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(con)textos.

revista d’antropologia i investigació social

Número 5. Març del 2011 Pàgines 13-29. ISSN: 2013-0864


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i Història d’Amèrica i Àfrica de la Universitat de Barcelona

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«Ontem e hoje estive a assistir às jornadas sobre “Alcoolismo, Saúde e
Cidadania”, promovidas pelo Hospital no auditório da Academia de
P867DK:G9:!;6BÞA>6! Música Jotamonte. Como eu já previa as apresentações e as discussões
?JK:CIJ9:!<wC:GD!<:G6vÀD! centraram-se muito sobre o consumo cada vez mais precoce e excessivo
IG6CHC68>DC6A>HBDR de álcool entre os jovens, que leva a actos de vandalismo e outros “males
sociais”.(...) Chamou-me à atenção a comunicação “violência domés-
tica, desestruturação familiar e violência da sociedade”, de um agente
da polícia que se apresentou como sociólogo. Ele afirmou que a família
é estruturante da sociedade, que é o local de transmissão dos valores,
regras e normas de conduta às crianças e jovens, e que é isso que a socie-
dade espera da família, e defendeu que quando a família não consegue
Vgi^XaZ fazer isso com os seus educandos temos uma sociedade desestruturada.
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Na discussão a seguir alguém na assistência voltou ao Com efeito, embora a família continue a ser para os
tema da família, (...) reforçando a defesa de que é a cabo-verdianos, como sempre foi, a base mais impor-
à família que cabe o papel da educação e de que em tante para a estruturação das suas identidades e per-
Cabo Verde se assiste actualmente a uma desestrutura- cursos de vida, ela é marcada por constrangimentos
ção familiar. (...) os discursos [nas comunicações e nas vários, como a pobreza, o fracasso e o descrédito nas
discussões] estavam muitas vezes presos a preconceitos relações conjugais, violência baseada no género, doen-
e “fugas explicativas” tais como a ideia de “família de- ças infecto-contagiosas e sexualmente transmissíveis,
sestruturada”, que nunca ninguém definiu». migração, conflitos e apoios intergeracionais.
(Filipe Martins, caderno de campo, São Vicente, 5 A desconstrução critica da ideia de crise na famí-
de Fevereiro de 2009) lia mostrará que as diferentes estratégias para dribla-
rem estes constrangimentos permitem a convivência
«...numa postura quase de encerramento da tenta- de múltiplos modelos de relações familiares, que não
tiva de compreensão dos problemas que ela tem pas- se esgotam apenas no modelo normativo de família
sado para manter de pé a sua família, afirma que pelo nuclear e patriarcal. Neste sentido, as redes familiares
que ela consegue ver, Deus t perdoam ma na Kab Verd fa- transnacionais, as transformações nas relações de gé-
mília é bnite na fotografia (Deus que me perdoe mas em nero e as dinâmicas de reciprocidade intergeracional
Cabo Verde só existem famílias bonitas e perfeitas nas serão revelados como estratégias centrais para a maio-
fotografias)...Foi assim que, hoje, numa entrevista com ria de cabo-verdianos pobres imaginarem, negociarem
a Dona Maria, ela definiu o estado actual da família e construírem os seus percursos de vida.
em Cabo Verde. O seu tom de voz não foi de exalta- Tal não implica, porém, que uma maioria de cabo-
ção mas de confidência. Não fica bem dizer em voz verdianos não continue a perseguir um ideal de famí-
alta, para que todos oiçam, seria pecado dizer isso em lia normativo. A partir das histórias de vida aqui apre-
voz alta...falar mal de família é como se cometesse um sentadas será possível constar que, embora na prática
pecado ou amaldiçoa-se algo que dá-lhe pontos de re- as relações familiares estabelecidas sejam muito pouco
ferência e a consegue situar, pessoal e colectivamente: normativas, a maioria das pessoas continua idealizan-
a família...». do e aspirando a constituir uma organização familiar
(Celeste Fortes, caderno de campo, São Vicente, 20 de tipo normativo – nuclear e patriarcal.
de Abril de 2009) Contudo, se muitos cabo-verdianos não conse-
guem alcançar esse ideal de família, tal não significa
Estará a família cabo-verdiana em crise? Será a que as famílias estejam em crise ou desestruturadas.
família cabo-verdiana desestruturada? Com base Propomos antes que a ideia de crise da família reflecte
na combinação do trabalho de pesquisa etnográfica a crise de um modelo social “moderno”, que está em
realizado com jovens e com mulheres das zonas pe- continuidade com o período colonial, e que gera cres-
riféricas pobres da cidade do Mindelo, Cabo Verde, centes desigualdades sociais e promove um expressivo
centrados em particular na Morabi (Associação para a desfasamento entre aspirações e oportunidades junto
Auto-promoção da Mulher no Desenvolvimento) e na das camadas mais desfavorecidas da população.
associação Espaço Jovem, propomos, neste texto, uma
análise critica das relações familiares em Cabo Verde ($EB>7H;IH;JHEIF;9J?LEIIE8H;Ç7<7CßB?7È
que vá para além dos discursos sobre a crise da famí- 978E#L;H:?7D7
lia baseados numa concepção monolítica, normativa e Cabo Verde é um estado insular, constituído por 10
moralista da família. ilhas, das quais nove são habitadas. Situa-se ao largo

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da costa ocidental africana, a cerca de 450Km da costa miscigenador que ocorreu nestas ilhas, em resultado:
do Senegal. A data de 1460, marca o início da vida, do do encontro sexual entre o homem branco (colono e
arquipélago descoberto, por António da Noli e Diogo livre) e a mulher negra (escrava ou livre); da escassez
Afonso, dois navegadores portugueses sob ordens da de mulheres brancas nas ilhas; e do encontro sexual
coroa Portuguesa. Ligado a intenções expansionistas entre homem negro (escravo ou livre) e mulher branca
da Coroa Portuguesa que procurava combinar projec- (colona e livre) (Lopes Filho, 1996; Mariano, 199).
tos comerciais - de fomento de trocas comerciais entre Práticas que por circunstâncias como a falta de
África, Europa e América - com o “espírito e missão mulheres brancas ou o facto de estarem num outro
evangelizador”, nos trópicos, Cabo Verde passa a ser contexto geográfico e sociocultural, criou condições
um entreposto comercial, principalmente nas rotas do para tal “encontro” miscigenador (Rodrigues, 2003,
comércio de escravos entre África, Europa e América. 2005) e que contrariou as normas impostas pela Igreja
Englobada na região do Sahel, o que confere-lhe um Católica, que acompanhou a maquina colonial por-
clima seco e ventoso que limita grandemente a pro- tuguesa até as ilhas e que proibia relações extracon-
dução agrícola, com excepção de algumas pequenas jugais, sobretudo quando envolvia grupos sociais dife-
regiões mais húmidas, a colonização do arquipélago, rentes. Mas tal não significou a diminuição do poder
distingue-se de outros territórios colonizados (como da Igreja Católica, enquanto agente socializador na
sejam Madeira, Brasil, Caraíbas, Reunião) onde foi imposição de um sistema de relações patriarcal que
possível introduzir e desenvolver uma economia de conferiu aos homens da ilha, poder de dominação so-
plantação (Carreira, 1983, Andrade, 1996, Peixeira, bre as mulheres, a quem é dada um lugar secundá-
2003). rio, de obediência, para com o seu marido (Santos e
Inabitado à época, implantou-se no arquipélago Soares 2001; Lopes Filho, 1996, 2003; Semedo, 2009).
uma população autóctone miscigenada a partir de um Facto que para alguns investigadores significou a du-
contingente populacional maioritariamente de origem pla dominação da mulher, pelo seu senhor e pelo seu
africana e de um contingente minoritário de origem companheiro, enquanto escrava, objecto sexual, mãe,
europeia. Não obstante esta desigualdade populacio- mulher de, etc. (Lopes Filho, 1996, 2003; Rodrigues,
nal, a presença europeia permaneceu dominante ao 2007). Desde cedo, verificou-se o desencontro entre as
longo dos séculos, através do poder administrativo e normas da Igreja Católica para a construção de uma
judicial, do controle da propriedade latifundiária e de família normativa e monogâmica e as práticas de re-
instituições como a Igreja Católica, o sistema de ensi- lações que abriram caminho para a existência de po-
no e a própria língua portuguesa. Contudo, ao nível da ligamia informal (Carreira, 1977) ou de facto (Lopes
vida quotidiana a população local desenvolveu, com Filho, 1996).
relativo grau de autonomia, um conjunto de práticas, A combinação da escassez de recursos naturais que
relações e expressões originais – onde se destaca o de- pudessem ajudar no desenvolvimento do arquipélago
senvolvimento de uma língua local crioula que perma- não conferiu segurança para um investimento eco-
nece até hoje como principal meio de comunicação nómico e demográfico por parte do poder colonial,
nos domínios informais – que foram constituindo uma traçando, deste modo, um destino de pobreza e pre-
identidade colectiva específica distinta da identidade cariedade para a maioria da população do território.
portuguesa metropolitana (Mariano, 1991, Peixeira, Perante tal cenário, de pobreza crónica, a partir do
2003). século XVII a emigração surge como uma tábua de
Neste contexto, existe o consenso de que a génese salvação e de fuga à pobreza. Começa a desenhar-
da família cabo-verdiana, é o resultado do “encontro” se projectos migratórios, com o homem enquanto

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protagonista central, tendo em conta o quadro social e privada) à saúde pública e ao acesso a cuidados de
de referência: responsável pelo sustento e segurança saúde básica, ou ainda à criação e estabilidade de um
económica e social da família. A mobilidade geográfi- sistema político de democracia parlamentar e à orga-
ca passou a ser um mecanismo de subsistência entre a nização e participação da sociedade civil.
maioria da população (Carreira, 1977, 1983). Num território como Cabo Verde – marcado ao
longo de toda a sua história pela escassez de recur-
)$:?DÚC?97I<7C?B?7H;IFãI#9EBED?7?I07 sos naturais e pela pobreza – estas recentes e rápidas
F7HJ?H:;LEP;I@KL;D?I;<;C?D?D7I mudanças não puderam deixar de ter um impacto im-
O ano de 2010, marca as comemorações dos 550 anos portante. A crescente acessibilidade a oportunidades
do achamento e povoamento de Cabo Verde, os 35 de educação e formação, acompanhada pela também
anos da sua independência de Portugal e 20 anos de crescente disponibilidade de bens e serviços de consu-
abertura política, vivendo desde Janeiro de 1991, num mo e uma maior facilidade de conexão global através
sistema de multipartidarismo. A nível demográfico o dos meios de transporte e das telecomunicações, inevi-
país registou um crescimento muito intenso nas úl- tavelmente alteraram as referências socioculturais dis-
timas décadas, com uma população que cresceu de poníveis e, consequentemente, elevaram as aspirações
202.000 habitantes em 1960 para 500.000 em 2008 e as ambições de vida da generalidade da população.
(INE, 2007). Contudo estima-se que um igual ou até Contudo, com um mercado de trabalho ainda
superior número de cabo-verdianos resida fora do muito reduzido, a falta de emprego marca de forma
país. O forte crescimento demográfico foi acompa- profunda a sociedade cabo-verdiana, mesmo entre os
nhado por uma juvenilização da população, sendo mais qualificados, tornando-se num dos problemas
que actualmente 59% dos habitantes de Cabo Verde sociais mais expressivos. Num quadro em que a eco-
têm menos de 25 anos de idade (INE, 2007). nomia nacional permanece altamente dependente da
Paralelamente, num país com uma forte tradição ajuda internacional e das remessas dos emigrantes, em
rural, hoje 60% da população reside em núcleos urba- que a produtividade local é baixa e a maioria dos bens
nos (INE, 2007), com perto de metade da população é importada, o custo de vida torna-se extremamente
a residir num dos dois principais centros urbanos do elevado face aos rendimentos da maioria da popula-
país: 120.000 habitantes na cidade da Praia, capital ção, levando a um aumento das desigualdades sociais
administrativa, na ilha de Santiago, e 70.000 habitan- (Laurent e Furtado, 2008). Não obstante estes facto-
tes na cidade do Mindelo, na ilha portuária de São res, Cabo Verde desde Janeiro de 2008 deixou de ser
Vicente. Estes factores demográficos têm inevitavel- considerado país subdesenvolvido, ocupando agora o
mente como resultado uma exigência crescente para rol dos países de desenvolvimento médio, segundo a
com as instituições que respondem às necessidades categorização das Nações Unidas.
de crianças e jovens, principalmente nos universos da Com o enfoque nos jovens e nas mulheres com
educação e saúde e com especial expressão nos centros quem trabalhamos durante as nossas pesquisas de
urbanos. terreno, daremos conta do modo como, embora este
Desde a independência o país tem registado melho- crescimento seja valorizado e seja utilizado como es-
rias substanciais em todos os indicadores, sejam eles tratégia de projecção positiva ao nível internacional,
relativos ao crescimento económico e ao rendimento o país continua ainda a atravessar momentos de fra-
per capita, à literacia e ao acesso à educação básica e gilidade, sobretudo económica, e é incapaz de susten-
secundária pública (mais recentemente também à edu- tar um sistema de protecção social eficaz no apoio aos
cação superior, com abertura de universidades publica grupos mais desfavorecidos da sociedade. O actual

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contexto cabo-verdiano configura assim um cenário problema crescente nas áreas urbanas de Cabo Verde
de vulnerabilidade que afecta muitas famílias pobres e muitas vezes são tomadas como uma das principais
nos contextos urbanos, e cujos efeitos se fazem sentir causas da ociosidade e da irresponsabilidade juvenil.
em especial junto das crianças, dos jovens e das mulhe- Embora estas famílias “desestruturadas” quase nunca
res dessas famílias. sejam definidas em termos claros, a ideia geral de crise
da família é baseada num suposto desvio do padrão
)$'$@el[di[\Wc‡b_W tomado como “normal” ou mesmo “tradicional” de
No contexto das mudanças descritas, os jovens ad- família patriarcal e nuclear, com raízes na influência
quirem um lugar social de relevo na sociedade ca- colonial católica e no presente reforçada pelos moder-
bo-verdiana, mas um lugar de natureza paradoxal nos discursos “científico” e legal.
(Martins, 2010). Com efeito crescem as oportunidades Por seu lado, quando os jovens falam sobre suas vi-
de realização dos jovens nos domínios da educação, das e objectivos pessoais, a família é também evocada
do trabalho, da comunicação, do consumo e do lazer. com frequência, mas raramente como algo em crise.
Contudo, face à pressão demográfica destes, os frágeis Nas suas narrativas as pessoas mais importantes per-
sistemas económico, educativo e de protecção social tencem invariavelmente aos seus grupos familiares e os
do país ainda não são capazes de responder às aspira- momentos biográficos mais marcantes são quase sem-
ções juvenis de obtenção de um emprego estável, de pre em torno de figuras da família, sejam nascimentos,
uma habitação própria e de estabelecimento de uma mortes, partidas ou reencontros. Assim, para a maio-
família autónoma. ria dos jovens a família é uma parte muito sólida de
Dentro dessa contradição entre aspirações e frus- suas vidas, algo de que dependem, que valorizam e
trações, ou precisamente por causa dela, a juventude respeitam acima de tudo, uma dimensão importante
tornou-se tanto num sintoma e como num agente de que está inevitavelmente presente nas suas práticas
crise social e pânico moral, apontada como ociosa e quotidianas e nas suas aspirações para o futuro.
irresponsável e contribuindo para o crescimento de A família parece então colocar os jovens diante de
novos “males sociais” na tradicionalmente harmonio- um paradoxo. Se de um lado as famílias “desestru-
sa sociedade cabo-verdiana, tais como a toxicodepen- turadas” são vistas como a causa do desvio social da
dência, o alcoolismo, a prostituição, o vandalismo, o juventude, ao mesmo tempo, os próprios jovens con-
crime, as doenças sexualmente transmissíveis e a gra- ferem à família a máxima importância nas suas vidas.
videz precoce. Estas imagens de crise social convocam Para ultrapassar este aparente paradoxo da juventude
um discurso moralizador sobre a juventude, que se e da família propomos uma análise que situe os jovens
torna o principal foco de preocupações e demandas no contexto mais amplo da sociedade cabo-verdiana
de muitos adultos e de diversas instituições públicas e pós-colonial, nas suas transformações e contradições.
da sociedade civil. Assim, desenvolvemos uma pesquisa focada nos per-
Com efeito, em Cabo Verde actualmente é frequen- cursos de vida aos jovens, tentando entender como
te ouvir falar e ler documentos, notícias ou crónicas eles e elas experienciam quotidianamente o seu con-
sobre a crise da juventude. Contudo, esta crise muitas texto social e como, através dele, conseguem imaginar,
vezes está relacionada com uma outra, a crise da famí- negociar e construir as suas trajectórias sociais.
lia cabo-verdiana. Em palestras feitas por sociólogos Liliane tem 20 anos (em Fevereiro de 2009) e está
e psicólogos locais, em relatórios institucionais ou em no 2º ano da licenciatura em Ciências da Educação na
documentos de políticas públicas, as famílias “disfun- Universidade de Cabo Verde (universidade pública).
cionais” ou “desestruturadas” são apontadas como um Vive na zona de Fernando Pó com 4 crianças mais

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novas, dois irmãos, por parte da mãe e dois filhos do a decisão de viverem afastados dos pais é tomada pelos
padrasto. A mãe e o padrasto estão emigrados. O pai próprios jovens. Para a maioria esse afastamento deve-
nunca viveu com ela (trabalha na ilha do Sal), mas se à incapacidade logística ou financeira dos pais para
ultimamente tem ajudado no pagamento da propina acolher os (ou alguns dos) seus filhos na sua residência
da faculdade. Liliana descreve assim o seu percurso ou ao facto de estes terem decidido mudar de ilha ou
de vida: emigrar, deixando assim os filhos ao cuidado de outros
«Agora a minha mãe viajou [há 5 anos atrás], ela familiares ou a gerir eles próprios o grupo doméstico.
emigrou para Espanha, quando a minha irmã tinha A configuração familiar de Liliane é um exemplo ex-
2 anos, a minha irmã mais pequenina. Nós moramos tremo desta realidade, visto que ela assume sozinha a
com uma tia nossa mas essa tia também emigrou para gestão do grupo doméstico e o cuidado dos seus dois
Espanha. Agora nós ficamos na nossa casa “nós só”. irmãos mais novos e ainda de dois dos filhos do seu
(…) Quando a minha mãe viajou (…) eu sentia-me padrasto.
só, não tinha com quem falar, então eu achava que No entanto a biografia de Liliane revela também
era muita responsabilidade, eles mandavam-me aque- que o distanciamento geográfico não implica um rom-
le dinheiro para fazer compras de fim de mês e essas pimento dos laços familiares no seio do grupo domés-
coisas, então se estava a faltar alguma coisa em casa tico. Pelo contrário, Liliane mantém um contacto in-
eu é que tinha que me preocupar, se os meus irmãos e tenso com a mãe que está em Espanha, que continua a
irmãs tiravam uma nota baixa eu preocupava-me, en- tomar decisões respeitantes à dinâmica familiar (como
tão eu estava a sentir que era muita responsabilidade. não ter permitido que a Liliane saísse do país para es-
Mas agora eu acostumei-me. (…) Eu queria era fazer tudar) e que envia de dinheiro e bens para a casa e
Relações Públicas [tinha de estudar fora do país], mas para os filhos. Também o pai, embora menos próxi-
a minha mãe disse-me que não havia outra pessoa que mo, contribui para o percurso biográfico de Liliane
pudesse tomar conta dos meus irmãos, e eu também suportando os seus estudos superiores. É exactamente
fiquei com aquele receio se achássemos outra pessoa, esta estratégia familiar baseada no distanciamento ge-
mesmo que fosse de família, se ela ia tomar conta deles ográfico entre pais e filhos que permite a sustentabili-
drêt, se os meus irmãos iam mudar de comportamento dade de todo o grupo doméstico de Liliane e que dá
por ficar com uma pessoa de família. Então eu fiquei e à jovem a possibilidade de frequentar a universidade,
para não ficar parada eu fui fazer aquilo [a licenciatu- aumentando assim suas oportunidades de autonomia
ra em Ciências de Educação]». futura. Como resultado de estratégias como esta, mui-
Desta narrativa biográfica destaca-se uma situação tos jovens pobres em Cabo Verde têm a sua subsis-
residencial que confere a Liliane um elevado grau de tência presente e a sua autonomia futura dependentes
responsabilidade familiar. Como este caso ilustra, na familiares que estão ausentes.
cidade do Mindelo a maioria dos jovens reside em casa A biografia de um outro jovem, Elton, chama a
de familiares, mas tal não significa que se verifique atenção para outro aspecto importante nos percursos
sempre co-residência com os progenitores. Na maio- biográficos dos jovens, nomeadamente a parentali-
ria dos casos os jovens residem com apenas um dos dade. Elton tem 24 anos (em Abril de 2008) e está a
progenitores, frequentemente a mãe. Mas também são terminar o 12º ano de escolaridade numa escola pri-
muitos os jovens que partilham residência com outros vada. Trabalha como educador na associação Espaço
familiares que não a mãe ou o pai, tais como avós, tios, Jovem, o que lhe permite pagar as suas despesas esco-
irmãos, primos ou com outras pessoas tais como padri- lares. Vive na zona de Pedreira num quarto que per-
nhos, vizinhos ou amigos. Porém, só excepcionalmente tence ao seu avó ao lado da casa onde vive o pai, a mãe

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e um irmão. É o segundo mais novo de 7 irmãos. Ele juventude está muitas vezes desfasada de outras transi-
descreve assim o seu percurso de vida: ções importantes no percurso dos jovens para a idade
«Posso dizer que o meu percurso é bom e mau. adulta, como a conclusão dos estudos, a entrado no
Bom porque sempre tive uma família para me apoiar, mercado de trabalho formal, a residência numa habi-
os meus pais sempre me apoiaram, nunca deixaram tação própria ou a construção de um núcleo familiar
faltar nada em casa, preocuparam-se com a nossa edu- autónomo. Neste contexto a parentalidade, embo-
cação e nunca deixaram que nada de mal acontecesse. ra possa ser assumida como um marco simbólico de
Sempre vivi com os meus pais e com meus irmãos. transição para a vida adulta, contribui para aumentar
Também na escola estava bem, fui sem repetir até ao ainda mais a dependência dos jovens face aos seus pais
11º ano. No 12º ano pessoalmente penso que tive azar, ou outros familiares, especialmente no caso das jovens
que fiz uma criança, fiz uma gravidez precoce. Estava mães, culturalmente mais responsabilizadas pelo cui-
numa fase também difícil, adolescência e essa coisa dado dos filhos.
toda, preocupava só em raparigas, não queria saber de Este é o caso de Flora, com 32 anos (em Março de
nada… Naquela altura foi uma infelicidade para mim, 2009), que vive com a sua mãe de 72 anos e com a
eu não tenho vergonha de dizer, porque não é bem sua filha de 6 anos na zona da Ribeira de Craquinha.
fazer uma criança quando ainda somos dependentes O pai morreu há 5 anos, mas não morava com elas.
dos pais. (…) O meu filho chama-se Micheal, tem 5 Flora parou de estudar no 9º ano porque na altura ia
anos e está com a sua mãe, aqui em São Vicente. (…) emigrar, mas um irmão mais velho acabou por ir no
Eu fico com ele nos fins-de-semana e nas férias (…) seu lugar. É a mais nova de 6 irmãos do lado da mãe,
Mas quando entrar para a escola ele vai ficar comigo todos rapazes, dos quais 4 estão emigrados. Esta é a
(…) e assim vai morar comigo e com os meus pais. (…) descrição que faz do seu percurso de vida:
Fiquei cerca de 5 anos sem estudar porque senti neces- «Trabalhei numa clínica, depois num lugar de ven-
sidade de trabalhar. Os meus pais nunca me disseram da de gelados, depois numa pizzaria, depois com uma
que tinha de estudar para sustentar o meu filho; tenho brasileira onde aprendi a fazer unhas, sempre em São
de lhes agradecer por isso. Eles queriam o neto e dis- Vicente. (…) Agora trabalho em casa a fazer unhas.
seram que nunca lhe ia faltar nada. Disseram que eu Não dá para viver. Vivo com a minha mãe. Não con-
não tinha filhos e que ia continuar a minha vida, mas segui ter uma casa própria. (…) Mamã diz que para eu
eu senti-me preocupado com isso, e o meu pai estava sair tenho de viajar, ir ter com os meus irmãos, fazer a
a beber, a condição estava a pesar em Cabo Verde, e minha vida. Mas parece que agora temos de sair (…).
quis trabalhar, quis ajudar a minha mãe que estava Porque agora chegou a idade para ir trabalhar mesmo
doente». e conseguir tudo o que eu quero, não é? E se eu sair a
Como Elton, uma parte significativa dos jovens po- minha mãe não pode ficar na casa ela só, porque ela
bres da periferia do Mindelo já não se encontra no não sabe ler. Então ela vai para a América, ter com o
final da linha genealógica. Dos 23 jovens entrevistados meu irmão. Está meio certo. Para ela ir eu tenho de
6 eram já pais e um outro viria a sê-lo meses depois estar lá, porque tenho 2 irmãos no Luxemburgo, en-
do final da pesquisa. Todos esses jovens (6 rapazes e tão eu tenho que ir primeiro, depois é que ela vai, para
uma rapariga) tinham tido os seus filhos entre os 16 e depois vermos o que vamos fazer com a casa, e essas
os 25 anos, porém, nenhum deles chegou a estabele- coisas. Mas não quero muito… Vou porque aqui não
cer relacionamentos estáveis com os pais ou mães dos posso arranjar um trabalho assim para poder sustentar
seus filhos nem conseguiu construir um novo núcleo a mim mais a minha filha, uma casa. Eu vou primeiro
familiar. Com efeito no Mindelo a parentalidade na e depois a minha filha vai. Entretanto fica com a sua

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avó de banda de pai. (…) Estou arrependida de não ter jovens não logram autonomizar-se a nível residencial
estudado, tinha tido muitas chances de estudar mas… e familiar e se vêm forçados a construir relações fa-
Nunca consegui ter dinheiro para pagar a escola de miliares muito pouco “normativas”. Estas dificuldades
noite [escola privada]». estão claramente ligadas à debilidade do mercado de
Casos como o de Flora e o de Elton, revelam jovens trabalho nacional. Em Cabo Verde um jovem dificil-
que procuram assumir o que entendem ser as suas res- mente encontra um trabalho que lhe ofereça a esta-
ponsabilidades parentais, principalmente através da bilidade e a remuneração necessárias para subsistir
procura de um trabalho que lhes permita contribuir economicamente. Na verdade os jovens identificam
para o sustento dos filhos. Esta procura no entanto imediatamente a falta de oportunidades profissionais
pode levar muitos jovens a sujeitar-se a trabalhos in- como o principal obstáculo para atingir a sua autono-
formais e precários, a desistir do seu percurso escolar mia (Martins, 2009). E os dados estatísticos nacionais
ou mesmo a abandonar a cidade ou o país em busca corroboram esta reivindicação: o desemprego, que em
de mais oportunidade de emprego, tal como planeia Cabo Verde se situa na taxa de 21,7%, afecta despro-
Flora. Nestes casos é prática recorrente os filhos serem porcionalmente os jovens, a uma taxa de 41,8% na
confiados ao cuidado das avós, principalmente as avós população entre 15 e 24 anos de idade (INE, 2007).
maternas, enquanto os filhos (mas principalmente as Neste quadro, a realidade laboral que muitos jovens
filhas) buscam fora de casa recursos para sustentar não enfrentam (mesmo os detentores de qualificações se-
só os seus filhos mas também os seus pais. Assim per- cundárias ou até superiores) é o desemprego prolon-
petua-se um padrão tradicional de negociação entre gado ou o trabalho pontual e/ou precário, remunera-
gerações, em que os núcleos familiares são preferen- do frequentemente a valores que não correspondem
cialmente organizados em torno da descendência em sequer ao valor mensal da renda de uma habitação.
detrimento da aliança, reforçando os elos entre as ge- Aqueles jovens e famílias que têm mais possibilidades
rações como forma de sustentabilidade e continuidade económicas procuram contornar este cenário através
familiar, mesmo que tal implique o distanciamento ge- do investimento na obtenção de qualificações escola-
ográfico de uma das gerações (Lobo, 2008; Rodrigues, res cada vez mais elevadas, mesmo que tenham cada
2007). Os percursos de Elton e Flora demonstram este vez menos garantias de vir efectivamente a obter um
tipo de negociação intergeracional no cuidado dos fi- trabalho estável no futuro. Contudo, em ambos os ce-
lhos, que no caso de Flora assume ainda uma dimen- nários o resultado é um prolongamento da dependên-
são transnacional devido à sua necessidade de emigrar, cia dos jovens face aos familiares.
deixando a filha ao cuidado da avó paterna. Estes factores, tomados em conjunto, afectam de
Estes padrões de relações familiares – de conjugali- forma marcada as trajectórias sociais dos jovens cabo-
dade, de residência, de interdependência intergeracio- verdianos. Aquilo a que em sociologia se tem vindo a
nal – revelam um carácter fortemente dinâmico, ne- designar como “transição para a idade adulta” torna-
gocial e contextual da família em Cabo Verde, muito se em Cabo Verde num processo cada vez mais tar-
distante de um ideal normativo de família nuclear e dio, ambíguo e não linear, mesmo “labiríntico” (Pais,
patriarcal. Mas ao mesmo tempo demonstram tam- 1999). A aquisição da autonomia (e a consequente as-
bém as dificuldades que muitos jovens experimentam sumpção de responsabilidades) nos domínios tradicio-
para se autonomizar a nível familiar. Em parte esta nais da vida adulta – o estabelecimento de residência
fluidez familiar tem relação com a elevada mobili- autónoma, a constituição de um novo núcleo familiar
dade geográfica dos cabo-verdianos. Contudo não é e a obtenção de um trabalho estável – apresenta-se
apenas em razão da necessidade de emigrar que os hoje em dia uma tarefa difícil para grande parte dos

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jovens, marcada pela fragilidade e pela incerteza face não é agora. Penso casar algum dia, mas depende do
ao futuro. Esta transição é na maioria das vezes marca- meu percurso, tenho de ter uma vida estável para ca-
da por avanços e recuos e por desencontros entre au- sar e ter mais filhos».
tonomia residencial, familiar e laboral. Não porque os Flora: «Vou estar com a minha casa, com o meu
jovens não desejem estas responsabilidades, mas prin- marido, com os meus filhos; mais só um filho, com
cipalmente porque não têm como as atingir (Martins, o meu trabalho fixo. Gostava de fazer música, tocar
2010). Assim pode falar-se hoje em Cabo Verde (como e ensinar, porque eu gosto de ensinar tudo o que sei
aliás em muitos outros contextos do mundo) da juven- fazer. (…) Eu, sinceramente, gostava de casar, e vou
tude como uma “moratória” (Vigh, 2006), um com- casar! Porque me sinto mais, mais… como é que eu
passo de espera social, marcado por ambiguidades es- te posso dizer… mais drêt, mais eu, mais forte, ter um
tatutárias e identitárias, o que se confirma pela própria companheiro comigo, ter uma pessoa que podes con-
ambiguidade do conceito de “jovem”, cada vez mais fiar, que podes… sei lá. Gostava de morar junto e ca-
extenso, subjectivo e passível de se sobrepor ao pró- sar, vestido de noiva e tudo, claro!».
prio conceito de “adulto”. Mesmo que no quotidiano desacreditem as relações
Paradoxalmente, face a esta fluidez de trajectó- conjugais duradouras e expressem desconfiança na fi-
rias sociais e à consequente ambiguidade estatutária, delidade do sexo oposto (em ambos os sexos), nas suas
o recurso identitário mais evocado pelos jovens é a aspirações futuras, tal como mostram Liliane, Eltone
própria família e quando se projectam no futuro os Flora, a maioria dos jovens entrevistados imagina-se a
jovens desejam fortemente a construção de relações estabelecer uma relação monogâmica estável e dura-
familiares estáveis. Desafiados a imaginar a sua vida doura, com filhos, e em coabitação numa residência
daqui a 10 anos, respondem assim os três jovens aqui autónoma. Tal constatação parece contraditória com
apresentados: o padrão mais comum de relações familiares construí-
Liliane: «Nem sei… Sem filhos (muito determina- do pelos jovens, onde se desencontram frequentemen-
da) (…) é assim, eu cuidei dos meus irmãos e ainda te a parentalidade, a conjugalidade, a residência e a
vou ter de cuidar deles mais, então eu acho que toda autonomia económica. Então porquê a aspiração por
a minha paciência ou quê, tudo o que tinha para lhes um padrão familiar normativo, nuclear?
dar eu dei-lhes a eles. (…) Já vou estar a morar na As narrativas biográficas de Liliane, Elton e Flora
minha casa… aqui na zona. Eu gostava de estar a dar revelam em especial que para os jovens é pelas rela-
aulas (…) Mas eu gostava de estar a morar na minha ções familiares que passam as principais estratégias e
casa mas mais uma pessoa, não eu só. (…) Aos 30 anos recursos de subsistência económica, de segurança ha-
eu gostava de estar casada. (…) Não, isso não é uma bitacional e alimentar e de mobilidade social. Desta
questão só daquela cerimónia, não é isso. Mas eu acho forma, para muitos jovens pobres de São Vicente a
que quando te casas pelo menos já encontraste uma família constitui a principal fonte de estabilidade, seja
pessoa que te faz feliz ou que tu achas que te faz feliz, emocional seja material, e o contexto de possibilidade
já tens mais uma estabilidade na vida, já consegues da sua autonomização. Assim é possível supor que a
pensar mais fixo para alguma coisa, e já não pensas so- aspiração dos jovens a uma ideia normativa de famí-
zinha, pensas em conjunto, tens uma pessoa e os dois lia, mesmo que não a possam ou não saibam como o
pensam no futuro em conjunto». a concretizar, apareça para eles como a imagem aca-
Elton: «Quero ter a minha família, a minha mulher bada da estabilidade pessoal e social, como o sucesso
com os meus filhos dentro de uma casa, tudo organi- último em face da fragilidade e à incerteza no futuro
zadinho, tradicional. Quero ter mais filhos, mas isso que experimentam no seu quotidiano.

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)$($Ckb^[h[i[<Wc‡b_Wi porcos, já vendi cuscuz, já carreguei tanta carga para


Porquê que ao falar da família, Dona Maria, pediu lhes dar de comer, hoje até tenho problemas de colu-
perdão a Deus? Porquê que, Dona Maria consegue ver nas, mas nunca senti cansada, pelos meus filhos nunca
imperfeições na sua família, mas prefere não dizê-lo senti cansada. Praticamente todos os meus filhos vi-
publicamente? Porquê que apesar da família não ser vem comigo».
perfeita, esta mulher partilha as mesmas vontades de Na casa da Dona Maria, vivem três gerações: além
outras vozes femininas: construir e manter uma coe- dela e de alguns filhos, que ainda vivem com ela, tam-
são familiar, que lhe garanta sentidos de pertença e bém tem sobre o seu encargo quatro dos oito netos. O
segurança? que significa dizer que além de ser mãe e pai dos seus
Apresenta-se, de seguida, a narrativa biográfica de filhos é mãe dos seus netos.
duas mulheres, que permitem analisar as dinâmicas De acordo com os dados do Instituto Nacional de
familiares que surgem em resultado dos conflitos entre Estatística, referentes a 2002, 37% da população ca-
as estratégias de construção pessoal e individual da sua bo-verdiana encontra-se em situação de pobreza e de
identidade de género (enquanto mulher, esposa, mãe entre estes, 54% vive numa situação de muito pobres.
d’fidj) e as possibilidades de concretização do projecto Por outro lado, cerca de 16% das famílias pobres eram
de vida a dois e da construção do lar, marcados por chefiados por mulheres e 14,9% das famílias mui-
fracassos e descrédito nas relações conjugais. Factores to pobres eram chefiados por mulheres. O encontro
que as levam a sustentar que a família cabo-verdiana com mulheres que entram nestes números estatísticos
só é bonita e perfeita nos álbuns de fotografias (Fortes, foi constante e a Dona Maria espelha estes números.
2010). Considera-se uma mulher pobre, sobretudo porque
«tem de trabalhar muito para sustentar os filhos, sem
)$($'$CWh_W"bkjWdZeYedjhWWWki…dY_WZeifW_iZei apoio do homem e de mais ninguém».
Ób^ei"l_l[dZefWhWeiÓb^ei[f[beid[jei$¼Iek Com efeito, algumas instituições governamentais
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e não-governamentais têm dado atenção particular à
Quando a conheci, a primeira coisa que chamou a mi- questão da pobreza feminina e das famílias, conceden-
nha atenção foi o seu corpo. Como ela própria diz «foi do-lhes apoios sociais que lhes ajude a sair da condição
o trabalho que formou o meu corpo, não tenho medo de família pobre promovendo um empowerment femini-
de trabalho, estes braços já fizerem quase de tudo...» no e familiar, através da concessão de micro-créditos.
Dona Maria, tem 46 anos, sete filhos. Teve o primeiro Mas deve-se fazer notar que em resposta ao projec-
filho, uma menina, com 18 anos. Dos sete filhos, teve to de modernização social e de projecção positiva do
quatro com um homem e três com outro. Não viveu país, ao nível nacional e internacional, têm-se assistido
muito tempo com nenhum dos pais d’fidj. A ausência à introdução da perspectiva de género em matéria de
desses dois homens, da sua vida, quotidiana, sobretu- apoios sociais, o que significa dizer que se passou de
do no que toca a apoio aos filhos, fez dela mãe e pai uma abordagem que procurava melhorar a condição
dos sete filhos. da mulher para uma abordagem que enfatiza a igual-
«Quando tinha pão dava-lhes pão, quando tinha dade e equidade de género.
sumo, era sumo, quando tinha arroz dava arroz, foi Embora as estatística considerem-nas solteiras, são
sempre assim, e graças a Deus estão todos crescidos. raros os casos de mulheres que não tentam (re)cons-
E sempre expliquei-lhes que não lhes dava mais por- truir a sua vida amorosa com outro homem e a Dona
que não podia, porque não tinha onde ir buscar mais. Maria teve outras experiências amorosas com outros
Já lavei no quintal de outras pessoas, já fiz criação de homens depois de ter sido abandonada pelos dois pai

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d’fidj mas continua sozinha, porque as relações sem- família, que sustenta e que manda. Ela é que tem estas
pre fracassaram, deixando-a cada vez mais convicta responsabilidades e é a ela que os filhos e netos de-
que «homens, são uma perda de tempo». E uma das vem obediência, embora já sejam maiores de idade.
razões para este fracasso, assim como acontece com Passado algum tempo, cruzei-me com a Dona Maria,
outras mulheres, foi o facto dos namorados terem tido fora da Morabi, perguntei-lhe pelo namorado, tinha
outras relações, com outras mulheres, durante o tem- terminado tudo e «desta vez, sim, já não quero saber
po que estavam juntos. mais de homens, não prestam».
«O meu último namorado, já tinha 50 anos, mas Mas a Dona Maria continua a perseguir o ideal
não tinha juízo, sempre na farra, namorada para cá, social de família cabo-verdiana, aquela que tem um
namorada para lá, não têm responsabilidades e depois homem em casa. Mesmo que não sustente mas que
não te esqueças que hoje em dia existem muitas do- mande e que mostre aos outros que a casa tem um
enças, sei lá se ele vai para cama com outras mulhe- homem e que por isso tem de ser respeitada.
res e não se protege, depois traz-me uma doença para
dentro de casa, como acontece com muitas mulheres, )$($($9WhbW"ckb^[hc€["bed][ZeiÓb^ei$¼IŒ
eu não, não quero isso, além de que na parte de tra- gk[hegk[eic[kiÓb^eiiW_XWcgk[j…ckcWc€[
[c9WXeL[hZ[[gk[iek[k½0
balhar para me dar eu não preciso de nenhum ho-
mem para me sustentar. Já cheguei a apanhá-lo com Mãe de quatro filhos cada um com um homem,
outra mulher na cama, dei-lhes porrada, briguei tanto. hoje com 37 anos, Carla que vivia em casa de uma tia,
Ia perdoando os abusos, nem sei bem para quê. Eu teve o seu primeiro filho, uma menina, quando tinha
descontraía-me dele por uns tempos depois voltava, 18 anos. Assumindo como pai e mãe dos seus filhos,
mas sabes porquê que ele não se incomodava muito teve de sair da casa da tia quando esta pediu-lhe que
e confiava que eu ia voltar? Porque eu não arranjava procurasse um sítio para ir viver com a filha, que tinha
outro homem». na altura apenas 6 meses. Embora tenha alugado um
Continuo a ter contacto com a Dona Maria e de- quarto para viver com a filha não teve oportunidade
vido à relação de amizade que se estabeleceu entre de estar muito tempo com ela, como ela conta: «Veio
nós, sempre que a encontro pergunto-lhe pelo na- uma prima minha da França, que me disse que ela
morado. Num desses encontros, na Morabi, a Dona não conseguia ter filhos, por isso como eu tinha muitas
Maria, foi-nos dizer que agora tinha arranjado outro dificuldades para criar a minha filha sozinha, dei-a à
namorado, cabo-verdiano mas que vive em Portugal. minha prima e levou-a para França. Sinto muito por
Conheceram-se aqui, ele estava de férias e prometeu isso, hoje não conheço a minha filha. Se eu tivesse tido
levá-la para Portugal. Em jeito de brincadeira, lem- possibilidades de a criar não daria à minha prima».
brei-lhe que ela tinha jurado que não iria envolver-se Chora ao lembrar-se da filha e do facto de a última
com mais nenhum homem, porque são «uma perda vez que ela esteve com ela, tinha menos de um ano e
de tempo». Dona Maria, responde-me meio tímida, por isso não a conhecer, porque nem tem fotografias
«sim tinha-te dito, mas não sabes como as mulheres, actualizadas dela. Para a Carla a culpa é da pobreza
sem homem, são tratadas em Cabo Verde? Não são em que vive. E foi porque a sua situação económica
respeitadas, porque casa sem homem é casa sem res- não melhorou é que voltou a repetir a mesma situação
peito, é um navio parado». com o último filho: «Ela levou-o para França quando
A família da Dona Maria não se enquadra na es- ele tinha 6 anos e hoje nem falamos muito. Ela me
trutura familiar nuclear e patriarcal. A casa, onde vi- enganou, disse-me que ia sempre ligar-me e que man-
vem 3 gerações, não tem um homem como chefe de daria fotos, que me ia ajudar mas não fez nada disso.

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Nunca ouvi a voz da minha filha, porque a minha sociais que recaem sobre elas, enquanto cuidadoras da
prima diz que ela não fala crioulo, que só sabe falar família, dado que os seus filhos nasceram num contex-
francês». to de desresponsabilização parental e de não assunção
Carla vive com as duas filhas do meio e apesar de plena da paternidade, onde o pai “dá quando quiser”
achar que os homens cabo-verdianos «são abusados, e “não se conta com ajuda de nenhum pai d´fidj para
querem ter mais do que uma mulher e não aceitam se poder criar os filhos” (Rodrigues, 2007, Sousa Lobo,
que a gente brigue e que diga não a certos abusos» 2007, Massart, 2005, Giuffré, 2007).
também partilha casa com um namorado, com quem Neste quadro, a coesão e segurança familiar (do
não pensa ter filhos. Beneficiária de micro crédito da ponto de vista socioeconómico e afectivo) é garanti-
Morabi, para reforçar um negócio de venda de bar, do pela mãe e pelas mulheres que ocupam um lugar
afirma que ainda não conseguiu sair da situação de central na casa e na vida dos filhos, cumprindo muitas
pobreza e que está a pensar em tirar as duas filhas vezes a função de mãe e pai dos filho, de mãe dos ne-
da escola, porque não tem como as sustentar e ainda tos, contribuindo para criação de dinâmicas familiares
ter de pagar as despesas da escola. Acha que o estado matrifocais, que valorizam o vínculo mãe-filho em de-
Cabo-verdiano faz muito pouco pelas mulheres e que trimento do vinculo incerto pai d´fij - mãe d´fij (Grassi,
deveria receber mais apoio. 2003, Lobo, 2008, Rodrigues, 2007, Drotbohm,
A organização familiar da Carla é mais um exem- 2009).
plo do modo como a migração reestrutura as relações Daqui decorre que na prática quotidiana estas re-
familiares ou pode mesmo faze-los desaparecer. O seu lações mostram o carácter restritivo e enganador da
maior desejo é que os filhos, que vivem em França, definição da sociedade cabo-verdiana enquanto socie-
saibam que eles têm uma mãe em Cabo Verde. dade patriarcal, pondo ao descoberto as fraquezas e a
«Assinei um documento a dizer que ela podia levar fluidez deste sistema patriarcal (Kandiyoti, 1988). Aí
os meus filhos. No princípio não queria assinar mas o reside, neste jogo de procura de poder para si, em con-
pai dela disse-me que se a minha filha não tivesse boa flito com o outro, uma das possíveis explicações para
vida aqui eu é que eu seria a culpada, então fiquei com um descrédito, quase que a priori, na possibilidade de
medo e assinei o documento. Com o meu filho, falo de construção de uma vida a dois e no lar (Massart 2005)
vez em quando mas ele fala mais francês do que criou- e que retiram às mulheres a imagem de passividade e
lo por isso não consigo perceber tudo. Diz-me uma de “sempre vitimas”.
ou duas coisas e passa o telefone para a minha prima Retomando a ênfase dada a relação mãe-filhos
falar comigo. Já disse à minha prima para falar com como sintomático da plasticidade familiar presente
eles em crioulo, assim não esquecem, mas nada, tudo no quotidiano das relações sociais em Cabo Verde
na mesma. Às vezes sinto que vou morrer sem rever os (Rodrigues, 2007) as estratégias quotidianas criadas
meus filhos. Sem conhecer a minha filha, porque ela pela Dona Maria e pela Carla, para retirarem o seu
foi com 9 meses e já tem 19 anos. Que pode acontecer agregado familiar da condição de família pobre, não
a mesma coisa que aconteceu comigo e com o meu são criadas num vazio social. Sozinhas não conseguem
pai. Ele faleceu sem nos conhecermos. Eu sempre sen- e fazem-se valer de uma rede social de apoio, flexível,
ti que o meu avô, o pai dele, era mais meu pai do que que não se fica apenas por outros membros da família,
o meu próprio pai». frequentemente, outras mulheres e nem estão espa-
Estas narrativas biográficas mostram que as mu- cialmente localizadas, ao nível local e da vizinhança.
lheres é que ficam com os filhos e delas depende a Os apoios podem chegar de redes familiares trans-
sua educação e sustento, respondendo às expectativas nacionais traduzindo as expectativas sociais criadas em

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torno dos projectos migratórios, sobretudo para com os completamente ao modelo normativo de família nu-
que conseguiram emigrar (Dias, 2000; Akesson, 2004; clear e patriarcal. Eles revelam antes que nas casas ca-
Giuffré, 2007; Drotbohm, 2009). Para a Carla, apesar bo-verdianas se pode encontrar uma grande diversida-
das angústias que tem sofrido, a abdicação da vivência de de configurações familiares, tais como famílias com
quotidiana de mãe em presença em nome de promo- mulheres solteiras e chefes de família, mulheres que
ção de uma maior estabilidade aos dois filhos e para se assumem enquanto mãe e pai dos filhos (matrifo-
o resto da família que ficou em Cabo Verde, apareceu cais), famílias sem a presença do pai (pai abandónico),
ser a melhor solução, num contexto de pobreza em ou sem a presença da mãe; famílias onde convivem,
que viviam. A convivência da família da Carla com as dentro da mesma casa mais de duas gerações (os avós,
dinâmicas migratórias permite o redimensionamento sobretudo a avó, com um papel central na vida dos
da visão clássica e androcêntrica da migração – não netos) ou mesmo núcleos familiares geridos por jovens
são apenas os homens que emigram e as motivações mas dependentes de familiares ausentes. Estas confi-
migratórias, não são, hoje em dia, exclusivamente eco- gurações são resultado de dinâmicas que obrigam a
nómicas – e por outro lado, facilita uma leitura plural uma plasticidade contextual e situacional nas relações
das respostas locais às políticas migratórias cada vez familiares, em que as pertenças e nomeações de pa-
mais restritivas (perante leis migratórias que restrin- rentesco obedecem mais a uma construção social e
gem a entrada de estrangeiros nos territórios europeus situacional da família do que ao estabelecimento de
a possibilidade de fazer uso da presença de familiares pertenças com base numa partilha de antepassados
na migração, para enviar os filhos, tem sido uma des- comuns e na consanguinidade.
sas estratégias) (Carling, 2001, 2002; Akesson, 2004, Este tipo de relações dinâmicas, flexíveis e contex-
Góis, 2006). tualmente negociadas é o mais frequente no campo
das relações familiares em Cabo Verde, verificável em
*$9ED9BKIÂ;I particular na existência de vários parceiros ao longo
Em Cabo Verde a família tem sido desde sempre um da vida e na preponderância da matrifocalidade e do
campo contestado e diversos estudos têm identificado eixo geracional avó-mãe-filho sobre o eixo conjugal
as suas contradições. Nestes trabalhos a família cabo- na organização familiar. Porém, face a esta realidade
verdiana é apresentada como historicamente fundada pouco normativa, a família é cada vez mais o alvo de
na desigualdade (racial e de género) e na mobilidade fortes retóricas políticas e morais que evocam famílias
(devido ao contínuo fluxo emigratório) (Rodrigues, “desestruturadas” por oposição a uma idealização da
2005); é marcada pela fragilidade e inconstância con- família patriarcal e nuclear – mesmo que esta nunca
jugal, pela fluidez dos grupos domésticos e pela nego- tenha tido equivalência efectiva nas práticas familiares
ciação intergeracional e transnacional (Lobo, 2008). quotidianas (Rodrigues, 2007; Lobo, 2008) – desestru-
Assim se percebe que a família em Cabo Verde é efec- turação esta que seria responsável pelos problemas so-
tivamente um campo muito pouco normativo, aparen- ciais crescentes na sociedade cabo-verdiana.
temente mais em linha com as novas abordagens an- No entanto os dados etnográficos aqui apresenta-
tropológicas do parentesco que enfatizam o carácter dos permitem inverter a perspectiva, demonstrando
processual, construído e fluído das relações familiares antes como as configurações familiares cabo-verdianas
(Carsten, 2000). se constituem em função dos constrangimentos histó-
As histórias de vida e os percursos familiares ricos e socioculturais que foram e vão determinando
aqui relatados também permitem suportar esta ar- a vida quotidiana no país. Outros autores suportam
gumentação, visto que nenhum deles corresponde também esta análise (Rodrigues, 2007; Lobo, 2008)

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demonstrando que a mobilidade geográfica e a conse- de uma familiar nuclear e patriarcal, a base de exe-
quente fluidez e não normatividade das relações fami- cução deste projecto de construção positiva de Cabo
liares constituiu-se como a principal resposta à escas- Verde. Talvez seja este modelo de sociedade que esteja
sez crónica e à consequente incerteza face ao futuro em crise, incapaz de cumprir as promessas da moder-
que sempre marcou a vida no arquipélago, do período nidade, e não a família cabo-verdiana.
colonial até à actualidade. Pois, no passado como no presente, face à fragili-
Porém, ao analisar as narrativas biográficas e as dade de outras estruturas mediadoras como o Estado,
aspirações das mulheres e dos jovens mais pobres no o mercado de trabalho, ou a sociedade civil, é pelo
Mindelo não é possível ignorar uma expressiva pre- dinamismo da família que, tanto no arquipélago como
sença do desejo de constituir uma família idealizada, pelas redes familiares diasporizadas, os cabo-verdianos
em conformidade com os padrões normativos patriar- mais pobres sempre têm feito face às adversidades; é
cais e nucleares. Este paradoxo introduz um desafio nela que reside o lugar central da construção das suas
analítico, já que tal desejo parece contraditório com identidades pessoais e das suas trajectórias sociais.
a flexibilidade familiar frequente em Cabo Verde. No
entanto, num artigo recente Daniel Miller alerta jus- 8?8B?E=H7<?7
tamente para os perigos de uma interpretação das re- AKESSON, L. (2004) Making a Life, meanings of
lações familiares excessivamente centrada na ideia de migration in Cape Verde, Phd thesis. Gothenburg:
relatedness (Carsten, 2000), na constituição processual Department of Social Anthropology, University
e fluida do parentesco. Pelo contrário, o autor chama of Gothenburg.
a atenção para a importância do carácter normativo ANDRADE, E. (1996) As ilhas de Cabo Verde. Da
e prescritivo das relações familiares e para o facto da Descoberta à Independência Nacional. Paris: Edições
«…flexibilidade e negociação serem um resultado di- L´Harmattan.
recto do esforço dos indivíduos tentando conservar CARLING, J. (2001) Aspiration and ability in international
princípios claros e expectativas formais no parentesco migration: Cape Verdean experiences of mobility and
em face da complexidade da vida familiar moderna» immobility. Oslo: University of Oslo.
(Miller, 2007: 540). CARLING, J. (2002) “Migration in the age of
As histórias de vida aqui apresentadas demonstram involuntary immobility: theoretical reflections and
justamente este esforço de mulheres e de jovens para Cape Verdean experiences”. Journal of Ethnic and
assumirem as suas responsabilidades familiares e cum- Migration Studies, 28 (1): 5-42.
prirem, da forma possível, as suas aspirações pessoais CARREIRA, A. (1977) Cabo Verde: Classes Sociais,
e sociais. Assim se compreende que apesar de muitos Estrutura Familiar, Migrações. Lisboa: Ulmeiro.
cabo-verdianos não conseguirem alcançar o ideal de CARREIRA, A. (1983) Cabo Verde, Formação e Extinção
família, tal não significa que as suas famílias reais este- de uma Sociedade Escravocrata (1460-1878). Mem
jam em crise ou desestruturadas. Talvez elas simples- Martins: Instituto Cabo-verdiano do Livro.
mente não se ajustem a um modelo social mais amplo CARSTEN, J. (2000) “Introduction: Cultures of
que se tem tentado instituir em Cabo Verde, que no relatedness”. In Carsten, Janet (ed.) Cultures of
período pós-colonial seria um modelo de cidadania relatedness. New approaches to the study of kinship.
“moderna”, baseada na autonomia individual, na in- Cambridge: Cambridge UniversityPress, pág.
dependência económica e residencial, na educação 1-36.
formal e no sucesso profissional, no consumo e no la- DIAS, J.B. (2000) Entre Partidas e Regressos: tecendo
zer, o qual estaria assente na construção e manutenção relações familiares em Cabo Verde. Brasília:

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cjZkdh Xdcidgcdh Xdbd jcV XViZ\dg†V hdX^Va n bdgVa# :c O presente artigo resulta de uma análise antro-
adhY^hXjghdhYdb^cVciZh!hZVc^chi^ijX^dcVaZhdYZhZci^Yd pológica conjunta a partir das pesquisas etnográfi-
Xdbc!]VnjcVk^h^‹ceVgVY‹_^XVYZaV[Vb^a^V#8^iVYVXdbd cas independentes mas simultâneas, realizadas pe-
jcd YZ adh e^aVgZh hdX^VaZh n ^YZci^iVg^dh YZ ^bedgiVcX^V los autores na cidade do Mindelo, em Cabo Verde.
h^ZbegZ gZcdkVYV! aV [Vb^a^V XdciZbedg{cZV Zh iVbW^‚c Uma primeira versão deste artigo foi apresentada
gZegZhZciVYVXdbdZhiVcYdZcXg^h^h!ÆY^h[jcX^dcVaÇ!nedgad no 7º Congresso Ibérico de Estudos Africanos, em
iVcid^YZci^ÒXVYVXdbdaVgV†oYZbjX]dhegdWaZbVhhdX^VaZh Lisboa a 9 de Setembro de 2010, no âmbito do painel

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temático “Redes e Estratégias Familiares na África


Contemporânea”, organizado pelos autores. Os auto-
res agradecem a todos os participantes do painel e em
particular os comentários dos antropólogos Lorenzo
Bordonaro e Antónia Pedroso Lima. Todas as infor-
mações e análises apresentadas no presente artigo são
da única responsabilidade dos autores.
Associação juvenil que actua na periferia sudeste
da cidade do Mindelo, promovendo actividades edu-
cativas e lúdicas para jovens. É responsável pela di-
namização de dois centros juvenis.FAOSTAT, 2008
http://faostat.fao.org/site/550/DesktopDefault.
aspx?PageID=550#ancor acedido a 09/08/2010).
Expressão que significa “bem” ou
“correctamente”.
Mãe de filho. O equivalente masculino é pai d’fidj:
pai de filho.
É comum, em Cabo Verde, os netos, sobretudo
aqueles que vivem com avós, tratarem-nos por mãe e
pai e chamarem-nos pelos nomes próprios aos pais
biológicos.

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