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RESUMO: Regular as relações de família nunca foi tarefa fácil para o legislador. Ainda mais
quando elas envolvem a delicada relação de pais e filhos, embasada em históricos de
abandono, displicência e desprezo. O presente trabalho tem como objetivo, a partir da análise
dos argumentos da doutrina e da jurisprudência, buscar uma solução para as lacunas
legislativas quanto ao descumprimento do dever de convivência dos pais com seus filhos,
previsto no art. 227, pela Constituição Federal e nos demais diplomas legislativos que
regulam a respeito dos deveres da família, com base no instituto do poder familiar. Ao longo
do estudo, percebe-se a posição de destaque que o afeto conquista no ordenamento jurídico
brasileiro, ao ser reconhecido juridicamente e consagrado a direito fundamental pela Carta
Magna de 1988. É no Direito de Família que o princípio da afetividade encontra espaço para
prosperar, encontrando no convívio e no respeito entre os seus familiares a fórmula para se
sustentar e, assim, tornando-se elemento essencial para um saudável desenvolvimento da
personalidade da criança e do adolescente, preceituado no princípio da dignidade humana. A
partir de uma análise da evolução histórico-constitucional da família e da filiação no direito
brasileiro, concomitantemente com a avaliação das demais matérias e princípios atinentes ao
direito de família e à responsabilidade civil, tais como o poder familiar, o dever de visitas, as
formas de ruptura dos laços familiares, o dever de guarda, o dano moral e o abuso de direito,
busca-se encontrar a sanção mais adequada para as situações de abandono moral e afetivo da
prole, uma vez que esta atitude de desamparo pode trazer conseqüências traumáticas e
irreversíveis às crianças e aos adolescentes. O tema envolve além do campo jurídico, outros
diversos ramos da ciência, pois englobam tanto a questão dos direitos e dos deveres, como
também questões morais e éticas, exigindo do julgador bom-senso ao proferir suas decisões.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 227, o dever da família de assegurar
aos filhos não só os direitos básicos inerentes a todo ser humano (direito à saúde, educação,
alimentação, lazer, dentre outros), mas também menciona de maneira bastante objetiva a
responsabilidade em proporcionar à criança e ao adolescente a convivência familiar. Tais
obrigações decorrem da proteção constitucional dos direitos à personalidade (art. 5º do
referido diploma legal), sendo estes invioláveis, em atenção ao princípio da dignidade humana
(art. 1º, inc. III, CF).
Do mesmo modo, estes direitos foram estendidos as demais normas do sistema
jurídico brasileiro, tendo o legislador dedicado, no Estatuto da Criança e do Adolescente, um
capítulo especial denominado como “Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária”
(Capítulo III) e no Código Civil de 2002, um capítulo destinado a proteção dos direitos de
personalidade (Capítulo II – Dos Direitos Da Personalidade).
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora
composta pelo professor orientador Rolf Hanssen Madaleno, Professora Marise Soares Correa e Professora Ana Luiza Carvalho Ferreira, em
23 de junho de 2010.
2
Acadêmica do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da PUCRS. Contato: juniafreis@hotmail.com
1
3
DIAS, Maria Berenice. As famílias e seus direitos. Disponível em: <http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?26,8>. Acesso em:
14/abr./2010.
4
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.15.
2
aquela formada sob os bons desígnios da lei, através do casamento civil e, sempre quando
possível, fazia gosto fosse acrescido da cerimônia religiosa, num entusiástico acontecimento
envolvendo duas animadas famílias.
Isto, naturalmente, refletiu-se também no que diz respeito à questão da filiação, tendo
sido destinado no antigo Código Civil, um capítulo denominado “Da Filiação Legítima”, onde
reconhecia serem legítimos somente os filhos concebidos na constância do casamento, sendo
considerado para este fim tanto o casamento válido, como o casamento putativo. (art. 3375,
revogado pela Lei nº 8.560/926).
Outra importante característica da família dos tempos passados, encontra-se no seu
caráter patriarcal, onde o pai detinha todos os poderes tanto em relação a administração
familiar, como também possuía poder de mando na mulher (poder marital) e nos filhos (pátrio
poder).
Além disto, era vista em seu sentido amplo como função econômica, sendo
considerada “verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando uma
unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo uma entidade
patrimonializada, seus membros eram força de trabalho” 7. Por esta razão, a família devia ser
composta pelo maior número de pessoas, sendo estas preferencialmente filhos.
Foi no início da Revolução Industrial, com a necessidade de a mulher ser introduzida
no mercado de trabalho para auxiliar na mão-de-obra, que a família vista até então como
eminentemente de caráter econômico, político, religioso e procracional passou a desenvolver
valores de afetividade, com a aproximação de seus componentes, passando àqueles a
desempenhar papel secundário.
Aos poucos, foi ocorrendo o desaparecimento da família patriarcal, na qual foi
induzido por dois principais fatores: as alterações sofridas pela sociedade com a urbanização
acelerada ao longo do Século XX e a emancipação feminina, conforme já referido,
principalmente econômica e profissional, na qual modificou o papel da mulher que era
destinado ao âmbito doméstico. Contudo, sua crise no plano jurídico culminou com os valores
introduzidos na Carta Magma de 1988.
Do mesmo modo, a função econômica da família foi perdendo o sentido, sendo
agregado aos fatores mencionados acima, a situação de redução do número médio de filhos
nas famílias, que, segundo o censo do IBGE, ao final do Século XX, a sociedade brasileira
apresentava a média de 3,5 membros por família8.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, houve importantes alterações para o
Direito de Família, duas delas merecendo especial destaque, tendo em vista o assunto tratado:
o reconhecimento de outras formas de constituição de família, além daquela formada pelo
casamento e a equiparação entre os filhos havidos dentro e fora do casamento, passando a
prole a ser tratada igualmente, independente da descendência dos pais.
Assim, foi criada uma nova concepção de estrutura e formatação familiar, dando
espaço as categorias até então excluídas, “com o reconhecimento das famílias naturais, assim
chamadas por terem nascido da informalidade de uma relação afetiva, outrora denominada de
concubinato e modernamente rebatizada com a denominação jurídica de união estável”9.
5
Art. 337. Revogado pela Lei n° 8.560, de 29.12.1992. Texto original: São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda
que anulado (art. 217), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa fé (art. 221). (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de
15.1.1919) (BRASIL.Código Civil (1916). Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Rio de Janeiro, RJ.). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L3071.htm. Acesso em: 04/abr./2010.
6
BRASIL. Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8560.htm. Acesso em: 15/abr./2010.
7
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.. 24.
8
LÔBO, Paulo Luiz Neto. A repersonalização das relações de família, In: DEl`OLMO. Florisbal de Souza; ARAUJO, Luis Ivani de
Amorin (Coords.). Direito de Família contemporâneo e os novos direitos: Estudos em homenagem ao Professor José Russo. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 101.
9
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.16.
3
Segundo Maria Berenice Dias10, foi a jurisprudência que abriu caminho para a Constituição
albergar as uniões extramatrimoniais sob o nome de união estável, ensejando a
constitucionalização do conceito de entidade familiar sem estar condicionado à tríade:
casamento, sexo e reprodução.
Esta nova conceituação de família foi um marco para o Direito de Família, pois pela
primeira vez, o afeto foi reconhecido juridicamente. A família, antes núcleo econômico e de
reprodução, passou a ser o lugar do afeto e do amor11.
Igualmente, consolidando a idéia de que as uniões familiares não são mais restritas ao
vínculo conjugal, e sim, à existência de laços afetivos, foram admitidos os grupos informais
chefiados por um homem ou por uma mulher sem cônjuge ou companheiro, as denominadas
famílias monoparentais.
Este modelo de organização familiar ficou conhecido pela doutrina como família
monoparental, estando a necessidade de ressaltar já na sua própria nomenclatura a existência
de apenas um dos pais - solteiro, separado, divorciado ou viúvo - no comando da entidade
familiar, uma vez que tal situação exige uma maior proteção do Estado, afinal, este genitor
terá como incumbência administrar individualmente a família, garantindo-lhe o sustento e os
cuidados devidos, não só com o lar, mas principalmente com os filhos.
Ainda assim, a família monoparental foi também reconhecida e definida pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), no qual dispôs em seu art. 25 que “entende-se
por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”.
Na realidade, deve-se ressaltar que, na verdade, a figura da família monoparental é tão
antiga quanto à da família constituída pelo casamento, uma vez que até mesmo antigamente,
existiam mães solteiras, mulheres e crianças abandonadas. O que diferenciava a primeira da
segunda, era a falta de reconhecimento destas entidades familiares no mundo jurídico,
acabando por marginalizá-las.
Como disse Rolf Madaleno, “a nova organização da família segue o fenômeno social
da chamada lei de contínuo estreitamento familiar, responsável pela transformação dos
grandes grupos familiares na família nuclear de nossos tempos” 12. Ainda assim, sustenta que
a transformação da família patriarcal em família celular permite que as prestações vitais de
afetividade e realização individual se sobressaiam aos antigos tabus sobre maternidade e
paternidade, tornando-se mais importante, hoje em dia, a formação natural e espontânea da
família13.
A busca da constitucionalização do Direito Civil gera, conseqüentemente, a
despatrimonialização do Direito de Família, que deixa de se preocupar com a atividade
econômica de seus indivíduos, passando a se dedicar à regulamentação de suas vidas sociais e
do desenvolvimento de suas personalidades. Na visão de Paulo Luiz Neto Lôbo14, esta nova
tendência enquadra-se no fenômeno jurídico-social denominado repersonalização das
relações civis, que busca a valorização da pessoa humana, e não de seu patrimônio, tendo
como elemento aglutinador e nuclear distinto, que constitui o suporte fático da família, a
afetividade.
Agora o que identifica a família, não é nem a celebração do casamento, nem a
diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da
família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a identificação de um vínculo afetivo, a
unir as pessoas, gerando comprometimento mútuo, solidariedade, identidade de projetos de
10
DIAS, Maria Berenice. Álbum de família. Disponível em: <http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?34,8>. Acesso em: 19/abr./2010.
11
PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Da União Estável. In DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de Família e
o Novo Código Civil. 4ª ed., rev. e atual.. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 220.
12
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.17.
13
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.18.
14
LÔBO, Paulo Luiz Neto. A repersonalização das relações de família, In: DEl`OLMO. Florisbal de Souza; ARAUJO, Luis Ivani de Amorin
(Coords.). Direito de Família contemporâneo e os novos direitos: Estudos em homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 100 e 109.
4
A ruptura dos laços familiares determina uma alteração no contexto familiar, que
poderá ser identificado tanto nas situações em que é dado fim ao casal conjugal dos pais,
através da separação no casamento e da dissolução da união estável, bem como naqueles
casos em que houver a morte de um dos pais.
Contudo, independente de qual seja a forma de constituição da família, ou até mesmo,
de que situação decorra o seu desmembramento, um ponto é de comum a todas: o dever de
guarda dos pais com os seus filhos. Sendo assim, por regra, os filhos deverão habitar o
domicílio dos pais, pois estes “devem mantê-los sob a sua custódia, zelando por sua
integridade moral, matéria e física, cuidando de sua formação e de sua educação”20.
Isto significa dizer que os filhos menores permanecem sujeitos ao poder familiar,
15
DIAS, Maria Berenice. Novos tempos, novos termos. Disponível em: <http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?23,8>. Acesso em:
19/abr./2010.
16
LÔBO, Paulo Luiz Neto. A repersonalização das relações de família, In: DEl`OLMO. Florisbal de Souza; ARAUJO, Luis Ivani de
Amorin (Coords.). Direito de Família contemporâneo e os novos direitos: Estudos em homenagem ao Professor José Russo. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 99.
17
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, fl. 365.
18
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 801.
19
Art. 226. “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 12/abr./2010.
20
MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In, WELTER. Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf
(Coord). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 343.
5
Se ainda assim, não for possível concluir quem melhor atenderá ao papel de detentor
da guarda, a solução poderá ser buscada através da mediação24.
Antigamente, no Brasil, prevalecia a cultura da guarda materna. Diante do
desfazimento da relação conjugal, os julgadores acabavam habitualmente determinando a
guarda dos filhos à genitora, pela “crença de ser a mãe a natural guardiã da prole, por dispor
do dom de quem abriga o filho desde sua concepção, e do tempo livre para se dedicar às
tarefas domésticas, em contraponto ao trabalho externo, e a menor dedicação do pai”25.
21
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 23.
22
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 266.
23
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 199.
24
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 398.
25
MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In, WELTER. Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf
(Coord). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 345.
6
Esta alteração no cenário histórico tem como marco a entrada da mulher no mercado
de trabalho, igualando-se aos homens neste aspecto, o que acarretou na necessidade de que o
pai passasse a exercer conjuntamente algumas tarefas, inclusive domésticas, que até então
eram exercidas somente pela mãe, revelando que a “a criação e educação de uma criança não
é exclusivamente ínsita à natureza feminina”27.
Diante das circunstancias apresentadas, a guarda deverá ser sempre escolhida sob a
observância do princípio dos melhores interesses da criança e do adolescente, previsto no art.
3.128, da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto n°
99.710/90.
Contudo, conforme já mencionado anteriormente, a perda do direito de guarda dos
filhos, não pode acarretar o abandono por parte deste genitor, que deve continuar exercendo a
orientação e fiscalização, próprias do poder familiar, participar da educação e das questões
que envolvem afeto, apoio e carinho29. A propósito, Rolf Madaleno30 destaca:
“A simples destituição da guarda física de filho pela separação dos pais não implica,
sob nenhum aspecto a perda do poder familiar, e talvez até reforce o seu exercício
pela redução do contato do genitor não-guardião com o seu filho que ficou sob a
guarda do outro ascendente. Nem significa admitir sob qualquer pretexto, pudesse a
cisão da guarda prejudicar por alguma forma o direito-dever dos genitores manterem
uma sadia convivência familiar.
O atual Código Civil prevê em seu art. 1583, com redação alterada pela Lei nº
11.698/08, que, em regra, “a guarda será unilateral ou compartilhada”, definindo no §1º31 a
guarda única.
A guarda unilateral, nada mais é do que a situação na qual um dos pais é detentor da
guarda dos filhos, o que pode ser entendido como o domicílio em que a prole irá residir,
enquanto ao outro genitor, incumbe o encargo de contribuir financeiramente para a
subsistência através do pagamento de pensão alimentícia e o direito de visitas, que nada mais
é do que o exercício do direito de convívio.
A escolha do genitor guardião será fixada em atenção aos requisitos do §2º do art.
1.58332, do Código Civil.
Quanto ao §3º do art. 1.583, do Código Civil, incluído pela Lei nº 11.698/0, no qual
dispõe que “a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha supervisionar os
interesses dos filhos”, na realidade, só veio a corroborar o que já estava previsto no art. 1.632.
Assim, Adalgisa Wiedmann Chaves33 comenta:
Tal dispositivo é, sem sombra de dúvida, redundante, mas serve talvez para deixar
ainda mais claro o que já estava límpido, no intuito de se buscar a participação mais
efetiva do genitor não guardião. Infelizmente, ainda é bastante comum no cotidiano
forense, que após a separação dos pais, aquele que não ficou com a guarda também se
separe dos filhos, deixando de ter participação efetiva e importante no cotidiano da
prole.
A guarda unilateral não faz com que o cônjuge não-guardião perca a titularidade do
poder familiar (art. 1.632, Código Civil). Esta permanece para ambos os pais; o que se altera é
o exercício deste poder.
Fabíola Santos Albuquerque34 defende seu argumento de que a guarda unilateral não
seria a mais apropriada para o novo modelo de família, pois está em total incoerência com o
princípio dos melhores interesses da criança:
Ora, se ambos os cônjuges são iguais e durante a convivência exerciam o poder
familiar conjuntamente, por que, na hipótese de dissolução do vínculo conjugal,
aquele exercício precisa ser praticado de modo separado e exclusivo?
Por essas razões é que o modelo da guarda exclusiva revela-se incompatível com as
vicissitudes por que passa a família. Se o princípio norteador é o melhor interessa da
criança, como justificar, para o principal interessado, que em razão da dissolução do
vínculo jurídico dos pais ele será obrigado a aceitar, que, a partir daquele momento,
passará a viver apenas com um e ser visitado pelo outro?
Ademais, esta disputa poderá se tornar ainda mais acirrada e traumatizante, se levar
em consideração que, conforme preceitua o art. 1.583, §2º, está guarda unilateral será fixada
“ao genitor que revele melhores condições para exerce-lá”, o que pode gerar equivocadas
conclusões de que o outro não possuí capacidade para exercer seus deveres decorrentes do
poder familiar, criando assim, uma situação de constrangimento e possível abalo na relação
entre o filho e o genitor não-guardião.
Como já foi visto anteriormente, durante a convivência dos pais, a guarda é exercida
conjuntamente. Os problemas iniciam-se no momento em que os genitores optam por romper
com seu vínculo conjugal, pois dependendo da maneira em que ocorrer, “aquele exercício
também sofrerá variações em seu conteúdo e sua forma”39.
Nesta linha, Fabíola Santos Albuquerque afirma que a idéia da guarda compartilhada
consiste na “perspectiva dos titulares do poder familiar manterem e exercerem a guarda
conjuntamente, ainda que o vínculo jurídico que unia os genitores tenha desaparecido“40.
Giselle Câmara Groeninga41 define-a como:
“Modalidade de guarda em que ambos os genitores têm a responsabilidade e a
autoridade sobre os filhos menores ou incapazes, havendo o compartilhamento, ao
mesmo tempo e na mesma intensidade, do Poder Familiar, das normas e decisões que
ele implica, embora vivam em lares distintos, sendo a residência do filho fixada em
um destes lares.
Assim, a guarda física vai permanecer com o cônjuge em que os filhos residirem e a
guarda jurídica com ambos os genitores, que deverão compartilhar as decisões importantes
relativas à prole.
Atualmente, é considerada por posição majoritária tanto na doutrina, como na
jurisprudência, o modelo mais apropriado para resolver os conflitos dos pais em relação a
guarda dos filhos, bem como, é a que melhor se encaixa as necessidades da família moderna,
pois possibilita a convivência conjunta dos filhos com a figura paterna e a figura materna.
Tendo em vista a garantia deste direito, determinou o legislador no art. 1.584, §2º, do Código
Civil que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda dos filhos, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”, tornando-a regra e condicionando a
guarda unilateral à situações excepcionais.
Cabe apenas uma ressalva, como bem observa Rolf Madaleno, que apesar da
preferência pela guarda compartilhada, considera-se praticamente inviável sua imposição por
determinação judicial, “quando não existe diálogo e cooperação entre os pais detentores do
poder familiar” 42, revelando nestas situações, ser mais conveniente a aplicação do §2º, do art.
1.583, do Código Civil, no qual determina que “a guarda unilateral será atribuída ao genitor
que revele melhores condições para exerce - lá e, objetivamente, mais aptidão para propiciar
aos filhos os seguintes fatores: I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II -
saúde e segurança; III - educação”.
Em consonância com o novo Direito de Família, que tem como base os princípios
constitucionais, a guarda, sendo parte deste todo, não poderia fugir à regra. Sendo assim,
segundo Fabíola Santos Albuquerque, a guarda compartilhada, encontra fundamento nos
princípios constitucionais, informadores do direito de família, quais sejam: o da convivência
familiar, o da unidade familiar, o do melhor interesse da criança, o da igualdade entre os
cônjuges, sem esquecer-se do macroprincípio da dignidade da pessoa humana43.
Ainda, do ponto de vista da psicanálise, estes benefícios vão ainda mais longe. Para
exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
(BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
39
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 25.
40
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 24.
41
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 126.
42
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 266.
43
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 27.
10
44
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 108.
45
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 109.
46
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 195.
47
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (7ª Câmara Cível). Apelação Cível nº 70005760673. Relator Desembargador Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 26 de março de 2003. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris. Acesso:
19/abr./2010.
48
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 259.
11
Deste modo, as características da guarda alternada serão o fato do filho possuir dois
domicílios e de acordo com uma divisão espaço-temporal, passará um período na companhia
de um dos genitores e, período subseqüente residirá com o outro. Os períodos podem variar
em dias, semanas ou até meses. Assim, “procede-se praticamente à divisão da criança“49.
No campo da psicanálise, a guarda alternada fere o Princípio dos Melhores Interesses
da Criança e do Adolescente, assim como o Direito à Integridade Psíquica.50
Antes de sermos homo sapiens ou seres humanos que pensam, somos homo affectus,
ou seres humanos que sentem. Sentimos, não apenas, frio, calor, sede e fome como os
outros animais, mas também sentimos medo, ódio, amor: sentimos saudade. Somos
seres afetivos na acepção mais profunda do que seja possível sentir.
57
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 19.
58
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/abr./2010.
59
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 19
60
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57
61
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 58.
62
CAMPOS. Andrea Almeida. Justiça: Virtude orquestrada pelo Afeto. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=408..
Acesso em: 21/abr./2010.
63
LÔBO. Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=527. Acesso em: 29/abr./2010.
13
(...) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);
b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de
direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os
adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226,
§ 4º).(...)
O que há em comum nessa concepção plural de família e filiação é a relação entre
eles fundada no afeto.”
64
BARROS. Sérgio Rezende de. Direitos Humanos na Família. In DEL’OLMO, Florisbal de Souza.; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim
Araújo. Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos: Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 141.
65
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392. Acesso em: 28/abr./2010.
66
SEREJO, Lourival. O afeto que se encerra. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=140. Acesso em: 13/mai./2010.
67
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Civil na relação paterno-filial. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=66, Acesso em: 24/abr./2010.
68
MADALENO. Rolf. A multa afetiva. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=52. Acesso em: 28/abr./2010.
14
Afinal, diante da dúvida se as visitas devem ser configuradas como dever dos pais ou
direito dos filhos, melhor entende-las como uma responsabilidade dos pais quanto à questão
afetiva e emocional dos menores. Eduardo Leite72, inclusive, comenta que:
(...) o direito de visitas não é um “direito” dos pais em relação aos filhos, mas é
sobretudo, um direito da criança. Direito de ter a companhia de seus dois genitores,
direito de ter amor de um pai ausente, direito de gozar da presença decisiva do pai,
direito de minorar os efeitos sempre nefastos de uma ruptura incontornável. Logo, é
um dever que a lei impõe àquele genitor que se vê privado da presença contínua do
filho.
Como regra, o Judiciário deve priorizar sempre que possível e não for prejudicar os
interesses do menor, a manutenção do direito de visitas, uma vez que a criança tem a
necessidade de conviver com o pai e a mãe, para a íntegra formação da sua personalidade.
Atualmente, talvez seja esta a construção mais necessária para todo ordenamento
jurídico brasileiro, uma vez que as visitas, como elemento responsável para a manutenção do
convívio familiar entre o filho e o genitor não-guardião, encontram absoluta proteção no
princípio da dignidade humana, sendo, inclusive, meio para seu fim.
Poder Familiar é a atual denominação utilizada para se referir ao antigo pátrio poder,
previsto pelo Código Civil de 1916. Em meio a uma sociedade patriarcal, o legislador
assegurava o exercício do pátrio poder com exclusividade ao pai, que possuía também o papel
de chefe da sociedade conjugal. Assim, a mulher só assumia o poder dos filhos, na falta ou
72
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 222.
73
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 409.
16
impedimento do pai.
Foi com o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62), que o pátrio poder passou a
ser exercido pelo marido com a colaboração da mulher, começando a se distanciar
concomitantemente da idéia de poder pátrio e poder marital.
Mas as mudanças não pararam por aí. Com a necessidade de adaptar-se à evolução das
relações familiares, o instituto do poder familiar sofreu diversas transformações durante o
século XX, afastando-se da noção de um exercício onde os pais possuíam poder (e direito)
sobre os filhos e assim, realizavam-no em atenção aos seus interesses, para concretizar-se na
função de deveres dos genitores com a prole.
Paulo Lobô entende que a nova nomenclatura, apesar de melhor do que a antiga
expressão, ainda não é a mais adequada, pois permanece enfatizando a idéia de poder. Na
realidade, não houve somente o deslocamento do poder do pai (pátrio) para o poder
compartilhado dos pais (familiar), mas sim houve uma mudança na sua finalidade: o exercício
passou a ser desenvolvido de acordo com as necessidades dos filhos, “ou melhor, no interesse
de sua realização como pessoa em formação”74.
A Constituição Federal de 1988 reconheceu este deslocamento, ao estabelecer a
igualdade entre homens e mulheres nos seus direitos e obrigações (art. 5º, I). Por
conseqüência, atribuiu-lhes iguais direitos e deveres com o exercício da sociedade conjugal
(art. 226, §5º), o que acabou culminando na delegação do exercício do poder familiar, com
relação aos filhos comuns, para ambos os pais.
O atual Código Civil, nos arts. 1.630 a 1.638, praticamente manteve o que já estava
previsto no Código Civil de 1916 com relação aos titulares do poder familiar, ao exercício, à
suspensão e à extinção. Contudo, passou a ser interpretado à luz dos princípios
constitucionais, prevalecendo o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e o
princípio dos melhores interesses do menor.
Diante da necessidade de proteção integral dos filhos, o poder familiar encontra sua
principal fonte no art. 22775, da Constituição Federal, que elencou um rol dos principais
deveres jurídicos dos detentores do poder familiar (os pais) com os filhos (titulares dos
direitos correspondentes a estes deveres), que devem ser assegurados pela família, pela
sociedade e pelo Estado. São eles: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária. Além disto, devem colocá-los a salvo de toda forma de negligencia,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Seguidamente, encontra subsídio no art. 22, do ECA, no qual determina que “aos pais
incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Igualmente, o Código Civil estabelece que os filhos enquanto menores encontram-se
sob o poder familiar dos pais (art. 1.630), que deverão exercê-lo conforme determinação do
art. 1.63476. Neste instante, maior atenção deve ser dada aos incisos I e II, no qual
estabelecem o dever dos pais de criação e educação dos filhos, bem como de tê-los em sua
74
LOBÔ, Paulo Luiz Netto. Do Poder Familiar. In DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de Família e o
novo Código Civil, 4ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 147 e 148.
75
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/abr./2010.
76
Art. 1.630. “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.” Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos
menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para
casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder
exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que
forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência,
respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília,
DF.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
17
companhia e guarda.
As hipóteses de suspensão e extinção do poder familiar estão previstas no Código
Civil, nos arts. 1.637 e 1.63877. Já no Estatuto da Criança e do Adolescente, estão calcadas no
teor do art. 2478. Conforme se percebe da análise dos dispositivos, a omissão do genitor nos
deveres de guarda, sustento e educação da prole, pode levar à suspensão, ou, até mesmo, à
extinção do poder familiar. Mas não é somente o que ocorre com o pai que deixa seu filho em
total abandono.
Considerável parte da doutrina e da jurisprudência têm entendido que este também,
poderá ser responsabilizado civilmente à indenizar seu filho pelo dano moral (e psíquico)
sofrido com o afastamento do genitor, uma vez que a convivência do menor com seus
ascendentes é de suma importância para a formação de sua personalidade dentro do princípio
da dignidade humana.
doutrinárias, tem como principal objetivo a idéia de que, se estando diante de um dano
injustamente sofrido, a preocupação deverá residir em indenizá-lo ou compensá-lo, e não, em
condenar o seu responsável. Afinal, a punição do agente causador (que em alguns casos,
poderá até decorrer da responsabilidade civil, mas como conseqüência, não como sua função)
cabe ao Direito Penal, mais propriamente dito, ao instituto da responsabilidade penal.
Assim, parte desta premissa a fundamentação da possibilidade de se responsabilizar os
pais pelo abandono afetivo de seus filhos, uma vez que “numa sociedade realmente justa, todo
dano injusto deve ser reparado”82.
A grande problemática da responsabilidade civil, justamente, abriga-se no fato de ser
um instituto que repercute em todas as ações da vida humana, o que gera inúmeras discussões
e divergências tanto na doutrina, como na jurisprudência.
No Brasil, parte majoritária da doutrina acolhe, no que diz respeito ao fato gerador da
responsabilidade civil, a teoria dualista ou clássica, na qual se divide em duas espécies:
contratual ou extracontratual (também chamada de aquiliana). Na responsabilidade contratual,
o dever de indenizar decorre do inadimplemento de uma obrigação, ou seja, o dever jurídico
violado deve estar previsto em um contrato. Em contrapartida, na responsabilidade
extracontratual, o dever de ressarcimento advém de um direito subjetivo, inexistindo relação
jurídica entre o agente e a vítima. Sua previsão encontra-se na lei ou na ordem jurídica.
Já quanto ao seu fundamento, pode ser classificada como responsabilidade subjetiva e
responsabilidade objetiva. Segundo Facchini, “onde a teoria subjetiva não puder explicar e
basear o direito a indenização, deve-se socorrer da teoria objetiva“83.
Considerando que o atual Código Civil adota como regra básica a responsabilidade
civil subjetiva, são pressupostos: (a) a ação ou omissão do agente; (b) a culpa do agente; (c)
ocorrência de dano e (d) a existência de nexo de causalidade entre o dano e a ação.
Impõe-se o dever de reparar tanto o ato que causar danos por ter sido praticado contra
um dever legal, como àquele que apesar de realizado dentro das normas, não atende sua
finalidade social.
Considerando a dificuldade da doutrina em conceituar a culpa, Sálvio Venosa, ao citar
José de Aguiar Dias, define-a do seguinte modo84:
Cumpre salientar que a culpa para fins do direito civil engloba tanto a idéia de conduta
intencional (dolo), que ocorre quando o agente tem a intenção de causar dano e através do seu
comportamento atinge o objetivo previsto, como também, aqueles atos praticados com
negligência, imprudência ou imperícia (culpa em sentido estrito), no qual o agente não
possuía intenção de causar prejuízos à vitima, mas pelo seu descuido ou abuso, acabou
causando.
Sérgio Cavalieri Filho85 distingue negligência, imprudência ou imperícia, da seguinte
forma:
A imprudência é a falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva, por
ação. Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou que
avança o sinal. Negligencia é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. Haverá
negligencia se o veículo não estiver em condições de trafegar, por deficiência de
82
FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. In SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). O novo Código Civil e a
Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 161.
83
FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. In SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). O novo Código Civil e a
Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 160.
84
DIAS, José de Aguiar. apud VENOSA. Sílvio Sálvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 32
85
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.36.
19
freios, pneus, etc. O médico que não toma os cuidados devidos ao fazer uma cirurgia,
ensejando a infecção do paciente, ou que lhe esquece uma pinça no abdômen, é
negligente. A imperícia, por sua vez, decorre da falta de habilidade no exercício da
atividade técnica, caso em que se exige, de regra, maior cuidado ou cautela do agente.
Haverá imperícia do motorista que provoca acidente por falta de habilitação. O erro
medico grosseiro, também exemplifica a imperícia.
O dano moral, no ordenamento jurídico brasileiro, não possui conceito fechado, uma
vez que não resta completamente clara sua definição, havendo divergência entre a mais
qualificada doutrina.
Para Maria Helena Diniz, o dano moral “é a lesão de interesses não patrimoniais de
pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo”88.
Igualmente, Silvio Rodrigues, serve-se do conceito clássico de Wilson Melo da Silva,
para definir que89:
São as lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu
patrimônio ideal, entendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio
material, o conjunto de tudo aquilo que não esteja suscetível de valor econômico.
Como se pode perceber, ambos os conceitos possuem um ponto em comum, qual seja
a idéia de que o dano moral está diretamente ligado ao fato do prejuízo sofrido não atacar o
patrimônio do indivíduo. Contudo, buscando estender a sua concepção, as correntes mais
modernas têm entendido por abstrair o critério econômico do patrimônio, passando a
reconhecer valores imateriais dentro da sua própria noção, fazendo com que o entendimento
anterior seja incompleto e insuficiente.
Em defesa desta nova concepção, Yussef Said Cahali90 argumenta:
86
VENOSA. Sílvio Sálvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 53.
87
DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 117.
88
DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 84
89
SILVA, Wilson Melo Da. apud RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, Responsabilidade Civil. 20ª ed. rev. e atual. de acordo com o
novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 189.
90
CAHALI. Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. rev., ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p. 22.
20
Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos;
portanto, ‘como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo
na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual,
a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”,
classificando-se, desse modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio”
(honra, reputação,etc.) e dano que molesta a “parte afetiva do patrimônio moral” (dor,
tristeza, saudade, etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano
patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.).
Com a Constituição Federal de 1988, a reparação por dano moral foi elevada à
garantia de direito fundamental, dando fim às divergências doutrinária e jurisprudencial a
respeito do seu caráter indenizável. A partir de então, ficou assegurado pelo art. 5º, V, “o
direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou
à imagem”., bem como, estabeleceu-se no inciso X, a inviolabilidade dos direitos à
intimidade, á vida privada, à honra e à imagem das pessoas, sendo “assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Do mesmo modo, houve referência no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069/90) à possibilidade de reparação por dano moral, visando a proteção do menor.
Determinou o art. 3º que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes á pessoa humana, com o objetivo de propiciar “o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Como forma de
proteção, proibiu o art. 5º, a possibilidade das crianças e adolescentes serem objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
sendo cabível a punição no caso de violação dos seus direitos fundamentais. Apenas para
reforçar, o art. 17 protegeu o direito ao respeito, que envolve a inviolabilidade da integridade
física, psíquica e moral do menor, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
O Código Civil de 2002, ao tratar da responsabilidade civil em seu art. 927,
determinou ao indivíduo que causar dano a outrem por ato ilícito, o dever de repará-lo. Ao
definir o que configura o ato ilícito, no art. 18691, abrangeu a noção de que o dano gerado,
decorrente da ação ou omissão, possa ser exclusivamente de cunho moral.
Ultrapassado o campo de discussão sobre a possibilidade de reparabilidade do dano
moral, uma vez que é direito reconhecido constitucionalmente, passa-se para um segundo
enfrentamento: a capacidade de reparação do dano moral no âmbito do Direito de Família.
Com o objetivo de por fim as divergências doutrinárias a respeito da incidência (ou
não) do dano moral no Direito de Família, o deputado Ricardo Fiuza, através do Projeto de
Lei nº 6.960 de 2002, que visava alterar alguns dispositivos do atual Código Civil (Lei nº
10.406/02), sugeriu que fosse acrescentado ao art. 927, um segundo parágrafo, com a seguinte
redação: “Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também as relações de família.”
Atualmente, tem sido bastante freqüente deparar-se com demandas judiciais cujo
objeto se consubstancia na indenização por dano moral, versando estas, sobre diferentes temas
referentes ao Direito de Família, o que demonstra uma aceitação, por parte majoritária da
doutrina e da jurisprudência, da aplicação do dano moral nas relações familiares. E não
haveria de ser outro o entendimento, pois como afirma Cahali, sobre o campo de abrangência
do direito moral92:
(...) tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os
valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade
91
Art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
92
CAHALI. Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. rev., ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p. 22 e 23.
21
em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há
como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no
sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na
desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no
devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos
traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de
constrangimento moral.
O pedido, que encontra subsídio em diversos diplomas legais, vem sendo geralmente
fundamentado nas seguintes disposições legais: alega-se violação, na Constituição Federal,
aos art. 226, §7º, 227 e 229; no Código Civil, ao art. 1.634, I e II; no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8.069/900, ao art. 3º, 4º e 2296, bem com aos princípios constitucionais da
93
Apelação Cível nº 408.550-5, do TAMG, Rel. Juiz Unias Silva, j. em 01.04.04. (Reformada pelo STJ em 29.11.05 - Resp. nº 757411/MG)
94
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 310.
95
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 311 e 312.
96
Art. 226, § 7º. “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal...”.(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988).
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/04/2010
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/04/2010
Art. 229. “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na
velhice, carência ou enfermidade.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
22
Os direitos nos são concedidos para serem exercidos de maneira justa, social,
legítima, e não para que façamos uso deles discricionariamente. Só pelo fato de ser
titular de direito uma pessoa não pode exercitá-lo de forma absoluta, sem se
preocupar com os outros.”
O principal fundamento do abuso de direito tem como base a idéia de evitar que o
titular de um direito utilize seu poder para qualquer finalidade diversa daquela a que se
destina. Sendo assim, o seu ato não é inicialmente ilícito, mas sim, tem a ilicitude gerada no
decorrer da sua prática, obtida pelo desvio da finalidade estabelecida por lei, Ou seja, “a
conduta está em harmonia com a letra da lei, mas em rota de colisão com os seus valores
éticos, sociais e econômicos - enfim, em confronto com o conteúdo axiológico da norma
legal”98.
O exercício regular de um direito por si só, mesmo que gere prejuízos à outrem, afasta
a responsabilidade do seu titular pelo prejuízo causado, pois não foi realizado em
contrariedade com o direito. Sendo assim, significa dizer que sempre que houver o uso
irregular, anormal e/ou excessivo do exercício de um direito, se estará diante do instituto do
abuso de direito, sendo a conduta arbitrária classificada como ato ilícito, conforme doutrina
majoritária99.
O abuso de direito pode ser definido através de duas teorias. A primeira e mais
tradicional, é a subjetiva, na qual determina que “haverá abuso do direito quando o ato,
embora amparado pela lei, for praticado deliberadamente com o interesse de prejudicar
alguém”100. Do outro lado, a teoria objetiva entende que “não há porque indagar a intenção do
Segundo Silvio Rodrigues, no ato abusivo vai haver um titular do direito, que poderia
exercê-lo de várias maneiras, mas optou por agir de modo leviano, imprudente, negligente ou
deliberado (forma que mais prejudicou a vítima). Deste modo, o exercício do seu direito vai
ser irregular, causando prejuízo a outrem e gerando o dever de indenizar104.
que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e
socialmente aprovada”105.
Sendo assim, diante da ausência imotivada do genitor, a criança sofrerá, além da dor
psíquica, enorme prejuízo a formação da sua personalidade, que se construirá diante da falta
de afeto, cuidado e proteção da figura paterna.
A prova deste dano, o que denota extremo cuidado, deverá ser feita através de perícia
técnica, determinada pelo juízo. Esta se tornará um pouco mais fácil, quando houver a
presença de vínculo de afetividade entre o genitor e o menor, pois então, o prejuízo poderá ser
comprovado pela demonstração de que houve uma ruptura injustificada da convivência entre
estes familiares, ficando o filho em total desamparo por parte do pai.
Ademais, o dano decorrente do abandono afetivo e o dever de indenizar, só podem se
configurar no caso dos filhos menores, que sofrerão notória interferência em sua
individualidade pela falta do afeto, pois quando adultos, já estarão com a sua personalidade
formada.
Como segundo requisito, há a necessidade de comprovação da culpa do genitor não-
guardião. A configuração da culpabilidade decorrerá de uma conduta omissiva por parte deste
genitor, que estará por infringir os deveres de assistência imaterial impostos pelo poder
familiar. Assim, age negligentemente ou imprudentemente o pai que se negar a conviver e
criar seu filho, olvidando-se de acompanhar o desenvolvimento da sua personalidade e
obstaculizando o seu crescimento saudável.
Entretanto, existem alguns casos em que a culpa deve ser afastada diante da presença
de (significativos) impedimentos do genitor não-guardião em conviver com os filhos. Giselda
Hironaka cita alguns exemplos, como a situação das famílias de baixa renda, onde os
genitores possuam domicílios fixados em locais distantes (até outros estados, países); por
motivo de doença do genitor, que para proteger os filhos e não colocá-los em risco, opta por
se afastar ou; no caso bastante comum do genitor-guardião criar obstáculos para que o outro
genitor conviva com a prole, distanciando os filhos do pai intencionalmente.106
Por fim, configura como terceiro pressuposto, o nexo de causalidade entre o dano e a
culpa, uma vez que a responsabilidade civil pelo abandono afetivo tem como base a noção da
culpa, da teoria subjetiva. Deste modo, a perícia deverá indicar não só a conduta omissiva do
genitor que abandonou afetivamente a prole e os danos sofridos pelo filho abandonado, como
também (e principalmente) apontar a causa deste prejuízo, ficando claro o momento em que
se iniciou a aparição dos sintomas do dano sofrido. Isto porque, o genitor fica isento de
responsabilidade, quando restar comprovado que o dano foi anterior ao abandono.
Geralmente, os episódios em que há a separação dos cônjuges ou conviventes são
marcados nos filhos, não apenas pela inesperada alteração na sua rotina, no momento em que
deixam de coabitar com um de seus pais, mas também são lembrados por um intenso abalo
psíquico e moral, afetando diretamente no seu desenvolvimento emocional. É difícil para um
filho, ainda mais com pouca idade, entender que aquele amor do tão ouvido “te amo para
sempre”, tantas vezes dito pelo casal conjugal, possa ter tido fim. Afinal, a sociedade ensina
desde cedo que os filhos devem sempre acreditar no que os pais dizem, como uma forma de
cobrar obediência. E agora, o que fazer diante desta situação? Como pode aquele amor que
por tanto tempo foi prometido como eterno ter se transformado neste cenário, onde nem a
convivência mais é possível?
No fim, são sempre os filhos que mais sofrem diante da separação de seus pais. A
105
HIRONAKA. Giselda Maria Fernandes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. IN PEREIRA,
Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coords). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p.141.
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HIRONAKA. Giselda Maria Fernandes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. IN PEREIRA,
Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coords). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p.141.
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não possuí a mesma capacidade de compreensão de um adulto, uma vez que ainda está em
fase de constituição da sua personalidade, não tendo ainda discernimento suficiente para
formação de suas opiniões próprias, bem como não carregando consigo os ensinamentos que a
experiência de vida pode trazer para um ser humano. Assim, este filho irá transformar sua
incompreensão em um sentimento de rejeição e frustração decorrente de uma situação que lhe
será para sempre traumática e, gerará efeitos para suas relações sociais e afetivas futuras.
Neste sentido, conclui Giselda Hironaka111:
Bons e maus pais, boas e más mães sempre houve. E continuarão a existir durante
muito tempo, quiçá para sempre. Enquanto não se puder perceber que o afeto é a mola
propulsora da engrenagem familiar - e não o patrimônio ou os laços biologizados,
apenas -, muitos outros casos de maus pais e más mães serão encontrados. Da mesma
forma, enquanto não se puder perceber que o casal conjugal deve se dissociar do casal
parental, as crianças continuarão servindo apenas de instrumento colocado à mercê
dos interesses específicos de seus pais, tal qual receptáculos de suas frustrações ou de
seus sonhos falidos.
O filho, além do direito ao nome paterno e do seu sustento material, dado através da
pensão alimentícia, tem o direito de receber do seu genitor abrigo, afeto, proteção e carinho,
sendo estes elementos essenciais para um perfeito desenvolvimento moral e psíquico (direito
ao estado de filho). Escusando-se o pai injustificavelmente de seus deveres de assistência
moral e psíquica, estará agindo ilicitamente, o que lhe acarretará o dever de indenizar o filho
pela dor causada pelos traumas e carências decorrentes de sua atitude desumana, fazendo com
que o ressarcimento pecuniário não tenha a função de compensar, “mas cuidará apenas de
certificar no tempo a nefasta existência desse imoral e covarde abandono do pai”.112
Cumpre salientar que quaisquer argumentos utilizados para afastar a obrigação de
indenizar, baseados na insuficiência de elementos para se caracterizar situação de total
abandono da prole, uma vez que apesar do filho não mais conviver com a figura paterna,
possui todas as suas carências supridas pela mãe, não são válidos, pois o exercício do poder
familiar compete à ambos os genitores (art. 1.631, do CC). Argumento mais humano do que
este, e assim, de maior consideração, é o fato de que “cada genitor tem uma função específica
no desenvolvimento da estrutura psíquica da prole”, não sendo justificável a ausência de um
deles, tampouco possível mascara-lá.
Neste sentido, “a orientação dos pais constitui uma diretriz fundamental na formação
dos filhos”, sendo possível algumas vezes localizar o indivíduo que cresceu sem afeto, apoio,
respeito e cuidado de sua família, pois o ser humano reflete em suas relações aquilo que ele é
e aquilo que ele conhece. Suas atitudes geralmente demonstram aquilo que ele vivenciou e
que aprendeu como ser o certo. Assim, por óbvio, que diante da ausência de afetividade
trazidas de sua experiência, será este um ser humano do desafeto, e, provavelmente, seus
filhos irão seguir para o mesmo caminho, tornando-se um círculo vicioso, que só terá fim
quando as pessoas se derem conta de que ninguém vive sozinho e muito menos sem amor.
Para aqueles mais legalistas, que não conseguem perceber o aspecto moral e social que
tem a condenação dos pais pela atitude arbitrária e egoísta em negar afeto aos seus filhos, este
direito tem como fundamento central o art. 227, da Constituição Federal, na qual determina
que é dever da família, junto com a sociedade e o Estado, propiciar à criança e ao adolescente
o convívio familiar, para assim se alcançar a tão esperada dignidade da pessoa humana (art.
1º, III, da CF/88).
Neste propósito, afirma Eddla Pereira que “o pai que não exteriorizar o afeto em favor
de seu filho desrespeita um dever de ordem moral mas afronta, sobretudo, a ordem legal,
111
HIRONAKA. Giselda Maria Fernandes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. IN PEREIRA,
Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coords). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p.148.
112
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 312.
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Alexandre Batista Fortes interpôs recurso de apelação, para reformar sentença julgada
improcedente, em ação de indenização por danos morais ajuizada contra seu pai, sob o
fundamento de que não havia nexo causal entre o afastamento do pai e o desenvolvimento de
sintomas psicopatológicos pelo autor. Segundo relatório extraído da sentença alegou que114:
Sustenta o apelante, em síntese, que o conjunto probatório presente nos autos é
uníssimo ao afirmar a existência de dano resultante da ofensa causada pelo apelado.
Afirma que a dor sofrida pelo abandono é profundamente maior que a ir resignação
quanto ao pedido revisional de alimentos requerido pelo pai. Aduz que o tratamento
psicológico ao qual se submete há mais de dez anos advém da desestruturação
causada pelo abandono paterno. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso.
113
GOMES. Eddla Karina. Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo na Filiação. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=439. Acesso em: 16/abr./2010.
114
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais (7. Câmara Cível). Apelação Cível nº 408.550-5. Relator: Juiz Unias Silva. Julgado em 1º
de abril de 2004. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/. Acesso em: 28/abr./2010.
115
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e STF. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553>.
Acesso em: 23/abr./2010.
116
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e STF. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553>.
Acesso em: 23/abr./2010.
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(...) não é possível obrigar ninguém a amar. No entanto, a esta desatenção e a este
desafeto devem corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um
direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não quiserem dar atenção,
carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obrigá-los, mas a
sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está
certo e que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas
abandonadas, afetivamente.
Afinal, como bem afirma Denise Freire Dias123, “o afeto não tem preço, mas a falta de
amor gera obrigação indenizatória.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS