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Velocidade e Politica L Bites como pensacor en core poder douse Ue Esprta 20 Vieng da Revo Cho Francesa ea a bernie posso pelo eros «pra Tou, Magutave, Napotedo, Gauge ates Sn, an Historia perde espago, ¢ humane, fica subjugado a vertigem da aceleragéo, a velocidade v0 movimento desttoem 0 Tempo: & ma de “Estado de turgéncia”, onde “parar significa Nesta cativante reflexao sobre a implosio da Histiria, Virilio mes. tra comoo homem assume pprimeiro a rua, para depot ber que espace que canta éa estrada, © movimento. Esparta a suicumbiu porque nda naveg Inglaterra se firmou come pot cia porque controlou os mares — as auto-estradas da ¢paca — dei xando as onitras poreneias européias se digladiarem em guertas pelo controle da massa continental quando 0 que conta va cra 0 movimento, as vias de comunicagao, 0 acess rapido as coldnias, a velocidade de desloa ena, A esse respeito, em Tonge Uepoimento a Frangois Ewald 0 Magazine Liaéraire de novembve vie 1995, Vitlio nos revela come, foi surprendido cede pelo impac to da velocidade conjugada com essa forina consagrada de lazer politica que €a guerra: “Um dla, ‘em 1949, estamos almogando. 0 radio anuneia que os alemies esto em Orléans, Pouco tempo depois, ouvimes um barulho cestranho na rua, Como todos os Imeninos, me previpito para ver Velocidade e Politica ee Paul Virilio Velocidade e Politica Tradugao de Celso Mauro Paciornite Preficio de Laymert Garcia dos Santos Estogéo Liberdade | Publicado originalmente em 1977 s0b o titulo Vitee politiquepor Editions Galilee, 9, ue Linné, 75005, Pats, © Preficio: Laymert Garcia dos Santos, 1996 1d Ceo Ma Pani $212 | ayia de Tan Ang Bote V3V9~ sede Toe Mate Lee Helm Macao Ihe : oa srg da Capa: Aya Okano, se lo, Ei [ ceeica mista sel, 80x100em, 1995 ES, Fa | Pe ia Aono# Sura Fan fi mp Mags Azevedo e saya Esto cro ‘Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Virli, Paul ‘Velocidade epolitia Paul Vir Celso Mauro Paciornik. ~Sio Paul: seadugio cio Liberdade, 1996 ‘Tiealo original : Vitesse et politique 1, Mudunga social 2. RevolugBes— Histéria 3. Velocidade I Titulo, 96-1626 €DD-306.2 Incices para catilogo sistemico 1. Waocidade politic Sociologia poitien 306.2 ISDN 85-85865-12-1 1996 OTOCOPIAR ESTELIVRO E LEGAL E VIOLAOS DIREITOS DO AUTOR ‘Todos os direitos para lingua portuguesa reservados EDITORAESTAGAO LIBERDADE Av. Dr. Arnaldo, 1155 (01255-000 Si0 Paulo- SP Tel/Fax (011) 872-9515 em-00100231-5 Indice PREFACIO. 9 PRIMEIRA PARTE A REVOLUGAO DROMOCRATICA 17 1, Do dieito & rua ao ito ao Estado 19 2. Do dircito 3 estrada ao direito a0 Estado 37 SEGUNDA PARTE © PROGRESSO DROMOLOGICO 47 a0 Estado 49 1. Do direito a0 espago 20 dl 2. A guerra pritica 59 ‘TERCEIRA PARTE ASOCIEDADE DROMOCRATICA 65 1. Corpos incapazes. 67 2. Assalto aos veiculos metabélicos 79 3. O fim do prolctariado 95 4, Uma seguranga consumada 113 QUARTA PARTE OESTADO DE EMERGENCIA 121 "Eu ni queria ser sum sobrevivente”™ Jean Mermoz Preficio Velocidade e Politica é um livto de 1977, 0 terceiro de Paul Vitilio, depois de Bunker Archéologie © de Linsécurité du territoire, dois textos dedicados as relagdes entre a guerra ¢ 9 espago. Ao escrever seu segundo texto, 0 autor desembocara num capitulo incitulado “Veicular”, no qual tentou responder a uma questio que se impunha: “Onde estamos quan~ do viajamos? Qual é esse ‘pais da velocidade’ que nunca se confunde ‘exatamente com o meio atravessado?” Seguindo suas intuigdes ¢ associ- agées, Virilio percebeu que ovorre uma mudanga de estado, um crans- porte, pois passamos a habitar um ndo-lugar ~ € se pds a buscar 0 sentido dessa mudanga. Deslocamento, trajeto, transporte, projecio, transmissio, veiculo ~ em “Veicular” todas essas nocbes comecaram a se precipitar para configurar a descoberta desse nio-lugar como um ovo pais ou continente, o da velocidade; mais ainda: para determinar ‘como uma “aristocracia da velocidade” nele se consticufa visando dominar © espago, Em “Veiculae” despontava o sentido da velocidade. © préprio Virilio, numa longa enerevista a Sylvére Lotringer, narra a genese de Velocidade e Politica: “Em ‘Veicular’ comecei a adivinhar certas coisas. Dei-me conta de que a questio da guerra resumiase na ‘questio da velocidade, de sua agate e prodesso, ‘enfim, em tudo © que a circunda. Assim, depois de Linséeurité du servitoire, publiquei lum texto que era menos rico em desenvolvimento, mas mais rico do 9 I | ponto de vista teérico. (..) E um liveo sipido, mas um livro-chave No é 0 mimero de paginas que conta: eu nunca escrevo coisas longas. Meu grande ponto de referéncia nio € Clausewitz mas Sun Tsu. Sua “Arte da Guerra tem apenas 120 piginas. Velocidade ¢ Politica é um pequeno livro importante porque foi o primeito a levantar a questio da velocidade. E uma introdugio a um mundo totalmente novo que nunca havia sido mostrado antes. Nio foram muitos os autores que tocatam na velocida- de. £ claro que existe Paul Morand, algum Kerouac, mas isso ¢ literatura, Para uma visio mais politica da velocidade, hi Marinetti ¢ os futuristas italianos, e depois Marshall McLuhan, que deu um passo nesta diregio — © isso é ido. Velocidade ¢ Politica nio € tio importante pelo que diz, como pela questio que levanta.”” O depoimento de Virilio diz 0 essencial sobre a relevancia de sew pequeno 0, € como ele chegou a concebé-lo. Velocidad e Politica, que tinha como subtitulo na primeira edigio francesa Ensaio sobre Dromolagia*, & uma introdugio a légica da corrida, 4 logics que toma como referéncia absoluta, como equivalente geral, nio mais a riquesa ¢ sim a velocidade. A “questio que levanta” é, precisamente, a da pertinéncia dessa mudanga de perspectiva, ¢ da releitura da Ocidente que ela implica Tal releitura, pordm, s6 se justifica se a propria evolucio histérica estabelecer © primado da velocidade, Assim como Marx concebera a riqueza como equivalente geral a partir do advento do capitalismo, Virilio vai considerar a velocidade como valor a partir do advento da taria do revolugao técnica de sua conexio com a revolugio politica. Nesse sentido, se a légica da riqueza se expressa numa economia politica, a ligica da corrida se explicicaria numa concepsie (eérica capa de arti- " Paul Virilio/Sylviee Lotringer, Pure War, New York, Semiotexe(e), 1983. Na edigio brasleis, Guerra Pura — A miliarizagto do cetidiana, S30. Palo, Brasliense, 1984. Tradusio de Flea Miné e Laymert G. dot Santos. Apresentagto de Laymere G. dos Santos +N. T,- Tanto esta palavea (dromologia) como outras que aparccem no decorter da obra (dromecritico, dromoctacia, dromocrata) sfo neologismos empregalos pelo autor como variantes da palavea grega “dromos" que exptime a idéia de “corida”, “eu So", “marcha, A sinica palaven dicionarizada em portugués com este prefixo € “romomania’, que significa “mania de vagueae; pendor mécbido para a vida cttante™ conforme o Diciondvio Brasileiro de Lingua Poetuguesa (MIRADOR), 10 a pcr ght nn cular velocidade ¢ politica. E essa articulagio que o autor tenta cons- fruit ~ dai a elaboracio do livro em quatro partes: “A revolusio dromocrética™, “O progresso dromolégico”, “A sociedade dromocrética ¢“O estado de emergéncia” oe primeira, Virlio procura mostrar como a dinamica das revolu- goes modernas se alimenta da enorme energia desencadeada pela semsformacio do proletitio-operitio em proletiio-soldado e do prole- tirio-soldado em proletirio-operério; isto é, como nas revolugées as massas so produtoras da velocidade necessiria para tomar de assalto o poder. No entanto, embora produtoras, as massas nfo controlam essa velocidade, ‘¢ sao antes massas de manobra nas maos de uma classe industrial-militar {que, esta sim, capitaliza 0 movimento, ¢ investe-o na ocupagio € no controle dos territérios ¢ de tudo 0 que neles circula. As revolugaes modernas instauram a ditadura do movimento, poem em pritica a idéia politica de nacies em marcha / Na segunda parte, “O progresso dromoldgico”, Virilio ira analisar como a velocidade do assalro, que antes se exercia sobre o espago territorial, se transforma a0 abandonar a terra, c scus obsticulos, ¢ desaparecer no horizonte. Em vez de visar-se um ponto no espago ¢ no tempo, agora pretende-se dominar nao através do confronto mas de uma estratégia indireta, na qual um constante deslocamento de forgas gera uma ameaga permanente. Eo dominio dos inglescs sobre os mares, criando uma zona de inseguranga global que permite prolongar indefinidamente as hostili- dades. A légica da corrida se vransfigura, muda de plano, enquanto a velocidade comeca a se desterrirorializar, ¢ a atengio se desloca do prd- prio elemento (terra, mar) para 0 dinamismo dos corpos automotivos. Eshoga-te, a partic afirmando como idéia pura ¢ sem conteiido, como puro valor, que ame- aga ultrapassar até mesmo 0 valor do capital. No mar, com os ingleses, opera-se a transferéncia da vitalidade natural para a vitalidade tecnolégica, no mar a velocidade deixa de ser metabdlica, pasando a refetir-se a si mesma. Como escreve Virilio: “E precisamente no momento em que 0 ‘esquema do evolucionismo tecnoligico ocidental sai do mar que a subs- ‘€ncia da riqueza comega a desmoronar (..) Tal como na origem da fleet in being « manutengio do monopdlio exige que a todo novo engenho seja logo contraposto um engenho mais rapido, Mas com o limiar das velocidades se estrcitando sem para, fiea cada ver mais diffil conceber © toda uma evolugio, na qual a velocidade vai se n engenho ripido, Ele freqiientemente se torna obsoleto antes mesmo de set aproveitado; 0 produto esti lireralmente gasto antes de ser usado, ultrapassando, assim, na “velocidade”, todo o sistema de lucro da obsolescéncia industrial!” ‘Tornando-se a medida, a velocidede passa entio a dividir a huma- nidade em poros esperangosos (0s que a capitalizam 0 suficiente para continuarem projetando-a infinitamente) & povos desesperancosos (imo- bilizados pela inferioridade de seus veiculos técnicos, vivendo e subsis- tindo num mundo finito). Tornando-se a medida, a velocidade transforma-se na “esperanga do Ocidente” ~ esperanga de supremacia, cevidentemente, consubstanciada no veicula, isto é no veror tecnolégico Na terceia parte, ‘A sociedade dromocritics’, Virilio se volta para 98 efeitos que o investimento na velocidade tecnolégica provoca nos corpos. O objetivo € mostrar como a légica da corrida, desinvestindo da terra e do mundo, e investindo progressivamente no vetor, piomove tum verdadero assalto & natureza do homem, De um lado, hit as elites dromocriticas, que prezam a mobilidade acima de tudo, porque sabem que dominar significa poderinvadir © ocupar uma posigio dominante, © que as leva a buscar préteses cada ver mais sofisticadas. De outro, bi 08 proletirios-soldados € os proletitios-operirias, cujos corpos serio despotenciados, induzidos a uma morte lenta. E se a progressiva desterritorializacao significa para as elites uma intensificagao do domi- nio, para as massas, significa desenrai-zamento, destruiio do habitat, privasio de identidade, exclusto, perda da anima, do movimento. Nesse contexto, enquanto a guerra moderna vai prescindindo cada vez mais do proleririo-soldado, a automasio da producio vai tornando obsoleto © proletirio-operirio, prenunciando 0 fim do proletariado. A esse respeito, é interessante notar como a leitura de Virlio, antes ‘mesmo que 0s anos 80 comegassem a tornar evidente a progressiva superfluidade do proletariado, j previa: "(..) foram-se os tempos em que a energia cinética do proletariado dominava a vida politica apds cer dominado 0 campo de batalha (..). Doravante, 0 corpo animal do proletariado ests desvalorizado como acontecera, antes dele, com os compos das outras espécies domésticas.” A andlise crua, chocante, tevelava uuma tendéncia que os fatos postetioress6 vieram confirmar, A progressiva obsolescéncia do proletariado, mas também a crescente latino-ameti~ canizagio dos paises industrializados, a fusio dos interesses industriais R ‘e militares, a desordem urbana, a desestabilizagao do Estado-nacio, foram criando um clima de inseguranga que os analistas politicos hoje denominam “a nova (desjordem mundial” e que Virlio j& antecipar Com efeito, Velocidade e Politica aponta até mesmo para a transformagio da seguranga numa das principais commodities do capitalismo con temporineo, ¢ para a correlata promogio do gangsterismo (que tem na ‘chantagem, na venda de protegio, a sua principal atividade) ao estatuto de politica oficial. Mais ainda: o livro j4 tematiza como a seguranga deve passar pela imobilizacio dos corpos, pela supressao das vontades ¢ dos gestos. Depois de anunciar que a revolugio dromocrética institui a dita dura do movimento, que o progresso dromolégico estabelece a velocidade desterritorializada como valor supremo, ¢ que a sociedade dromocritica instaura um regime de dominagio exercide através do controle do movimento, Virilio conclui seu répido insight sobre a logica a cottida com algumas consideragSes sobre o estado no qual passamos a viver ~ estado de emergéncia. E escreve: “A manobra que consistia fontem em ceder terreno para ganhar tempo perde todo sentido; atualmente, 0 ganho de tempo € questio exclusivamente de vetores, € 0 territério perdeu seu significado ante o projétil. De fato, 0 valor estratégico do néo-lugar da velocidade suplancou definitivamente 0 do lugar, ¢ a questi da posse do tempo renovou a da posse territorial.” ‘Assim, a guerra e a politica nio sio mais travadas pelo controle e ocupacio do espaco, mas pelo dominio do e no tempo. A dissuasio € a automagio expressam, nos campos militar e civil, esse avango da légica da corrida que troca a estratégia pela logistica, desloca © conflico do estigio da asia para o da concepsio ¢ Petmanente estado de tensio. Velocidade e Politica é, porcanto, como que uma espécie de captasio, numa vertigem, das implicagoes politico-militares da desvalorizagio do mundo enquanto ceatro de operacSes e campo da liberdade de a¢io humana? O livro ¢ 0 registro de uma descoberta fecunda — a supremacia do nio-lugar sobre o lugar — cujos diversos aspectos e implicagdes Virilio neecipa o confronro, gerando um * Geifo do autor 2 Hurl ‘scabou o contara com a rer imunda!” = exlama o frais Marines em 1905. Meio meas passard a explorar em todos os seus textos subseqiientes. E significative que, quase vinte anos depois de seu fangamento, em 1995, 0 autor publique Vitese de libération’, meditagio sobre as transformagdes ope- radas em nossa percepgio desde que os astronautas da Apollo 11 se cemanciparam da forga da gravidade terrestre a 28.000 km/hora, ¢ “cal- ram para cima”. Ali, Vitilio escreve: “Na Terra, a velocidade de liberardo € de 11.200 km por segundo. Abaixo dessa aceleragio, todas as velo: cidades estio condicionadas pela atragio terrestre, inclusive a de nossa visio das coisas, Forga centrifuga e centripeta, de um lado, resisténcia 20 avango, de outro, tode movimento de deslocamento fisico, horizon- tal ou vertical, depende portanco da forga de gravitaco na superficie do globo. Como entéo nio centar estimar a interacio dessa gravidade com nossa percepgao da paisagem mundana?” Viteste de libération & um ensaio sobre 0 que acontece quando a atragio terrestre € superada. Assim, em virtude de seu préprio tema, pode-se dizer que esse livro é a continuagao ou a retomada de Velocidade ¢ Politica. Muitas e enormes mudangas sociais, econdmicas ¢ tecnol6gicas ocorreram no intervalo que separa os dois volumes, e seria até supérfluo enumeré-las. Mas se hi uma que se tornou patente para todos, € a que se refere a0 encolhimento do mundo, a essa estranha contragio que foi aproximando tanto todos os lugares, todas as suas faces, a ponto de fazer dele uma interface. Virilio pressentiu que a revolugio da informacio € 0 movimento de globalizagio conduzitiam tal processo. Por isso mes- imo, € tentador deixar-Ihe a tiltima palavra, como um convite para que © leitor descubra também © que se anuncia em seu tltimo texto: “Ja fundamentalmente depreciado pela poluigio material das subs- tincias (atmosfera, hidrosfers. litosfera.... nosso planeta também o é, embora mais discretamente, pela poluigdo amaterial das distincias (estas, dromosféricas) que nos leva a nos emanciparmas do “solo de referencia” da experiéncia sensivel da geografia — gracas principalmente 4 aquisigio de uma velocidade dita de liberagia ~, mas que tambérn nos obriga a perder as referencias, © contato com as superficies da matéria, para inserever nossa ago interativa no extra-campo de um espaco sem gravi- dade, para tcleagir instantaneamente na trajetéria cibernética de * Paul Viilio, Vitewe de ination, Cll. Espace critique, Pais, Galilee, 1995. “4 ‘uma realidade segunda; como as prdprias nogées de relevo ou de volume ngo afetam mais apenas a matéria e sua terceira dimensio, mas também ia propria realidede da quarta dimensde, provocam entio wma ‘castrofe temporal’, esse acidente do tempo real que hoje vem sobrepor-se & antiga ‘catéstrofe material’, cuja marca o tempo profundo de nossa ‘geologia’ ainda conserva.” Laymert Garcia dos Santos, abril de 1996 15 Primeira parte A revolucio dromocratica Do direito a rua ao direito ao Estado "Eta massa de individuct gue a menor unidade silcar apreenca ao albar, uni ranma vigem contum ‘cuusewrr, 1806, Em todas as revolugies, a circulagio € uma presenga paradoxal. Em junho de 1848, observa Engels: “Os primeiros ajuntamentos acon- tecem nos grandes bulevares, onde a vida de Paris circula mais intensa- mente.” Menos de um século mais tarde, Weber comenta sabre 0 desaparecimento de Rosa Luxemburgo e K. Liebknecht, como se estivesse tratando das conseqtiéncias de uma colisio, de um engavetamento: "Eles invocaram a rua ¢ a rua os matou!” A massa nfo é um povo, uma sociedade; é uma multidio de passantes. O contingente revelucionitio ‘fo atinge sua forma ideal nos locais de producio e sim na rua, quando deixa de ser, durante algum tempo, substituto técnico da méquina ¢ tomate, ele préptio, motor (maquina de assalto), isto &, pradutor de vwelocidade. Para a multidio de desempregados, de operirios desmobilizados ¢ sem ocupacio, Paris é una malha de trajetérias, uma sucessio de suas ¢ avenidas por onde eles erram boa parte do tempo sem objetivo, sem destino, sob assédio de uma repressio policial encarregada de contcolar sua vadiagem. Para os diversos bandos revolucionatios, como os apache?! J: imprensa parsicnse popularizou 0 term depois da agresio de um veculo Baru de Bagot, pox um ban de malekores cj edebe “apacte dour As serviuie de inapiaqan " ¢ outros grupos suspeitos dos bairros periféricos, na hora H_seré mais importante conservar a rua do que ocupar este ou aquele edificio. Em 1931, durante as lutas travadas pelos nacional-socialistas contra ‘0s partidos marxistas na capital alem&, observa Joseph Goebbels: “Quem conquistar a rua, conquistard também o Estadot"? © asfalto seria entio territério politico? © Estado burgués, seu poder, sera a rua ou estaré na rua? Sua forca virtual e sua extensio estario nos locais de circulagao intensa, na via ripida? ‘Assim, escreve ainda Goebbels, a tespeito dos combates de Berti: “O ideal militance ¢ 0 combatente politico dente do Exército Pardo, enquanto Movimento... c obedecendo a uma lei que as vezes nem mes- ‘mo conhece, mas que poderia recitar em sonho... assim, colocamos em marcha seres fansticos.” Ele compara entio, cientificamente, os estenogramas de seus di- versos discursos, os que fizera no interior e depois, em Betlim, cons- tratando que o “conglomerado sociolégico informe” da capital exigiu a invencio de uma “nova linguagem de massa" “O ritmo da metrépole de quatro milhdes de almas palpita como lum sopro ardente em meio as pregacées dos propagandists... Falou-se aqui uma lingua nova e moderna que nada mais tem a ver com as formas de expressio arcaicas e, por assim dizer, populares; este € 0 inicio de um estilo artistico inédito, primeira forma de expressio animada e galvanizante.” A rebelido recompse a matilha (a original, dos cagadores/das razzias). Conduzir os bandos de “soldados perdidos” do exézcito operitio, seus DROMOMANES®, € para seu lider, o mesmo que sublevé-los, “condusiclos a0 ataque como uma matilhs de cies” — precisava Saint. Just =, cadenciar trajet6ria da massa mével com métodos de estimulagio grosseitos, sinfonia polémica, transmitida de longe em lon- ge, de um a outso, polifénica e multicolorids', como sinais e placas de 2, Kampf um Berlin, publicado dois anos antes da tomada de poser pelos nacional- socialists, em 1931, ¢ dedicado por Josoph Goebbels “A velha guarda berlinense do Pars. 3. Dromomanes, Nome dado 205 deserotes na époea do Ancien Régime, e,em pi ‘uiatra, mania deambulacéia (feomommania). 4, Marinette comentérios de Giovanni Lista, Pots dawjourd ui 20 twinsito destinados a acelerar trombada, 0 choque acidental, objetivo final da manifestagio de rua, da desordem urbana. “A propaganda deve ser feita diretamente pela palavra e pela imagem, do pelo escrito”, afirma ainda Gocbbels, ele mesmo um arauto do audiovisual na Ale- manha. O tempo de leitura implica o de reflexio, uma desaceleragio que destrdi a eficitncia dindmica da massa. Se algum monumento é ocasionalmente ocupado pela malta, ele ser rapidamente transfor do em lugar de passagem onde cada um entra e sai, leva e trazj trata de uma tomada com ocupagio temporaria, o saque pelo saque, como se viu em 1975, por ocasifo da queda de Saigon. Existe, a0 longo de toda a histéria, uma errancia revolucionétia no expressa, no revelada, a organizagio de um Pxistino TRANSPORTS: CoLETIVvo que, no entanto, ¢ a prépria revolugio. Assim, a velha convic- slo de que “toda revolugio ¢ feita na cidade”, vem da cidade, e a expres- sio “ditadura da Comuna de Paris’, ucilizada desde os acontecimentos de 1789, nio deveriam sugerir tanto a clissica oposicio cidadc/campo quante_2 oposigio estagio/cisculagio. ‘Apesar das investigagdes comprobatérias sobre os tragados urba- nos, a cidade nio foi priaritariamente percehida como habitat humano penetrado por uma via de comunicasio répida (rio, estrada, litoral, via frrea..). Ao que parece, esquecet-se que a rua € té0-somente uma estrada atravessando uma aglomeragio urbana, ainda que, a cada dia, entretanto, a legislagio sobre a “limitagao de velocidade” dos vefculos, nas cidades nos evoque essa continuidade do deslocamento, do movimento, que apenas a lei da velocidade pode modular. A cidade é apenas uma paragem, um ponto sobre a via sinéptica de uma trajer6- fin, antigo talude de forcificasio snilitas, plataforma de vigildacis, fron- teira ou margem, onde se associam instrumentalmente o olhar ¢ a velocidade de locomogio dos veiculos. Gomo ja disse em outra oportu- hiidade, existe apenas a_circulagio habisdvel ', © esta € particularmente evidente hoje, por exemplo, no Japio, naquelas imensas baralhas revo- luciondtias que se reduzem 4 mera colisio, 4 provacagia do choque com 0 scrvigo de manutenga da ordem urbana, onde a massa superercinada de militantes esti armada com aparelhos audiovisuais, elmeras, gravadores, ete. Fla est consciente do eariter cinético de sua 5:*Gireulation habitable”. Absil de 1966. Architecrare Principe, N 3 au ago, da instantancidade de sua presensa, desaparecendo logo cm se- guida da rua que filma e grava, cles, os préprios passantes, pars quem @ proibigéo de estacionar acumula-se a de se congregar. Escamoreou-se, igualmente, o slogan to revelador dos revoltosos de 1848: “Massas desesperadas”, escreve Engels, “que reclamavam pio, trabalho ou a mor- te.” Na verdade, a palavra de ordem desses “batalhdes operirios”, como ‘cram chamados, ¢ que deviam ser deportados & forca para o interior, ou ‘engajados no exército, era: “NOs FiCAREMOS!”... nés estacionaremos! Tanto_ a utopia socialista do século XIX quanto a utopia democritica da égora_ antiga Toram Titeralmente enterradas sob o vasto canteiro de obras da_ construgio urbana, ocultando 0 aspecto antropolégico fundamental da revolugio, da_prolerarizacio: © fendmeno migratério. Em 21 de setembro de 1788, Arthur Young observa em seu célebre: didrio: “Desde minha chegada a Nantes, tenho ido ao teatro que foi recentemente construido em bela pedra branca. Era domingo e, conse- giientemente, ele estava cheio, Meu Deus! exclamava intimamente. para este espeticulo entao que conduziam todas aquelas charnecas, aque- les desertos, aqueles lamacais, aquelas brumas, aqueles cerrenos pantanosos percortidos ao longo de 300 milhas? Passais sem grande transig¢&o da mendicincia & abundancia, da miséria das cabanas de terra a esplendidos espetéculos que custam 500 libras por sessio. ‘A cidade nova com sua riqueza, suas organizages récnicas inéditas, suas universidades e seus museus, suas lojas ¢ suas festas permanentes, seu conforto, seu saber e sua seguranga, parecia um ponto fixo ideal onde vinha encertar-se uma penosa viagem, um desembarcadouro final da migragéo das massas ¢ de suas esperangas depois de uma travessia perigosa, de tal sorte que se confundiu, até recentemente, uthano © urbanidade, que se tomou pot um lugar de trocas sociais € culturais 0 que nio passava de um entroncamento rodovidrio ou ferrovidrio. Confundiu-se uma encruailhada com a via pata 0 socialismo. ‘Se as municipalidades alugam a prego de ouso-e sobrecarregam de impostos.as janelas-e-fachadas-que-dao-para-as-ruas, as pérticos, é que todos esses detalhies arquitetSnicos-do-domieilio. burgués comportam, tradicionalmente, a possibilidade de comércio € informagio. As vitri- nes das prostitutas holandesas reproduzem, ainda hoje, aquelas ancigas bow-windous, cujo peitoril saliente permitia uma visio panordmica de tudo que chegava e partia, © espeticulo da ruaé a citculagio, o pilgrim’ 2 progress, movimento de progressio, de procissao, simultaneamente via- igem ¢ aperfeigoamento, marcha equiparada ao progresso rumo a alguma coisa melhor, peregrinagio que inundou a Idade Média.® A rua é como. um novo literal: o domictlio, um porto do transporte de onde se pade ‘medir a importincia do fluxo social, prever scus teansbordamentos..As portas da cidade, seus postos fiscais e suas alfindegas sio barreizas, filtros a fluidez das_massas, ao poder de penetragio das hordas migrat6rias. As antigas praias pantanosas e malsis que rodeavam a cidade fontficada, os congeplains do escravo americano, as velhas fortificagses, as periferias pobres e as favelas, mas também o hospicio, a caserna, e a prisio, resolvem mais um problema de circulagio que de enclau- suramento ou de exclusio. Sio todos lugares imprecisos porque, entre duas velocidades de trinsico, agem como freios & penetragio, a sua aceleracio. Situados, desde a origem, nas vias de comunicagio terrestte ou fluvial, clas sio posteriormente comparadas a cloacas, a dguas estagnadas, A interrupeao do fluxo (do progresso), a brusca auséncia de motricidade ctia, inelutavelmente, uma cortupcio quase orginica das massas, “Espasos.neutros, espagos sem género”, escieve Balzac, “onde todos_os_vicios, todos.os infortuinios de Paris encontram asilo.” Ea origem do subirbio, simultancamente jurisdicgao de proibicio ¢ dis- tancia linear ¢ horétia, isto & depdsito e divisio de carga da macéria social como de mercadorias, de viveres, e daquele gado a0 qual 0 prole- tariado “bragal” ¢ equiparado hi milénios, animais um tanto selvagens transformados em bestas de carga ou de guerra. As condigoes de explo- tagio das massas proletarizadas ilustram, perfeitamente, aliés, a definigao de domesticagio de Geoffroy Saint-Hilaire: _“Domesticar um animal ¢ habitui-lo a viver © a se reproduzis nas hrabitagées dos homens ou 20 seu lado.” O “direito de alojamento” nao & como se pretendeu, “o direito 3 cidade”. Como o bande inorginico de animais selvagens, a multidio proletéria waz em si-uma ameaga, uma carga de mistério c de ferocidade. Permite-se que cla, em sua condicéo de “doméstica", congregue-se e teproduze-se-pervo-da morada 80 suas vistas — os problemas do habitat humano propria- mente dito sio absolutamente diferenciados dos do plantel proletério, & Pili progres Lait rave Uh p. 353, colegio Ea, Levis Momfod ne, Eons du Sel 1964 23 de seu alajamento no galinheiro do castclo, nos subitbies da praca forte. Tal como o estibulo ou 0 cercado, 0 alojamento provisério das rmassas migrantes implica seu relativo afastamento da moradia dos ho- mens, isto 6, da cidade. A burguesia extrairé seu poder inicial ¢ suas caracterfsticas de classe menos do comércio e da inciistria (que, como m especificos ~ conhece-se 0 papel crucial do se sabe, nao Ihe © monasticismo, da cavalaria, etc., no dominio dos bancos, das indisttias...) do que desta implaniagao estratégica, estabelecenda-o “domicilio fixo” como valor (moneritio, social)” da especul: rio), deste direito de enquanto venda ¢ teéfico-do.imével (do imo! tesidir por trés das muralhas das cidades forvificadas: direito 4 seguranga. A preservagio em meio a perigosa migra¢o de um mundo de petegri- nos, compradores, soldados, exilados, deslocando-se-aos-milhaes. A pattir de 1027(a Comuna de Cambrai), as “liberdades urbanas” vio se estender, pouco a pouco, a todas as cidades comerciais — pode-se identifici-las facilmente em um mapa. Elas estao todas logicamente instaladas Js margens-das-principais-vias-fluviais-ou-terresttes, 20 asso ‘que as regides de dificil acess0, como a Bretanha ou o Mevigo Central, apresentam poueas ou nenhuma cidade. A instauragao do poder bur- gués com a revolugio comunal jé pode ser comparada a uma “guerra de libertaggo nacional’, pois opée diretamente uma popu um ocupante militar vindo do Leste que pretende organizar sua con- aquista. A garantia das liberdades urbanas é, em primeito lugar, a rcor- ganizagio do antigo sitio galo-tomano segundo a formula do_castelo fortificado, a construgio daquelas fortalezas impenetraveis que nada tinham a temer das maquinas de guerra de entio, e tudo a temes, cons- tantemente, das surpresas ¢-acdis trazidos de fora, do exteriar, de longe, com a massa némade. Se a organizacio da antiga villa, sua transforma ‘gio em castelo pelo colonizador feudal, erguia suas paligadas ¢ seus taludes de terra contra todos os perigos ¢ flagelos naturais sem distin- Gio, a arquitetura do castelo fortificado que o sucedeu perde este cardter rural ¢ tomna-se genuinamente militar. Ela visa agora um nico inimigo: co homem de guerra. Além do mais, o que diferencia a fortaleza antiga e ada Idade- Média européia, apesar de sua aparente semelhanea, & que 7. Tem. A presen funditra considerada, em si, como sufciente, antes da presen a especulativa 24 a esta siktima,_gracas & organizacio arquiteténica de seus espagos inter- hnos®, permite prolongar indefinidamente 0 combate, com seus orificios, seus ressaltos, sts chicanas, suas altas muralhas... 0 recinto fortificado da Idade Média cria um campo attifici ‘onde a coagio pode ser exercida tanto no plano fisico quanto no psicolégica, Depois de Maquiavel, Vauban preconizard energicamente esta maneita de evitar a carnificina ¢ eliminar 0 inimigo pela simples construcéo de um universo topolégico constituido “de um conjunto de mecanismos capar de receber uma forma definida de energia (nas cir- ccunstincias, a massa mével dos ageessores), transfarmé-la e, finalmente, restitui-la sob uma forma mais apropriada... Reorganizada segundo 0 mesmo principio, a fortaleza comunal faz desse campo um paleo continua sendo um “campo de armadilhas” estendido ao adversario, mas este tilrimo muda uma vez mais de natureza, pasando a ser doravante um inimigo social. Além de sua funeo milicar, a muralha dessa praga forte assume uma fungio de classe; € sua concepgio poliorcética que a capacita a prolongar indefinidamente o enfrentamento social. A burguesia comunal cria um novo fenémeno, uma espécic de guerra prolongada ¢ paciente que teria toda a aparéncia da inércia da paz, sem as efusdes sangrentas da antiga guerra civil, das explosoes sazonais ¢ das movimentagées violentas do campo de batalha camponés, © poder burgués é militar antes de ser econdmico, mas cle se relaciona mais precisamente & permanéncia oculta do estado de sitio, a0 surgimento das pragas fortes, essas “grandes miquinas iméveis diferes temente fabricadas””. Da mesma forma, a decadéncia da burguesia enclausurada ea perda de sua vontade propria, estario relacionadas a0 fracasso de sua técnica militar (no Ambito dos conflitos terrestres), naquele ‘momento cm que, como observa Montesquieu: “Com a invengio da pélvo- 2 no h4 mais lugar inexpugnivel.” ‘Clausewitz mostrou admiravelmente 0s mercenstios das grandes cidae des italianas, e depois, das européias, prestando servigos as economias pode- ros, as inicas capazes de fornecer 20 empresirio militar um orgamento cada 8 Paul Visio, Linctarié du terre, p. 77 © sepimtes, colegio Monde Ours, Stock, 1976, , . 9. Curso de fortifcagio permanente da Feo ‘applica 1888. Citagio de Vauban n du génie er de Varillese, 25 vez mais substancial: bens ¢ valores tansferiveis que ele poder evar consigo 30 final de seu contrato de engajamenco (donde “esa combinacio evidente entre a moeda e o que pareve fundi-la, seu significado militar”. Marx a Engels, 25 de setembro de 1857), mas nao percebeuclaramente seu papel como conselheira técnico, como engenhciro (fbricante de engeniwos). Ora, séo precisamente os engenbiros militares que-conforme as circunstinciss,sio capazes de. proceger ou destin as segurangas-privadas no interior da cidadela burguesa. E esta, pois, a conjuntura ndo expressa de onde saitio.2s “eases antropdfigas’, no somente a burguesia-mas também a classe militar permanente. A definigio rmanssta do capitalism “consumidor da vids humans-e fandador do-trabalho ‘morto” aplica-se bem a burgucsia, mas enquanto asociada a seu conselheiro téenico. miltay inventando.simultancamente os meios.de_produzir ¢ destruie aquilo que cle produz, empresiria de guerra que estari na origena dos exércitos de Estado e, mais tarde, do complexo industrial-militar. Assim como 0 condeiiere soubera rentabilzar seu sistema de ruina inBluindo na organizagi econémica da cidade, a burguesia corral az em sia mesma soa ambigua de riqueza ¢ de produgio da descruigio ‘A formagao do amélgama fatal produaiu-se na pritica come um encon- tro fortuito: “A importincia estrarégica de uma posigéo nao resulta de com- binagBes mais ou menos hipotétcase sim da prépria configuracio da reo serd um enttoncamento importante de vias de comunicagio, o ponto de cruzamento de numetosas estradas ou a confluéncla de vale.” Como vimos anteriormente, em todo o lugar onde essas condigaes foram ppreenchidas, hi centros populacionais; onde hi circulagio, hé aglomerasio urbana. Em suma, as.condigies que facultaram 0 nascimento das grandes cidades-sio_as mesmas que cornam importantes os pontos estratégicos."” A solugéo impés-se por si mesma e, até 0 seulo XX, quase sempre sc decidiu transformar os centros mais populosos em grandes fortalezas. A Defesa Nacional_continuot misturando, de maneira quase medieval,-os militares aos civis, cujos recursos nfo deixavam.o exército indiferente_(abastecimento, mao-de- obra, alojamento, armamento, etc), 0s préptios-fundamentos-do capi- talismo. A imobilidade de suas riquezas ¢ que permite sustentar diretamente.o estado de sitio! Se a praca forte é uma méquina imével, a tarefa especifica do en- genheiro militar é lutar contra sua inércia. “A finalidade da fortificacio 10, Mem, 26 r io é de deter os exézcitos, de conté-los, «sim dominar e até movimentos” Por volta de 1870, 0 coronel Delair observa: “Toda fort Jeza deve possuir uma certa condigio particular, uma certa forga de resistncia que, entre os homens, chama-se de boa satide. Em tempos de paz, nés, oficiais de fastificagio, somos encarregados de manter_as_ fortalezas cm bom estado de saide...” E um pouco mais adiante: “A arte defensiva deve estar em continua transformagio; ela no escapa & Ici geral de nosso mundo: estacionar é morres." A fortaleza comunal é uma cidade-méquina, a tal ponto que Cormontaigne, Fourcroy ¢ muitos engenheiros do século XVIII, em seus “didrios ficticios devcercos” ou seus “momentos da fortificagéo”, fazem absttagio das tropas encarregadas de sta defesa, como se ela pu- desse funcionar sozinha, e 0 general Villemoisy constata, no século XIX, sua superioridade técnica: “Em trezentos cercos feitos pelos euro- peus desde 0 inicio do século, apenas em uma dezena de casos a fortificagao sucumbiu primeiro.” Os militares aparecem entio como dependences da concepgio geral da praca forte. Carnot preconiza, a esse respeito, a divisia. do trabalho: “Estd comprovado que a bravura a indiistria que, tomadas separadamente, nao seriam suficientes, po- dem, a0 ser reunidas, multiplicar-se muruamente.” Depois de Vauban, 0 defensores da cidade fortificada nao serio ocasionais, O decreto de 28 de setembro de 1886 determinard ainda a permanéncia dos gover- nadores das cidades fortficadas em scus postos, tanto em tempo de paz como de guerra, Da mesma maneira, a guarnicio ficaré adstrita a tarefas cotidianas, cada um de seus integrantes com uma fungio definida invaridvel, repetida dia apés dia (Os ocupantes da Linha Maginet, por sua ver, haviam adquirido hibito de chamé-la de “a fibrica’, Muito tempo depois do desman- telamento da velha cidade comunal c até o século.XX, quando subsistem as grandes fortificacées,-os militares continuam a s¢ abastecer-juntoa seu antigo empregador burgués, tomando-se lentamence “compradores", 0s interesses do empresirio de guerra continuam mesclados aos do ‘capitalismo em esquemas estratégicos permanentes: em,1793, Barére yalesa urbana 1, Idem. Ai também 0 objetivo militar junta-se 20 esquema da for “da evacuacio Desde a origem, & na cidade que se ealocam os problemas da sade, dos “dsjetos" 7 ‘compara a jovem Repitblica (a Comuna de Pars) a tema grande cidade sti, & pede que a Bunga inteim nfo-sia mais que um wisto campo militar. O triunfo politico da revolugio burguesa consist: em estender, 0 conjunto do rertitério nacional, o estado de sitio da cidace-mquina comunal, imével no interior de seu talude logistico ¢ de seus alojamentos domésticos. Em 1795, cla confiard aos novos exérctos ce Camot o encargo de rechaga para longe 0 assalto das massas populares vindas dos subsirbios, cercar o bitro Saint- Antoine, coagir os operitios apavorados a entregar as armas a seus 20 mil soldados que "j4 néo se lembravam que eles pertenciam a0 povo’(Babeut). O poder politico do Estado s6 é, pois, secundariamente, “o pader— organizado de uma classe para a opressio de outsa’. Num plano mais material, ele ¢ pili, policia, isto 6, servico de manutengao do sistema viirio, na medida em que, desde a aurora da revolugio burguess, © discusso politico nada mais é do que a retomada mais ou menos consciente de uma série de bandeiras da velha poliorcética comunal, confundindo a otdem social com o controle da circulacio (das pessoas, das mercadorias), €.a revolugio, o levante, com o engarrafamento, 0 estacionamento ilici- {@, 0 engavetamento, 2 colisio, Os resultados das eleicoes municipais, nna Franga, foram exemplares a esse respeito, pois reinscroveram no rer ritétio nacional, em 1977, o velho esquema de Baréee, dividindo a Franca em duas: no centro, 0 nticeo decisério da capital, onde a direita triunfa, ¢ a0 redor 0 vasto campo militar do subiixbio e do interior que votou na esquerda porque esté conscience de estar se transformando em um interior onde as atividades produtivas se debilitam. Ao conttitio, essas eleigGes mostram também o quanto © discurso da oposicio esti dominado pelo esquema retrégiado da poliorcética burguesa, confun- dindo a aptidio para 0 movimento de massa com a aptidio para 0 assalto, a ultreta do pilgrim progress. Mais ainda, este-esquema politico! policial admitido.finalmente-nos-tilimos-anos-por-todas as ideologias pesa tanto no planejamento urbano quanto na organizacio planetiria ‘A passagem_da “grande miquina imével” ao Estado-maquina e, final ‘mente, ao_planetaemiquista,.tealiza-se sem dificuldade, Politica de pro- stesso, de mudanga, sio.palavras varias se-ndo-se-cnxergar por tris. da megalépole elétrica, da cidade que nfo pira, a silhueta escura da velha fortaleza lutando-contra sta inércia © para quem parar significa morret Em todas as latitudes, 0 alojamento social, cidade-dormitério ow de trinsico, implantado nos limites das cidades, 4 beira das auto-estradas 28 an ‘ou das vias Férreas, os sistemas de pedigio rodovidrio que com tanta jnsisténcia © governo quer instaurar As postas mesmas de uma capital despovoada pela selegio, os quartéis-generais das forcas policiais instalados nas proximidades, todo esse aparato ¢ tio-somente a reconstituicdo das diversas pesas do motor da fortaleza, com seus flancos, suas gargantas, suas passagens subcerrineas, suas chicanas, a admissio 0 escapamento de suas portas, todo esse controle primordial da massa pelos érgios da defesa urbana. Viuese também, durante a ocupagio alemi, com que facilidade os pseudo-alojamentos sociais de subsirbio (Draney, por exemplo) podi- am, como © velho hospicio, transformar-se em agulhas ferrovistias desviando para oucras viagens, outras deportacées. E préprio de todos os regimes autoritétios, seja qual for sua ideologia, crazer para o primeiro plano o papel moderado dos exércitos das policias (atente-se para sua rivalidade) com respeito A ordem menosprezada da cireulagao politica Pode-se mesmo dizer que a ascensio do-totalitarismo-é perfeitamente cequiparével a0 desenvolvimento do controle estatal sobre a circulasio das massas ¢, portanto, desde a origem, facilmente identificével na his- teria dos grandes organismos administrativos do Estado: ¢ Sully, ele proprio grande mestre das vias puiblicas, quem tira “a administracao das fortificagies’ do marasmo, com 0 edito de 1604, ¢ Ihe imprime uma forma moderna que persistiré até 0 século XX, a despeito de todas as aparentes revolugées. Como observa Tocqueville, “os intendentes das forvficagées acumulam, da maneira mais ambfgua, os encargos civis do Estado com seus encargos militares". No reinado de Luis XIV, Mestine sera encarregado de recrutar companhias permanentes de mineiros, sapadores, barqueitos, que serio a origem do corps dic génie* ¢ substi- {uirio os engenheiros voluntérios, os inspetores do trabalho improvisados ou 05 empreiteiros civis de obras puiblicas, como o célebre Tarade, que estava encartegado simultaneamente do sistema visrio parisiense. Assim, as vésperas da revolugio burguesa de 1789, a0 corpo de engenheiros militares seria atribuida, providencialmente, uma tarefa nacional: * Corps da genie: sulsdviso tdenica das Fargas armadas tecestresencarregada, desde © século XVIII, na Franga, dos tabalhos de fotificagao, omganizagto do cerreno € das vias de comunicagdo, Mais genericamente, génie seria a are do ataque © da defesa dos Postos, locas, ete (N. do T) 29 cencarregava-se nfo s6 da consteusso/destrtisio da muralha urbana, mas também da expansio do talude logistico 20 conjunto do tertitétio (“0 vasto campo militar da nacio", de Bartte), Nao € preciso dizer mais nada sobre a reputagio excepcional do corpo de engenheiros militares, a partir do século XVI, reputagio que transformar-se-ia, no. século XIX, num verdadeiro culto, na filosofia, no romance. O engenheiro é celebrado como “sacerdoce da civilizagao” (Saint-Simon), imagem per- versa da qual voltaremos a falar, mas que surge muito naturalmente depois daquela do “castrametador”, ele préprio padre ou homem de Igreja, encarregado de ensinar “a arte de delimitar os campos ¢ cidades icadas com tracados geomérricos”. (Mas como observa 0 coronel Lazard, jd no se tratava de uma arce epecificamente militar e sim de uma espécie de reino da geometria descritiva projetada sobre os locais, sobre 0 conjunto da naturcza...)"* A classe militar nao nasce dos estados- maiores inchados do Ancien Régime, gabinetes onde se viam marechais € oficiais generais alternando-se, is vezes cotidianamente, no comando dos exércitos tradicionais. Esses nio se aventuravam, em tais condigoes € mesmo que dispusessem de orgamentos consideriveis, a apresentar alguma unidade de pensamento ou uma grande criatividade estratégi- ca. A Unica atividade militar que reivindica entio uma continuidade no plano das idéias € 0 projero logistico da fortaleza urbana. E dessa carga logistica equivoca que nasce o amélgama do planejamento dos combates ¢ da organizagio dos territérios, batizada de “Defesa Nacio- nal” pela revolugio burguesa. ‘Vauban € um precursor, neste caso. Grande leitor de Vitriivio ¢ ‘obcecado pelo modelo colonial romano, ele considera que as bases da guerra sio geopoliticas ¢ universais, que a geografia humana nao deve ficar A mercé da sorte ¢ sim de técnicas de organizacio capazes de con. trolar espagos mais ou menos vastos, impérios mais ou menos duradouros. Esse novo pensamento militar englabava, além do antigo 12, Vauban, Coronel Lazard, Libratie Alcan, 1934, Preficio de Weygand:"O autor ressalta, nos estitos de Vauban, a expresso “pais fonificads”, que ele aproxima, com felicdade, de “tepides fortfcadas"; 0 homem do genie nio & sempre tim precursor? ‘Quando o coronel Lazard estuda mais particulstmenteo engenheito no grande home de guera, ele insite em inocenté-o de qualquer formalism. Ze frm e pve ye 9 ‘verdadeio sistema de Vauban consisin em aplcara foifcco a terena No encontraron nada melhor, ultimamence, quando se tratou de protege nosso solo,” 30 sistema vidrio, a previsio econdmica, 0s problemas genéticos, limentares, etc. Foi também um engenheiro e diteror de fortificagdes, Charles de Fourcroy, que muito naturalmente publicou, em 1782, um dos primeiros organogeamas conhecidos, ¢ seu “Ensaio para uma tabela Jleométrica ou divertimento de um apreciador de mapas sobre os tamanhos de algumas cidades com uma planta ou tabela oferecendo comparacio dessas cidades por meio de uma mesma escala” foi o pri- meiro quadro contemporineo, com dupla entrada, do mapa cientifico da Franga dos Cassini Este pensamento milicar que pretende, pela planificagio funcio- nal, eliminar os acasos que Ihe parecem sindnimos de desastre € ru confunde-se perfeitamente, no final do Ancien Régime, com 0 pensa- ‘mento da classe politica burguesa, seu gosto pela nomenclatura racional, sua incansivel atividade de escriba roralitirio (enciclopedista), a osmose se fazendo & porta das cidades, membrana permesivel entre a estrada e a rua. © chefe da primeira municipalidade parisiense eta, como se sabe, patio da Hanse. A prefeitura controlava 0 porto de arcia, ¢ a nave ppermaneceria como o emblema veicular do que nfo era mais que uma nauta-cidade. As mesmas preocupagdes aparcciam, ainda por volta de 1749, nos erabalhos do oficial de matechalato Guillaute, por exempl “Fim das revoltas, das ocupagées, dos tumultos”, escreve Guillauce, ‘ordem piblica reinari se cuidarmos de organizar 0 tempo € 0 espaco hhumano encre cidade © campo por meio de uma regulamentagio severa do transito, se nos preocuparmos tanto com 0s horirios quanto com os nivelamentos € a sinalizagio, se pela normalizagao do habitat toda a Cidade se tornar transparente, isto é, familiar ao olhar policial.” Atualmente, muita gente descobre, com atraso, que uma-xez-pas- sado o “primeiro transporte coletivo” da tevolucio,.a-socialismo esvazi se bruscamente de qualquer contetido, pelo menos milicar (a Defesa Nacional) ¢ policial (a seguranga, a delagio, os campos militares). Ji € tempo de se render 2s evidéncias: a revolugio é 0 movimento, mas-o movimento nio €-uma revolugo. A politica nada mais é que 13. A Hanse patsiense, a quem se poderia chamar de os “mercadores de dgua € ‘que taficavam com o uso dos tos. (Ver Anciennes lis ampases t. XVID). 31 uma caixa de cimbio; a revolucio, apenas 0 overdrive a guerra “continuagto da politica por outros meios” seria antes uma perseguigéo “policial” em maior velocidade, em outros veiculos. A ultima rasio, justamente gravada nas pecas de artilharia de Luis XIV, exprimia per. feitamente esse procedimento de mudanga de velocidade: a pesa de artilharia € um veiculo misto que sintetiza dois tempos de deslocamen- to, o da carrera, racionada mais ou menos rapidamente, ¢ 0 do projétil, fulminante, rumo 4 explosio, como argumento iiltimo da razéo, Da mesma forma, o “socialismo politico” devido a sua natureza politica (Polis), normalmente fracassa quando cessa a aceleragio da guerra civil rumo & coliséo urbana. Hii quem veja com maus olhos a atual mulkiplicagio dos desfiles em Cidades, das manifestagbes deambulatérias © até mesmo dos “ralis de desempregados” como o de abril de 1977, por exemplo, em Thionville Eles nao perecbem claramente, apés a apoteose esportiva de maio de 1968, a eficécia profissional ou social de tais performances. Entretanto, tais tipos de comperigio urbana, de corridas com obstéculos, tém um objetivo preciso que clissicos da cultura revolucionaia ocidental como 0 Pravda recordavam, ainda no verdo passado: “O desfile nas ruas éa melhi alhadores para a luta pela comada do poder. Jé durante © Ancien Régime, quando a pessoa fisica do monarca cera identificads com 0 Estado, estar lé significava presenga do Estado, ocorrem agitagbes ¢ cenas de revoltas tio logo fica incerto 0 local de moradia do rei. © povo de Paris entra ininterruptamente Palais Royal adentro, contempla o soberano e retira-se mais tranqiilo. Da mesma forma, para as massas proletirias vindas dos campos ¢ dos subirbios, o simples fato de entrar no centro de Paris, de palmilhar suas avenidas ¢ suas twas epulentas, sko formas bem concretas de diminuir uma dis- tancia social ¢ politica real e mensurivel entre a massa ¢ 0 poder cons- tituido do Estado burgués. Com efeito, os movimentos de massa do Ancien Régime, exrando & procura da pessoa do monarca/Estado, prefiguravam esta nova organizagio dos fluxos de citculagao denomina, dh, arbitrriamente, de Revolusio Francesa, ¢ que € tio-somente a orga nizagdo racional de um rapto social. O “levante em massa” de 1793 € 0 rapio das massas. © discurso difundido pela propaganda revohucionstia é para a cidadela burguesa, como seu antigo discurso religioso; ele afasta ¢ 32 dissuade a massa mével, designa que o novo Estado revolucionsrio nfo esté ali, na cidade, na rua, e sim li fonge, distante, na imensidio de uma campanha universal e intemporal. “Abragat”, exclama Grégoire, a extensio dos séculos como a dos départements... liveat-se de wm preconceito muito arraigado que quer circunscrever a Republica a. um territério muito acanhado!” (27 de novembro de 1792). Enquanto atribui novas propriedades e bens imobilidrios para si propria, no local, € ameaca com a pena de morte os questionadores do principio da propriedade (18 de marco de 1793), 0 que a burguesia oferece como territirios a seus “convocades’, sio as estradas da Europa. “Onde estio os és, estd a patria” (ubi pedes, ibi patria) j& dizia 0 Direito Romano, Com a Revolucio Francesa, todas as estradas tarnam-se nacionais! © movimento sans-culotte parisiense precedeu o “levante em mas sas” de 1793, assim como, bem mais tarde, a sinistra aventura das Segdes de Assalto hitlerianas precede a mobilizagéo alema para a guerra total. Como as S.A., 0s sans-eulottes sio dromomaniacos, “estafetas do terror” langados na dianteira da Revolugio pelas ruas de Paris. © decreto de 21 de marco de 1793 legaliza sua fungao especifica: esses milixantes politicos enfierecidos so apenas o& agentes loghticas do terror, membros da “policia’: delacio dos “suspeitos”, vigilancia dos bairros ¢ dos iméveis, ificados de civismo, prisdes, mas também abastecimento, centrega de co tirclagio e wansporte mario dos genes alimenicios, eonttole dos precos... Em maio eles serio integrados 20 exército do Interior, e angados ‘em colunas infernais nas estradas dos departamentos; um ano mais tarde, seus chefes serio executados, como aconteceu com os chefes supremos das S.A., em 30 de junho de 1934, na “noite dos longos punhais”. A revolugio nada mais é que o desvio do velho assalto social. Carnot, como bom membro do Génie, canaliza sua vaga humana para longe da fortaleza comunal, para as “zonas dos exércitos’. Ele retira seus contigentes prioritariamente das forcas populares parisienses. O soldado do Ano II é arrancado da rua que pretendia conquistar ¢ engajado na viagem irracional, a deportagao da “marcha forgada’ longa ¢ mortifera “O novo exército” escreve Carnot, “é um exército de massa esmagando sob seu peso 0 adversirio numa ofénsiva permanente, x0 canto da 33 uma caixa de cambio; a revolucdo, apenas 0 over-drive a guerta “continuapdo da politica pot outtos meios” seria antes uma perseguigio “policial” em maior velocidade, em outros veiculos. A ulsima ratio, justamente gravada nas pecas de artilharia de Luis XIV, exprimia per feitamente esse procedimento de mudanga de velocidade: a pesa de antlharia é um veiculo misto que sintetiza dois tempos de deslocamen (0, o da carrera, tracionada mais ou menos rapidamente, ¢ 0 do projétil, fulminance, rumo 3 explosio, como argumento tikimo da razio. Da mesma forma, 0 “socialismo politico” devido a sua netweza politica (polis), normalmente fra tumo 4 colisio urbana... HA quem veja com maus olhos a atual multiplicagao dos desfiles em cidades, das manifestagoes deambulat6rias © até mesmo dos ‘ralis de desempregados” como o de abril de 1977, por exemplo, em Thiomille Eles ndo percebem claramente, aps a apoteose esportiva de maio de 1968, a eficicia profisional ou social de tais performances. Entretanto, tais tipos de competico urbana, de corridas com obsticulos, tém um objetivo preciso que cléssicos da cultura revolucionstia ocidental como 0 Pravda recordavam, ainda no verio passado: “O desfile nas ruas é a melh Dreparasio possivel dos erabalhadores para a luta pela comada do pode. Ji durante 0 Ancien Régime, quando a pessoa fisica do monarea ra identificada com 0 Estado, estar lé significava presenga do Estado, ocorrem agitagdes e cenas de revoltas tio logo fica incerto 0 local de moradia do rei. © povo de Patis entra inineercupeamente Palais Royal adentro, contempla o soberano e setira-se mais trangiiilo, Da mesma forma, para as massas proletirias vindas dos campos ¢ dos subtitbios, o simples fato de entrar no centro de Paris, de palmilhar suas avenidas suas ruas opulentas, sae formas bem concretas de diminuir uma dis- tincia social ¢ politica real e mensuravel entre a massa e 0 poder cons- tituide do Estado burgués. Com cfeito, os movimentos de massa do Ancien Régime, exrando & procura da pessoa do monarca/Estado, prefiguravam esta nova organizasao dos fluxos de circulacéo denomina. da, arbierriamente, de Revolugio Francesa, ¢ que étio-someate a orga nizacio racional de um rapto social, © “levante em massa’ de 1793 0 rapto das massas, O discurso difundido pela propaganda revolucioniria é, para a cidadela burguesa, como seu antigo discurso religioso; ele afista e ssa quando cessa a aceleragio da guetra civil 32 dissuade a massa mével, designa que © novo Estado revolucionsrio nfo esti ali, na cidade, na rua, ¢ sim 1é longe, distante, na imensidio de ‘uma campanha universal ¢ intemporal. “Abragar”, exclama Grégoire, “a extensio dos séculos como a dos départements... livearese de um preconceito muito arraigado que quer citcunscrever a Repiiblica a um territério muito acanhado!” (27 de novembro de 1792). Enquanto atribui novas propriedades € bens imobiliarios para si propria, no local, ¢ ameaga com 2 pena de morte os questionadores do principio da propriedade (18 de marco de 1793), 0 que a burguesia oferece como errtérios a seus “convocados”, sdo as estradas da Europa. “Onde estio os pés, estd a patria” (ubi pedes, sbi patria), jA dizia 0 Direico Romano. Com a Revolugio Francesa, rodas as extradas tornam-se nacionais! © movimento sens-culotte parisiense precedeu o “levante em mas- sas’ de 1793, assim como, bem mais tarde, a sinistea aventura das Segbes de Assalto hitlerianas precede a mobilizacao alema para a guerra total. Como as S.A., 08 sans-culoties sio dromomaniacos, “estafetas do terror" lancados na dianteira da Revolucio pelas ruas de Paris. O decreto de 21 de margo de 1795 legaliza sua funcio especifica: esses militantes politicos enfirecides sdo apenas os agentes ogisicos do terror, membros da ‘policia’: delacio dos “suspeitos”, vigilancia dos bairros e dos iméveis, entrega de certificados de civismo, prisées, mas também abastecimento, circulagao e transporte marftimo dos géneros alimenticios, controle dos pregos... Em maio eles serio integrados ao exército do Interior, e langados em colunas infernais nas estradas dos departamentos; um ano mais tarde, seus chefes serio executados, como aconteceu com os chefes supremos das S.A., em 30 de junho de 1934, na “noite dos longos punhais”. A revolugio nada mais ¢ que o desvio do velho assalto social. Carnot, como bom membro do Génie, canaliza sua vaga humana para longe da fortaleza comunal, para as “zonas dos exércitos”. Ele retira seus contigentes prioritariamente das forgas populares parisienses. © soldado do Ano II é arrancado da rua que pretendia conquistar € cngajado na vviagem irtacional, a deportagio da "marcha forcada’ longa ¢ mortifera. ‘© novo exército” escreve Carnot, “é um exército de massa ermagando sob sex peso 0 adversario numa ofensiva permanente, ao canto da 33 Marselhesa.” © hino nacional ¢ to-somente uma cangio de estrada, cadenciando a mecinica da marcha. Em suas memérias, Poumiés de la Siboutic observa: “Jamais se cantara canto... cancéo era wm poderoso ‘meio revolucionério, ‘a Manelhesa’inflamava as populagbes “Tanto © matemético Carnot como o doutor Poumits nao se enga- nam a esse respeito. O canto revolucionArio é uma energia cinética que impulsiona a massa para 0 campo de batalha, para aquele tipo de Assalto aque Shakespeate jé descrevia como “A Morte matando a Morte”. E é disso que se trata, com efeito, pois & preciso carregat sobre a artilharia inimiga, ¢ 0 inico recurso do soldado de infantaria € precipitarse contra os canes, matando, no préprio local, seus operadores. Mas, para isso, ele dispde de um tempo extremamente reduzido: aquele que 05 artilheitos precisam para recarregar sua pega. Tio logo 0 tro ¢ disparado, 6 infante precisa atirar-se entio para a frente na diregio dos canhées inimigos; sua vida vai depender da velocidade de sua corrida. Se for muito lento, morreré literalmente desintegrado pelo tiro dircto das bocas de fogo... Nesta nova guerra tudo se transformana questio do tempo ganho pela-homem sobre os projéieis mortais para-os-quais sua marcha o precipita; a velocidade significa Tempo_ganho, no sentido mais absoluto, que ele se torna Tempo humano difetamente.arranca~ do & Morte = daf essas insignias funestas da dizimagao arvoradas, a0 longo da histéria, peas tropas de Assalto, isto &, as srepas nipids (ban- dciras e uniformes negros, caveiras dos whlan’, das SS, etc). Além disso, porém, © que mais se pode pensar dessa revolugio que logo reduzir-se- a um Assalto permanente 20 Tempo? A ofensiva perpétua dos exércitos de massa de Carnot é a volta do velho “correr para a frente”. A salvacio jd no esti na fuga; a salvagio esta em “correr para sta Morte”, “matat sta Morte”. A salvagdo esté no Aualio simplesmente porque 0s novos veiculos balisticos tornam a fuga intiti; eles vdo mais deptessa € inais Tonge que 0 soldado, cles 0 aleangam ¢ ultrapassam. O homem, no ‘campo de bacalha, aparentemente s6 tem salvagio introduzindo-se de ‘maneira suicida na prépria trajetéria da velocidade dos engenhos. Ea isso que 0 impele, sem piedade, a nova jurisdigéo militar que literal- ‘mente 0 encerra “entre dois fogos"! A salvaydo geval sé poderd vir, donavante, ida massa toda alcangando a velocidade. Napoledo 1 exprime claramente * Ulan: lanceto nos ancigos exéxcitosalemes,rusos caustiacos, (N. do‘T.) 34 jdéia: “A aptidio para a guerra é a apridio para o movimento”, € = pends, que se deve avaliar a foxsa de um exérito “como ar mecinica, multiplicando sua massa por sua velocidad”, Hegel, que admirava os revolcionstios franceses, escreve, em je- reiro de 1807, a um amigo: “Todo francés aprendew a encarar a Moree Me frente... ¢ singularmente compara as velhas instituigSes a “esses Salados de crianga que ficaram tio apertados que sufacam « marcha © dfor guais 0 revolucionéris souberam se desembaragar™. Sempre a in- onsciente metafora dinimica, a nova dialética do campo de batalha ranserita em termos filosdficos € politicos. O soldado francés Subequipado encara cferivamente sua Morce de frente na garganta negra Ga boca de fogo para a qual se atira correndo, ¢ seriam necessirias “botas de sete Iéguas” para aquele “exérciro de andes” de que fala Goethe, Saquela eropa de andes, quando se esperava asistir & chegada de gigantes 2 Alemanha...”. Tsto era normal, jf que provavelmente seu tamanho havia sido avaliado por sua velocidade na estrada, que se havia imaginado as longas passadas de individuos enormes, que se havia pensado neste faror nove: o enorme desenvolvimento da energia cinética das massas revo Iuciondrias, Este discutso assimila a aquisigio das altas velocidades do ‘Assalto, da invasio ¢ até da explosio 4 “mecinica” de uma revolusio simbolizada, primeiro, pela conquista da rua, ¢ depois, “soltando-se” na estrada. Significativamente, cada combate totalititio reproduc ‘esse procedimento: os nacional-socialistas alemées, inimigos da bur- guesia ou, 20 menos, pretendendo sé-lo ainda que para_mobilizar os dromoman{acos das “SecGes de Assalto”, se assenhoram do Estado alemio cidade por cidade, ou melhor, rua por rua, antes de se expandir auto- estrada por auto-cstrada até 0s territrios vizinhos, como se « “colocagio tem marcha” das massas alemas pela pregagdo dindmica de seus lideres ja io pudesse ser contida. Apés a conquista da rua © 0 massacre das Segdes de Assalto, o motor nacional-socialista reencontrou seus condurores ordinérios: a pequena e média burguesia administrativay 0 grande capital que, desde os anos 20, Ihe fornecera importantes subsi- dios, a Reichswehr ¢ os veiculos de Rommel ¢ de Guderian, levando a frente militar para longe, “para onde esto 0s carros de assalto”, Com a guerra-relampago nacional-socialista, 0 antigo ¢ obsaleco muro-fronteira desaparecia, substituldo ostensivamence pela via répida. A nagio alema 4 mio esté mais exatamente onde se postam suas famosas boras, simbo- 35 los de seu exército, mas sob as esteiras de seus carros, na forga motriz. de seu “front de ago”. Como escrevia Ratzel, no final do século XIX: “A guerra consiste em passcar suas fronteiras pelo territétio alheio”. O front_ é doravante apenas uma isbbare guerreira renovanda os ansigas.vitos da fandagd. Para 0 dromocrata da guerra toral, porém, a cidade antes tio. cobicads nio esti mais na cidade. Vars6via, declarada arcaicamente “cidade aberta’, em setembro é desteuida pelos ataques aéteos. 36 Do direito 4 estrada ao direito ao Estado "0 casacay fui diferente segundo 1 época da Invengdo das mdquinas de dererur. aRD, dito de Barte-Duc Desde a tomada do poder, 0 governo nazista oferece ao proletariado ‘alemao esportes ¢ transportes. Acabam-se as revoltas, nio hi necessidade muita repress; asta esvaziar a rua promerendo a todos a estrada: & 0 “politico” do volkswagen, verdadeito plebiscito ji que Hitler con- 170.000 cidadios a adquiri-lo apesir de nao haver um sinico dis- © “NSKK” (National Socialistisches Krafifahr Korps, 0 corpo motivo nacional-socialista) foi organizado localmente ¢ segundo as tis de veiculos particulates. Ee logo congrega meio milhio de auto- Ras quic se exercitam na conduco dos veiculos em terrenos dificeis, ttica clo iro em movimento, ete. Cada membro desses cubes “espor- ‘fetomava assim praticamente as técnicas premonitérias do crime nzado de Bonnot ou de Al Capone, mas é bem verdade que se Brecht, Hem A Restivel Awensdo de Arturo Ui, divertiuse fuzendo de wim Bt 0 sésia de Hitler, as similitudes excedei a mera parddia: a cotrida der do migrante da civilizagio americana é, tal como 2 tragédia fascia anarquista de Bonnot, em 1911, inseparivel da revolugao Como Mussolini ou Hitler, as grandes figuras do gangs- © ameticano comegam na rua onde elas erram como mendigos, como = 0 famoso Jim Colosimo foi inicialmente varredor de rua e, dle scus compatriots, cle crazou com perfeita naturalidade © bazar politico na condigio de cabo eleitoral, de lobisea 37 Depois, as municipalidades ficario sob a influéncia da “tropa par- da’ de seus SA porque, novamente af, a apoteose automotiva dos anos 20 com seus raptos, fuzilamentos, combates de rua, as perseguisées desenfreadas de seus veiculos blindados, nio passa de um episédio téenico do assalto dromocritico feito 8 cidade € a suas riquezas por uma ‘massa migrante vinda da Europa ou da Asia, até se cransformar no ado americana, Al Capone nio era sustentado, Assalto 20 proprio entio, em escala nacional, pelo Partido Republi “formagao” & sua passagem voluntitia pelo exército americano? As eropas desconhecidas do gangsterismo aparecerio, alids, 4 lux do dia durante a Siltima guerra, por ocasido da libertagio da Icdlia, eessa gente transformar- no, € nio devia sua se-{ ento em “bons cidadaos americanos”. Num outro plano, compreende-se melhor como 0 governo dos Estados Unidos conseguirs superar a crise econdmica dos anos 30 ¢ curar as massas americanas da “tentagao da rua’, Também af a experiéncia dos dromocratas do gangsterismo nao foi imitil. O golpe de genio ficou por conta da substicuigso da repressdo diteta da rebeliso do proprio discurso politico pelo desvelamento da esséncia desse discurso: @ capacidade de transporte criada pela produgio em série de aucoméveis (desde 1914, na Ford) pode se transformar num assalto social, numa revolugio suficiente e capaz de modificar, uma vez mais, 0 modo de vida dos cidada remodelando integralmente um territério que, no comago do século, io custa lembrar, possuia apenas 400 quilémetros de esiradas. © douror Helmut Klotz observa, em 1937, que “O Corpo Auto- motivo Nacional Socialist’ ¢ uma organizagio que, dentro de limices estritos, pode ser imediatamente iil a motorizagao do exército alemio”, Ele considera que a motorizacio freqientemente & pouco vantajosa em grandes distincias, mas reconhece que no caso de distincias pequenas, cha tem 0 poder de aumeniar de mancira extraordindria as Forcas de (os, transformando todas as necessidades do consumidor, Assalto, Na margem oposta, a perpétua transformagio da estética barbara do veiculo americano fabricado em série, o exagero provocador de sua carrocetia, de seus enfeites, manifestam a permanéncia da revolugio social (progress no american way of life). Mas, 20 mesmo tempo, esse grande corpo automotivo foi emasculado, sua dirigibilidade é precaria € seu porente motor & contido. Como no caso das leis de limitagao da 38 yelocidade, trata-se af de aros de governo, isto é, 0 sistema viitio politico justamentc limitar 0 “poder de assalto extraordi-nario” que a vvisando ji 20 condutor fnotorizagio das massas desenvolve. Essa frustragio infligi ruscamente privado tanto da embriaguer das altas velocidades como da embriaguer alcodlica, esta proibigio veicular ¢ também a constituicao, Estado, de um novo porvir. Os milhares de jovens motoristas que se iniciam na mecinica, no ridio (no enduro de moto ou no trinsito) estio", como observa V. Bush, tem 1940, em Modern Arms and Free Men, “em verdadeiros campos de treinamento... ¢, no dia da prova, esse treinamento poders facilmente, e fnum tempo minimo, transformar-se em capacidade de construir 0 com- pplexo aparato da guetra.” De uma margem outra, um discurso simétri- co se desenvolve, Esse tipo de exploragéo permanente da apridio para o movimento da massa inorginica enquanto solupfo social nao € exclusiva dos paises industrializados. O problema dos calgados foi colocado pelo exército de massa i inddstria civil antes do problema dos veiculos. Em 1792, as intendéncias conseguem fornecer is wopas de “sa-nu-pieds"* duzentos pares de sapatos quando eram precisos 80 mil.' Entretanto, “sendo a marcha um instrumento estratégico mesmo fora do engsjamento”, como ji se viu, esse tipo de Assalto é desferide primeiro contra Tempo ¢ pode set realizado de maneira teérica quando nio se disp6e de meios macerias. Hoje em dia, os partidos de oposigio organizam lutas em torno do tempo de transporte” dos trabalhadores. Trata-se ai, novamente, de “tem- o 2 ganhar” © remontamos 3s origens da “metamorfose” social, a0 nivel da “tevolucio dos trés oitas” tio cara aos homens de 1848 ~ oito horas de trabalho, oito horas de sono, oito horas de lazer. Fato ainda mais notavel, €8sa reivindicagio tem, ao ser apresentada, desde a origem, 0 mérito sin- Bular de criar a Unidade entre todos os partidos, entre todos os movi- Mentos revoluciondtios, dos moderados aos extremistas. Esta espécie de Buerra do cempo” movida pelos trabalhadores “tem todas as vantagens de uma teivindicagio revoluciondria sem os seus inconvenientes”. A =_" F Vaenw-pied: indigente, miserivel. (N. do.) Spotiin de Sad epoae Sess aon anemic es ne « He Mase Se as indiserias de armamentos ff contam com grupos 39 Repiiblica dos Sovieres também julgou oportune incroduzi-la no outo- no de 1917, ea repiiblica alema, em 1918, Quanto & repiiblica francesa, ela teme um 1° de maio sangrento apés a guetta. Com efeito, para aquela data de 1919 prepara-se, uma vex mais, um enorme desfile de rua, ¢ 0 governo sabe que a tinica palavra de ordem sera pelas “oito horas". mas os chefes socialists nao acabavam de se investir das responsabilidades do poder? Um deles nao ditigia 0 Ministétio do Armamento? Conceder as “oito horas” era entio “conscr- var um selo definitivo, guardar na paz 0 que fora a unito sagrada na guern’ Nesse 1° de maio de 1919, o proletarindo est novamente desmo- bilizado, tendo acabado de deixar as trincheitss, ¢ reencontra a “morte diante de si” nas ruas da cidade, Depois das confraternizagses dos primeiros dias, 0 que se tomo por “ingratidio do pessoal da retaguar- da’ para com suas tropas de assalto € tio-somente © retorno 4 normali« dade, 20 sentimento de desconfianga e ao desprezo do citadino pelas rmassas girdvagas que teencontram sua liberdade de movimento ¢ voltam a ficar disponiveis pata a baralha politica... Em 1936, « prépria nacureza desses “lazeres das ito horas", que permanccera até entio misteriosa, se revela: os lazeres sio as férias remuneradas e as férias remunetadas, viagem... inclusive a “iltima viagem’, como ressalta, de forma bizarra, uma eélebre cancéo dessa Frente Popular supostamente eufirica... Re- volugie do transporte © nao da felicidade... para o terreno de camping, © albergue/cascrna da juventude, sempre os acampamentos, 0 vasto acampamento do territério. Mas nao iria declarat-se a guerra na Espanha, € a nio intervencio francesa nao transformar-se-ia no imulo da Frente Popular que se paralisa a0 recusar os desdobramentos dessa iiltima Viagem? A manipulasio abusiva do discusso dromoctitico pelos politicos da burguesia deveria ter nos alertado, hi muito tempo, sobre suas verdadeiras intengées revolucionaias Os eventos de 89 pretendiam ser uma revolta contia a sujeicio, isto & @ congo a imobilidade simbolizada pela antiga servidio feudal aque ainda subsistia, als, em certas regides como o Jura, revolta contra a restrigio & moradia ¢ a prisio arbitriria. Mas 0 que ninguém imagina- 40 a € que a “conquista da liberdade de ir ¢ vir", tio cara a Montaigne, vaca wransformar, num passe de migica, em coagto 2 mobilidade Pi stevante de massa” de 1793 € a instauragio de uma primeita ditadune do movimento substicuindo sucilmente a liberdade de movimento dos primeizos dias da revolusso. A reilidade do poder nesse primeito Estado Froderno aparece, para além da capitalizagio da violéncia, como capi- tulizagio do movimento. Em suma, 0 14 de julho de 1789, a vomada da Bastilha, foi um erro verdadeiramente foucaldiano do povo de Paris: 6 famaso simbolo do encarceramento era uma fortaleza jd vazia. Os revoltosos descobrem estupefatos que jé nao hé mais ninguém para Slibertar” por tris de suas formidaveis muralhas. O esquema estracégico da revolugio oferece, as duas classes domi- io em marcha’ do prolerariado rio” © um nantes, seu proletariado especifico: a militar do exércico de massas atirado sobre o “territério proletariado industrial, um “exército operirio” como é chamado, que permanece encerrado no vaste acampamento milizar do tertitétio nacio- nal, Pode-se distinguir claramente entio dus fungdes (ou melhor, fun- cionamentos) da base prolecéria assim mobilizada, porque jamais os fermos da proletarizagéo foram mais radicalmente colocados do que pela Convengio em seu decreto de fevereiro de 1793: “Os jovens uta” enquanto “os homens casados, as mulheres ¢ as criangas ficata adstritos & rica” (de armas, de vestuario, de barracas, de curativos, etc.), em suma, a0 aprovisionamento logistico. Percebe-se, pois, que a nova burguesia industrial tende a enriquecer capitalizando os “estos” (o sta) produtivos do prolerariado industrial (a burguesia girondina ¢ 0s fornccimentos de guerra, o Banco Suigo com Perrégaux, etc.) ¢ a classe milicar capitalizando 0 ato destrutivo da massa mével, a produedo da destruigéo realizada pelo poder de assalto do proletariado. A histéria mostra que a degenerescéncia das burguesias enclausuradas conduz, fatalmente, \ degradagio das massas producivas €4 ascensio dos métodos de prolesarizagio militar no Estado, Na vida teal, os Estados marxistas, por exemplo, aparecem primeiro como dita- duras da morricidade, woxalicatismo programando ¢ explorando minuci- ‘osamente todas as formas do movimento de massa, Depois da queda de Phnom Penh, 0 Camboja se transforma, segundo as taras restemunhas, " Indtil viruperar contra Marx € 0s um “vasto acampamento militar’ sovigticos “inventores do gulag’... quando na verdade se trata apenas de a um paroxismo do movimento de proletarizasao militar. Com efeico, segundo sua exata expresso, os Khmers vermethos consideram o conjunto das populagées civis de seu préprio pais, seus milhdes de homens, de mulheres ¢ de criangas, como "prisioneiros de guerra”. Os novos dirigentes do Camboja aplicam, ao que parece a0 pé da letra, uma dissertagZo entregue, vinte anos antes, na Sorbonne, por Kieu Samphan. Ali se percebe de onde vem o vieus que assola este malfadado pais, O esquema uc6pico da revolugée cambojana é apenas a antitese do esquema da revolugio burguesa: as grandes cidades foram brutal- mente esvariadas de seus habitantes, que foram massacrados ou devol- vidos para 0 campo; alguns bairros foram arrasados, substituidos por arrozais; néo hd mais qualquer tréfego entre cidade ¢ campo; a circula- io praticamente desapareceu, permanecendo na cidade despovoada apenas alguns batalhdes de infantaria, os chefes Khmers e algumas mis- s6es diplomdticas. Mais que uma revolugao, € 0 fim erigico do cerco dia fortaleza comunal tomada enfim por seus assaltances. No Vierna “libertado”, descobrem-se outros tipos de mobilizacio proletéria, Depois da queda de Saigon, 2 primeira preocupagio dos exércitos tevolucionéios foi colocar no trabalho de reconstrusio logistica (estradas estratégicas, vias férreas, pontes, etc.) gente tio “indigna” quanto as prostitutas ¢ os ociosos traficantes da grande cidade meridional, mas foi também ensinar sua juveneude dada com uniformes novos a “encenar” sua alegria de estar livre, fazendlo-a conhecer assim a singeleza de um poder que se limita & coagio ¢ a0 adestramento dos corpos, A ditadura do proletariado € cio-somence essa ditadura do. movimento (do ato) que revelam as grandes festas toralitérias, com suas imensas multiddes cinéticas. suas espartaquiadas e festas gindsticas sempre tio enaltecidas nos paises do Leste quanto na era do fascismo, Este sincronismo que integra milhares de individuos em formacoes geométricas, como o antigo “quadrado” da manobra militar, que integra © dinamismo das multiddes numa decotagio caleidoseépica, desenhando, conforme o gosto, slegans ou retracos gigantescos dos lideres do Partido, permitindo que © militante revolucionétio se torne, por tum curto momento, um pouco do corpo de Stalin ou Mao © mais interessante, porém, é que esses campos de reeducagio dos quais os vietnamitas, acompanhando os chineses, tanto se orgu- Tham, parecem eliminar do sistema a repressfo sangrenta ou os eastigos 2 s para onde sio enviadas pessoas sem julgamento jf ses campos pi = ir com sua denominagio genuinamente médica: 3 coxpos enfermos, beats ses cam fleveriam nos alert ina ei item a ver com a programagao meciniea dos ranean cla pretende comertilos O delingiente ow sien eicico na smo um adversirio politico. Ele jé stbgico nao & mais considerado co fo polis aes dicto 0 tratamento psiguierico gratuito” concedido pelos fomes ou pels amsicnos» eu intectuais, A crtera mac 2 su forma absoluta, pois a simples hipétese de atribuie ace isa um pensamentoantagbnico, a um concsto diferente, & imPinemte ewaiada, O dissidente & um corpo, sua disidéncia, am Ghlco posural — por exemplo, sua indoléncia, sua lscividade. Osten- Sacto hi ano dito de opinis gua dein gra € 3 cragio da confisso.” Os corpos sto culpados de no estarem mas Sirsonimdos é preciso recolocilos na linha do partido, na velocidade eum pove ingeiro em manobra para o qual cudo é motivo para exert dos fiscos piblicos, do clissco manejo de armas 20 relaxamento € 3 finda ni rua, nos campos, nas Fabrica, as esportes coletivos © 3 Banga as excursdes de vgilancia chitias e ecoldgieas, etc. Por ocasiao dh revoluczo culutalchinesa, ase freqlentemente nos rosos de Mao f de Chow-En Lai, come que um embarago diante desses milhdes de individuos brandindo como robs o “livrinho vermelho”. A revolugio deciviliasao desejada pelo poeta ita se reduzic esse conjuntoginistico, f2outra face de uma vastacampanha de delagio em massa que se afixava 3.A superagi da confissio, Na Idade Média,» pergunta¢ fia sob tortura a um tory “conhcrdor da verdae” ue deve dia capa evel de ua vontade, No Sésilo XIX, a tortura abla, mo por humanidade, ma porque se pereses que rode 440 (todo movimento humane) dita algum cago exceno, alguma impresso material fnvoluncsi, Desde tio, fiz falar centficamente as provas, f-secom que cas, Hscens modo, caenen’ sm lug do susplt,aprsenande seu indicios mareras ‘segundo um discrsolpercursocoetente. Cam win stig ealcala desde logo a forma “atal de um dislogo, os angl-saxdes rapidaren vericaram que Pts nics, de mexmas mati, ponte ex dvrns cas corn #5 mutuamente excuentes pela simples moslifcagio da order das mavrias A ps Tadic, de ceno modo, pegov 0 Sri, nbsiuindo a mtcbiale ds indo tenors elas impresses interiors do deo. A confiaso pique € obvida 8 evcla da vontade do sujeito, Ela franqueia seus lbios 4 fora, mas sab a forma de Facies © materiaisincaroncs que se retaminas por meeanismos de Prcanaliica, A questo nio ett somente em que o luxo continuo da confssio de prows a nos muros de Pequim, como, cem anos antes, na Comuna de Paris (Estado policial, disia dela Cluscret), como na revolucio cambojana, com seus “kang-Chhlop". O socialismo iia se reduzit a uma socializacio da informagio? Finalmente, € normal que a revolugio politica resulease nessa redistribuigdo da funcio (do poder) policial a todos os militantes, como o foi com qualquer agente do transporte militar, atrelado, desde 0 Ancien Régime, ao estabelecimento da transparéncia social, i observa, so das posturas © movimentos no adequados ao corpo social mas, a0 mesmo tempo, a0 compo territorial, como na vigilincia telirica, esplcie de policia ecoldgica que renova o controle urbano e parece uma solugae de futuro para © poder. Castro, trocando seus trajes desalinhados de guettlheiro por um uniforme & Pinochet, Brejnev se vestindo de marechal, a preseiga ma. ciga de cheles militares cobertos de medalhas em todas as tribunas socialistas do mundo, nos informam: os tlkimos eapitilizadores dev seo (Produtivo), os verdadeiros ditadores do movimenta sio les. Foi deles € nao de vagos filésofos ou idedlogos que nasceu, em 1789, a idéia politica de magdes em marcha, as massas do novo proletatiado militar tornando-se projéteisna metade do século XIX, com o triunfo da artilharia. industrial ea generalizagio da guetra de miquinas: “Os eanhibes pesadoy” excreve Tiotsky, em 1914, “inculcam na classe operitia a idéia de que quando no se pode contornar o obsticulo, resta ainda 0 recurso de Gestlo, as fies eudicas de sua pricologia cedendo lugar endo fses dindmicas’ #0 dlagnosticn dle um julgamento Final. Quando, or meio de textes, owve-se ainda uma confissio, eta evidente que nao ve ta acto de crime comet po se aor Este foi parclarmemtecompleade ple ccargimenro de zonas de mavginalzaco nos sistemas wbanos ©, mais ainda elo ‘criminastar atualmemte expetimentado pels polcia, Pode lacuna © os azatesderivados da ordem das materia informatica 0 discurso da acusacio poderia se vrnat absolutamente corey menos, prximo da corénca abso, representan, simulkaneamente cms seat fo sujet «em nome do abjero. Com io, seria possiveldipensartoranenen eorhere, deum seus, que ear menos informado sob eu psp dlto quevcamparchns Ere, nao sendo mais dtenor da "verdad", nada eri a confer. Ev grande meade ‘esquema do trabalho social na Feanga jd funciona assim, 44 | ‘Acompanhando Lenin, Mao qualificaria 0 povo de “forga mouria da hier an impos 2 impr da congue foes de nr Amer pola squ de pert 0 progres lgiico na medida Be, que cla aspire Histita. A cSénciamilicar, tal como a Hist pines uma pereepeso persistence do cinetamo dot cogpos despared- Foye, inyezsamente, or earpos podem surgi como os veloulo da hid Po mo caus wesnres iohricen Nepolego IIT pretendia que’"para'o hhomem de guerta, a recordacio & a propria cidncis" 45 Segunda parte O progresso dromolégico | i Do direito a0 espago ao direito ao Estado “0 ser dewinade 0 dgua é une rer em vertigem. Ele mare ss eada mint, sem cesay,alo de sua subtncia perce.” Uma caricatura inglesa do século XIX mostra Bonaparte e Pitt talhando, a golpes de sabre, uma grande torta em forma de globo terrestre, 0 francés apossando-se dos continentes, ¢ o inglés reservando omar para si, Trata-se de ums ourea partitha do universo na qual, em vvex de se enfrentarem sobre um mesmo terreno, nos limites de um campo de batalha, os adversitios optam por criar uma lata fisiea fundamental entre duas humanidades, uma que povoatia a terra, e outta, 08 oceanos, inventando nacées que no seriam mais terrestres, patrias nas quais nao se poderia colocar os pés, pétrias que no seriam mais paises. O mar € 6 mar livre, a associagio da. démos a0 elemento da liberdade (de movimento). © “direito ao mar” é, s0 que parece, uma criagio especificamente acidental, como seria, mais tarde, o “direito 20 espago aéteo”, elemento em que © marechal-do-ar Goering sonhara instalar die fliegende Nation, 0 démos naaista.' “Todo alemao deveria aprender a voat... Dormem asas na carne do homem.” Ante o vo dos primeiros foguetes, Hitler, que sente a derrota militar se aproximar, pode dizer a Dorberger: "Se tivesse acreditado em vosso trabalho, néo 1. F Thiedee E, Schmahe, Die flgende Nation, Ed. Union Deutsche Verlaganstalt, Beatin, 1953 49 teria havido necessidade de guetta...” ou, ao menos, nfo teria havido necesidade de luta! Vencer sem luta um adversério continental que se linga © se esgora incessantemente nos limies espago-temporais do campo de batalha ter restre & o que conseguiria, como se sabe, a Inglaterta. Til como Napoleio, Hider seria vencido pelos homens da flect in being’, que extrairiam 4 vitéria continuamente de sua inacessibilidade para o combate, do aban dono do principio nocivo de que € preciso atacat 0 inimigo tao logo ele é pereebido, encurtar a distincia entre ele e nds. A flect in being é a Ingistica realizando plenamente a estratégia como arte do movimento dos corpos ndo ists, & 4 presenga permanente de uma frota invislvel no mar podendo golpear 0 adversirio em qualquer lugar ea qualquer momento, aniquilando sua vontade de poder com a ct onde ele nunea «: isto é, de vencer io de uma zona de insegueanga global ricm condigées de “decidir” com seguranca, de querer, rata-se, pois, sobretudo, de uma nova idéia da violéncia {que no nasce mais do enfrentamento direto, do derramamento de sangue, mas das propriedades desiguais dos corpos, da avaliagto da quantidade de movimentos que Ihes 530 permitidos num elemento cscolhido, da verificagio permanente de sua eficicia dinimica. Se Napoledo julgava a forga de um exército em termos mecinicos, Mauticio da Saxénia foi um dos primeiros a compreender, no continents, que 4 violencia pade se red 3 go mavimena apenas: “Nao so a fro das bah" afrava de, tou persuadido de que um general habil pode fazer a guerra durante toda asa vide sem sever obrigade iso.” Na Europa Ochi, no cate, uum espago reduzido ¢ acidentado, nao se poderia pretender “destruir © adversirio” sem ser forgado, algum dia, aa enfrentamento diveto entre massas militares cada vez mais numerosas: a situacéo de enclave da Alemanha é 0 melhor exemplo dessa coacao historica criadora de um belicismo sangren- to € imperativo, © da teoria prussiana. Em compensacio, em seu imenso santuitio maritimo, a home fleet podia evitar quase indefinidamente a batalha. Ela nio se via coagida pelo adversirio a algum combate desesperado, contanto que, mesmo estando presente, ficasse fora de aleance. 2. ‘Desde o final do século XVI, a ler n being {emul imaginada pelo almiran- ce Herbert, maveara a passagem do tur a0 etande no exetccin da conto sobre o auversiro. 0 fim do aparelho naval eda guetta de perto: 0 niimero eo poder de fage dds navios alinhadosrornam-se scoundi i - Stock, 1976. aul Vili, Fnsaner lnsécurit? da triton, 30 r Nio se ver forgado a um combace desesperado mas provocar no adversirio um desespero prolongado, infigirihe continuos so ‘os morais © materiais que o enfraquccam c destruans a estrarégia inditeta Jc. Como diz 0 pode desesperar um povo sem derramamento de ’ adigio: “O medo ¢ 0 mais cruel dos assassinos; ele no mata jamais, mas vos impede de viver.” Afinal, a invengio da felicidade, essa idéia nova na Europa, segundo Saint-Just, era, para os continentais, apet tum modo de resistie Aquela coagio moral vinda do mar, iquela perda de sua substincia. Em 1914, 0 blagueio aliado levou doi primeitos efeitos nas populagdes civis 2 seriam sentidos bem depois do fim dos combates terrestres; eles seriam uum fator indireto do marasmo. Foi cae desepo prolong que pre- jarou o terreno para a politica passional do nazisme, para a domesticasio Fert do pove alemfo. Da Ses fos, epi desorouamence ‘material e moral que se constata acualmente na Europa ocidental nada mais é senio o resultado longinquo da reviravolta geoestratégica ameri- cana ctiando, a distincia, em nosso continente, uma nova crise econé- anos pata produzir seus is, mas esses efeitos ainda mico-psicolégica Desejada por povos de comerciantes, a esteatégia indireta repro~ duz, num outro elemento, os efeitos da velha polioreética comunal, Da mesma forma que © at cla peemie “prolongar indefinidamente as hostlidades” contea 0 conjunto das populagdes nao estado de sit Bla representa a renovacio do capitalismo porque ¢ justamence a superagao técnica da velha praca forte, ultrapassada, desmantelada pelo poderio dos novos exércitos estatais, uma resposta As exigéncias econémicas exorbitantes da classe militar continental, & sua pretensio de dominar os fluxos de circulagao rercestre. Finalmente, 0 liberalismo econdmico ilustra perfeitamente a defi- igo de Errard de Bar-le-Duc: o ascaltar é diferente conforme a época da invengio das mégquinas de destrutr. Essa brusca resisténcia da burguesia & concepcio de guetta terior &, de ora em diam, © principio de um eapitalismo que, tornando-se anfibio, aplica a guerra coral sobre 9 mar nas colbnins, que literalmente salca da “grande miquina mével” para fazendo dos aceanos um “vasto campo logistico”, Monel ‘ ao funcionamento do a “miquina imével acrastando atris de si um proletariado atrelado 31 veiculo marinho, proletariado de remadores parecendo um verdadeiro motor do engenho, acelerador no momento do combate, A fleet i being cvia. uma nova idgia dromocratica; nao se trata mais da travessia de um continente, de um oceano, de uma ¢ de uma margem a outra, A fler in being inventa a nogio de um deslo- camento que no ceria destino no espago e no tempo. Ela impie a ideia primordial do desaparecimento na distineia ¢ no mais nos riscos da conflagragao. Ela realiza concinuamente uma corrida para mais longe. G fea sie enpealy sarmaceraqal, paceman paca bapa como, 0 nao-reroro, destino normal da maquina flutuante abandot A deriva ou simulando © naufrigio, como aqueles submatinos que pa escapar de seus perseguidores antecipam seu desaparecimento largando ida destrogos ficticios € combustivel, como aqueles velhos navios de guerra aque eram arrastados para 0 alto mar pela tiltima ver para serem afunda- dos na apoteose de uma derradeira explosio, encenagio de grandes fit- nerais maritimos em que a embarcagio é sugada pelo vorvice liquide do turbilhio, sugado por sua propria corrida para o nio-retorno. Gordon Pym ou Moby Dick sio verdadeiras narrati antecipatérias do cruzeiro nuclear. O submarine esteatégico nao precisa ir a parte alguma; ele se contenta em, permanecendo no mar, ficar invisivel; mas seu fim temporal jé esti marcado. Alids, desde que a fleet in being se rornou um dado fundamental do Direito ao mar, os exploradores, descobridores ¢ amantes de expedigoes de todos os tipos, se ainda procuram novas terras, vio igualmente se prender & invengio das passagens, isto é, da realizagao da ininterrupta, pois nao comportaria nem pa sao do anel de ndo-retorno ja prefigurado pelas rotas ma lares ou triangulares do mereankilisme europeu iagem circular absoluta, ida, nem chegada, realiza- Criava-se assim nos occsnos uma nova categoria do dircito politi- 0. © “direito 20 mar’, na “origem, entilade mais afetiva e paética do que racional”, como jé se disse. F fata que as cidades meditertiness, as nagies insulates superpovoadas, pobres © de peq ena superficie que querer se subordinar a qualquer lei terrestre antiga. O mar bivve deveria ‘compensar codas as coagbes sociais,religiosas, morais, todas as opressbes 32 pollticas¢ econémicas e até os limites das lis isicas devidas& gravidade retrestre © 2 exigitidade continental. Mas 0 diteito ao mar tornou-se, 24 alias, 0 direito 20 crime, a uma violencia igualmente ilimita livre. O cronista do século XVII percebe suas premissas desde a margem, onde reina “a horrivel inckistria dos naufragosos massacrando e pilhan- com suas sinalizages Em pouco tempo “o império dos mares’ substitu o mar do os sobreviventes dos naufrigios que provocs enganadoras..” Olhando do mar, ele ve apenas “os excessos consagrados peli prdtica do mar . O monstruoso despotismo que, em nome dos monopélios co- 0s... espécie de dircita merciais, aspira i. dominagao exclusiva dos ocea de conquista exercido pelos holandeses depois de Veneza, da Espanha ‘ou de Lishoa.” E um pouco mais adiante, ele observa: “O terrivel € que codas essas poderosis organizagGes matitimas no foram obra dos Esta dos, mas um produto espontineo do genio mercantil dessas ages, restando a0 Estado 0 papel posterior de sancions-las ¢ assumi-las.” ARinaly nao & de se estranhar que tenha sido precisamente um traficante, um pirara como Laffitte, a financiar a publicagio do manifesto de Marx Sua visio do Estado internacional surgindo da sociedade como “seu produto em dererminado momento de sua evolugio”, assemelha-se muito iquele império espontineo dos “carroceiros do mas”, de onde nasce a primeira nagio industrial do mundo moderno, situada em toda ¢ nenhuma parte, obcecada pelas trocas comerciais, sujcita exclusiva- mente 20s interesses econdmicos, encarnigada no abocanhamento € na 19 de corpos ¢ bens de seus adversitios. Estado da ditadura deserui totalicéria cuja populagio “rompeu as amarras”, abandonow a terra, primeiro povo que corresponde perfeitamente 4 definigo do proletariado industrial de Mara: “Os operétios nfo tém pitta... € preciso cortar 0 coro umbilical que liga 0 teabalhador & terra..” Na Inglaterra, até séeulo XIX, pratica-se a razia de marinheiros simplesmente fechando- se 0s portos por ordem do rei ¢ arregimentando os homens do mar & forga. Na Franga do século XVIL, com a industrializagao da guerra maritima exigindo um pessoal cada vez mais nuimeroso, insta levantamento ¢ o registro de coda a populacao litoriinea, que é “declarada disponivel e alistada num tinico ¢ grande exército, servindo por turnos 5 i do territ6rio": € a nna guerra, nos negécios, nos trabalhos de organizagio 3 operagio de isso que chamamos sistema de classes. Essa primeira 3 proletarizagio militar buscada pelo Estado precede, de pouco, 2 Revolugio Francesa. Ela € uma espécie de primeiro acesso das massas a0 transporte coletivo. Aliés, fato bastante raro 4 época, as pessoas preocupam-se com a “nacionalidade” do novo proletatiada, Deportado da guerra total, ele precisa justificar suas origens; se ¢ estrangeiro, ter de se naturalizar a0 cabo de cinco anos; a desercio é severamente repri- mida, ¢ © Estado pratica 0 contrale social das familias declarando-se “protetor das mulheres e das criangas” dos trabalhadores requisitados. Entretanto, também ai a expans viu-se associada & repressio judiciéria e policial: recrutou-se a0 caso, € os proletétios viram-se confundidos com a tropa dos deportados e de marujos condenados ao trabalho forgado que os tribunais “fabricavam” fem grande nimero sob a pressio do governo. No século XVII, 0 proletariado maritimo j4 ¢ liveralmente um povo de condenados, de “malditos da terra’. A oposigio teérica de Marx e Engels 20s proud- hhonianos junta-se, Finalmente, ateflexao de Colbert deplorando a inépeia dos franceses para criar um império maritimo todo-poderoso, bem como seu atraso no campo da colonizagéo: “Enquanto se divertirem em festas populares nada de companhias... Eles abandonam o melhor negécio do mundo para no perder a diversio no campo e, mais ainda, néo querem grandes embarcagdes, querem apenas pequenos barcos para que cada um tenha o seu.."" A criagio do direito ao mar, tal como é pensadg entio, nfo bate com esta aptidio para a felicidade terrestre feita de simplicidade e independéncia que se encontra no Sul. Da mesma forma, dda guerra foi tal que a proletariz a utopia social nasceré menos dos antagonismos de classe que do dio & ‘Terra, € poderiamos prosseguir indefinidamente o jogo das compara- ses entre © projemn social ¢ os planos de império dos mares em que Marx se enterrou.! Parece mais interessante, porém, considerar 0 aspecto cronomé- ttico desse império que movimenta sua violencia na invisibilidade da protecio maritima, nacio flutuante que se equipara a HistSria, essa ‘outra méquina de remontar no Tempo. Com efeito, a viedria (a decisio) ‘no mundo sem referéncias ¢ sem acidentes da fleet in being exige, se niio 3, Correspondéncia administaiva sob Luis XIV, 4.°O materialism & filha lepimo da Grs-Bretanha,” Mary, Coneribuon &Uhiiie tu matérialioe francais. 54 nos situarmos em algum lugar sobre a terra, que nos situemos, a0 menos, no Tempo, isto é, na mecénica planetiria. Por esta simples razao, os ingleses permanccerio por muito tempo como os melhores relojociros do mundo; o dominio do mar exige © dominio do Tempo, exige “visar a lua’, como se dizia entdo, Foi muito naturalmente, portanto, que a férmula moderna da guerra popular nasceu por influéncia inglesa sobre os insulares (Paoli, nna Cérsega, sob Luis XV), sobre uma nagio de navegadores, a Espanha, contra o Império francés. De fato, 2 guerra popular nao é mais no ter- ritério. Ela preconiza a dispersio dos corpos militates na prépria soci- edade (o soldado novo estar ali “como um peixe n'égua” — a alusio a tum elemento liquido nao esti ai por acaso). Tal como a guerra maritima, a guerra popular € uma guerta de enconeros mareados de corpos dinamicos... Ela se reporta, além disso, “aos excessos consagrados pela pritica do mar”, & violéncia absoluta, 20 desaparecimento da moral € das leis anteriores. A guerra popular é total Na Historia do Ocidente, no atentamos suficientemente para 0 momento em que se operau esta transferéncia da vitalidade natural do elemento marinho (aquela facilidade de ali erguer, deslocar ¢ fazer des- lizar engenhos pesados) para uma vitalidade tecnoldgica inevitavel’, aquele momento da histéria em que © corpo de transporte técnico Vai sair do mar come o corpe vivo inacabado do evolucionismo, deixando, ao se arrastar para fora, seu meio original, ¢ tornando-se anfibio. A velocidade, como idéia pura e sem contetido, emerge do mar, como. Affodice, e quando Marinetci exclama que 0 universo enriqueceu-se de uma beleza nova, a beleza da velocidade, e contrapée 0 carro de cortida 4 Vindria de Samotrécia, ele esquece de que se trata, na realidade, de uma mesma estétca, a do engenho de transporte. Tanto o acoplamento da mulher alada com o vaso de guerra antigo como 0 de Matinetti, 0 fascista, com seu bélido radovisrio cujo volante (“haste ideal que atravessa a terra”) ele maneja, saem desse evolucionismo recnolégico cuja realizagdo mais evidente que a do mundo vivo. O direico a mat tia 0 dircito & estrada dos Estados modernos, tornando-se assim Esta- dos totalitiios. 5. Vex Manifete du frurivoe, Navigation Tactile ¢ comentirios de Giovani Lista, Marines, Seghers, 55

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