “especialistas no ca-
1. A formação inicial como mis- minho da procura de Deus, para
tagogia implica em um movi- serem capazes de acompanhar
mento constante de aprofun- também outros neste itinerário”
80 (VC, 2004, n. 66). A formação dos importância da dinâmica
formadores deve ter um lugar de processual, que deve ser gra-
A FORMAÇÃO INICIAL EM ANALOGIA COM A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES

destaque nesta perspectiva. dual e integral, envolvendo


A formação personalizada tam- a vida inteira do iniciado(a).
bém ganha importância essencial “A iniciação religiosa pode
num processo formativo que seja ser definida como um cami-
reconhecido verdadeiramente co- nho progressivo, por meio de
-mo mistagógico. “Este instru- etapas, de ritos e de ensina-
mento essencial de formação se mentos, que visam realizar
caracteriza pelo colóquio pessoal, uma transformação religiosa
que exige ser regularmente fre- e social do iniciado” (CNBB,
quente, como tradição de insubs- 2019, n. 78). Daí a necessá-
tituível e comprovada eficácia” ria atenção na construção
(VC, 2004, n. 66). dos Itinerários Formativos,
evitando-se exigências e ati-
Formador/a e toda a comunida-
de torna-se lugar do testemunho vidades que não estejam em
e primeiro modelo de vivência do sintonia com o todo que se
seguimento de Jesus. Portanto, quer alcançar. Há de se cui-
também formadora! Embora a li- dar para não infantilizar os
mitação da pesquisa se debruce processos. Mas, também o de
sobre a formação inicial, a forma- não exigir desmedidamente.
ção permanente/continuada, ou Da mesma forma, aplicar e
seja, daqueles que já fizeram os destacar momentos simbóli-
votos perpétuos, numa dinâmica cos e celebrativos tornam-se
em analogia com a inspiração ca- significativos elementos de
tecumenal, torna-se fundamental passagem. A valorização de
e até mesmo o primeiro a ser con- momentos celebrativos, tais
siderado no projeto formativo da como na ocasião do ingresso
Instituição Religiosa. Como no ca- no aspirantado/postulado,
tecumenato a comunidade dos já além dos primeiros votos e
iniciados, para VRC, ou seja, os de votos perpétuos, podem e
votos perpétuos, é quem conduz os devem ser valorizados como
que iniciam seu caminho. Vale re- expressão dessa gradual e in-
cordar que aquilo que se apresen- tegral formação.
ta ao formando será determinante Outro desdobramento é saber
para o que ele virá a ser. trabalhar com as dimensões for-
2. A formação inicial como pro- mativas, numa justa compreen-
cesso de iniciação faz ob- são de gradatividade do processo,
servar com mais atenção a utilizando-se de um verdadeiro
método integrativo. A Exortação 2009, p. 607). Quando você 81
Apostólica Pós-sinodal Pastores toca e ama os homens, você
dabo vobis, em sintonia com as toca e ama Jesus; e ele toca e

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


áreas fundamentais do crescimen- ama você. Quando se alcan-
to humano, indica as quatro di- ça a consciência do ser dis-
mensões que jamais devem faltar cípulo missionário o ciclo do
em um projeto formativo integral: processo formativo se conclui
humana, espiritual, intelectual abrindo-se novamente, pois
e pastoral (PDV, 1992, n. 43-59). indo ao encontro das pes-
Em seguida, um outro documen- soas encontro o próprio Jesus
to pós-sinodal, Vita Consecrata, Cristo, que inicialmente me
acrescenta a dimensão carismá- convocou, formou e enviou.
tica, específica para a formação à A renovação e reavivamento
VRC (VC, 2004, n. 65). Assimila- que este processo gera, faz
ção e transformação são o resulta- novas todas as coisas.
do final do processo formativo. Delir Brunelli afirma, fazendo
3. A formação inicial como pro- uma crítica a este modelo, que já
cesso de adesão a Jesus Cris- se falou muito sobre a interação,
to e seu Projeto implica em teoria e prática no processo for-
um compromisso de formar mativo. Mas, o ordenamento e os
para a missão, o que se apre- programas da formação inicial,
senta sempre mais atual e na maioria dos casos, mostram
necessário na construção do que ainda persiste a ideia de que
Reino, um verdadeiro ape- há um antes e um depois, de que
lo atual da Igreja, inclusive é possível formar para o segui-
à VRC. Segundo Delir Bru- mento de Jesus, para a vivência
nelli, o próprio Jesus nos do carisma, anteriormente à sua
apresentou uma pedagogia concretização missionária (BRU-
bem clara, cuja introdução NELLI, 2009, p. 612). A formação
gradual na dinâmica do pro- como mistagogia, processo de ini-
jeto a ser assumido exige a ciação e adesão ao projeto de Je-
experiência, até mesmo al- sus implicam a superação desse
gumas experiências fortes, modelo formativo.
de impacto, que torne clara
a proposta e mais firme a op- Conclusão
ção. Esse é o melhor caminho
para a formação ao discipu- Feito este trajeto de resgate,
lado, inclusive, quando se mesmo que breve e pontual do que
trata da VRC (BRUNELLI, foi e quais as principais caracte-
82 rísticas daquilo que ficou chama- inicial como mistagogia implica
do na Igreja de IVC, observamos em dar máxima atenção ao perfil
A FORMAÇÃO INICIAL EM ANALOGIA COM A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES

o valor, semelhanças e atualidade e formação dos formadores; valo-


da mesma para a Igreja e mesmo rizar a formação personalizada,
para o processo formativo à VRC. além de trabalhar o resgate da
De fato, o vocacionado(a) à consa- consciência de que toda comuni-
gração religiosa tem como refe- dade dos consagrados/as também
rência principal o seguimento de é formadora. A formação inicial
Jesus Cristo e a vivência radical como processo de iniciação impli-
do Batismo. O caminho formati- ca compreender que se trata de
vo do consagrado ou consagrada, um processo gradual e integral;
quando posto em analogia com a que supõe resgatar a dimensão
iniciação cristã, permite resga- celebrativa que cada etapa con-
tar elementos significativos para cluída pode oferecer; além de exi-
o ser Igreja nos tempos atuais. gir a interação entre as dimensões
As implicações recorrentes desse que constituem a pessoa humana
modo de formar, geram uma vita- e o próprio processo de formação.
lidade que permite resgatar ele- Por fim, a formação inicial como
mentos, por vezes negligenciados processo de adesão a Jesus Cristo
ao longo do caminho. e seu projeto implica ainda, uma
Ao final desta reflexão chega- nova postura missionária como
mos a três eixos centrais e, a par- verdadeiro reflexo da adesão à
tir deles, outros tantos desdobra- pessoa e projeto desse mesmo Se-
mentos inevitáveis. Compreen- nhor e Mestre que nos chamou e
demos que dinamizar a formação continua a enviar.

Para conversar em comunidade


1. A partir da aproximação da formação à VRC e o processo de
IVC o artigo apresentou algumas implicações inevitáveis.
Recordando-as e relacionando-as a sua realidade formativa,
quais são os maiores desafios que se faz observar em sua rea­
lidade?
2. Quais propostas concretas poderiam ser apresentadas para o
secretariado de formação/conselho de formação/equipe forma-
tiva de sua família religiosa, para que a pedagogia proposta
neste artigo possa ser ainda mais presente em sua realidade
formativa?
Referências 83

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


BÍBLIA. Bíblia Sagrada. 51 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
BRUNELLI, Delir. “Foram e viram! (Jo 1,39). Experiências que fazem dife-
rença no processo formativo”. Convergência, Ano XLIV, n. 425, p. 607-625,
2009.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Perfectae caritatis sobre a
renovação da vida religiosa. Em: Vaticano II: mensagens, discursos e docu-
mentos. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2013, p. 301-313.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Iniciação cristã:
itinerário para formar discípulos missionários. Brasília: CNBB, 2019.
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Paulo: Loyola/Paulinas, 1998.
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS
SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Orientações sobre a formação
nos Institutos Religiosos. Roma, 1990. Disponível em: <https://www.va-
tican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_
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COSTA, Rosemery Fernandes. O caminho da mistagogia: uma mítica para
os nossos tempos. Horizonte. Belo Horizonte, 2012, p. 831-853. Disponí-
vel em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/
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JOÃO PAULO II, Papa. Vita Consecrata. Exortação Apostólica Pós-Sinodal
sobre a vida consagrada e sua missão na igreja e no mundo. 4. ed. São Paulo:
Paulinas, 2004.
________. Pastores Dabo Vobis. Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a
formação dos sacerdotes nas circunstâncias atuais. Roma, 1992. Disponí-
vel em: <https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/
documents/hf_jp-ii_exh_25031992_pastores-dabo-vobis.html>. Acesso em:
08/06/2023.
LELO, Antonio Francisco. Catequese com estilo catecumenal. 3. ed. São
Paulo/SP: Paulinas, 2008.
MORÁS, Francisco. As correntes contemporâneas de catequese. Petró-
polis/RJ: Vozes, 2004.
NÚCLEO DE CATEQUESE PAULINAS. Mistagogia: A partir do documento
da CNBB n. 107. São Paulo: Paulinas, 2018.
84 PAGNUSSAT, Leandro Francisco. Formação cristã e mistagogia nos docu-
mentos do Concílio Vaticano II. Em: Vida Pastoral, Ano LXIII, n. 343, p.
A FORMAÇÃO INICIAL EM ANALOGIA COM A INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES

20-27, 2022.
PUPO, Débora Regina. Inspiração catecumenal... sobre o que estamos falan-
do? Petrópolis, RJ: Vozes, 2022.
VITÓRIO, Jaldemir. A formação na vida religiosa consagrada: reflexões
para uma pedagogia mistagógica. São Paulo: Paulinas, 2022.
85

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


MISSÃO, COMUNIDADE E SINODALIDADE

Irmã Valmí Bohn1

Resumo: Missão, Comunidade e Sinodalidade formam um con-


junto que cria um processo, uma escolha de vida que cada pessoa
faz a partir de sua opção vocacional. Cada opção é individual
e pode ser assumida tanto por pessoas consagradas como por
pessoas leigas. Enfocaremos o aspecto mais relevante que é a
comunidade de vida e missão. A convivência na comunidade exige
decisões e ações conjuntas. Isso exige escolhas, prioridades, cria
possibilidades de crescimento. A vida comunitária atualmente é
um dos grandes desafios que oportuniza amplo enriquecimento,
amplia horizontes e nos leva ao testemunho na missão, tendo
como base o seguimento de Jesus. A Vida em comunidade, seja a
missão que for, não acontece automaticamente. Exige abertura e
esforço de todas/os as/os participantes da comunidade. Se algum
integrante da comunidade não assumir em conjunto, sua presença
pode passar imperceptível por este caminho, deixando-se levar
e sufocar pelo ativismo. Na vida comunitária, missão e sinodali-
dade devem andar juntas. Para isso é essencial o seguimento de
Jesus, a vivência dos valores do evangelho e, a expressando por
gestos concretos um amor incondicional aos pobres. Isso exige
consciência, lucidez e discernimento enraizado na essência da
Vida Religiosa Consagrada.
Palavras-chave: Comunidade; Sinodalidade; Missão; Intercon-
congregacionalidade.

1
Religiosa da Congregação das Irmãs da Divina Providência. Graduada em Pedagogia; Especialista
em Formação para a Vida Religiosa. Assessora Executiva do Setor Missão da CRB Nacional.
Endereço para contato: bohnvalmi@gmail.com
86 Introdução nossa opção de vida. Junto com o
mundo e a sociedade enfrentamos
MISSÃO, COMUNIDADE E SINODALIDADE

Partimos do pressuposto de crises: social, econômica, política,


que a Vida Religiosa Consagra- ambiental, religiosa, e foi neces-
da deve buscar sua consolidação sário buscar um sentido autênti-
no “discipulado de Jesus, vivendo co e profundo da Vida Religiosa
a Palavra de Deus na opção da Consagrada, enfocando valores
missionária sinodal. Sempre so- evangélicos de solidariedade, fra-
mos convidadas/os e convocadas/ ternidade, entre ajuda, presença
os para permanecer no amor, na profética, mesmo sendo através
escuta e responder com esperan- das redes sociais.
ça, aos gritos e clamores de nosso Desde os primórdios, a VRC é
tempo” (CRB Nacional, 2022), as/ interpelada a dar respostas con-
os religiosas/os devem buscar, dis- cretas para os novos desafios, sen-
cernir e se fortalecer, para juntos, do chamada constantemente a se
na sinodalidade, trilhar os cami- ressignificar, à luz da ação dinâ-
nhos da missão. mica e criativa do Espírito Santo,
O desafio das Congregações e que suscita novas formas de in-
Institutos de Vida Consagrada culturar e dinamizar os carismas
hoje, é dar um novo sentido, um de nossas congregações, partindo
novo significado para a missão de de uma retomada ao seguimento
viver e divulgar pela ação a con- de Jesus, num deixar-se cristifi-
cretude do evangelho de Jesus. car (Vita Consecrata, n. 16), e en-
Muitos são os apelos que vem de contrar na própria consagração a
diferentes cenários da realidade, força para a fidelidade criativa na
considerando a Vida Religiosa, adesão ao Senhor (Vita Consecra-
a vida eclesial e civil. Durante a ta, n. 63).
pandemia da Covid 19 vivemos É de suma importância ter
tempos difíceis e desafiadores. A presente aspectos centrais das
Vida Religiosa em suas comuni- prioridades da CRB Nacional as-
dades foi, de certa forma, forçada sumidas na aprovação do Triênio
a se reinventar, a descobrir novas 2022 –2025, que traz presente os
formas de viver bem a vida comu- eixos do discipulado, da sinodali-
nitária, sem esquecer de sua mis- dade e da missionaridade.
são. Vieram à tona a indiferença, Dentre as prioridades assumi-
uma certa desorientação, o medo, das na Assembleia Geral Eletiva
o individualismo, a necessidade de 2022 (CRB Nacional, 2022),
de rever o ponto de referência de queremos destacar duas:
a) O cultivo da vivência encar- ráveis, dos abandonados sempre 87
nada da Palavra de Deus guiados pelo Espírito Santo que
como ponto essencial na vi- torna sempre nova a essência do

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


vência da missão e na comu- sim dado na escolha vocacional.
nidade; a mística do cuidado Quando abertas/os a esse Espírito
consigo, com os outros, a casa tudo se renova constantemente,
comum tendo como inspira- pois o Espírito de Deus não per-
ção a Trindade; mite atividades e ações rotineiras
b) A vivência da sinodalidade e nem estáticas.
com escuta ativa e criativa; Toda comunidade missionária
o fortalecimento das relações deve centrar seu ritmo de cres-
em seus diversos âmbitos cimento em relação a Deus e aos
envolvendo outras congrega- outros. Isso só é possível se existe
ções e parcerias, asseguran- oração, atitudes de humildade, di-
do a nossa presença profética álogo e perdão. “Amarás o Senhor
e transformadora nas peri- teu Deus de todo teu coração, com
ferias existenciais de hoje; toda tua alma, com todas as tuas
se apropriar de um estilo de forças e o próximo como a ti mes-
vida simples assumindo a mo” (Mc 12, 28b-34).
ecologia integral e um modo Aqui podemos trazer alguns
de bem viver em nosso lugar pontos importantes de uma co-
de missão. munidade configurada pela mis-
são. Segundo Garcia Paredes
Vida Religiosa Consagrada (2019) toda comunidade religio-
em comunidade sa é um espaço de aprendizagem
missionária. E mais: aprender
A comunidade deve se configu- a ser missionário é um exercício
rar como de enviadas/os, e é por comunitário e não individual.
essência, missionária de acordo Numa comunidade é necessária
com cada carisma. Hoje a Vida a conversação antes, durante e
Religiosa vive diferentes formas depois da missão, pois é a partir
de comunidade, porém todas de- dela que vão surgindo novas pers-
ver ser regidas pelo amor e tes- pectivas e o aperfeiçoamento nas
temunho do evangelho. O amor ações da missão. Toda comunida-
a Jesus de quem opta pela vida de deve ser inculturada na reali-
religiosa, permite sonhar, arris- dade, não se fechar em si mesma,
car-se em projetos de defesa da ser aberta e acolhedora e ir além
vida dos mais pobres, dos vulne- de suas fronteiras, pois se não for
88 assim, ela será neutra, sem efei- sonhos, mas sobretudo ter um
to, insossa, e sem perspectivas de sonho comum a realizar, ten-
MISSÃO, COMUNIDADE E SINODALIDADE

crescimento. Na Vida Religiosa, do em vista sua missão como


homens e mulheres devem ter ca- consagrada/o e como comunidade
ráter e coerência em sua vivência inserida em seu meio social, fa-
de cada dia, devem ter momen- zendo-a abrir novas perspectivas
to importantes de contemplar a de comunhão com Deus.
Deus no silêncio, reconhecer e ce-
lebrar sua presença na sua vida e Vida Comunitária,
na vida do povo. sinodalidade e cuidado
Desde a fundação dos diferen- da casa comum
tes carismas, todos os fundado-
res tiveram presente a realidade Temos consciência que a Igreja
de cada época e os ideais sempre sinodal é uma Igreja participati-
fizeram com que pessoas se de- va e corresponsável. Para isso é
dicassem à Igreja na propagação necessário articular a participa-
do amor ao evangelho. “A vida ção de todos, segundo a vocação,
religiosa faz parte do mistério da possibilidades e capacidades de
Igreja. É um dom que a Igreja re- cada um. Não só a vida religiosa
cebe do seu Senhor, e que oferece, consagrada, mas todos os fiéis são
como um estado de vida estável, habilitados e chamados a colocar
ao fiel chamado por Deus à pro- a serviço da vida, da igreja e da co-
fissão dos conselhos” (Catecismo munidade, seus dons recebidos do
da Igreja Católica, § 926). Viver Espírito Santo. Com isso, as boas
a consagração e a vida comunitá- práticas da vida comunitária são
ria tem suas dificuldades e é uma inspirações para cuidar da casa
tarefa exigente, considerando comum. Vivemos num espaço,
que cada pessoa é uma, com sua onde nosso planeta grita e clama
cultura e seus valores. Porém, à por cuidados especiais e urgentes
medida que a/o consagrada/o vai diante da grande destruição que o
assumindo a sua opção de vida ser humano causa no planeta.
e vivendo os valores evangélicos,
Quando falamos em casa co-
seu caminho vai se firmando e
mum devemos evocar em nós a
alargando na abertura para uma
consciência e a responsabilidade
missão para além do seu peque-
do cuidado de cada pessoa em re-
no espaço vivido antes da escolha
lação a vida pessoal, do outro e da
pela causa do evangelho.
vida do ecossistema. Conforme a
Os membros de uma comuni- Exortação Apostólica Evangelii
dade devem poder realizar seus
Gaudium “a sinodalidade com- rando processos de secularização, 89
preende a caminhada conjunta tanto na sociedade, nas famílias e
das expressões eclesiais em vis- também da vida religiosa. Porém

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


ta da missão da Igreja, qual seja, a Vida Religiosa Consagrada tem
anunciar Jesus Cristo” (n. 31-32). uma oportunidade de mostrar ao
Por isso, a sinodalidade é a forma mundo, pelas suas ações e sua
pela qual as expressões da Igreja opção de vivência, a possibilida-
se articulam para exercer seu pa- de de dar respostas proféticas e
pel somando forças com as pesso- dar testemunho do seguimento de
as da comunidade e da sociedade. Cristo.
Para isso o papel da vida religio- Diante dessa crise social e hu-
sa em sua missão de presença no manitária no mundo, a proposta
meio ao povo, como processo de do Papa Francisco de “uma Igreja
conscientização, é fundamental. em saída” é a grande inspiração
Ao falarmos em casa comum, para toda a igreja e, especialmen-
sinodalidade, comunidade, mis- te, à Vida Religiosa Consagrada,
são, devemos considerar a situa- para superar o “mundanismo es-
ção social, política e religiosa que piritual” e voltar seu coração e
está marcada por corrupções e seu olhar para a graça de Deus.
pluralismos complexos que difi- Além dessa crise social temos
cultam ver a realidade em nível também, uma certa ‘crise’ de en-
pessoal e coletivo. As pessoas es- velhecimento da vida religiosa e
tão cada vez mais individualistas da escassez de vocações. É este
e a sociedade tornou-se fragmen- cenário de crise que provoca a ne-
tada na análise da realidade, fa- cessidade de somar forças com a
zendo com que a condição humana proposta de comunidades inter-
sinta a dificuldade de enfrentar congregacionais.
a crise, e tornando a desigualda-
de social cada vez mais gritante. Viver a ousadia
Em meio a isso a vida consagrada radical na missão
tem um papel fundamental de es-
cuta, acolhida e levar a sociedade A missão de constituir comuni-
a uma reflexão de discernimento dade intercongregacional é muito
segundo o Espírito do evangelho desafiadora para a Vida Religio-
de Jesus Cristo. sa Consagrada, mas, em tempo
E como estamos diante de uma de pós-modernidade, aos poucos
mudança de época, todo esse fe- vai se tornando uma necessidade
nômeno de fragmentação foi ge- de ousadia radical. É um dina-
90 mismo que nos faz abrir ao novo, reunião com as Superioras
a enfrentar novos desafios e de provinciais/gerais e Irmãs
MISSÃO, COMUNIDADE E SINODALIDADE

forma mais profética, onde a co- disponíveis das congregações


munidade religiosa ajuda seus interessadas em constituir a
integrantes a superar os esque- comunidade intercongrega-
mas da vida, segundo o carisma cional. Também participarão
de sua Congregação. Isso propor- a Assessora do Setor Missão
ciona ao religioso/a assumir um e a Presidente da CRB. As
projeto de vida, centrado na von- primeiras reuniões poderão
tade de Deus, possibilitando sair ser no formato online;
de seu espaço congregacional e 5. Esclarecer, desde o início, o
colocando-se no terreno firme do papel da CRB Nacional, das
amor, abrindo os horizontes, em congregações e do Bispo da
vista dos pobres, os vulneráveis, diocese, para refletir, anali-
descartados e excluídos de nossa sar a realidade, as condições
sociedade. da prestação do serviço, a
Diante dessa proposta de radi- manutenção do projeto só-
calidade, a CRB Nacional acom- cio-pastoral-missionário e a
panha comunidades que já vivem sustentabilidade das Irmãs
essa experiência. Para esse desa- da comunidade;
fio propõe alguns passos necessá- 6. Elaboração do Projeto Mis-
rios para a constituição de uma sionário (fundamentação teó­
comunidade intercongregacional: rica-iluminativa, objetivo,
1. Tornar conhecida a possibili- fina­lidade, justificativa, com-
dade de se constituir Comuni- petências e atribuições das
dades Intercongregacionais partes envolvidas;
divulgando nos encontros e 7. Elaboração de um convênio
entre as congregações; entre as partes tendo presen-
2. Definição do projeto de atua- te a realidade do local;
ção num determinado local: 8. Momentos específicos de in-
diocese, paróquia, Institui- tegração das/dos Irmãs/ir-
ção, conforme solicitações; mãos que constituirão a co-
3. A comunidade deve ser cons- munidade intercongregacio-
tituída de, no mínimo três Ir- nal;
mãs de congregações distin- 9. Após a definição do início da
tas; comunidade, realizar uma
4. Assim que houver disponi- Celebração de Envio da co-
bilidade das Irmãs, realizar munidade missionária, que
deve ser acompanhada na Entre os critérios podemos ci- 91
primeira semana, e com vi- tar:
sitas periódicas das/dos res-

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


1. Espiritualidade e ardor mis-
ponsáveis pelo projeto; sionário;
10. Cada ano é importante as 2. Condições de viver em comu-
Irmãs fazerem uma ava- nidade e abertura à intercon-
liação de revisão do projeto gregacionalidade;
de atuação sócio-pastoral-
3. Capacidade de trabalho em
-missionária, e avaliação da
equipe;
vivência comunitária;
4. Vida simples, gratuita e des-
11. Apoio a projetos financeiros
pojada;
de outras entidades, com a
finalidade de colaborar na 5. Gozar de boa saúde física,
manutenção de atividades mental e equilíbrio emocio-
pastorais e formativas. nal;

Estes são aspectos relevantes 6. Capacidade e disposição para


na constituição, organização e dialogar com as diferentes
acompanhamento de comunida- culturas;
des intercongregacionais missio- 7. Adaptação às realidades do
nárias, intermediadas pela CRB povo e respeito ao seu proces-
Nacional. so histórico;
Além desses passos, é impor- 8. Flexibilidade e disponibilida-
tante apresentar alguns critérios de para ampliar o campo de
estabelecidos pela CRB Nacional atuação, segundo as necessi-
para a constituição de uma comu- dades da realidade missioná-
nidade Intercongregacional. ria.
Ao se disponibilizar para uma Considerando esses pontos e
missão Intercongregacional, é im- junto com a prática, é importan-
portante a/o candidata/o ter faci- te colocar que a/o missionária/o
lidade nas relações interpessoais, se compromete a desempenhar o
convívio comunitário, partilha do serviço que lhe será confiado em
carisma, momentos orantes e pla- comunhão com a Arquidiocese ou
nejamento pessoal e comunitário. Diocese. Conservará laços com
São fatores inerentes a missão: a sua Congregação e partilhará os
oração, a partilha, a abertura frutos da sua experiência. Essa
para o novo, o diálogo e o teste- missão conjunta e responsável na
munho de vida. comunidade intercongregacional,
92 prevê que, antes da conclusão de Todas as Congregações são
tempo da missão, da troca de al- convidadas a cultivar esse espíri-
MISSÃO, COMUNIDADE E SINODALIDADE

guém, deve haver a apresentação to de comunidades intercongrega-


da próxima, um mês antes para cionais para que vivam no amor
uma melhor adaptação, garantin- e na partilha, e sejam sinais de
do a continuidade da comunidade vida nova num mundo tão egoís-
e da missão. Cada missionária é ta e materialista em que vivemos.
responsável pelo seu cultivo pes- Desse modo, estaremos anuncian-
soal, e deve dispor de um tempo do que Jesus está vivo, que está
para retiro espiritual, formação atuando em nós e através de nós.
missionária, aproveitando as Uma comunidade intercongrega-
oportunidades oferecidas pela cional é um novo estilo de comu-
Congregação e ou CRB. Além nidade que viabiliza na Vida Reli-
dessas orientações também estão giosa Consagrada a relação entre
questões mais concretas para a membros, oriundos de diversos
efetivação da missão intercongre- carismas tendo como base os va-
gacional. lores evangélicos, tanto da coope-
ração, quanto da partilha, da reci-
Conclusão procidade, da complementaridade
e da solidariedade.
O seguimento de Cristo nos Ao longo da história, a Vida
leva a viver a proposta de Jesus e Religiosa Consagrada foi mudan-
pelo fato de pertencer a uma con- do e continuará em mudanças, se
gregação resulta da adesão a Je- adaptando a realidade na qual
sus. Toda comunidade de vida re- está envolvida pela missão. A pro-
ligiosa consagrada torna fecunda posta não significa decretar o fim
a missão do Reino porque é uma do modelo de vida religiosa atual,
comunidade de partilha e porque com seus carismas, mas propõe-
em seu centro deve prevalecer o -se um modelo de vida religiosa,
Cristo do amor, da partilha, do enquanto forma de relação social,
serviço e do dom da vida. Na Vida reconfigurada a serviço de obje-
Religiosa Consagrada todas as co- tivos sociais e ecológicos numa
munidades têm o compromisso de “Igreja em saída”. Mesmo nestas
testemunhar esse mundo de amor comunidades existem conflitos e
que Jesus veio propor, pois o tes- mal-entendidos, mas torna-se de-
temunho mais impressionante e safio num constante processo de
mais convincente deveria sempre conversão e uma grande oportuni-
ser o testemunho de vida das/os dade, para abertura a outro modo
religiosas/os. de ser e compreender o chamado
de serviço ao Reino, abrindo-se respeitando as diferenças indi- 93
para horizontes enriquecedores viduais e institucionais. No mo-
a todos os carismas. É a unidade mento atual, a diversidade dos

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


na diversidade que nos une, pelo carismas deve nos unir em comu-
amor aos excluídos e sofredores, nhão com Deus, e para isso pre-
pois a espiritualidade trinitária cisamos de coragem, resiliência,
nos fornece as bases e nos fortale- persistência nos apoiando numa
ce para essa experiência. entreajuda mútua, conquistan-
Toda convivência em comuni- do e transformando sonhos em
dade depende mais de sabedoria realidade de uma Vida Religiosa
do que tolerância. Isso possibilita Consagrada profética e compro-
uma convivência em construção, metida.

Para dialogar em comunidade:


1. A vida comunitária sempre nos remete ao testemunho na mis-
são, tendo como base o seguimento de Jesus. Como sua comu-
nidade vive o desafio de trabalho conjunto com outras congre-
gações?
2. Como sua comunidade vive a proposta do Papa Francisco de
“uma Igreja em saída”? No que isso implica e o que exige?
3. Quando falamos em casa comum devemos evocar em nós a
consciência e a responsabilidade do cuidado de cada pessoa
em relação a vida pessoal, do outro e da vida do ecossistema.
Como minha, sua, nossa comunidade assume o concreto do
cuidado da casa comum e da vivência da sinodalidade?

Referências
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 3. ed. Petrópolis, Vozes, 1993.
CRB Nacional. Plano de Ação 2022–2025. Brasília, CRB, 2022.
FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica Pós-sinodal
sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo, Paulinas, 2013.
GARCIA PAREDES, José Cristo Rey. Outra comunidade é possível: sob a
liderança do Espírito. São Paulo. Paulinas, 2019.
JOÃO PAULO II, Papa. Vita Consecrata. Exortação Apostólica Pós-sinodal.
São Paulo, Paulus, 1996.
95

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


SEMINÁRIO LATINOAMERICANO E CARIBENHO
DE IRMÃOS RELIGIOSOS: HACIA LO
ESENCIAL DEL SEGUIMIENTO DE JESÚS Y LA
CENTRALIDAD DE LA RELACIONALIDAD HUMANA
(Quito, Equador, 11 A 14 de julho de 2023)

Irmão Marcos Divino do Amaral1

De 11 a 14 de julho de 2023, Um relato afetivo e


na cidade de Quito, no Equador,
confortável do nosso
aconteceu o VI Seminário Latino-
-americano de Religiosos Irmãos. encontro de irmãos
Representando a Conferência dos
Religiosos do Brasil, participa- Viemos de vários países repre-
ram do Seminário os Irmãos Mar- sentando nossas Congregações e
cos Divino e Cícero Junior. Outros Conferências. Éramos 24 irmãos
irmãos brasileiros fizeram-se pre- das seguintes congregações: Jesu-
sentes representando suas con- ítas, Irmãos de São João de Deus,
gregações. Irmão Marcos Divino Lassalistas, Claretianos, Irmãos
apresenta aqui um “relato afetivo” da Providência da Imaculada
de como ele sentiu e viveu estes Conceição, Irmãos da Sagrada
dias em companhia de outros ir- Família, Ordem dos Franciscanos
mãos da América Latina e Caribe. Menores, Missionários Combonia-
nos, Hermanos Cristianos, São

1
Religioso da Congregação São Pedro Ad Vincula. Psicólogo Clínico; Formador e Professor no
IFITEG. Endereço para contato: marcosdoamaral07@gmail.com
96 Pedro Ad Vincula, Dehonianos e Há a necessidade de uma re-
Missionários do Verbo Divino. visão contínua do nosso estilo de
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O encontro começou com a vida, com discernimento profundo


saudação da Presidenta da Con- que REFORME nossas mentali-
federação Latino-americana de dades e que, por sua vez, comece
Religiosos e Religiosas - CLAR, uma REFORMA das estruturas.
Irmã Liliana Franco e de Irmã Mas o que é reforma? É quando
Cruz Maria Piña, Presidenta da aproximamos as coisas, as situa-
Conferência Equatoriana de Reli- ções atuais às origens, no entan-
giosos e da equipe organizadora. to, de uma forma nova e atualiza-
Nas saudações ficou nítido a valo- da. É um processo espiritual, de
rização de espaços para encontros dentro para fora, fugindo da au-
e partilha; o desejo e sonho dos toreferencialidade, ouvindo a cul-
irmãos equatorianos de realizar tura e a história, vendo os sinais
o encontro no seu país; a possibi- dos tempos. O Papa não está re-
lidade de encontro com Jesus; a formando, ele está colocando em
certeza de estarmos juntos e en- prática a reforma proposta pelo
trelaçados com as “Mulheres da Concílio Vaticano II.
Aurora” para celebrar a fraterni-
O objeto da sinodalidade é o
dade que nos marca e nos faz ple-
envolvimento de TODOS num
nos irmãos.
processo de ensinamento, santifi-
cação e governança. Envolvimen-
Olhar o processo to de todos! Se faz necessário um
Sinodal com uma atitude giro eclesiológico: um descentra-
reativa e projetiva lizar eclesial – sair do monocul-
tural (europeu) e partir para o
Para iniciar o encontro, Irmã pluricultural; é preciso um esta-
Liliana convidou os presentes a do de contínua reforma (EG 26) a
um olhar para o processo Sinodal partir de uma conversão pastoral.
com uma atitude reativa e projeti- Vivenciar a missão e menos a au-
va. Segundo ela, é necessário uma topreservação (EG 27). É um con-
atitude de questionamento ao mo- vite à vida! Viver sem medo!!
delo de Vida Consagrada que vi- Uma outra ideia é a de uma
vemos hoje. Nota-se um cansaço mudança hermenêutica: de que
e falta de sentido nos religiosos e lugar olhar o mundo e nossa iden-
religiosas, que pode estar ligado tidade? Com sensibilidade, mís-
às perdas ou mudanças de mode- tica, intuição, atenção e a busca
los. É preciso pensar, como igreja, constante de um sentido para vi-
uma nova forma de proceder.
ver. É preciso superar o modelo tir sobre a sinodalidade experi- 97
piramidal e hierárquico pré-con- mentada por um religioso irmão.
ciliar. Sair do movimento que vai Disse-nos que precisamos de uma

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 543 • NOVEMBRO • DEZEMBRO DE 2023


do centro para a periferia e pen- igreja sempre mais profética,
sar num movimento das perife- samaritana e missionária! Sem
rias para o centro. Isso só aconte- esses requisitos ela perde sua
ce a partir de uma conversão pes- importância para o mundo! É ne-
soal que gera, por sua vez, uma cessário nos debruçarmos sobre
conversão estrutural. Sair para os grandes temas que incluem os
a periferia, ouvir e ALARGAR A marginalizados da nossa socieda-
TENDA! de. Ser uma igreja que não leva
Fazer uma revisão contínua de em consideração os mais sofridos
omo devem ser as autoridades; é um sinal de que estamos mor-
nosso estilo de vida; rever nossas rendo.
estruturas; abandonar aquilo que
É preciso pensar e refletir por
não gera vida. Sair do FORMA
onde, quando e como perdemos a
MENTIS para algo dinâmico e
ideia e prática do sacerdócio laical
vivo usando de atitudes sinodais,
que Jesus Cristo exerceu quan-
como habilidades relacionais, es-
do esteve na terra conosco! Não
cuta abrangente de todos, ilumi-
há como existirmos como igreja
nados pelo Espírito.
se não exercermos a ESCUTA,
E nós? A estrutura sinodal te-
A FRATERNIDADE E A LIDE-
mos, no entanto, temos a mania
RANÇA. Usando como referência
de nos sentirmos superiores. Ah,
a Evangelii Gaudium nos leva a
pequeno ser vaidoso chamado ser
refletir.
humano!
A ESCUTA deve ser uma atitu-
E o que nos diz esse movimen-
de de todas e todos! Sem exceção
to sinodal? É preciso reconverter,
ou acepção de pessoas! Deve ser
nos reorganizar de novos modos.
Tendo em conta: UMA ESPIRI- holística, ou seja, escutar toda a
TUALIDADE SINODAL, VER casa comum, incluindo a nature-
OS CONSELHOS EVANGÉLI- za e todo seu ecossistema. Deve
COS DE FORMA SINODAL, ser uma escuta qualificada e ma-
VIDA COMUNITÁRIA SINODAL dura que está aberta, inclusive a
E MISSÃO SINODAL. Isso mes- ouvir aquilo que não concorda!
mo! Com muita repetição da pala- Na vivência da FRATERNI-
vra SINODAL! DADE é preciso sermos irmãos
Em outro momento, Ir. Rober- de Jesus! Todos vós sois irmãos!
to Duarte, SVD, nos levou a refle- Uma igreja que não seja fraterna
98 não tem motivo de existir; perde ciente, amável, assertiva, miseri-
sua mística! Vemos uma igreja de cordiosa. Com ética e honestida-
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sacramentos, de ritos e pobre de de. Numa atitude firme, mas com


fraternidade! Uma igreja frater- ternura. Não se pode aprisionar a
na terá a sensibilidade de incluir fé daqueles que querem mudar o
aqueles e aquelas que estão à mundo. (EG 183). Abrir-se para
margem! Terá a clareza de saber os novos ministérios pede de nós
quem falta incluir nesse processo e sobretudo da igreja, como ins-
Sinodal que está a caminho! tituição hierarquizada, coragem,
Exercer a LIDERANÇA como o despojamento, atitude desprendi-
imperativo de não deixar as coi- da do poder e acolhida.
sas como estão (EG 25). Temos
que forjar lideranças que cami- A vocação do irmão como
nhem atrás do rebanho! Que con- dom compartilhado
fiem nas pessoas e nos grupos!
Eles sabem caminhar! (EG 31). Em outro momento, os Irmãos
Ter a coragem de possibilitar e Jorge Luís e Luís Mojica, traba-
fortalecer novas lideranças, sem lharam o tema da vocação do ir-
medo de perder o controle e a cen- mão como dom compartilhado.
tralização do poder! Forjar novos Numa colocação descontraída e
ministérios! É necessário acredi- fraterna, os irmãos começaram a
tarmos naquilo que oferecemos. partilha com uma afirmação que
Uma igreja que tem as riquezas interpelou a todos: a palavra ir-
pastorais como a nossa, e não crê mão deveria vir sempre no plural,
que isso é real, se enfraquece! É pois não há como ser irmão so-
preciso que nossas lideranças zinho. à luz de Col 3, 12-15, nos
consigam e tenham a capacidade debruçamos sobre os comporta-
de fazer-se cargo dos irmãos e das mentos e atitudes que nos fazem
irmãs. Saber dar ânimo, cuidar irmãos uns dos outros; nos aman-
nas dores, estar presentes nas di- do, respeitando, perdoando. Colo-
versas realidades que se apresen- cando os dons em comum numa
tam. Eu tenho sido anima para fraternidade.
meus irmãos? Tenho dado alma No entanto, percebe-se que o
para a comunidade? Essa per- ativismo, as obrigações e burocra-
gunta deve ser feita por cada um cias no impedem de estar e fazer
constantemente para que nossa comunidade; de sermos, no seio
ação e presença seja fecunda! É da fraternidade, o sinal da San-
preciso sermos capazes de liderar tíssima Trindade. Lembramos
de forma concreta, corajosa, efi- que nem todos se esforçam para
fazer os dons de Deus se reprodu- A Utopia do Reino: um 99
zirem e assim, quando esse dom
mundo de irmãos e irmãs
se perde, perde-se, também o sen-

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tido de ser consagrado. Alimenta-
Em uma mesa redonda, os Ir-
-se a cultura de que se pode ser
mãos Jairo (Irmãos de São João
irmão, mas não amigo.
de Deus) e Cristian (Irmãos da
Necessário se faz a atitude Providência da Imaculada Con-
criativa para conseguirmos re- ceição), dinamizaram uma con-
criar, ressignificar nossa presença versa sobre a Utopia do Reino: um
e nossa essência de irmãos consa- mundo de irmãos e irmãs. Eles
grados que denotam fraternida- iniciaram compartilhando com
de. Sermos, todos, irmãos. Nesse os demais a vivência de homem
sentido a intercongregacionali- consagrado na construção e alar-
dade pode nos ajudar a fortalecer gamento da utopia do Reino, onde
nossa vocação. Outra atitude é a fraternidade é critério inegociá-
vestirmos “a mesma camisa”; nos vel para que haja a manutenção e
comunicarmos de uma forma cla- o crescimento de uma cultura de
ra para estarmos em consonância, amor e respeito.
em harmonia. Criar ambientes
Segundo eles, é preciso anun-
leves, que nos levem ao encontro
ciar o Reino de Deus e para isso
do outro. Nesse encontro termos a
precisamos de algumas ideias e
maturidade de suportar no outro,
atitudes que nos ajudem a fazê-
sua humanidade. É um homem
-lo de uma forma eficaz, concre-
como eu. Com limitações, histó-
ta, afetiva e efetiva. Uma dica é
ria, cultura, bagagens familiares
guardar os títulos e se tornar um
e ancestrais! Ainda é preciso com-
com todos.
bater o individualismo, enraizado
em nossa formação machista que É como sermos agricultores,
nos oprime e cobra sermos fortes, pequenos agricultores familia-
machos e onipotentes. Presar e res. Cuidar da terra com carinho,
valorizar os pequenos detalhes de vivendo e aprendendo a deixar
afeto que surgem em nossas re- viver. Sermos artistas dos peque-
lações fraternas. Somos homens nos, daquilo que é cotidiano. Ca-
consagrados e não podemos ins- minhar e conjugar os verbos de
titucionalizar nossos afetos e sua nossa vocação! Estarmos atentos
demonstração! às pequenas conquistas e mila-
gres que se apresentam na coti-
dianidade da nossa vida e de nos-
sa missão.
100 Saber conectar-nos usando um Nosso sinal é nossa atuação.
diálogo qualificado! Saber falar e Deixar os títulos e ir ao encontro
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saber calar. Colocar-nos à disposi- das pessoas. Ser um com elas. Só


ção num “Eis-me aqui” constante quando estamos do lado dos que
e entregado. Não basta exercer sofrem, vemos suas dores, escuta-
nossa função administrativa da mos seus lamentos é que a missão
qual estamos incumbidos! É pre- transborda. A missão precisa nos
ciso ser irmãos, estar prontos a transbordar! Necessitamos che-
responder o chamado de Deus gar onde outros não podem, não
todo o tempo para o serviço e conseguem ou não querem. O ir-
acompanhamento daqueles e da- mão consagrado precisa vivenciar
quelas que de nós precisam. essa premissa: ir aonde ninguém
Sermos influencers em nosso vai ou quer ir. Estar do lado e sen-
dia a dia! Influenciadores de ati- tir com os pequenos que sofrem.
tudes, gestos, comportamentos e
concepções de mundo que gerem Um pouco de partilha, o
vida; que construam pontes, cone- que levamos do encontro
xões, a cultura do bem viver. In- e algumas conclusões
fluenciadores capazes de ganhar
pessoas para Deus e que acredi- Cada um de nós, homem con-
tem e lutem por seu projeto de sagrado dá o que pode. Nós somos
vida e amor. o que damos conta de ser. Pode-
Primeiramente, nós somos mos entregar um grande consa-
pessoas humanas. Somos incom- grado ou um pequeno consagrado;
pletos, falhos, limitados; porém podemos fazer ou construir coisas
somos o que somos. E é a partir importantes ou desimportantes
dessa humanidade que devemos para alguns, no entanto toda esse
construir. Construir o quê? Cons- movimento deve ser nossa entre-
truir a fraternidade. E só quando ga, nosso óbolo, nossa oferta. É o
a construímos é que vislumbra- que temos.
mos a construção do Reino de Cabe a nós semear! Jogar e
Deus; que é um reino de irmãos lançar as sementes. Se vamos co-
e irmãs. A capacidade de sermos lher algo é outra história. Cabe a
afetivos e humanos em nossas re- cada um fazer aquilo que dá con-
lações é muito importante para a ta.
construção da nossa humanidade
É mister nos alimentarmos
e consequentemente a construção
da Palavra de Deus. Sem ela não
do Reino.
podemos ser mais que humanos.
Com ela podemos atingir, tocar e Levamos a esperança de que as 101
mudar corações! coisas devem e podem caminhar!
Que nem tudo está perdido. Que

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Somos o que podemos ser e
quanto mais cedo entendermos precisamos primeirear! Mesmo
isso melhor seremos naquilo que tendo a noite para caminharmos
entregamos pelo Reino que está sabemos que em algum momento
plasmado nas pessoas que neces- o sol chegará. Há noite e há dias!
sitam. Somos os custódios do amanhe-
cer! Juntos às mulheres da auro-
Existem situações que reque-
ra retomaremos nosso caminho
rem urgentemente a nossa pre-
de missão!
sença! Na luta das mulheres por
reconhecimento, respeito e dig- Levamos a certeza dos desa-
nidade; nos grupos LGBT’s que fios. Sermos mais eficientes no
sofrem com o preconceito e com a chamamento vocacional; sermos
violência; nos imigrantes que gri- respeitados em nossa vocação es-
tam por acolhida e um lugar segu- pecífica dentro das nossas congre-
ro e digno na terra que é de todos! gações, dentro da Vida Consagra-
da, da Igreja e da Sociedade. Con-
Levamos em nossa bagagem
quistar nosso lugar como irmãos
a certeza de que precisamos nos
consagrados numa igreja clerical
meter de corpo e alma nesse mo-
e sacramentalista. Assumirmos
vimento sinodal! Por sermos pou-
nossa vocação com segurança, or-
cos, necessitamos tornar nossa
gulho e amor.
presença significativa, notória;
não precisa ser uma presença Concluímos que devemos ser
marcada pelo ativismo, mas uma Comunidades trinitárias. Mos-
presença que “seja de corpo e trar ao mundo que nosso lugar é
alma” dentro daquele ambiente; lugar do Deus comunidade e que
que escute, sinta e acolha. se faz comunicação.
Levamos a certeza de que os Comunicar o Ressuscitado!
desafios são compartilhados! Reafirmar nossa opção pelos
Muda-se a geografia, os persona- pobres e com os pobres!
gens, no entanto as situações, os Sermos Eucaristia nos altares
problemas e o sofrimento da hu- espalhados pelas diversas reali-
manidade são bem parecidos! dades sociais que se apresentam
no mundo!
102 EPÍLOGO POÉTICO
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Bajamos de las montanas


Venimos de planícies
Caminamos, volamos, conducimos
Llegamos.
Quito, um poQUITO de Ecuador nos abrazó , nos acojió
Hermanos latinos, americanos, caribenos.
Hombres, humanos de cuerpos hechos
De sangre caliente, de sonrisas, miradas,
Caminos y puertas.
Hay que vivir, hay que sonreir, hay que luchar.
Creo em un Hermano sensible, sencillo
Un Hermano atento al otro y a si mismo
Un Hermano mas humano y menos divino.
Pero, divinamente hombre!
Creo y sueno con Hermanos afectivos, abiertos
Hortelanos, conectados y influenciadores
Que lleven a Jesús.
Hermanos fuertes y frágiles, que sepan ser gente!
Hermanos que lloren y sintan los dolores del otro.
Que sufran con los sufredores
Juguen con los niños
Exploten con los adolescentes
Trabajen con los adultos
Y desaceleren con los ancianos.
Que sean artistas!
Cuiden del bello, de los colores y den forma a la tierra!
Al fin...
Seamos simplemente Hermanos y
Plenamente humanos.

Hno. Marcos, cspv


103

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publicação trimestral que aborda em formato .doc ou compatível,
temas relacionados à Vida Reli- contendo entre 16 e 22 mil carac-
giosa Consagrada ou com refle- teres com espaços, fonte Times
xões que dizem respeito à missão New Roman, corpo 12, entreli-
desenvolvida pelos religiosos/as. nhamento 1.5. Aceitam-se apenas
Aceitam-se colaborações de re- textos originais.  
ligiosos, religiosas e de toda pes- As referências de citações
soa interessada na temática. Os no corpo do texto são indicadas
artigos são publicados após con- pelo sistema autor/data (SIL-
sulta ao conselho editorial. É de- VA, 2018, p. 23; SILVA; SILVA;
sejável que sejam textos inéditos. LIMA; OLIVEIRA, 2019, p. 987;
Caso já tenham sido publicados CNBB, Paróquia: comunidade de
de forma física ou virtual, pede- comunidades, 2000, p. 82). Para
-se seja informado à redação para referências bíblicas e documentos
avaliação. eclesiásticos utiliza-se a abrevia-
Aceita-se também relatórios tura consolidada (Is 24, 13; Lc 11,
das Assembleias, Congressos, En- 5; LG 89; RM 31; DAp 28).  
contros das Regionais, Nacionais Citações diretas com mais de
e Internacionais, sempre em sin- três linhas devem ser apresenta-
tonia com os interesses da CRB das em parágrafo a parte, caixa
Nacional.   10, espaço simples e endentação
de 3,5 cm. Citações diretas com
menos de três linhas são manti-
104 das no parágrafo e colocadas en- Referências em meios eletrôni-
tre aspas.   cos: FRANCISCO, Papa. Evan-
Depois da Conclusão são pro- gelii Gaudium. Exortação Apos-
postas duas ou três questões que tólica sobre o anúncio do Evange-
motivem os leitores a um diálogo lho no mundo atual. Roma, 2013.
comunitário sobre o texto.   Disponível em: https://www.
vatican.va/content/francesco/pt/
No final do artigo é apresen-
apost_exhortations/documents/
tada a relação de todas as fontes
papa-francesco_esortazione-
citadas no texto seguindo as nor-
-ap_20131124_evangelii-gau-
mas abaixo indicadas.  
dium.html Acesso em: 16/11/2022.  
Resenhas, informes, relatórios,
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devem estar ativados.  
ves com informações relacionadas
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Conselho Editorial.   e as principais conclusões do tex-
to. É seguido pela apresentação
Modelos de Referências:   de três a cinco palavras-chave.  
Identificação do autor:
Referências de livros: SILVEI- Nome completo; Instituição reli-
RA, João Antônio. Felicidade giosa a que pertença (quando for
infeliz. São Paulo: Fronteira o caso); formação acadêmica; ati-
Sem Fim, 1977.   vidade desenvolvida no momento;
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João. Os frutos da desilusão. Em: A submissão de originais implica
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riódicos: ZACHARIAS, Ronaldo.
Virtualidade: um novo desafio à
vida religiosa e sacerdotal. Em:
Convergência, Ano LVII, n. 538,
p. 73-86, 2002,  

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