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REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NO PAÍS DO FUTURO

Larissa FUMIS
Ibilce/UNESP
fumis.larissa@gmail.com

Em 1936 Stefan Zweig fez sua primeira viagem ao Brasil. Em 1940, fugindo de perseguição
nazista, refugiou-se no país e passou cinco meses viajando e colhendo material para o livro
Brasil, um país do futuro em Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Amazonas e Pará.
Originalmente escrito em alemão, o livro foi traduzido para o português, em agosto de 1941, e
publicado pela editora Guanabara. Depois de uma incursão pela história e economia, Stefan
Zweig volta-se para seu interesse principal: a cultura brasileira. Não se preocupa em descobrir
como os diversos elementos europeus e africanos se recombinaram aqui, seu principal
interesse é tornar conhecida a suposta ausência de preconceitos, a harmonia racial e a
tolerância inata do povo, o que já revela o olhar peculiar e idealista do narrador sobre o Brasil,
os brasileiros e a vida em sociedade entre sujeitos tão diversos. Nosso objetivo nessa
apresentação é apontar a imagem que Stefan Zweig elabora sobre o negro em seu livro, como
ele faz isso e também de que modo ele posiciona elemento negro dentro da sociedade
brasileira, que para ele é marcada pela harmonia, docilidade e boa convivência. Podemos
dizer que Zweig retrata o negro antes como fazendo parte da paisagem e natureza do que
como sujeito da história, e contribuinte para a formação da identidade brasileira e como base
de uma nação civilizada, tarefa que, segundo o autor, caberia ao europeu branco e civilizado.

negro; identidade; brasileiro; Stefan Zweig; literatura


Stefan Zweig
Stefan Zweig nasceu em Viena em 28 de novembro de 1881. Estudou filosofia,
germanismo, línguas e literatura na Universidade de Viena. Em 1936 fez sua primeira viagem
ao Brasil e foi recebido pelo próprio presidente Getúlio Vargas, depois em outra viagem,
passou cinco meses colhendo material para o seu livro em Minas, São Paulo, Bahia,
Pernambuco, Amazonas e Pará. Em 23 de fevereiro de 1942 Zweig e sua esposa cometeram
suicídio, em sua residência em Petrópolis, ingerindo substância tóxica. Depois de sua morte
sua casa foi transformada em museu.

Brasil, um país do futuro


O livro Brasil, um país do futuro é composto por 16 capítulos, que falam sobre
colonialismo, a escravidão, a economia e a cultura do país, cana de açúcar, o algodão, a
borracha, tabaco e café, diamantes e a febre do ouro.
O livro foi escrito no período em que Zweig morou no Brasil como exilado.
Em seu livro, Zweig mostra uma certa identificação com a imagem idealizada que ele
próprio criou dos brasileiros, pois Zweig era um pacifista. Podemos conferir isso no trecho
que segue:
O brasileiro se caracteriza tanto física quanto psicologicamente por ser de
compleição mais delicada do que o europeu ou o norte americano. O tipo humano
corpulento, massivo, alto, ossudo quase não existe por aqui. Da mesma forma, falta
à alma brasileira qualquer traço de brutalidade, violência, veemência, tudo o que é
grosseiro, presunçoso e arrogante. O brasileiro é um tipo quieto, sonhador e
sentimental, [...]. (ZWEIG, 2013, p. 129)
Was den Brasilianer physisch und seelisch charakterisiert, ist vor allem, daß er zarter geartet
ist als der Europäer, der Nordamerikaner. Der wuchtige, der massive, der
hochaufgeschossene, der starkknochige Typus fehlt beinahe vollkommen. Ebenso fehlt im
Seelischen – und man empfindet es als Wohltat, dies vertausendfacht zu sehen innerhalb einer
Nation – jede Brutalität, Heftigkeit, Vehemenz und Lautheit, alles Grobe, Auftrumpfende und
Anmaßende. Der Brasilianer ist ein stiller Mensch, träumerisch gesinnt und sentimental, [...].
(ZWEIG, 1989, p. 143)

Nesse contexto, no que tange à personalidade dos brasileiros e o modo como isso era
percebido por Zweig, vale a pena citar Sérgio Buarque de Holanda, em seu texto “O Homem
Cordial”, onde lemos:
[...] a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao
mundo o “homem cordial”. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade,
virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam representam, com efeito, um
traço definido do caráter do brasileiro [...]. (2012, p. 52).
“O Homem Cordial” é um capítulo do livro Raízes do Brasil, de 1936, e Brasil, um país do
futuro é de 1941. Obras contemporâneas, mas de autores dispares, cada um com uma
percepção particular sobre o homem brasileiro e o modo como lida com as situações
cotidianas. Para Zweig, o brasileiro é o melhor modelo de humanidade e convivência entre as
raças e classes sociais em um país. Holanda, no entanto, desnuda e expõe o real caráter e
modos do brasileiro numa crítica nada apaixonada ou positiva, além de discorrer sobre a
forma como os estrangeiros veem o Brasil, visão que concorda com a que Zweig imprime em
seu livro.
Em nota explicativa ao termo “cordial”, Holanda esclarece que “a inimizade bem pode
ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem assim,
da esfera do íntimo, do familiar, do privado” (2012, p. 102). Deste modo, podemos supor que
supervalorizamos nossa suposta cordialidade para o bem e a boa convivência, quando na
verdade, a usamos para nosso próprio benefício, lançando mão do famigerado ‘jeitinho
brasileiro’ misturando as esferas públicas e privadas, numa eterna relação de apadrinhamento
e coronelismo.

Sobre o Negro
No que se refere ao povo negro e como ele é retratado no livro, Zweig mantem uma
postura alinhada com a opinião geral da época, considerado pertencente a subclasse, termo
que Zygmunt Bauman esclarece em seu livro Identidade como sendo qualquer um que
[...] abandonou a escola, é mãe solteira vivendo da previdência social, viciado ou ex-
viciado em drogas, sem-teto, mendigo ou membro de outras categorias
arbitrariamente excluídas da lista oficial dos que são considerados adequados e
admissíveis. (2005, p. 46)

Zweig coloca o negro, em quase todas as passagens de seu livro, como um integrante dessa
subclasse, e como dito por Giorgio Agamben, citado por Bauman, um excluído do “bios”
brasileiro, condição de sujeito socialmente reconhecido, e reduzido a “zoë”, “vida puramente
animal”, com “todas as ramificações humanas podadas ou anuladas”. (2005, p. 46)
Começarei minha apresentação com uma citação sobre os lugares de moradia dos
negros no Brasil de meados 1940. Lemos:

A cinco minutos de uma praia de luxo ou de uma avenida, acreditamos estar no meio
de uma aldeia polinésia ou africana. Vemos o grau máximo de primitivismo, as
condições mais baixas de moradia e de vida [...] o curioso é que essa visão nada tem
de deprimente, de repugnante, de vergonhoso. (ZWEIG, 2013, p. 182)
[...] fünf Minuten von einem Luxusstrand oder einem Boulevard meint man inmitten eines
polynisischen Urwalddorfes oder in einem afrikanischen Kral zu sein. Man hat das Summum
an Primitivität gesehen, dei niederste Form des Hauses und Lebens. [...] Aber sonderbar – der
Anblick hat nichts Bedrückendes, nichts Abstoßendes, nichts Aufreizendes, nichts
Beschämendes. (ZWEIG, 1989, p. 204)

Aqui temos uma descrição superficial de uma favela ou bairro pobre habitado por negros e
Stefan Zweig o qualifica como sendo primitivo comparando a uma aldeia africana, no entanto,
tenta conferir uma certa leveza ao dizer que não é ‘deprimente, repugnante ou vergonhoso’.
Me chamou atenção o destaque que o autor deu ao bairro vizinho: ‘uma praia de luxo’. Zweig
usa constantemente esse recuso de imagem: ele diz uma coisa com as palavras e nos mostra
outra com a imagem que está por trás das palavras. Como diz Paz, em seu capítulo “A
imagem” do livro O arco e a lira,
[...] a imagem revela o que é e não o que poderia ser. [...] a imagem recria o ser.
(PAZ, 1982, p. 121)

Mesmo que fosse uma tentativa de Zweig de esconder o que realmente vê em terras
brasileiras, fazendo isso através de uma linguagem mais elaborada e poética, a imagem criada
com esse recurso revela exatamente o que ele presencia: uma quadro de desigualdade, uma
suposta tolerância e harmonia, onde negros e pobres são excluídos de um modo de vida
abastado e também destituídos de dignidade e reconhecimento de seu papel junto a sociedade
e, no entanto, vivendo feliz e em plena concordância com essa situação.
Em outro trecho lemos o seguinte:
E como esses barracos ficam situados no alto dos morros, nos mais inacessíveis
cantos e recantos, essas favelas têm a melhor vista que se pode imaginar, a mesma
das mansões de luxo, e é a mesma natureza farta que ali orna seus lotes com
palmeiras e lhes fornece generosamente bananeiras – aquela maravilhosa natureza
do Rio que impede a alma de ficar deprimida ou triste porque a consola
incessantemente com suas mãos macias e tranquilizadoras. (ZWEIG, 2013, p. 182)
[...] weil sich hoch auf den Bergen liegen, na den unzugänglichsten Kanten und Ecken, haben
diese Favellas den schönsten Blick, den man sich denken kann, denselben Blick wie die
kostbarsten Luxusvillen, und es ist dieselbe üppige Natur, die hier ihr winzigstes Stückchen
Grund mit Palmen überhölt und Bananen großmütig speist, jene wunderbare Natur von Rio,
die es der Seele verbietet, schwermütig und unglücklich zu sein, weil es unablässig trostet mit
ihrer weichen, beschwichtigenden Hand. (ZWEIG,1989, p. 205)
Aqui temos uma tentativa clara de minimizar a pobreza e falta de estruturas mínimas de
moradia, saúde e recursos para a sustentação da vida com a natureza que é farta e bela e que,
imparcial, contempla, e consola!, pobres e ricos. Além disso, o uso de metáfora, confere um ar
poético à narrativa. As ‘mãos macias e tranquilizadoras’ podem assumir aqui, função de mãos
de mãe, ou de uma amante, que acalma e consola diante de alguma dificuldade.
Em outro momento, o autor fala sobre o modo como a população branca se refere aos
negros como não sendo pejorativa e usa termos de sua própria terra para contrapor o que
supostamente ouve em solo brasileiro.
Enquanto, entre nós, cada nação inventa uma palavra odiosa ou de desprezo para a
outra, como Katzelmacher ou boche, falta totalmente no vocabulário brasileiro a
palavra correspondente depreciativa para o negro ou o crioulo, pois quem poderia,
quem quereria se gabar aqui de ser de raça pura? (ZWEIG, 2013, p. 19)
Während bei uns von Nation zu Nation die eine für die andere ein Haßwort oder ein
Hohnwort erfand, den Katzelmacher oder den Boche, fehlt hier im Vokabular völlig das
entsprechene deprezierende Wort für den nigger oder den Kreolen, denn wer könnte, wer
wollte sich hier absoluter Rassenreinheit berühmen? (ZWEIG, 1989, p. 14)
É no mínimo engraçado ler esse tipo de coisa. Todos já ouvimos dezenas de palavras
depreciativas sobre o negro, elas estão constantemente na mídia, inclusive. Além do mais,
ninguém poderia se gabar de ser de raça pura, mas muitos se gabam de ser de raça branca!
Talvez o intuito do autor seja mesmo chamar atenção do leitor pela ausência. Ele retira de seu
texto tudo que há de depreciativo no que descreve e nos obriga a ver o que tanto queremos
negar. Ele abraça o mito da democracia racial e praticamente escancara o preconceito.
Continuemos,
Muitos antigos escravos saem do campo para as cidades. Os empreendimentos
agrícolas, que se vêem subitamente sem sua mão de obra começam a ter
dificuldades, [...]. (ZWEIG, 2013, p. 75)
Viele ehemalige Sklaven laufen vom Lande in die Städte, die landwirtschaftlichen
Unternehmen, denen plötzlich ihre main d’oeuvre entzogen ist, geraten in Schwierigkeit, [...].
(ZWEIG, 1989, p. 79)

Zweig se nega a ver, ou esconde consciente, ou ironicamente (?), a verdadeira questão aqui. O
desejo de branqueamento da nação, a recusa em se contratar braços negros e a importação de
imigrantes europeus para concretizar uma política de branqueamento. Além disso, ele coloca
sobre os ombros negros a responsabilidade pela crise e a necessidade de se contratar
imigrantes. Algumas possibilidades de interpretação se colocam aqui, como em outros
momentos. O autor pode estar sendo irônico. Ao responsabilizar o negro pela crise, talvez
queira chamar atenção para a verdadeira questão: a politica de branqueamento e o total
abandono dos negros, agora ex-escravos. Stefan Zweig pode aqui ter apenas escamoteado o
que realmente aconteceu para, assim, manter a imagem de povo pacífico e harmônico que
permeia sua narrativa. Mantendo desse modo, o mito de gentileza e bondade do brasileiro,
pois para o autor:

O verdadeiro herói moral, mais uma vez, é a natureza conciliadora brasileira.


(ZWEIG, 2013, p. 76)
[...] der eigentliche moralische Sieger ist wiederum die brasilianische Konzilianz. (ZWEIG,
1989, p.80)
Essa característica de conciliação parece ter muito valor para Stefan Zweig.
Ainda sobre o tema negro pós-libertação da escravidão e a vinda de imigrantes para o
Brasil.

Muitos dos negros, inebriados pela nova liberdade, deixam o interior e vão para as
cidades. [...] com os escravos, os fazendeiros perdem uma grande parte do seu
capital [...] Isso obriga o governo a incentivar sistematicamente a imigração.
(ZWEIG, 2013, p. 113)
Viele der Neger, von der neuen Freiheit berauscht, verlassen das innere Land und ziehen in
die Städte. [...] die Plantagenbesitzer verlieren mit den Sklaven einen Großteil ihres Kapitals
[...] Das zwingt die Regierung, die Imigration, [...] systematisch in Schwung zu bringen.
(ZWEIG, 1989, p. 124)
O autor omite aqui a possibilidade de se contratar os próprios ex-escravos para o trabalho e a
política de branqueamento adotada pelos políticos e pensadores da época, como já foi citado
antes, na verdade, faz referência sutil a isso na página seguinte a essa passagem. Onde lemos,

A raça brasileira, cuja pele ameaçou escurecer cada vez mais com três séculos de
importação de negros, volta a clarear visivelmente, e o elemento europeu, ao
contrário dos escravos analfabetos e criados de forma primitiva, aumenta o nível
cultural. (ZWEIG, 2013, p. 114)
Die brasilianische Rasse, die durch einen dreihundertjährigen Negerimport in der Hautfarbe
immer dunkler, immer afrikanischer zu werden drohte, hellt sich sichtbar wieder auf, und das
europäische Element steigert im Gegesatz zu den primitiv herangewachsenen,
analphabetischen Sklaven das allgemeine Zivilizationsniveau. (ZWEIG, 1989, p. 125)

A palavra ameaça aqui é interessante. Ela carrega em si um sentido negativo. A palavra


aparece também no original e denota claramente um perigo, algo pernicioso para a nação que
se forma. Pois ela traz consigo o atraso, o primitivismo, o empobrecimento e a baixo nível
cultural atribuído aos negros. Zweig imprime em seu texto uma falsa impressão de que as
coisas aconteceram de modo natural, como consequências e não escolhas. Ele faz referencia à
politica de branqueamento como consequência natural da vinda de imigrantes para o país e
não como algo pensando e realizado para esse fim. Mais ainda, a vinda de imigrantes só foi
necessária pela suposta recusa dos negros de permanecer nos campos após a também suposta
libertação.

Em alguns momentos, Zweig se refere aos negros como uma massa amorfa que apenas
ocupa espaço e atrapalha o desenvolvimento econômico e cultural do Brasil.
Como todas as forças de sua natureza, o Brasil ainda não aproveitou essa massa
ampla e escura nem como produtora de bens nem como consumidora. (ZWEIG,
2013, p. 139)
Wie alle Kräfte seiner Natur, so hat Brasilien auch diese weite und dunkle Masse weder als
Produzent noch als Konsument von Gütern bisher ausgewertet. (ZWEIG, 1989, p.155)

No trecho citado acima Zweig coloca o negro como um objeto, uma parte da paisagem, não
como um sujeito ativo e participante da economia. Em contrapartida, Gilberto Freyre
considera que “Foi, aliás, em que se fundou a colonização aristocrática do Brasil: em açúcar
e em negros” (2003, p. 341). Lembrando que o negro era não só força bruta de trabalho, que
produzia o açúcar, era responsável também por quase tudo que se produzia no país, da
produção e venda de bens, aos cuidados com os filhos dos senhores. A economia dependia
inteiramente dos braços negros que escureciam o país.
Essa posição em relação ao negro é encontrada em outras narrativas sobre o Brasil.
Lucia Lippi Oliveira nos oferece alguns relatos sobre isso em seu livro O Brasil dos
imigrantes. Ela transcreve o relato de von Martius de 1824 sobre suas primeiras impressões
do Brasil, lemos:
O que, entretanto, logo lembra ao viajante que ele se acha num estranho continente
do mundo, é sobretudo a turba variada de negros e mulatos, a classe operária com
que ele topa por toda parte, assim que põe o pé em terra. Esse aspecto foi-nos mais
de surpresa que de agrado. A natureza inferior, bruta, destes homens importunos,
seminus, fere a sensibilidade do europeu que acaba de deixar os costumes delicados
e as fórmulas obsequiadas da sua pátria. (OLIVEIRA, 2002, p. 8)

Mais adiante a própria autora nos diz que,

A identidade do Brasil, desde meados do século XIX, é pensada como resultado da


fusão das três raças formadoras da nacionalidade – o branco, o índio e o negro. A
participação do negro, entretanto, apresentava problemas. Vindo e vivendo como
escravo, considerado inferior, o negro se integra à nação através da miscigenação,
mas não encontra lugar na construção ideológica da identidade brasileira.
(OLIVEIRA, 2002, p. 9)

Percebemos assim, que o posicionamento de Zweig neste livro está de acordo com a
visão de sua época, que coloca o negro como inferior e portanto não sendo digno de fazer
parte da construção da identidade brasileira, sendo visto antes como um problema a ser
resolvido a qualquer custo, pois havia o medo de que sua presença tirasse o Brasil de lugar de
nação civilizada diante do mundo.
Zweig rouba deliberadamente o papel do negro na formação da sociedade. Apresenta o
negro como elemento da paisagem, como massa escura e burra que apenas faz alguma coisa
quando tocado para isso. Ao fazer isso, podemos entender aqui uma fina ironia, uma tentativa
de mostrar o que viu e viveu aqui. Um exemplo disso é o modo como ele retrata as baianas,
lemos:
O mais pitoresco naquilo que é permanentemente pitoresco são as baianas, aquelas
gordas negras de olhos escuros com seu vestuário especial. [...] Um turbante
colorido na cabeça, enroscado com engenhosidade [...] e uma saia rodada enorme
em forma de sino [...]. (ZWEIG, 2013, p. 233)
Das Pittoreskeste im ständig Pittoresken sind die Bahianerinnen, die mächtigen
dunkeläugigen Negerinnen mit ihrer eigenartigen Tracht. [...] Ein farbiger Turban im Haar,
mit raffinierter Kunst geschlungen [...] darunter glockenförmig ausschwingend ein gesteifter,
riesig breiter Rock [...]. (ZWEIG, 1989, p. 264, 265)

Mas a imponência dessas baianas não está tanto no traje, e sim em sua atitude, seu
jeito de andar, seu comportamento. Sentadas no mercado ou em uma soleira suja,
elas usam aquela saia rodada como se fosse um manto real, de modo que parecem
estar sentadas dentro de uma enorme flor. (ZWEIG, 2013, p. 233, 234)
Doch das Imposante liegt eigentlich gar nicht im Kostüm, es ist de Haltung, in der sie es
tragen, ihr Gang, ihr Gehaben. Sie sitzen auf dem Markte oder auf einer schmutzigen
Schwelle; aber wie einen Königsmantel schlagen sie den weiten bauschigen Rock unter sich
rund, daß sie wie in einer riesigen Blume zu sitzen scheinen. (ZWEIG, 1989, p. 265)

Nessa atitude imponente, essas princesas de cor vendem a mercadoria mais barata
do mundo: pequenas iguarias gordurosas ou condimentadas que elas preparam em
um fogareiro a carvão – bolinhos tão baratos que uma folha de papel seria muito
cara para embrulhá-los. A mão negra, com pulseiras tilintando, entrega esses
bolinhos ao freguês, embrulhados em uma folha verde de bananeira. (ZWEIG, 2013,
p. 234)
In dieser Imposante Haltung verkaufen diese schwarzen Fürstinnen die allerbilligste Ware auf
Erden, kleine, fette oder würzige Bäckereien, die sie an einem Holzkohlenherdchen
zubereiten – derart billige kleine Kügelchen und Fischragout, daß ein Blatt Papier, um sie
einzuwickeln, schon zu kostsopielig wäre. In einem grünen Palmblatt reicht es die schwarze,
mit den Armbändern leise klingende Hand einem hin. (ZWEIG, 1989, 265)

Não, não existe nada mais pitoresco do que as negras da Bahia, nada mais colorido,
genuíno, naturalmente animado do que as ruas daquela cidade. Ali, só ali, podemos
conhecer e compreender o Brasil. (ZWEIG, 2013, p. 234)
[...] nein, es gibt nichts Pittoreskes als die Negerinnen von Bahia, nichts Bunteres, Echteres,
natürlich Belebteres als die Straßen dieser Stadt. Hier und nur hier kennt und versteht man
Brasilien. (ZWEIG, 1989, p. 265, 266)

Ao tratar as baianas meramente como uma atração pitoresca, Stefan Zweig atribui a essas
mulheres uma função meramente decorativa, como mais um lugar a ser visitado e retira delas
todo traço humano. As coloca no chão e lhes nega a dignidade do trabalho, como se tudo o
que fizessem fosse um mero show para os turistas.
Sobre a convivência entre negros e brancos, ricos e pobres, Zweig diz o seguinte,

Quantas raças encontramos nas ruas: o senegalês negro de roupa rasgada e o


europeu de terno bem-talhado, [...]. (ZWEIG, 2013, p. 179)
Wie viele Rassen allein schon auf der Straße, der schwarze Senegalneger im zerrissenen Rock
und der Europäer in seinem schnittigen Anzug, [...]. (ZWEIG, 1989, p. 201)

Podemos entender também ao ler esse trecho, que Zweig fez antes uma denúncia as
desigualdades aqui pregadas e toleradas do que uma apologia ao nosso pacífico e cordial
modo de vida. Zweig não faz isso declaradamente, mas aos posicionar as duas imagens, a do
negro pobre e maltrapilho e a do europeu rico e bem vestido, ele mostra claramente as
diferenças e a tolerância a isso. Zweig não diz, ao contrário, mostra o que precisa ser visto.
Exatamente o procedimento descrito por Paz, como segue:

[...] toda imagem aproxima ou conjuga realidades opostas, indiferentes ou


distanciadas entre si. Isto é, submete à unidade a pluralidade do real. (PAZ, 1982, p.
120)

E mais adiante Paz afirma ainda que

[...] a imagem é um recurso desesperado contra o silêncio que nos invade cada vez
que tentamos exprimir a terrível experiência do que nos rodeia [...]. (PAZ, 1982, p.
135)
Nós observamos isso em algumas descrições que Zweig faz ao longo de seu livro. É
interessante notar que o que ele diz não concorda de modo algum com o que ele mostra.
Em alguns momentos Stefan Zweig reproduz a ideia, vigente em sua época, de que o
negro é um ser inferior aos brancos como no trecho que segue,

Para esses africanos ingênuos, ainda livres do trabalho intelectual, a igreja não era
um local de recolhimento, de meditação. O que os atraia no catolicismo era o luxo, o
mistério, o colorido, a opulência do rito. (ZWEIG, 2013, p. 236)
Für diese naiveren, durch Denkarbeit nicht belasten neugetauften Afrikaner bedeutete die
Kirche nicht einen Art der innern Sammlung, des stillen Insichversenkens; am Katholizismus
lockte sie de Pracht, das Geheimnisvolle, das Farbige, das Üppige des Ritus [...]. (ZWEIG,
1989, p. 268)

Ao dizer que o negro é “livre do trabalho intelectual” Zweig o insere aqui no que Bauman
chama de subclasse e colabora com a disseminação da ideia de que o negro é um tipo inferior
e assim justifica todo tipo de preconceito e a escravidão, além de

Considerações finais
O negro não é objeto de minha pesquisa. No entanto, não pude ignorar ao fazer o
levantamento dos dados o tratamento especial que os negros recebem neste livro. Por isso
resolvi fazer essa comunicação. Os negros são tratados como tudo o mais em seu livro. Eu
não aposto na ingenuidade de Zweig, antes acredito que ele tentou fazer uma denuncia, um
desmascaramento do que conseguiu perceber aqui. Talvez por isso a desilusão tenha sido
maior. Dado o contexto do qual ele saiu e os motivos que o fizeram emigrar, chegar aqui e
encontrar nada além do que ele deixou para trás deve ter sido frustrante. Minha pesquisa ainda
está caminhando e espero poder melhorar e aprofundar as análises. Estou trabalhando para
isso.

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