Está en la página 1de 15

La Inserción de las Travestis en los "Trabajos desvalorizados": ¿quiénes son

esas trabajadoras en la realidad brasileña?

Autor: Tibério Lima Oliveira

RESUMEN:
El presente artículo tiene por objetivo analizar la inserción de las travestis en los
espacios de trabajos considerados "desvalorizados" de la realidad brasileña,
específicamente, en la ciudad de Natal/RN. Se buscó como problemática
aprehender quiénes son esas trabajadoras? ¿Cuáles son los puestos de trabajo que
se insertan? Y por fin las violaciones de derechos que enfrentan en esos espacios.
Metodológicamente: se hicieron entrevistas semiestructuradas con ocho travestis
trabajadoras insertas en el mercado de trabajo formal/informal. Como resultado de
los relatos obtenidos, se tiene que en la división sexual/género de trabajo las
travestis se insertan en los espacios de trabajos considerados "desvalorizados"
(FALQUET, 2008, FEDERICI, 2017) aquellos cuyos no tienen valorización social,
además, vivencian cotidianamente diversas precarizaciones para insertarse en el
mercado de trabajo, sufren violaciones de derechos, acoso moral y sexual, además
de la transfobia institucionalizada. Discusión: la formación social, económica y
cultural brasileña fundada en una estructura basada en el clasismo, el machismo, el
sexismo y el racismo son fundantes de la realidad transfóbica que las travestis
enfrentan en el mundo del trabajo. Se concluyó que ante tantos desafíos que las
travestis sufren en el mundo del trabajo, sólo a través de la organización colectiva
que articule la lucha anti-patriarcal, anti-capitalista, antirracista y anti-cissexistas que
esas trabajadoras pueden transformar esa realidad de múltiples desigualdades
sociales.
Palavras- clave: Mercado de trabajo. Trabajo desvalorizado. Identidad de género.
Travestis. Transfobia.

INTRODUÇÃO:

O presente estudo é fruto da dissertação de mestrado intitulada “Meu corpo,


um campo de batalha”: a inserção precária das Travestis no mundo do trabalho em
tempos de crise capital que teve por objetivo analisar o cotidiano de trabalho das
travestis e a sua inserção no mercado de trabalho em Natal, Rio Grande do Norte.
É sabido que as violações dos direitos das travestis são históricas e
cotidianas, sendo estas, desde cedo, hostilizadas muitas vezes pela própria família e
expulsas de casa, da escola e do trabalho, além de sofrerem discriminação e
preconceito por grande parte da sociedade. Dessa forma, como objetivo buscou
mapear e analisar os campos de trabalho formal/informal onde as travestis estão
inseridas na cidade do Natal; construir um perfil socioeconômico das trabalhadoras
travestis na referida localidade. O método utilizado foi a análise do materialismo
histórico dialético, com base na técnica de abordagem quanti/qualitativa, bem como
a análise bibliográfica e documental. Fez-se entrevistas semiestruturadas com oito
travestis trabalhadoras (amostra não probabilística intencional pela dificuldade do
acesso) inseridas no trabalho formal/informal, mas quem são essas trabalhadoras?

1 - Travestis no mundo do trabalho: quem são essas trabalhadoras e quais são


seus trabalhos?

Nesse tópico há o interesse de analisar os impactos que as transformações


no trabalho trouxeram na vida das travestis da cidade do Natal/RN, visando
conhecer quem são, qual a realidade social em que estão inseridas e quais os
desafios que enfrentam no seu cotidiano social e profissional. No entanto para
compreender tais questões que incidem sobre as vidas trans é necessário entender
o conceito de identidade de gênero.
Dessa forma, os estudos da identidade de gênero são complexos e envolvem
múltiplas análises e perspectivas teóricas. Para Lima, “o conceito de identidade nos
parece como um dos mais difíceis de explicar e entender. Talvez porque em um
primeiro momento ele nos pareça óbvio, pois todos nós, ao longo da vida, vamos
construindo nossa identidade” (2011, p. 166).
Pensando na identidade de gênero na contemporaneidade, tem-se o debate
sobre dois modos de concepção das identidades discorridos pela perspectiva
transfeminista, a saber: a cisgneridade e a transgeneridade. O cisgênero é
considerado(a) aquele(a) que está de acordo e que não tem conflitos com o gênero
que lhe foi atribuído, ou seja, é o menino que, ao nascer, se identifica como homem,
e a menina que se identifica como mulher ao longo da sua construção. Já a
transgeneridade envolve as travestis e transexuais são pessoas que “desafiam” a
ordem binária imposta pelas “relações patriarcais de gênero”, naturalizada pela
sociedade, rompem com a identidade de gênero que foi imposta e atribuída ao
nascer.
De acordo com Amanda Palhai, a travesti é uma “construção de uma
identidade marginalizada no atual modelo de sociedade”. Logo, é possível discordar
da perspectiva de “se caracterizar e de se vestir como o seu sexo oposto”, pois tem-
se aí uma afirmação que vai além de um caráter performático; é uma questão de
elementos psicossocial, cultural e relacional entre a objetividade e a subjetividade.
Nesse sentido, a transformação do corpo e, principalmente, a luta cotidiana
que vivenciam para serem reconhecidas como sujeitas de direito denota as
contradições da sociabilidade capitalista-patriarcal com o acirramento das
desigualdades sociais, uma vez que na transformação do corpo passam por
inúmeras violências, inclusive de negação do acesso ao mercado de trabalho. As
histórias de vida que foram relatadas tiveram grande significado, por proporcionarem
uma reflexão a respeito da inserção precária das travestis no mercado de trabalho,
para uma identificação de suas necessidades sociais, das dificuldades, das
carências e das precarizações subjetivas e objetivas que enfrentam cotidianamente.
A seguir apresentamos quem são essas trabalhadoras, os nomes são fictícios, para
preservar a identidade e individualidade delas:

1. Camille Cabral – Nasceu em Natal, vive no bairro Lagoa Seca, tem 33 anos,
é cabelereira trabalhadora informal. Conforme relato, sua visibilidade da
identidade de gênero teve início na adolescência, mas somente veio afirmar-
se como travesti depois dos 25 anos de idade. Ganha aproximadamente um
salário mínimo.

2. Janaína Dutra– Tem 23 anos, se considera negra, é trabalhadora formal


como atendente em uma lanchonete do bairro de Lagoa Seca, mas não
contribui com a Previdência Social e não possui carteira de trabalho assinada.
Possui curso profissionalizante de auxiliar em serviços gerais e tem como
sonho fazer o curso de Pedagogia. Ganha menos de um salário mínimo.

3. Marsha Johson – Residente do bairro das Rocas – local onde vive até hoje.
Tem 58 anos e possui duas graduações universitárias (nos cursos de
Contabilidade e Letras). Atualmente é professora da Rede Estadual de Ensino
no Rio Grande do Norte.
4. Jovanna Cardoso – Outra história de vida é a desta técnica em enfermagem
da Rede Estadual de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte, que trabalha
em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica na cidade do Natal,
considera-se parda e tinha 25 anos de idade.

5. Brenda Lee – A mais jovem das entrevistadas tem 20 anos de idade, é


natural da cidade de Fortaleza, Ceará, e hoje vive em Natal com seu
companheiro no bairro do Alecrim. Está desempregada, considera-se de
classe média, de cor parda.

6. Claúdia Wonder – Tem 43 anos de idade, mora no bairro Cidade Alta,


considera-se de cor branca, é cabelereira e tem seu próprio salão,
considerando-se como uma trabalhadora autônoma.

7. Kátia Tapety – Tem 22 anos de idade e considera-se de cor negra. No


momento da entrevista, estava desempregada. A única experiência de
trabalho foi na cidade de São Paulo, onde trabalhou por seis meses como
recepcionista em um Hotel.

8. Marlene de Waya – Residente do bairro do Alecrim, tem 31 anos de idade e


considera-se de cor branca. No momento da entrevista, estava
desempregada.

As entrevistas revelaram as condições de vida e de trabalho, caracterizadas


pela desigualdade social, pela subalternização, pelas violações de direitos, pelas
identidades marcadas por processos de enfrentamento à violência. Na pesquisa de
campo a travesti com maior idade que constatamos foi a Marsha Johson, com 58
anos, professora da rede estadual, faz-se notar que isso torna-se um fato
interessante de apontar, pois “a expectativa de vida das travestis e das mulheres
trans é de 35 anos. A média nacional, segundo dados do IBGE é de 75,5 anos
(Bortoni, 2017)”.
Além disso os processos de superação e resistência são constantes em seus
cotidianos de vida em face das desigualdades sociais, mas sobretudo em razão da
visibilidade da identidade de gênero travesti, como pode ser observado no seguinte
relato:

A afirmação da identidade travesti traz problemas para nós quando vamos


buscar trabalho, eles nos têm como marginais. Assim que você chega lá,
você é destratada, eles já têm um receio, falam rápidos com você, não tem
um diálogo, recebem o curriculum sabendo que dali já vai para o lixo
(JANAÍNA DUTRA, ATENDENTE).

As travestis ao pertencerem a um dos segmentos mais subalternizados da


classe trabalhadora na realidade brasileira, vivenciam particularidades no sistema
produtivo, esse relato de Janaína Dutra é parte de uma formação histórica acerca
dessas identidades. Algumas vivências endossam esse pertencimento das travestis
à classe subalterna, a exemplo: quando uma travesti procura trabalho ou quando é
desrespeitada durante seu ofício, por meio dos olhares estigmatizantes, fazendo
com que sintam-se marginalizadas. Assim, compreende-se que essa dimensão está
intrinsecamente ligada à perspectiva que Gramsci chama de classe subalterna, que
pode ser entendida como:

A categoria “subalterno” e o conceito de “subalternidade” têm sido


utilizados, contemporaneamente, na análise de fenômenos sociopolíticos e
culturais, normalmente para descrever as condições de vida de grupos e
camadas de classe em situações de exploração ou destituídos dos meios
suficientes para uma vida digna (Simionatto, 2009, p. 42).

Além do exposto, as falas possibilitam compreender alguns aspectos de suas


vidas articulados às análises teóricas que fundamentam esse estudo. Uma das
principais semelhanças constatadas nessa pesquisa foi, também, a identificação das
travestis nos tidos “trabalhos desvalorizados” e as diversas experiências nos mais
distintos locais de trabalho, que revelam uma realidade de vidas precárias, cheias de
desafios na superação de tantas desigualdades sociais, assim, “o “trabalho
desvalorizado” ou “trabalho considerado como feminino”, uma das tendências que se
desenvolve com a globalização neoliberal, é exercido majoritariamente por
mulheres, inclusive brancas, mas também por pessoas racializadas e proletarizadas,
inclusive homens” (Falquet, 2013, p. 19).
Nesse sentido, os “trabalhos desvalorizados” constituem-se como uma
categoria analítica, utilizada por Falquet (2008) e por Federici (2017) para abordar as
desigualdades sociais que o contingente feminino enfrenta no mundo do trabalho.
Essa questão expressa-se fortemente nas falas:

Na verdade, existe não só a questão da ocultação da imagem, da


invisibilidade dessas pessoas na sociedade, mas também de quando
conseguem um emprego que seja visível é sem em uma condição
subalterna, como cozinheira, não que isso seja vergonhoso, mas eu digo
assim nunca colocam como balconista, atendente, telefonista,
recepcionista, essa coisa toda. (CRIS STEFFANY, ANTRA).

Os dados relatados nas entrevistadas permitiram pensar os sentidos e os


significados da realidade social em que estão inseridas as travestis e os motivos de
sua desvalorização. São falas que revelam detalhes do cotidiano vivido, a partir das
quais pode-se traçar algumas das dimensões das carências, das dificuldades e das
violações de direitos que vivem essa população em Natal/RN, da venda da força de
trabalho por baixos salários aos “bicos ii” que realizam para suprirem suas
necessidades humanas.
A pesquisa evidenciou que, entre as 8 (oito) entrevistadas, 37,50% das
travestis realizavam trabalhos formais, o que não significa, porém, que, de modo
geral, exista uma grande inserção delas nessa modalidade de contrato. A
representatividade, presente na pesquisa, foi intencionalmente escolhida para
apresentar as dificuldades que enfrentam nessas ocupações, mesmo em condições
de contrato formal. A pesquisa também revelou que 12,50% das entrevistadas
atuavam na informalidade; a mesma proporção exercia atividades autônomas (que
também fazem parte da informalidade), e 37,50% se encontravam desempregadas,
no momento da pesquisa.
Os dados por si só não revelam a dinâmica e as expressões das
desigualdades perpetradas no mundo do trabalho, haja visto que esse percentual
não apresenta a totalidade das travestis que compõem a cidade do Natal, apenas
parte dela. Uma pesquisa realizada por Oliveira (2013) mostra que a
ATRANSPARENCIA (Ong – luta pela inserção das travestis no mercado de trabalho)
tinha aproximadamente 150 travestis associadas no ano de 2013, em Natal. Uma
informação relevante sobre a inserção das travestis e das mulheres transexuais, no
mercado de trabalho do Brasil, é que 90% encontram-se na prostituição, segundo a
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Essa é uma realidade
complexa que atinge também outros países da América Latina:
En una investigación realizada en el año 2005, en el curso de la cual
consultamos a 302 compañeras travestis residentes en la ciudad de
Buenos Aires, el Conurbano Bonaerense y la ciudad de Mar del Plata,
encontramos que “el ejercicio de la prostitución callejera es la más
importante fuente de ingresos para el 79,1% de las compañeras
encuestadas. Aquellas compañeras que reportan otros trabajos también se
encuentran en el mercado informal, sin reconocimiento alguno de derechos
laborales, en ocupaciones de baja calificación y remuneración” iii (Berkins,
2012, p. 224)

Com os relatos foi possível identificar que os campos de inserção das


entrevistadas em situação de formalidade e informalidade são os considerados
trabalhos “femininos”. Ou seja, espaços em que não há valorização social, pois pelo
ideário da divisão sexual do trabalho são hierarquizados e dividem as mulheres e as
travestis nas camadas inferiores da sociedade, estas que, em condição de
subalternidade, com baixas remunerações, exercem atividades muitas vezes sem os
direitos socialmente garantidos pela classe trabalhadora.
Esse fenômeno do trabalho desvalorizado é marcado pelo “desenvolvimento
desenfreado do capitalismo financeiro, a globalização neoliberal consiste, no plano
da produção material, em uma reorganização global da divisão do trabalho segundo
suas diferentes dimensões: sexual, social e ‘racial’” (Falquet, 2013, p. 10), e na
individualidade das entrevistadas incorpora-se a dimensão de sociedade cissexista
como modelo opressor e explorador das travestilidades. Nessa perspectiva
expressa-se nas múltiplas dimensões de violência transfóbica, física ou simbólica,
materializada no assédio sexual ou moral, também mediante à patologização dessas
identidades pela sociedade.
Pode-se dizer que os aparelhos privados de hegemonia materializam essas
apropriações preponderando que parte dos mecanismos científicos – como a
educação cissexista baseada na ciência biomédica, psicologizante e biologizante –
muitas vezes consideram as identidades travestis e transexuais “anormais”, pois
estão fora do que é considerado “normal”, construindo e reproduzindo, assim, poder
e saber sobre essas pessoas. São reflexões importantes que perpassam o universo
dessa apropriação:

Por que diagnosticar o gênero? Quem autoriza psicólogos, psiquiatras,


endocrinologistas e outras especialidades que fazem parte das equipes
multidisciplinares a avaliarem as pessoas transexuais e travestis como
“doentes”? Se não existe nenhum exame clínico que conduza a produção
do diagnóstico, como determinar a ocorrência do “transtorno”? Quais e
como estabelecer os limites discerníveis entre “os transtornados de
gênero” e “os normais de gênero”? (Bento & Pelúcio, 2012, p. 579).

Essas são reflexões representativas de como o poder/saber da psiquiatria, da


psicologia e da medicina, entre outras ciências, podem e, muitas vezes, são
utilizados como forma de apropriação e de controle biomédico e social das
identidades Trans*, esse é um exemplo de apropriação coletiva sobre elas.
Outra forma de apropriação acontece nos aparatos políticos e jurídicos que
impendem o avanço de políticas sociais, de políticas públicas, de direitos sociais
para o segmento das travestis, inclusive voltados para a sua inserção no mercado
de trabalho. A reprodução dos valores conservadores e fundamentalistas é uma
forma de apossar-se por meio da doutrinação, que condena publicamente as
identidades que fogem do binarismo cis-heterossexual, não permitindo o acesso aos
direitos, a exemplo da Lei de Identidade de Gênero iv.
Os valores moralizantes/fundamentalistas reproduzem-se na sociedade como
uma forma de manutenção da classe dominante – sobretudo para perpetuação da
família heterossexual. No seguinte relato podemos identificar como a apropriação
coletiva expressa-se em mecanismos, como o preconceito por classe ou por religião:

Então, assim... o preconceito não é só na Igreja Evangélica, porque é


“veadinho” ou se veste de homem ou mulher. O preconceito é em qualquer
religião ou classe social, as vezes a gente fica pensando assim, é julgar
pela aparência, se julga por ser branca ou preta, os ladrões são os de
farda, são os de gravata, os maiores ladrões são os de gravata, não são os
negros nem os maus vestidos, e a gente julga, me julgaram muito. Eu não
ligava, as vezes eu sofria, não posso deixar de viver porque as pessoas
querem que eu viva assim (CAMILLE CABRAL, CABELEIREIRA
INFORMAL).

Segundo o pensamento de Guillaumin (1978), a apropriação individual pode


dar-se de forma sexual e/ou racial – muitas travestis que não estão inseridas no
mercado de trabalho formal convivem sob condições subalternas e precarizadas. Na
pesquisa de Vale (2005) são apresentados alguns aspectos sobre as migrações de
travestis brasileiras que vivem do mercado transnacional do sexo, em roteiros
europeus para trabalharem na prostituição. O autor apresenta algumas das
dificuldades vivenciadas por elas nas migrações, assim como as misérias que
sofreram em outros países fora da realidade brasileira.
Outras vivem no Brasil recorrendo à prostituição, algumas sob controle de
“cafetinas” ou “cafetões”, mas não pode-se generalizar essa situação da autonomia
do corpo das travestis em relação ao trabalho sexual. Haja vista em todas atividades
existem relações de poder e de apropriação, assim como os processos de
resistência. A pesquisa realizada por Benedetti (2005) apresenta certos aspectos
sobre as explorações que as travestis vivenciam no mundo da prostituição:

Muitas travestis vivem em pensões, que são normalmente casas em bairro


do subúrbio onde vivem, em geral, entre sete e oito travestis. As pensões
são administradas por travestis mais velhas ou mais experientes,
conhecidas como cafetinas, que cobram uma diária pela moradia. Essa
forma de contrato é vista por muitas travestis como algo injusto: reclamam
de ser “exploradas” pela cafetina, que cobraria muito caro pela
hospedagem. (Benedetti, 2005, p. 38)

Ressalta-se que a presente pesquisa não teve como objetivo analisar as


condições das travestis na prostituição, apenas retratar que nessa atividade no
sistema produtivo há casos de apoderamento e de precarização, do mesmo modo
em que são construídos processos de resistências e enfrentamento como ocorre
com a organização das prostitutas com o objetivo de alcançar garantias de direitos.
E, por fim, a “apropriação via exploração da força de trabalho”. Nela, chega-se
ao ponto central do pensamento de Guillaumin (1978) que se aproxima com o
objetivo dessa pesquisa. Essa modalidade dá-se decorrência da venda da força de
trabalho (apropriação), via complexas relações de fragilização. Tal modelo de
exploração se constitui por especificidades, por exemplo as atividades expressas na
formalidade e na informalidade.
De acordo com as reflexões apontadas por Araújo e Lombardi (2013), os
estudos recentes sobre as transformações no mundo do trabalho formal e informal
não contemplam as dimensões de gênero, por isso identifica-se poucos dados sobre
a frágil inserção do contingente feminino no sistema produtivo, principalmente no
que se refere à informalidade.
Compreende-se que a informalidade é parte de um dos componentes da
precarização social do emprego na atualidade, responsável pelo significativo
processo de subproletarização – serviço temporário e instável; atinge,
principalmente, as classes subalternizadas –, aspecto que inclui as travestis nessa
classe. Considera-se, ainda, que as dimensões de trabalho formal e informal se
complementam enquanto faces da mesma forma de ser. Sendo assim, a condição
de empregadas livres e assalariadas expressa na sociedade capitalista um vínculo
de exploração via negação de direitos, sobretudo àquelas não inseridas na
formalidade.
Assim, a partir da pesquisa de campo, identificou-se que 62,5% das travestis
exerciam ocupações sem nenhuma proteção social, outras estavam
desempregadas. Sabe-se, no entanto, que o acesso à seguridade social tem uma
ligação profícua com a inserção no mercado de trabalho, principalmente em relação
à previdência social, que é um direito contributivo.
Além das condições supracitadas, percebe-se que as travestis estão inseridas
de forma marginalizada na divisão sexual do trabalho, naqueles locais que foram
construídos por meio da separação/hierarquização, cujo o contingente feminino
passa a ocupar na esfera da reprodução social, do cuidado; espaços construídos em
dimensões sexistas e misóginas. Com tal caraterística, “o conceito de ‘trabalho
considerado como femininos’ permite caracterizar o trabalho de reprodução social
antroponômica, mas também seu caráter mais ou menos assalariado, ou seja, seu
lugar ambíguo entre as lógicas da apropriação da exploração” (Falquet, 2013, p. 18).
De modo que na divisão sexual do trabalho o preconceito é um outro fator que
se imbrica nessa hierarquização, de exploração e de apropriação dessas integrantes
do proletariado. Ele se cristaliza na sociedade na forma de concepção dos
indivíduos baseada na ordem naturalista, que concebe apenas as identidades
homem e mulher cis. Assim, “o fato da sociedade imaginar que só exista pessoas cis
e, por extensão, que só devam existir pessoas cis esconde em si mesmo a violência
transfóbica. Aliás, trata-se tão somente de um sintoma do quanto às vivências e
vozes trans são silenciadas [...] isso tem efeitos devastadores” (Beatriz, 2016).
Os efeitos devastadores apontados pela autora efetivam-se na segregação
nos espaços destinados às travestis. São ambientes como salões de beleza, casas
de festas noturnas, bares (como garçonetes) e/ou escolas (como professoras;
aquelas que tiveram acesso à educação). Assim, muitas vezes, dadas as pressões
postas pelo preconceito, essa população não denuncia os assédios e discriminações
sofridas.
No caso de Jovana Cardoso, que, mesmo tendo concluído o ensino médio e
trabalhado anteriormente como cabeleireira, terminado o curso de técnico de
enfermagem, ao procurar hospitais privados, nunca foi contratada. Apenas ao ser
aprovada em concurso público obteve um trabalho estável. De tal modo, a
informalidade constitui-se para as travestis como uma porta de saída, frente ao
desemprego ou às áreas, que não exigem qualificação acadêmica, contudo
possuem uma restrição no tocante ao gênero, ilustrando, assim, a divisão sexual do
trabalho. Tal ocorrência pode ser percebida na grande inserção das travestis nos
salões de cabeleireiros. No relato a seguir podemos identificar esse modelo:

Trabalhei como cabeleireira por que infelizmente as pessoas não abrem o


mercado de trabalho para travesti, você mal ver uma travesti trabalhando,
eu acho que sou a única travesti trabalhando no Walfredo Gurgel, tanto
que sou motivo das pessoas ficarem apontando (JOVANA CARDOSO,
TÉCNICA DE ENFERMAGEM).

A desvalorização desse contingente está relacionada às múltiplas dimensões


culturais e sociais construídas sobre elas, sobretudo pautadas por uma sociedade
sexista e misógina que subalterniza essas identidades, mesmo as que possuem
qualificação profissional, como o caso de Jovanna. Essa é a lógica de inserção das
travestis: quando contratadas, se estabelecem nos ditos campos de atuação
desvalorizado, ou seja, aqueles pertencentes aos “trabalhos considerados
femininos”, isso ocorre, pois o corpo e o gênero travesti dão visibilidade a uma
representatividade do gênero na sua fluidez, o que para sociedade normativa isso
revela-se como uma abjeção tendo diversas consequências em seus cotidianos de
trabalho.
Nesse sentido, as entrevistas a seguir apresentam alguns desses espaços de
inserção das travestis no mercado de trabalho em Natal, e, como pode-se identificar,
são locais de desprestígio social:

Já trabalhei como Auxiliar de Serviços Gerais em uma escola da prefeitura.


Eles me reconheciam como Janaína Dutra, não tinha preconceito, já
busquei empregos em lojas, mas nunca me contrataram (JANAÍNA
DUTRA, ATENDENTE).

Tive vários trabalhos. Já trabalhei de vendedora, já trabalhei em oficina,


em lojas de móveis. Já tive dificuldades? Já, quando fui para vários salões
que perguntei tem vaga para trabalho? E disseram na minha cara – Para
travesti não! (CLAÚDIA WONDER, CABELEIREIRA).

As falas apresentadas expõem alguns dos elementos que constituem os


“trabalhos desvalorizados”. Funções construídas pela sociedade patriarcal,
destinadas ao contingente feminino. Além das enormes dificuldades para conseguir
empregos, as travestis vivem sob alternância de ocupações ou em uma alta
rotatividadev das mesmas.
Nesse novo componente social o trabalho exercido na informalidade gera
novas expressões, haja vista continua a produção das mercadorias em decorrência
de novos processos sociais. Suscita valoração desses mecanismos, anteriormente,
mencionados, como o empreendorismo via pequenas produções terceirizadas. Com
isso surge uma gama de fatores que precarizam ainda mais a classe trabalhadora.
Sendo assim,

Estas modalidades de trabalho – configurando as mais distintas e


diferenciadas formas de precarização do trabalho e de expansão da
informalidade – vêm ampliando as formas geradoras do valor, ainda que
sob a aparência do não-valor, utilizando-se de novos e velhos mecanismos
de intensificação (quando não de auto-exploração do trabalho) (ANTUNES,
p. 2010, p. 12).

Pode-se identificar, principalmente, essas modalidades no trabalho das


mulheres no ramo de confecção, setor que produz, muitas vezes, peças de calça e
camisa para grandes indústrias. Elas revendem o que produzem a um preço
baixíssimo, fornecendo lucro de diversas formas à produção em larga escala, pois
não é pago um salário adequado e não são cumpridos os direitos trabalhistas. Tem-
se, então, o aumento do desemprego via generalização do serviço instável: as
tercerizações e a informalidade.
Muitos dos(as) trabalhadores(as) inseridos(as) na informalidade apresentam
um histórico de violações de direitos, não tiveram uma formação profissional
qualificada, poucos contribuíram com a previdência social, geralmente submetendo-
se a essa modalidade como única forma de suprirem suas necessidades mais
elementares. A “[...] informalidade remete à figura dos trabalhadores informais
tradicionais, inseridos nas atividades que requerem baixa capitalização, buscando
obter uma renda para consumo individual e familiar” (Antunes, p. 2010, p. 13).
Nesse aspecto, a incorporação das travestis no mundo do trabalho também
faz parte da lógica metabólica da reprodução ampliada do capital, quando se trata
da manutenção das taxas de lucratividade versus a precarização da classe
proletária. Assim, os(as) empregados(as) informais exercem, na maioria dos casos,
suas atividades no setor de prestação de serviços (Antunes, 2010).
Destarte, é o caso das travestis que identificou-se na pesquisa; em alguns
campos, a informalidade apresenta consequências também na sua saúde, sobretudo
quando eles tem que apresentar o padrão de “beleza feminina” (atendentes,
cabelereiras, dançarinas), muitas delas acabam fazendo hormonização por conta
própria sem ter um acompanhamento adequando, vindo apresentar futuramente
alguns problemas hormonais no corpo por intercorrências do uso inadequado de
hormônios.

Considerações finais:

Como resultados dos relatos obtidos, tem-se que as travestis vivenciam


cotidianamente diversas precarizações para se inserirem no mercado de trabalho,
sofrem violações de direitos, assédios moral e sexual, além da transfobia
institucionalizada. Além disso, analisou-se às políticas públicas de renda e trabalho
para travestis no Brasil. E ainda, observou-se o orçamento público destinado para a
efetivação dessas políticas, seus limites e suas contrações. Destarte o Estado, de
fato, é o campo mediador dos direitos da população Trans* no Brasil, sendo ainda,
ínfimas as políticas públicas destinadas para esse segmento.
É nessa arena de conflitos sociais que a referida população resiste na defesa
por direitos. Concluiu-se que diante de tantos desafios que as travestis sofrem no
mundo do trabalho, somente por via da organização coletiva que articule a luta anti-
patriarcal, anti-capitalista, anti-racista e anti-cissexistas que essas trabalhadoras
podem transformar essa realidade de múltiplas desigualdades sociais.

ii
Militante do Trans, atualmente é discente do curso de nível superior em Serviço Social, pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
ii
O termo “bico”, utilizado nesse trabalho, é uma expressão coloquial utilizada para representar o
trabalho informal.
iii
Tradução: Em um estudo realizado em 2005, durante a qual foi consultada 302 companheiras
travestis residentes na cidade de Buenos Aires, os subúrbios de Buenos Aires e na cidade de Mar del
Plata, descobriu que "o exercício da prostituição de rua é a mais importante fonte de renda para 79,1
% das parceiras pesquisadas. As colegas que também relatam encontrados outros empregos no
mercado informal, sem qualquer reconhecimento dos direitos dos trabalhadores em ocupações de
baixa qualificação e remuneração "(BERKINS, 2012, p. 224)
iv
Nacionalmente a população Trans*(travestis, mulheres trans, homens trans) tem como uma das
pautas de luta a defesa pela aprovação da Lei de Identidade de Gênero, que tramita no Congresso
Federal, o PL é de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) e da Deputada Federal Érika
Kokay (PT/DF) “que estabelece o direito à identidade de gênero definida como a vivência interna e
individual do gênero tal como cada pessoa o sente, que pode corresponder ou não com o sexo
atribuído após o nascimento”. Disponível em: <http://ambito-
juridico.jusbrasil.com.br/noticias/100495477/projeto-de-lei-estabelece-direito-a-identidade-de-genero>.
Acesso em 1 de julho 2016.
v
Antunes (2010) apresenta as características dos trabalhadores informais tradicionais como sendo
trabalhadores “ocasionais” ou “temporários” – realizam trabalhos informais quando estão
desempregados os típicos “bicos”, mas tem por objetivo retornar ao trabalho assalariado – alguns são
digitadores, faxineiras, salgadeiras, cabeleireiras, principalmente pelas dificuldades encontradas em
tempos de crise. De modo que a sociedade impõe diversas barreiras para a inserção das travestis
nos trabalhos formais.

Referências:

Antunes, Ricardo (2010). Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era
da precarização estrutural do trabalho? In. Revista Praia Vermelha, Rio de Janeiro,
v. 20, nº 1, p. 11 – 20.

Araújo, Angela Maria Carneiro. Lombardi, Maria Rosa (2013). Trabalho Informal,
Gênero e Raça no Brasil no início do Século XXI. Cadernos de Pesquisa v.43 n.149
p.452-477 maio/ago.

Beatriz. “Afinando a noção de “socialização” e refutando algumas distorções”.


Disponível em: http://transfeminismo.com/afinando-a-nocao-de-socializacao-e-
refutando-algumas-distorcoes. Acesso dia 15 de junho de 2016.

Beatriz. “O que é um laudo? Um pouco sobre a recusa à cidadania cirúrgica”.


Disponível em: <http://transfeminismo.com/o-que-e-um-laudo-um-pouco-sobre-a-
recusa-a-cidadania-cirurgica/>. Acesso em: 15 de junho de 2016.

Beatriz. “Pessoas trans* não são raridades”. Disponível em:


<http://transfeminismo.com/pessoas-trans-nao-sao-raridades/>. Acesso em: 15 de
junho de 2016.

Benedetti, Marcos Renato (2005). Toda Feita: o corpo e o Gênero das Travestis. Rio
de Janeiro: Garamond.

Bento, Berenice. Pelúcio, Larissa (2012). Despatologização do Gênero: a politização


das identidades abjetas. Estudos Feministas, Florianópolis, 20(2): 256, maio-agosto.

Berkins. Lohana (2012). Travestis: una identidad política. In. Pensando los
feminismo em Bolívia. La Paz, Bolivia, Ed. Conexión Fondo de Emancipación.

Bortoni, Larissa (2017). Expectativa de vida de transexuais é de 35 anos, metade da


média nacional. In. https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-
cidadania/expectativa-de-vida-de-transexuais-e-de-35-anos-metade-da-media-
nacional. Acesso dia 08/09/2019.

Falquet, Jules (2008). Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na


globalização neoliberal. In. Mediações, v. 13, n. 1-2, p. 121-142.

Falquet, Jules (2013). O capitalismo financeiro não liberta as mulheres: análises


feministas materialistas e imbricacionistas. In. Revista Crítica Marxista, no. 36, p. 9-
25.

Guillaumin, Colette. Práctica del poder e ideia de Naturaleza. In: Falquet, Jules e
curiel, Ochy (orgs.) El patriarcado al desnudo: tres feministas materialistas: Colette
Guillaumin - Paola Tabet - Nicole Claude Mathieu. Buenos Aires: Brecha Lésbica,
2005.

Lima, Rita de Lourdes (2011). Diversidade, Identidade de Gênero e religião: algumas


reflexões. In: Revista em Pauta, v. 9, N. 28, Rio de Janeiro.

Oliveira, Tibério Lima (2013). Travestis e o Direito à Cidade: sujeitos transgressores em


uma sociabilidade perversa. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço
Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.

Oliveira, Tibério Lima (2016). “Meu corpo, um campo de batalha”: a inserção precária das
Travestis no mundo do trabalho em tempos de crise capital. Dissertação (Mestrado em
Serviço Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Simionatto, Ivete (2009). Classes Subalternas, lutas de classe e hegemonia: uma


abordagem gramsciana. Rev. Katálysis. Florianópolis v. 12 n. 1 p. 41-49

Vale, Alexandre Fleming Câmara (2015). O vôo da beleza: travestilidades e devir


minoritário. Tese de Doutorado, Fortaleza, UFC.

También podría gustarte