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EBOOK
CHILE
TERRITORIO(S), GÉNERO, TRABAJO y
POLÍTICAS PÚBLICAS EN AMÉRICA LATINA
CHILE - 2015
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EBOOK
CHILE

TERRITORIO(S), GÉNERO, TRABAJO y


POLÍTICAS PÚBLICAS EN AMÉRICA LATINA
CHILE - 2015

Edição concluída em Janeiro de 2017

Editora Provocare
Votorantim, São Paulo, Brasil

ISBN:
978-85-62263-03-3

Editor
Paulo Celso da Silva (Universidade de Sorocaba)
paulo.silva@prof.uniso.br

Revisão
Isabella Reis Pichiguelli (Universidade de Sorocaba)
isa.reis.pichiguelli@hotmail.com

Capa e diagramação
Luiz Guilherme Amaral (Universidade de Sorocaba)
luiz.amaral.mestrado@gmail.com

Fotografia da Capa
Parte de tapeçaria, obra do coletivo Mujeres tejendo
sueños y sabores de paz (Mampujaán, Colômbia).
Por Marie Estripeaut-Bourjac
3

NOTA

El presente libro Territorio(s), género, trabajo y políticas públicas en América


latina se inscribe en el marco de los trabajos llevados a cabo por la Red Inter-
nacional América latina, África, Europa, Caribe (ALEC) « Territorios, Poblaciones
vulnerables y Políticas Públicas ». En efecto, en él, autores viviendo en latitudes
y continentes diferentes, comparten experiencias y prácticas, animados por un
mismo afán de una mejor aprehensión del mundo actual.

En estos diálogos intercontinentales, en los que son privilegiadas las perspec-


tivas antropólogicas y sociológicas, prevalece el análisis de las lógicas socia-
les y los cambios estructurales que han producido y siguen produciendo las
transformaciones sufridas por las mujeres y las luchas que aún ha de enfrentar
esta parte de la población en el acceso a un empleo digno y respetuoso de sus
derechos.

Los planteamientos e interrogaciones presentados en las diferentes contri-


buciones propuestas abren nuevas discusiones e hipotésis que responden a la
necesidad de construir estrategias y políticas públicas susceptibles de aportar
soluciones de desarrollo y de bienestar adecuadas para las mujeres en las esfe-
ras laboral y social, en igualdad de trato con los hombres.

Limoges, 04 de diciembre de 2016


Dominique Gay-Sylvestre
Directora EA 6311 FrED
Directora general Red Internacional ALEC
Universidad de Limoges (Francia)
4
EDITORIAL
Este e-book, livro de muitos para todos aqueles interessados em nossa temática, começa a ser ges-
tado no segundo semestre de 2014 quando, por iniciativa da Dra. Dominique Gay-Sylvestre, Presidenta
da Red Internacional América latina Europa y Caribe “Relaciones de género y prácticas sociales”, com
sede na Universidade de Limoges (França), formamos um grupo multinacional – Dr. Abel Leyva Castel-
lanos (México), Dr. Rubén Oscar Elz (Argentina) e Dr. Paulo Celso da Silva – com a proposta de organizar
o SIMPOSIO N°24: TERRITORIO(S), GÉNERO, TRABAJO y POLÍTICAS PÚBLICAS EN AMÉRICA LATINA,
compondo o “Congreso de la Internacional del conocimiento: Uma Mirada al futuro de America Latina
y Caribe”, mais especificamente, o IV Congreso de Ciencias, Tecnologías y Culturas que aconteceria na
USACH, em Santiago de Chile, no ano de 2015.

Assim foi. Muitos e-mails, diversas mudanças no título do simpósio, a ementa ia e voltava pelos
países latino americanos e europeus, trabalho coletivo, trabalho de grande prazer. Implicou, desde o
início, compor culturas, caráteres, visões e esperanças de mundo que coadunavam, contradiziam, ge-
ravam um movimento intelectual enriquecedor para os participantes.

Tudo pronto, hora de começar a receber os trabalhos até meados de outubro de 2014. Expectativa.
Será que os pesquisadores responderão nossa chamada? A ementa está clara para todos? Pesqui-
sadores de diversos países enviaram seus trabalhos, mostraram seu interesse com o Congresso e a
temática do simpósio 24, no total, foram 45 trabalhos aprovados!

De 9 a 12 de outubro de 2015, estávamos no Chile. Um grande momento, muitos nunca haviam se


comunicado pessoalmente, tête-à-tête. Foi uma grande alegria ver alunos e alunas de vários níveis,
mestrando, doutorando, iniciação científica, graduação em curso ou concluída, apresentando seus re-
sultados parciais ou finais, tanto individualmente como em parceria com orientadoras e orientadores.
Dos trabalhos apresentados, este e-book é uma amostra das possibilidades que o tema escolhido para
o simpósio pode suscitar quando a realidade é questionada e posta em análise. Dessa forma, vozes
distintas podem se expressar e indicar caminhos.

O primeiro artigo, ¿Es la prostitución un trabajo? Reflexiones en torno al trabajo sexual en Sonora,
México, da pesquisadora francesa Dominique Gay-Sylvestre, partindo de criteriosa pesquisa de cam-
po, reflexiona do papel social das prostitutas de Sonora. O trabalho, Questões de gênero e a necessi-
dade de políticas públicas na região de fronteira Brasil-Paraguai-Bolívia, de Luciane Pinho de Almeida,
pesquisadora do Mato Grosso do Sul/Brasil amplia os debates com foco nos territórios de fronteira
dos três países latinos, indicando os desafios para a construção de novas políticas sociais.

As pesquisadoras paulistas Luciana Pagliarini de Souz e Maria Ogécia Drigo apresentaram: A mulher
brasileira e o trabalho: o que o jornal “Folha de S. Paulo” revela nas representações visuais, destacando
em suas análises a perspectiva teórica de Peirce com o intuito de verificar as possibilidades que as con-
tribuições midiáticas oferecem para abrandar as desigualdades de gênero em momentos de conflito.

Também centrado na problemática sócio territorial da Colômbia, a pesquisadora francesa Marie


Estripeaut-Bourjac traz em seu estudo Cuando un cataclismo modifica la reparticion de las tareas: los
desplazados de Mampujan, Colombia, a interessante narrativa iconográfica e testemunhal das mulhe-
res e homens de um pueblo Colombiano, violados e expulsos e que devem reconstruir suas trajetórias
e futuro, o artesanato local foi o caminho.

As pesquisadoras paulistas Miriam Cristina Carlos Silva e Thífani Postali trataram do tema Comuni-
cação, trabalho e território: um estudo sobre a funkeira mc véia, no qual a cultura e a identidade são
vistas como híbridas, oferecendo a possibilidade de retornar o cotidiano de desencontros e dificul-
dades vividos pela personagem nos territórios de favela carioca. Da mesma localidade brasileira, a
pesquisadora e pesquisador, Daniela Rosa de Oliveira Lima e Paulo Celso da Silva, respectivamente,
refletem em A outra revolução: identidade feminina em territórios informacionais contemporâneos a
possível emergência de outra identidade feminina no – também emergente – território informacional.

O grupo de pesquisadores formado pelos paulistas, Mauro Maia Laruccia, Wilton Garcia Sobrinho
5
e Rogério Galvão da Silva e pelo londrino Sacha Dark,e trouxe dados quantitativos e qualitativos para
abordar e analisar A trajetória das mulheres no mercado de trabalho do Brasil, mercado este que man-
tém a desigualdade histórica entre mulheres e homens.

Impacto del programa de desarrollo humano oportunidades en educación, salud y alimentación


en la región centro – occidente de México foi a pesquisa apresentada pelos mexicanos Pedro Orzoco
Espinosa e sua orientadora, Cristina Recéndez Guerrero. Ao analisar o impacto do Programa de De-
sarrollo Humano Oportunidades (PDHO) na região Centro - Oeste do México, o trabalho demonstra a
estratégia dos países para combater a transmissão intergeracional da pobreza.

O pesquisador paulista, Carlos Fernando Leite, refletiu acerca da identidade da mulher latino ameri-
cana em Análise da identidade feminina na obra Filosofia Mestiça, de Michel Serres, buscando indicar
que identidade mestiça é essa e como ela é construída. Do sul do Brasil, Claudionei Vicente Cassol nos
apresenta Politecnia/omnilateralidade, complexidade e trabalho feminino jovem: problematizações,
na qual indaga quais seriam as implicações da proposta politécnica na questão feminina.

Deslocando o eixo para o Chile, a pesquisadora Claudia A. González desenvolve o tema Mujer y tra-
bajo: el caso de trabajo a domicilio en chile liberal, com um questionamento que todo o continente
latino americano, até mesmo inconsciente, se faz: Como se relaciona a feminização do trabalho em
domicílio, do setor manufatureiro, com os processos de flexibilização da produção e do trabalho, no
Chile neoliberal?

Como orientadora de cinco projetos, a pesquisadora sul-mato-grossense, Luciane Pinho de Almeida,


em parceria com suas alunas apresentou: A exclusão social de mulheres moradoras de rua: questões
de gênero e políticas sociais, com Flávia Kelly Vasques Monteiro. No âmbito de uma pesquisa inicial,
os dados levantados e analisados, entretanto, indicam o rompimento dos vínculos familiares entre a
população estudada. Com Selma Lucia da Costa Xavier Oliveira e Sueila Pires Pereira foi desenvolvida a
investigação Políticas públicas de saúde e território: reflexões sobre o acesso e o direito da população
em situação de vulnerabilidade social, na qual analisam a problemática da população em situação de
vulnerabilidade diagnosticada com tuberculose e sua adesão e não-adesão ao tratamento oferecido
pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Discutir a migração para o trabalho de mulheres latino-america-
nas, por meio de um estudo bibliográfico dos trabalhos científicos publicados entre 2003-2013, nas
bases de dados Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e PEPSIC (Periódicos Eletrônicos em Psicolo-
gia) foi a pesquisa das orientandas Krisley Amorim de Araújo e Flaviany Piccoli Fontoura: Migração, ter-
ritório e trabalho de mulheres latino-americanas. Já a orientanda Francisca Bezerra de Souza analisou
o retorno de 15 mulheres decasséguis e as dificuldades de readaptação ao Brasil, como se estivessem
“entre territórios” e não conseguissem pertencer, o título foi Mulher Dekassegui brasileira: questões de
gênero, trabalho e território. O empoderamento das famílias e das mulheres foi o que analisou o tra-
balho de Michele Terumi Yassuda, último da série orientado por Luciane Pinho de Almeida, e que fecha
as temáticas do e-book.

Ao leitor cabe fazer o trajeto entre ideias e países que melhor se adeque ao que busca. Agradecemos
a todas as pesquisadoras e pesquisadores pela participação neste registro de nossos dias Chilenos,
foram muito emocionantes, mesmo em meio a tanta razão acadêmica. Assim é a pesquisa.

¡¡Gracias, Compañeras y Compañeros!!


Muito obrigado !!

Prof. Dr. Paulo Celso da Silva


6
ÍNDICE

¿ES LA PROSTITUCIÓN UN TRABAJO? REFLEXIONES EN TORNO AL TRABAJO


SEXUAL EN SONORA, MÉXICO - 7

QUESTÕES DE GÊNERO E A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO DE


FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI-BOLÍVIA - 16

A MULHER BRASILEIRA E O TRABALHO: O QUE O JORNAL “FOLHA DE S. PAULO”


REVELA NAS REPRESENTAÇÕES VISUAIS - 28

CUANDO UN CATACLISMO MODIFICA LA REPARTICION DE LAS TAREAS: LOS


DESPLAZADOS DE MAMPUJAN, COLOMBIA - 34

COMUNICAÇÃO, TRABALHO E TERRITÓRIO: UM ESTUDO SOBRE A FUNKEIRA MC


VÉIA - 44

A OUTRA REVOLUÇÃO: IDENTIDADE FEMININA EM TERRITÓRIOS


INFORMACIONAIS CONTEMPORÂNEOS - 55

A TRAJETÓRIA DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO DO BRASIL - 60

IMPACTO DEL PROGRAMA DE DESARROLLO HUMANO OPORTUNIDADES EN


EDUCACIÓN, SALUD Y ALIMENTACIÓN EN LA REGIÓN CENTRO – OCCIDENTE DE
MÉXICO - 73

ANÁLISE DA IDENTIDADE FEMININA NA OBRA FILOSOFIA MESTIÇA, DE MICHEL


SERRES - 85

POLITECNIA/OMNILATERALIDADE, COMPLEXIDADE E
TRABALHO FEMININO JOVEM: PROBLEMATIZAÇÕES - 97

MUJER Y TRABAJO: EL CASO DE TRABAJO A DOMICILIO EN CHILE NEOLIBERAL -


108

A EXCLUSÃO SOCIAL DE MULHERES MORADORAS DE RUA: QUESTÕES DE GÊNERO


E POLÍTICAS SOCIAIS - 117

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E TERRITÓRIO: REFLEXÕES SOBRE O ACESSO E O


DIREITO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL - 129

MIGRAÇÃO, TERRITÓRIO E TRABALHO DE MULHERES LATINO-AMERICANAS - 139

MULHER DEKASSEGUI BRASILEIRA: QUESTÕES DE GÊNERO, TRABALHO E


TERRITÓRIO - 151

MULHER, FAMÍLIA E TERRITÓRIO: UM ESTUDO DE ACESSO ÀS POLÍTICAS


PÚBLICAS - 162
7
¿ES LA PROSTITUCIÓN UN TRABAJO?
REFLEXIONES EN TORNO AL TRABAJO SEXUAL
EN SONORA, MÉXICO

Dominique Gay-Silvestre
Catedrática de civilización hispanoamericana
Directora CA (EA 6311)
Francophonie, Éducation, Diversité (FRED)
Directora Red internacional América latina,
Europa, Caribe (ALEC)
Universidad de Limoges, Francia
dominique.gay-sylvestre@wanadoo.fr

RESUMEN
A partir de relatos de vida obtenidos en cantinas, salas de masajes y table dance
por trabajadoras sexuales mexicanas del estado de Sonora, la autora del ensayo
plantea el contexto en el que se desenvuelve el trabajo del sexo en esta región
del norte de México. Las voces de las prostitutas/trabajadoras del sexo son tes-
timonios esenciales en una pregunta clave: ¿Es un trabajo la prostitución? Si es
sí, ¿Por qué no trasciende el marco del derecho y la identidad social? ¿Cómo, en
ese caso acabar con la discriminación y los prejuicios y alcanzar una identidad
laboral digna?.
Palabras clave: Prostitución, Mujeres, Trabajo, Trabajo Sexual, Testimonios.

ABSTRACT
Setting out from life stories of sex workers from the Mexican state of Sonora, which have
been obtained in canteens, massage parlors and table dance, the authoress of the essay
proposes addressing the context of sex work in this region of North Mexico. The relates of
prostitutes/sex workers are essential testimonies to a key question: Is prostitution a kind
of work? If yes, why can’t it transcend the limit of rights and social identity? How, in this
case, is it posible to eliminate both discrimination and prejudice, and acquire a dignified
laboral identity?

Keywords: Prostitution, Women, Work, Sex Work, Testimony.


8
INTRODUCCIÓN

E
ntre el olor a vómito, a cerveza y a ... cuando entres al cuarto, si alguien se quie-
orín unas parejas bailan entrelazadas re quedar más de 20/30 minutos, no aceptes.
Tú dirás que tienes que salir porque la señora3
al son de una rocola que escupe mú- te tiene que poner a trabajar; o, si quieres, te
sica ranchera. En la cantina del pue- toco la puerta. Eso hacíamos por lo regular y
blo, las meseras abandonan por un tiempo el nos metíamos al cuarto y ya. 15 minutos nos
servicio de mesa, para atender a la clientela decíamos una a otra y después de esos 15 mi-
que las ha invitado a tomar. Con faldas cor- nutos, me tocaba a la puerta para que creyera
la persona con la que estábamos, que era la
tas o shorts, escotes muy pronunciados, ba- dueña.4
rrigudas casi todas, se dejan manosear por
sus acompañantes sin que expresión alguna Sutilmente maquillada, Lupita5 segura
atraviese sus rostros. Cuchicheos, besos, rá- en sus tacones de 15 cm., delgadísima, luce
pidamente salen cogidos de la mano para el string y brassière que no ocultan casi nada de
cuarto rentado por el cliente. Se cobra 20 pe- su perfecta anatomía. Acaba de cumplir dos
sos por dos canciones, escogidas casi siempre años en el table dance Princesas6. Tiene 22
por las mujeres; 20 pesos por bailar; entre 200 años, dos hijos de 7 y 6 años y
y 300 pesos por el servicio que van a prestar
“según lo guapo o lo borracho” del cliente1. mi casita, mis muebles, mis niños a la escuela,
Madres solteras en su gran mayoría (mu- bien vestidos y cambiados, igual que yo y no
chas de ellas mujeres migrantes), ellas traba- me hace falta alguien que me ayude. Pues, es-
jan en el campo o en maquiladoras. Ellos, son toy aquí o sea ya pues ahorrar yo y multiplicar
y me mantengo en paz porque yo sé que no
jornaleros agrícolas que proceden de distintos todo el tiempo estaré aquí7.
lugares de México: Veracruz, Chiapas, Guada-
lajara, Nayarit,... sobre todo. Han acudido a la Después de haber laborado de albañil y en
cantina del pueblo en busca de compañía, de diferentes maquiladoras, trabajos todos muy
alcohol y de sexo. El dueño de la cantina tiene duros que no le proporcionaban dinero sufi-
una ficha por cada mesera: por cada cerveza ciente para sobrevenir a los gastos diarios y
que se toma el cliente, la mesera gana 2 pe- atender, sola, a sus hijos, una amiga aconsejó
sos. Como atención al cliente, tiene que tomar a Lupita que se presentara en un table dance.
con él: al principio, ella sólo se toma la mitad Como tenía un físico atractivo y que era ágil,
para no emborracharse, pero sucumbe luego, le enseñaron a bailar con el tubo y el gerente
así que, al finalizarse la noche, ella se encon- la pasó para el turno de la noche, lo que sig-
trará en un estado de total ebriedad. nificaba más clientes y, por consiguiente, más
Estado de embotamiento que le permite entradas de dinero.
actuar sin que la vergüenza o la culpabilidad “Yo no quiero volver atrás” comenta. Que
inunden su mente y cuerpo supliciados. La tenga o no clientes, ella gana 500 pesos dia-
necesidad hace fuerza de ley y no deja lugar rios “simplemente para bailar” y
para remordimiento de conciencia:
si hay cliente pues se va uno con 2000 pesos,
... uno lo que quiere es ganar dinero, así que 1000 pesos, 3000, así que gano muy bien.
pues aguantarte; no te queda otra, pone bue- Pero cuando no, hay casos como solo 800,
na cara, buena sonrisa porque pues ya en eso 600, 500 pero está bien eso; en otro lugar, no
pues estás cobrando ya que, pue, se supone lo vamos a hallar8.
que uno no puede decir nada...2
_____________
1
Entrevista con una mesera en una cantina, marzo de 2014.
2
Entrevista con ex mesera de cantina, octubre de 2013.
3
La dueña de la cantina.
4
CF. nota 2.
5
Nombre ficticio.
6
Id.
7
Entrevista con Lupita, abril 2013
8
Id.
9
Además, añade, hay clientes que “me dan casa y empezó a dedicarse a la prostitución
propinas en dólares”. Pero, “lo malo” acaba “como a los 15 años. Ya después me casé, fra-
por confesar casé y pues, tengo 4 hijos, ya grandes, 17, 16, 13
y 12 y encontré trabajo pero no me alcanzaba
es que aquí empecé a tomar y ahora la verdad, y se me hizo más fácil pues venderme”12.
en ese lugar, yo llego ayer y me tomo 2 medias
y 3 medias y, si no tomo como que ‘¡ay mis co- Cómo llegué a esto a pensar, de que... No que-
pas!’ Y a mis amigos les encanta tomar; lo que ría dejar a mis hijos todo el día solos, o sufrir
alcohol, nada, nunca alcohol; pura cerveza. De de tantas carencias que no hay dinero, que no
droga hace poco, nunca, nunca, nunca, en los tenía casa, que no tenía donde vivir y pues, se
22 años que tengo, me ha dado por probar la me hizo más fácil pedir aconsejo con los hom-
droga9... bres. No, sí me..., no, nunca has escuchado
eso qué te dicen, te invito a tomar una copa
Pero, a pesar del ambiente, de los celos en- y todo y tanto. Y que se te hace más fácil de...,
tre muchachas, de las riñas, de los privados este, más fácil; el dinero más rápido y ya te vas
donde tiene que aguantar la mirada y el ma- imponiendo. Y que te vas imponiendo a que
te usen, que son rato pero ganas más que un
noseo de unos hombres borrachos y sucios, empleo13.
Lupita se siente tranquila. El table dance es su
otro hogar y la cuidan los vigías y el gerente. Sentada en el umbral de una casa, un poco
Afuera, es otro mundo, más hostil, que enjui- hacia atrás para no incumbir en el delito de
cia sin piedad: prostitución, ella espera al cliente. Cada una
de las compañeras que comparten la casa
Y la gente no... Por ejemplo yo, antes, no me
defendía; era muy pendejita, era muy callada y con ella, alquila un cuarto por 40 pesos dia-
ahora hace poco, me dijo una vecina ‘oye’, me rios para el servicio y las vigila el dueño de la
dice: ‘tú que estás trabajando allá, es que to- vivienda. No es el proxeneta de ellas pero las
dos están diciendo’ ‘y ¡qué les importa lo que cela igual. Siempre es mejor que andar en la
andan diciendo y que mientras les esté ofre- calle, comenta María Cristina:
ciendo el culo prestado, dando dando que
no les va a dar nada! Yo, a usted, no le pido
culo pagado; el día que venga yo le diga: ‘oye, No, pues sí, aquí no nos pasa nada. Él no nos
préstame tu culo para irme yo allá, entonces sí, cobra nada. El mismo el dueño, pues él tiene
mi hija, hay que irse en vida. su sueldo. Él limpia los cuartos, él nos cuida si
Sabes lo que me dice mi abuelita: ‘ay mi hijita pasa algo. No, él no más nos renta 40 pesos el
que la vecina... mamá, el vecino no me mantie- cuarto si lo usamos. Él tiene un sueldo de 1200
ne, el vecino. Me dice: ‘mira mijita’ tengo que pesos a la semana. El que nos cuide14.
llevar a mis hijos a la escuela, ellos no me van
a dar un cinco mamá; estoy batallando solita Su trabajo le dio para comprarse una casa y
para sacar a mis hijos adelante, yo soy sin nin- ofrecer a sus hijos la educación y las oportuni-
gún apoyo”10. dades que ella nunca tuvo. No tiene compa-
ñero en casa y no quiere tener alguno. No le
Lupita apenas alcanzó terminar la primaria.
gusta la vida que lleva y espera dejarla un día.
No quiere el mismo porvenir para sus hijos así
Pero, de momento, sólo piensa en ganar dine-
que bailar sensual y voluptuosa para exacer-
ro para que su hija, la mayor, que se va a casar
bar las ganas de sexo de los hombres senta-
pronto, pueda tener la boda de sus sueños.
dos alrededor de la pasarela, pero sobre todo
Fueron momentos muy dolorosos y crueles
los que se ocultan en la sombra, para que la
cuando sus hijos se enteraron, pero ya pasó...
seleccionan., es su única opción pues, cuenta:
Entendieron y le son agradecidos; incluso la
“tenemos que salir adelante como puede”.
viene a visitar su hija en el mismo lugar donde
A María Cristina11 la violó su padrastro cuan-
ella trabaja...
do ella tenía 14 años, así que se salió de su
La casa se parece a todas las del barrio, pero
_____________
9
Id. Ibid. La droga se la proporcionan sus compañeras. Su uso cotidiano la ha hecho adelgazar en grado sumo.
10
Entrevista con Lupita, abril de 2013.
11
Nombre ficticio.
12
Entrevista con María Cristina, marzo de 2013.
13
Id.
14
Id.Ibid.
10
la que abre es una bella mujer, altísima, que dar así y ya le platiqué pues que era poco lo
lleva un vestido corto muy pegado al cuerpo. que ganaba y que pues, no le entendía, no le
sabía eso y ella me dijo: ‘mira, me dijo, yo tra-
Aquí solo entran conocidos u hombres que bajo en una cantina’ me dijo, ‘allí pues les des-
han acordado citas con la dueña del lugar. pacho a los hombres y todo. Si alguien quiere
Verdadera empresaria, la propietaria de la meterse conmigo, pues, allá hay cuartos, allá
sala de masajes emplea a unas 10 “masajistas”, nos rentan cuartos. Y no hay problema me
pero también, según las circunstancias, hace dice pues, entras a lo que entras, te pagan y
ya se salen a seguir tomando o se van o qué sé
de madre de familia y de consejera. Muchas yo ; y, al rato, pues, te invitan a tomar y lo vuel-
de sus hijas se han casado con políticos, mé- ves a hacer y vuelves a cobrar. Allí ganas más,
dicos, ejecutivos,... Los que acuden a su casa me dijo. Se trabaja los viernes. Hay domingos y
son, por lo general, seleccionados y las citas también si no te quieres meter con nadie, por
suelen hacerse por teléfono o vía internet. lo pronto te da miedo, pues, puedes trabajar
no más, allí de mesera, pues, despachando;
Las chicas son estudiantes, madres de ho- pagan tanto. Ella me dijo cuánto y...17
gar y profesionistas. Todas registradas y con
seguro social. Se quedan el tiempo que de- En el caso de las salas de masajes, muchas
sean para cumplir la meta que se han fijado. de las que acuden a estos lugares, lo hacen
Los horarios son regulares y la casa, amuebla- atraídas por los anuncios que prometen un
da y decorada con refinamiento, cierra a las trabajo y, sobre todo, “una buena ganancia”.
8h30 p.m.15. En este lugar sigiloso donde se Las más jóvenes, inexpertas, en su búsque-
escucha una música suave que incita al bien- da desesperada de solución a sus problemas
estar y a la serenidad, las ganancias no pue- económicos, muy a menudo, no ven lo que
den ser inferiores a 1000 pesos diarios... encierra el término “masajista”. Por supues-
Los diferentes cuadros esbozados16 ponen to, siempre tienen la posibilidad de negarse
de realce la diversidad del retrato social de las a trabajar en tales lugares cuando descu-
mujeres involucradas en el oficio de la pros- bren la verdad... Pero, cuando la necesidad es
titución y el carácter multifacético que revis- apremiante, que los niños necesitan medici-
te el fenómeno de la prostitución así como la na, que no se puede esperar ayuda de nadie,
gran heterogeneidad de las situaciones y po- ¿existe una real posibilidad de elección? Es
blaciones correspondidas. Lo que sobresale otro asunto en las salas de masajes de “alto
en los tres primeros retratos es el estado de nivel”. Las mujeres (muchas de ellas no pasan
vulnerabilidad extrema y de precariedad en el los 30 años18) que ofician, también lo hacen
que se encuentran las mujeres concernidas. por necesidad económica19, pero al acudir a
De manera general, que se trate de meseras estos lugares, saben a qué atenerse.
trabajando en cantinas, de las que ejercen Numerosos trabajos sobre prostitución en
una actividad de bailarina en los table dance México, en Europa20 y el Caribe proyectan
o de las que esperan al cliente en la entrada elementos de fuerza para sostener que la
de departamentos, casi todas han “caído” en prostitución no pasa por un plano interme-
la prostitución por la intercesión de una ami- dio y que es más bien una actividad laboral
ga o vecina que ya está involucrada en el me- estigmatizada y endeble es la procuración de
dio y que las va a “tutelar”: justicia. Nuestro interés, aquí, estriba en lan-
zar pistas de reflexión sobre las actividades
...yo fui con esa amiga, le platiqué pues cómo
estaba la cosa. Le dije que andaba trabajan- ligadas al sexo, si se debe mirarlas como una
do siendo que yo no sabía trabajar pues, en el forma de explotación del ser humano (en ese
campo batallaba también para eso... Campo caso, no se las puede considerar como una
de uva aquí, trabajos de la uva, cortar uva, an-
_____________
15
Eso no impide que a algunas de las chicas se las contrate como “escort girl”. En este caso, van a un hotel o a otro
lugar de cita y a veces pasan la noche con el cliente.
16
No estamos aludiendo en nuestro trabajo a la prostitución de la calle, como la, visible, en el D.F. por ejemplo.
17
Entrevista con ex mesera de cantina, octubre de 2013.
18
Pasados los 30 años, es más difícil encontrar trabajo, pues los hombres buscan a mujeres jóvenes de tal forma
que las dueñas de las salas de masajes no las contratan.
19
También las hay que se encuentran en estos lugares porque les gusta la práctica del sexo.
20
Hoy día en Francia, la asociación Le Nid (cuya sede está en la ciudad de Toulouse) y asociaciones de ex prosti-
tutas pugnan por la supresión de la prostitución, considerada como una forma extrema de explotación.
11
actividad laboral) o si se estima, más bien, que xual (excepto en el caso de la prostitución lla-
dichas actividades “cuestionan las relaciones mada “tradicional”, la de la calle), lo hacen por
de explotación y que representan, al final una un tiempo determinado. Una vez conseguido
(nueva) forma de libertad que se expresaría su objetivo, por lo general, dejan el oficio. Sin
precisamente por su calidad de trabajo remu- embargo, vuelven a ejercerlo cuando lo re-
nerado21” (LIEBER, DAHINDEN, HERTZ, 2010, p. quiere la situación, para satisfacer sus necesi-
9). dades o las de su familia.
Pero, ¿cuándo se utiliza el término de “pros- Muchas veces, la prostitución22 repercute
titución” y cuándo el de “trabajo sexual”? Si en la racionalidad adherida de los contornos
nos atenemos a la definición que, de la pros- sociales, tornándose exclusivos en la inser-
titución, nos da la mexicana Elvira Reyes Pa- ción social. Las prácticas son consideradas
rra, la bochornosas, fuera de lugar, y una vergüenza
social. De ahí que haya que ser muy prudente
Prostitución, del vocablo prostituire, signifi- en la manera de calificar una actividad, pro-
caba hace algunos años: exponer, entregarse ducto de causas variadas que, por lo general,
una mujer a la prostitución; comerciar sexual-
mente su cuerpo para obtener lucro; mujer corresponde a lo íntimo y a lo gratuito, pero
entregada a los placeres de la vida, mujer que que en la realidad de los hechos y de las cir-
se corrompe, mujer fácil, etcétera, pues se cunstancias, genera ingresos.
partía de la idea equivocada que era la mujer Concordamos con la socióloga mexicana
la que decidía esa actividad. Idea tendenciosa Patricia Ponce en que “...el término prostitu-
que esclavizaba y responsabiliza sólo a la mu-
jer, pero deja claro el grado de sometimiento y ción... es peyorativo, estigmatizante y discri-
explotación sexual del género humano (REYES minatorio” (PONCE, 2008, p. 25). Asimismo, el
PARRA, 2007, p. 32-33). uso de “sexo servicio” tampoco nos convence
ya que encierra una connotación degradante
Por otra parte, la con respecto a la mujer y sugiere sumisión en
la actuación de la que da el servicio, incluso
Prostitución sexual en su sentido más amplio, a cambio de dinero. La “palabra trabajo” que
es la comercialización sexual de cualquier ser remite a “circunstancias laborales lícitas en
humano, independiente a su género, edad, cir-
cunstancia vital específica y cultura (REYES PA- condiciones de equidad y pretende eliminar
RRA, 2007, p. 33). posibles corrupciones, abusos y violaciones”
(PONCE, 2008, p. 25) nos conviene más en
Por fin la, la medida en que las que ejercen esta activi-
dad desarrollan estrategias para edificar una
Prostitución sexual adulta, es un intercambio barrera entre su papel como profesional y su
entre dos personas adultas en la que, de co- vida privada.
mún acuerdo, una ofrece una determinada Sin embargo, una vez más, en el campo
cantidad de dinero a otra para que acceda a
una relación sexual... (REYES PARRA, 2007, p. de la prostitución, es indispensable aclarar la
33). polisemia de los conceptos ¿Puede ser consi-
derada la prostitución como un trabajo? Las
En realidad, no existe una definición jurídica posiciones en pro o en contra de la profesio-
u oficial de la prostitución. Ésta es vista como nalización del ejercicio de la prostitución son
“el hecho de tener relaciones sexuales contra contradictorias y la misma Organización In-
una remuneración” o como “fenómeno social ternacional del Trabajo (OIT) no tiene un dis-
constituido por la existencia de l@s prostitu- curso claro al respecto. Por cierto,
t@s” (HACHETTE, 2005, p. 1314). De hecho, no
hay una sino varias prostituciones y el mismo Las respuestas a estas preguntas no son uni-
versales. Se inscriben en un conjunto de valo-
término de prostitución cubre realidades y res y de representaciones que varían con los
condiciones de vida diversas y contrastadas. contextos y los actores, de la misma manera
Además, muchas de las que acuden a la que la pobreza, el trabajo y el empleo son ca-
prostitución, o al sexo servicio, o al trabajo se- tegorías social e históricamente construidas.
(LIEBER, DAHINDEN, HERTZ, 2010, p.81).
____________________________
21
Traducción del francés.
22
También existe la prostitución masculina pero en nuestro trabajo, hablaremos exclusivamente de la femenina.
12
y, al tiempo, presume conocer el gasto fami-
Pero, también, es preciso respetar, analizar y liar de las mujeres mexicanas.
comprender las elecciones que hacen las mis- Por supuesto, no incluimos en nuestra ob-
mas mujeres al optar por la prostitución. Si to- servación la trata de personas o la prostitu-
das convienen que la práctica de un servicio ción de calle23 que concierne,
con clientes es un trabajo del que reciben una
remuneración, muchas de ellas consideran en su gran mayoría [a] mujeres y niñas,... so-
que lo ejercen por necesidad y solo de ma- metidas a la esclavitud sexual. Son compra-
das, vendidas y revendidas como materia pri-
nera temporal y, a veces, en complemento de ma de una industria, como residuos sociales,
otra actividad laboral. como trofeos y ofrendas. (CACHO, 2010, p. 15).
Ahora bien, de acuerdo con Paugam (2007),
el lugar de los pobres tiene que ver con la for- ya que, si bien,
mas de relacionarse con sus derechos. Algu-
nos permanecen en perfiles ideales, mientras ...todas las formas de la trata de personas res-
que otros son olvidados y para hacerse llegar ponden a la búsqueda de poder económico,
dinero consideran sus prácticas como mar- la trata sexual fomenta, recrea y fortalece una
cultura de modernización de la esclavitud
ginales. La prostitución, paradójicamente, no como respuesta aceptable a la pobreza y la
está concebida como un vínculo social acep- falta de acceso a la educación de millones de
table y, por tanto, se encuentra entre la po- mujeres, niñas y niños (CACHO, 2010, p. 19).
breza minoritaria que no tiene ningún plano
para ser atendido. Por otra parte, el no con- Por otra parte,
siderar la práctica de la prostitución como un
vínculo social ni como parte de una agenda El poder de la industria internacional del sexo
pública de consolidación y de desarrollo hu- se basa en la mercantilización del cuerpo hu-
mano para ser explotado, comprado y vendi-
mano impide que tenga consonancia con las do sin consenso de su propietaria24 (CACHO,
demás actividades laborales de la región. 2010, p. 19).
Sin embargo, desde el análisis sociológi-
co de las distancias de los vínculos sociales, La trata de seres humanos debe ser conde-
concebidos como socialmente aceptados, las nada, sin lugar a dudas. Este tipo de prosti-
prostitutas se ven inmersas, inmiscuidas por tución presentado “sin consenso de su pro-
la aplicación de un sinfín de nuevos dispositi- pietaria” es una prostitución forzada, que se
vos por resolver grandes vacíos informativos. opone a la prostitución llamada “consentida”.
Así es cómo, en 2012, el Instituto Nacional de Pero, “¿Qué significa “consentimiento” “cuan-
Estadísticas y Geografía (INEGI) en México, do sus ingredientes son, ante todo, la necesi-
a través de la aplicación de la Encuesta Na- dad, el desempleo, la demanda de los clien-
cional de los Gastos de los Hogares (ENGAS- tes, el poder corruptor del dinero, la ausencia
TO) incluye en este tenor a cualquier mujer y de autoestima?”25 (AGACINSKI, 2012).
hombre sin distingos laborales, ni prácticas Sin embargo, aunque en muchos casos, el
de subempleo. Por cierto, dicho instrumento consentimiento sea muy relativo, el hecho
proporciona datos fundamentales en lo que de que la prostitución constituya una fuente
respecta las lógicas de distribución del gasto de ingresos, con tarifas específicas para las
familiar, por familia consultada, poniendo de diferentes prestaciones, significa que es un
relieve lo que significa “socialmente sobrevi- trabajo. Ahora bien, ¿cómo se inscribe dicho
vir”, o sea, para los miembros de una familia, trabajo en la construcción de la sociedad, en
ubicarse en una plataforma “competitiva”. En la medida en que no se trata de cualquier tra-
cambio, no permite tener un conocimiento, ni bajo?
siquiera aproximado, de un determinado rol En ese caso,
frente al consumo, desde el entorno familiar;
_____________
23
En nuestro artículo, no trataremos de este tema, ni tampoco de la prostitución de calles en la que casi siempre
están involucradas redes.
24
El subrayado es nuestro.
25
Traducido del francés.
13
Por qué no reconocer que el trabajo es, ante la hipocresía imperante – aunque, por supues-
todo, una representación social de contenido to son dos cosas distintas? El cambio estriba
movedizo, incluso cuando se usa como una
herramienta analítica, lo que no impide que se
en el hecho de que “... eleva[ndo] esta activi-
milite en pro o en contra de la profesionaliza- dad a rango laboral” significaría “dignificarla,
ción de la prostitución, por razones de princi- así como que la persona que lo realice deje
pio (LIEBER, DAHINDEN, HERTZ, 2010, p.95) de ser objeto y pase a ser sujeto de derechos”
(PONCE, 2008, p. 25). Por cierto, el trabajo del
Por otra parte, vale decir que las mujeres, sexo transforma a las que lo practican en sus
trabajadoras sexuales, son parte de una fa- relaciones con el otro masculino, en su visión
milia. Su rol, basado en el aporte familiar es del poder masculino (lo que no impide que
protagónico y decisivo para encumbrarse en algunas de las que lo ejercen acaben por ca-
la jefatura familiar. De un universo de 30, 376, sarse con uno de sus clientes)29. Pero, siempre
979 hogares, con un total de integrantes de hay que guardar en mente que, para las más
116, 917,578, de los cuales, el sexo proveedor desfavorecidas, las desigualdades sociales, la
del hogar es de 21, 803, 145 son hombres y 8, escasez de recursos, unos salarios escanda-
573, 834 son mujeres26. losamente bajos, una instrucción rudimenta-
A raíz de nuestro estudio, hemos destaca- ria y hasta inexistente a veces, una situación
mos que, en lo general, las trabajadoras se- desventajosa de madre soltera, unidos casi
xuales del Poblado Miguel Alemán en la costa siempre a una fallida autoestima, no facilitan
de Hermosillo y las que hemos entrevistado la concreción de su propio desarrollo.
en Hermosillo, son proveedoras del hogar y Por lo visto, si todos los gestos y las deno-
jefas de familia. En la organización familiar, minaciones sexuales son las mismas, el tra-
la miseria es clara pero las singularidades de to hacia las que ejercen el sexo y el pago del
su personalidad, como se describe arriba, son mismo dependen de los lugares de ejercicio,
basadas en una fuerza que estriba en la soli- del físico de una, de su capacidad intelectual
daridad familiar y/o en una estructura familiar y de su nivel de instrucción y social.
quebrantada. ¿Trabajo legal30? Así es considerado cuando
México es un país prohibicionista27 en cuan- intereses mayores (financieros, económicos y
to a prostitución se refiere, pero su postura en hasta políticos) están en juego (turismo sexual
cuanto al tema que nos preocupa es muy am- en Cancún, Acapulco, Mérida, México D.F.).
bigua. Se prohíbe la prostitución en la calle, En ese caso, poco importa que prevalezca un
pero las autoridades se hacen las de la vista régimen prohibicionista. ¿Trabajo legal? Tam-
gorda en cuanto a lo que pasa en las cantinas. bién lo es en las cantinas, ya que el trabajo de
Ni hablar de las salas de masajes donde nadie las meseras se reduce, oficialmente, a atender
ignora que son puras fachadas para el trabajo al cliente. Lo que hacen con el fuera de la can-
sexual y los table dance. Por si fuera poco, las tina es asunto de ella, con tal de que disponga
mismas autoridades municipales inspeccio- de la tarjeta sanitaria que indique que no vaya
nan regularmente dichos lugares en busca de a contaminar al cliente. ¿Trabajo legal? Tam-
la tarjeta sanitaria, prueba fehaciente de la sa- bién lo es en los table dance, puesto que solo
lubridad de la que practica el trabajo sexual, se trata de bailar y de tomar con los clientes.
castigando con multa y/o encarcelamiento a Oficialmente, está prohibido tener relaciones
las que son desprovistas de ellas y con multas sexuales con ellos. Lo que las muchachas ha-
severas a los gerentes de los establecimien- cen fuera, pertenece al ámbito de lo privado
tos28, por su descuido e irrespeto de la ley sa- y el dinero ganado no es compartido con el
nitaria. gerente.
¿Impediría la legalización del trabajo sexual Hay, por otra parte, una diferencia consi-
_____________
26 ENGASTO, 2012.
27 A diferencia de Francia, Bélgica, abolicionistas, por ejemplo, de los Países Bajos con un régimen reglamenta-
rista, o de Cuba donde la prostitución es oficialmente prohibida desde 1960.
28 Hasta cerrarlos en caso de reincidencia.
29 En realidad, duran poco las uniones ya que el hombre acaba irremediablemente por reprochar a su pareja, su
vida pasada.
30 Lo es en los Países Bajos por ejemplo.
14
derable entre los lugares citados más arriba siglo XXI es un fenómeno social que uno no
y algunas salas de masajes de muy alto nivel puede pasar por alto. Es esencial que nos
a los que acuden, voluntariamente, muje- cuestionemos a la vez sobre el estatuto de
res jóvenes y elegantes. Ellas no se ven como las que lo practican y sobre el tipo, nuevo, de
prostitutas. Ejercen un oficio y, por ello, se ven relaciones que se establecen entre los sexos;
como trabajadoras sexuales. De hecho, en es- sobre las causas de tal aumento y el papel
tos lugares, no se pronuncia la palabra pros- que dicho trabajo desempeña en la sociedad.
titución... Muchos de los políticos acuden a las trabaja-
Ahora bien, si es trabajo legal, tiene que ser doras sexuales, pero, a la hora de la verdad,
regido bajo la legislación laboral y ser conside- ninguno de ellos se preocupa por encarar una
rado de la misma manera que cualquier otra realidad social cada vez más legitimada (in-
actividad. Hasta se puede pensar en térmi- cluso a pesar de los intentos de supresión de
no de jubilación. Pero, si así fuera, surge otro la misma por algunos dirigentes)31 por las tra-
problema de fondo... Legalizado el trabajo se- bajadoras sexuales y los clientes.
xual, y muy lucrativo, constituiría un imán muy Así que ¿es la prostitución un trabajo sexual
atractivo para muchachitas muy jóvenes que y ha de ser legalizada? Está lanzado un de-
lo verían como una alternativa “fácil”, ya que bate en el que las trabajadoras sexuales han
en ausencia de explotación, vender su cuerpo de participar pues cuando llega el momento
no tendría forzosamente un carácter de nece- de exponer el cuerpo para que sea lacerado
sidad, sino que sería visto como cierta forma socialmente, expuesto físicamente al conjun-
de libertad en el trato con el otro sexo y en la to de enfermedades portables por el conjunto
práctica remunerada de la actividad sexual. social, solo visible para la sanción pública de
Por supuesto, eso implicaría un cambio de las patrullas en turno, el resto social continua
valores morales y un nuevo cuestionamiento con un componente muy primitivo, el cual no
de las relaciones íntimas y del cuerpo, como nos permite el alegato que la modernidad ha
producto voluntario a la venta. De momento, llegado a todas las familias.
los políticos no se han planteado el proble- Las formas que una administración munici-
ma. Prefieren eludir el debate de fondo, unos pal, estatal o federal tiene para llevar a cabo
multando a los clientes, otros multando a las el espectro de la atención al tema del trabajo
prostitutas de la calle o sancionándolas por sexual son el instrumento más sencillo, útil y
ausencia de documentación sanitaria. En rea- práctico para calificar la escala humanista de
lidad, se trata de una decisión política al nivel la práctica de la justicia por parte de dicha ins-
societal que supondría reformas estructurales titución. Pero ¿cuál sería la mejor opción? La
y culturales con programas educativos, eco- de una Alemania que reconoce que la prosti-
nómicos y sanitarios a largo plazo y medidas tución es un empleo no amoral (2002) y tasa a
financieras, judiciales, policíacas, sociales, sa- las prostitutas, la de la creación de sindicatos
nitarias, económicas de gran alcance. de trabajadoras sexuales como en Bolivia, la
La prostitución no es un trabajo como cual- de una prostitución legalizada como en Nue-
quier otro; en la mayoría de los casos aparece va Zelandia (PROSTITUTION REFORM ACT,
como el recurso último, la única opción al que 2003),... Lo cierto es que es tiempo de que las
se recurre en caso de necesidad económica y autoridades tomen conciencia de que es hora
financiera. Por cierto, no todas son víctimas; de prevenir, informar y actuar.
sin embargo es esencial que se proporcione
a la inmensa mayoría de las que venden su BIBLIOGRAFÍA
cuerpo, que practican prestaciones sexuales
a cambio de dinero, la dignidad que merecen AGACINSKI, Sylviane. « Prostitution : oui,
como cualquier ser humano, que se las tome nous devons sanctionner les consommateurs
en cuenta, que se escuche lo que nos cuen- !» in Paris, Le Nouvel Observateur, 6 septem-
tan. bre 2012.
El recrudecimiento del trabajo sexual en el
_____________
En 2013, la ministra francesa de la Mujer y de la Familia, Najaut Belkacem, quiso lanzar una campaña de erradi-
31

cación de la prostitución.
15
CACHO, Lydia. (2010). Esclavas del poder.
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DICTIONNAIRE HACHETTE édition 2005.


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titución. Un revés para los derechos humanos.
México: Porrúa 2007.

Entrevistas
Mesera en una cantina. Depoimento
março de 2014. Entrevistadora: DOMINIQUE
GAY-SYLVESTRE. Poblado Miguel Alemán,
Costa de Hermosillo, Sonora, México.

Ex mesera de cantina. Depoimento ou-


tubro de 2013. Entrevistadora: DOMINIQUE
GAY-SYLVESTRE. Poblado Miguel Alemán,
Costa de Hermosillo, Sonora México.

Lupita, Depoimento abril de 2013 Entrevis-


tadora: DOMINIQUE GAY-SYLVESTRE. Her-
mosillo, Sonora, México.

María Cristina, Depoimento março de 2013


Entrevistadora: DOMINIQUE GAY-SYLVESTRE.
Hermosillo, Sonora, México.
16
QUESTÕES DE GÊNERO E A NECESSIDADE DE
POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO DE FRONTEIRA
BRASIL-PARAGUAI-BOLÍVIA

Profa. Dra. Luciane Pinho de Almeida


Programa de Mestrado e Doutorado em
Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
luciane@ucdb.br

RESUMO
A região de fronteira no Brasil apresenta muitos desafios que são lançados para a
construção de novas políticas, que nem sempre são tratadas com a devida impor-
tância que as problemáticas sociais vivenciadas por essas populações exigiriam.
O Estado de Mato Grosso do Sul em sua dimensão territorial faz fronteira com a
Bolívia e o Paraguai, países que provocam grande influência socioeconômica e
cultural na região. Apesar da interessante localização como ponto estratégico de
relações comerciais e econômicas com os países vizinhos, as relações sociais tra-
vadas neste cenário apresentam-se de forma contraditória, isso se deve às con-
dições socioeconômicas precárias da população de fronteira. Desse modo, são
muitas as realidades apresentadas pela população residente nas cidades fron-
teiriças, destacando-se a questão social indígena, a ribeirinha, a migratória para
as usinas de cana de açúcar, e todas àquelas que transitam nessas regiões. Isso
impõe ao Estado e ao país necessidades de propostas de políticas que possam
suprir as demandas sociais da população que vive em situação de risco social e/
ou vulnerabilidade, principalmente no que tange a condição da mulher.

Palavras-chave: Gênero, Políticas Públicas, Região de Fronteira.

ABSTRACT
The border region of Brazil presents many challenges that are launched for the construc-
tion of new policies that are not always treated with due importance to the social prob-
lems required and experienced by these populations. The State of Mato Grosso do Sul in
their territorial dimension borders with Bolivia and Paraguay, countries that cause great
socioeconomic and cultural influence in the region. Despite the interesting location as a
strategic point of trade and economic relations with neighboring countries, social rela-
tionships established in this scenario are presented in a contradictory way, this is due to
poor socioeconomic conditions of the border population. Thus, there are many realities
presented by the resident population on the border of air, especially the indigenous so-
cial issue, the riverside, the border, the migration to the sugar cane plants, and all those
transiting these regions. This places the state and the country policy proposals needs as
they meet the social needs of people living in social risk and/or vulnerability, especially
regarding the status of women.

Keywords: Gender, Public Policy, Border Region.


17
INTRODUÇÃO

A
fronteira tem sido constantemente ciais tidas como legítimas.” Para a fronteira os
objeto de discussões recentes por marginalizados direcionam atenções e esfor-
pesquisadores do Estado de Mato ços, no que tange o direito de ir e vir. Ali estão
Grosso do Sul preocupados prin- anunciadas as tendências de transformação
cipalmente com as expressões da questão das “regras do jogo” das relações entre dois
social contidas nesta realidade. Os estudos países, ali também são construídas e recons-
dessa temática demonstram que a região da truídas novas rotas de entrada e saída de pes-
fronteira “seca” sulmatogrossense expressa soas e mercadorias, de forma legal ou não.
em seu âmbito questões sociais que muitas O Brasil possui fronteiras com outros 10 dos
vezes se colocam como ocultas. 12 países da América do Sul, sendo esses: Bo-
Importante ressaltar que a fronteira entre lívia, Peru, Venezuela, Colômbia, Guiana, Guia-
países expressa um território de contradições, na Francesa, Paraguai, Argentina e Suriname.
na qual ao mesmo tempo apresenta expres- Deste modo, somente Chile e Equador não
sões significativas culturais e de amizade que possuem fronteira com o Brasil.
estão assinaladas nas relações sociais cotidia- Mapa do Brasil
nas entre os povos de dois países. Por outro
lado, este trabalho objetiva a discussão da
problemática social encontrada na região de
fronteira Brasil X Bolívia X Paraguai, que se
manifesta preponderante em relações de de-
sigualdade social, cuja a mulher é a principal
personagem, alvo do tráfico de drogas e do
tráfico de seres humanos.
Este trabalho pautou-se nos estudos reali-
zados por participantes do Grupo de Estudos
“Teoria Sócio-Histórica, Migrações e Gênero”,
como resultados de várias pesquisas sobre
questões sociais da fronteira de Mato Grosso
do Sul. Fonte: http://penta2.ufrgs.br/edu/webpage/mapa_
brasil.jpg
A Fronteira em Mato Grosso do Sul
Mato Grosso do Sul é uma região marca-
Atualmente no Brasil inicia-se uma discus- da pela população nativa indígena. Também
são sobre “as fronteiras”, mas não somente sua população é constituída por migrantes de
sob o ponto de vista de marcação territorial outras regiões do Brasil que vieram em bus-
como no passado e sim do cotidiano de vida ca de novas oportunidades a partir de 1977,
na fronteira. Essa discussão permeia duas ano em que ocorreu a divisão do Estado de
correntes de pensamento, uma com olhar ne- Mato Grosso em Mato Grosso e Mato Grosso
gativo, a qual considera a fronteira uma terra do Sul. Portanto, a historiadora Weingartner
“sem lei”, servindo de corredor para exportar (2010, p.9) argumenta que Mato Grosso do
drogas, tráfico de pessoas, entre outros cri- Sul apresenta a característica da “heteroge-
mes e outra com um olhar positivo, que vê a neidade cultural.”
fronteira como uma oportunidade de estrei- De acordo com o Censo Demográfico
tar laços, relações comerciais e amizade com 2010/IBGE (Brasil, 2010), o Estado possui 2.4
outra cultura. Oliveira (2008, p.9) nos diz que milhões de habitantes distribuídos em 79 mu-
“É na fronteira que se evidenciam as distin- nicípios. A capital é Campo Grande e o Estado
ções e semelhanças entre as normas legais e faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai e mais
os hábitos culturais de diferentes países. Lá se cinco estados brasileiros (São Paulo, Goiás,
burlam com maior intensidade as regras so- Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná).
18
Dos países que fazem fronteira com Mato cuária do gado de corte e o turismo pesquei-
Grosso do Sul - Bolívia e Paraguai – 44 mu- ro. Do lado boliviano, as condições oferecidas
nicípios1 encontram-se nesta região da faixa aos moradores são precárias, pois faltam es-
de fronteira2, dos 79 municípios do Estado de colas e saneamento básico para a população
Mato Grosso do Sul. A fronteira do Brasil com e isso faz com que os bolivianos migrem para
a Bolívia envolve uma grande extensão terri- o país vizinho (Brasil) em busca de trabalho e
torial, que se traduz em 3.423,2 km, dos quais melhores condições de sobrevivência. A facili-
2.609,3 km são por rios e canais, 63 km por la- dade de deslocamento entre a fronteira Brasil
goas e 750,9 km por linhas convencionais. Os - Bolívia apresenta-se por um lado de impor-
Estados brasileiros que fazem fronteira com a tante interesse no que tange às relações co-
Bolívia são o Acre, Rondônia, Mato Grosso e merciais, e por outro, ao diálogo intercultural
Mato Grosso do Sul. O Paraguai, por sua vez denotando, entretanto, problemáticas sociais
faz fronteira com os estados do Paraná e de cada vez mais expressivas como tráfico de
Mato Grosso do Sul e sua extensão fronteiriça drogas, tráfico de pessoas, contrabando, cri-
corresponde a 1.365,4 km, dos quais 928,5 km minalidade e outros.
são por rios e 436,9 km por divisor de águas Embora sua extensão fronteiriça seja me-
(BRASIL, 2010). nor do que a da Bolívia, o Paraguai possui
A principal fronteira de Mato Grosso do Sul fronteira seca com as seguintes cidades sul-
com a Bolívia está na cidade Corumbá. Esta matogrossenses: Antônio João, Aral Moreira,
cidade foi originada em virtude da preocu- Bela Vista, Caracol, Coronel Sapucaia, Japo-
pação da Coroa Portuguesa em estabelecer rã, Mundo Novo, Paranhos, Ponta Porã, Por-
pontos estratégicos nas regiões de fronteira to Murtinho e Sete Quedas. Dentre essas ci-
para defesa de seus inimigos e foi fundada dades Ponta Porã é a maior em número de
em 21 de julho de 1778, com o nome de Al- habitantes. Desse modo, a cidade de Pon-
buquerque. As autoras Gressler e Vasconcelos ta Porã (MS) teve seu desbravamento como
(2005, p.36) afirmam que “A Corumbá daque- uma colônia militar estabelecida por Dom Pe-
la época progredia e atraía imigrantes por dro II para impedir invasões na fronteira. Em
causa de sua privilegiada posição geográfica, 1833, Thomas Laranjeira obteve do Governo
permitindo o intercâmbio com o mundo”. A Imperial, de acordo com o Decreto n. 8.799
região é situada no extremo oeste do estado de 9 de dezembro de 1822, permissão para
de Mato Grosso do Sul, distante 403 km da explorar e colher a erva-mate nativa da região
capital Campo Grande, conforme aponta o na zona fronteiriça com o Paraguai, local que
Departamento Nacional de Infraestrutura de muitos trabalhadores foram superexplorados.
Transportes (DNIT, 2015). A cidade é banhada O território de Ponta Porã foi palco de muitas
pelo Rio Paraguai, encontra-se circunvizinha histórias, uma delas foi a Guerra do Paraguai,
à cidade de Ladário e faz fronteira com a ci- onde os paraguaios sofreram grandes perdas
dade de Puerto Suarez, município da Bolívia. e ocorreu grande fluxo de pessoas que vieram
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia para o Brasil. A região é situada no sudoes-
e Estatística (IBGE) de 2010 indicam que a po- te do estado de Mato Grosso do Sul, distante
pulação estimada é de 103.703 habitantes e o 258 km da capital Campo Grande, conforme
índice de desenvolvimento humano - IDH é aponta o DNIT (2015). O município de Ponta
de 0,700. Porã é vizinho de Pedro Juan Caballero, mu-
O município de Corumbá (MS) tem como nicípio da República do Paraguai, por meio
principal atrativo o turismo de pesca, por es- de fronteira seca e sem barreiras geográficas,
tar situado às margens do Rio Paraguai e o pois é separada somente pela Avenida Inter-
turismo para compras em Puerto Quijarro na nacional que separa as duas cidades. No que
Bolívia. Portanto, a economia de Corumbá é diz respeito a seus habitantes, dados do IBGE
basicamente voltada para a mineração, pe- de 2010 indicam que a população estimada é
_____________
1
BRASIL, 2010. (http://www.mi.gov.br/comissao-permanente-para-o-desenvolvimento-e-a-integracao-da-fai-
xa-de-fronteira)
2
A região da Faixa de Fronteira caracteriza-se geograficamente por ser uma faixa de 150 km de largura ao longo
de 15.719 km da fronteira brasileira, na qual abrange 11 unidades da Federação e 588 municípios divididos em
sub-regiões e reúne aproximadamente 10 milhões de habitantes.
19
de 77.872 habitantes e o índice de desenvolvi-
mento humano - IDH é de 0,701. Conforme já discutido o Estado de Mato
As duas cidades, Ponta Porã e Pedro Juan Grosso do Sul em sua dimensão territorial faz
Caballero, formam um único e indissolúvel fronteira com a Bolívia e o Paraguai, países
núcleo geoeconômico e social. Os respecti- que provocam grande influência socioeco-
vos municípios enfrentam problemas sérios nômica e cultural na região. Apesar da inte-
no que tange a insuficiência no atendimento ressante localização como ponto estratégico
à saúde da população com uma expressiva de relações comerciais e econômicas com os
sobrecarga de atendimento devido à deman- países vizinhos, as relações sociais travadas
da proveniente de ambos os países. A econo- nesse cenário apresentam-se de forma com-
mia do município está voltada para a agricul- plexa e contraditória, isso se deve às difíceis
tura e pecuária. condições socioeconômicas e de trabalho da
Essas cidades estão situadas em regiões população de fronteira, do Brasil e dos países
fronteiriças, e falar de fronteira é um concei- vizinhos.
to que envolve, principalmente, demarcações São muitas as realidades apresentadas pela
territoriais entre países que possuem culturas população residente na área de fronteira, nas
e legislações diferenciadas, porém que não quais destaca-se a questão social indígena, a
reduz-se somente a questões geográficas, ribeirinha, a fronteiriça, a migratória e todas
envolvem também questões humanas e so- àquelas que transitam nessas regiões impon-
ciais. Martins (1997, p. 162) diz que a fronteira do ao Estado e ao país propostas de políticas
“é a fronteira da humanidade, que possui dois que venham suprir as necessidades sociais
lados, lado de cá e lado de lá”. Isto é, que es- da população que vive em situação de risco
tão sempre em sintonia e ao mesmo tempo social e vulnerabilidade. Dessa forma, cita-se
em conflito. que são diversas as questões sociais intrinca-
Portanto, discutir fronteira é ir além da divi- das neste contexto, que vão desde a explo-
são da separação de dois países, que abrange ração sexual, o trabalho escravo, o tráfico de
relações sociais distintas, pois estas encon- drogas, o tráfico humano e outras. Todavia,
tram-se permeadas por questões de cunho não se pretende neste artigo discutir todas as
cultural, social e político. É importante res- problemáticas existentes, mas levantar duas
saltar que pensar “fronteira” significa pen- das questões sociais que ocorrem na região
sar identidade, mas também alteridade, que de fronteira do Brasil com o Paraguai e a Bo-
acontece nas relações travadas com o “eu” e lívia.
o “outro”, observa-se assim que ambos cons- Mato Grosso do Sul é por origem um esta-
troem sua cultura, seus costumes e as formas do agropecuário e as relações sociais esta-
de vida e etc. Todavia, essas relações também belecem-se a partir da “terra”. Desse modo,
se dão em espaços contraditórios. Nascimen- é possível identificar contradições e conflitos
to (2013, p. 85) afirma que “é sabido que a que estabelecem-se a partir de contextos de
noção de fronteira é por si só uma questão desigualdade social, principalmente quando
intrincada, problemática. Portanto, uma clas- tratamos da fronteira. Portanto, ao se tratar
sificação, ou uma definição, baseada em um da fronteira do Mato Grosso do Sul/ Brasil –
recorte da realidade, pode ter sentidos dife- Paraguai e Bolívia uma das maiores expres-
rentes, dependendo sempre do grupo ideo- sões da questão social nessa região se refe-
lógico que a originou”. re ao tráfico de drogas e ao tráfico de seres
Desse modo, por ser um estado que faz humanos. Nesse sentido, as mulheres são as
fronteira seca3 com dois outros países – Bo- maiores vítimas da questão.
lívia e Paraguai, Mato Grosso do Sul, possui Este artigo pauta-se em duas pesquisas
muitas especificidades em sua questão social. realizadas pelos integrantes do Grupo de Pes-
quisa em “Teoria Sócio-Histórica, Migrações e
Questões de gênero e a questão social na Gênero”. A primeira pesquisa trata-se de um
região de Fronteira Trabalho de Conclusão do Curso de Serviço
______________
3
A expressão “fronteira seca” significa uma linha imaginária de demarcação geográfica territorial dividindo países
vizinhos.
20
Social da Universidade Católica Dom Bosco, deram-se como drogas as substâncias ou os
desenvolvido pela aluna Marianna Gamarra produtos capazes de causar dependência, as-
sim especificados em lei ou relacionados em
de Almeida Genuíno (GENUÍNO, 2014) sob o listas atualizadas periodicamente pelo Poder
título “Mulheres Migrantes em pena privativa Executivo da União.
de liberdade no Estabelecimento Penal Fe-
minino “Irmã Irma Zorzi” em Campo Grande/ Assim, o tráfico internacional realizado na
MS”. O segundo trabalho pautou-se no tráfico fronteira Brasil - Paraguai - Bolívia pode ser
de seres humanos, prática que acontece na descrito como a comercialização, além das
região da fronteira Brasil – Bolívia - Paraguai. fronteiras, dessas substâncias, e ainda, con-
Este trabalho foi desenvolvido como disserta- siste na negociação ou comércio de ilícitos
ção da aluna Lilian Aguilar Teixeira para o Pro- (Soares, 2003). No caso do Brasil, o país não
grama de Mestrado em Psicologia da mesma é produtor de drogas, mas tradicionalmente
Universidade sob o título “O tráfico de pes- é usado como país de trânsito4, que se esta-
soas na fronteira Brasil, Paraguai e Bolívia e o beleceu como rota de passagem. Como, por
atendimento às vítimas: O olhar dos profissio- exemplo, é rota de passagem da cocaína pro-
nais do SUAS” (TEIXEIRA, 2015). Ambos os tra- duzida em países vizinhos como Peru, Bolí-
balhos estiveram sob a orientação da auto- via e Colômbia, que são exportadas para os
ra deste artigo. Ressalta-se que os trabalhos grandes mercados consumidores da América
desenvolvidos, pelos participantes do Grupo do Norte e Europa (United Nations Office on
de Estudos “Teoria Sócio-Histórica, Migrações Drugsand Crime, 2014).
e Gênero” têm contribuído para dar conheci- Sobre o cultivo, produção, fabricação e
mento sobre a questão social em Mato Gros- tráfico, o Relatório Mundial sobre Drogas do
so do Sul em suas várias expressões. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime – UNODC (2014) faz uma análise deta-
O Tráfico de Drogas em Mato Grosso do lhada das configurações acerca do mercado
Sul internacional de drogas. Segundo este relató-
rio, o Brasil detém aproximadamente metade
É de conhecido público que o Estado de da população da América do Sul, isso o torna
Mato Grosso do Sul compõe um dos maiores vulnerável ao tráfico e ao consumo das dro-
corredores de passagem - chegada e saída - gas devido à sua grande população urbana.
de drogas no Brasil. A Lei Brasileira N° 11.343 Sobre o cultivo ilícito da substância psicoa-
de 23 de agosto de 2006, é clara quanto ao tiva maconha, de acordo com o relatório, o
tráfico de drogas, portanto, trata-se de tráfico Brasil destina sua produção principalmente
de drogas, quando ao: para o uso local, não visando o mercado in-
ternacional. O Relatório Mundial sobre Dro-
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à gas 2014, acima citado, ainda se referente a
venda, oferecer, ter em depósito, transportar, outras substâncias psicoativas, ou seja, a co-
trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, caína configura na relação das drogas predo-
entregar a consumo ou fornecer drogas, ain- minantes na rota do tráfico internacional no
da que gratuitamente, sem autorização ou em
Brasil e América do Sul. Esta droga é prove-
desacordo com determinação legal ou regu-
lamentar. niente da folha extraída da planta “Erythroxy-
lon” – “coca”, e em 2012, toda a quantidade
A mesma lei também apresenta uma defi- apreendida no Brasil era de origem boliviana,
nição específica para o que seria uma subs- peruana e colombiana (United Nations Office
tância psicoativa, e vale ressaltar que tal defi- on Drugsand Crime, 2014). A droga apreendi-
nição tem por objetivo as legalidades, ou seja, da veio em maior quantidade da Bolívia, de-
é destinada para as decisões de sanções (pu- pois do Peru e da Colômbia. Desse modo, o
nição). Brasil oferece fácil acesso ao Oceano Atlânti-
co para exportar drogas para a África Ociden-
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consi- tal e Central, e assim, seguir para a Europa e
_____________
4
Série Pensando o Direito - Tráfico de Drogas e Constituição. Rio de Janeiro/Brasília. 2009. p. 75.
21
outros países. essa crescente feminização do tráfico de dro-
O modo de entrada em solo brasileiro das gas, é devido o fato dessas mulheres usarem
substâncias ilícitas ocorre por diversas mo- o tráfico na tentativa de buscar condições de
dalidades e através de pessoas sem qualquer sobrevivência para si e os filhos. O segundo
envolvimento na prática de crimes anterio- ponto já mencionado é que por serem mu-
res, quase sempre de baixíssimo poder aqui- lheres despertam menos atenção das auto-
sitivo, que por inúmeras circunstâncias, aca- ridades policiais e fiscalizações de fronteira.
bam sendo aliciadas para a prática. Uma das Recruta-se essa mulher que geralmente pas-
modalidades utilizadas para o transporte de sa por dificuldades, pois está desempregada,
drogas ocorre através da ingestão de cápsu- tem filhos e parentes para sustentar, dívidas
las das drogas, pelas denominadas “mulas”, que não consegue saldar e outros fatores que
nome pejorativo dado às pessoas que trans- favorecem o aliciamento pelos traficantes
portam quantidades excessivas de drogas. e ao aceitarem fazer o transporte da droga
Essa prática é enormemente arriscada, uma como “mulas humanas”, só percebem a pos-
vez que, caso as cápsulas estourem, podem sibilidade de obterem o “ganho fácil” e não
levar a pessoa responsável pelo transporte consideram os riscos que podem ser a prisão
dentro do corpo, ao óbito. Outra forma, para ou a morte, caso a droga se espalhe pelo or-
o transporte é utilizando em locais ocultos ganismo com o rompimento da cápsula (BE-
de malas, pastas ou ainda, em veículos, pelas ZERRA E ALMEIDA, 2014).
“fronteiras secas”, o que não descarta a possi-
bilidade dessas pessoas levarem as substân- A dinâmica para o transporte da droga pelas
cias fixadas ao corpo, de forma a ocultar esse “mulas humanas” por mulheres bolivianas se-
gue essa esteira da rota do tráfico, ou seja, elas
transporte. são recrutadas junto as camadas mais pobres
Por ser esta uma atividade proibida, os in- de mulheres que vivem nessa região, recebem
divíduos que praticam essa ação e são au- a falsa promessa do “ganho fácil, são orien-
tuados em flagrante, respondem pelo crime tadas de como devem proceder caso sejam
de tráfico de drogas - Lei Nº 11.343, de 23 de apanhadas pela fiscalização, passam por uma
preparação para a ingestão da droga e em
agosto de 2006. seguida são embarcadas em ônibus conven-
O sistema penitenciário brasileiro está lota- cional de passageiros ou até mesmo por veí-
do de mulheres que foram presas por tráfico culo de passeio e percorrem cerca de dois mil
de drogas na modalidade “mula humana”, na quilômetros, caso a droga tenha como destino
maioria são mulheres jovens com idade en- o interior do país ou seguem viagem, caso a
droga tenha destino internacional (BEZERRA e
tre 18 a 30 anos, que entraram para o tráfico ALMEIDA, 2014).
através de seus maridos, filhos e até netos e
muitas vezes também assumem o papel de Ao fazerem isso não avaliam que o risco
traficante. não é só serem presas6, mas que ao estou-
Em outra pesquisa realizada por Francisca rar uma cápsula dentro do corpo a morte é
Bezerra de Souza (2014)5, na qual cita-se que inevitável. As histórias de transporte da droga
o transporte de drogas para o Brasil por mu- são tão trágicas quanto à miséria vivida pelo
lheres bolivianas muitas vezes são realizados povo boliviano de maneira geral, indo da pri-
dentro do próprio corpo da mulher, que são são de mães que viajam com crianças com a
as chamadas “mulas humanas”. No transpor- droga no estômago, mulheres grávidas que
te de drogas, é possível dizer que as mulhe- ingerem droga ou até mães que são presas
res são o principal alvo dos aliciadores para a por estarem transportando o cadáver de um
prática desse delito. Como mulas as mulhe- recém-nascido ‘recheado’ de drogas.
res são menos “visadas” nos postos de fisca- É nessa fronteira que inserimos a análise
lização e isso faz delas o principal alvo para o desse fenômeno da migração feminina que
transporte da droga. O fator marcante apre- é contingencial, suas implicações, impactos
sentado como um dos motivos para que haja e novas explicações no âmbito da migração
____________
5
Também membro do Grupo de Estudos sobre Teoria “Sócio-História, Migrações e Gênero”.

6
A lei prevê para este tipo de tráfico o total de 05 a 15 anos de reclusão.
22
internacional considerando que as mulheres e Pará, saindo para a Europa Ocidental, e são
são aliciadas para que, utilizando seu próprio vítimas de exploração sexual. Entretanto, no
corpo, transportem a droga tanto no território que tange ao tráfico de pessoas para o traba-
nacional quanto internacional, sendo deno- lho escravo, Mato Grosso do Sul aparece na
minadas de “mulas humanas”. lista suja do trabalho escravo8 como local de
Todavia, aliado ao tráfico de drogas na fron- exploração do trabalho nas carvoarias, usinas
teira Brasil – Paraguai - Bolívia encontram-se de álcool e na construção civil. Usa-se a mão
outras formas de crime, como exemplo, o trá- de obra de pessoas que vem do nordeste e
fico de seres humanos. de indígenas, ocorrendo o seu aliciamento
nas reservas indígenas. Também existe tráfico
O Tráfico de Pessoas em Mato Grosso do para prestação de serviços domésticos, para
Sul o qual famílias mais abastadas economica-
mente traficam crianças e adolescentes, indí-
Mato Grosso do Sul é uma região marcada genas e paraguaias para prestação de serviço
por um considerável fluxo de entrada e saí- doméstico em regime de escravidão. Foram
da de pessoas do país, via fronteira “seca”. De e são muitas as crianças dadas ou vendidas,
acordo com entrevistas realizadas para elabo- por suas famílias para famílias ricas, em nome
ração do Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas de concessão e oportunidade de estudo, ou
nas Áreas da Fronteira (2013), pelo Ministério simplesmente de subsistência, tornaram-
da Justiça, foi constatado o tráfico de mulhe- se estas “filhos (as) de criação” de donos de
res, crianças e adolescentes bolivianas e para- fazendas. Embora sendo filhos, nunca pos-
guaias para a exploração sexual no Brasil e de suíam os mesmos direitos que os filhos legíti-
brasileiras para a exploração sexual na Bolívia. mos e muitas das vezes eram tratadas como
Em Corumbá, há indícios de encarceramento verdadeiras empregadas sem remuneração,
de meninas em barcos pesqueiros, nos quais sofrendo abusos físicos ou sexuais de seus
as adolescentes são levadas de outras cida- donos.
des do interior do estado e seus documentos Em relação às rotas identificadas para esse
são retidos. Nos municípios de fronteira com crime, as principais são partindo da Bolívia,
o Paraguai, as mães das adolescentes podem chegando pela cidade de Corumbá, e partin-
ser as próprias aliciadoras - traficantes (Secre- do do Paraguai, adentrando a cidade de Pon-
taria Nacional de Justiça, 2013, p. 142). ta Porã.
Em pesquisa realizada pelo Ministério da A prática do tráfico de pessoas e do trabalho
Justiça, no ano de 2013, com o objetivo de escravo também ocorre com crianças e ado-
fazer um diagnóstico do fenômeno do tráfi- lescentes, neste sentido, a exploração sexual
co de pessoas nos estados do Acre, Amapá, de crianças e adolescentes tem sido o mais
Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, recorrente. Seja este explorado por caminho-
Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Roraima, Ron- neiros, trabalhadores dos setores sucroalcoo-
dônia e Santa Catarina, que são estados que leiros ou nos barcos intitulados pesqueiros
fazem fronteira com outros países, foi identi- no rio Paraguai entre outros. No que tange à
ficado um número relativamente grande7 de exploração do trabalho infantil na região sa-
rotas de tráfico de pessoas. Nesta pesquisa, o be-se de crianças trabalhando nas carvoarias,
Mato Grosso do Sul aparece como estado de na captura de iscas para os pescadores e em
origem e de trânsito, não de destino de pes- residências particulares.
soas traficadas. Em geral, as vítimas são leva- É importante destacar que o tráfico de
das para os grandes centros urbanos, princi- pessoas ocorre onde há demanda por aque-
palmente São Paulo e Rio de Janeiro, para a la mercadoria - pessoas para a execução do
finalidade do trabalho escravo, ou para Goiás trabalho. No mercado da exploração sexual a
_____________
7
Mais de um terço das ocorrências de tráfico de pessoas na região de fronteira.
8
O Cadastro de Empregadores da Portaria Interministerial, regulado pela portaria 02/2011, do MTE e SEDH/PR,
foi criado pelo governo federal, em novembro de 2003, com o objetivo de dar transparência às ações do poder
público no combate ao trabalho escravo. A relação traz os empregadores flagrados com esse tipo de mão de
obra e que tiveram oportunidade de se defender em primeira e segunda instâncias administrativas, antes de ser
confirmado o conjunto de autuações que configuraram condições análogas às de escravo.
23
raça e cor das mulheres têm preço definido. sexual, exploração e tráfico de mulheres. Em
Mulheres brancas têm um preço, as de pele 1995, ocorreu a IV Conferência Mundial sobre
mais escura têm outro preço, as negras e in- a Mulher, em Beijing, sendo um dos objetivos
dígenas quase nenhum preço, mas são muito consistia em eliminar o tráfico de mulheres e
procuradas. prestar assistência às vítimas da violência de-
Embora saibamos que a Política Nacional rivada da prostituição e do tráfico.
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas prevê A Assembleia Geral da ONU criou um Co-
em um dos seus eixos a prevenção, as ações mitê para elaborar uma Convenção Interna-
ainda são ineficientes para o combate a situa- cional para tratar o tema “Tráfico de Pessoas”,
ções como estas. Os primeiros passos para o assim foi organizado no ano de 2000, na ci-
enfrentamento ao tráfico de pessoas iniciaram dade de Palermo, na Itália, a Convenção das
em 1904, com a assinatura de um Acordo para Nações Unidas contra o Crime Organizado
a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, Transnacional, este foi um importante avan-
devido a vários casos de seqüestros de jovens ço no âmbito da construção de políticas de
inglesas que viraram “escravas brancas” para enfrentamento contra o tráfico humano. Com
a exploração sexual. (CASTILHO, 2007, p. 11). essa Convenção, foi criado o Protocolo Adi-
Em 1907, organizações feministas articularam cional à Convenção das Nações Unidas Con-
e criaram um movimento em que vigiavam tra o Crime Organizado Transnacional, conhe-
estações ferroviárias e portos da Europa com cido como o Protocolo de Palermo (2000).
o lema “Ajuda para mulheres, por mulheres”, No Brasil algumas Conferências Internacio-
com cartazes: “Combata o tráfico de escravas nais sobre tráfico de pessoas foram realizadas
brancas”, as voluntárias abordavam ingênuas e o país chegou até a sancionar algumas re-
camponesas que estavam viajando sós e po- soluções legislativas. Desse modo, no ano de
deriam ser possíveis vítimas de gangues de 2002 foi realizada uma Pesquisa Sobre Tráfi-
tráfico de pessoas (VICENTE, 2006, p. 139). So- co de Mulheres, Crianças e Adolescentes para
mente em 1910, um acordo que foi estabeleci- fins de Exploração Sexual Comercial (PES-
do em 1904 que se transformou em Convênio TRAF), desenvolvida pelo Centro de Referên-
Internacional para a Repressão do Tráfico de cia, Estudos e Ações Sobre Crianças e Adoles-
Mulheres Brancas, mas a preocupação não se centes (CECRIA), com o objetivo de identificar
dirigia às mulheres vítimas e sim ao aumento as rotas internas e externas, analisar o perfil
de doenças contagiosas, que acreditavam ser das vítimas e das redes de favorecimento. A
devido à prostituição. (CASTILHO, 2007, p. 11). PESTRAF foi um dos primeiros passos para a
O conceito de escravidão ampliou-se so- construção de políticas públicas para o en-
mente na Convenção de Genebra de 1956, frentamento ao Tráfico de Pessoas.
a Convenção Suplementar sobre a Abolição No ano de 2003, o Brasil realizou audiên-
da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das cias públicas sobre trabalho escravo, migra-
Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, ções, trabalho infantil e exploração sexual de
sendo explicado por Castilho (2007) que in- crianças e adolescentes, culminando poste-
cluiu a servidão por dívidas e repreendeu as riormente na instalação de duas Comissões
práticas de casamento forçado de mulheres Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMIs), a
por troca de vantagens para sua família e a da Exploração Sexual (2003 e 2004) e da Emi-
entrega de menores de 18 anos para explo- gração Ilegal (2005 e 2006). Mas foi somente
ração. a partir de 2004, que o país voltou seus olhos
Jesus (2003) destaca que houve um espaço para essa questão, essa data marca a assina-
de 50 anos que separou a Convenção de 1949 tura do Protocolo Adicional à Convenção das
e o Protocolo de Palermo. Em 1983, o Conselho Nações Unidas contra o Crime Organizado
Econômico e Social da ONU decide cobrar re- Transnacional Relativo à Prevenção, Repres-
latórios. Em 1992, a ONU lança o Programa de são e Punição do Tráfico de Pessoas, em Es-
Ação para a Prevenção da Venda de Crianças, pecial Mulheres e Crianças (o Protocolo de
Prostituição Infantil e Pornografia Infantil. Em Palermo). O Protocolo é promulgado no Brasil
1993, ocorreu a Conferência Mundial dos Di- em 12 de março de 2004, através do Decreto
reitos Humanos, que salientou a importância nº 5.017.
da eliminação de todas as formas de assédio Para a proposta de criação da Política
24
Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pes- enfrentamento à questão torne-se mais efeti-
soas, foi solicitado que houvesse a participa- va, provocando ações de prevenção e repres-
ção da sociedade civil e para isso realizou-se são que sejam realmente eficazes.
uma consulta pública9 em que houve a parti-
cipação de várias organizações não governa- Políticas Públicas para a questão social na
mentais. Em 2006, foi realizado o Seminário região de Fronteira
Nacional “A Política Nacional de Enfrenta-
mento ao Tráfico de Pessoas”, sendo aprova- Partindo da categoria “questão social”, aqui
da a Política em outubro do mesmo ano pelo compreendida como um conjunto das ex-
o Decreto 5.948. Também foram criados Nú- pressões das desigualdades existentes na so-
cleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas ciedade. Podemos dizer que a questão social
e Postos Avançados (NETP) em alguns Esta- surgiu de forma acentuada no século XIX, na
dos, a partir de 2008. Os Postos Avançados Europa, para responder ao crescente fenô-
estão situados nos principais locais de entra- meno da pauperização massiva da população
da e saída do Brasil, para a recepção a pes- trabalhadora e operária provinda do processo
soas deportadas e não admitidas, possuem de industrialização. A pressão exercida pelas
uma equipe interdisciplinar e desenvolvem massas de trabalhadores sem direitos insti-
uma metodologia de atendimento humani- tuídos ao compreender a opressão e a falta
zado aos migrantes, identificando possíveis de atendimento às suas necessidades básicas
vítimas de tráfico de pessoas. Entretanto, demandou através dos primeiros movimen-
Mato Grosso do Sul ainda não possui um Pos- tos sociais a instituição de políticas que pu-
to de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas dessem responder suas questões prioritárias
dificultando ainda mais a atuação preventiva no que tange ao que chamamos de mínimos
ao Tráfico Humano na fronteira Brasil – Bolívia sociais10. Portanto, o processo de industriali-
– Paraguai. zação ao provocar a urbanização das cidades,
A partir daí foram construídos o I Pla- no qual a questão social atingiu contornos
no Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de bastante problemáticos gerou também uma
Pessoas (2008), o II Plano Nacional de Enfren- classe social que vive da venda de sua força
tamento ao Tráfico de Pessoas (2013) e insti- de trabalho, ou seja, a classe trabalhadora. É
tuído o Comitê Nacional de Enfrentamento a partir da classe trabalhadora que tratamos a
ao Tráfico de Pessoas – CONATRAP (2013). questão social no campo das desigualdades
Por outro lado, como Política Estadual de En- sociais geradas no processo crescente do ca-
frentamento ao Tráfico de Pessoas, o Estado pitalismo. Dentre as contradições que movem
de Mato Grosso do Sul constituiu o CETRA- a transformação histórica, a principal é a opo-
P-MS, que surgiu em 2002. No que se refere sição de interesses entre os grandes grupos
ao Tráfico de Pessoas na modalidade de tra- de homens, das classes sociais, originadas
balho escravo, foi criado em 1993 um órgão quando grupos minoritários se apropriam do
específico de atuação, trata-se da Comissão excedente do trabalho produzido pela maio-
Permanente de Investigação e Fiscalização ria, algo que ocorre pelo menos desde o sur-
as Condições de Trabalho no Estado de Mato gimento da propriedade privada e do Estado.
Grosso do Sul (CPIFCT/MS), que é um fórum Para Netto (1992) a questão social se ex-
formado por órgãos públicos (federais entre pressa em suas refrações e, por outro lado, os
eles o Ministério Público do Trabalho e a Dele- sujeitos históricos geram embates na defesa
gacia Regional do Trabalho - estaduais e mu- de seus direitos. A questão social é retratada,
nicipais) e sociedade civil (sindicatos, igrejas, portanto, resultado da produção das relações
universidades, ONGs). sociais inscritas em determinado tempo his-
Portanto, embora já tenhamos conquistado tórico, ou seja, a totalidade concreta expressa
muito nesse campo, ainda é necessário que o nas condições de vida, de cultura e de produ-

____________
9
A proposta esteve em consulta pública, disponível no site do Ministério da Justiça e da então Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres, no período de 13 a 30 de junho de 2006, conforme publicação no Diário Oficial da
União de 13 de junho de 2006.
10
Atender às necessidades básicas.
25
ção de riqueza de uma determinada popula- o viés positivista e ideológico da sociedade
ção. capitalista, na qual cada organismo forma-
Castel (2013) destaca que a sociedade do dor deve seguir de acordo com as regras pré
trabalho, salarial e capitalista não é e não -estabelecidas. Uma vez contra essas pre-
pode ser uma sociedade de igualdade, mas determinações, o sujeito é afastado/isolado.
sim, é uma sociedade do conflito, dos opos- Estabelece-se aí a premissa de proteção da
tos, das contradições. Portanto, ressalta que sociedade, na qual a pessoa é inserida num
o atributo mais importante da questão social mecanismo disciplinador e ajustador de sua
é a precarização das formas de trabalho e o conduta. Nesse sentido, as políticas acabam
achatamento salarial proposto numa econo- pautando-se em práticas de repreensão e
mia que privilegia o capital transnacional e não de prevenção.
chama atenção para os trabalhadores sem
trabalho, os inúteis para o mundo ou supra- CONSIDERAÇÕES FINAIS
numerários, isto é, pessoas que não tem lu-
gar na sociedade. Para Iamamoto (2007) a Por fim, a região de fronteira no Brasil apre-
raiz do atual perfil assumido pela questão senta muitos desafios que são lançados para
social encontra-se nas políticas governamen- a construção de novas políticas que nem
tais favorecedoras da esfera financeira e do sempre são tratadas com a devida importân-
grande capital produtivo – das instituições e cia que essas problemáticas sociais exigiriam.
mercados financeiros e empresas multinacio- Por outro lado, refletir sobre a questão social
nais, estas são forças que capturam o Estado, significa reagir contra a naturalização do or-
as empresas nacionais, o conjunto das clas- denamento capitalista frente suas injustiças
ses e grupos sociais que passam a assumir o e desigualdades sociais, compreendendo a
ônus das exigências dos mercados transna- política social como expressão de seu enfren-
cionais. Para essa pesquisadora o predomínio tamento e defesa dos direitos sociais da po-
do capital conduz, portanto, à banalização pulação fragilizada.
do humano, à descartabilidade e indiferença As questões sociais da fronteira tratadas
perante o outro. Nessa perspectiva, questão acima acontecem com maior intensidade
social é mais do que as expressões da miséria quando tratamos das mulheres e crianças.
de pobreza, miséria e exclusão, apresentando São elas as maiores vítimas e instrumentos de
em seu bojo a banalização humana que ates- uso de grandes para o tráfico de drogas e de
ta a radicalidade da alienação. pessoas.
A realidade social em Mato Grosso do Sul Mato Grosso do Sul ainda resguarda rela-
apresenta questões sociais profundas, como ções sociais alicerçadas nas relações patriar-
as discutidas aqui e que demandam uma cais construídas no período Brasil - Colônia,
complexidade no âmbito do atendimento e que devem ser enfrentadas com coragem. O
principalmente da prevenção. É necessário, patriarcalismo caracteriza-se pela dominação
como nos diz Iamamoto (2007) “compreen- exercida pelo homem sobre a mulher. Pode-
der o que na contemporaneidade o desen- se apontar que a questão social no Estado de
volvimento econômico se traduz na barbárie Mato Grosso do Sul agrava-se quando trata-
social”. É necessário olhar para a questão so- mos da questão da mulher, fragilizando-a ain-
cial que em muitas vezes foge a visibilidade da mais frente a contextos de desigualdade
da sociedade altamente individualizada. É de gênero encontradas na região de fronteira.
preciso enxergar problemáticas emergentes Enfim, é na contradição do acúmulo capi-
que em nossa pouca compreensão já deve- talista apresentado materialmente em situa-
riam ter sido superadas e que persistem ainda ções de desigualdade social, como no tráfi-
hoje. co de drogas e de pessoas, que as questões
Desse modo, embora as políticas de re- sociais precisam ser pensadas no âmbito das
pressão sejam necessárias e imprescindíveis, políticas públicas que inibam a prática do cri-
precisamos também de políticas que pos- me organizado e ainda há grande necessida-
sam inibir e prevenir situações que acentuam de de aprimoramento e construção de políti-
as injustiças sociais, como exemplo, o tráfico cas de humanização e atendimento à vítima,
de drogas e de pessoas. É necessário afastar pois estas ainda se fazem ausentes no enfren-
26
tamento à questão. Diagnóstico sobre tráfico de pessoas nas áreas da
fronteira. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Dis-
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28
A MULHER BRASILEIRA E O TRABALHO: O QUE
O JORNAL “FOLHA DE S. PAULO” REVELA NAS
REPRESENTAÇÕES VISUAIS

Luciana Pagliarini de Souza


Universidade de Sorocaba, São Paulo,
Brasil
luciana.souza@prof.uniso.br

Maria Ogécia Drigo


Universidade de Sorocaba, São Paulo,
Brasil
maria.drigo@prof.uniso.br

RESUMO
Considerando-se que o gênero refere-se aos aspectos da vida social que são
vivenciados de modo diferente, pois homens e mulheres desempenham papeis
distintos que lhes são designados e que, nas últimas décadas, houve um reorde-
namento não só no mercado de trabalho como também das relações familiares,
até pela entrada das mulheres no mercado de trabalho, neste artigo, a partir
deste contexto, propõem-se verificar em que medida as representações visuais
das mulheres na mídia impressa contribuem para amenizar, dirimir ou reforçar
as desigualdades de gênero enfrentadas pelas mulheres no Brasil. Para atingir
o objetivo proposto tomamos como corpus, o Jornal “Folha de S. Paulo” (o pri-
meiro caderno de todos os dias do ano de 2014). Apresenta-se também uma
retrospectiva da trajetória da mulher no mundo do trabalho, a partir de Castells;
reflexões sobre a pós-modernidade com Harvey e Giddens; dados recentes do
IBGE sobre a presença da mulher no trabalho, com os quais se constata que as
mulheres estudam mais, no entanto possuem formação em áreas que auferem
menores rendimentos; estão mais presentes no mercado de trabalho, mas conti-
nuam ganhando menos; conquistaram espaço entre os responsáveis pelas famí-
lias e domicílios; e, mesmo entre elas, há importantes diferenciais regionais e de
cor ou raça. Com a coleta e classificação das representações visuais de mulheres
brasileiras; em seguida, com a análise, na perspectiva da semiótica peirceana, de
representações visuais selecionadas, pode-se avaliar em que medida tais repre-
sentações reafirmam os resultados da pesquisa. Refletir sobre a possibilidade da
contribuição da mídia, o jornal impresso, com ênfase nas imagens fotojornalísti-
cas, no caso, para amenizar as desigualdades de gênero, num contexto tão mar-
cado por conflitos com a diferença, em escala planetária, constitui a importância
deste artigo.

Palavras-chave: Masculino/Feminino, Mulher, Trabalho, Representação da mu-


lher brasileira, Jornal “Folha de S. Paulo”.
29
INTRODUÇÃO

M
ulher e trabalho: esta foi a te- do que se descortina à mulher.
mática desencadeadora desse Para Lipovestky (2000), a divisão social
artigo que tem como base re- dos papéis atribuídos ao homem e à mulher
flexões sobre gênero. O recor- foi sempre regida pela dominação social do
te nesse tema/contexto trouxe o seguinte masculino sobre o feminino. O movimento de
questionamento: como a mulher trabalha- aproximação e distanciamento entre os gê-
dora brasileira se mostra nas representações neros pode ser visto nas especificidades atri-
visuais jornalísticas? Tais representações con- buídas ao feminino, em diferentes períodos.
tribuem para amenizar, dirimir ou reforçar as Ou seja, nos reportamos à primeira, segunda
desigualdades de gênero enfrentadas pelas e terceira mulher, denominações dadas por
mulheres no Brasil? Para a verificação de tal Lipovestky (2000).
propósito, o corpus foi extraído da capa da “Mulher: mal necessário, confinado a ati-
Folha de S.Paulo – no período de 2014. vidades sem brilho, ser inferior sistematica-
Estudos de Castells vêm fundamentar efei- mente desvalorizado ou desprezado pelos
tos provocados pela entrada das mulheres no homens: isso desenha o modelo da ‘primeira’
mercado de trabalho. Transpondo esses efei- mulher” (LIPOVETSKY, 2000, p. 234). A segun-
tos para o Brasil, lançamos mão de dados do da mulher foi endeusada pelo homem, o que
IBGE sobre a presença da mulher brasileira no não eliminou as diferenças entre os gêneros,
mercado de trabalho. pois ela continuou distante da vida política,
Harvey e Giddens ancoram ideias sobre as submissa ao marido, sem liberdade econômi-
circunstâncias do cenário que abriga essas ca ou intelectual e sem poder de decisão. Nas
reflexões: a pós-modernidade. Também Lipo- palavras de Lipovetsky (2000, p. 235):
vetsky, na descrição das fases por que passou
a mulher – de Eva à mulher contemporânea Essa segunda mulher ainda continua sendo
que se reinventa –, contribui para nossas re- alvo de menosprezo, agora sob outro prisma:
a ela é dado o poder de formar os rapazes,
flexões. civilizando os comportamentos, exercendo
Para a análise das representações visuais uma espécie de influência silenciosa sobre
selecionadas, tendo a mulher/trabalho como os acontecimentos da vida da época, donde
objeto, nos valemos do instrumental semió- podemos entender que a sua vulnerabilidade
tico na perspectiva peirciana. Mais do que fica talvez, ainda mais frágil, pois agora é vista
como a responsável pela boa ou má formação
nos ater na terminologia minuciosa dessa se- do indivíduo, através do seu papel de mãe e
miótica, tomamos como guia o percurso da educadora.
análise ou o percurso do olhar instituído por
Santaella, a partir das categorias peircianas. Para Lipovetsky (2000), a mulher como de-
Sendo assim, os qualissignos ou aspectos tentora do verdadeiro poder – dos filhos, dos
qualitativos como cores, formas, dimensão grandes homens –, por trás da aparência de
dão início a esse trajeto; em seguida, vêm os sexo frágil; ou como propulsora da civilização
sinsignos ou os aspectos existentes do refe- por gerenciar os costumes e ser a senhora dos
rente; finalmente, os legissignos ou signos de sonhos masculinos; ou como representante
lei, que trazem aspectos simbólicos encerram do belo sexo, ou educadora dos filhos e fada
o percurso. do lar constituiu o modelo da segunda mu-
lher. “Depois do poder maldito do feminino,
A mulher na contemporaneidade edificou-se o modelo da segunda mulher, a
mulher enaltecida, idolatrada, na qual as fe-
Conforme Castells (1999), as portas do mun- ministas reconhecerão uma última forma de
do se abriram para a mulher com a sua entra- dominação masculina.” (LIPOVETSKY, 2000,
da no mercado de trabalho. Cabe-nos, então, p. 236).
tratar de alguns aspectos da relação masculi- Conforme Giddens (1993), a formação dos
no/feminino que se reorganizam neste mun- laços matrimoniais, para a maior parte dos
30
grupos na população, no decorrer do século ao mercado de trabalho. Isto se deu devido à
XIX, baseava-se em julgamentos de valor eco- informatização, à integração em rede e à glo-
nômico e também em ideias do amor român- balização, bem como pela própria segmenta-
tico, que separava o lar do local de trabalho. O ção do mercado de trabalho por gênero, por
lar “converteu-se em um local onde os indiví- considerar a mulher mais apropriada para de-
duos poderiam esperar apoio emocional, em senvolver certas atividades.
contraste com o caráter instrumental do lo- Conforme Castells (1999), a mulher, de um
cal de trabalho” (GIDDENS, 1993, p. 36), o que lado, contribui para o aumento da produtivi-
contribuiu para a consolidação da segunda dade, para melhorar o controle gerencial, tra-
mulher. zendo mais lucros às organizações. De outro,
A terceira mulher, que conjuga avanço igua- o crescimento no setor de prestação de servi-
litário e continuidade não igualitária, está pre- ços sociais e pessoais está aliado ao trabalho
sente marcadamente no mundo do trabalho feminino. As mulheres trabalhadoras, em sua
e da família. Ela conquistou o direito ao voto, grande maioria, são funcionárias de escritório,
à independência econômica, à liberdade se- mas há uma parte significativa delas empre-
xual e ao trabalho fora do lar. Mas, estas con- gadas em diversos níveis da estrutura organi-
quistas trouxeram problemas para a mulher. zacional. “E é exatamente por isso que existe
“Para o sexo forte, o fato de dividir-se entre a discriminação: as mulheres ocupam cargos
dois mundos é natural; para o outro sexo, isso que exigem qualificação semelhante em tro-
vem acompanhado de conflitos e de interro- ca de salários menores, com menos seguran-
gações, de uma busca de conciliação que é ça no emprego e menores chances de chegar
frequentemente fonte de culpa e de insatis- às posições mais elevadas” (CASTELLS, 2000,
fação” (LIPOVETSKY, 2000, p.243). p. 200).
Vivemos a era das mulheres à inteira dispo- Ao aprofundar suas investigações no senti-
sição de si em todas as esferas da existência, do de explicar a inserção da mulher no mer-
a era da terceira mulher. Enquanto a primei- cado de trabalho, Castells (1999) explica que,
ra e a segunda mulher eram subordinadas ao contrariamente ao que apregoam as mídias,
homem, a terceira mulher é sujeita de si mes- a inserção não se justifica pela criação de no-
ma. Mas, tal modelo não eliminou as desi- vos empregos, bem como não se justifica por
gualdades entre os sexos, principalmente em questões sindicais, pois as mulheres, em sua
relação à orientação escolar, à vida familiar, maioria, não são sindicalizadas.
ao emprego e à remuneração. “Por certo, de Mas, “as habilidades do feminino no rela-
agora em diante mulheres e homens são re- cionamento, cada vez mais necessárias em
conhecidos como donos de seu destino indi- uma economia informacional em que o ge-
vidual, mas isso não equivale a uma situação renciamento de fatos é menos importante do
de permutabilidade de seus papéis e lugares” que o gerenciamento de pessoas” (CASTELLS,
(LIPOVETSKY, 2000, p. 239). 1999, p. 204) é uma das justificativas para a
Em relação à sexualidade, Giddens (1993) inserção da mulher no mercado de trabalho. A
indica que “as pressões para se constituírem outra, e talvez a mais importante, que ocorreu
famílias grandes, características virtuais de a partir de 1990, se deve à flexibilidade da mu-
todas as culturas pré-modernas, deram lugar lher como força de trabalho, em empregos de
a uma tendência a se limitar de uma forma ri- tempo parcial, temporário e autônomo.
gorosa o tamanho da família” (GIDDENS, 1999, Como menciona Castells (1999), a demanda
p. 36). da economia informacional em rede ajusta-
Ainda para refletir sobre a mulher no mer- se às necessidades de sobrevivência das mu-
cado de trabalho e a dificuldade na ameni- lheres, que sujeitas às condições ditadas pelo
zação das diferenças de gênero, retomamos sistema patriarcal, procuram compatibilizar
Castells (1999). trabalho e família, contando com pouca cola-
O trabalho, a família e o mercado de tra- boração de seus maridos. O salário da mulher,
balho passaram por transformações, princi- por sua vez, passa a ser um complemento à
palmente nos últimos vinte cinco anos do sé- renda familiar. A mulher, no entanto, continua
culo XX, como menciona Castells (1999), em sendo a principal responsável pelas tarefas
consequência da incorporação das mulheres domésticas e pela criação dos filhos. Nas pa-
31
lavras de Castells (1999, p. 170): famílias e domicílios, sendo que entre elas há
diferenciais regionais, de cor e raça, que re-
A incorporação maciça vis-a-vis o homem, forçam as desigualdades de gênero ainda en-
abalando a legitimidade da dominação deste frentadas pelas mulheres no Brasil.
em sua condição de provedor da família. Além
disso colocou um peso insustentável sobre os Entre os dados, vale destacar que a contri-
ombros das mulheres com suas quádruplas buição das mulheres no rendimento familiar,
jornadas diárias (trabalho remunerado, orga- em 2010, foi de 40,9% em média, enquanto
nização do lar, criação dos filhos e a jornada para os homens a média da contribuição foi
noturna em benefício do marido). 59,1%. Nas famílias em que o responsável era
de cor ou raça preta ou parda, o indicador
No entanto, a contribuição financeira femi- chegou a 42,0%, em famílias com responsá-
nina torna o ambiente familiar mais propício à vel de cor ou raça branca a contribuição das
negociação de papéis, de direitos e deveres. mulheres foi 39,7%, enquanto nas famílias
Assim, o século XXI vem com uma espécie de monoparentais, onde o responsável não tem
revolução caracterizada pela desvinculação cônjuge, mas tem filho(s), o indicador atingiu
do casamento, da família, da heterossexuali- 70,8%. Das 50 milhões de famílias (únicas e
dade e do desejo, num contexto em que as conviventes principais) que residiam em do-
novas gerações estão sendo socializadas fora micílios particulares em 2010, 37,3% tinham a
do padrão tradicional da família patriarcal e mulher como responsável.
“expostas, já na infância, à necessidade de Os dados também confirmam que a dispa-
adaptarem-se a ambientes estranhos e aos ridade de rendimento entre sexos permanece
diferentes papéis exercidos pelos adultos” alta apesar do maior ganho para mulheres.
(CASTELLS, 1999, p. 275). Em 2010, o rendimento médio era de R$ 1.587
Neste sentido, Harvey (2006) explica que, para os homens e R$ 1.074 entre as mulheres
nas últimas décadas, o mercado de trabalho (67,7% do rendimento masculino), enquanto o
e as relações familiares passaram por trans- rendimento de todos os trabalhos das mulhe-
formações. No entanto, a entrada das mu- res era 74,0% do recebido pelos homens. As-
lheres no mercado de trabalho, bem como as sim, os dados confirmam, em certa medida,
mudanças dos valores tradicionais em relação no contexto brasileiro, o cenário exposto.
à família, à sexualidade e à maternidade, não
desobrigou as mulheres das atividades repro- Representações da mulher brasileira na
dutivas, dos cuidados com a casa e com a fa- “Folha de S. Paulo”: descrição e análise
mília. E mais, ainda cabe ao homem o papel
de provedor e à mulher, o complemento para O corpus dessa pesquisa consistiu nos pri-
a renda familiar. meiros cadernos de 2014 do Jornal Folha de
Vejamos o cenário que os dados estatísticos S.Paulo, que trouxessem representações vi-
constroem em relação à mulher brasileira. Os suais de mulheres brasileiras pertencentes à
dados de Estatísticas de Gênero1 revelam que, “classe trabalhadora”. Um ano marcado por
em linhas gerais, as mulheres brasileiras estu- eventos esportivos (Copa do Mundo no Bra-
dam por um período maior, no entanto pos- sil) e pelas eleições presidenciais, justifica o
suem formação em áreas que auferem meno- predomínio do universo masculino nas capas
res rendimentos; elas firmam a presença no de jornais do país, e não menos presente no
mercado de trabalho, mas continuam rece- jornal que escolhemos. Exceção neste último
bendo salários menores que o dos homens e universo fica por conta das duas candidatas
ganham espaço entre os responsáveis pelas
_________________
1
Estatísticas de Gênero - Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010, produzidas pelo IBGE em par-
ceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Qui-
lombolas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (DPMRQ/MDA). A publicação apresenta indicadores sobre
aspectos populacionais (incluindo famílias e migração), pessoas com deficiência, habitação, educação, mercado
de trabalho e rendimento. Além da desagregação por sexo, há também por cor ou raça, situação do domicílio e
grupos de idade, entre outras. Todas as informações constam do Sistema Nacional de Informações de Gênero
(SNIG), que reúne dados dos Censos Demográficos 2000 e 2010, até o nível municipal. Disponível em:< http://
www.ibge.gov.br/apps/snig/v1/>. Acesso em: 01 jul.2015.
32
– Dilma Rousseff e Marina Silva – que, a partir presária; esta última, dona de um SPA falido
do mês de agosto, passaram a ser imagens nos Jardins paulistanos.
frequentes nos primeiros cadernos. Outras Incluímos nesta categoria uma chef. Ainda
mulheres aparecem no exercício do papel de que ela figure no limiar das duas categorias,
mãe ou de figuras notórias do carnaval de rua pela premiação anunciada neste dia pelo
do Rio de Janeiro e São Paulo. jornal de melhor chef feminina do mundo –
Feita a coleta do material com foco nas provável celebridade... – nós a consideramos
fotos jornalísticas, chegou-se às categorias: como mulher trabalhadora ainda “normal”
mulheres “trabalhadoras” e “celebridades”. Às que consegue se promover pelos méritos.
primeiras, cabe papel menor, pois não ocu- Para uma breve análise, lançamos mão des-
pam posições consideradas de destaque na ta última – a chef – e da cozinheira anterior-
sociedade; as segundas, apesar de remune- mente citada, por pertencerem ambas a um
radas, ultrapassam a visão social do trabalho, universo comum, o da gastronomia. Respec-
afinal, “atuam” 24 horas como atrizes, canto- tivamente, as fotos-jornalísticas que se se-
ras, esportistas, políticas, presidente da Repú- guem estão presentes na edição da Folha de
blica. S. Paulo de 26 de março e 31 de dezembro de
A categoria das celebridades nos remete, 2014.
de imediato, aos olimpianos descritos por
Morin (2009), com a diferença que não temos FIGURA 1
no Brasil rainhas e princesas tupiniquins, mas
atrizes “globais” – adjetivo utilizado aos “con-
tratados” pelos núcleos da Rede Globo de
Televisão –, cantoras que também ganham
espaço nas telas televisivas dessa emissora;
esportistas e, certamente, a que exerce fun-
ção de presidente feminina ou “presidenta”
– “função sagrada” olimpiana inédita na his-
tória do Brasil. A inclusão da presidente Dilma
encorpa essa categoria e torna celebridade a
imagem feminina que frequentou com mais
assiduidade a primeira página da Folha.
Também vale lembrar que, no segundo se-
mestre de 2014, após “eleição presidencial”,
começaram a ser deflagrados fatos compro- Fonte: Folha de S. Paulo, 26/03/2014
metedores da ética política dos partidos ali-
cerces do governo (PT-PMDB). Figura ilustre FIGURA 2
como a presidente da Petrobrás – estatal de-
flagrada por corrupção – Graça Foster pas-
sou a frequentar a primeira página da Folha
como depoente da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI). Outras figuras políticas en-
volvidas com CPIs em outras instâncias, são
Roseana Sarney (governadora do Maranhão
frente a crises em prisões do Estado); Dilma
Pena (presidente da Sabesp, frente à crise hí-
drica na região).
A segunda categoria notabilizou-se pela
ocorrência ínfima de mulheres “trabalhado-
ras” nas capas da Folha. Representando pro-
fissões cotidianas, destacam-se uma cozi-
nheira e uma “estátua viva” (profissão tornada Fonte: Folha de S. Paulo, 31/12/2014
cotidiana nos grandes centros urbanos). Nou-
Separadas por 9 meses nas edições da Fo-
tro nicho, figuram uma consultora e uma em-
lha, estas duas representações femininas dis-
33
tam de milênios... A primeira representação
traz em primeiro plano o rosto da jovem chef
Helena Rizzo, profissional premiada, dona do
restaurante Maní, em região nobre de SP. A
foto do rosto – semelhante à que usamos
nos documentos, pelo tamanho, pelo close –
atesta uma identidade demarcada numa sea-
ra em que ter rosto é para poucos. A profissão
encapsula a pessoa, de tal forma, que ela pas-
sa a ser a função que ocupa, daí a fronteira
frágil do que a torna celebridade.
De outro lado, a cozinheira sem nome, sem
rosto – pois que aparece de costas –, cozi-
nhando à luz de velas num bar da Vila Olím-
pia, zona oeste de São Paulo. A ausência de
luz, decorrente de uma tempestade, deflagra
a ausência de brilho dessa cozinheira que nos
remete há um tempo em que a cozinha era o
locus em que melhor cabia a mulher.
Delineiam-se nessas duas representações o
convívio da primeira e da terceira mulheres,
sob o ponto de vista de Lipovetsky (2000),
nas capas da Folha em 2014. Uma delas: ser
inferior, desvalorizada e confinada à ativida-
de sem brilho; a outra investida e do status
que a profissão nascida no glamour francês
lhe confere. Certamente, protagoniza a ter-
ceira mulher, naquilo que podemos atestar de
conquista meritória num universo sofisticado
como o da “gastronomia”, juntamente com
toda a aura e tudo o que agrega esse fazer.

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34
CUANDO UN CATACLISMO MODIFICA LA
REPARTICION DE LAS TAREAS: LOS DESPLAZADOS DE
MAMPUJAN, COLOMBIA

Marie Estripeaut-Bourjac
ESPE d’Aquitaine/Université de
Bordeaux /CLARE
estrjac@wanadoo.fr

RESUMEN
En la noche del 10 al 11 de marzo de 2000, amenazados por un grupo paramilitar,
los habitantes de Mampuján (150 kms al sur de Cartagena, Colombia) tienen que
abandonar su pueblo para convertirse en unos desplazados (en la actualidad se
calcula que hay unos cinco millones de desplazados internos en Colombia a cau-
sa del conflicto), refugiados en viviendas precarias en una aldea cercana. Poco a
poco, los vecinos de Mampuján tienen que reconstruir sus vidas, darle un sentido
a lo padecido y mantener en alto la esperanza de volver a su pueblo y recuperar
sus tierras y su trabajo. De esta forma, entre 2007 y 2009, quince mujeres van
a coser y crear juntas una serie de once tapices que cuentan con pedazos de
textiles la historia de la ola de violencia padecida por estas poblaciones afrodes-
cendientes en su mayoría. Si la realización de los tapices responde a la necesidad
de dejar la huella de una historia, tiene por meta esencial mantener la unidad del
grupo desplazado y hacer las veces de terapia colectiva. Sin embargo, en este
proceso, las mujeres van a adquirir un protagonismo insospechado a la vez que
nuevas competencias mediante las cuales se va a efectuar una nueva repartición
de las tareas tradicionales entre el grupo de los hombres y el de las mujeres. Esta
comunicación se propone así mostrar cómo unas estrategias de sobrevivencia
ante una situación de emergencia socio política permitieron modificar el reparto
de los papeles entre los sexos y abrir a ambos nuevos campos de acción.

Palabras-clave : Desplazado, Protagonismo, Sobrevivencia, Mujeres

ABSTRACT
On the night of 10 to 11 March 2000, threatened by a paramilitary group, the
inhabitants of Mampuján (150 kms south of Cartagena, Colombia) have to leave
their village to become a displaced refugees in poor housing in a village nearby.
Gradually, neighbors Mampuján have to rebuild their lives, make sense of what
experienced and hold high the hope of his people and recover their land and
their work. Thus, between 2007 and 2009, fifteen women will sew and create
together a series of eleven tapestries that have pieces of textile history of the
wave of violence suffered by these populations mostly of African descent.If mak-
ing tapestries responds to the need to leave the imprint of a story, is essential
goal to maintain the unity of the displaced group and act as collective thera-
py. However, in this process, women will acquire an unsuspected role while new
powers through which will make a new distribution of tasks between the tradi-
tional group of men and women.This communication thus intends to show how
strategies of survival to an emergency situation allowed political partner alter the
division of roles between the sexes and open to both new fields.

Keywords: Displaced, Leadership, Survival, Women


35
INTRODUCCIÓN

E
n estos últimos meses, el gobierno
colombiano y el grupo guerrillero de
las FARC1 han encontrado un acuer-
do para poder salir de esa guerra
irregular que asola los lugares más remotos
del territorio y se ensaña principalmente en
la población rural, mientras que las ciudades
quedan relativamente alejadas del conflicto.
Sin embargo, los múltiples actores armados
(guerrilleros, paramilitares2, ejércitos privados,
bandas urbanas, organizaciones de los car-
teles de la droga) no se han desmovilizado y
los intereses territoriales (control de las vías y
apropiación de las tierras) y económicos (ru- Figura 1: Mapa de la región de los Montes de María
tas del narcotráfico, posibilidad de implantar
zonas de agricultura intensiva) siguen vigen- Estrategias de Resistencia
tes. Esta violencia que perdura desde los años
cuarenta, ha adoptado en los últimos vinticin- Por ser la mayoría de los Mampujaneros
co años nuevas formas con la estrategia de la evangélicos, su Iglesia mandó desde los Esta-
masacre que ha obligado a desplazarse a cin- dos Unidos a una monja – también sicóloga –
co millones de personas hacia zonas urbanas para ayudar a las mujeres a superar el trauma
que les pueden garantizar alguna seguridad. mediante los Quilts, unos tapices pequeños
Algunos analistas consideran así este conflic- hechos de pedazos de tela bordados sobre
to como la mayor crisis humanitaria conocida tela. Esa técnica no dio resultados y se decidió
por América Latina. trabajar en espacios más amplios. Nació así el
Fue en este contexto cuando, en la noche grupo de quince mujeres (evangélicas todas),
del 10 al 11 de marzo de 2000, amenazados “Mujeres tejiendo sueños y sabores de paz”,
por un grupo paramilitar, el Bloque Héroes de quienes de 2007 a 2009, se dedicaron a hacer
los Montes de María, los habitantes de Mam- un conjunto de once tapices de 170 cms por
puján, pueblo situado a 150 kms al sur de Car- 100 cms que cuentan con pedazos de textiles
tagena, en los Montes de María tuvieron que la historia de la ola de violencia padecida por
abandonar sus hogares para convertirse en estas poblaciones afrodescendientes en su
unos desplazados, refugiados en viviendas mayoría: “Cuando hacíamos eso [los Quilts],
precarias en una aldea cercana. Esas 245 fa- nos reíamos, pero cuando empezamos a ha-
milias, como tantas otras en Colombia, em- cer tapices, hubo llanto.” Duraron tres meses
pezaron a reconstruir poco a poco sus vidas, llorando: “Mientras tejíamos, hablábamos,
pero también a darle un sentido a lo padecido contábamos nuestras tristezas. Pero un día
y mantener en alto la esperanza de volver a su nos pusimos a reír”3.
pueblo y recuperar sus tierras y su trabajo.

_________________
1
Fuerzas armadas revolucionarias de Colombia, de tendencia marxista leninista.
2
Hasta 2005, se calculaba que había entre 10,000 y 14,000 hombres bajo las órdenes de las diversas agrupacio-
nes paramilitares. Hoy en día, muchos de ellos, que no se han desmovilizado, conforman el grueso de las bandas
locales (conocidas como las Bacrim), que operan en gran parte del territorio nacional y controlan el micro tráfico
de drogas, amén de otras actividades ilegales.
3
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alejandra”, el 26 de febrero de 2012.
36
Las cinco primeras tapicerías constituyen
una memoria y una huella: “Los hechos no se
pueden borrar. Los hechos no se olvidan nunca
y si hay muertos, menos. Pero estos tapices es
para que haya memoria”4. Estos tapices fue-
ron el inicio de una cadena de apoyo, ya que
enseñar su técnica se convirtió en parte de la
misión que se dió el grupo inicial de quince
mujeres quienes, mediante unos “grupos de
memoria” ayudan a otras víctimas a superar el
trauma padecido: “[...] llevamos paz a los otros
y [los] ayudamos a salir del dolor”5. Al liberar la
palabra, estos grupos significan también re-
sistir a la guerra, ya que “[l]a guerra lo primero
que hace es silenciar la voz”.6 Y Juana añade:
“Sentía que si no hablaba me moría”7.
El segundo conjunto de tapices permitió
profundizar la terapia ya que corresponde
al reencuentro con los ancestros, merced al
descubrimiento de la historia de los Africanos
arrancados de sus pueblos para ser vendidos
en los mercados de la colonia española en el
Caribe. Esta historia del “desplazamiento” ori-
ginario: “[...] la escuchamos en CD y algunos
viejos nos contaron cómo fue. Lloramos. Fue
como descubrir esa historia y unirla con la de
ahora. Estas masacres siempre han existido. Figura 2: Desplazamiento
En ‘Travesía’ vienen negros echados al mar
para que se los coman los pescados. Es una
masacre también”.8

_______________
4
Ibid.
5
Ibid.
6
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Soraya Ba-
yuelo”, el 27 de febrero de 2012.
7
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Juana”, el 22
de febrero de 2013.
8
Alejandra, op. cit. Figura 3: Hacinamiento
37

Figura 4: Travesía

Figura 6: Rebelión

Figura 7: Llegada del Cimarrón a la libertad


Figura 5: Subasta
38
Dicha memoria ancestral ayudó este gru- paz. Eso es para valientes, teniendo en cuenta
po afrodescendiente a entender que no tiene que los agresores no siempre van a llegar a
culpa alguna en lo que le sucedió y que los pedir perdón ni a reconocer el daño causa-
hechos contemporáneos son la continuación do”16.
de una larga historia de opresión y a descu-
brir –al mismo tiempo– que pertenece a un 2. Propuesta de análisis
pueblo con tradición de resistencia. En la
zona de los Montes de María, en el pueblo de Partiendo de estas dos respuestas a la ola
Palenque9, se asentaron en efecto esclavos de violencia padecida por Mampuján, quisie-
cimarrones a principios del siglo XVII (1604): ra hacer énfasis en el hecho de enfrentarse a
“Desde el principio se hizo desplazamiento en la violencia y al dezplazamiento y de construir
los Negros. Pero un día los Negros se rebela- una respuesta para sobrellevarlos. Semejan-
ron y se vinieron aquí en los Montes de María te cataclismo ha operado en efecto una se-
y construyeron [...]. Palenque hace parte de rie de transformaciones en el grupo y en los
los Montes de María. Todavía hablan palen- individuos que lo componen, hasta efectuar
quero”10. Las tapicerías Rebelión y Llegada del un nuevo reparto de las tareas tradicionales
Cimarrón a la libertad narran de esta forma entre el grupo de los hombres y el de las mu-
dicha tradición de Resistencia. jeres. Se trata así de una comunidad que in-
Así, apelando a una habilidad manual que tenta mantener su cohesión alrededor de lo
forma parte de su qué hacer cotidiano, la cos- que la unía en el momento de los hechos: su
tura, las mujeres la trasformaron en una crea- identidad de víctimas, la cual era una identi-
ción, vale decir una práctica artística. Demos- dad impuesta. Para superar esta situación, los
traron de esta forma que puede ser una vía a hombres apelaron a la representatividad y al
la terapia y a la catarsis y sentaron las bases manejo de la palabra “oficial”, mientras que
de una estética de la resiliencia. Por su lado, el las mujeres se valieron del care o atención al
grupo de los hombres realizó parte de su te- otro, la costura, y la palabra “emocional”, todo
rapia y de su catarsis ante la justicia, ya que en lo cual corresponde a las competencias tradi-
la audiencia en Bogotá (2011), Alexander Villa- cionales atribuídas a ambos sexos.
real, a nombre de la comunidad, entregó sen- Sin embargo, en este proceso de recons-
das Biblias a los jefes paramilitares acusados11: trucción de lo que llaman su ”dignidad y [...]
“No llegamos a pelear. Dijimos que somos una buen nombre”17, los Mampujaneros, en tanto
comunidad de paz. Nosotros no sabemos de que grupo, van a adquirir nuevas habilidades.
armas, somos campesinos”12. Alias Juancho Van a descubrir así cómo superar su condi-
Dique, enseñando las manos, “lloró y susurró: ción de victimas del conflicto y del desplaza-
‘no más armas por mis manos’ [...]”13. En ese miento, para construirse como sujetos políti-
momento tan importante “para [su] memoria cos activos y “artesanos de la vida”18. Ése fue
colectiva”14, los Mampujaneros realizaron un un camino largo y tortuoso, ya que de objetos
performance del don y del perdón en el que de asistencia y victimización, pasaron “a ser
se valieron de la fuerza simbólica de la tea- unas víctimas ahogadas en un mar de leyes y
tralización de un cara a cara entre víctimas y decretos [...] del papeleo y la burocracia de las
victimarios en el cual éstos “pidieron perdón instituciones”19. Realizaron así que hay gente
público”15. Esto les permite afirmar: ”Preten- que prefiere no salir de la condición de vícti-
demos hablar de perdón porque el perdón da ma, porque piensan que sólo así le van a dar
_________________
9
De hecho exsitieron varios Palenques. Se piensa que el actual pueblo de Palenque se fundó entre 1655 et 1674.
10
Alejandra, op. cit.
11
Edward Cobos Téllez (alias Diego Vecino) y Uber Enrique Bánquez (alias Juancho Dique).
12
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 26 de febrero de 2012.
13
Ibid.
14
VVAA, Vivensías, Maríalabaja, Departamento de Justicia de los EEUU, 2013, p.111.
15
Ibid., p. 111.
16
Ibid., p. 214.
17
Ibid., p. 111.
18
Ibid., p. 194.
19
Ibid., p. 184.
39
algo. En su demanda de justicia y de apoyo a otros. Así, con la experiencia adquirida, los
a sus proyectos de retorno a su pueblo, los Mampujaneros se proponen ahora asesorar
Mampujaneros afirman al contrario: “No que- a las demás comunidades en “como hacerse
remos que nos den, sino que nos apoyen a oír e impulsar sus necesidades”27, en la línea
llevar nuestras proposiciones”20. El grupo se del consejo que Juana les da a todos los líde-
autorepresenta de esta manera en tanto que res: “[...] convirtamos las quejas en propuestas
sujetos: “No podemos esperar que otros tra- colectivas con equidad de género y pensadas
bajen por nosotros. Dios nos dió la sabiduría y para que permanezcan en el tiempo [...]”28.
las fuerzas para trabajar”21. Al filo de los años, se nota por lo tanto una
En el proceso de exigencia de sus dere- evolucion en el discurso y en el pensamiento
chos aprendieron así a valorar lo colectivo so- del grupo. La religión enlaza ahora con el aná-
bre lo individual, “ya que algunas entidades lisis político y admite la rebeldía ante el desti-
les habían enseñado a trabajar en equipo, [...] no, ya que los Mampujaneros experimentaron
a aprender a delegar y confiar en el compa- que exigir sus derechos no es ser agresivo: “[...]
ñero”22. Después de cada réunion con las di- se trata de procesos de recuperación organi-
versas entidades, acostumbran analizar sus zativa, socio cultural y de memoria. / Hemos
comportamientos y auto aconsejarse para no visto [...] la posibilidad que tiene una comu-
repetir acciones indebidas. Este trabajo co- nidad para acceder a la justicia de manera
lectivo los llevó también a desarrollar un ca- pacífica. Creemos que ‘la justicia trae paz’, es
mino de introspección que les permitió ad- por ello que pensamos prestar el servicio de
quir un conocimiento de los mecanismos del asesoría y acompañamiento a otras víctimas,
ser humano, mediante el cual “Aprendimos a para fortalecer las capacidades de interlocu-
discernir cuando algunos Ministerios no esta- ción e interacción ante las instituciones y ac-
ban dispuestos a cumplir”23. Alexander expli- tores [...]”29.
ca así los logros conseguidos: “Yo pienso que
Mampuján buscó aliados en vez de discutir. 3. Una nueva repartición de las tareas
[...] Hasta hicimos llorar al comisionado, el fun-
cionario del estado”24. Mediante las diversas Sin embargo, si se deja de considerar a los
acciones emprendidas, cada cual descubrió Mampujaneros como grupo neutro y si se
en sí unos aspectos insospechados, lo que examina el comportamiento de cada sexo,
fortaleció la autoestima y el autorreconoci- bien se ve que los hombres aprendieron a
miento: “Yo doy gloria a Dios porque a pesar aceptar sus flaquezas y emociones, a exterio-
de mis circunstancias, en mi ha surgido una rizar su dolor, sin preocuparse por su estatuto
persona distinta, con capacidad de verse dis- de machos. Gabriel, por ejemplo, lloró en pú-
tinto”, dice Gabriel25. blico durante una reunión en la gobernación
Al mismo tiempo, el grupo aprovechó cuan- de Bolivar (2011). Unos asistieron a talleres de
to seminario y taller se le ofrecía y Juana afirma: “Autocuidado”, en los cuales Tulio lloró y se
“No despreciemos las capacitaciones, acon- dio cuenta de que su “coraza” de líder esta-
sejo unas en especial: comunicación asertiva, ba compuesta de 70% de miedo y de 80% de
manejo de conflictos, derechos humanos”26. angustia y de los cuales Alexander comenta:
Hizo así una maestria en Construcción de paz “Yo vine renovado”30. Al predicar el perdón y la
y conflicto social. La meta de esos procesos paz, los hombres empezaron a dejar de lado
consiste en auto formarse para luego formar las conductas agresivas para valorar la ejem-
_________________
20
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 25 de febrero de 2013.
21
Vivensías, op. cit., p. 224.
22
Ibid., p. 56.
23
Ibid., p. 129.
24
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander, el 26 de febrero de 2012.
25
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Gabriel”, el 1 de marzo de 2015.
26
Vivensías, op. cit., p. 224.
27
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 25 de febrero de 2013.
28
Vivensías, op. cit., p. 224.
29
Ibid., p. 75.
30
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 25 de febrero de 2013
40
plaridad de algunos actos simbólicos, como
el don, con el episodio de la entrega de biblias
a sus victimarios, por ejemplo. Con ese acto,
sienten que ellos dieron también la vida: “[...]
nosotros al que nos dio muerte le entregamos
vida [...], como un regalo”31. Y Gabriel añade:
“Yo quería pelear y hablar con contunden-
cia. Alexander me desalmó a mi. Ese acto me
contagió a mí y pienso que muchas personas
pueden ser contagiadas.”32 Este episodio lleva
Alexander a afirmar que a los armados y a los
violentos, “[h]ay que desalmarlos antes que
desarmarlos”33, es decir hay que “tocarles el
alma, que se quebrante antes que quitarles el
arma, y no olvidar que son humanos”34.
Las mujeres, por su parte, rebasaron con los
tapices su papel de costureras y lograron un
protagonismo insospechado, al volverse las
cirujanas del tejido social. Adquirieron además
reconocidas competencias en el uso terapéu-
tico de la palabra compartida en los talleres de
costura: “Nosotras trabajamos con mujeres,
por sanidad del trauma. Les escuchamos la
palabra. [...] Ellas cuentan y una escribe y otra Figura 8: Gráfico del sanador herido, por Evelyn y Karl
Bartsch, Sanidad des estrés y del trauma, Manual para
dibuja”35. Hacen el tapiz, las montañas, luego consejeros.
las casas: “Mi casa era torcida,” dice una; “Y le
dieron un tiro en el corazón”, relata otra y se
borda un roto rojo. Así, una mujer que no lo-
graba verbalizar su dolor, al final pudo contar
y bordar los tiros que le dieron al marido. Esta El reencuentro con la memoria ancestral
misma mujer trabajó después con otras y las permitió, además, a las Mampujaneras for-
ayudó en la misma forma como se hizo con talecer el autorreconomiciento En efecto,
ella. De hecho, las Mampujaneras están apli- enterarse de la historia y de la existencie de
cando el método del “sanador herido”, utiliza- Palenque, las ayudó a adquirir orgulo étnico:
do con víctimas en África del Sur, cuyo princi- “nosotros eramos avergonzados” dice Juana,
pio se basa en sacar de su propia experiencia quien cuenta que antes, ella se alisaba el pelo y
y trauma vivido los recursos para ayudar a usaba “Blondeau” para blanquearse la piel, de
otras victimas, quienes a su vez, ayudarán a la misma forma que la generación de su ma-
otras: ”Cuando el sobreviviente se vuelve sa- dre tenía la idea de casarse con un “hombre
nador, [...] transforma el significado de su ex- blanco que le limpiara la raza”37. Los Bartsch
periencia personal traumatica, al hacer de ella consideran en efecto la herencia cultural y los
la base de su interacción social [...]. / El trauma ritos como “parte central” de nuestras vidas y
sólo se redime cuando el sanador puede usar “un canal de sanidad”38. Aconsejan por lo tan-
sus heridas para sanar a otras personas”36. to preguntar a los participantes a los grupos
_________________
31
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 1 de marzo de 2015.
32
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Gabriel”, el 22 de febrero de 2013.
33
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 26 de febrero de 2012.
34
Vivensías, op. cit., p. 59.
35
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alejandra”, el 26 de febrero de 2012.
36
Evelyn Bartsch, Karl Bartsch, Sanidad des estrés y del trauma, Manual para consejeros, Bogotá, Ediciones Clara-
Semilla, 2005, p. 180.
37
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Juana”,el 1 de marzo de 2015.
38
Evelyn Bartsch, Karl Bartsch, op. cit.,p. 95.
41
de terapia por las tradiciones de su herencia le pregunta a Juana cuáles competencias ha
cultural que perviven en su comunidad y por adquirido en ese camino, ella contesta que
los aspectos positivos que estiman haber re- “fortalecer la dignidad” y cita lo que les acaba
cibido de ellas. de pasar con un joven de la comunidad, de 14
Las Mampujaneras se volvieron así unas años, detenido por la policía por llevar arma,
expertas en formación al saneamiento pos- cuando era en realidad una escopeta para ca-
trauma, especialmente con poblaciones afro- zar. Ellos discutieron con los agentes y atesti-
descendietnes: “El objetivo de ese trabajo era guaron de que el joven era inofensivo, pero
capacitar un grupo de mujeres como multipli- sin resultado. Juana se fue entonces a ver al
cadoras de la técnica y su efecto terapéutico”39. coronel y se le enfrentó: “La gente cree que
Al formar redes con otras asociaciones de víc- ser pacífico es quedarse callado. Antes me
timas en la región, desarrollaron su capacidad aplastaba”42, cuenta ella y Alexander añade
organizativa y aprendieron a transformar su que antes nunca se hubieran atrevido a dis-
uso de la palabra emocional en aptitud a dia- cutir.
logar y negociar con diversas instancias, ante A la misma pregunta, Gabriel contesta que
las cuales hay que hacer valer sus derechos y adquirió, entre otras cosas, “el don de servir
exigir justicia y reparación. Las Mampujaneras al otro, de entender que el colectivo es más
no sólo desarrollaron estrategias en el mane- importante que lo individual y personal”, así
jo de la palabra y habilidades para captar la como “[l]a capacidad de poder escuchar y ser
atención de los dirigentes (como la teoría de escuchado”. Y añade algo muy impactante,
los cinco minutos, considerado como el lapso es decir que su aprehensión del otro se mo-
de tiempo en el cual el interlocutor escucha dificó a consecuencia del drama que vivió:
realmente y en el cual hay que transmitirle el “sólo siendo víctimas aprendimos a valorar el
objetivo de la entrevista), sino que aprendie- otro.”43. Así, mediante el actuar, el reflexionar
ron a hablar en público y a mediar en conflic- y el permanecer unidos en talleres, en grupos
tos. Adquirieron así un sentido de la repre- de palabra y en acciones colectivas ante la
sentatividad y del interés común: “[...] ha sido justicia, este conjunto de afro descendientes
una experiencia enriquecedora donde hemos logró desarrollar unas estrategias de sobre-
tenido la oportunidad como comunidad de vivencia ante una situación de emergencia
interactuar de manera colectiva con todas las socio política que les permitió transformar un
entidades involucradas del orden local, regio- cataclismo en enseñanza y modificar sus re-
nal, nacional e internacional”40. Este recorri- presentaciones. En efecto, tanto el grupo de
do les permite hoy afirmarse como mujeres los hombres como el de las mujeres, se fue a
“empoderadas” y “emprendedoras deseosas incursionar en el terreno del otro, favorecien-
de pasar de víctimas a mujeres empresarias do así la apertura de nuevos campos de ac-
que dignifican su vida al generar ingresos”41, ción en que unas y otros tienen igual protago-
capaces de conseguir maquinaria para la rea- nismo y eficiencia. Demuestran de esta forma
lización de ropa con arte primitivista, después la relatividad de toda construcción socio-cul-
de participar en una exposición sobre el tema. tural, especialmente en lo que se atribuye a
Sin embargo, lo que más llama la atención lo “feminino” y a lo “masculino” y abren la vía
en este proceso de reconstrucción, es que los para nuevas construcciones simbólicas.
Mampujaneros, tanto hombres como muje-
res, han desarrollado competencias compar- A modo de colofón
tidas, que dejan de lado el tradicional reparto
de los papeles entre los sexos, hasta tal punto A modo de colofón, se hace necesario re-
que en determinadas situaciones, unas y otros cordar que la cohesión y la voluntad de ejem-
son totalmente intercambiales. Así, cuando se plaridad de Mampuján mantiene estrechos
_________________
39
Vivensías, op. cit., p. 193.
40
Ibid., p. 69.
41
Ibid., p. 207.
42
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Juana”, el 1 de marzo de 2015.
43
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Gabriel”, el 1 de marzo de 2015.
42
vínculos con su relato colectivo. En efecto, las puján “La primera comunidad con sentencia
tapicerías nacen como una alabanza a Dios de Justicia y Paz48. Es la comunidad que tiene
por la protección especial dada e este pueblo, más visibilidad. Eso no es porque Mampuján
el único en la región que no fue objeto de una fue especial, sino por que Dios quiso [...]”49.
masacre – aunque se produjeron violaciones Este juicio es en efecto uno de los pocos ca-
y torturas –, excepción que los Mampujane- sos en el mundo en que se reconoce una víc-
ros atribuyen a la intervención directa de Dios. tima colectiva50.
Alejandra testimonia así que el viernes 10 de Este proceso fue facilitado por el hecho de
marzo de 2000: “Como a las 10-11pm, vi yo a que “[n]adie está reclamando el mismo predio,
un poco de ángeles tomados de la mano en o sea que no hay lío juridico”51, según Gabriel.
los cerros, como la estoy viendo a Vd. Le dije a Y Tulio añade: “hay un comportamiento so-
otra muchacha que mirara allí y también vió. cial aquí”52. Las diversas audiencias y acciones
Nosotras dimos las gracias a Dios [...]. Y salie- ante la justicia se convirtieron así en escena-
ron dos manos de la luna, abiertas.” Cuando rios en los cuales los Mampujaneros concre-
esto occurió, los miembros del grupo dicen tizaron y afirmaron su voluntad de ejempla-
haber oido el jefe de los paramilitares recibir ridad: “[...] pensábamos que esta comunidad,
una llamada: “No los maten, ellos son inocen- por ser punta de lanza, debe ser ejemplo a
tes”44. Gabriel no asistió a estos hechos, pero seguir y que si desmayamos le fallaríamos a
reconoce la acción divina: “Definitivamente, todas las víctimas de Colombia que también
fue Dios quien intervino, porque ninguna otra esperan justicia”53. Pero los Mampujaneros
comunidad conoció un caso así”45. El primero quieren ir más allá y quieren proponerle al
de los tapices, Desplazamiento, ilustra dicha mundo el ejemplo del primer pueblo que per-
escena y le da inicio oficial al relato colectivo done en colectivo, porque pusieron en prác-
de Mampuján. tica lo que llaman “la cultura del respeto”. El
Dicho relato viene a completar otro, muy grupo quiere corresponderle de esta forma a
anterior, respecto de un personaje misterioso. Dios por su elección y esbozar de cara al país y
Gabriel: “Un domingo de estos llegó una per- al mundo modalides posibles de perdón y de
sona que hace parte de otra iglesia (de otro paz. Alexander comenta así las audiencias de
lugar) y dijo: ‘Mampuján será historia en el 2011 en Bogotá: “Llevamos a ese victimario a
mundo [...].’ Nosotros pensamos que eso sería recordar su niñez y sus sueños de niño que no
en Mampuján el Viejo, y pensamos que Dios eran precisamente matar a gente. [...] Por eso
nos había olvidado porque no pasó nada”46. dijimos que es mejor sacar una lágrima que
Y Alexander añade: “Era un profeta. Tuvo una un arma”54. Esta reflexión resume la misión
revelación”47. Y luego, prosigue Gabriel, llegan que se ha dado la gente de Mampuján: pro-
investigadores y hombres políticos de Esta- poner un modo de ser en el mundo, en el cual
dos Unidos y de Francia para ver en Mam- se negocia diferentemente y se dirige de otra
_________________
44
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alejandra”, el 26 de febrero de 2012.
45
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Gabriel”, el 26 de febrero de 2012.
46
Ibid. Mampuján el Viejo designa el pueblo del cual sus habitantes fueron desplazados, y Mampuján el Nuevo
el sitio en el cual se refugiaron y reconstruyeron sus casas.
47
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 26 de febrero de 2012.
48
Sentencia del 29/06/2010, por el tribunal Superior de Bogotá, ratificado el 27/04/2011. La ley Justicia y Paz
(2005) “dicta las disposiciones para la reinserción de los grupos armados que funcionan fuera del marco legal”,
pero ofrece de hecho la amnistía y una cuasi impunidad a los grupos paramilitares que acepten reintegrarse a la
vida civil. Justicia y Paz conmovió numerosos sectores de la sociedad, ya que no fue pensada en función de las
víctimas sino de los victimarios, y de lo que estén dispuestos a aceptar para ser “reinsertados” en la sociedad. Sin
embargo, fue posible utilizar dicha ley para bridarles a las víctimas un principio de reconocimiento y de repara-
ción.
49
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Gabriel”, el 26 de febrero de 2012.
50
Fernando Pareja, vice procurador, www.verdadabierta.com/justicia-paz/2407-reparación-histórica-en-Mam-
puján, el 26/04/2010, consultado el 21/08/2012.
51
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Gabriel”, el 22 de febrero de 2013.
52
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Tulio”, el 22 de febrero de 2013.
53
Vivensías, op. cit., p. 92.
54
Marie Estripeaut-Bourjac, “Entrevista con Alexander”, el 26 de febrero de 2012 y el 25 de febrero de 2013.
43
manera a los victimarios, dejando las armas y de 2012. Cartagena, Colombia.
el enfrentamiento para tender la mano y ha-
blar al niño que cada uno de nosotros ha sido. Entrevista con Tulio. Entrevistadora: Ma-
rie,Estripeaut-Bourjac. 22 de febrero de 2013.
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BARTSCH, Evelyn, BARTSCH, Karl. Sanidad PAREJA, Fernando, vice procurador. Dis-
des estrés y del trauma, Manual para conse- ponível em <www.verdadabierta.com/justi-
jeros. Bogotá/Colombia: Ediciones Clara-Se- cia-paz/2407-reparaciónhistórica-en-Mam-
milla, 2005. puján> Publicado em 26 Abr. 2010, Acesso em
01 set. 2016.
Entrevista con Alejandra”, Entrevistadora:
Marie,Estripeaut-Bourjac, , el 26 de febrero de Vários Autores. Vivensías, Departamento de
2012. Nuevo Mampuján, Colombia Justicia de los EEUU: Maríalabaja, 2013.

Entrevista con Alexander”, Entrevistadora:


Marie,Estripeaut-Bourjac, , el 26 de febrero de
2012. Nuevo Mampuján, Colombia

Entrevista con Alexander. Entrevistadora:


Marie,Estripeaut-Bourjac. 25 de febrero de
2013. Cartagena, Colombia.

Entrevista con Alexander. Entrevistadora:


Marie,Estripeaut-Bourjac. 1 de marzo de 2015.
Nuevo Mampuján, Colombia.

Entrevista con Alexander. Entrevistadora:


Marie,Estripeaut-Bourjac. 26 de febrero de
2012. . Nuevo Mampuján, Colombia

Entrevista con Gabriel. Entrevistadora: Ma-


rie,Estripeaut-Bourjac. 26 de febrero de 2012.
Nuevo Mampuján, Colombia

Entrevista con Gabriel. Entrevistadora: Ma-


rie,Estripeaut-Bourjac. 22 de febrero de 2013.
Nuevo Mampuján, Colombia

Entrevista con Gabriel. Entrevistadora: Ma-


rie,Estripeaut-Bourjac. 1 de marzo de 2015.
Nuevo Mampuján, Colombia

Entrevista con Juana. Entrevistadora: Ma-


rie,Estripeaut-Bourjac. 22 de febrero de 2013.
Nuevo Mampuján, Colombia

Entrevista con Juana. Entrevistadora: Ma-


rie,Estripeaut-Bourjac. 1 de marzo de 2015.
Nuevo Mampuján, Colombia

Entrevista con Soraya Bayuelo. Entrevista-


dora: Marie,Estripeaut-Bourjac. 27 de febrero
44
COMUNICAÇÃO, TRABALHO E TERRITÓRIO: UM
ESTUDO SOBRE A FUNKEIRA MC VÉIA

Miriam Cristina Carlos Silva


Universidade de Sorocaba, São Paulo,
Brasil
miriam.silva@prof.uniso.br

Thífani Postali
Universidade de Sorocaba, São Paulo,
Brasil
thifanipostali@hotmail.com

RESUMO
Este artigo discute o fenômeno midiático “MC Véia”, que se transformou a partir
do funk carioca. Utilizamos conceitos que revelam os processos de antropofagia,
com Oswald de Andrade, e hibridação cultural, com Néstor Canclini. Martín-Bar-
bero e Herschmann são fundamentais para a discussão sobre identidade híbrida.
Leda Maria Soares Ferreira, a “MC Véia”, teve uma história de vida marcada por
perdas de afeto e de identidade. Do medo à inserção, aceitação e incorporação
da diferença, MC Véia mescla identidades, gerando referências inusitadas ou hí-
bridas, e declara ter se “favelado”. Como metodologia, utilizamos a pesquisa bi-
bliográfica e exploratória, a avaliação de matérias em revistas e sites, entrevistas
cedidas por Leda Maria à mídia e análise da página de MC Véia no Facebook.

Palavras-chave: Comunicação e Cultura, Antropofagia, Funk.

ABSTRACT
This article discusses the media phenomenon “MC Véia”, which has modified the
“carioca funk”. We use concepts that reveal the processes of anthropophagy, by
Oswald de Andrade, and cultural hybridization, with Néstor Canclini. Martín-Bar-
bero and Herschmann are fundamental to the discussion of hybrid identity. Leda
Maria Soares Ferreira, “MC Véia”, had a history of life marked by loss of affection
and identity. From her initial fear to the insertion, acceptance and incorporation
of difference, MC Véia merges identities, generating unusual or hybrid referen-
ces, and she declares to have “favelado” herself (adopting a slum living style). The
methodology used was the bibliographic and exploratory research, the evalua-
tion of articles in journals, sites and interviews Leda Maria has ceded to press and
also the analysis of MC Véia’s Facebook page.

Keywords: Communication and Culture, Anthropophagy, Funk.


45
INTRODUÇÃO

P
ara Herschmann (2000), um dos blues, portanto1, similar ao funky. A música do
grandes desafios dos pesquisado- Hip Hop possuía a mesma base, entretanto,
res contemporâneos, é perceber, nas como coloca o autor, utilizava uma compo-
expressões culturais marginalizadas, sição com sons mais pesados e arrastados.
algo além das sensações de desordem e de É importante ressaltar que a manifestação
caos, causadas, especialmente, quando os cultural Hip Hop tem como objetivo principal
meios de comunicação de massa procuram discursar sobre os problemas sociais que afli-
retratar algumas manifestações populares de gem as camadas que ocupam as favelas e os
maneira negativa e / ou restritiva. subúrbios das cidades.
O funk brasileiro ou funk carioca, como é Talvez o Hip Hop tenha se diferenciado do
conhecido no Brasil, está entre as expressões Funk pela influência dos ritmos jamaicanos2,
populares mais evidenciadas nos últimos três quando parte da população jamaicana se
anos, por ter alcançado a visibilidade dos mudou para os guetos nova-iorquinos em
principais veículos de comunicação brasilei- busca de melhoria nas condições de vida.
ros, mas a sua história não é recente e evolve Falamos brevemente do Hip Hop, pois as
severas críticas, vindas de distintos segmen- duas manifestações culturais, muitas vezes,
tos da sociedade, sobretudo quanto ao seu são confundidas. Ao contrário do Hip Hop, o
conteúdo. Funky desenvolveu um ritmo mais alegre e
É fato que a expressão musical ganhou contagiante, descompromissado quanto ao
uma configuração singularmente brasileira, cunho crítico-social. Desta forma, projetou-se
mas sua origem está atrelada ao ritmo esta- internacionalmente, dando início ao modis-
dunidense soul que, segundo Herschmann mo “disco” praticado em diversas regiões do
(2000), trata-se da união entre os ritmos gos- mundo, inclusive no Brasil.
pel e rhythm and blues, que em meados dos Em 1970, a casa de shows Canecão, uma
anos de 1960, ganhou mercado e visibilidade das mais famosas da cidade do Rio de Janei-
mundial a partir de nomes como Ray Charles ro, promoveu os chamados “Bailes da Pesa-
e James Brown. O termo funky surgiu no final da”. Nesses eventos, Djs como Big Boy e Ade-
da década de 1960, decorrente de um senti- mir Lemos discotecavam ritmos como rock e
mento de alegria e de “orgulho negro” (HERS- pop. De acordo com Herschmann (2000), os
CHMANN, 2000), passando a significar uma Djs passaram a dar maior destaque aos mú-
vertente da música ainda capaz de produzir sicos de soul como James Brown, Wilson Pic-
uma sonoridade que representasse a negri- kett and Kool and the Gang, dando início à
tude. Citando Hermano Vianna, Herschmann cultura Funky carioca. Mesmo com os even-
acrescenta que, a partir desse momento, to- tos atraindo cerca de 5 mil jovens, a adminis-
dos os elementos que representassem os tração do Canecão passou a investir na MPB,
afrodescendentes, poderiam ser chamados fazendo com que os Bailes da Pesada fossem
de funky. Ou seja, a palavra passou a deter- transferidos para outras regiões da cidade.
minar as características de um grupo social, No Brasil, o Funky não comportou a mes-
como roupa, gírias, jeito de andar, dançar e, ma ideologia que os grupos estadunidenses.
até mesmo, o bairro - local que acomoda tais De acordo com Herschmann (2000), poucos
elementos. A música, que dava ritmo àquele bailes promoviam o formato militante sobre
momento, ficou conhecida como Funk. o “orgulho negro”. Isso porque o estilo disco-
Cabe salientar que, nesse período também tecagem agradava tanto aos jovens da zona
surgiu um ritmo derivado do rhythm and Sul quanto aos da zona Norte da cidade. Ou-
_________________
1
Hip Hop é um movimento que envolve elementos culturais tais como o DJ, Grafite, Rap e Break, entre outros.
2
A raiz do Hip Hop provém da Jamaica. Richard (2005) ressalta que desde a década de 1960, a população carente
jamaicana passou a utilizar a música como meio de expressão contra o sistema local. Essa música é composta
pelos toastes – responsáveis pelos discursos - e pelo acompanhamento do sound systems, aparelhos de repro-
dução de áudio, caracterizados pela potência das caixas de som.
46
tro fator que inibiu esse viés foi a repressão exercício de alteridade, pois para se devorar o
implementada pelo regime militar, principal- alheio é necessário, antes de tudo, deixar-se
mente relacionada às produções culturais. devorar. Não há antropofagia no simples con-
Em 1980, a zona Sul passou a valorizar o rock vívio ou na tolerância entre os diferentes. O
nacional, deixando a discotecagem de lado. antropófago processa o alheio, transforman-
Todavia, a zona Norte continuou a reproduzir do-se em outro, um híbrido, para se fazer a
a música negra estadunidense, importando ponte com Canclini. E este híbrido conta, por
os novos ritmos de funky. A maior produtora exemplo, com a linguagem popular, desesta-
e promotora de shows, a Furacão 2000, co- bilizando a erudição como um lugar privile-
meçou a realizar bailes no subúrbio do Rio de giado de fala:
Janeiro e, a partir desses eventos, as práticas Através deste movimento estratégico, limita-
importadas começaram a incorporar elemen- se o lugar do homem culto, estabelecido e ga-
rantido, ao usuário daquela retórica, como a
tos locais, criando uma nova forma de produ- possibilidade de exclusão, de estar acima do
zir e vivenciar o estilo musical. De acordo com comum e assim garantir seu privilégio no es-
Herschmann (2000), as danças passaram a paço da sociedade dos desiguais (SEPÚLVE-
ser grupais, e o ritmo também se distanciou DA, 1995, p. 13)
do soul.
Com relação a essa fusão, cabe apresentar Reforçamos com Bueno:
o conceito de hibridação, de Canclini (2008),
traduzido como a união de estruturas ou prá- Oswald de Andrade, a moderna cultura an-
tropofágica brasileira, e seus criadores, jamais
ticas sociais discretas, que acabam por gerar propuseram, ou aceitaram, rígidas distinções
novas manifestações culturais. Para o autor, entre cultura de elite, cultura de massa e cul-
“isso ocorre de modo não planejado ou é re- tura popular, sendo traço central do projeto o
sultado imprevisto de processos migratórios, livre trânsito entre tais níveis de criação cultu-
turísticos e de intercâmbio econômico ou co- ral (BUENO, 1995, p. 64).
municacional. Mas frequentemente a hibrida-
ção surge da criatividade individual e coleti- Deste modo, o funky importado, que já nas-
va” (p. 22). ce como uma mescla de referências anterio-
Cabe ressaltar o fato de que, na década de res, em uma tendência antropofágica, foi se
20, Oswald de Andrade formularia o conceito transformando ainda mais junto à cultura lo-
de antropofagia, o qual comporta um diag- cal e, a princípio, tornou-se conhecido a partir
nóstico e um prognóstico da cultura, das ar- das expressões “funk”, “balanço” e “funk pe-
tes e, se compreendido em profundidade, do sado” (HERSCHMANN, 2000). A medida em
modo de ser do brasileiro. Ao mesmo tempo que o funk se abrasileirava, também se dis-
em que prevê a retomada das origens, mas tanciava cada vez mais de grupos militantes
de modo crítico, aprendendo com o índio e cujas propostas eram firmar o “orgulho negro”
o negro, não os mitificando, também propõe ou resistir frente ao sistema social dominante.
a crítica antes da incorporação do que nos Isso porque, esses grupos acusavam os fun-
chega de fora. Há a valorização da técnica, keiros de produzir músicas descompromissa-
somada ao primitivo. O que se destaca aqui das com o grupo social, dedicando-se apenas
é a possibilidade de uma leitura, da cultura e ao entretenimento.
de seus produtos, relacionados às mídias, que Com relação à cultura popular, cabe-nos
continua atual e necessária. Uma proposta ressaltar sua capacidade de ser híbrida, ou
antropofágica de compreensão dos fenôme- seja, antropofágica, por ser livre, indomável,
nos, que: “Expressaria o desejo de descoloni- maleável, informal e transitória, avessa a au-
zar a cultura, a busca de um ponto de vista toritarismos e segmentações fechadas, já que
descentrado que corresponderia, ao mesmo nela se configuram, em amálgama, combi-
tempo, a uma renovação estética e ideológi- nações das representações do cotidiano, da
ca” (FIGUEIREDO, 1995, p. 85). memória, da tradição, somadas às manifes-
A antropofagia, portanto, prevê a seleção e tações hegemônicas, formalizadas pelas ins-
digestão das referências alheias, para trans- tituições e pelas mídias. E em nossa leitura
formá-las, em um processo não apenas críti- de Martín-Barbero, por sua capacidade de
co, mas sobretudo autocrítico. Trata-se de um representar segmentos sociais sem voz, por
construir, não sem conflitos e tampouco sem
47
incômodos, nas tensões, visibilidades: de protesto” que, assim como o Hip Hop, pro-
cura chamar a atenção para os problemas
o valor do popular não reside na sua autentici- sociais que afligem os jovens e a sociedade
dade ou na sua beleza, senão na sua represen- brasileira. MC Garden ganhou notoriedade no
tatividade sociocultural, em sua capacidade
de expressar o modo de viver e pensar as clas- ano de 2013, através das redes sociais, num
ses subalternas as maneiras como sobrevivem momento em que os jovens foram às ruas nas
e as estratégias através das quais filtram, reor- chamadas “Jornadas de junho”, protestar con-
ganizam o que vem da cultura hegemônica, e tra o sistema econômico e político brasileiro.
o que integram e fundem com o que vem da Todavia, essa vertente não ingressou na mí-
sua memória histórica (1997, p. 55).
dia, que deu espaço a outra forma intitulada
“funk de ostentação”.
Em 1989, ocorreram as primeiras gravações
Apresentado em 2012, o “funk de ostenta-
do funk nacional, com letras cantadas em por-
ção” procura inserir em suas letras, além da
tuguês. De acordo com Herschmann (2000),
sexualidade, assuntos que dialogam com as
o DJ Marlboro produziu o disco “Funk Brasil nº
classes mais abastadas, como marcas de gri-
1”, que marcou o início do funk carioca.
fes, carros importados, dinheiro, baladas, be-
A partir dos anos 1990, o funk ganhou visi-
bidas destiladas e poder. Criado no estado de
bilidade através dos veículos de comunicação
São Paulo, esse funk passou a ser articulado
de massa. Todavia, o recorte feito pela mídia
pela mídia, alcançando as trilhas sonoras de
apresentava uma música associada à crimi-
novelas, propagandas publicitárias e bailes
nalidade e ao sexo praticados nos bailes das
realizados em todas as classes sociais. Para
favelas cariocas. Não nos cabe apresentar o
justificar essa inserção, podemos nos apoiar
funk como dissociado dessas práticas, porém,
em Herschmann para quem “a mesma mídia
é importante lembrar que a mídia constitui
que demoniza é aquela que abre espaços nos
“um dos principais cenários do debate con-
jornais e programas de televisão”. Para o au-
temporâneo; é através dela, de modo geral,
tor,
que se adquire visibilidade e que se cons-
troem os sentidos de grande parte das prá- A produção jornalística implica diversos mo-
ticas culturais” (HERSCHMANN, 2000, p. 88). dos específicos de se ver e relatar o “real”, os
Como grande mediadora das narrativas do quais diferem de um veículo para outro (ou
cotidiano, a mídia pode incitar, portanto, à re- mesmo variam dentro de um mesmo veículo),
flexão, à crítica e à identificação, bem como o que pode resultar na construção de diferen-
tes significados para os acontecimentos den-
naturalizar clichês e preconceitos. tro da mídia, tendo assim em conta apenas as
Deste modo, a musicalidade criou uma múltiplas possibilidades de suas construções
identidade relacionada a sexo e, principal- discursivas. Ou seja, os elementos são forma-
mente à violência dos jovens favelados. Hers- dos por elementos também exteriores a ele, e
chmann apresenta um estudo sobre as ma- em grande medida condicionados pelo sujei-
to que vai reconhecê-los, relatá-los, construí
térias publicadas nos principais veículos de -los (2000, p. 89).
comunicação, na primeira metade da déca-
da de 1990. Na ocasião, sustenta que o funk Entretanto, é possível perceber a reprova-
compôs os títulos das matérias relacionadas ção dessa vertente por parte destes jovens
à violência, como exemplo: “Galeras do funk das favelas e subúrbios. Isso se dá, talvez,
criaram pânico nas praias”; “Movimento funk pelo fato de ele ter deixado de dialogar com
leva à desesperança” (2000, p. 96). É certo estes grupos, passando a incorporar atitudes,
que a manifestação foi assimilada à quanti- objetos e situações distantes de sua realidade
dade de ocorrências de violência praticadas social. Neste sentido, cabe questionar o papel
nos bailes, somadas aos índices de criminali- da mídia no diálogo e na representação da
dade dos jovens e pesquisas de opinião que diversidade e da alteridade. Enquanto a ver-
fundamentavam essa identidade. Mesmo tente ostentação ganhava visibilidade midiá-
que existissem outras formas de produzir o tica, por um lado, reforçava os estereótipos
funk, o destaque se deu nas produções que e estigmas da violência passíveis de crítica,
estavam em evidência. somando, a estes últimos, os do consumismo
MC Garden, a exemplo, faz parte de uma inconsequente, o status pelo ter, não pelo ser.
vertente chamada “funk consciente” ou “funk
48
Por outro lado, esta mesma mídia produzia do grupo social no qual estão inseridas. Toda-
ainda mais assimetrias entre os grupos, já que via, recentemente, o funk ganhou uma nova
emudecia e fazia invisíveis as vozes destoan- adepta à manifestação musical, que se trans-
tes (ainda que minoritárias e, na gênese, as- formou a partir do contato com essa cultura.
sociadas ao movimento Hip Hop), que ques- Leda Maria Soares Ferreira, a MC Véia, nas-
tionavam sobre as desigualdades e pediam ceu em Mutum, interior de Minas Gerais. Mu-
por mais justiça social, em consonância com dou-se com a família para o Rio de Janei-
os protestos de 2013, bem como daqueles ro aos 14 anos, vivendo em Copacabana até
jovens comuns, que não encontravam mais os 23 anos de idade, quando se casou com
identificação nem com a mídia, distante de um militar. Mudou-se então para o Bangu,
seu cotidiano, tampouco com o funk ostenta- na zona Oeste da cidade. Após sua separa-
ção, que não os representava mais. ção, no ano de 2000, mudou-se para o bairro
Em 21 de agosto de 2014, a revista CartaCa- de Cosmos, considerado um local violento e
pital publicou uma matéria intitulada “Osten- marcado pela pobreza.
tação em crise”, explicando que a decadên- Leda Maria conta que, quando se mudou
cia da vertente não se deve só ao fato de não de Minas Gerais, não teve problemas para se
dialogar com o grupo social de sua origem, adaptar ao território carioca. Ela lembra que,
mas também por seus produtores bloquea- assim que pisou no Rio de Janeiro, se encan-
rem a disseminação das músicas e vídeos na tou com as paisagens e sentiu uma energia,
internet. uma sensação de já ter vivido no local. A fun-
Outras vertentes que devem ser considera- keira chama a atenção para o movimento da
das é o “Proibidão” e “Funk Putaria”. A primei- cidade do Rio de Janeiro, que facilitou a sua
ra retrata a criminalidade ocorrida nas favelas inserção, já que se julga uma pessoa “elétri-
- semelhante ao Gangsta Rap, muitas dessas ca”, agitada. Todavia, a mudança para o bairro
músicas fazendo apologia ao crime, consu- de Cosmos não foi nada fácil. Ela ressalta que
mo de drogas e até, relatando ações reais se mudou para uma comunidade nova, em
de facções criminosas. Essas produções são um barraco, sem dinheiro e sozinha. Portanto,
comercializadas de forma clandestina. Já as teve que se adaptar ao meio e criar formas
letras da segunda retratam a pornografia. As de se inserir no novo contexto social, em um
produções podem ser encontradas em rádios processo de adaptação que envolveu a in-
on-line como a Radio Funk Brasil, disponível corporação de um novo território, e com ele
em http://www.radiofunkbrasil.com.br/. de uma nova cultura, e o desenvolvimento de
um trabalho que lhe garantisse subsistência.
MC Véia Leda Maria disse que a primeira atitude a
tomar, foi arrumar o barraco, cuidando das
O funk sempre esteve associado aos jo- paredes e inaugurando o seu “jardim da in-
vens, com letras consideradas muitas vezes fância”. Cabe lembrar que ela lecionava a
machistas e pornográficas. As produções fe- crianças desde antes de casar. Com esse tra-
mininas ganharam projeção a partir de 1995, balho, conseguiu construir uma casa melhor,
com a funkeira Tati Quebra-Barraco, que em na própria comunidade, e se tornar feliz com
suas letras aborda o sexo e faz uso de pala- o ofício e conquistas.
vrões. Porém, o funk feminino cresceu nos úl- Em entrevista para a Folha de S. Pau-
timos anos, com uma leva de garotas inspira- lo (2014), A senhora de 68 anos lembra que
das em nomes da cultura pop estadunidense. quando se mudou para Cosmos, ficou apavo-
De acordo com matéria publicada no site G1 rada com os vizinhos que tocavam funk a um
(www.globo.com) MC Beyoncé, MC Britney som muito alto. Já na entrevista concedida a
e MC Rianna são alguns nomes escolhidos este trabalho, ela frisa que o estranhamento
para homenagear e para ajudar a conquis- com o funk se deu muito antes de se mudar
tar a popularidade. Geralmente, suas letras para a comunidade. Em suas palavras: “ah,
procuram falar de relacionamentos, exaltar a antes de conhecer o funk de perto, eu não ti-
mulher com atitude, que briga e ostenta os nha uma impressão boa do funk, eu achava
bens materiais. Cabe lembrar que as qualida- algo pejorativo, eu não gostava, não me agra-
des exaltadas são aquelas valorizadas dentro dava aquele som alto, as letras que não acres-
49
centavam nada. Eu dizia: que música boba, o com o ataque da CONCUBINA!”.
que é isso?”. O termo híbrido, abordado por Canclini,
Leda Maria conta que se acostumou com o propõe o encontro entre culturas, partindo
funk e passou a admirar a alegria do “batidão”, da ideia de que são “processos sociocultu-
que a fascinou. Então, ela resolveu trabalhar rais nos quais estruturas ou práticas discretas,
“umas letras melhoradinhas, melhores”, como que existiam de forma separada, se combi-
coloca ao revelar a intenção de envolver- nam para gerar novas estruturas, objetos e
se com a cultura. Para ela, o funk tornou-se práticas” (2008, p. 19). Também a ideia de an-
algo fundamental para sua vida e diz que não tropofagia, antecipada na década de 20 por
“abre mão desse gosto”, que a faz feliz. Oswald de Andrade, pode auxiliar em uma lei-
Em matéria publicada no G1 (globo.com), tura mais complexa do fenômeno, ainda que
Carol Marques conta que MC Veia é bastante em contextos espaciais e temporais distintos:
diferente do perfil da maioria dos jovens de
funk que utilizam gírias comuns ao grupo. A É na brusca mudança da sociedade paulista,
nós, a funkeira afirmou que teve a intenção provinciana, transformada em industrial, na
estética do “choque”, que os modernistas de
de se apropriar da manifestação para tam- 1922 fundam seu imaginário, ou melhor, enraí-
bém produzir conteúdos diferentes, melho- zam suas representações estéticas. E, por bru-
res, portanto, o modifica de forma conscien- tal e violenta, a ruptura dos modos de vida, no
te, mesmo que não em seu todo. quadro de uma cultura urbana, não consegue
No bairro de Cosmos, Leda Maria entrou se expressar senão em um discurso fragmen-
tário desestruturante, enfim, uma retórica que
em contato com os modos de vida local, pas- “esconde” os seus referentes, já que não os
sando a incorporar certas práticas. Em sua pressupõem, antes, pelo contrário, é por eles
página do Facebook3, a funkeira utiliza uma pressuposta (SEPÚLVEDA, 1995, p. 13).
linguagem voltada ao público como a frase
publicada em 16 de setembro de 2014: “Bom Com a produção de sua literatura antropo-
dia, meus novinhos!!! Daqui a pouco Mc Véia fágica, fragmentada, composta de amálga-
voando pra cidade que nunca para! Sampa, mas entre a cultura erudita, a popular e a de
se segura, que eu tô chegando!” Cabe ressal- massa, o que Oswald de Andrade denuncia,
tar que o termo “novinha” é bastante utilizado segundo Sepúlveda, é “a insuficiência daque-
por funkeiros cariocas e paulistas, principal- la literatura “nobre”, apenas possível dentro
mente em letras que remetem ao funk Os- de uma estrutura social esquemática, engen-
tentação e Putaria. A funkeira explica que se drada numa comunidade de lugares previs-
acostumou com o ambiente agitado e com tos, imóvel” (1995, p. 14). Cunha expõe que:
o ritmo do funk, passando então a criar letras “Para Oswald, a antropofagia é a diferença a
que retratam suas experiências de vida. Sua ser ressaltada, reassimilada e afirmada, como
primeira canção, “Concubina”, discorre sobre valor não de traço de origem, e sim de emer-
uma traição, seguindo o perfil do funk femi- gência de uma regra de assimilação a ser in-
nino: “Escuta o conselho da véia/ te cuida, se vertida” (1995, p. 54).
pinta / você é tão bonita / Cuidado com o Contemporaneamente, o funk se dá tam-
ataque da concubina / ela é bonita, cheirosa bém em um contexto de múltiplas ruptu-
/ e sabe que é gostosa / se você não se cui- ras, em que o crescimento desordenado dos
dar / vai perder pra concubina / mostra o teu grandes centros, somado à precariedade das
corpão / e beija o teu machão e diz / morro, políticas públicas, caminha com o aumen-
morro, morro de paixão [...]”. to da violência, a oferta variada de bens de
Outro ponto a se destacar é o uso que Leda consumo e o desencanto diante da falta de
Maria faz da rede social Facebook para tam- perspectivas em todas as instâncias sociais.
bém incitar a interação do público. Referindo- Paradoxal, o funk pode ser lido como mani-
se à música “Concubina”, a funkeira publicou festação que emerge do Hip Hop das perife-
no dia 2 de setembro de 2014 a frase “Marque rias, do protesto, da angústia materializada
aqui sua amiga que precisa tomar cuidado em grito de agressão vindo do agredido, para
_________________
3
Página do Facebook MC Véia: Disponível em <https://www.facebook.com/mcveiaoficial?fref=ts>. Acesso em 07
de out. de 2014.
50
convergir no louvor ao consumo, ao prazer e a diferença dá lugar a outra leitura, mais com-
desembocar nas mídias. É fruto da imprevisi- plexa, e à possibilidade de uma nova ação, a
bilidade e da incerteza, colocando em ques- de “favelar-se”. Leda Maria observou que a
tão a ideia de cultura (e de gosto) musical. música “Favelei” tem a intenção de “quebrar a
Também a história da construção midiática má impressão que se tem da favela”. Ela lem-
de MC Véia vem de uma brusca ruptura so- bra que a sua primeira impressão foi negativa
cial, a qual pode ser vista como um proces- e igual a que qualquer pessoa, que não tem
so de hibridação cultural, ou de antropofagia. contato com a comunidade, teria. Todavia,
Ela própria criou uma música explicando suas isso mudou quando se tornou membro do
relações com o outro grupo social: “Favelei” território, descrevendo, hoje, o morador da
narra a inserção no funk e na cultura da favela: comunidade como “bom de coração, bom
vizinho, amigo e unido ao povo”. Ela ainda
Dei de cara na favela com a turma do Pan- frisa que adora a favela e não pretende dei-
cadão/ eu me assustei/ eu me assustei./ De xar o local. Cabe aqui ressaltar que a funkeira
tanto ouvir o funk/ confesso me amarrei/ Sem
caô, eu favelei/. Gente tão bacana/ que até reconhece o tratamento dado pela mídia à
divide o pão/ Becos e vielas, sempre tem um favela. Ela diz que esses territórios nunca fo-
amigão/ Eu me amarrei e favelei. [...]. Bacana, ram apresentados de forma positiva, exceto,
aí você se engana/ o favelado é gente boa pra recentemente, pela telenovela Global “Babi-
caraca (...). lônia” (2015), que trata a favela de forma posi-
tiva, ainda que distante de sua realidade.
Leda Maria, ao relatar sua experiência nas Mesmo assim, MC Véia permanece com
letras dos funks que compõe, bem como ao traços do estrangeiro, por ser uma senho-
ser retratada pelas mídias, transforma-se em ra, idosa, em um universo jovem. Esse estra-
narrativa, na qual é narradora e também per- nhamento chama a atenção e a transforma
sonagem. Opera-se uma passagem: a dos fa- em um valor-notícia para as mídias, por seu
tos do cotidiano para o plano simbólico, o da componente de inusitado e pelo quê de ca-
realidade interpretada. Leda Maria compõe- ricatura e humor que representam a atuação
se então de inúmeras camadas: a narradora da funkeira idosa, que não é completamente
e a personagem, as quais conjugam a mulher funkeira, mas também que já não pode mais
de classe média, professora, bem-educada, ser considerada uma senhora dentro dos pa-
casada com militar, mas também a esposa drões de comportamento, moradia e vestuá-
abandonada, marcada pelo insucesso finan- rio implícitos como textos culturais de grupos
ceiro e que necessita deixar (por duas vezes) específicos. No processo de midiatização, po-
o seu lugar de origem para adentrar a outra dem ganhar relevo os traços do cômico e do
cultura: de Minas a Copacabana e, depois, ao bizarro, ou seja, a mídia pode vir a operar uma
subúrbio carioca. Todas estas camadas são nova reconfiguração do funk, ao modo de pa-
colocadas, antropofagicamente, em diálogo, ródia. Mas, em que se pese a ação da mídia,
não sem tensões e conflitos, mostrados em o funk já foi transformado por MC Véia a par-
“Favelei”, quando se destaca a favela como tir de suas próprias referências. Ela transfor-
antagonista, representante da diferença, es- ma-se, no contato com o funk, e transforma
tigmatizada e que, por ser estranha, provoca -o, antropofagicamente. Se por um lado, nos
medo. Mas o contato é inevitável e, com ele, conselhos que dá às mulheres em Concubina,
a contaminação, a hibridação. Ao olhar para o reforça-se a ideia de mulher-objeto, que deve
diferente, a favela mostra-se para Leda além fazer os gostos de seu “machão” para não ser
do estigma. Da visão antes indireta, passa-se traída, o uso do humor autoriza um discurso
à experiência vivenciada com o próprio corpo, que reinventa a aventura de existir, apesar do
direta, mídia primária, na qual se materializam abandono. Leda, ainda que abandonada e
as sensações, sentidos e as memórias, a cul- exilada, soube se adaptar e, agora, é famosa,
tura, portanto. está nas mídias e, nas redes sociais, ressalta o
De antagonista, a favela passa a adjuvan- valor da fama e manda “beijo no ombro das
te, compondo-se uma nova narrativa, na qual inimigas”, outra expressão bastante presente
se destacam os laços de solidariedade e do no universo do funk, que ganhou populari-
compartilhar. O movimento de abertura para dade a partir da música “Beijinho no ombro”
51
(2013), de Valesca Popozuda. tarem-se, as formas e linguagens aparente-
Quando canta, MC Véia transforma a estru- mente díspares promovem uma profanação
tura musical do funk, imprimindo-lhe uma ca- tanto do funk quanto da própria Leda Maria,
dência mais lenta, com as letras bem pronun- que se transforma de dona de casa em MC
ciadas e um ritmo que remete às marchinhas Véia. Retomam-se e transformam-se suas ori-
de carnaval e outros ritmos e referências, que gens, ao devorar o funk com uma dose de hu-
podem ser associados ao repertório musical mor, virando-o do avesso.
de Leda, já que revelou em entrevista para a Chamie afirma, sobre Oswald de Andrade:
EGO4 que adora Ângela Maria e Nelson Ro-
drigues, inclusive tendo cantado canções dos A moral oswaldiana, portanto, é a moral do
intérpretes aos 7 anos de idade, em um circo. avesso, ou seja, da irreverência, da ironia, e da
piada, armas de ataque contra a seriedade e
Em seus clipes, ela adota as roupas típicas do seus modelos. Oswald parece ter entendido
universo funk, mas insere também elementos que a atitude séria está sempre do lado direi-
que mais se parecem com fantasias, como os to, e o lado direito, muitas vezes, é um mero
óculos grandes e coloridos, e ainda se mostra fenômeno fruto de um consentimento sem
vestida como uma senhora comum. razão (CHAMIE, 1976, p. 5).
Ao traduzir os elementos do funk, MC Véia
parece transformá-los por meio de um pro- Vale lembrar que entre as máximas coloca-
cesso similar à paródia, que foi recorrente- das por Oswald de Andrade em seu Manifes-
mente utilizada por Oswald de Andrade como to Antropófago está a de que “a alegria é a
uma das formas de tradução antropofágica: prova dos nove”. Seus personagens, a exem-
plo, o Serafim Ponte Grande, do “romance-
Na paródia, elementos distantes aproximam- invenção” de mesmo nome, caracterizam-se
se, dispersam-se os antagonismos, convida- por serem hiperbolicamente caricatos, muitas
se o receptor à participação ativa no processo vezes levados ao grotesco. Tal procedimento
de reconhecimento / negação / valorização sugere uma opção crítica do autor e, mais do
dos elementos incorporados. Reconhecidos
os elementos originais da paródia, reconheci- que isso, uma postura autocrítica.
do o jogo de transmutação, produz-se o riso. Assim, talvez também se possa reconhecer
(SILVA, 2007, p. 22). em MC Véia, para além de uma caricatura de
Leda ou do funk, para além do cômico explo-
Portanto, a partir de uma referência a um rado pelas mídias, aspectos críticos de um
texto anterior, chega-se a um novo texto, no existir no qual o imprevisível é a tônica. Para
qual se destacam elementos que servirão este imprevisível, converge uma utopia da to-
para hiperbolizar o humor. Quando nos refe- lerância, apreendida na visão antropofágica:
rimos a texto, trata-se do texto na concepção
de Lotman (1978), ou seja, a de uma unida- Tolerar é definir o ponto até onde se pode ir, é
de da cultura, capaz de produzir sentidos. No aceitar sabendo, e acatar e ser crítico ao mes-
mo tempo. Tolerar é pesar, é “delimitar o cír-
caso de MC Véia, a mescla se faz entre os tex- culo do seu horizonte”, ainda com Nietzsche,
tos da música, da dança e do vestuário. São é não permitir que o egoísmo impeça que o
séries culturais que compõem o texto da cul- olhar se articule “ao horizonte de outrem”. Para
tura funk, alterada pela cultura de origem de assim não se morrer “por moleza ou pressa ex-
Leda Maria. cessiva”. Tolerar, e é Silviano quem traz esse vo-
cabulário para nós, estudiosos de hoje, implica
Do funk carioca, restam elementos do ritmo “a serenidade, a boa consciência, a alegria na
(ainda que alterado), da dança, e do vestuá- ação, a confiança no futuro”. Tolerar é saber
rio: o boné, as correntes grossas, as camisetas pesar. Ou, com Nietsche também, “demarcar
com inscrições em inglês. Ingressam elemen- entre o que é claro e pode abarcar-se com o
tos estranhos, tais como os coloridos e enor- olhar e o que é obscuro e confuso”. Para, as-
sim, podermos “esquecer a tempo”; “recordar
mes óculos de carnaval, o canto articulado de a tempo” (SANTOS, 1995, p. 104).
Leda, sua maturidade. Somados, estes com-
ponentes operam uma provocação. Ao jun-
_________________
4
Aos 67 anos, MC Véia é a nova sensação do funk: ‘Era meu sonho’. Disponível em: <http://ego.globo.com/famo-
sos/noticia/2014/08/aos-67-anos-mc-veia-e-nova-sensacao-do-funk-era-meu-sonho.html>. Acesso em 07 de
out. 2014.
52
E se a consciência de que tudo é incerto vai estar envolvida com culturas diversas. Com
de par com a necessidade de se compreen- relação aos processos híbridos, Robert Park
der a diferença, só resta rir de quem pensa- defendeu que o indivíduo marginal é acultu-
mos que somos. rado pela necessidade de adaptação, como
reforça Coulon (1995), ao afirmar que mistu-
O Trabalho em MC Véia rando a cultura de origem à outra, ele é capaz
de construir uma nova identidade sobre o seu
Leda Maria leciona para crianças desde ser.
quando solteira. Ela diz que em todos os lo- De acordo com Park (1921, apud COULON,
cais por onde passou, teve a educação como 1995), ocorre um processo de desorganiza-
ofício. Como apresentamos anteriormente, foi ção-reorganização social em que diferentes
exatamente essa função que a fez se reestru- grupos sociais sofrem até se estabelecerem
turar quando se mudou para Cosmos. Hoje, dentro de um novo contexto social. Para o
aos 68 anos, ela é aposentada e dedica-se ao autor, esse processo ocorre em quatro eta-
funk. Escreve letras, grava músicas e clipes, pas progressivas, sendo elas a rivalidade, o
apresenta-se em shows e programas de TV. conflito, a adaptação e a assimilação, que re-
Sustenta que o funk é uma forma de tra- sultariam na integração e conversão forçada
balho que a faz ocupar-se e sentir alegria, de um indivíduo à nova cultura, a fim de re-
mas que não traz retorno financeiro. Às vezes, duzir os conflitos até que as diferenças fos-
ganha pouca quantia em shows, mas espera sem diluídas, transformando o indivíduo. No
que essa realidade mude. Cabe ressaltar que início de seu estudo, Park defendia que, por
essa realidade não é diferente da de inúmeros meio dessas etapas, os indivíduos adquiriam
funkeiros e rappers brasileiros, cujo trabalho memória, sentimentos e atitudes do outro,
pode ser prazeroso, mas não produz retorno ao compartilhar suas experiências e história.
financeiro. No caso de rappers que possuem No entanto, o próprio autor negou essa rela-
a intenção de usar a música como ferramenta ção posteriormente, ao rejeitar a hipótese da
de conscientização social, resta o encanto em aceitação comum, ressaltando que os grupos
exercer a missão de contribuir socialmente. E de indivíduos participam do funcionamen-
esse talvez seja o principal caminho de MC to da sociedade sem perder suas particula-
Véia, que descobriu na música uma forma de ridades (PARK,1914). Ou seja, não ocorre uma
disseminar experiências sociais. diluição total de culturas divergentes, mas
adaptações e, consequentemente, produtos
MC Véia e a questão do território híbridos. Esse é o caso de MC Veia que, inse-
rida em um novo contexto social, apropria-se
A interação de Leda Maria com a comuni- da cultura local, transformando-se e também
dade de Cosmos, que parecia estar bem dis- a transformando, como fez com o funk.
tante de sua realidade anterior, remete aos
Estudos da Escola de Chicago, que define CONSIDERAÇÕES FINAIS
como “personalidade marginal” quando “um
indivíduo se vê involuntariamente iniciado em É certo que a visão antropofágica de Oswald
duas ou várias tradições históricas, linguísti- de Andrade, como bem analisa Lima (1995),
cas, políticas ou religiosas, ou em vários códi- comporta uma utopia, com aspectos equivo-
gos morais” (PARK, 1937, apud COULON, 1995). cados, tais como a libertação do homem pela
Os estudos sustentam que o indivíduo mar- técnica, quando o ócio reinaria no Matriarca-
ginal é produto de um processo de desorga- do de Pindorama. E Lima ainda pondera (1995,
nização social, que ocorre quando a pessoa p. 97): “A cotação da utopia está em baixa, o
pertence a uma cultura diferenciada e que, horizonte utópico e, portanto, os planos de
portanto, não se insere totalmente na cultura uma sociedade mais justa num mundo mais
dominante. humanizado estão fora de moda”.
Por meio dessas considerações, torna-se Em que se pesem os equívocos apontados
possível entender Leda Maria como um indi- por Lima (idem), o crítico louva o fato de que
víduo marginal, ou seja, uma pessoa poten- Oswald de Andrade tenha trazido a utopia
cialmente produtora de culturas híbridas, por para o centro de sua discussão. Mais do que
53
isto, acrescentamos, a manutenção de uma veia.shtml>. Acesso em 04 de set. de 2014.
utopia talvez seja o maior acerto do poeta.
Pensando nesta utopia, concluímos que BUENO, André. A felicidade guerreira – Os-
a personagem de MC Véia pode oferecer a wald de Andrade e as utopias. In: TELES, Gil-
leitura de muitos processos de alteridade, a berto Mendonça. Oswald Plural. Rio de Janei-
começar daquele que coloca em jogo duas ro: Ed. Da UERJ, 1995.
personagens: Leda, a senhora, dona de casa,
cuja jornada heroica consiste em múltiplos CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas.
deslocamentos e adaptações territoriais e de São Paulo, SP: Editora da Universidade de São
cultura. A trama de Leda envolve o chamado Paulo, 2008.
para o amor, o abandono do lugar de origem
para seguir o outro, o marido, em seguida, a CARNEIRO, Geraldo. A influência da obra
mudança de casa, de cultura e de vida, trai- oswaldiana na poesia dos anos 70 e no tro-
ções que resultam nas perdas do afeto e da picalismo. In: TELES, Gilberto Mendonça. Os-
identidade e na necessidade de um novo wald Plural. Rio de Janeiro: Ed. Da UERJ, 1995.
deslocamento, para um ponto mais distante
e mais desconhecido. É esta personagem que CHAMIE, Mário. A linguagem virtual. São
contracena com MC Véia, a mulher reinventa- Paulo: Quíron, Conselho Estadual de Cultura,
da no contato com o diverso que construirá 1976.
uma outra narrativa, na qual se destacam os
aspectos positivos dessa experiência de insu- COULON, Alain. A escola de Chicago. Cam-
cesso amoroso e financeiro, em uma aborda- pinas, SP: Papirus, 1995.
gem cuja tônica é o humor, capaz de mostrar
o avesso das coisas, invertendo valores e es- CUNHA, Eneida Leal. A antropofagia, antes
cancarando o absurdo da condição humana, e depois de Oswald. In: TELES, Gilberto Men-
com todas as suas incertezas. donça. Oswald Plural. Rio de Janeiro: Ed. Da
Neste processo, carregado de tensões, não UERJ, 1995.
é possível saber até que ponto Leda “fave-
lou”, ou em que medida foi o funk que sofreu FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain. Oswald de
a ação de Leda, agora MC Véia. E também Andrade e a descoberta do Brasil. In: TELES,
não se pode estabelecer os limites entre a mi- Gilberto Mendonça. Oswald Plural. Rio de Ja-
diatização do funk e a favelização da mídia. neiro: Ed. Da UERJ, 1995.
Ocorre, sim, uma possibilidade dialógica e
polissêmica de se compreender o funk e seu G1. MC Britney e MC Rianna fazem sucesso
universo, longe dos preconceitos e juízos de no funk usando nomes de cantoras pop.
valor e de gosto, a partir de uma visada mais Disponível em: <http://extra.globo.com/
complexa, não excludente, em que o trânsito tv-e-lazer/musica/mc-britney-mc-rianna-
entre as diferenças persiste ante as tensões fazem-sucesso-no-funk-usando-nomes-
que se apresentam no contato com o outro. de-cantoras-pop-12185573.html#ixzz3CB-
QI1iy6>. Acesso em 02 de set. 2014.
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54
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cação e cultura antropofágicas: Mídia, corpo
e paisagem na erótico-poética oswaldiana.
Porto Alegre: Sulina; Sorocaba: Eduniso, 2007.
55
A OUTRA REVOLUÇÃO: IDENTIDADE FEMININA EM
TERRITÓRIOS INFORMACIONAIS CONTEMPORÂNEOS

Daniela Rosa de Oliveira Lima


Universidade de Sorocaba
daniela.rosa@uniso.br

Paulo Celso da Silva


Universidade de Sorocaba
paulo.silva@prof.uniso.br

RESUMO
O processo de globalização criou territórios em que as tecnologias de comuni-
cação e informação são fenômenos formadores do espaço social e todo entorno
que o orbita. Esses territórios são chamados territórios informacionais em razão
de toda vida e percepção social, assim como as identidades, são transformadas e
mediadas por dispositivos móveis. Tomando como ponto de partida a identida-
de feminina brasileira contemporânea e, por extensão, as múltiplas identidades
de Nuestra América, esta pesquisa inicial tenta analisar se as tecnologias inter-
ferem nas identidades ou não. Para isso, propomos uma identidade tecnofem-
me, pois na contemporaneidade faz-se necessário avançar a uma construção, ou
seja, a identidade está sempre em processo de transformação. Resta verificar a
possibilidade de pensar também como uma revolução.

Palavras-Chave: Identidade Feminina, Tecnofemme, Nuestra América, Tecnolo-


gias.

ABSTRACT
The globalization process has created territories in which the information and
communication technologies are composing phenomena to social space and all
around it. Such territories are called informational territories, because the whole
living and social perception therein, as well as the identities are transformed and
mediated by movable devices. Setting out from the contemporaneous Brazilian
female identity and, by extension, from the multiple identities of Nuestra Ameri-
ca, this initial research attempts to analyze whether technologies may or may not
interfere with identities. Thereto one proposes a techno-femme identity, as in the
contemporaneousness it is necessary to forward to a construction of it, that is,
the identity is always a transforming process. One must also consider the possi-
bility to think of it as a revolution.

Keywords: Female Identity, Techno-femme, Nuestra America, Technologies.


56
INTRODUÇÃO

A
s primeiras décadas do século XX, subalterna da mulher. Patrícia Galvão, na obra
no Brasil, foram caracterizadas por Parque Industrial, de 1930, primeiro romance
mudanças na estrutura social bra- proletário, no qual a vida na fábrica, nos cor-
sileira com o aumento das popula- tiços do bairro paulistano do Brás, é o cenário
ções urbanas e a hegemonia das atividades de pequenos dramas quotidianos centraliza-
industriais, principalmente no Sudeste. A vida dos no amor, no sexo e no dinheiro. As déca-
urbana trouxe em seu bojo modos diferen- das de 1940 – 1960 são cruciais para a fixação
tes de agir e responder às demandas que a desse modelo de sociedade patriarcal e suas
sociedade industrial impunha, isso fica mais diferenças e antagonismos de gênero.
evidente na distribuição do trabalho entre os Quando adentramos a década de 1960,
gêneros. processos em curso de grandes mudanças
Nos primeiros anos da implantação indus- sociais estão ocorrendo em várias partes do
trial, o nascente e inexperiente empresaria- mundo ocidental. Pela primeira vez na histó-
do, opta pela mão de obra feminina e infantil ria, os jovens podem ser jovens e querem ser
como forma de garantir maior acumulação e ouvidos. Exemplo claro disso é que a palavra
lucros, pagando menores salários a esse ope- Teenager não existia, na Inglaterra e EUA até
rariado. A mão de obra masculina ficava restri- essa década, passava-se da infância (até 12
ta a alguns técnicos, mestres e contramestres. anos) para a vida adulta, inclusive no vestuá-
Isso criou, no decorrer dos anos, uma dife- rio. Descontentes com o mundo criado pelos
rença salarial entre os gêneros que acompa- adultos é importante recordar que os adoles-
nhava o que havia ocorrido em outras áreas centes dos anos 1950-1960 nasceram ou du-
industriais, entretanto, também possibilitou rante a grande guerra, ou na reconstituição
que, com o correr dos anos, a mão de obra dos países no pós-segunda guerra, estes jo-
feminina também se especializasse e “não vens puderam sonhar outro mundo possível e
dependesse dos homens para viver”, ou seja, com outros valores e igualdades.
uma tecelã, como mão de obra especializada O desenvolvimento da pílula anticoncep-
e necessária que se constituía, não precisava cional, a primeira foi Enovid-R, foi descoberta
“casar para ser sustentada”, ela mesmo ga- quando os médicos buscavam uma maneira
nhando menos que os homens, poderia sus- de resolver a esterilidade feminina, mas des-
tentar-se. cobrem um contraceptivo eficiente que vai
Os anos 1930 e em especial durante a dita- modificar ou alterar o comportamento dos
dura Vargas foram cruciais para a formação gêneros nos anos seguintes. Abria-se a pos-
da cultura dos gêneros no Brasil. Apoiado por sibilidade da mulher ter domínio de seu cor-
forte aparato comunicacional da época – rá- po, mas isso ainda precisaria de tempo e luta
dio, jornais, revistas, propaganda etc. – e pe- para ser conquistado, pois valores como a vir-
los órgãos de Educação e Saúde, foram “re- gindade e a opressão sexual feminina eram
modelados” os valores entre os gêneros, isto fortemente enraizados na identidade dos
é, ensinavam-se como deveriam portar meni- dois gêneros.
nas e meninos, quais seriam os trabalhos mais Em vista disso, uma vez iniciada a luta pela
dignos para cada um e o que “o Brasil espera- igualdade e liberdade feminina, o processo
va deles”, visto que eram “o futuro da Nação”. não mais parou, tendo avanços e retroces-
Aquelas pertencentes às classes trabalha- sos, mas conseguindo modificações, inclusive
dores – isto é, pobres – sobrava o adjetivo de legais, na sociedade patriarcal dominante. É
‘coitadas’, tendo em vista de que não havia nesse momento que o movimento feminista,
ninguém para sustenta-las. Percebe-se clara- existente desde, pelo menos, o final do século
mente a intenção de moldar uma sociedade XIX, ganha corpo e a mídia, assimilando e sen-
urbana com valores da sociedade patriarcal: do assimilado por outras lutas políticas como
reproduzia-se na cidade o patriarcalismo pre- os Black Panthers, Hippies e Hyppies; e esté-
dominante no campo reforçando a situação ticas como os vários estilos do Rock, a Moda
57
(como a minissaia de Mary Quant, p. ex.) as reconhecimento científico tardio apenas no
artes (Leila Diniz, no cinema, revistas e TV bra-século XX, incluindo uma homenagem do U.S.
sileiras); Cacilda Beker (e dezenas mais), teatroDepartment of Defense nomeando de Ada à
e TV; Wanderleia, Cely Campelo (e outras tan- uma nova linguagem de computação.
tas!), na música; Ligia Clark e Maria Martins, Assim, a tecnofemme poderia ser pensada
nas Artes Plásticas). como um centro de mídias no qual, o diálo-
Esse estopim do processo no Brasil, que go entre o orgânico (femme) e o tecno ocorre
acompanhou o movimento mundial, graças com menos resistência e mais assimilação à
a algumas personagens, encontra no final uma lógica diferente ao invés da dominação
dos anos 1990 e início do 2000 um territó- da técnica. Essa assimilação de outra lógica,
rio diferenciado para sua expressão, a saber, traz também a aceitação e incorporação das
o território das tecnologias da comunicação tecnologias biológicas (silicone, botox, chips
e informação. O advento e desenvolvimento etc.). Contudo, recebendo acirradas críticas,
da Internet e das tecnologias móveis, em es- de muitos setores e grupos, contrários às pró-
pecial o celular, modificaram a forma como as teses - consideradas por eles - estéticas. Vale
identidades podem ser postas em redes di- indicar, mesmo que a título de reflexão, que
versas (físicas, virtuais, mistas). Interessamos as próteses atuais carregam grandes cargas
aqui pensar a identidade feminina. de ciência e tecnologia, além de psicológi-
De uma maneira geral e sintética, pode-se cas que podem ser diferenciais importantes
definir a identidade, como uma maneira de naquela pessoa. Alguns aparatos são tão in-
tratar, dentro do universo da história e da pro- corporados a imagem e ao caráter, que se
dução culturais, temas como conflitos étnicos tornam um símbolo, por exemplo, o batom
(identidade e diferença), hierarquias sociais vermelho de Patrícia Galvão, a PAGU, nos seus
(identidades raciais e de gêneros) e a geopo- 20 anos; ou os brincos e o penteado de Tarsila
lítica cultural (identidades nacionais sob pres- do Amaral, os óculos redondos e grandes de
são da cultura global). Janis Joplin.
Reconhecida a Tecnofemme, cabe voltar e
A construção da identidade definir identidade. Castells compreende que
Identidade é a “fonte de significado e expe-
A identidade feminina é um momento da riências de um povo” e ampliando com Ca-
identidade mulher, ou ainda, tais identidades lhoun (Castells, 2000, p. 22) reflexiona:
são construções sociais para assegurar a con-
tinuidade do dualismo político - homem≠mu- Não temos conhecimento de um povo que
lher - necessário à condução/manutenção do não tenha nomes, idiomas ou culturas em
que algumas formas de distinção entre o eu
status quo e do ethos ocidental, construídos e o outro, nós e eles, não seja estabelecida....
em temporalidades de tecnologias mecâni- O autoconhecimento-invariavelmente uma
cas. construção, não importa o quanto possa pare-
Propomos pensar a tecnofemme da quarta cer uma descoberta – nunca está totalmente
revolução industrial, aquela baseada na IoT (In- dissociados da necessidade de ser conhecido,
de modos específicos, pelos outros.
ternet of Things, ou Internet das Coisas), iden-
tidade que mantêm e reforça as dificuldades
A construção social da identidade sempre
tecnosociais trazidas por essa materialidade,
ocorre em um contexto marcado por relações
a saber: a insegurança no processamento dos
de poder, propondo uma distinção de três
dados ainda presentes nos produtos IoT apre-
formas e origens de construção de identida-
senta-se igualmente em outros segmentos
de:
do cotidiano da tecnofemme. Recordamos,
porém, que mulheres envolvidas no universo Identidade legitimadora: introduzida pelas
tecnológico do processamento de dados não instituições dominadoras;
é algo novo, Augusta Ada Byron - Lady Lo- Identidade de resistência: criada por pessoas
velace (1815-1852) é reconhecida como a pri- que se encontram em posições, condições de
meira mulher a trabalhar com esse segmento. desvalorização;
Identidade de projetos: quando as pessoas
Filha da matemática Anne Isabella Milbanke utilizam qualquer tipo de material cultural
e do poeta Lord Byron, seu trabalho teve um ao seu alcance e assim constroem uma nova
58
identidade. Esse é o caso do feminismo que
(whatsapp, facebook), principalmente nos
abandona a resistência da identidade e dos
centros urbanos. Retomando, já Em meados
direitos da mulher para fazer frente ao patriar-
da década de 1990, o desenvolvimento de
calismo, à família patriarcal, e assim, a estrutu-
ra de produção, sexualidade. redes inalâmbricas e a telefonia móvel trou-
xeram um elemento a mais para configurar a
Retomando a identidade tecnofemme, a revolução em curso. Naquela década, confor-
construção de sua identidade pode ser pen- me Castells (2000, p.129):
sada como uma identidade de projeto na
qual o feminismo estaria em busca de uma Cerca de 85% da população mundial está co-
nectada com celulares. A Europa sai na frente,
identidade mais ampla, tendo em vista que o
mas a penetração de celulares entre a popula-
projeto dessa identidade, parece indicar que, ção latino-americana já atingiu 80%. Em paí-
superou a dicotomia simplista do patriarcado ses como a Argentina, esse número sobe para
-matriarcado. 115% percentual similar ao dos estados Unidos.
Levar a tecnociência acoplada ao corpo A tecnologia móvel é a que já se desenvolveu
mais rápido na história da humanidade. Em
também pode ser uma forma de empode-
1991, havia 16 milhões de celulares no mun-
ramento psicosocial, uma maneira de inclu- do. Atualmente são 5.500 bilhões. A difusão
são - potencial - na sociedade global. Ao não da telefonia móvel nos 18 países analisados
confrontar o patriarcado, por opção política, a está claramente acima da média mundial:
identidade tecnofemme coloca em segundo para cada 100 habitantes da América Latina,
existem 92 linhas de celulares ativas. A média
plano os valores do patriarcado, uma “institui-
mundial é de 68 linhas por 100 habitantes.
ção secular” (e poderosa) que constrói iden-
tidades desde séculos e inclusive indica os
Certamente, para 2016, esses números já
caminhos das revoluções anteriores nas quais
ultrapassaram os 100 linhas/celulares x100
as mulheres foram peças chaves nas vitórias,
habitantes e, a priori, podemos dizer que a
porém, com uma minoria, sendo assimilada
maioria são usuárias.
nos programas e projetos dos vencedores.
Mesmo com as pesquisas iniciais, o cenário
CONCLUSÃO
aponta para novas formas de apoderamen-
to das mulheres com - também - resultados
A identidade tecnofemme proposta neste
novos para o feminino como um todo. As-
trabalho, reforçamos, é uma construção que
sim, lutas históricas pelo apoderamento ga-
ainda está em seus inícios, pois participa de
nham novas ou atualizadas temáticas, como
um projeto maior de dissertação de mestra-
as trazidas pela IoT; e temas mais tradicio-
do. Nesse sentido, este artigo, independen-
nais, como a igualdade de gênero, ampliam
te das citações feitas, constitui-se também
a abrangência ou caminham para buscar o
como um ensaio no qual os insights e o apon-
reconhecimento da diferença sob certas con-
tar de ideias são mais constantes. A identida-
dições sociais, muitas vezes resultado de dé-
de tecnofemme difere então, de outras pos-
cadas de enfrentamentos. Assim, o aumento
sibilidades de pensar a identidade feminina,
da complexidade e o enfraquecimento da
pelo uso de tecnologias de comunicação que
dualidade simplista entre homens-mulheres,
atendem às necessidades de contato e regu-
configura um outro ambiente na construção
lação de parcelas de mulheres que possuem
de identidades. Nesse sentido, é necessário
acesso a ela. A identidade em-si não configu-
pensar que em Nuestra América parece ha-
ra, todavia, um grupo fechado, mas um co-
ver um hiato entre as tecnologias e o aces-
letivo heterodoxo espalhado pelos territórios
so a elas, seja masculino ou feminino, que foi
informacionais ou não. Estes, não são contí-
“abrandado” pela maior entrada, e até mes-
guos, mas pontos ou nós em territórios dís-
mo banalização, do uso dos celulares, muitas
pares, unidos em redes inalâmbricas, pode-
vezes mais caros e com menor qualidade que
mos inferir que a unidade se dá pelos satélites
os encontrados em países desenvolvidos. En-
que distribuem sinais ou por torres distribuí-
tretanto, essa banalização possibilitou uma
das desigualmente em territórios escolhidos.
entrada maior, mesmo com custo maior indi-
Na dialética da transmissão, geralmente elas
vidual, de grandes contigentes de mulheres
ocupam espaços que foram deixados à mar-
ao universo informacional e às redes sociais
gem pelo capital imobiliário. São metros qua-
59
drados de terra - fixos - com valor reduzido HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-
que, ao receber a torre, garantem o retorno Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
do valor em transmissões - fluxos. Os fixos e
fluxos, territorializam. E reterritorializam iden- BESSE, K. Susan. Modernizando a desigual-
tidades em formação, independente da cons- dade. São Paulo: Editora: Universidade de São
ciência desse processo. Paulo, 1999.Floresta: vida e obra. Natal: Edito-
A identidade tecnofemme recria aquelas ra Universitária\UFRN, 1995.
reuniões familiares do passado, sociais, etc
em que as mulheres ficavam reunidas na co-
zinha e era um momento de reforçar os vín- http://veja.abril.com.br/especiais/mulher/
culos femininos, trocar experiências em torno paradoxo-tristeza-feminina-p-044.html
de temas que eram considerados comuns, http://almanaque.folha.uol.com.br/anos60.
cotidianos com família, culinária, filhos. Ain- htm http://www.fcc.org.br/bdmulheres/se-
da que pareça um papel secundário, com rie2.php?area=series
temas de menor valor social, esses espaços
de encontros e relacionamentos, estreitavam http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noti-
laços entre as mulheres e ainda mantinham, cia/2012/04/cresce-participacao-de-mulhe-
de forma clara, a estrutura que as sociedades res-no- mercado-de-trabalho-revela-o-cen-
“exigiam”. As redes sociais recriam a forma de so.html
estreitamento dos laços e temas do feminino
e, a priori, queremos considerar, sem manter http://meuartigo.brasilescola.com/sociolo-
uma única estrutura mas, ao contrário, as re- gia/analise-historica-mulher-mundo-traba-
des possibilitam vários avanços na abertura e lho.htm
manutenção dos papéis.

REFERÊNCIAS

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economia, sociedade e cultura, vol. 2 - O po-
der da identidade. Tradução Klauss Brandini
Gerhardt. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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SANTOS, Milton. Por uma outra globaliza-


ção. Do pensamento único à consciência uni-
versal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
60
A TRAJETÓRIA DAS MULHERES NO MERCADO DE
TRABALHO DO BRASIL
Mauro Maia Laruccia
Universidade de Sorocaba
mauro.laruccia@gmail.com

Wilton Garcia Sobrinho


Universidade de Sorocaba
wgarcia@usp.br

Rogério Galvão da Silva


Fundacentro
rogerio@fundacentro.gov.br

Sacha Darke
University of Westminster, Londres
s.darke@westminster.ac.uk

RESUMO
Este trabalho analisa a trajetória das mulheres no mercado de trabalho, tendo
como foco a desigualdade de gênero no campo organizacional, bem como as
dificuldades de ascensão das mulheres e as implicações que influenciam no de-
sempenho de suas atividades. Trata- se de uma pesquisa descritiva quanto à
tipologia, que utilizou o levantamento survey quanto aos procedimentos e um
estudo quantitativo quanto à abordagem. O problema da pesquisa foi: como é
percebido o processo de nivelamento de gênero nas organizações, pelas mu-
lheres? Foram formuladas as seguintes hipóteses: 1) As mulheres sentem-se des-
motivadas quando tem a percepção da desigualdade de gênero existente na
cultura organizacional da empresa em que trabalham; 2) As mulheres tentam
constantemente provar que tem a mesma capacidade de trabalho que os ho-
mens; 3) Muitas mulheres desconhecem seus direitos e acabam se submetendo
a ganhar salários inferiores aos dos homens; 4) Atualmente vem ocorrendo gra-
dualmente processo de nivelamento da diferenciação de gênero no mercado de
trabalho. Foi possível comprovar todas as hipóteses, por meio dos dados obtidos
pela pesquisa de campo, bem como que muitas barreiras foram quebradas, po-
rém a desigualdade e diferenciação de gênero ainda são percebidas nas organi-
zações pelas mulheres.

Palavras-chave: Mulher, Emprego, Motivação, Desigualdade.


61
INTRODUÇÃO

A
mulher tem sua participação cada continuam com uma visão retrógada a esse
vez mais ativa no mercado de tra- respeito.
balho, porém a desigualdade so- Para Passos e Nogami (2009):
cial esta ainda presente nos dias de
hoje. Segundo dados do Instituto Brasileiro [...] a Ciência Social que estuda como as pes-
de Geografia e Estatística – IBGE, divulga- soas e a sociedade decidem empregar recur-
sos escassos, que poderiam ter utilização al-
dos no dia 08 de março de 2010 na pesquisa ternativa, na produção de bens e serviço de
“Mulher no Mercado de Trabalho: Perguntas modo a distribuí-los entre as várias pessoas
e Respostas”, as mulheres têm muito mais es- e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as
tudos, mais ainda ganham menos que os ho- necessidades humanas (PASSOS E NOGAMI,
mens e segundo dados da pesquisa realizada 2009, p.5).
pela Organização Internacional do Trabalho
– OIT – Igualdade de gênero e raça no tra- De acordo com pesquisas realizadas pelo
balho: avanços e desafios – ainda existe uma IBGE entre 2003 e 2009, com a entrada da
lacuna significante entre homens e mulheres mulher no mercado de trabalho, a economia
em relação a oportunidades e qualidade de sofreu um grande impacto, pois o número de
emprego. mulheres responsáveis pelos domicílios vem
Assim, o problema da pesquisa é: é perce- aumentando gradativamente.
bido o processo de nivelamento de gênero
nas organizações, pelas mulheres? Perante os As desigualdades entre homens e mulhe-
fatos, as hipóteses ou suposições para este res
trabalho podem ser traduzidas com: 1) As mu-
lheres sentem-se desmotivadas, quando tem As desigualdades entre homens e mulheres
a percepção da desigualdade de gênero exis- no mercado de trabalho não são determina-
tente na cultura organizacional; 2) As mulhe- das pela diferença biológica existente entre
res tentam constantemente, provar que são eles, e sim pela definição que a própria socie-
tão capazes, ou mais, do que os homens e dade faz de cada gênero. As crianças crescem
que merecem direitos iguais; 3) Muitas mu- ouvindo que azul é cor de menino e rosa cor
lheres desconhecem seus direitos e, por isso, de menina, carrinho é brinquedo de menino e
acabam se submetendo a ganhar salários in- boneca brinquedo de menina. Se uma meni-
feriores aos dos homens; 4) Está havendo um na resolve brincar com carrinhos a sociedade
processo de nivelamento da diferenciação de já passa a enxergar essa criança com os olhos
gênero no mercado de trabalho. do preconceito.
Esta pesquisa irá investigar e analisar a per- Hoje menos evidente, a desigualdade ain-
cepção das mulheres, no que diz respeito ao da persiste, porém não dá sinal de acabar. As
processo de nivelamento de gênero nas or- mulheres ocupam posições de inferioridade,
ganizações. A realização deste trabalho teve em um mundo, onde os homens ocupam po-
origem no antigo pensamento que a atenção sições privilegiadas, consequência da cultu-
dada pelas mulheres ao lar, ao marido e aos ra patriarcal das sociedades, entretanto, não
filhos poderia representar um empecilho ao foi sempre assim, houve um tempo, ainda no
trabalho e que somente os homens poderiam contexto social primitivo, em que o matriar-
ser chefes de família. Atualmente essa visão calismo era dominante.
está ultrapassada, o que era visto antes como Segundo Leite (1994):
um fator negativo, hoje é encarado como
O surgimento do patriarcalismo foi fatal à su-
uma qualidade, pois elas conseguem conci- premacia e à autonomia da mulher. Ela e seus
liar uma dupla ou tripla jornada com grande filhos passam de escravos do pai, ou do irmão
flexibilidade, colocando-as cada vez mais no mais velho, para escravos do marido. Estava
mercado de trabalho, porém ainda se encon- definitivamente encerrado o período histórico
tram casos em que algumas organizações em que a mulher respondia pela unidade fa-
miliar, pela organização da sociedade e pela
62
herança dos bens (LEITE, 1994, p. 23). truir, inculca aos alunos [...] um conjunto de va-
lores e atitudes [...] Assim, aprende-se ali certa
concepção da inteligência que torna legítima
As dificuldades e obstáculos encontrados a divisão entre bons e maus alunos; também
pelas mulheres para alcançar a igualdade de se aprende ali uma certa concepção do mas-
gênero variam de acordo com cada país, cada culino e do feminino, que permite perceber
tradição, cada cultura e com o nível de desen- como normal o fato de meninos e meninas
volvimento de cada gênero, que de certa for- desenvolverem determinado comportamento
ou manifestarem determinada competência
ma acaba sendo bem semelhante. (DURAND- DELVIGNE E DURU-BELLAT, apud
A globalização e consequentemente os MARUANI E HIRATA, 2003, p. 101).
avanços tecnológicos, têm contribuído para
quebra das barreiras existentes entre homens Esses hábitos, atitudes e comportamentos
e mulheres, porém esses avanços ainda não são caracterizados pela cultura de cada famí-
são suficientes para obtenção da igualdade lia e pela educação considerada formal. So-
nas organizações, para o cumprimento das mente o fato de ter nascido homem ou mulher
leis existentes e pelos valores impostos e exi- já apresenta características diferentes, cada
gidos pela sociedade. A desigualdade tende qual com suas crenças, seus valores, seus cos-
a se reduzir no mercado de trabalho, devido a tumes e vestuários, os tornando parte de um
uma grande evolução da mulher na área pro- grupo e de uma sociedade, sociedade essa
fissional. que por muitas vezes e em diversas partes do
Para Maruani e Hirata (2003) as mudanças mundo de forma significativa, desvaloriza a
que ocorreram no mercado de trabalho, dos mulher em relação ao homem, incentivando a
anos 1970 até hoje, tanto no Brasil quanto na desigualdade social entre os sexos.
França, foram bastante significativas e como Diferenças existentes até hoje, porém estão
dizem: as diferenças salariais diminuíram um entrando em um processo de mutação. A no-
pouco, algumas profissões masculinas foram ção de gênero tem servido de base para indi-
feminilizadas sem se desvalorizar, algumas car a criação inteiramente cultural das idéias
mulheres podem ter carreiras menos estag- sobre os papéis próprios aos homens e às
nadas, contudo observa-se ainda a injustiça, mulheres (SCOTT, 1988).
comparando-se salários, nível de escolarida- A participação feminina vem se destacan-
de, formação e qualidade adquiridas pelas do pela coragem, determinação, persistência,
mulheres nos últimos anos, com as condições sofrimento e pela personalidade de forte ca-
de trabalho e emprego das mulheres em todo ráter do sexo tradicionalmente considerado
o mundo. frágil.
A sociedade constrói uma imagem do ho- Muito se afirma em igualdade entre ho-
mem e da mulher influenciada pelos valores mens e mulheres, porém o que realmente se
sociais, econômicos e culturais. Quando as encontra é a grande discriminação nas prá-
crianças nascem, recebem um nome que irá ticas sociais e no comportamento que cada
identificar o seu sexo. A medida que essas indivíduo sofre devido ao seu sexo, sendo
crianças vão sendo criadas e educadas, pas- desfavorecido ou favorecido em uma deter-
sam a aprender o que é ser homem e o que é minada situação, pelas injustiças sofridas e
ser mulher, tão logo apresentem preferências pelo tratamento desigual no desempenho de
por cores consideradas corretas para o seu mesmas tarefas.
gênero: meninos azul e meninas rosa e pre- As desigualdades são identificadas quando
ferências por brinquedos: meninos carrinho e é notável uma distinção, restrição exclusão
meninas boneca. Neste momento é construí- ou preferência por um determinado gênero,
da a formação do gênero. A família, a escola onde não há nenhum tipo de embasamen-
e a sociedade, ensinam hábitos, comporta- to que justifique esse tratamento. Busca-se
mentos e atitudes considerados mais apro- constantemente estabelecer para homens e
priados para meninos e para meninas e é essa mulheres nas atividades e no desempenho de
construção que mais tarde vem a influenciar uma mesma função o fim da desigualdade,
os gêneros. tanto na execução quanto na equiparação do
salário.
Os sociólogos da educação sublinham de bom
As diferenças salariais devem ter justificati-
grado que a escola, além de sua função de ins-
63
vas realmente aceitáveis caso isso não ocorra prego, os baixos salários e as diferenças sa-
fica comprovada a descriminação das mu- lariais entre mulheres e homens que ocupam
lheres. Conforme mostram as pesquisas da mesmos cargos. Sua situação de ingresso e
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios concorrência no mercado de trabalho ainda é
- PNAD fica claro que as empresas não atuam insustentável e fragilizada por preconceitos e
conforme rege a legislação. De acordo com desigualdades, mesmo insustentável e frágil
as pesquisas realizadas em 2009, os homens a mulher tem sua permanência no mercado,
representam 80% do total dos brasileiros com fruto de grandes lutas e persistência.
renda superior a 20 salários mínimos mensais, Diante desta luta constante a mulher sem-
o equivalente a R$ 9.300,00. Outro dado que pre se mostrou forte e não desanimou peran-
a pesquisa da PNAD revela é a diferença mé- te as dificuldades encontradas, aos poucos
dia de salário entre homens e mulheres, como ela vai “abraçando” as oportunidades que vão
se observa nas tabelas a seguir: surgindo em diversas áreas. Entre os novos ra-
mos, deve-se ressaltar o papel dos mercados
Período Homens Mulheres financeiros e de capitais. Os papéis até en-
2004 R$ 964,00 R$ 613,00 tão destinados aos homens, hoje apresentam
2005 R$ 1.000,00 R$ 646,00 outra configuração, principalmente no setor
2006 R$ 1.076,00 R$ 705,00 financeiro, as novas gerações vem diluindo
2007 R$ 1.111,00 R$ 735,00 essa idéia culturalmente formada.
2008 R$ 1.142,00 R$ 758,00
Hoje as mulheres são vistas com outros
olhos, o próprio homem encontra na mulher
2009 R$ 1.171,00 R$ 786,00
Fonte: IBGE/PNAD (2009)
um apoio no orçamento familiar. A tendên-
cia é de que aconteça um equilíbrio entre
Muito do trabalho realizado pelas mulhe- homens e mulheres nos papéis formais e um
res é invisível e desvalorizado. A PNAD revelou grande apoio nos papéis informais. Tudo indi-
que as mulheres passaram a fazer parte do ca que a tendência atual aponta para a adap-
mercado de trabalho no Brasil. tação desses papéis envolvendo sacrifícios,
Ao longo do tempo, apesar das barreiras, as perdas, lutas e uma grande conquista que
mulheres vêm conquistando mais espaço no será só então mais tarde sentida. A percep-
mercado de trabalho: aumentaram significa- ção de nivelamento entre os gêneros é clara e
tivamente sua participação, superaram alguns existente, porém lenta, mas com certeza uma
dos limites impostos pela condição familiar e conquista diária e poderosa o que vai fazer a
vêm ingressando, graças à escolaridade, em história mudar de rumo e por um ponto final
melhores ocupações. Este avanço, contudo, na diferenciação enfrentada pelos gêneros,
não tem impedido que grande parte das tra- tendo consciência de que a entrada da mu-
balhadoras se encontrem no emprego do- lher no mercado de trabalho vem para contri-
méstico, no trabalho domiciliar e em ativida- buir e agregar e não para competir.
des não remuneradas. As mulheres ocupam, As pesquisas da PNAD – 2009 revelam que
no mercado de trabalho, posição secundária as mulheres não desistem de conquistar o
em relação aos homens. seu espaço no mercado de trabalho. Pode-se
A mulher sempre esteve presente na histó- observar nos dados abaixo que elas desem-
ria brasileira, no papel de filha, depois esposa penharam um papel muito mais relevante do
e mais tarde como mãe, papéis considerados que os homens no crescimento da população
comuns e de submissão em uma cultura ma- economicamente ativa nos últimos 30 anos.
chista. A luta feminina por espaço, destaque e
realização social está longe de ser concluída,
porém ela continua preparando-as para en-
frentar os obstáculos que lhes são impostos
todos os dias, como por exemplo, o desem-
_________________
1
Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localida-
de, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade, entre pessoas cuja diferença de
tempo de serviço não for superior a 2 anos (art. 461 da CLT).
64
sabilidade do marido o sustento da casa. Em
outros casos, por consequência, também da
cultura machista, a mulher acredita que cons-
truindo um lar ou uma família, irá prejudicar
seu desempenho profissional, então acaba
decidindo pela razão e não pelo coração. Na
maioria dos casos, quando a mulher opta por
não construir uma família é porque ela já está
em uma posição favorável no mercado de
trabalho e por isso acaba se apoiando mui-
to na família, contando com os pais, irmãos e
parentes mais próximos, para que futuramen-
te a carência de um lar próprio não se trans-
forme em arrependimento.
Nos lares onde os homens ajudam nos ser-
viços domésticos e no cuidado dos filhos, é
muito mais fácil para mulher lutar por seus
objetivos profissionais, mas da mesma forma
que as mulheres não devem trabalhar fora, a
cultura machista não permite que os homens
ajudem nos serviços domésticos ou cuidem
dos filhos, cultura essa que acaba atrapa-
lhando até no desenvolvimento do país, pois
quanto mais pessoas empregadas, indepen-
dente do gênero, melhor é a renda das famí-
lias, consequentemente melhor é a economia
do país.
Os novos modelos de gestão baseados na Não é fácil para a mulher conciliar todas as
tecnologia diminuíram o número de traba- tarefas, mas com paciência, dedicação e for-
lhadores em locais específicos, exigindo no ça de vontade de vencer na vida, lutando por
processo produtivo trabalhadores polivalen- seus ideais, ela consegue driblar essa situação
tes, dispostos a cumprir metas e vendas de que para muitos pode parecer fácil, mas na
produtos e serviços. A exigência na excelência verdade não é. A mulher que tem um trabalho
do atendimento e a polivalência são fatores formal tem que ser multifuncional e não pode,
representativos de qualidade cada vez mais jamais, deixar de dar atenção ao marido, aos
valorizados no setor financeiro, o que aumen- filhos ou à casa, devido ao seu cansaço, pois
tou a participação das mulheres nos quadros o carinho, o afeto e o amor fazem parte da
dos bancos devido à maior qualificação e ao “obrigação” que elas têm que recompensar
seu nível de escolaridade, abrindo mão das filhos e maridos por estarem fora de casa o
obrigações de casa, ou seja, do trabalho in- dia todo. E em relação à questão da atenção
formal e tentando consolidar suas atividades dada aos filhos, as mulheres são muito mais
no mercado de trabalho formal, o que tem cobradas, pois sempre foi comum os homens
sido um desafio constante. saírem para trabalhar e chegarem no fim do
A sociedade por si só, já inibe algumas mu- dia cansada sem tempo para dar atenção aos
lheres de irem à luta por seus objetivos, como filhos ficando as mulheres responsáveis por
por exemplo, ter ao mesmo tempo, uma casa, essa atribuição e isso não mudou, pois elas
uma família e uma vida profissional ativa. Por continuam tendo que dar atenção aos filhos,
isso muitas mulheres deixam de lutar por independentemente de trabalharem fora ou
seus ideais e acabam fazendo escolhas, que não. Pode-se dizer também que para muitas
no futuro podem causar frustrações. Em al- mulheres ocorre uma “quádrupla jornada”,
guns casos a cultura machista prevalece e as pois nos dias de hoje, é normal as mulheres
mulheres aceitam o papel de serem apenas que decidem ou não, ter filhos ainda que sol-
mães e donas de casa deixando sob respon- teiras e acabam assumindo o papel de mãe e
65
pai. A citação mencionada anteriormente rela-
Para as famílias que podem desfrutar do ta um dos motivos pelos quais as mulheres
auxilio de empregados domésticos, fica mais sofrem diferenciação no salário. Nas contra-
fácil conciliar todos os afazeres do dia a dia, tações realizadas no primeiro trimestre de
não minimizando por completo as obrigações 2010 houve, portanto, aumento da distância
da mulher, que dessa forma às vezes acabam entre salários médios masculinos e femininos.
conseguindo um tempo para se dedicar a si Mesmo com toda essa diferença entre salá-
próprias, o que é quase impossível para as rios de mesmos cargos, encontra-se hoje 40%
mulheres que vivem uma tripla jornada sem de mulheres no topo da pirâmide de escolari-
esse tipo de auxilio e que não conseguem se- dade profissional contra 28% de homens, se-
quer esse escasso tempo de dedicação a si. gundo o IBGE. Já o grupo Catho mostra que
Apesar dos avanços, a sociedade ainda não as mulheres conquistam cargos de direção
aceitou completamente o papel da mulher no mais cedo que os homens, em 1990 apenas
mundo dos negócios e muito menos o fato 8% das mulheres ocupavam cargos executi-
dela às vezes ser pai e mãe ao mesmo tempo, vos, hoje já representam 14%. O setor bancá-
contudo, de modo geral, a mulher tem con- rio exige que os candidatos no momento da
seguido se realizar profissionalmente, lutando seleção tenham no mínimo oito anos de estu-
bravamente por mais espaço no mercado de do (primeiro grau completo) ou que estejam
trabalho, sacrificando muitas vezes a sua vida cursando o segundo ou terceiro graus em ou-
pessoal. tros casos, deste modo se difere das outras
Embora as mulheres tenham tido certa as-
censão nos postos intermediários, onde pre-
domina a venda de produtos e a habilidade
inata que têm no tratamento com clientes,
não repercutiu a igualdade de remuneração,
nem a devida valorização do seu trabalho.
Segundo a PME (Pesquisa Mensal do Em-
prego) em 2009 os salários das mulheres re-
presentavam 72,3% da média dos homens.
Mulheres com o mesmo grau de escolaridade
dos homens, ou seja, nível superior ganham
55,6% dos recebidos pelos homens. áreas, pois exige maior grau de escolaridade
Segundo o IBGE houve um aumento na es- dos seus candidatos.
colaridade entre os dois sexos, porém a mu- Fonte: PNAD 2009 / IBGE
lher leva vantagem no quesito conhecimento,
ela representa 19,6% contra 14,2% dos homens Posto que as Organizações são dominadas
com nível superior, o que pode ser justifica- pelos valores e estruturas patriarcais, os pa-
peis femininos serão sempre irrelevantes em
do como um fator cultural, onde o homem sai termos “masculinos”. Por esta razão, a visão da
para trabalhar mais cedo, deixando o estudo organização moderna de muitas feministas: o
em segundo plano. A remuneração média das verdadeiro desafio das mulheres que querem
mulheres bancárias é inferior à dos homens, ter sucesso no mundo das empresas é mudar
tanto na sua admissão quanto na demissão. os valores organizacionais, no sentido mais
fundamental (MORGAN, apud LEITE, 1994, p.
O rendimento médio na demissão de mulhe- 196).
res é de 30,31% inferior ao de homens, que re-
cebe também 32,71% a mais no momento da Vale lembrar que outro fator de grande im-
contratação. portância em todas as organizações tem sido
a motivação das pessoas, e na área financeira
Uma mulher questionou o gerente sobre sua
promoção e ele respondeu-lhe: “Você prova- não é diferente, busca-se através de pesqui-
velmente vai ficar grávida”. Então ela lembrou sas a identificação dos fatores que possam
-o que ele tinha dito isso há oito anos e ela motivar os gêneros dentro das organizações,
não tinha ficado (KANTER, apud LEITE, 1994, assim identificando que os indivíduos são in-
p.203). fluenciados todos os dias por fatores internos
e externos. Uma pessoa motivada pode dar o
66
melhor de si e executar suas tarefas com mais dendo-se definir que a tipologia quanto aos
dedicação, esse é um fator de grande inte- objetivos consiste em uma pesquisa descriti-
resse da organização para poder obter maior va, em que se pretende descrever e analisar a
produtividade. Recompensas podem motivar, percepção das mulheres, no que diz respeito
e punições podem desmotivar, de qualquer ao processo de nivelamento de gênero nas
forma muito além de recompensas ou puni- organizações. Há a preocupação em analisar
ções estão os objetivos internos que quando situações e comportamentos na população
alcançados são de grande satisfação, varian- pesquisada.
do de indivíduo para indivíduo a motivação e Já quanto aos procedimentos, em que foi
satisfação pode ser considerada única e es- decidido de qual forma se irão coletar os da-
pecífica. dos, será utilizado o levantamento de dados
ou survey.
Se a sociedade industrial era um “mundo de Em relação à abordagem do problema, é
homens”, a sociedade da informação é um um estudo do tipo quantitativo, em que se
mundo dos instruídos os dos tecnicamente
competentes, sejam homens ou mulheres... usarão instrumentos estatísticos tanto na co-
Se o homem foi o protótipo do trabalhador leta quanto no tratamento de dados, para as-
industrial, o trabalhador da era da informação sim visualizar soluções entre as variáveis e a
é tipicamente uma mulher... Depois de duas relação de causalidade de tais fenômenos, e
décadas de preparação silenciosa, depois de qualitativo ao analisar questões do tipo aber-
ganharem experiência e sentirem frustração
com predomínio masculino, as mulheres que tas.
trabalham estão à beira de uma mudança re- O universo da pesquisa foi constituído por
volucionária. Mas velhas, mais sensatas, mais 70 mulheres atuantes no mercado de tra-
numerosas e bem representadas em setores balho, no estado de São Paulo. Conforme
de ponta como computação, finanças e publi- McDaniel & Gates (2003, p. 372), adotou-se o
cidade, as mulheres estão prontas para romper
o “teto de vidro”, aquela barreira invisível que tipo de amostragem não-probabilística alea-
as impedia de e ao topo. Á medida que a dé- tória, que inclui elementos de uma população
cada de 90 progredir, o senso comum admiti- selecionados de maneira não aleatória, na
rá que mulheres e homens atuam igualmente base da conveniência, neste caso, as mulhe-
bem como líderes no trabalho, e as mulheres res atuantes no mercado de trabalho, com a
alcançarão as posições de liderança que lhes
foram negadas no passado (NAISBITT, apud vantagem de poder ter certeza de obter infor-
LEITE, 1994, p.179). mações de um corte transversal representati-
vo da população de interesse. Segundo Lima
Conhecido, também, como diferenciado e (2004, p. 83), as amostragens não probabilís-
específico o setor bancário durante os últimos ticas são frequentemente utilizadas em razão
anos foi o que mais contratou a mão de obra da inacessibilidade ao universo total de que é
feminina, mesmo que no geral, as mulheres composta a população alvo da pesquisa.
ocupem posições menos privilegiadas em Os dados primários foram obtidos por meio
outras áreas, tem se destacado, chegando a de questionário do tipo semiestruturado, de-
ocupar até cargos de gerência. As mulheres senvolvido pelo pesquisador eletronicamente
têm encontrado neste setor flexibilidade de no Qualtrics Software criado e disponibilizado
horário e maior valorização profissional, o que no <http://www.qualtrics.com/> desde 18 de
realmente está facilitando sua carreira. agosto de 2010. Para McDaniel & Gates (2003,
p. 352) com uso de questionários na Internet,
Procedimentos metodológicos os entrevistados completam a pesquisa e os
dados são automaticamente coletados e ta-
Para a Metodologia da pesquisa, serão di- bulados. As perguntas possuem uma ordem,
vididas em três categorias de tipologia de no entanto, por ser respondida on-line foi per-
pesquisa, quanto aos objetivos, quanto aos mitido aos pesquisados liberdade de avançar
procedimentos e quanto à abordagem do e retroceder para opinarem mais livremente.
problema. No questionário formularam-se pergun-
A partir da questão problema elaborado: é tas fechadas, semiabertas, abertas, de múl-
percebido o processo de nivelamento de gê- tipla escolha, de avaliação, questões de fato,
nero nas organizações, pelas mulheres, po- questões de opinião e de intenção, conforme
67
descreve Lima (2004, p. 50-71). O questioná-
rio foi apresentado com 23 (vinte e três) per-
guntas. Não houve participação nenhuma do
pesquisador, ou seja, o questionário ficou à setenta e um) para a questão idade, conforme
disposição dos respondentes no ar, on-line, tabela 2.
e foi preenchido e coletado pelo sistema do Tabela 2: distinção em relação a contratação, no
Qualtrics. que se refere às mulheres
Para a coleta de dados por meio do ques-
tionário, foram enviadas 85 mensagens por Com os resultados obtidos nesta questão,
e-mail, buscando-se receber um retorno de fica clara a percepção de que quanto mais
100%. O grupo de mulheres foi selecionado velhas são as mulheres, mais dificuldades elas
aleatoriamente. O total de respondentes foi encontram para se inserir no mercado de tra-
de 70, ou seja, a pesquisa de campo apre- balho.
sentou uma amostra de 82% (oitenta e dois Apesar de a pesquisa ter sido realizada so-
por cento) da população total, e que obteve mente com mulheres, nesta questão em es-
o acesso para a efetivação da pesquisa. Des- pecífico, nos dias de hoje pode-se observar
ses 70 respondentes, 39 responderam todas que não são somente as mulheres, mas sim,
as questões e os 31 faltantes só não respon- genericamente, homens e mulheres mais ve-
deram a última questão aberta. Esse proce- lhos acabam tento que enfrentar esta barrei-
dimento aconteceu no mês de Agosto e Se- ra, o que acontece é que para as mulheres
tembro de 2010. esta questão passa a ser mais um limitador na
hora da contratação, além do simples fato de
Análise e discussão dos resultados serem mulheres, mas como este não é o foco
do trabalho, pode-se aprofundar futuramen-
São apresentados a seguir as tabelas com te o assunto em outro projeto.
as respostas das mulheres envolvidas na pes- Outro ponto relevante observado na pes-
quisa: O perfil das respondentes, conforme quisa é que as mulheres que possuem filhos
tabela 1, apresentou as seguintes característi- também encontram uma maior resistência na
cas: mulheres de 26 a 35 anos (41%), com nível contratação, fato esse abordado no trabalho
de escolaridade superior incompleto (47%), em capítulos anteriores, percebida e gerada
casadas (53%), sem filhos (61%), com expe- da cultura em que a mulher era vista apenas
riência profissional entre 11 e 20 anos (27%). como dona de casa e apta exclusivamente à
criação dos filhos.
Perguntado sobre o que mais pode cau-
sar desmotivação na mulher no ambiente de
trabalho, o resultado foi o seguinte: a falta
de oportunidade de crescimento apresen-
tou média de 4,27 seguida de desigualdade
de salários com média de 4,00 como sendo
as médias mais elevadas. A desvalorização do
seu esforço e a desigualdade dentro de mes-
mos cargos apresentaram médias menores
com 3,96 e 3,94 respectivamente, conforme
Tabela 1: perfil das respondentes apresentado na tabela 3.

Perguntadas se sentem alguma distinção


em relação à contratação, no que se refere às
mulheres, o resultado em uma escala de 1 a 5,
onde 1 foi atribuído ao mais baixa percepção
e 5 à mais alta apresentou média 2,53 (dois
Tabela 3: desmotivação da mulher no ambiente
vírgula cinquenta e três) para as mulheres ca-
de trabalho
sadas; média de 3,28 (três virgula vinte e oito)
para as mulheres com filhos e 3,71 (três virgula
68
Nos capítulos anteriores, ficou claro que as ferença entre salários, porém houve uma di-
mulheres estão lutando e buscando cons- minuição nesta diferença em algumas profis-
tantemente conquistar seu espaço, mais do sões, principalmente naquelas que deixaram
que merecido, no mundo dos negócios, mas de ser completamente masculinas.
a partir do momento em que elas não en- As mulheres precisam deixar um pouco de
contram o apoio necessário dentro das em- lado a luta por igualdade somente dentro das
presas, acabam se sentindo desmotivadas. E empresas, elas devem ir para as ruas, lutar e
no que se refere a esta questão, o que mais obrigar a que os direitos reservados para elas
desmotiva as mulheres é o fato das empresas sejam colocados em prática, só assim, quem
não lhes darem oportunidade de crescimen- sabe, consigam garantir, ao menos, a igualda-
to. É fato também que as empresas só irão de salarial.
valorizar o trabalho dos funcionários, homens
e mulheres, se eles forem em busca de real Certamente, a diferenciação salarial é mais
crescimento. O que ficou claro também nos grave entre as várias discriminações que pesa-
ram contra a presença feminina no mercado
capítulos anteriores, pois as mulheres buscam de trabalho e, praticamente, toda a literatura
crescimento profissional, principalmente no consultada sobre a mulher e o trabalho revela
que diz respeito aos estudos, onde estão cada que a discriminação salarial é ainda um ponto
vez mais se destacando frente aos homens, o importante que não foi convenientemente re-
que falta agora são as empresas reconhece- solvido pelas forças de mercado (LEITE, 1994,
p. 158).
rem de uma vez por todas que homens e mu-
lheres merecem e tem direitos iguais.
Ainda de acordo com os resultados obti-
[...] a mulher está pronta e totalmente motiva- dos na pesquisa, 64% das respondentes afir-
da para enfrentar, em condições de igualdade, maram, que nunca tomaram iniciativas para
os desafios da aventura empresarial e as lutas tentar mudar a diferença existente entre os
da carreira profissional, por mais que as cultu- gêneros. 90% das respondentes concordam,
ras que envolvem as organizações ainda hoje com a afirmativa de que apesar dos avanços
sejam notadamente machistas. Por outro lado
[...] profundas modificações trazidas pela so- da mulher no mercado de trabalho, ainda há
ciedade pós-industrial nos encaminham para diferenças e que nas próximas gerações isso
um perfil organizacional muito mais propício tende a mudar no sentido das mulheres es-
para o ingresso da mulher no mercado de tra- tarem no mesmo patamar dos homens, ocu-
balho (LEITE, 1994, p. 156 e 157). pando o mesmo cargo com o mesmo salário.
As respondentes acreditam que as mulheres
Perguntadas sobre o que ocorre entre seus acabam se submetendo a receber salários in-
colegas de trabalho; quem se destaca mais, feriores ao dos homens por necessidade (77%)
40% das respondentes afirmaram que as mu- e (23%) por falta de conhecimento de seus di-
lheres se destacam mais que os homens. Na reitos. Concordam na totalidade, ainda, que
organização em que as respondentes traba- a cultura organizacional, pode influenciar no
lham a percepção da existência de cargos desempenho do homem e da mulher.
pré-definidos para homens e mulheres; plano 66% das respondentes não deixam de bus-
de incentivo para contratação de mulheres; car crescimento profissional quando tem a
e homens e mulheres com o mesmo cargo e percepção que na cultura da organização
salários diferentes é baixa, conforme apresen- existe preferência de gênero.
tado na tabela 4. Ao solicitar que se colocassem em ordem
crescente de importância, os fatores que fa-
zem as mulheres se sentirem desmotivadas
profissionalmente, em primeiro lugar se des-
tacam os baixos salários em relação ao mer-
cado. Em último lugar, aparecem os desafios
Tabela 4: cargos e planos de incentivo impossíveis, conforme o apresentado na ta-
bela 5.
De acordo com os resultados obtidos na
pesquisa e as informações coletadas e que
estão descritas no Capítulo 1, ainda há a di-
69
Outro resultado apresenta que 90% das en-
trevistadas acreditam que nas próximas gera-
ções as mulheres estarão no mesmo patamar
que os homens no mercado de trabalho ocu-
pando o mesmo cargo com o mesmo salário
e somente 10% não acreditam que estarão
ocupando o mesmo cargo que os homens no
mercado de trabalho.
As respondentes mostram um grande oti-
mismo nesta questão, além disso, a tendência
aponta para a nivelação da diferenciação.
A análise dos dados demonstra que 77%
das entrevistadas acreditam que as mulhe-
Tabela 5: fatores que fazem as mulheres se res acabam se submetendo a receber salários
sentirem desmotivadas profissionalmente inferiores aos dos homens por necessidade
e somente 23% das entrevistadas acreditam
Além disso, 53% das respondentes acredi- que se submetem a receber salários inferiores
tam que é muito importante a “igualdade de aos dos homens por falta de conhecimento.
oportunidades para homens e mulheres den- A pesquisa mostra que 86% das entrevista-
tro das empresas” em relação à sua motiva- das concordam que a cultura organizacional
ção profissional. pode influenciar no desempenho do homem
60% das respondentes, afirmaram também, e da mulher e somente 14% das entrevistadas
que não tem necessidade de tentar constan- discordam, no aspecto cultura organizacional
temente provar que são tão capazes quanto observa-se a grande influência no desempe-
os homens na função que exercem. nho das respondentes causando desmoti-
Porém, quase a totalidade (93%) das res- vação ou motivação dependendo da pratica
pondentes podem se sentir desmotivadas, desempenhada pela organização.
quando tem a percepção da desigualdade de A pesquisa revela que 66% das entrevista-
gênero existente na cultura organizacional. das não deixam de buscar crescimento pro-
79% das respondentes, afirmaram que as fissional quando tem a percepção de que na
mulheres tentam constantemente provar que cultura da organização existe preferência de
são tão capazes, ou mais, do que os homens e gênero e somente 34% deixam de buscar al-
que merecem direitos iguais. Afirmaram, ain- gum tipo de crescimento profissional, o re-
da 69%, que muitas mulheres desconhecem sultado apresentado começa a esclarecer o
seus direitos e, por isso, acabam se subme- motivo pelo qual a mulher apresenta um grau
tendo a ganhar salários inferiores aos dos ho- de escolaridade cada vez maior, buscando no
mens. estudo o crescimento profissional.
Importante notar, que 66% das responden- 53% das entrevistadas dizem que o fator
tes afirmaram que está havendo um processo igualdade de oportunidades para homens e
de nivelamento da diferenciação de gênero mulheres é muito importante dentro de uma
no mercado de trabalho. empresa, 39% diz ser apenas importante, 4%
A pesquisa revelou que 64% das entrevis- indiferente, 3% pouco importante e somente
tadas nunca tomou nenhuma iniciativa para 1% disseram ser nada importante, é evidente
tentar mudar a diferença existente entre os que a igualdade de oportunidades em qual-
gêneros, e somente 36% das entrevistadas quer ambiente, principalmente no campo
tomaram iniciativa para tentar mudar a dife- profissional faz parte de um mundo ideal, por
rença. muitas vezes longe de ser alcançado, porém
O percentual relatado demonstra que as considerado de grande importância para a
respondentes que estão no mercado de tra- motivação das mulheres, conforme demons-
balho ainda sofrem uma resistência interna tra a pesquisa realizada.
consequentemente a tomada de iniciativa A pesquisa comprova que 60% das en-
contra a diferenciação de gênero fica em se- trevistadas disseram não ter a necessidade
gundo plano. de provar constantemente que é tão capaz
70
quanto o homem na função que exerce, 37% nitamente mais consciente do que é ou não
disseram que tem a necessidade e somente aceitável para assegurar seu desempenho no
mercado de trabalho (Respondente 1).
3% disseram não ter a necessidade de provar
a sua capacidade.
Já a respondente 2 relatou que
A pesquisa comprova que 93% das entre-
vistadas concordam que podem se sentir Pelo fato de na empresa em que trabalho a
desmotivadas quando tem a percepção da maioria ser homem, acredito que a mudança
desigualdade de gênero existente na cultura poderia valorizar de forma direta o trabalho
organizacional e somente 7% discordam. feminino dentro da organização por ser o tra-
A pesquisa mostra que 79% das entrevis- balho mais burocrático (Respondente 2).
tadas concordam que as mulheres tentam
constantemente provar que são tão capazes A respondente 3 afirmou que
ou mais do que os homens e que merecem
Não ficarei satisfeita se um homem ganhar
direitos iguais e somente 21% discordam, as mais do que eu, exercendo a mesma atividade
mulheres estão constantemente lutando pe- (Respondente 3).
los seus ideais, entre eles o direito de igualda-
de no ambiente profissional. A respondente 4 considerou que
A pesquisa mostra que 69% das mulheres
desconhecem seus direitos e por isso aca- Normalmente as empresas se beneficiam
bam se submetendo a ganhar salários inferio- destas diferenças, portanto qualquer iniciati-
res aos dos homens e 31% das entrevistadas va de mudanças deve partir dos setores que
são prejudicados, questionando essas diferen-
discordam, é importante ressaltar que apesar ças, se organizando em sindicatos e pautando
das mulheres desconhecerem seus direitos, é esse tema nas campanhas salariais. Pois sabe-
notável que elas se submetam a receber sa- mos que todos direitos e avanços conquista-
lários inferiores aos dos homens por necessi- dos pelas mulheres nunca foram concessões
dade, conforme resultado mostrado anterior- do estado ou das empresas e sim conquistas
à base de muitas lutas e protestos. Está cada
mente no Gráfico 3: Salários inferiores. vez mais constrangedor para o mundo capita-
Foi solicitado que as respondentes descre- lista justificar essas diferenças marcadas pelo
vessem como a cultura da organização, re- sexo ou pela cor da pele, graças às denúncias
ferente à desigualdade de gênero, pode im- e manifestações no mundo todo. E as empre-
pactar na sua motivação dentro da entidade sas que não atentarem para essas mudanças
e para os novos comportamentos, tendem ao
em que trabalha. isolamento e fracasso diante do mercado glo-
A respondente 1 afirmou que balizado e altamente competitivo (Respon-
dente 4).
Um ambiente machista, por exemplo, onde
homens se comportam e pensam de maneira
A respondente 5 relatou que
a inferiorizar a mulher, ou a desprezá-la, seria
intolerável. Conheci excelentes profissionais
mulheres que se demitiram por entenderem Cargos de importância na sua maioria são
que jamais chegariam aos mesmos salários ocupados por homens, por exemplo, na orga-
e condições daqueles que a discriminavam. nização onde trabalho os Gerentes Gerais na
Quando o gênero prevalece, a capacidade maioria são homens. Cargos de diretoria na
não encontra maneira profissional de ser me- maioria também são homens. A desigualdade
dida, o que acaba por prejudicar a empresa salarial também existe infelizmente (Respon-
em relação ao seu staff (recontratações, flu- dente 5).
xo de trabalho) e o individuo em sua carreira,
por vezes ascendente. Então a saída é a de- Já a respondente 6 contribuiu com a se-
missão ou demitir-se? Não, a saída é coibir a guinte resposta:
desigualdade através do comando consciente
da empresa, chefias atentas, ações afirmativas
Apesar da empresa “pregar” que não existe
nas missões das companhias. Através desses
diferença de gênero, todos dentro da em-
canais, a mulher tolera cada vez menos as si-
presa sabem que os cargos de chefia sempre
tuações de desigualdade. Muitas vezes ela
são reservados aos homens. Isso obviamente
se demite, por ser uma solução mais rápida,
desmotiva qualquer profissional. Saber que
longe porém de estar “desistindo”. Ela volta -
apesar de competente, comprometida com
e bastante rapidamente - em uma ou outra
a empresa, dificilmente ocupará um cargo de
empresa, mais forte, mais experiente e infi-
chefia, pelo simples fato de ser mulher (Res-
71
pondente 6). tros instrumentos analíticos.
A pesquisa também é limitada pelos se-
CONSIDERAÇÕES FINAIS guintes aspectos: (a) trata-se de uma pesqui-
sa não probabilística e, por este fato, não é
Este trabalho procurou verificar se é perce- possível extrapolar os resultados para outros
bido o processo de nivelamento de gênero profissionais; (b) os resultados obtidos refe-
nas organizações, pelas mulheres, já que na rem-se apenas ao conjunto de respondentes
introdução foram apresentadas as circuns- pesquisadas considerando-se que as respos-
tâncias que motivaram a pesquisa. tas aos questionários exprimem, de fato, o
Foi analisada a revisão da literatura e algu- pensamento das respondentes.
mas culturas que ainda são influências nos A pesquisa revelou que, de forma geral,
dias de hoje, foram destacados alguns pontos ainda faltam muitas barreiras a serem trans-
do perfil da mulher e da carreira e a igualdade postas para de fato, as mulheres serem reco-
entre homens e mulheres. nhecidas profissionalmente e mostrarem sua
Foram apresentadas as discussões para capacidade de liderança e foi nesta direção
permitir as conclusões, procurando unir os que se procurou analisar a trajetória das mu-
conceitos à realidade observada (teoria versus lheres no mercado de trabalho, tendo como
prática). Das hipóteses levantadas no inicio foco a diferenciação e a desigualdade de gê-
da pesquisa: (1) As mulheres podem se sentir nero no campo organizacional, abordando as
desmotivadas, quando tem a percepção da dificuldades de ascensão das mulheres e as
desigualdade de gênero existente na cultura consequências que influenciam no desempe-
organizacional; (2) As mulheres tentam cons- nho de suas atividades.
tantemente, provar que são tão capazes, ou
mais, do que os homens e que merecem di- REFERÊNCIAS
reitos iguais; (3) Muitas mulheres desconhe-
cem seus direitos e, por isso, acabam se sub- ALMANAQUE da Mulher. Disponível em: <http://
metendo a ganhar salários inferiores aos dos www.cut.org.br/content/view/16725/170/>. Aces-
homens; ( 4) Está havendo um processo de so em 27 mar. 2010.
nivelamento da diferenciação de gênero no
mercado de trabalho, foi possível comprovar CARREIRA, Denise. Mudando o mundo: a lide-
todas as hipóteses, por meio dos dados obti- rança feminina no século 21. São Paulo: Cotez:
dos na pesquisa de campo. Rede Mulher de Educação, 2001.
A presente pesquisa apresenta algumas li-
CHAROUX, Ofélia Maria Guazzelli. Metodologia:
mitações, a saber: (a) trata-se de uma inves-
processo de produção, registro e relato do conhe-
tigação empírica, conduzida com mulheres cimento. São Paulo: DVS , 2004.
atuantes no mercado de trabalho, na cidade
de São Paulo, pesquisadas em agosto-se- CONSTITUIÇÃO da República Federativa do
tembro de 2010, portanto, não se refere esta Brasil de 1998. Disponível em: <http://www.pla-
pesquisa a qualquer outro período de tem- nalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.
po, outra região geográfica ou objeto; (b) as htm>. Acesso em 20 mar. 2010.
pesquisadas foram convidadas a responder
questionários específicos, presumindo-se COSTA, Maria Cristina Castilho. Sociologia: in-
que as respostas obtidas tenham sido dadas trodução à ciência da sociedade. São Paulo: Mo-
efetivamente pelas respondentes a quem os derna, 1987.
questionários foram endereçados eletroni-
DAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A Mulher na
camente e expressam a opinião delas. Dessa Sociedade de Classes: Mito e Realidade. São Pau-
forma, apenas este conjunto de respostas foi lo: 4 artes, 1969.
levado em conta; (c) os dados coletados fo-
ram analisados por técnicas estatísticas acima DIEESE - Departamento Intersindical de Esta-
descritas, consideradas adequadas à tipolo- tística e Estudos Socioeconômicos. Consulta a
gia ordinal dos dados, pelo que os resultados diversas informações sobre o tema do trabalho.
das análises não levam em conta outras pos- Disponível em: <www.dieese.org.br> Acesso em:
síveis observações decorrentes do uso de ou- 9 abr. 2010.
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72
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73
IMPACTO DEL PROGRAMA DE DESARROLLO
HUMANO OPORTUNIDADES EN EDUCACIÓN, SALUD Y
ALIMENTACIÓN EN LA REGIÓN CENTRO – OCCIDENTE
DE MÉXICO

Pedro Orzoco Espinosa


Universidad Autonoma de Zacateca
pedro.orozco@uan.edu.mx

Cristina Recéndez Guerrero


Universidad Autonoma de Zacateca
crecendez2001@yahoo.com.mx

RESUMEN
Una estrategia de combate a la transmisión intergeneracional de la pobreza por
parte de los países han sido los Programas de Transferencias Monetarias Condi-
cionadas (PTMC), con los cuales se busca incrementar el ingreso de las familias
beneficiadas a través de transferencias gubernamentales a cambio de cumplir
con condicionantes específicos, asociados a las dimensiones que podrían estar
perpetuando la pobreza en la familia (nutrición, salud y educación). El objetivo
del trabajo es hacer un análisis del impacto que tienen el El Programa de Desa-
rrollo Humano Oportunidades (PDHO) en la región Centro - Occidente de Méxi-
co, a fin de conocer si las transferencias monetarias que se integran a los ingresos
familiares tienen impacto en tres variables básicas de la conformación del capital
humano como son alimentación, salud y educación, así como si este impacto es
diferenciado entre los beneficiarios.

Palabras-claves: Transferencias monetarias condicionadas, Educación, Salud, Ali-


mentación, pobreza.

RESUMO
A estratégia dos países para combater a transmissão intergeracional da pobreza
têm sido os Programas de Transferência Condicional de Dinheiro (PTMC), com
os quais se busca aumentar a renda das famílias beneficiadas através de trans-
ferências do governo em troca do cumprimento de condições específicas as-
sociadas às dimensões que poderiam estar perpetuando a pobreza na família
(nutrição, saúde e educação). O objetivo deste trabalho é analisar o impacto do
Programa de Desarrollo Humano Oportunidades (PDHO) na região Centro - Oes-
te do México, a fim de saber se as transferências monetárias que integram a
renda familiar geram um impacto sobre as três variáveis básicas da formação do
capital humano, tais como alimentação, saúde e educação, e se esse impacto é
diferenciado entre os beneficiários.

Palavras-chave: Transferências condicionais de dinheiro, Educação, Saúde, Nu-


trição, pobreza
74
INTRODUCIÓN

U
na estrategia de combate a la como para organizarse política y administra-
transmisión intergeneracional de tivamente. Así, por ejemplo, se describe an-
la pobreza por parte de los países tiguamente que el territorio comprendía tres
han sido los Programas de Trans- grandes zonas geográficas, Aridoamérica,
ferencias Monetarias Condicionadas (PTMC)1, Oasisamérica y Mesoamérica. Posteriormen-
con los cuales se busca incrementar el ingre- te, influenciado por los acontecimientos de
so de las familias beneficiadas a través de la conquista y la colonia se dividió el territorio
transferencias gubernamentales a cambio de reinos e intendencia. Con la independencia la
cumplir con condicionantes específicos, aso- división de la nueva república quedaría orga-
ciados a las dimensiones que podrían estar nizada en provincias, departamentos y esta-
perpetuando la pobreza en la familia (nutri- dos. Finalmente, con la constitución de 1917,
ción, salud y educación). México quedaría conformado por 31 entida-
El Programa de Desarrollo Humano Opor- des federativas y un Distrito Federal.
tunidades (PDHO), su antecesor Programa de En la actualidad, a pesar de las particulari-
Educación, Salud y Alimentación (PROGRESA) dades de las entidades, la planeación econó-
y actualmente PROSPERA, han sido el primer mica y la especialización en las actividades
programa a nivel internacional en su género, productivas para el desarrollo territorial han
que ha alcanzado casi 5.5 millones de bene- llevado a la necesidad de conformar regiones.
ficiarios, después de Bolsa Familia con 52.30 Así, el territorio queda dividido en cuatro re-
millones de beneficiarios. giones.
El objetivo del trabajo es hacer un análisis
del impacto que tienen el PDHO en la región
Centro - Occidente de México, a fin de cono-
cer si las transferencias monetarias que se in-
tegran a los ingresos familiares tienen impac-
to en tres variables básicas de la conformación
del capital - humano como son alimentación,
salud y educación, así como si este impacto
es diferenciado entre los beneficiarios.
El documento se organiza en partes, la pri-
mera aborda una revisión de la literatura so-
bre las transferencias monetarias condiciona- El estudio se ubica en la Región II (Centro
das; la revisión de la operación del Programa - Occidente, RCO). El Programa de Desarrollo
de Desarrollo Humano Oportunidades se pre- de la RCO (PDRCO, 2002) enmarca que este
senta en la segunda; el tercer apartado, hace proceso de coordinación regional se forma-
un análisis de las condiciones de pobreza y lizó en el 2002 con la constitución del Fidei-
marginación en la región Centro - Occidente comiso para el Desarrollo de la RCO (FIDER-
de México; la metodología esta abordada en CO). El cual tiene como intención “promover
la cuarta parte, en tanto que la quinta secciónla realización de estudios y proyectos de ca-
plantea las resultados y la última parte com- rácter regional, interestatal y de aquellas otras
prende las reflexiones finales. acciones en donde la conjunción de esfuerzos
y recursos entre los estados generen resulta-
Regionalización en México dos más eficaces” (PDRCO). Hay que destacar
que esta iniciativa tiene relevancia, pues su
La historia de México puede mostrar las organización nace desde ámbito local.
diversas formas en que el territorio fue divi- Así, pues, el PDRCO (2002) se establece
dido sea por sus características geográficas, como objetivo principal, construir una visión
_________________
1
Posteriormente, se usarán todas aquellas siglas presentes en el documento.
75
regional compartida por los estados y definir
una estrategia integral para el desarrollo re-
gional con la que se construye un proyecto
de nación”.
Pese a esta intención y al aporte observado
de la región con un tercio de la producción
agropecuaria en el país, así como del pro-
ducto industrial generado fuera del Valle de
México. Este crecimiento presenta dos caras
de una moneda con dos ritmos muy marca-
dos. Por un lado, se encuentran entidades
muy involucradas al proceso de globalización
del mercado y, por otro lado, estados que se
van quedando marginados de la modernidad
y del desarrollo. Algunos con una fuerte ten-
dencia migratoria y otros con una fuerte pre- La extensión territorial RCO es de 355,271
sión ecológica sobre la cuenca Lerma - San- Km2, lo que representa 18.1% del territorio
tiago (PDRCO, 2002). Asimismo, se deja ver nacional. Lo cual indica una gran diversidad
una estructura productiva diversificada, con de recursos naturales y de climas. Su densi-
una infraestructura urbana y de comunicacio- dad demográfica es de 73 hab./Km2. Sin em-
nes muy por encima del promedio nacional y bargo, se puede observar que la mayor con-
recursos turísticos como playa, montaña y una centración de población se encuentra en los
red de ciudades coloniales (PDRCO, 2002). territorios más pequeños, sobre todo Aguas-
calientes y Colima, y Guanajuato y Querétaro.
Esto se explica al encontrar que la actividad
económica de estos Estados se concentra y
desarrolla en el sector secundario.

Los nueve estados de la RCO concentran


cerca de una cuarta parte de la población del
país con 26, 012, 744 habitantes (INEGI, 2010), Finalmente, el aporte de la RCO a la econo-
que representa el 23.15%. Hay que notar que mía del país se muestra en la participación en
los censos de 1990 a 2000 y 2010 se muestran el PIB. Así, para 2013, la región aportó el 19.8%,
un decremento del 0.54% y 0.40%, respecti- el cual se vio incrementado en 1.2% respec-
vamente. Mientras que del 2000 al 2010 se to al 2005. Mismo que ha aumentado en los
tuvo un aumento del 0.14%. años intermedios (2008 y 2010).

Transferencias Monetarias Condicionadas

Los PTMC han ayudado a los países a cum-


plir con los objetivos del milenio, a través de la
promoción de la salud, la nutrición y la esco-
76
larización de los niños. Los PTMC han sido un rísticas y alternativas de operación del pro-
punto de partida para reformar subsidios mal grama.
dirigidos y mejorar la calidad de las redes de Los primeros programas en América Latina
protección social. A través de ellos se ha con- que corresponde a TMC, son Bolsa de Familia
tribuido a la redistribución del ingreso a favor en Brasil y Progresa-Oportunidades en Mé-
de los pobres. Estos programas se han con- xico. De acuerdo con Niño-Zarazúa (2011), el
centrado en desarrollar el capital humano de análisis de los PTMC en América Latina mues-
los hogares2, le otorga a los PTMC una mayor tra que son efectivos en el combate a la po-
aceptabilidad política, como instrumentos breza y en el aumento del bienestar. Así mis-
que promueven la reducción de las desigual- mo, han modificado los típicos programas
dades (Fiszbein y Schady, 2009). antipobreza al cambiar la comida y subsidios
De acuerdo con Cogco y Rodriguez (2009), por asistencia.
las Transferencias Monetarias Condicionadas En el cuadro 1, se muestran los programas
(TMC), han pasado a formar parte importante cuyo objetivo principal son la población en
en los objetivos de los gobiernos para formar situación de alta y muy alta pobreza, los ho-
capital humano, con la finalidad de que la po- gares beneficiados y la población que abarca,
blación beneficiaria desarrolle sus capacida- destacando que son principalmente los PTMC
des y potencialidades personales, de forma de Brasil y México los que tienen una mayor
que les permita incorporarse al mercado la- cobertura, pero que también está asociada al
boral en mejores condiciones de competitivi- tamaño de su población y al desempeño eco-
dad. nómico. Niño-Zarazúa (2011), estable en este
Quizás el éxito a nivel internacional de los sentido que el límite de la asistencia social en
PTMC, sea como señala Martínez (2011), si- América Latina y en los países en desarrollo es
guiendo los planteamientos de Sen (2000), el financiamiento de los programas, lo cual es
aun cuando el país sea de ingreso bajos pero condicionado por el tamaño de la economía,
mientras garantice la asistencia sanitaria y la la efectividad de la captación de impuestos;
educación a todos puede conseguir notables para los países de América Latina los PTMC
resultados en lo que se refiere a longevidad y representan en promedio el uno por ciento de
calidad de vida de toda la población. su Producto Interno Bruto.
En este sentido, Skoufias y Parker (2001)3 se-
ñalan la eficacia de las TMC podrían respecto
a las intervenciones tradicionales porque el
condicionamiento reduciría el costo de opor-
tunidad de la escolarización; esto a su vez re-
forzaría el efecto ingreso de la transferencia,
dado que la asistencia a la escuela y el trabajo
infantil son sustitutos entre sí. Villatoro (2005),
establece que los PTMC se han considerado
más eficaces que las intervenciones tradicio-
nales contra la pobreza, que la asistencia a la
escuela sustituiría el trabajo infantil.
Los PTMC son realmente recientes, pues
para 1995, todavía no se encontraba, a nivel
mundial, ninguna experiencia que integrara
simultáneamente los componentes de salud,
educación y alimentación. Ni programa algu-
no que considera el mantenimiento de reu-
niones constantes con expertos nacionales y
extranjeros sobre los componentes, caracte-
_________________
2
Inicialmente la alimentación, salud y educación de los niños, ahora en el caso particular de Oportunidades, los
jóvenes pueden continuar dentro del programa hasta concluir la educación media superior.
3
Citado en Villatoro, 2005.
77
de becas y apoyo para la adquisición de útiles
escolares, y en el caso de los becarios de edu-
cación media superior se otorga un incentivo
monetario a fin de que concluyan el nivel de
estudio.
2. Componente de Salud. Proporciona
de manera gratuita el Paquete Básico Garan-
tizado de Salud6, promueve una mejor nutri-
ción (desnutrición y obesidad) de la población
beneficiaria, fomenta el autocuidado de las
familias y comunidad. En el caso de la pobla-
ción de Adultos Mayores el PDHO otorga un
apoyo monetario mensual.
3. Componente Alimentario. El PDHO
otorga apoyos monetarios directos de mane-
ra mensual a las familias beneficiarias a fin de
mejorar la cantidad, calidad y diversidad de
su alimentación, que permita mejorar su es-
tado nutricional. Adicionalmente se entregan
suplementos alimenticios a niños y mujeres
Programa de Desarrollo Humano Oportu- embarazadas y en periodo de lactancia.
nidades Desde el programa previo a Oportunida-
des, se estableció que el monto máximo de
Este programa surge en el sexenio del pre- los apoyos monetarios se fijaría tomando en
sidente Vicente Fox (2000 – 2006), cuyas pre- cuenta no inhibir el empeño de las familias
misas básicas eran: i) El mejoramiento de las por superar su condición de pobreza median-
condiciones en educación, salud y alimenta- te esfuerzos personales de superación fami-
ción; ii) Desarrollar las capacidades de las fa- liar. Es decir, los apoyos buscan facilitar a las
milias en pobreza extrema; iii) Participación familias en pobreza extrema una base a partir
activa y corresponsabilidad de las familias en de la cual desarrollar iniciativas para su auto-
beneficios de la educación, salud y alimenta- suficiencia económica. Asimismo, si bien los
ción; iv) Interacción de otros programas del apoyos se dirigen para atender a todos los
sector social y gobiernos locales. niños y niñas en la escuela, también se evita
De acuerdo a las líneas de operación del fomentar familias muy extensas. Por ello, las
PDHO, los hogares beneficiarios son aquellos becas escolares se otorgarán a niños que asis-
en los que las condiciones socioeconómicas ten de tercero de primaria en adelante (Poder
y de ingreso impiden desarrollar las capacida- Ejecutivo Federal, 1997:51).
des de sus integrantes en materia de educa-
ción, nutrición y salud; cuyo ingreso per cápita
se encuentra por debajo de la Línea de Bien-
estar Mínimo (LBM) y habitan en localidades
con un índice de rezago y marginación alto.
El PDHO consta de tres componentes prin-
cipales:

1. Componente Educativo. Apoya a la


inscripción, permanencia y asistencia regular
a la educación primaria, secundaria y media
superior de las familias beneficiarias, a través
_________________
6
El cual comprende acciones de salud hacia la comunidad como son el manejo de la salud e higiene en la co-
munidad (desinfección de agua, manejo de fauna nociva, etc), así como acciones que ayuden a la salud personal
(planificación familiar, atención prenatal y del parto).
78
De acuerdo a los lineamientos de operación 2.4% respectivamente.
del programa, los beneficiarios tienen corres-
ponsabilidades y compromisos que permiti-
rán su continuidad en padrón, entre las que
destacan: a) Inscribir a los jóvenes de 21 años
en educación básica y media superior (de
acuerdo al grado que correspondan); b) Todos
los integrantes de la familia deben acudir a las
citas programadas en los servicios de salud;
c) Participar de manera mensual a los talleres
comunitarios de autocuidado de la salud.
En relación a los compromisos que adquie-
ren las familias beneficiarias se encuentran: a)
Destinar los apoyos monetarios al bienestar
familiar, en particular a la alimentación y edu- En relación a los montos asignados a las
cación de los hijos; b) Apoyar a que los inte- Transferencias Monetarias Condicionadas
grantes de la familia asistan de forma regular fueron en aumento para la Región Centro-Oc-
a clases y mejoren su aprovechamiento; así cidente en el periodo 2009-2011, sin embargo
como la incorporación a los servicios de edu- en el último año esté disminuyo en precios
cación para aquellos adultos en condición de constantes, así mismo, desapareció la trans-
rezago educativo; y c) Participar en la asam- ferencia denominada Apoyo Energético. Lo
blea comunitarias de autocuidado de la salud que destaca del total de las transferencias es
y del entorno. que casi el 50% de estas son otorgadas para
Aun cuando el programa Oportunidades el apoyo a la educación.
fue creado en el sexenio de Fox, su antece-
dente inmediato es el Progresa implantado
en el sexenio del presidente Zedillo, que de
acuerdo con Cortes et al (2007), fueron dise-
ñados para el combate de la pobreza inter-
generacional y su transmisión y no la pobreza
actual, pero que, es quizás el carácter masivo
del programa que se ha considerado como
un programa de combate a pobreza.
Para el año 2010, Oportunidades benefi- De acuerdo con Cogco y Rodríguez (2009),
ciaba a más de 5.5 millones de familias. En una de las características principales de Opor-
la región Centro Occidente esa cifra ascen- tunidades, es la coordinación interguberna-
día a cerca de 1.2 millones de familias en los mental e interinstitucional que influye en su
9 estados que la comprenden. La evolución implementación. Es decir, la participación de
entre 2000 y 2010, presenta que las locali- los diferentes niveles de gobierno dentro de
dades beneficiadas en la región pasaron de un marco descentralizado de funciones. Todo
16,034 a 27,821 correspondiendo a un incre- ello con la finalidad de que los actores de los
mento promedio anual del 5.7%; en relación distintos órdenes gubernamentales se involu-
a las familias beneficiarias estás aumentaron cren en la atención a la población vulnerable
en promedio anualmente 7.67%, pasando de que viven sus localidades a través del progra-
567,439 a 1’188,249 en el periodo. El porcen- ma.
taje de los hogares beneficiados en la región Niño-Zarazúa (2011), señala que Oportuni-
pasó del 12% al 19%. Los estados que llaman dades es un programa de combate a la po-
la atención son Aguascalientes que aumentó breza con que liga el ingreso por transferen-
en el periodo el número de localidades en 19% cias monetarias con la intervención en salud,
promedio anual, mientras que las familias lo educación y nutrición, teniendo como princi-
hicieron en 37%. En tanto que el estado que pal objetivo el combate a los mecanismos de
menor crecimiento tuvo en ambos rubros fue transferencia intergeneracional de la pobreza,
Jalisco con tasas promedio anuales de 2.9 y a partir de la inversión en capital humano.
79
En la Región Centro-Occidente, los datos
Pobreza y Marginación en la Región Cen- señalan que en promedio de los nueve es-
tro – Occidente de México tados, el 45% de la población se encontraba
en situación de pobreza, encontrándose por
El Consejo Nacional para la Evaluación de la arriba de esta cifra los estados de Guanajua-
Política Social (CONEVAL), define una perso- to, Michoacán, San Luis Potosí y Zacatecas. En
na en situación de pobreza cuando tiene al relación a la pobreza extrema, Michoacán y
menos una carencia social (en los seis indica- San Luís Potosí, son los estados que presenten
dores de rezago educativo, acceso a servicios un mayor porcentaje de población, los cuales
de salud, acceso a la seguridad social, calidad ascienden a 13.48 y 15.45 respectivamente, lo
y espacios de la vivienda, servicios básicos en cual podría asociarse a la estructura económi-
la vivienda y acceso a la alimentación) y su in- ca de carácter tradicional y a la presencia de
greso es insuficiente para adquirir los bienes grupos étnicos en la región. En relación a las
y servicios que requiere para satisfacer sus carencias sociales los estados que conforman
necesidades alimentarias y no alimentarias. la región, tienen una población similar en si-
Cuando se habla de pobreza multidimensio- tuación de carencia (salud, seguridad social,
nal, se refiere a que la metodología para su alimentación, educación), que lo tienen todos
medición utiliza factores económicos o socia- los estados en el país.
les en su concepción y definición.
Cortes et al (2011), señalan que al hablar de Metodología
necesidades elementales, estas comprenden
tres grandes grupos. El primero correspon-
de a las necesidades de alimentación diaria;
el segundo a las necesidades de educación
y salud, que corresponde a las necesidades
de capacidad; y el tercero a la necesidad de
contar con una vivienda digna, es decir, de un
enfoque multidimensional.
En este mismo sentido la Ley General de
Desarrollo Social (2003) estableció que la me-
dición de la pobreza en el país tendría que ser
en un enfoque multidimensional, existiendo
así la siguiente tipología a partir de la compa-
ración de los ingresos de las personas con los Siguiendo los trabajos previos de los auto-
valores monetarios en diferentes líneas. res (Barrón et al., 2012 y Orozco et al., 2013) se
• Pobreza alimentaria: Incapacidad utiliza el Modelo de Regresión por Cuantiles
para obtener una canasta básica alimentaria, (MRC), cuya característica principal es que
aun si se hiciera uso de todo el ingreso dispo- permite estimar el efecto marginal entre los
nible en el hogar para comprar sólo los bienes hogares en distintos puntos de la distribución
de dicha canasta. condicional, al ser la mediana la referencia en
• Pobreza de capacidades: Insuficiencia la regresión.
del ingreso disponible para adquirir el valor Así mismo el MRC presenta mejores re-
de la canasta alimentaria y efectuar los gas- sultados para trabajos de sección cruzada
tos necesarios en salud y educación, aun de- (encuestas), que por naturaleza pueden pre-
dicando el ingreso total de los hogares nada sentar heterocedasticidad. En términos del
más que para estos fines. PDHO el usar el MRC, es que permitirá obser-
• Pobreza de patrimonio: Insuficiencia var la distribución del bienestar de la pobla-
del ingreso disponible para adquirir la canasta ción (deciles) en función de las transferencias
alimentaria, así como realizar los gastos nece- monetarias condicionadas.
sarios en salud, vestido, vivienda, transporte Siguiendo los planteamientos de Velez
y educación, aunque la totalidad del ingreso (2011) el MRC permite: a) la modelación de los
del hogar fuera utilizado exclusivamente para extremos de la variable respuesta; b) identifi-
la adquisición de estos bienes y servicios. cación de efectos asociados a las covariables
80
sobre la distribución condicional; c) ante una (Chávez, 2008).
presencia de ceros la regresión cuantílica no En el cuadro 6 se presentan los resultados
se ve afectada; d) describe el comportamien- de la estimación cuantílica. En cada columna
to del cuantil deseado, dando mayor flexibili- se muestran las estimaciones para cuantiles
dad a datos no alta variabilidad7. del 0.1 al 0.9 (τ). Y también, se anexaron para el
Las ecuaciones que permitirán estimar el análisis las estimaciones por el MCO en la últi-
impacto de las transferencias monetarias ma columna. Se encuentra que los resultados
asignadas a los hogares beneficiados del indican que:
PDHO en el gasto que éstos realizan en ali- La situación particularmente relevante es el
mentación, vivienda, salud y educación. efecto que las transferencias monetarias tie-
nen sobre las variables alimentación, salud y
(1) educación. Las cuales vienen a considerar las
entradas en efectivo, o en especie recibidas
por los integrantes del hogar, sin demanda de
retribución por el provisor, o donante. Por lo
que esta se considera la suma de las variables
Donde Yi representa el gasto anual de las jubilación, becas, donativos, remesas y bene-
familias en educación, salud y educación. En ficios gubernamentales. De estas variables,
tanto que transferenciasi,r,n se asume que es quien viene a tener un papel importante en el
la suma de los ingresos recibidos por transfe- total de las percepciones recibidas, son las ju-
rencias monetarias a través de becas y otros bilaciones, ya que presenta montos elevados,
beneficios gubernamentales (i), por cuantil (r) respecto a las otras variables.
y familias (n). Los resultados del modelo por cuantiles
Para conocer el efecto de estas transferen- muestran un efecto positivo en todos los
cias monetarias de manera desagregada se cuantiles y con un ligero incremento (0.02
utiliza la ecuación (2). puntos) para los años analizados (2008, 2010),
y un mejor impacto en las variables alimenta-
(2) ción y educación. No así en salud, esto puede
ser debido a que las familias beneficiada reci-
ben atención médica del Seguro Popular y/o
IMSS – Oportunidades, IMSS,o ISSSTE. Cuan-
Las variables exógenas corresponden a los do se tiene el gasto en salud es debido a que
ingresos por transferencias monetarias, tanto en la clínica no se encuentra el medicamento,
en becas como el otorgado por el PDHO, res- o se prefiere ir a un servicio médico particular
pectivamente. porque el médico no es pediatra, o no tiene
Los datos utilizados provienen de la En- los recursos necesarios para diagnosticar y re-
cuesta Nacional de Ingresos y Gastos de los cetar.
Hogares para los años 2008 y 2010 (ENIGH), La variable alimentación presenta ma-
realizada por el Instituto Nacional de Estadís- yor sensibilidad a las transferencias después
tica y Geografía (INEGI). El manejo que se hizo del quinto cuantil (0.11), pues se observa que
para la base de datos corresponde a lo reali- quienes se encuentran en el noveno cuantil
zado por Orozco et al. (2013). ven duplicado su beneficio. Más aún, tienen
un incremento de 0.16 sobre el primer cuantil.
Resultados Esta situación de impacto de las transferen-
cias se observa en la educación, ya que solo
El MRC permitió caracterizar la distribu- entre el octavo y noveno cuantil de 2008, se
ción condicional de la variable dependiente tiene un incremento de 0.17, y del tercero al
(alimentación, educación y salud), particular- noveno hay un incremento 0.30. De igual ma-
mente el efecto de las variables dependien- nera, se puede percibir en el 2010, solo que el
te en los distintos puntos de la distribución aumento entre el octavo y noveno cuantil es
_________________
7
Mas sobre esta metodología puede encontrarse en Koenker (2000, 2005) y Koenker y Hallock (2001), así como
aplicaciones al PDHO en Barrón et al. (2012) y Orozco et al. (2013).
81
de 0.08. Es decir, se podría considerar que los arriba de la media. Nuevamente, el sector sa-
hogares en mejores condiciones de ingreso lud, no presenta una modificación importante
se ven mayormente beneficiados que aque- en los hogares ante el beneficio recibido por
llos ubicados en los primeros cuantiles. Pues, las becas.
ante un incremento de $100.00 en transfe- Los efectos de los beneficios gubernamen-
rencias monetarias, los hogares en el octavo tales, mayormente determinados por los apo-
y noveno cuantil, vieron favorecido su ingreso yos recibidos del PDHO, para los hogares de
en un 15 y 20%, en la alimentación, 14 y 31.5% la región centro – occidente, respecto a la ali-
en educación en el 2008. Mientras 17 y 18% mentación, salud y educación, para MCO son
en alimentación, 24 y 34% en educación, en el estadísticamente significativos y positivos, en
2010. Resaltan estos resultados, ya que al me-
nos duplican los valores resultantes con MCO
(Cuadro 7).
Los resultados de becas en el gasto de ali-
mentación, salud y educación muestran tam-
bién una tendencia positiva, significativa y
creciente, siendo del sexto al noveno cuantil
los más favorecidos en ambos años, pues su
aumento es de dos a tres veces con respec-

alimentación y salud; en tanto que en educa-


ción fueron menores. Los resultados de los
modelos por cuantiles son positivos y signi-
ficativos del quinto al noveno cuantil para la
alimentación, salud y educación. Sin embar-
go, en algunos cuantiles del 2008 y 2010 se
observan algunos coeficientes negativos.
Lo que indica que ante el aumento de los
to a la media encontrada en los MCO en la beneficios gubernamentales – oportunida-
distribución condicional de las variables de- des en salud y educación, por ejemplo, para
pendientes (Cuadro 8). Lo que indica que el los hogares en los cuantiles primero (2008),
cuantil más pobre para alimentación recibió segundo y cuarto (2010); y primero y segundo
de los beneficios en becas entre 2 y 9% en cuantil (2010), en vez de mejorar, o impactar la
el 2008. Mientras que en 2010, estos benefi- condicione salud y fortalecer el capital huma-
cios se incrementaron cinco veces respecto al no de los hogares, disminuyen con participar
2008. Mientras que para los cuantiles supe- de esta transferencia monetaria.
riores (sexto al noveno), el incremento fue dos Así, en la figura 1, se observan los coeficien-
o tres veces más. tes estimados de la regresión cuantílica para
De igual manera, el impacto de las becas en la variable explicativa de la distribución bene-
la educación, se observa incrementada en el ficios gubernamentales. En el eje de las orde-
2010, respecto al 2008. Pero disminuida en 1 a nadas se encuentran los gastos de los hoga-
2%, en el 2010, para el grupo de hogares ubi- res en alimentación, salud y educación, y en el
cados en el octavo y noveno cuantil. eje de las abscisas se encuentran los cuantiles
Por su parte, los beneficios de las becas en de la función de distribución de los ingresos
el sector salud, presentan una tendencia ne- por beneficios gubernamentales Oportunida-
gativa en los hogares ubicados en los prime- des. En tanto, la línea horizontal representa las
ros cuatro cuantiles y un ligero beneficio en estimaciones de MCO del efecto promedio
el sexto y noveno cuantil, en el 2008. Caso condicional, la curva representa la regresión
contario es en el 2010, pues presenta un ligero cuantílica y la sombra representa la banda de
mejoramiento de los hogares pobres (tercero confianza de 90%.
0.4% y cuarto cuantil, 3%), pero muy por de- En el 2008, se observa que los ingresos re-
bajo de la media (13%). Y los hogares en el oc- cibidos en los hogares en los primeros cuanti-
tavo y noveno cuantil, se encuentran 3% por les se mantienen constantes, pero por debajo
82
de la media (0.347, MCO). Pero con una pen- oportunidades, donde todos los individuos
diente positiva, en los hogares ubicados del deberán estar en las mismas condiciones
séptimo al noveno cuantil. Así, en el caso de para ser aceptados entre los aspirantes que
la alimentación, todos los hogares se ubican van a competir por tal desempeño y alcanzar
por debajo de la media, pero con un mayor el mismo resultado. A fin de favorecer a través
impacto para quienes se encuentran en el no- de la nivelación de campo de juego la libertad
veno cuantil. En la salud, los beneficios reci-de elección y no quede condicionada por las
bidos tienen un mayor impacto. Es decir, de circunstancias de los participantes.
1% del primer cuantil al 7 y 16% en el noveno Por ello, cualquier política pública sobre
cuantil. En la educación, los hogares benefi- igualdad de oportunidades deberá favore-
ciarios de los apoyos gubernamentales pre- cer que los individuos alcancen sus objetivos
sentan un beneficio creciente, pues va de 4% independientemente de sus circunstancias y
que es la media, a un de casi un 30%, para los los puedan lograr sólo del esfuerzo que rea-
hogares en el noveno cuantil. licen. Así, propone una política que maximice
En el caso de 2010, la pendiente en alimen- la ventaja del grupo con más desventajas al
tación se mantiene constante y dentro de la mismo nivel de esfuerzo relativo. Es por eso
media. Asimismo, en la salud, el ingreso reci- que los PTMC han tenido un cierto impacto
bido por los hogares beneficiarios se mues- en los programas sociales, como el PDHO. Sin
tra invariable, por debajo de la media (8%), embargo, según los resultados expuestos y
aunque con ligero incremento en el noveno por la aplicación de la MRC, se constata que
cuantil (15%). En el caso de la educación, el in-
estos programas tienen un relativo impacto,
cremento de los ingresos por beneficios gu- pues apoyan el ingreso de las familias bene-
bernamentales impacta del quinto al noveno ficiarias y el gasto en las variables de estudio
cuantil, pues pasa de 13 a 58%, casi 3 veces consideradas como parte del bienestar social:
más del promedio de ese año (19%). Por lo que alimentación, salud y educación. Pero, ese im-
los beneficios públicos muestran mayor im- pacto es diferenciado y desigual, ya que favo-
pacto en el gasto en educación que en cual- rece más a las familias con mejores condicio-
quiera de los otros aspectos de los gastos en nes de ingreso y se ubicaban en los cuantiles
los hogares. superiores (0.7 al 0.9).
La mayor sensibilidad a las transferencias,
Reflexiones finales beneficios y becas se observa en la alimenta-
ción y la educación. Mientras, estos ingresos
En conclusión, a partir de los planteamien- recibidos vienen a tener menor rendimiento
tos teóricos de propuestos por John Roemer para el gasto en la vivienda y en la salud al
(1998, 2000, 2002, 2005) sobre la igualdad de mantenerse constantes en las familias con
menores ingresos. En tanto para las familias
de mayores ingresos tienen mayor beneficio
por participar también de estos ingresos. Y
aunque se presenta un ascenso de los ingre-
sos de las familias y apoyo para el bienestar,
no resuelve, como se piensa, las desigualda-
des entre las familias participantes, ni entre
las generaciones, pues no nivela el campo de
juego de los individuos, pues se siguen en-
contrando en desventaja de frente a quienes
tienen mayor ingreso y participan de estos
programas. Además, queda por analizar la
relación e impacto de estos programas ante
la igualdad de oportunidades en el acceso al
empleo.
Los resultados antes expuestos coinciden
con los hallazgos de Cortes et al (2007), que
señalan que Oportunidades pudo haber in-
83
cluido segmentos de hogares que están fuera ginas/Glosario.aspx > Acesso em 15 Abr. 2013.
de la definición inicial de población benefi-
ciaria, al incorporar localidades con menores CORTES, Fernando, BANEGAS, Israel y SO-
niveles de marginación y por tanto, más he- LIS, Patricio. Pobres con oportunidades: Méxi-
terogéneas, lo que daría cabida a mayores co 2002-2005. Estudios Sociológicos vol. XXV,
errores de inclusión. En relación al empleo, núm. 1, enero-abril, 3-40, 2007.
los resultados apoyan lo expuesto por Bra-
camontes et al. (2011), quienes coinciden en CORTÉS, Mariana; JUÁREZ, José y RAMÍREZ
que la superación de la pobreza no depende Benito. ¿Cómo se distribuyen los recursos
solo del esfuerzo familiar o individual; donde para el combate a la pobreza? Análisis regio-
el desarrollo de capacidades requiere un en- nal de la asignación del presupuesto del pro-
torno económico favorable que permita a las grama Oportunidades en el estado de Puebla,
personas incorporarse a un empleo, que les México. Ra Ximhai, vol. 7. Núm 1. Eneroabril.
lleve a superar la situación de pobreza y me- 1-11, 2007.
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ANÁLISE DA IDENTIDADE FEMININA NA OBRA
FILOSOFIA MESTIÇA, DE MICHEL SERRES
Carlos Fernando Leite
Programa de Pós-Graduação em Comunicação
e Cultura
Universidade de Sorocaba
bubba.johnnyreb@gmail.com

RESUMO
Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior sobre a relação da obra de Michel
Serres com a comunicação. Aqui partimos do conceito de mestiçagem, desen-
volvido na obra de Serres em Português do Brasil, Filosofia Mestiça (Le tiers-ins-
truit no original francês), pois é o único lugar em que saiu com este nome-concei-
to; inclusive o próprio autor manifestou-se favorável à ideia de Mestiçagem, para
discutir questões como a alteridade, vista na terceira pessoa, isto é, nem um nem
outro, mas mestiço, que carrega em seu corpo-espírito, coisas dos dois. Portan-
to, trabalha com a “terceira pessoa: procedência; a terceira mulher: concepção;
o Mestiço instruído: ancestrais”. Considerando os conceitos e proposições de
Serres, pensemos a identidade da mulher Latino-Americana e seus variados pa-
péis na construção do fazer-se mulher, nesse continente onde, historicamente, a
miscigenação de Europeus com os povos nativos e depois disso com Africanos
criou um ser mestiço, mas não bem visto socialmente pelas elites locais que a
consideravam – e ainda consideram – como uma servil desqualificada; a cor de
sua pele e seus recursos evidenciam uma indesejada mestiçagem. Ainda assim,
essa terceira mulher carrega em si uma força antropofágica que a torna distinta.

Palavras-chave: Identidade Feminina, Mestiçagem, Terceira Mulher, Michel Ser-


res.

ABSTRACT
This work is part of a greater research on the relationship of Michel Serres’s work with
communication. One starts from the concept of Mestizaje, developed in the work of
Serres in Brazilian Portuguese, Filosofia Mestiça* (Le tiers-instruit in the original French),
for it was the only place in which this name-concept has appeared; by the way, the author
has shown himself favorable to the idea of Mestizaje, when it comes to discuss issues such
as otherness, in the perspective of the third person, that is, neither one nor the other but
a mestizo, whose body-spirit carries attributes of both. Thereby, one deals with the “third
person: origin; the third woman: conception; the instructed Mestizo: ancestors”. Consid-
ering Serres’ concepts and propositions, let us think the of the Latin American woman’s
identity and her different roles, in her self-constructing process as a woman, in this con-
tinent where, historically, the miscegenation of Europeans with native peoples and after-
wards, with Africans, created a mestizo being, whose social status is badly regarded by
local elites, who used to consider her – and they still do it – as a disqualified servile; the
color of her skin and her features reveal an unwanted miscegenation. Even so, this third
woman’s anthropophagic force is her very distinguishing feature.

* The title in English is: The Troubadour of Knowledge.

Keywords: Female Identity, Miscegenation, Third Wife, Michel Serres.


86
INTRODUÇÃO

O
termo mestiço (ou mestiça) – máticos mais puristas, conservadores. Dada
tanto em relação ao ser humano, a sua importância fundamental à existência
quanto aos animais e outros se- humana, em todos os aspectos, língua e lin-
res vivos – alude àquele que re- guagem fazem-se relevantes à análise. Con-
sulta do cruzamento entre raças diferentes. quanto constitua-se o vetor relacional, por
Por vezes, tal definição soa como sinônimo excelência, em contrapartida, a comunicação
de impureza; algo um tanto quanto pejorati- tem, na linguagem, o seu vetor.
vo. Esta questão está presente na história de Cotidianamente, ao se observar um indi-
muitos povos, desde as épocas mais remotas. víduo mestiço, tenta-se logo verificar qual a
É o caso dos hebreus, entre outros, cujos cos- raça predominante, especialmente quanto à
tumes e tradições previam o casamento entre fisionomia. A alguém cujos pais são oriundos
membros da mesma raça, para que se pudes- de outros países, não raro indaga-se se este
se preservar a “pureza racial”. possui dupla nacionalidade; algo como acres-
E até hoje, entre os mais tradicionais, espe- centar à sua mestiçagem racial, também uma
ra-se e estimula-se o casamento – embora espécie de “mestiçagem geográfica”.
este seja mais raro entre parentes consan- A mestiçagem também se faz presente na
guíneos – entre membros da mesma cultura agricultura. A oliveira, por exemplo, planta mi-
e crença. As Escrituras Sagradas trazem reco- lenar da região mediterrânea, quase sagrada
mendações contra o casamento entre pes- para algumas religiões, necessita da enxertia
soas de outras raças (Deuteronômio 7:3). O entre dois espécimes, para que se desenvolva.
antagonismo à mestiçagem (ou hibridismo) Pelo mesmo processo, produzem-se também
estende-se também ao cruzamento de ani- frutas: goiabas e mangas que chegam a pesar
mais, à semeadura de grãos e à seleção de mais de meio quilo, o umbu-cajá, cujo nome
tecidos para confecção das vestes (Levítico já indica de que mistura se origina. Algumas
19:19). espécies de grãos, especialmente o milho e
Em épocas mais recentes, se não bastassem a soja, também são produzidas dessa forma.
as terríveis consequências que uma guerra é Em relação aos animais, de forma natural ou
capaz de gerar, a humanidade testemunhou planejada, é bastante conhecido o princípio
semelhante repugnância à mestiçagem, na da mestiçagem, de que os mestiços (híbridos)
insanidade de um ditador cuja intenção era são mais fortes que os “puros”. O burro, por
“purificar” a raça humana. Os conflitos históri- exemplo, (mestiço de égua com jumento) é
cos que há séculos ocorrem no Oriente Médio reconhecidamente mais resistente para o tra-
não se fundamentam, senão na intolerância, balho, tanto quanto em relação às patologias,
tanto religiosa quanto racial. A mera hipótese quando comparado a seus pais. Assim tam-
de uma convivência pacífica entre diferentes bém no caso do chamado cachorro vira-lata,
religiões e raças, o que equivale a dizer, cultu- conhecido por sua maior resistência a doen-
ras – uma espécie de “mestiçagem sociocul- ças e flagelos, em relação às chamadas “raças
tural” – causa um antagonismo quase tão ou puras”.
mais acentuado do que aquele que se nutre Estes são apenas alguns exemplos, dentre
em relação à mestiçagem racial, no sentido li- os muitos que se poderiam citar, de como o
teral da palavra. ser humano, ao longo de sua história, tem li-
Até mesmo na linguagem – objeto de es- dado com a questão da mestiçagem – como
tudo da Filosofia há tanto tempo – verifica-se esta é ubíqua e unívoca – acerca da qual, pa-
a presença desse conceito. Como se sabe, ao rece haver mais aspectos negativos que posi-
menos na Língua Portuguesa (quiçá em ou- tivos. De qualquer perspectiva que se analise,
tros idiomas), o hibridismo – que não é senão o conceito de mestiçagem constitui-se em
a mestiçagem entre palavras – é uma das for- um problema – no sentido filosófico da pa-
mas de composição de palavras. Este tam- lavra – pois incomoda e, consequentemente,
bém não passa incólume às críticas de gra- suscita reflexão. No aspecto material, tanto
87
quanto no conceitual, a mestiçagem faz-se no mínimo, dar-se-á adeus à necessidade de
objeto de ampla e rica discussão. carregar documentos.
O presente trabalho pretende-se uma aná- Não se pode imaginar outra forma – não
lise da identidade feminina, em que o con- no mundo capitalista, em que tudo é medo
ceito de mestiçagem evidencia-se, de uma – de organizar os homens em sociedade. Po-
perspectiva trinominal, a saber: procedência, rém, com toda a justificativa possível para o
concepção e ancestralidade. Entretanto, an- controle que se exerce sobre o ser humano
tes que se avance nas reflexões, faz-se suges- e sua vida, na mesma medida, é igualmente
tivo tentar definir cada um destes quatro ele- incômodo saber-se, a todo instante, contro-
mentos; buscar conceituá-los de modo mais lado eletronicamente; saber-se constar onli-
claro. ne em milhares de computadores, quiçá no
mundo inteiro; perceber-se “vulnerável” a
Identidade todo tipo de intenção. Em síntese, a identi-
dade, nessa perspectiva, resume-se ao nome
Juntamente à questão de gênero – quando do indivíduo, ao número de seus documentos
se trata de discutir sobre a histórica relação e a outras informações adicionais que digam
dialética homem/mulher – certamente que o respeito a seu registro como cidadão; trata-se
problema da identidade é também recorren- de quem é você, e não quem você é.
te às discussões. A começar por sua definição. A segunda forma de conceituar a identida-
Pode-se iniciar pelo aspecto mais óbvio, no de é precisamente o oposto da anterior. Tra-
que tange à relação do indivíduo em socie- ta-se da identidade, da perspectiva cultural,
dade, que é seu nome. No mundo capitalis- ou seja: não mais quem é você, mas sim quem
ta, sua identidade é, em primeira e principal você é. É muito pouco provável que alguém
instância, seu nome e, é claro, acompanhado consiga deixar seu país, arranjar emprego,
de uma série inumerável de documentos pes- matricular-se em uma escola, abrir conta em
soais e registros cadastrais nas mais diversas um banco e uma série de outras coisas re-
instituições, em todas as esferas da vida (se- lacionadas ao cotidiano – mas que, nem de
gurança, saúde, justiça, educação, trabalho, longe, definem a pessoa – caso não esteja
finanças etc). com seus documentos regularizados, seus re-
Chega-se ao ponto de, mesmo a pessoa gistros no “cérebro” do sistema, devidamente
estando de corpo presente, se não possui re- atualizados.
gistro civil, é como se esta não existisse; não Mas é igualmente pouco provável – dir-se
se consegue tirar qualquer documento, sem -ia impossível – que o fato de estar com a do-
a certidão de nascimento, que é a primeira cumentação desatualizada, destitua qualquer
forma de controle que o mundo inflige so- pessoa de sua cultura, daqueles atributos
bre o ser humano. É-se o nascimento número verdadeiramente perenes que a fazem dis-
tal, ocorrido no dia tal, do mês tal, do ano de tinta, pois, sabe-se que, no mundo moderno,
tanto de tanto, às tantas horas e tantos mi- até mesmo a mudança de nome, ou seja, a
nutos, com o peso de X kg e o tamanho de mudança daquela identidade a que se pode
Y centímetros, com olhos, cabelos e pele, na chamar de burocrática – embora um proces-
cor Z; alguém que, muitas vezes, ainda nem so moroso e cansativo – pode-se realizar. Ao
se sabe como se chamará; não possui ainda, longo da história, já houve pessoas que tenta-
nem mesmo o nome, o primeiro e mais básico ram mudar seus nomes, alegando as mais di-
atributo, em termos de identidade. versas razões; quiçá até mesmo para escapar
Em síntese: não se é outra coisa, senão um de processos judiciais.
dado. Logo ao nascer, já se torna um número, Por outras palavras, é bem provável que se
um registro. Nesse aspecto, isto é, no que alu- encontrem muitos povos, cujo modo de or-
de às questões da cidadania, ou da vinculação ganização social não implique tanta burocra-
do indivíduo como membro de determinada cia. Entreviste-se um massai, um aborígene,
sociedade, em que pese considerar (e respei- um esquimó, um nativo Tibetano (sherpa), um
tar) as diferenças culturais, pode-se dizer que pigmeu ou um mongol, entre outros exem-
já se alcançaram grandes avanços, graças à plos que se poderiam citar, e facilmente se
tecnologia. O chip subcutâneo está às portas; constatará o quão desprezível faz-se, para
88
estes, a questão do registro documental do diretamente em algumas práticas culturais,
indivíduo. Analogamente a Durkheim, sua so- como é o caso do ritual de iniciação massai,
ciedade não prevê a inevitável coercitividade em que o aspirante há de enfrentar um leão,
social do mundo capitalista. Ademais, não há com apenas uma lança. O interessante é que,
garantia de que o documento apresentado se as leis visam a proteger alguém, esse “al-
realmente corresponda à pessoa. guém” é o leão. No passado, quando essas
O fato de haver povos ou sociedades que leis ainda não existiam, nunca houve qualquer
se organizam sem a necessidade de tanto interferência por parte do Estado, nas práti-
controle, burocraticamente falando, permite cas culturais daquele povo.
inferir – ainda que o referido controle justifi- Destaca-se o respeito à cultura, acima de
que-se, nas sociedades capitalistas – que a outros aspectos; mesmo em se tratando de
identidade de um povo não é senão sua cul- uma prática que, em tese, coloca a vida do
tura. Aliás, as burocracias do mundo moder- ser humano em risco, pelo menos aos olhos
no são relativamente jovens; o ser humano, do mundo chamado “civilizado”. E, antes que
ao longo de sua evolução, viveu muito mais se interprete esta fala como uma apologia
tempo sem a necessidade de tais registros e ao extermínio de animais selvagens – longe
estatísticas. disso – é de bom alvitre lembrar que não se
É igualmente bem provável, que aqueles trata de uma caçada. Mesmo porque, o nú-
povos, se indagados quanto a aspectos de mero de massais que se iniciam anualmen-
sua cultura, mostrar-se-ão absolutamente sa- te não é assim tão elevado. Ademais, o povo
tisfeitos e antagônicos a qualquer mudança massai existe há milhares de anos, e o leão – e
ou influência, ainda que benéfica, em algum quaisquer outros animais – jamais estiveram
aspecto; isso, no caso daqueles que ainda em risco de extinção. O mesmo não se pode
mantêm suas tradições. Contudo, mesmo os afirmar, em relação aos poucos séculos que
mais integrados ao chamado mundo moder- marcam a presença do homem “civilizado” no
no – aqueles que frequentam universidades, continente africano.
casam-se com cidadãos do país, trabalham No interior do Brasil, os tucaneiros têm,
legalmente etc – mostram-se resistentes à in- como ritual de iniciação, a conhecida luva de
fluência ilimitada de outras culturas. formigas, à qual o jovem aspirante é subme-
Outra coisa bem diferente é admitir o pro- tido; outro exemplo de não interferência do
cesso de aculturação, ou choque cultural – poder público na cultura. Muitos povos na-
quase que ou inevitável nas sociedades mo- tivos adotam a prática de matar as crianças
dernas – em que, até certo ponto, há uma que nascem com defeitos físicos ou neuroló-
natural apropriação de aspectos culturais gicos, por acreditar que tais são portadoras
da(s) nação(ões) com as quais se choca cultu- de maldição e, se mantidas vivas, amaldiçoa-
ralmente; o que se evidencia especialmente rão toda a tribo. Neste exemplo, percebe-se,
nas gerações posteriores. Veja-se, por exem- de modo ainda mais irrefutável, que em tais
plo, o caso dos gregos e dos romanos. Os culturas, até mesmo o direito à vida – que a lei
primeiros, com sua filosofia, influenciaram os do mundo chamado “civilizado” estabelece
segundos culturalmente; estes, por sua vez, como supremo – está tão sujeito às conven-
influenciaram aqueles, militarmente. A língua ções da vida prática, quanto quaisquer outros
desempenha papel preponderante no pro- fatores.
cesso, pois se constitui em canal permanen- Diferentemente dos referenciais éticos e
temente aberto à apropriação cultural. Haja morais do mundo dito “civilizado”, por força
vista, que todo indivíduo que domina deter- da cultura, as autoridades ficam, conforme
minado idioma, necessariamente detém co- a expressão popular, “de mãos atadas”, sem
nhecimentos acerca do respectivo país. nada poder fazer. Por outras palavras, as con-
Por vezes, o aspecto político também de- venções éticas e morais do mundo capitalis-
sempenha papel determinante à cultura; con- ta não servem àqueles que – independente-
sequentemente refletindo sobre o conceito mente das razões motivadoras – decidiram
de identidade. As leis de proteção ambiental virar-lhes as costas.
que se têm criado nas últimas décadas, espe- Por outro lado, na sociedade dita moder-
cialmente no presente século, podem influir na, qualquer palmada que se der em um fi-
89
lho, será motivo para que os pais respondam devem desprezar, quando se trata de discu-
ao conselho tutelar. No choque cultural entre tir a questão da procedência. As vivências ali
povos, cada um contribui com aquilo que lhe passadas, inegável e inevitavelmente, acres-
é peculiar e, ao mesmo tempo, incorpora atri- centaram algo à história de vida da pessoa,
butos oriundos da(s) outra(s) parte(s). Em sín- fazem parte dela, independentemente das
tese, a identidade – que não é senão cultura diferenças quantitativas e qualitativas. Nessa
– evidencia o conceito de mestiçagem. perspectiva, analogamente ao manto de Ar-
Tendo em mente esses entendimentos lequim, com suas várias camadas – na obra
acerca do conceito identidade, pode-se pas- de Serres aqui analisada – na procedência, o
sar agora a discorrer sobre o trinômio: Proce- conceito de mestiçagem faz-se também pre-
dência, Concepção e Ancestralidade, concei- sente.
tos que fazem parte do segundo capítulo da
obra de Michel Serres, a qual se está analisan- Concepção
do e que intitula o presente artigo.
A palavra concepção – do Latim concep-
Procedência tione – pode definir-se como reprodução, ou
ainda como opinião ou ponto de vista. No pri-
O termo procedência – ao menos na Língua meiro caso, o termo alude ao ser humano, aos
Portuguesa – alude à origem da pessoa, que outros animais e às plantas; à natureza, como
pode ser entendida, tanto no que se refere à um todo. No segundo, evidencia-se a racio-
nacionalidade, quanto ao lugar de onde se nalidade, atributo exclusivo do homem. Am-
vem, ainda que este não seja o local de nas- bas as noções complementam-se. Os animais
cimento; ou seja, o lugar de onde se é, nem concebem apenas em determinado(s) perío-
sempre é o mesmo onde se vive, ou de onde do(s), seguindo aquilo que, no senso comum,
se chega ao dado momento. Procedência denomina-se instinto.
pode ainda aludir à genealogia do indivíduo; A natureza (meio ambiente) opera dentro
mas este aspecto será discutido no item An- de princípios ainda não totalmente conheci-
cestralidade. dos pelo homem; para muitos, haveria uma
Muitas vezes, deixa-se a terra natal ainda lógica – a cuja explicação o ser humano (ain-
criança, e passa-se a viver em outro lugar – em da) não conseguiu chegar – por trás de tais
alguns casos, bem distante, quando não em princípios. Para Galileu, por exemplo, o livro
outro país – com o qual se desenvolve uma da natureza fora escrito em caracteres mate-
relação muito mais profunda, em todos os as- máticos, embora ali não se encontre qualquer
pectos. O local do nascimento é, para muitos, figura geométrica perfeita. Os primeiros pen-
apenas um dado perene em seus registros do- sadores gregos formularam suas concepções,
cumentais, embora quase ninguém haja que com base na observação da physis. Os povos
o despreze, ainda que o tenha deixado logo nativos e as pessoas do campo, cujo modo de
ao nascer. Veja-se, por exemplo, o caso de Je- vida está mais diretamente ligado à nature-
sus. Tendo nascido em Belém, na Judéia, foi za, em comparação com a população urbana,
criado em Nazaré, na Galiléia. Nas Escrituras sabem dar lições de como “ler” a natureza, e
Sagradas, não se encontra qualquer texto que com ela viver em mais harmonia e equilíbrio.
o chame de Belemita. Por outro lado, Naza- Dentre todos os animais, apenas ao ser
reno e Galileu são adjetivos frequentemente humano foi dado o “poder” de conceber, de
empregados em sua referência. A ganhadora modo racionalmente planejado; optar por
do Nobel da Paz em 1979 identificou-se de tal conceber ou não, neste ou naquele período,
maneira com a Índia, país em que desenvol- por esta ou aquela razão. Diferentemente dos
veu seu trabalho social, que ficou conhecida outros animais, ao o ser humano, a natureza
como Madre Tereza de Calcutá, não obstante não determinou períodos específicos para a
haver nascido na Albânia. procriação; por isso, a espécie humana pro-
Entre um extremo e outro, isto é, entre o lo- vavelmente seja a única a praticar sexo, sem a
cal de nascimento e aquele em que se vive no intenção de procriar. A racionalidade humana
momento, outros lugares pode haver, em que criou a ciência; por ela, chegou-se a conhe-
se habitou por algum tempo, e que não se cer o processo de concepção, em todos os
90
aspectos, a ponto de, hoje, poder-se escolher elemento feminino desempenha um papel
o sexo e certos sinais particulares que se de- igual, quando não superior ao masculino. Na
seja que os filhos tenham (cor dos olhos, ca- classe dos mamíferos, em que se inclui o ser
belos etc), através do mapeamento genético. humano, é a fêmea que, após a concepção –
As células-tronco estão aí, ampliando cons- da qual macho e fêmea participam em igual
tantemente seu campo de ação, eliminando medida, biogeneticamente falando – há de
cada vez mais diferentes tipos de problemas carregar sua cria dentro de si, até que esta
(físicos, fisiológicos, neurológicos). venha a nascer. Por outras palavras, é à fêmea
Contudo, há um ponto de universalidade que cabe toda a responsabilidade de cuidar
na natureza, entre o ser humano, os outros da cria, durante a gestação.
animais e os demais seres vivos: a concepção Há quem pense que o ser humano deveria
é tributária do gênero. Não se concebe coisa ser ovíparo, assim o macho participaria igual-
alguma sem a díade macho/fêmea. Algumas mente da gestação, dividindo com a fêmea
plantas, como por exemplo, o maracujá, hão o tempo de cuidado com o ovo. Isso, no mí-
de ser polinizadas por insetos específicos. O nimo, pouparia o homem da humilhação de
inseto, neste caso, é representativo de um reconhecer que um dia – analogamente ao
terceiro sujeito, cuja atribuição é realizar a fe- mito de Édipo – ele haverá de acasalar (ainda
cundação entre as plantas. Analogamente ao que não se apaixone) com um ser semelhante
círculo vicioso do ovo e da galinha, é a planta àquele que o carregou dentro de si; ao me-
que determina a existência do inseto, ou é ao nos, se quiser perpetuar a espécie.
contrário? Em última análise, dir-se-ia que, se macho
Ou, diferentemente disso, aquela existe, na- e fêmea são da mesma raça, em tese, a “pu-
turalmente, e este a procura instintivamente? reza racial” de seus rebentos está assegura-
Não importa a teoria, nem mesmo se, entre da. Entretanto, ante a impossibilidade de se
as espécies animais, é o macho que procura garantir tal “pureza” em relação às gerações
pela fêmea ou esta por aquele. O fato é que anteriores de um e/ou de outro, o que equi-
ambos são imprescindíveis ao processo, em vale a dizer que não existe raça totalmente
igual medida; ao menos do ponto de vista da pura, há de se reconhecer que – ainda que
herança biogenética. não se possa determinar com precisão o grau
O Livro Sagrado talvez seja o único rela- de mistura – a concepção faz-se necessaria-
to que apresente uma criação desvinculada mente mestiça.
deste princípio, na qual, a partir de elementos
da natureza – mais precisamente, água e ter- Ancestralidade
ra – concebe-se miraculosamente o macho
e, a partir deste, a fêmea é concebida cien- Qualidade de ancestral. Em um primeiro
tificamente (teria o Criador usado uma cos- momento, o termo ancestralidade alude me-
tela verdadeira, falsa ou flutuante?); algo que ramente à genealogia do indivíduo. De modo
a ciência viria a tentar muito tempo depois, geral, a ancestralidade faz-se relevante a to-
com uma ovelha. dos os povos, em que pese considerar as di-
Não é difícil entender a dificuldade que ferenças quantitativas e qualitativas. Não há
muitos sempre tiveram – e ainda têm – de povo que despreze seus ancestrais. Poder-se
compreender e aceitar a jovem mãe Maria, -ia dizer que todas as formas de reverência
sendo concebida, de uma forma igualmente aos ancestrais, entre os diferentes povos, em
miraculosa, ausente do princípio científico da alguma medida, estão ligadas à religiosida-
fecundação entre espermatozoide e óvulo. de. Os povos chamados nativos – em espe-
De uma perspectiva lógica – o que não im- cial as culturas autóctones – evidenciam mais
plica entrar no aspecto religioso – Jesus não consistentemente tais aspectos. Entretan-
poderia nem mesmo ser considerado huma- to, verifica-se que, em países como o Japão,
no. Desse ponto de vista, Maria não teria sido, por exemplo – a despeito de todo o avanço
senão um mero instrumento por meio do qual científico-tecnológico – ainda se mantêm as
o poder divino se há manifestado. tradições; há milênios realizam-se as mesmas
Sendo o gênero, a tônica do trabalho, faz- cerimônias em reverência aos ancestrais. Um
se sugestivo lembrar que na concepção, o aspecto cultural que há resistido aos avanços
91
sociais. de agente/paciente – revela-se mestiça.
Também nas Américas, tanto do Norte
quanto do Sul, houve civilizações como os Identidade Feminina: Mulheridade
Astecas, os Incas, os Maias, entre outros, cuja
cultura tinha a ancestralidade, como um de Gramaticalmente falando, ancestralidade
seus principais aspectos. Ainda hoje, em paí- está para ancestral, assim como mulheridade
ses como México, Peru e outros, os descen- está para mulher. No entanto, não é à gramá-
dentes de antigas civilizações – em muitas tica que se atenta, mas sim, ao aspecto con-
comunidades de diferentes regiões – pre- ceitual; busca-se um entendimento mais am-
servam os mesmos rituais, em relação a seus plo do conceito mulheridade. Analogamente
antepassados. Mesmo em comunidades na- à referência feita ao hibridismo (mestiçagem)
tivas de menor escala, como algumas tribos da linguagem, na introdução ao texto, como
existentes no Brasil, podem-se ver rituais em evidência do conceito de mestiçagem, o ter-
homenagem a antepassados, representativos mo mulheridade – em vez de mero atributo
de tradições que se hão mantido por longo de gênero – pode ser entendido como um
tempo. mestiço (híbrido) entre mulher e identidade.
As sociedades modernas, especialmente Nas culturas mais antigas, como a grega,
em países jovens que foram ex-colônias, den- a judaica e a árabe, e também a dos povos
tre os quais se podem citar o Brasil, os Esta- asiáticos chamados amarelos, em que pese
dos Unidos, o Canadá, são aquelas em que o considerar as diferenças quantitativas e qua-
conceito de ancestralidade aparece de modo litativas, a mulher era considerada, de modo
menos evidenciado. São sociedades orienta- geral – e, em certa medida, talvez ainda o
das por outros referenciais morais e éticos, so- seja – apenas da perspectiva da procriação
ciedades cujos valores, em muitos aspectos, e do cuidado da casa e dos filhos. Entre os
já se distorceram, em face das “necessidades” hebreus, a mulher – juntamente com os ho-
geradas pela inevitável forma de organização mens abaixo dos 20 anos – não era nem mes-
social demandada pelo capitalismo. Parece mo contada no censo. No livro sagrado, logo
não haver lugar ao entendimento conceitual após saírem do Egito, determina-se ao povo
da ancestralidade, para além da questão da que faça o censo. A ordem divina é clara: ape-
genealogia, isto é, saber quem foi o avô, a avó nas os homens de vinte anos acima (Números
e qual o seu país de origem; interesse eviden- 1:3); população que, segundo o texto, tota-
ciado especialmente quando se deseja obter lizou pouco mais de seiscentas mil pessoas.
dupla cidadania. Nem sequer menciona-se a mulher, ou seja,
Rente a todos os demais aspectos aqui sua exclusão é automaticamente aceita como
analisados, a ancestralidade parece sintetizá um fato social, como diria Durkheim.
-los. Anteriormente admitiu-se que a verda- E o problema da mulher não se restringia
deira identidade de um povo é sua cultura; apenas à questão do censo. Não lhe era per-
esta não é outra coisa, senão herança ances- mitido falar em público, interar-se socialmen-
tral. Procedência, por sua vez, alude à origem. te no mesmo nível que o homem, tampouco
Todo ancestral é, ao mesmo tempo, originário opinar nas decisões; em suma: uma pessoa
e originador; procede-se dos ancestrais, ge- absolutamente segregada, no que concerne
nética, racial, étnica e culturalmente; ao mes- à participação social. É provável que tal restri-
mo tempo em que se torna ancestral, em re- ção constitua-se na raiz de todo o preconcei-
lação à posteridade. to e injustiça contra a mulher, a saber: a res-
Ancestralidade é – de modo ainda mais trição à palavra, ao direito de argumentar, de
óbvio – concepção; sendo aquela, tributária defender-se, de ter suas alegações ouvidas e
desta. Nessa perspectiva, em relação a todos ponderadas, na mesma escala de medida, em
os conceitos – Identidade, Procedência, Con- relação ao homem.
cepção e Ancestralidade – o ancestral não é O relato da criação, em si mesmo, já evi-
o agente, como em oposição ao paciente. dencia o conceito de mestiçagem, aspecto
O ancestral é tanto agente quanto paciente. que permeia toda a presente análise. O Cria-
Assim, a ancestralidade – tanto como síntese dor, que apesar de sua onipotência, atribui ao
daqueles conceitos, quanto em relação à día- Filho, levar à frente a missão salvadora; Este,
92
por seu turno, deixa ao Espírito (o Terceiro supostamente alegando que Adão, no lugar
Instruído), a função de consolar e coagir, no dela, jamais se deixaria enganar. O que é isso,
bom sentido do termo. Tudo converge para o senão colocar a mulher em situação de infe-
ser humano. O Pai o cria, o Filho o redime, e rioridade, em relação ao homem, no que con-
o Espírito o acompanha em sua trajetória vi- cerne à inteligência, à astúcia!
vencial, não só consolando, mas também fa- O livro sagrado também relata que, em
zendo dele instrumento material por meio do algumas etnias, como a dos Samaritanos, à
qual possa agir a seu arbítrio. Foi assim com a mulher era atribuída a tarefa de carregar água
manifestação das línguas no dia de Pentecos- (João 4:7). Considerando-se a densidade da
tes (Atos 2:1-8). água – um dos líquidos mais densos que exis-
Assim, o ser humano faz-se necessaria- tem – vê-se que não era tarefa muito fácil.
mente mestiço; criado pela sabedoria do Pai, Outra atribuição feminina era a de ungir os
redimido pelo amor do Filho e sustentado corpos dos mortos com as ervas aromáticas
pela força do Espírito que – por ser ele criado (Marcos 16:1); há de se reconhecer, que mexer
à semelhança do pai – se reflete infimamente com cadáveres não é atividade das mais no-
em sua subjetividade, sua racionalidade, sua bres e agradáveis. Em algumas culturas nati-
inventividade, sua potencial intuição. vas, ainda hoje, cabe à mulher a responsabi-
Entretanto, a criação parece compactuar lidade de semear a terra e, em alguns casos,
com o contexto paternalista de então, muito executar a colheita. Um trabalho indubitavel-
mais acentuado que nos dias atuais. Indaga- mente árduo. Em síntese, pode-se dizer que,
se onde estaria a mulher, em relação ao pro- ao longo da história, a mulher – independen-
cesso? A sabedoria divina parece tacitamen- temente da cultura, e em que pese conside-
te dobrar-se à conveniência humana, pois, rar as diferenças quantitativas e qualitativas
se por um lado, evidencia-se a mestiçagem – sempre ocupou uma posição de submissão,
divina, o que se esperaria, deitasse por terra em relação ao homem, nos mais variados as-
todo e qualquer paternalismo, por outro, não pectos (familiar, educacional, profissional, so-
há espaço para o ser feminino. A trindade só cial etc).
é feminina na palavra. Faz-se absurdo ques- Portanto, se assim o é, mantém-se o foco
tionar por que não houve apóstolas, ou, o que de análise na contemporaneidade. Este, por
teria sido se as houvesse? si, já é um conceito de difícil compreensão;
Apesar de o livro A Cabana (The Shack) – mas em geral, entende-se por contempo-
de William P. Young – ser uma obra de ficção, râneo, o contexto presente. Como ponto de
destaca-se o modo como o autor apresenta partida, tome-se o dado que, não foi antes da
a trindade divina. Contrariamente ao mode- segunda metade do século XIX, que mulheres
lo paternalista da teologia judaico-islâmico- de outras raças e etnias – que não as consi-
cristã – para se restringir às religiões predo- deradas da raça branca, oriundas da Europa e
minantes – no texto, Deus, o Pai, é retratado dos Estados Unidos da América – começaram
como uma maternal afrodescendente afeita a ser aceitas nos movimentos feministas.
à culinária. Jesus, o Filho, personifica-se na fi- Em 1893, a Nova Zelândia tornou-se o pri-
gura de um oriental de meia idade. O Espírito meiro país a autorizar o voto feminino. Entre-
não é senão outra mulher, desta vez, uma de- tanto, o movimento mais significativo nesse
licada asiática, amante da jardinagem. Den- sentido, não ocorreria senão após mais de
tro da tônica preconizada no trabalho, inda- duas décadas. Depois dos primeiros movi-
ga-se: por que não? Quem pode determinar mentos ocorridos na Inglaterra, na década de
a origem do Pai, a raça do Filho ou o gênero 1910, o Reino Unido aprovou, em 1918, o Re-
do Espírito? presentation of the People Act, concedendo
O relato da criação apresenta a primeira às mulheres, o tão almejado direito ao voto.
mulher, como não mais que uma pessoa in- Este foi, sem dúvida, um importante momen-
gênua, facilmente enganável pelo inimigo de to na história das lutas das mulheres por seus
Deus; vítima da linguagem, da retórica malig- direitos; um grande passo, no longo e impre-
na. Assim estigmatizada, Eva tornou-se eter- visível caminho que ainda havia pela frente,
namente alvo de chacota e piadas que com- em sua luta por dignidade.
param a “esperteza” masculina à feminina, A aprovação do voto feminino no Reino
93
Unido acabou por se constituir em estímu- tiça social, qualquer que seja a reivindicação.
lo a que outras nações tomassem iniciativas Em síntese, dir-se-ia que na mestiçagem, jaz
na mesma direção. Acreditando que atra- a força antropofágica distintiva da mulher, e
vés do voto, poderiam resolver os problemas por extensão, do ser humano.
de injustiça social, em todos os aspectos, ao Além da posição social da mulher no as-
mesmo tempo em que também se tornavam pecto familiar e político, no que concerne à
elegíveis, as mulheres consideravam o direito educação e à ascensão profissional – nestes
ao voto, uma das mais importantes dentre as aspectos, até como resultado daqueles – não
questões feministas. tem ela enfrentado melhores circunstâncias;
No Brasil, quase quinze anos depois, as mu- desde o preconceito em relação a certas pro-
lheres foram finalmente autorizadas a votar. fissões tradicionalmente consideradas como
Contudo, tratava-se ainda de uma solução masculinas, até a desigualdade em relação à
provisória, que previa algumas restrições. O remuneração e às promoções profissionais.
Decreto 21076, de 24 de Fevereiro de 1932 – Entretanto, nas últimas décadas, esse qua-
no governo de Getúlio Vargas – concedia o dro tem se alterado. Neste mundo dito globa-
direito ao voto, somente às mulheres casadas, lizado – por mais que a globalização, confor-
porém autorizadas por seus maridos, e às viú- me afirma Milton Santos, incompatibilize-se à
vas e solteiras, desde que estas possuíssem realidade e, portanto, não se sustente como
renda própria. Dois anos depois, em 1934, tais discurso – com todos os avanços já auferidos,
restrições foram retiradas. A obrigatoriedade não há espaço para antagonismos dessa na-
do voto continuou sendo imposta apenas aos tureza. Tal como no dito popular que “contra
homens até 1946, quando então, foi estendi- fatos não há argumentos”, a realidade empí-
da também às mulheres. rica torna insustentável a existência de qual-
Na contemporaneidade, em consequência quer tipo de preconceito de gênero.
de todas as manifestações em prol dos direi- Em algumas áreas universitárias da enge-
tos das mulheres, a questão da construção do nharia, por exemplo, outrora tidas como cam-
gênero passou a ser vista de uma perspectiva pos essencialmente masculinos, é crescente o
social, embora se reconhecesse a impossibili- número de mulheres. Nunca se viu, em épocas
dade de generalização das vivências das mu- passadas, tantas mulheres ocupando cargos
lheres, em suas respectivas culturas, ao longo de alto escalão em empresas, tanto nacionais
da história. Em consonância com o conceito quanto estrangeiras; muito embora, lamenta-
de mestiçagem, não se pode prescindir da velmente, ainda haja diferenças quantitativas
questão da colonização. Esta se faz igual- expressivas, no que alude ao chamado plano
mente relevante à discussão da identidade de carreira.
feminina. Não apenas em nível universitário, mas
Nesse aspecto, verifica-se que, dentre os também em profissões como pedreiro, enca-
países europeus que historicamente mais se nador, eletricista, motorista de caminhão, táxi
destacaram por promover mobilizações em e ônibus – em que outrora só se viam homens
prol dos direitos das mulheres, Inglaterra e – já se verifica presença considerável de mu-
França são os que – e até para fazer jus a esse lheres.
destaque – concentram a maior população de Entende-se que o aspecto familiar, como
imigrantes das mais diferentes origens raciais, base necessária e imprescindível à formação
étnicas e culturais. Nesse particular, podem- social, como também o aspecto político, re-
se citar também o Brasil e os Estados Unidos presentativo da condição de “igualdade” que,
da América, que embora não sejam países em tese, a pessoa deveria desfrutar – no senti-
historicamente antigos, têm uma população do de seu engajamento social, e consequente
tão ou mais amplamente diversificada de imi- “poder” e “direito” de ação e de reivindicação
grantes, quanto a essas origens. – sejam fundamentais ao entendimento e às
Por outras palavras, é obviamente espera- discussões sobre a identidade feminina. Ade-
do, que quanto mais diversificada a popula- mais, de que outra forma, poderiam as mu-
ção, em todos os aspectos – o que equivale lheres lutar pela defesa de seus direitos e por
a dizer, quanto mais mestiça a cultura – tanto justiça social, senão por meio da política, das
mais força ideológica exista, na luta por jus- leis! O Estado tacitamente organizado, ideali-
94
zado por Rousseau – analogamente aos Três a mais antiga diferença entre os seres huma-
Mosqueteiros: “um por todos, e todos por nos – são valores que ainda não existem na
um” – infelizmente, não se materializou. mesma proporção com que são alardeados
Assim, subjacentemente, a questão da jus- como desejáveis. O que há é muito sensa-
tiça também se faz digna de menção, espe- cionalismo em relação ao assunto. Poder pú-
cialmente quanto à violência doméstica. A lei blico, universidades e instituições apregoam
Maria da Penha trouxe inegáveis garantias, esses valores, até de modo exacerbado, por
no que concerne à legitimação dos direitos meio das chamadas campanhas de conscien-
da mulher. Por outro lado, há quem critique a tização, veiculadas das mais diversas formas
criação da Delegacia da Mulher, por entender pelas mídias.
que assim se está estigmatizando ainda mais Entretanto, na prática, ainda se está muito
a mulher – analogamente às cotas universitá- longe de um social digno de se chamar igua-
rias, que na opinião de alguns, são igualmen- litário. Em uma sociedade dita civilizada, não
te estigmatizantes – como um ser a quem, haveria de existir qualquer injustiça ou pre-
por razões absolutamente injustificáveis (qui- conceito. Já se foi muito longe, para que tais
çá, nem mesmo existam), só se concedem elementos ainda se façam presentes.
os direitos, mediante condições especiais do Vê-se que, em relação a todos os aspec-
poder público; quando o esperado seria, que tos analisados – identidade, procedência,
em relação ao homem, quando em recurso à concepção e ancestralidade – o conceito de
autoridade policial ou judicial, a mulher não mestiçagem manifesta-se, individual e co-
houvesse de dirigir-se a locais distintos. letivamente. Ou seja, o sujeito entende-se,
No mundo moderno, capitalista, diferente- individualmente, um mestiço; ou, o terceiro
mente do conceito grego – em que não havia instruído, conforme o autor o denomina. Ao
muita distinção entre ambas – não se conce- interar-se socialmente, em todos os níveis e
bem a moral e a ética como princípios ima- aspectos, ele se torna igualmente um tercei-
nentes ao indivíduo. Na contemporaneidade, ro, porém coletivo; analogamente à teoria
estas são vistas como elementos externos ao moral de Hume, faz-se tanto agente quanto
ser humano; destarte, subordinados às leis paciente e expectador.
humanas. Estas, nem sempre claramente in- Em sua interação sociocultural, ao com-
terpretadas e imparciais. partilhar seus valores, ele se faz agente; por
Soa como uma tentativa de retorno ao agir incorporar os valores de outrem, ele se torna
circunstancial defendido por Maquiavel. As paciente; o justo meio, para tomar por em-
autoridades – que se diga, oportunamente, préstimo a definição aristotélica, seria o ex-
não só em relação à mulher – não raro dei- pectador (aqui, com “x”). Ou seja, o inevitável
xam a desejar, quanto à igualdade de direitos, corolário dessa interação, é o terceiro indiví-
fundamentando e justificando suas ações, duo que – tal como o Dasein heideggeriano
por meio de mecanismos que são, no mínimo, – está em constante expectativa pelo devir,
criticáveis. constantemente se reinventando, em relação
Parece que, na Política, a mestiçagem en- à natureza, ao seu semelhante, à tecnologia, à
tre Legislativo, Executivo e Judiciário não tem ciência, e até em relação a si mesmo; um indi-
gerado um corolário mestiço social digno de víduo em constante miscigenação cultural –
uma sociedade que, se por um lado, é capaz um mestiço heraclitiano – que tenta conceber
de ostentar seus avanços científico-tecno- o (aparentemente in) finito horizonte em que
lógicos, por outro, não tem o pudor pela in- está inserido.
competência em lidar com problemas sociais Destarte, a questão de gênero há de passar
rentes à ética e à moral, causados, em uma por uma mudança de perspectiva dialética.
palavra, pela inconsequência humana. Pro- Na tentativa de abordar a questão da iden-
blemas cuja solução não depende, em boa tidade feminina, culmina-se percebendo que
medida, senão de uma mudança de atitude – talvez seja mais relevante e profícuo discutir
algo nada fácil, e para o que não parece haver a questão, não mais pela antagônica dialéti-
disposição – em relação ao outro. ca de gênero homem/mulher ou macho/fê-
Tolerância e respeito em relação às diferen- mea, mas analisando o ser humano, tal como
ças – dentre as quais está a de gênero; aliás, se este fosse agenérico. Caso contrário, cair-
95
se-ia na esparrela de que, para defender o humano (mulher ou homem), no sentido mais
direito de um gênero, haveria de ser neces- amplo que o termo se permite.
sário estabelecer um novo conflito – mulher/
homem – precisamente contrário àquele que CONSIDERAÇÕES FINAIS
se visa a combater: homem/mulher.
Seria a mera inversão de enfoque, que em Alinhavando os pensamentos acerca do
nada acrescentaria à dialética. Analogamente que até aqui se há ventilado, na tentativa de
ao jogo de xadrez, em que as brancas, com analisar a identidade feminina, tomaram-se
a primazia do lance, nem sempre terminam quatro conceitos para fundamentar a análise:
vitoriosas, em uma sociedade – poder-se-ia Identidade, Procedência, Concepção e An-
dizer, um mundo? – paternalista, não se deve cestralidade. Simbioticamente relacionados,
entender a injustificada primazia dada ao tais elementos permeiam-se pelo conceito de
homem, em relação à mulher, como sinôni- mestiçagem. Este, ubíquo e unívoco em rela-
mo de superioridade social. Há de se buscar ção a todas as esferas da vida, e com o qual o
a harmonia, a igualdade, a eliminação, tanto ser humano tem lidado, ao longo de sua evo-
quanto possível, das discriminações, em to- lução, ora positivamente, ora negativamente.
dos os aspectos. A questão do gênero, como Dir-se-ia que a existência humana é mesti-
classificação, faz-se subjacente, em relação ça, em todas as suas manifestações, material
ao desdobramento da dialética, em que se e conceitualmente. Desse ponto de vista, a
passa da defesa de determinado gênero, de dialética de gênero que se vem desenrolando
modo unilateral, para uma dialética que agre- ao longo da história pede uma releitura, uma
gue ambos os gêneros, e cujo objetivo seja reformulação de concepções acerca de uma
a confusão (no sentido que Serres atribui ao série de aspectos.
termo, na obra Os Cinco Sentidos). Nessa perspectiva, outra questão que se fez
O inevitável corolário dessa fusão de gêne- relevante foi a da colonização. Embora pre-
ro, não é outro senão o Terceiro Instruído. Não sente universalmente, é nos países coloniza-
mais homem, não mais mulher, mas sim um dos que o conceito de mestiçagem é mais
“puro” mestiço de gênero. Ademais, há muito evidente e relevante à questão da dialética de
tempo a ciência já comprovou que o ser hu- gênero. No Brasil, especificamente falando, a
mano é biologicamente mestiço, pois o estro- população é predominantemente composta
gênio – hormônio feminino – faz-se presente de três raças: Indígena, Europeia e Africana.
no organismo masculino, na mesma medida Entretanto, outros povos também chegaram
em que, no organismo feminino encontra-se aqui, pelo processo de imigração; destacan-
a testosterona, hormônio masculino. Só isso do-se os japoneses – dentre as nações não
já deveria ser razão suficiente para que não europeias – que aportaram no Brasil, na pri-
houvesse qualquer (tentativa de) manifesta- meira década do século passado.
ção de superioridade do homem em relação Os Estados Unidos da América, também
à mulher. É precisamente o caráter mestiço – dentre os países colonizados, possui uma po-
em todos os aspectos – que dá à mulher, e pulação bastante diversificada quanto à ori-
por extensão, ao ser humano, a força antro- gem racial, étnica e cultural. Em tais países
pofágica que a (o) distingue. (os colonizados), é precisamente esse caráter
A natureza é mestiça, o mundo é mestiço, mestiço – análogo à cadeia molecular dos po-
a ciência e a tecnologia são mestiças, o co- límeros, resistente a quase todos os compo-
nhecimento é mestiço, a Filosofia é mestiça, nentes químicos – que dá ao povo, sua força
somos todos mestiços; não sabemos o que existencial e ideológica.
somos! Infelizmente (ou dever-se ia dizer fe- Em última análise, arrisca-se a inferir que
lizmente?) a ciência genética (ainda) não con- o problema esteja na maneira como se vem
segue determinar o percentual de diferentes conduzindo a dialética de gênero. Qual o dis-
raças que o ser humano carrega em si; tam- curso predominante no mundo paterno-ca-
pouco se pode avaliar precisamente, de que pitalista. Analogamente ao que se falou no
forma e em que medida, as diferentes vivên- início sobre a identidade, infere-se que, his-
cias que se tem contribuem – pois é certo que toricamente, a questão de gênero haja sido
o fazem – à formação da identidade do ser tratada de modo meramente formal, buro-
96
crático; talvez haja um excesso de idealismo 2014.
e uma escassez de empirismo; ou, por outras
palavras, por um lado, um excesso de teoriza- SANTOS, Milton. Por uma outra Globaliza-
ção e, por outro, uma escassez de ação. ção. Rio de Janeiro: Record, 2000.
Cabe a pergunta: da parte de quem ou
de que organismos espera-se (mais) ação? É YOUNG, William P. A Cabana. Rio de Janeiro:
algo que diz respeito tanto ao poder público, Sextante, 2008.
quanto à população, às instituições, aos inte-
lectuais, enfim, a toda a sociedade. Ninguém
há que possa declarar-se alheio ao processo,
em que pesem as diferenças qualitativas e
quantitativas, no que concerne à
Um possível primeiro passo, por parte de to-
dos, seria a conscientização; seguida da ado-
ção de uma postura mais aberta ao diálogo,
que se materialize em uma atitude – mesmo
em relação aos aspectos mais simples, mas
que, no todo, acabam por se tornar relevan-
tes. Em suma: uma solução mestiça, para um
problema mestiço.
Uma vez que as questões aqui ventiladas
relacionam-se à problemática da intolerância
às diferenças, a frase de Boaventura de Sou-
za Santos afigura-se sugestiva, como síntese
à reflexão aqui proposta: “Temos o direito de
ser iguais quando a nossa diferença nos in-
ferioriza; e temos o direito de ser diferentes
quando a nossa igualdade nos descaracteri-
za. Daí a necessidade de uma igualdade que
reconheça as diferenças e de uma diferença
que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades”.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA. 2 ed. revista e atualizada.


Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1988.

DURKHEIM, Émile. As regras do Método So-


ciológico. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1983.

SERRES, Michel. Filosofia Mestiça. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

_________. Os Cinco Sentidos. Rio de Ja-


neiro: Bertrand Brasil, 2001.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato so-


cial 2 ed. São Paulo: Abril Cultural (Col. Os
Pensadores), 1978.

SANTOS, Boaventura de Souza. O direi-


to dos Oprimidos. São Paulo: Editora Cortez,
97
POLITECNIA/OMNILATERALIDADE, COMPLEXIDADE E
TRABALHO FEMININO JOVEM: PROBLEMATIZAÇÕES

Claudionei Vicente Cassol


Acadêmico do Programa de Pós-
Graduação em Educação nas
Ciências – UNIJUÍ-RS, doutorando
em Educação nas Ciências, bolsista
CAPES (PROSUP/CAPES), orientado
pelo Professor Dr. Sidinei Pithan da
Silva. Email: cassol@uri.edu.br.

RESUMO
Este trabalho, para a reflexão pretendida, parte da proposta politécnica na rede
estadual de educação do Rio Grande do Sul, desde a sua implantação, da inten-
cionalidade da mantenedora, da discussão conceitual e problematização entre
a formação e acesso ao trabalho, pela mulher, tendo como referencial básico a
omnilateralidade sugerida por Marx e a complexida-de trabalhada por Morin. A
reestruturação curricular no RS carrega a preocupação com o ensino médio, ín-
dices de repetência e evasão, além do contingente elevado de jovens, em idade
escolar fora da escola, atraídas pelo mercado de trabalho – mão de obra femini-
na, formação, ocupação e remuneração - ou esquecidas pelo sistema educacio-
nal, instituem a iniciativa da SEDUC, atenta igualmente, para o acesso a escola, a
permanência e o sucesso dos sujeitos em idade escolar. Que implicâncias pode
conter a proposta politécnica nas questões de gênero, principalmente feminina,
no acesso à formação básica, de terceiro grau e inserção no mundo do trabalho?
Uma virada metodológica é construída na rede em torno de três grandes dimen-
sões, decorrentes da focalização na pesquisa como princípio pedagógico e no
trabalho como princípio educativo. As atividades didático-pedagógicas especí-
ficas à vida escolar, como os instrumentos escolares, o espaço, instrumentos e
o mundo cultural, problematizando a circulação feminina entre a formação e o
trabalho, constituem a terceira dimensão do trabalho pedagógico.

Palavras-chave: Formação/trabalho feminino. Politecnia/Omnilateralidade.


Complexidade. Rio Grande do Sul
98
INTRODUÇÃO

A
s motivações para a discussão que pativo, envolvido na sociedade -- portanto
se apresenta, problematizam-se no político, cidadão --, consciente de sua ne-
embalo das condições sócio-histó- cessária relação e envolvimento -- então em
ricas desencadeadas a partir do sé- construção ética. Percebe-se, na proposição
culo XIX e das preocupações antropológicas da politecnia/omnilateralidade, a intenciona-
de Karl Marx (1818-1893) ao pensar, a partir de lidade ou, pelo menos, a possibilidade inclusi-
seu homem/mulher genérico, o ser humano va das questões de gênero. Não como con-
omnilateral, a educação para o trabalhador cepção original da proposta, mas caminhada
e para a trabalhadora, categoria excluída da sócio-política e pedagógica. A politecnia ou
educação burguesa-industrialista desde seu omnilateralidade busca o sujeito integral e
advento enquanto classe hegemônica com todos os sujeitos. Desenvolver formação para
a modernidade iluminista. Tanto a mulher todos e para todas. Educação potencializa-
quanto o trabalhador. Situação que permite dora das habilidades, necessidades, capaci-
analogia com os sujeitos da escola pública na dades e possibilidades humanas, germinando
rede de ensino gaúcha, excluídos ou de se- na modernidade com a racionalidade huma-
gunda categoria, pelo investimento tradicio- nizadora, ciente da incompletude do projeto
nalmente deficitário na escola, deficiência de moderno/iluminista.
educação reflexiva e de pesquisa, de consi- Não somente a tradição marxiana, mas ou-
deração do humano como ser complexo, de tras correntes filosóficas ocupam-se com a
afastamento da profundidade científica, por questão. Apresenta-se Savater (2005), para
vezes, até mesmo do acesso, da permanência quem “A educação deve preparar gente apta
e do sucesso1. Refletimos a omnilateralidade a competir no mercado de trabalho ou formar
como possibilidade de construção do sujeito2 homens [e mulheres] completos?” (SAVATER,
autônomo cultural e cientificamente partici- 2005). Propícia a educação politécnica, justa-
_________________
1
Preocupações do MEC/SEB e da própria SEDUC-RS ao instituir a formação continuada para Professores e Pro-
fessoras do Ensino Médio da Rede Pública Estadual. Documentos do MEC e SEDUC-RS que embasam a práxis:
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica. Educação Profissional Técni-
ca de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio – Documento Base, 2007; BRASIL. Ministério da Educação. Secre-
taria de Educação Profissional e Tecnológica. Leis e Decretos. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe
sobre as diretrizes e bases da Educação Nacional; BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Pro-
fissional e Tecnológica. Leis e Decretos. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997. Dispõe sobre a regulamentação
do parágrafo 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 42 da lei federal 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional; BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Pro-fissional e Tecnológica. Leis e
Decretos. Decreto nº. 11.741, de 16 de junho de 2008, que altera dispositivos da lei 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece diretrizes e bases da educação nacional para redimensionar, institucionalizar e integrar as
ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos, e da educação profis-
sional e tecnológica.; BRASIL/Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, Etapa
II - Caderno I : Organização do Trabalho Pedagógico no Ensino Mé-dio. Curitiba : UFPR, 2014; CNE. Conselho Na-
cional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Parecer CNE/CEB nº 5/2011. Assunto:
diretrizes curriculares nacionais para ensino médio. Parecer aprovado em 5/5/2011; CNE. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução nº 04, de 13 de julho de 2010. Define diretrizes curriculares
nacionais, gerais para educação básica.
GOVERNO RS. Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada ao En-
sino Médio - 2011-2014. Porto Alegre-RS : SEDUC, 2011. Disponível no endereço http://www.educacao.rs.gov.br/
dados/ens_med_proposta.pdf.; GOVERNO RS. Regimento Referência das Escolas de Ensino Médio Politécnico
da Rede Estadual. Porto Alegre-RS : SEDUC, 2011. Disponível no endereço http://www.mat.ufrgs.br/ppgem/fo-
rum/regimento_referencia_politecnico.pdf.
2
Ao nos referirmos no masculino, estamos considerando o gênero feminino e, com isso, estabelecendo uma
crítica a linguagem masculinizada da tradição linguista brasileira e, especialmente, gaúcha. Exerceremos um
esforço no sentido de inserir o gênero feminino na coerência textual da ordenação gramatical, considerando-o
como, também, elemento educador para as questões de gênero que se apresentam fundamentais também em
sua recuperação nesse “território”, a saber, o linguístico.
99
mente no momento brasileiro e gaúcho em to ação essencial de sua força construtora.
que instituições estranhas ao processo edu- Superar a “morte racional” (GRAMCI, 2008),
cacional apontam nessas direções, superfi- opondo-se à capitalista formação do exército
ciais e ideológicas. Olvida-se o estado de uma de reserva.
sociedade de classes em que a educação, a O modo como a formação de educadores
própria instrução, para trabalhadores/as, para e educadoras consolidou-se, especialmente,
a grande maioria da população ainda excluí- no Brasil do século passado, assumindo a ten-
da das atenções públicas, precisa ser criativa, dência global e disseminada desde os tem-
alternativa e de garantida qualidade3 demo- pos coloniais, permite compreender o ensino
crática e cidadã, autônoma, emancipada e reprodutivista, distante ou desligado da pes-
emancipadora. A omnilateralidade4 se põe a quisa. Centrado no conteudismo e memori-
enfrentar a condição de atrelamento e instru- zação, descapacitando sujeitos aprendentes
ção simplista e de controle. (MACHADO, 1989; (FREIRE, 2005). Para Miguel Arroyo (2001), o
ARRUDA, 2012). Educação complexa para o capitalismo tem sido esperto em garantir um
mundo complexo (MORIN, 2011b). Educação mínimo de educação escolar básica para as
que ao apresentar a tradição (ARENDT, 2015; classes trabalhadoras continuando a reprimir
1997) como conteúdo de ensino garanta e o direito à educação. A burguesia5 genitora da
contribua para a consolidação do Estado De- divisão do trabalho, em seu intento tecnicista,
mocrático de Direito. instrumentalista para o mercado de trabalho,
A educação do trabalhador/da trabalhado- distrai o povo e os profissionais da educação
ra desenvolve-se problemática ao colocar-se reduzindo o direito à educação apenas à en-
na esteira ideológico-burguesa-industrialista trada e permanência (ARROYO, 2001). A esco-
porque, enquanto a classe hegemônica pro- la é instituída nessa circunscrição, pois o capi-
move o desinteresse intelectual, outra es- talismo de hoje, afirma Carlos Minayo Gomez
pécie de mecanização/instrumentalização (2012), não recusa o direito à escola; o que ele
das consciências, do pensar e das ações dos realmente recusa é mudar a função social da
membros das classes trabalhadoras (GRAMS- escola. O questionamento dusseliano se põe
CI, 2008 : 76), a classe trabalhadora precisa provocativamente esclarecedor nessa com-
estar apossada da sua identidade enquan- plexidade, por vezes mascarada entre o do-
_________________
3
O Ensino Médio no Rio Grande do Sul apresenta índices preocupantes, ao considerar o compromisso com a
aprendizagem para todos. A escolaridade líquida (idade esperada para o ensino médio 15-17anos) é de apenas
53,1%. A defasagem idade-série no Ensino Médio é de 30,5%. Da faixa etária de 15 a 17 anos, 108.995 jovens ainda
frequentam o Ensino Fundamental (INEP/MEC – Educacenso – Censo Escolar da Educação Básica 2010).
Ao mesmo tempo, constatam-se altos índices de abandono (13%) especialmente no primeiro ano, e de repro-
vação (21,7%) no decorrer do curso, o que reforça a necessidade de priorizar o trabalho pedagógico no Ensino
Médio. A Rede Estadual de Ensino no nível Médio, em termos de matrícula, apresenta a seguinte realidade: turno
da manhã, 184.255; turno da tarde, 53.598; e no turno da noite, 115.666, totalizando 354.509 alunos. Deste total,
279.570 (78,9%) estão na faixa etária (até 17 anos), correspondente a esse nível, e 74.939 (21,1%) têm idade superior
a 17 anos (DEPLAN/SEDUC/RS, 2011).
Consta também que 84.000 (14,7%) jovens entre 15 e 17 anos estão fora da escola (Pesquisa Nacional de Amos-
tra e Domicílio PNAD/IBGE - 2009), e que o crescimento de matrículas foi negativo nos últimos cinco anos. Do
universo de 1.053 escolas, 104 oferecem curso normal, 156 oferecem cursos profissionalizantes e 793 ofertam
exclusivamente o curso de Ensino Médio. De um total de 24.763 professores, 2.016 atuam no curso normal, 2.037
no ensino profissional e 22.747 somente no Ensino Médio. (GOVERNO-RS, 2011).
4
Compreende-se por formação omnilateral do humano, aquela que diz respeito a intelectual e espiritual associa-
da à formação técnica e científica privilegiando a cultural geral, humanística e formativa (ARRUDA, 2012). Para
Arroyo (2001), a politecnia e a omnilateralidade desenvolvem um aspecto desinteressado na educação do sujei-
to. Não instrumentalista, mas uma formação humana ampla para um sujeito integral. A partir de Ivana Jinkings,
citando Gramsci, compreende-se também a omnilateralidade associada a politecnia ao ensinar que “...educar é
colocar fim à separação entre Homo faber e Homo sapiens; é resgatar o sentido estruturante da educação e de
sua relação com o trabalho, as suas possibilidades criativas e emancipatórias”.
5
Burguesia é terminologia assumida nesta discussão como a classe social hegemônica economicamente, de-
tentora e centralizadora do capital a nível mundial, dividida em revolucionária, no primeiro momento, iluminista,
moderno e conservadora, após o movimento da ilustração. Compreensão dessa divisão no iluminismo, busca-se
em Sergio Paulo Rouanet (2008).
100
mínio do sistema de mercado e as relações enigmas do mundo, sobretudo o do estra-
de dominação humana, como reprodução: “... nhamento de um mundo produzido pelos
qué es lo cultural en la mujer? Qué es lo natu- próprios homens?, questiona Emir Sader, no
ral?” (DUSSEL, 1987 : 29). Aqui é possível iden- prefácio de A Educação para Além do capital
tificar a “pedagógica da dominação”. (2012) e, com sua crítica, aproxima-se do pen-
A facilidade do sistema em mascarar a for- samento de István Mészáros (2012), quando
mação e direcioná-la com qualidade para as afirma que as soluções não podem ser for-
classes abastadas e, por outro lado, superfi- mais. Elas devem ser essenciais, abarcar a to-
cial, obreira, para as pessoas empobrecidas, talidade das práticas. O ato educativo do/da
legitima a segregação sócio-econômica e trabalhador/a, atitude genuína, original, pró-
cultural brasileira, tradicional e implacável na pria, criativa, revolucionária na concepção, or-
separação entre aqueles e aquelas que tra- ganização, desenvolvimento, método, estru-
balham – produzem riqueza, movimentam a tura e fundamento, é também o que Miguel
economia com seu suor, sua vida – e aqueles Arroyo discute:
e aquelas que apenas desfrutram. István Més-
záros (2012), na contra-hegemonia, ensina ser Na prática social enquanto prática produti-
a educação o ato de colocar fim à separação va, organizativa, a pedagogia se faz cultura, o
povo se educa e se forja, se torna social cons-
entre o Homo faber e o Homo sapiens. Para ciente. [...] Nesse locus do educativo as classes
ele, educação é resgatar o sentido estruturan- em luta são os sujeitos centrais. [...]O capitalis-
te da educação e de sua relação com o tra- mo tem sido esperto em garantir um mínimo
balho, com as suas possibilidades criativas e de educação escolar básica para as classes
emancipatórias, sentido partilhado também trabalhadoras continuando a reprimir o direito
à educação. A burguesia tem tentado distrair
por Ivana Jinkings (2012). A ação pedagógica, o povo e os profissionais da educação para re-
politécnica/omnilateral auxilia os sujeitos na duzir o direito à educação apenas a entrada
superação da condição de impedimento da e permanência durante anos na escola. (AR-
visualização do concreto. ROYO : 103).
O/A trabalhador/a é uma essencialida-
de porque muda com sua ação a natureza, A questão que se põe crucial é que o ca-
transforma com seu trabalho. É agente da pitalismo conseguiu mexer com a “alma” das
transformação social e construção das coisas, pessoas e superficializar, boicotar, as dimen-
dos objetos, dos artefatos, de sentidos. É o/a sões compreensivas/críticas da consciência,
trabalhador/a quem faz, quem age com for- destituindo, desativando, a capacidade refle-
ça, com sua força física, cultural, intelectual, xiva das pessoas, tornando-as alvo da mani-
social, racional, sentimental, para alterar o es- pulação, a “mortalidade racional” (GRAMSCI,
tado das coisas e, por isso, constrói e cons- 2008 : 80). As classes dirigentes, através de
trói-se. O/A burguês é realidade, existe; mas sua psicologia e de toda uma ciência por ela
não se constitui em essencialidade porque é pensada, alterou o descanso para o descaso
dispensável. Apenas se tornou, por ato pes- e isso transformou-se em escudo pessoal de
soal para si próprio, autoinstituiu-se central, um lado e compreensão hospedeira de ou-
contudo não é essencialidade ou condição tro. A inação, não-crítica, humana já é o vírus
sine qua non para o aprimoramento, desen- da contaminação burguesa do welfare state
volvimento ou ocorrência da sociedade. O implantada nas cabeças/consciências, atitu-
atual sistema-capital é criado, nessa com- des e compreensões dos humanos. “... o fator
preensão, por ele e para ele. No entanto, o/a ideológico mais depravante e regressivo é a
trabalhador/a é o/a agente, o/a construtor/a, concessão iluminista e libertária, própria das
na compreensão de Marx (1818-1893). O sujei- classes que não estão ligadas diretamente ao
to capaz, indispensável, essencial. A socieda- trabalho produtivo, pelas quais as classes tra-
de existe sem o burguês, porém não sem o/a balhadoras se deixam contaminar”. (GRAMS-
trabalhador/a que muda o mundo com sua CI, 2008 : 66). Já dominados agem controla-
ação. dos pelos comandos midiáticos, discursos e
Para que serve o sistema educacional, es- falas hegemônicas bloqueadas para a possi-
pecialmente o público, se não for para lutar bilidade da ruptura dialógica, continua o au-
contra a alienação? Para ajudar a decifrar os tor. Como se uma classe que não está ligada
101
diretamente ao trabalho produtivo contami- A politecnia/omnilateralidade, enquanto
nasse com seu discurso, seu modo de ser, tor-
metodologia de ensino apresentada histori-
nando-se protótipo das classes trabalhado- camente, - mesmo que com outras configu-
ras. rações nos tempos e espaços sócio-históricos
A politecnia6, concebida como omnilate- em que se tornou práxis pedagógica ou dis-
ralidade, enquanto metodologia/teoria de cussão – decorre, também, da preocupação
ensi-no, de construção do conhecimento, de legitimamente republicana e de suas intrín-
relação educacional, tem presente que “Es- secas responsabilidades, como “...a prepara-
tudar é uma forma de crescimento político eção básica para o trabalho e a cidadania e o
ideológico para o enfrentamento da luta no aprimoramento do educando como pessoa
plano das ideias. A instrução é uma importan-
humana, incluindo a formação ética e desen-
te arma de defesa contra a imposição ideoló-
volvimento da autonomia intelectual e pensa-
gica da classe dominante” (MACHADO, 1989), mento crítico...” (SEDUC7 -RS, 2011). É o traba-
porque o capitalismo – e é preciso que tenha-
lho humano que iguala as coisas, os objetos,
mos conhecimento e reflitamos sobre a raiz produtos tão diferentes entre si (MARX, 2014),
do sistema – preocupa-se na em formar cien-de onde brota a percepção da centralidade
tífico-culturalmente, apenas uma minoria. Ado problema. Não se trata de dirigir a politec-
politécnica compreende ser o conhecimen- nia como modalidade de ensino “tecnificado”
to, o saber, a educação, fundamentais para para o mercado de trabalho, mas compreen-
a conquista da liberdade (MACHADO, 1989). der que ela opera na dimensão das potencia-
Karl Marx desenvolve uma crítica ao processo
lidades humanas, do sujeito que age e precisa
de divisão do trabalho no capitalismo e nasser preocupação da escola, de modo ressig-
suas principais fases históricas, permitindo a
nificado. É parte constitutiva do processo de
formulação dos princípios básicos da cons- educação dos sujeitos, a consciência do meio,
trução de uma nova educação: a politecnia do espaço, do tempo e das condições mate-
como desenvolvimento multilateral do indiví-
riais e interpessoais, bem como, do aprender,
duo, capaz de emancipá-lo a contrapor-se aoapreender, assimilar e produzir ciência, co-
processo de deformação causado pela divi- nhecimento, ação diferenciada, participação,
são social do trabalho capitalista. (MACHADO,
envolvimento social. O mundo humano, em
1989). sua complexidade (MORIN, 2011a, b).
Com o advento da visão de lucro, princi-
piam os apressamentos e desvios do sentido
Problematizando conceitos e tensionan- de vida, de trabalho, de educação, cultura,
do aproximações para um conhecimento estado, entre outros. Os apressamentos são
pertinente: omnilateralidade e complexida- superficializações, simplificações, também
de no ato de educar, distanciando-se do hu-
mano como conjunto, totalidade (omnilate-
_________________

6
Embora não haja em Marx, diz o Prof. Justino de Souza Junior (http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/
omn.html, em 01/05/2015, às 04:20hs) uma definição precisa do conceito de omnilateralidade, ela se refere sem-
pre como a ruptura com o homem limitado da sociedade capitalista. Ruptura ampla e radical que atinge uma
gama muito variada de aspectos da formação do ser social, com expressões nos campos da moral, da ética, do
fazer prático, da criação intelectual, artística, da afetividade, da sensibilidade, da emoção, etc. Essa ruptura não
implica, todavia, a compreensão de uma formação de indivíduos geniais, mas, antes, de homens que se afirmam
historicamente, que se reconhecem mutuamente em sua liberdade e submetem as relações sociais a um con-
trole coletivo, que superam a separação entre trabalho manual e intelectual e, especialmente, superam a mes-
quinhez, o individualismo e os preconceitos da vida social burguesa. O homem omnilateral não se define pelo
que sabe, domina, gosta, conhece, muito menos pelo que possui, mas pela sua ampla abertura e disponibilidade
para saber, dominar, gostar, conhecer coisas, pessoas, enfim, realidades – as mais diversas. O homem omnilateral
é aquele que se define não propriamente pela riqueza do que o preenche, mas pela riqueza do que lhe falta e
se torna absolutamente indispensável e imprescindível para o seu ser: a realidade exterior, natural e social criada
pelo trabalho humano como manifestação humana livre.
7
Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul.
102
ralidade8) e à força, particiona/fragmenta o controla um coletivo de sujeitos negando seu
humano e o reconhece como força de traba- direito natural e cultural de felicidade, de par-
lho: habilidade, capacidade de reprodução, ticipar da construção do mundo e o desfru-
transfiguração. Simplificações tendenciosas, tar. A razão instrumental - questionada forte-
descobrindo e abusando das fragilidades hu- mente pela escola de Frankfurt - impede, por
manas, onde se apresentam facilidades ou exemplo, reflexões sobre o mundo humano
possibilidades de dominações, de alienação, que a educação omnilateral (MACHADO, 1989;
criação de necessidades, desenvolvimento ARRUDA, 2012) busca conceber e estabelecer
do fetichismo. A sociedade industrial e - no como horizonte de seu operar. As questões
seu princípio e continuidade - a sociedade de gênero, de diversidade, culturais e eco-
burguesa desencadeia uma formação social nômico-sociais, esquecidas no mundo do
em que o processo de produção domina o capital. Já denunciava Marx, em seu tempo,
homem, e não o homem o processo de pro- na sociedade inglesa, “A exploração abusiva
dução (MARX, 2014). Para o modo de com- do trabalho de mulheres e crianças, o esbu-
preender burguês, essa sobreposição se insti- lho de todas as condições normais requeri-
tui tão natural quanto o processo produtivo. A das pelo trabalho e pela vida e a brutalidade
politecnia se põe, na concepção marxiana, no do trabalho excessivo ou noturno constituem
horizonte da crítica a tal compreensão, pela métodos de baratear a força de trabalho [...]”
preocupação com a formação integral, edu- (MARX, 2014: 534). Para os/as críticos/as do
cação do homem todo. capital, nessa capacidade dominadora do ca-
pital, se esconde sua força exploradora, forte-
A fim de modificar a natureza humana, de mente desumanizadora. Há uma razão, uma
modo que alcance habilidade e destreza em intencionalidade no capital, que conduz para
determinada espécie de trabalho e se torne
força de trabalho desenvolvida e específica, o esquecimento e não perceber-se dos sujei-
é mister educação ou treino que custa uma tos, como indivíduos, como sujeitos. Zygmunt
soma maior ou menor de valores em merca- Bauman faz essa denúncia partindo a razão
dorias. [...] Os custos de aprendizagem, ínfi- moderna: “Toda evocação mágica da univer-
mos para a força de trabalho comum, entram, salidade da faculdade da razão era invariavel-
portanto, no total dos valores despendidos
para sua produção” (MARX, 2014: 202). mente acompanhada por uma advertência de
que a habilidade para usá-la era um privilégio
O pensamento complexo de Edgar Mo- distribuído de maneira escassa”. (BAUMAN,
rin (2011b), ao referir-se à crise cultural e ao 2010: 87). O mundo simplificado, reduzido,
quadrimotor ciência-técnica-indústria-lucro, superficial, desencadeado pelo pensamento
contribui o sentido da discussão até aqui de- reducionista, fragmentador, especialista, tem
senvolvida no texto. Trazemos sua reflexão: comprometido o sobreviver, o viver e o huma-
“Ao acionar os mitos do controle do univer- nizar (MORIN, 2011b) e atrelado a sociedade e
so, do progresso, da necessidade histórica, a educação ao império da ciência, da técni-
da tecnociência, da felicidade efêmera, a hi- ca, da indústria e do capitalismo/lucro.
permodernidade produziu ambivalências, A educação politécnica, decorrente da
contradições, exclusões em nome de uma reestruturação curricular na rede pública do
uniformidade imposta pelo capitalismo glo- Rio Grande do Sul, vê como necessária a asso-
balizado”. O quadrimotor de Morin (2011b) ciação dos elementos do global em uma ar-
permite analisar que a submissão do humano ticulação organizadora complexa, instituindo
à máquina; da sociedade à técnica; do mun- o pensamento capaz de pesquisar, de com-
do humano, ao racionalismo – não somente o preender, de se aproximar afetiva e intelec-
trabalhador/a trabalhadora da fábrica, explo- tualmente do contexto e assumir o complexo
rado ao vender sua força de trabalho, impe- como natural. Nessa dimensão diferencial, vi-
dido de adquirir os produtos de própria mão são pedagógica reformada, atua a politecnia,
fabricados, transfigurados em mercadorias – tencionando para as construções a partir do
complexo. Recoloca-se o conhecimento de
_________________

8
Na concepção que MACHADO, 1989; ARRUDA, 2012 assume da proposta marxiano-gramsciana de educação.
103
interesse, de significado, para o sujeito, para mas genérico. Morin (2011), ao empunhar a
a ciência, para a vida. Constroem-se concei- bandeira do global, afirmando ser “...preci-
tos, expressão de ideias, relações entre ideias, so associar os elementos do global em uma
conteúdos, situações, desenvolvimento do articulação organizadora complexa; é preci-
pensamento, ações sobre o contexto e arti- so contextualizar o próprio global. A reforma
culação de falas significativas, como nas três necessária do pensamento é aquela que gera
dimensões, discutidas por Andréa Fetzner e um pensamento do contexto e do complexo”.
Silvio Rocha (2012). A pensadora e o pensa- (p. 58), também pensa a totalidade. Não de
dor, aproximando-se dos objetivos da rede ao modo fechado, mas na amplitude, na dimen-
implantar a politecnia, visualizam a possibili- são mais abrangente possível. A omnilatera-
dade que a politecnia/omnilateralidade tem lidade pode ser situada nessa preocupação.
de contribuir nas ações interpessoais e intra- Todos os lados, todas as capacidades e possi-
pessoais, despertar o exercício da autonomia, bilidades, cientes da provisoriedade e transi-
nas atitudes com os outros e nas formas de se toriedade do conhecimento, das afirmações,
colocar diante de situações agindo para “con- dos conceitos, das práticas educativas, das
sigo” e no processo de socialização. Veem, próprias pretensões de totalizar, aproxima-
igualmente, as expressões e compreensões se do complexo que tenta “...ver não apenas
éticas, o desenvolvimento de atividades didá- o jogo múltiplo e diverso das interações, im-
tico-pedagógicas com uso de instrumentos bricações, retroações, antagonismos planetá-
escolares, a forma de lidar com o espaço, o rios, mas também os aspectos opostos de um
manejo com instrumentos de seu mundo cul- mesmo fenômeno, notadamente o que na
tural, a motricidade ampla e fina, os aspectos mundialização liga ao opor e opõe ao ligar”.
em articulação e produção a partir do sujeito (MORIN, 2011: 171).
e das relações (FETZNER E ROCHA, 2012). A A politecnia não abrange a complexi-
politecnia/omnilateralidade transita na afir- dade toda pensada por Morin, mas de sua
mação científica dos sujeitos, na cultura e nas época, Karl Marx, propunha a complexidade e
relações pessoais e interpessoais ao instituir- a utopia ao pensar o homem genérico e situar
se, a partir da pesquisa como princípio peda- nele a educação omnilateral como possibili-
gógico e o trabalho como educativo. Preocu- dade de ligações, estabelecimento de plexus,
pa-se com o desenvolvimento, o crescimento unindo as diversas capacidades humanas e
do indivíduo em sua integralidade (corpo, es- os humanos entre si. Configurava, ainda em
pírito, mente) dedicando-se às relações, ao seu tempo, uma proposta educacional com
pedagógico e à ciência. perspectiva histórica e utópica. É o próprio
O conjunto das preocupações marxia- Morin (2011) quem afirma serem necessárias,
nas com a educação politécnica/omnilateral, na atualidade, a perspectiva histórica e a uto-
formação de todas as dimensões do humano pia. Embora com sentido próprio, a utopia
no mundo também em transformação pela marxiana identifica-se a moriniana no senti-
ação do próprio humano, permite a aproxi- do de tornar a vida suportável, poética, sábia,
mação – ainda que parcialmente – com o en- consciente, feliz e realizada, realizando-se
tendimento moriniano de conhecimento per- pela práxis cotidiana dos homens e mulheres,
tinente e com os estudos da complexidade9. sujeitos da história. É inter e transdisciplinar-
A omnilateralidade, denominada no Rio Gran- mente que os dois pensadores dialogam. E
de do Sul, de politecnia, transporta a noção ainda, na preocupação com o humano como
de totalidade do humano e do mundo, numa ser genérico e complexo. Dialogam também,
clara preocupação com a educação e ação na preocupação com o sistema que divide o
da humanidade não de modo simplificador, mundo do trabalho, a sociedade em classes e
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9
Por complexo, Morin (2011: 148) compreende o que é “tecido junto” e utiliza a palavra complexus em seu senti-
do literal para assegurar o sentido. Citando Pascal, a partir da obra Pensamentos, compreende a complexidade
do pensamento como sendo o conhecimento, “...um movimento de vai e vem do todo às partes e das partes ao
todo: é a ligação, ou seja, a capacidade de contextualizar, de situar o conhecimento e uma informação em seu
contexto a fim de que eles adquiram sentido”. Nessa compreensão, nossas aptidões cognitivas funcionam sem-
pre contextualizando e globalizando.
104
o próprio mundo social; a cultura, a educação a ação cultural, para o conhecimento perti-
e as relações entre os humanos, entre o ho- nente, como diz Morin, e também para a polí-
mem e a mulher. Enrique Dussel dimensiona a tica. Nesse horizonte, a educação omnilateral
profundidade do problema, dizendo: “Cuan- que se efetiva pela politecnia, interdisciplinar,
do miro algo, lo fundamental es el que ve; compreende que “O futuro sempre compor-
la presencia masiva de la mujer en las calles, tará riscos, imprevistos, incertezas, mas tam-
pornografía, [propaganda y demás usos de bém poderá comportar capacidades criado-
nuestra cultura], significa que el que constitu- ras, desenvolvimento da compreensão e da
ye ese mundo es el varón y la que “se ve vis- bondade, nova consciência humana” (MORIN,
ta” es la mujer” (DUSSEL, 1987: 18). O homem, 2011: 190).
como dono dos meios de produção, assim o Compreendendo que a práxis não é atitude
quadrimotor moriniano, a ciência-técnica-in- fortuita, superficial ou espontânea, a proposta
dústria-lucro (MORIN, 2011b), exercem a ex- omnilateral estabelece compromissos, princi-
ploração, a dominação sobre o humano todo. palmente, de cidadania e ideais republicanos,
como alerta Pithan da Silva10 (2015), “...todas as
Considerando a práxis da escola pública formas de sociedade são totalitárias quando
na direção politécnica/omnilateral: o mun- proclamam e seguem fins educacionais que
do social e cultural em análise impedem a maioridade dos membros da so-
ciedade”. Imbuída das possibilidades cons-
As mudanças na rede pública do Rio Gran- trutivas para a rede e seus sujeitos, é preciso,
de do Sul, desencadeadas pela reestrutura- também na crítica de Pithan da Silva (2015),
ção curricular, motivam, segundo Frigotto
(2012), o “...pensar a especificidade da escola Pensar e reconhecer a ambivalência do proje-
não a partir dela, mas das determinações fun- to social moderno [pois ele] talvez seja o nos-
so desafio no presente educacional a fim de
damentais: as relações sociais de trabalho, as compreender as ricas heranças produzidas
relações sociais de produção. Trata-se, princi- pela modernidade, em termos do legado da
palmente, de compreender que a produção democracia e do pensamento emancipatório,
do conhecimento, a formação da consciência bem como as suas contradições no que tange
crítica tem sua gênese nessas relações” (p. ao legado da legitimação das forças econômi-
cas constitutivas do capitalismo (2015).
27). A politecnia/omnilateralidade apresenta
a preocupação com superação da condição
Inscreve-se nessa ambivalência a politecnia
de dominação cultural, científica, econômica
que, em sua busca pela educação omnilate-
e social para cidadãos e cidadãs. O desejo ex-
ral, formação integral do humano, humano
presso de formação integral povoa a proposta
genérico, assume a perspectiva da mudança,
gestada ainda no século XIX pela teoria mar-
da valorização do sujeito não pela sua clas-
xiana e repensada no século XX para a qualifi-
se social, mas pela humanidade que o cons-
cação dos sujeitos, primando pela igualdade
titui, pelo sentido do ser. Trabalhador/a não
de acesso, de condições e aproveitamento
apenas braçal, mas sujeito da história, da
e rediscussão das relações sócio-culturais.
economia, em desenvolvimento multilateral,
Conforme Frigotto (2012): “[...o] saber se pro-
emancipando-se ao contrapor-se ao proces-
duz dentro de relações sociais determinadas
so de deformação causado pela divisão so-
e, portanto, assume a marca dos interesses
cial do trabalho capitalista (MACHADO, 1989).
dominantes...”. “Desde la más tierna infancia,
São vários ataques destrutivos na dimensão
nosotros empezamos a pre-determinar a esta
psicológica, social, cultural, racional, senti-
doble funcionalidad social, histórica y política,
mental. Todos atingindo ideologicamente o
unos a ser dominadores y otros dominados”
espírito humano, a força utópica onde locali-
(DUSSEL, 1987: 23). Não existe saber neutro. É
za-se a consciência, a auto e altero consciên-
preciso preparar a população, cidadãos para
_________________

10
Professor Sidinei Pithan da Silva, Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências - Unijuí-RS, Doutor
em Educação pela UFPR-PR, no texto A UNIVERSIDADE NO PROJETO DA MODERNIDADE EDUCACIONAL: O RA-
CIONALISMO ILUMINISTA, citando HELLER, A. & FEHÉR, F. em A Condição Política Pós-Moderna. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
105
cia (MARX, 2010: 10). As questões de relações tradicionalmente ocupado por sujeitos mas-
sociais, culturais e pedagógico-educacionais, culinos, revela que as mulheres estudam mais
relacionadas com aquelas econômicas na tempo, permanecem mais na escola (média
compreensão marxiana, despontam como de 11 anos, 54% matrículas e 58% formaturas),
já condicionadas pela história e, ao mesmo no entanto, estão em menor quantidade mé-
tempo, passíveis de problematização. A dialé- dia no mundo do trabalho e percebem, ainda,
tica nos permite problematizar. os menores salários (69%) ocupando funções,
A mesma relação absolutista do período as mesmas que a dos homens e, embora cres-
religioso-medieval transmuta-se para o cen- cente, ainda díspar nos cargos de gerências.
tralismo absolutista não mais da nobreza,
mas da burguesia, agora. Desse modo, aquilo Indicando uma síntese e um horizonte
que ocorre no interior do sistema capitalista,
retorna ou é apropriado como sua força para O que é a politecnia/omnilateralidade,
que mantenha o domínio. Para destronar essa então? Possibilidade de formação, de educa-
nova nobreza/classe hegemônica, é funda- ção, pela pesquisa, de construção autônoma
mental trocar as armas, o tempo, o espaço e do conhecimento, de inclusão daquele/da-
o cenário. Inclusive a forma de comunicação, quela que historicamente está à margem do
o modo de escrever, considerando as dife- social, do econômico, do científico, do cultu-
renças, as particularidades, as identidades, ral. Politecnia/Omnilateralidade é complexi-
os gêneros. Nas palavras de Dussel (1987) “… dade porque reflexão e ação a partir do huma-
la liberación de la mujer no se va a dar sólo no todo e de todo o humano. Práxis ocupada
por la mujer, sino va a ser una liberación in- em compreender cada sujeito, com suas di-
tegral del hombre, donde también el varón ferenças e semelhanças, particularidades e
se va a liberar, porque no debe creerse que proximidades, respeitando manifestações e
está en mejor situación” (p. 23). Para Gramsci intencionalidades próprias e comunitárias.
(2008), “Enquanto a mulher não tiver alcan- Elementos distintos e idênticos, coletivos e
çado não só uma independência do homem particulares que compõem a cultura, a com-
e um novo modo de conceber a si mesma e plexidade de cada indivíduo e comunidade.
também o seu papel nas relações sexuais, a Nessa dimensão, é possível ver com Dussel
questão sexual permanecerá cheia de carac- (1987) que “…en una sociedad opresora, la
terísticas doentias e será necessário sempre mujer es la primera oprimida, y esta opresión
ter cuidado com as inovações legislativas” (p. es mucho más profunda de lo que cree el va-
47). No tempo presente, no qual discutimos rón que también está oprimido, y de lo que lo
este texto, não é somente mais um proble- cree la mujer que es la oprimida de un oprimi-
ma das mulheres, mas de todos os gêneros do” (DUSSEL, 1987: 12), sintetiza Dussel. O que
e das minorias e maioria porque as relações dizer do gênero feminino na cultura gaúcha,
sociais, assim como o trabalho, estão contro- estancieira, caudilhista?
lados pelo capitalismo. Assim como na dialé- A feminilidade acompanha a mulher no
tica do senhor e do escravo, de Hegel (1770- seu existir, na sua ação, na sua compreensão.
1831), a libertação é sempre processo amplo, E a acompanha em seus gestos, rostos e ma-
complexo, omnilateral. Envolve a consciência, nifestações. Da mesma forma que a masculi-
a concepção e as práticas. Libertação é práxis. nidade acompanha o homem e o compõe. A
Libertado a si, da alienação, da cultura opres- complexidade cultural permite que se com-
sora, liberta-se também o outro/a outra. Dia- preenda o quanto, ao longo da história hu-
leticamente, a ação de libertação da mulher mana, o membro sexual masculino, tem sido
é também libertação do homem. A emanci- concebido, simbolicamente, como a arma,
pação que a proposta politécnica possibilita o poder do homem sobre a mulher e sobre
à educação para além das formatações tradi- a tribo, o grupo. Principalmente no passado
cionais, históricas, permitem visualizar a om- histórico em que o homem se assegurava en-
nilateralidade de Marx e Gramsci, a educação quanto tal pela sua virilidade, pelo seu poder.
complexa, de Edgar Morin no trabalho peda- O elemento sexual feminino desponta, então,
gógico da sala de aula, as questões de gênero. como a caça, o alvo, por-que diferente, não o
O mundo do trabalho, segundo o IBGE (2011), mesmo.
106
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108
MUJER Y TRABAJO: EL CASO DE TRABAJO A
DOMICILIO EN CHILE NEOLIBERAL

Claudia A. González
Facultad de Ciencias Sociales.
Universidad de Chile
clau_andrea16@yahoo.com

RESUMEN
Mediante este texto esperamos acudir al lugar y tiempo, de una forma de traba-
jo precario de las mujeres, que es de larga data. El trabajo a domicilio existe en
el mundo desde los inicios del capitalismo y la industria (Tomei, 1999; Montero,
2000); y en Chile, Elena Caffarena ya en el año 1924, se preguntaba por las condi-
ciones de vida y trabajo de las mujeres que desempeñaban estas labores (Caffa-
rena, 1924). En la actualidad el trabajo a domicilio persiste, pero en condiciones
y modalidades distintas, ya no en contextos de industrialización, bajo modelos
de producción centralizada de tipo taylorista-fordista (Godoy, Díaz, & Stecher,
2007), sino que ocurre en marcos de flexibilidad, reorganización de la producción
y el trabajo, y en una economía cada vez más globalizada (Henríquez, Selamé,
Gálvez, & Riquelme, 1998). La Organización Internacional del Trabajo (OIT) define
el trabajo a domicilio como la producción de bienes o prestación de servicios, a
un tercero; el trabajo se efectúa fuera de la empresa, generalmente en el hogar
del propio trabajador/a; y no existe fiscalización directa por parte del empleador
(Tomei, 1999).La pregunta guía de esta monografía es: ¿Cómo se relacionan la
feminización del trabajo a domicilio, del sector manufacturero, con los procesos
de flexibilización de la producción y el trabajo, en Chile neoliberal?

Palabras-clave: Trabajo a Domicilio, Mujer y Trabajo, Reconfiguración de la Pro-


ducción y el Trabajo.

ABSTRACT
This paper aims to address both place and time of a women’s precarious labor
form that dates from a long time ago. Home piecework has existed in the world
since the beginning of capitalism and industry (Tomei, 1999; Montero, 2000); and
in Chile, Elena Caffarena already in 1924, had questioned about the living and
working conditions of those women who were home pieceworkers (Caffarena,
1924). Presently, home piecework persists, but in different conditions and forms;
it is no longer an industrial context, under centralized production taylorist-fordist
models (Godoy, Díaz & Stecher, 2007);instead, it occurs within a context of flex-
ibility, reorganization of both production and labor, and within an increasingly
globalized economy (Henriquez, Selamé, Gálvez & Riquelme, 1998). The Inter-
national Labor Organization (ILO) defines home piecework as producing goods
or being hired to a task by a third party; the work is done outside the company,
usually at the very servant’s home; and there is no direct supervision by the em-
ployer (Tomei, 1999). The research leading question is: How the manufacturing
sector feminizing of home piecework relates to the production/labor flexibiliza-
tion processes in liberal Chile?

Keywords: Home Piecework; Woman and Labor; Reconfiguring of Production


and Labor.
109
INTRODUCCIÓN

E
ste texto hace parte de una investi- ción directa por parte del empleador (TOMEI,
gación doctoral, en curso, cuyo obje- 1999).
tivo es analizar cómo se relacionan la La existencia del trabajo a domicilio en Chi-
feminización del trabajo a domicilio, le es de larga data. En el año 1924, Elena Ca-
del sector manufacturero con los procesos de ffarena publica en el Boletín de la Oficina del
flexibilización de la producción y el trabajo, en Trabajo un estudio titulado “El Trabajo a Do-
Chile neoliberal. Reconociendo la persistencia micilio”, donde se analizan las condiciones de
histórica de esta forma de trabajo, queremos trabajo de estas mujeres y sus familias, dando
indagar respecto de sus particularidades ac- cuenta de la profunda precariedad en la que
tuales. Su persistencia, creemos responde a trabajaban y vivían, a propósito de los bajos
su funcionalidad en términos de agregar valor salarios, largas jornadas de trabajo y condi-
y acumular capital. Pero sus configuraciones ciones de hacinamiento e insalubridad de los
actuales son otras. Nuevas configuraciones hogares. Se trataba particularmente de muje-
por nuevos contextos de ocurrencia de estas res con bajos niveles de educación y con reti-
formas de trabajo; un modelo de desarrollo cencia a organizarse en sindicatos (CAFFARE-
industrial ayer, hoy neoliberal. Nuevas confi- NA, 1924).
guraciones que su vez admiten la emergencia El trabajo a domicilio en la actualidad exis-
de otros sujetos sociales, como es el caso, por te pero en condiciones y modalidades distin-
ejemplo del teletrabajo; y cambios en los en- tas, ya no en contextos de industrialización,
cadenamientos productivos que lo sustentan. bajo modelos de producción centralizada de
Son encadenamientos más diversos, por la tipo taylorista-fordista (GODOY, DÍAZ, & STE-
incursión de nuevos actores, los contratistas, CHER, 2007), sino que ocurre en marcos de
que extreman las distancias entre empresa- flexibilidad, reorganización de la producción
rio y trabajador, y por otro lado, son encade- y el trabajo, y en una economía cada vez más
namientos que inauguran nuevos destinos. globalizada (HENRÍQUEZ, SELAME, GÁLVEZ,
Ahora su destino no es tan sólo, ni necesa- & RIQUELME, 1998).
riamente local, sino en muchos casos puede Respecto a la cuantificación del trabajo a
ser externo. Es un trabajo a domicilio, invisibi- domicilio, es un aspecto clave en tanto re-
lizado y desoído, pero que hace parte de una quiere precisar qué se entenderá por trabajo
economía globalizada. a domicilio, cuyos límites pueden ser porosos
En lo que sigue daremos cuenta primero, respecto de otras formas de trabajo, como el
de algunos antecedentes del trabajo a domi- de cuenta propia.
cilio, para luego en una segunda parte, desa- En la medición del trabajo a domicilio se
rrollar ciertas líneas de análisis que nos permi- reconoce situaciones de sub-registro, ya sea
tan avanzar con nuestra pregunta acerca de por posibles contextos de irregularidad del
la manera cómo se relacionan la feminización trabajo o de los trabajadores, o bien al mo-
del trabajo a domicilio, del sector manufactu- mento de ser consultados no se declara este
rero, con los procesos de flexibilización de la tipo de trabajo por considerarse ocupaciones
producción y el trabajo, en el Chile neoliberal. secundarias, ante otras principales (HENRÍ-
QUEZ, SELAME, GÁLVEZ, & RIQUELME, 1998);
Antecedentes del trabajo a domicilio en (TOMEI, 1999)
Chile En Chile se destacan dos iniciativas de im-
portancia en la medición del trabajo a domici-
La Organización Internacional del Traba- lio. El año 1997 se agregó a la encuesta nacio-
jo (OIT) define el trabajo a domicilio como la nal de empleo (ENE), aplicada por el Instituto
producción de bienes o prestación de servi- Nacional de Estadística (INE), una encuesta
cios, a un tercero; el trabajo se efectúa fue- suplementaria aplicada a una muestra de 34
ra de la empresa, generalmente en el hogar mil viviendas a lo largo del país. Las estima-
del propio trabajador/a; y no existe fiscaliza- ciones de esa medición son la existencia de
110
79.740 trabajadores a domicilio, lo que repre- & RIQUELME, 1998).
senta el 1,5% de los ocupados. En cuanto a su
composición, son preferentemente mujeres, Neoliberalismo y Trabajo
con un 82,3%. Se localizan en espacios urba-
nos, con 96,4% de trabajadores; desagrega- No es posible entender las formas que el
dos principalmente en las regiones Metropo- trabajo a domicilio adopta hoy en Chile, si no
litana, V y VIII. Por último, respecto al tipo de analizamos los impactos del Modelo neolibe-
trabajo que desempeñan, se destacan la pro- ral en el trabajo y la producción. Con la apli-
moción y venta de servicios y la confección de cación de este modelo se reestructura la eco-
prendas o partes de prendas, con más me- nomía y las relaciones del capital y el trabajo.
nos, 35 mil y 15 mil personas respectivamen- Cuestión que además implicó la definición de
te (Henríquez, Selame, Gálvez, & Riquelme, toda una arquitectura institucional que facili-
1998). Esta misma encuesta suplementaria tó y ha sostenido en el tiempo estas transfor-
se aplicó en el año 2000, pero esta vez sólo maciones.
en la región Metropolitana. Los resultados in-
dicaron un incremento del sector servicios y Reconfiguraciones de la producción y el
ventas, de un 10% el 1997 a un 25% el 2000, trabajo en un contexto neoliberal
especialmente el porcentaje de trabajos pro-
fesionales como consultorías, asesorías, con- Entre los rasgos más relevantes de la trans-
tabilidad, etc. También decreció el porcentaje formación neoliberal Martínez & Díaz (1994)
de mujeres de un 80,2% a un 72,8%, en los destacan la desregulación y flexibilización
mismos años (HENRÍQUEZ, SALAME, & CÁR- de la fuerza de trabajo. En el período 73’-83’
DENAS, 2005). acontece una “desregulación salvaje”, una
Por último, en términos de legislación, cabe profunda crisis económica, represión políti-
señalar que el trabajo a domicilio se reguló por ca, fin de la actividad sindical y desregulación
primera vez el año 1931, al ser parte del primer del mercado de trabajo. Luego entre los años
código del trabajo que admitía a estas pres- 83’ y 90’, aunque hay recuperación econó-
taciones como “una especie de contrato de mica, persisten altos niveles de cesantía, y la
trabajo” (OLATE, 1995, citado por HENRÍQUEZ, normativa laboral impuesta el año 79’, que si
SELAME, GÁLVEZ, & RIQUELME, 1998). Luego, bien habilita algunos derechos laborales, en
en el marco del Plan Laboral, aprobado bajo lo fundamental, garantiza la flexibilidad de la
la dictadura militar, con el que se pretendía fuerza laboral, que luego es regulada mode-
básicamente limitar las regulaciones labo- radamente con la reforma del 91’.
rales y otorgar plena libertad a la voluntad Martínez & Díaz (1994) señalan que en estos
patronal, mediante la ley 18.018 se derogó el períodos en Chile, existía una política laboral
párrafo que regulaba y reconocía el contrato explícita que contemplaba no sólo abrir es-
de trabajo a domicilio. Se modificó el decre- pacios a las empresas, sino que anticipando
to ley 2.200, y se estableció que no dan lugar contextos de alta concurrencia a los merca-
a contrato de trabajo “los servicios prestados dos por la apertura de la economía, era nece-
en forma habitual en el propio hogar de las sario dotar a las empresas de capacidad de
personas o en un lugar libremente elegidos movilizar los capitales y de utilizar de mane-
por ellas, sin vigilancia ni dirección inmediata ra flexible la fuerza de trabajo. Es así que las
de quién los contrata” (HENRÍQUEZ, SELAME, dimensiones más relevantes de las reformas
GÁLVEZ, & RIQUELME, 1998:3). Posteriormen- fueron dos: primero, fin al modelo de contrato
te, durante el primer gobierno democrático, colectivo y su reemplazo por contratos indivi-
se contempló la reposición de la calificación duales y flexibles; segundo, disminución de la
de “contrato de trabajo”, iniciativa que no actividad sindical, inicialmente por represión
prosperó. El avance se limitó a la considera- y luego por disciplinamiento de los mercados
ción de que el trabajo a domicilio “no hace dada las altas tasas de cesantía.
presumir” relación laboral, lo que daría cabi- Agacino (2007) también analiza la institu-
da a que los propios trabajadores establezcan cionalidad económica neoliberal y el impac-
juicios y comprueben la existencia de una re- to en el mundo del trabajo. Da cuenta de una
lación laboral (HENRÍQUEZ, SELAME, GÁLVEZ, nueva organización industrial, caracterizada
111
por la centralización horizontal del capital y En el caso de la industria del vestuario, la
la fragmentación productiva. Esta nueva or- aplicación del primer modelo es paradigmá-
ganización industrial significó la precariza- tica. Este modelo de flexibilidad productiva y
ción directa e indirecta del trabajo, dado que comercial implementado a partir de la déca-
la institucionalidad laboral, inclusive la de los da de los 80’ y 90’ implicó la existencia de ca-
gobiernos de la Concertación1 no se hizo car- denas de producción, que implicaban tres es-
go de “la desigualdad originaria del capital labones: la fábrica, los talleres de confección
trabajo”, idea en la que se funda el derecho y las casas de las trabajadoras, siendo este
laboral. La precarización del trabajo implica último, el más desprotegido y cuya existencia
no sólo bajos salarios, sino también precarias como tal queda invisibilizada por una condi-
condiciones contractuales y la imposibilidad ción de seudo independencia (Todaro & Yá-
legal de hacer valer los derechos de sindica- ñez, 2004). Cabe señalar que de este proceso
lización y negociación presentes en la ley la- de flexibilización, las más afectadas fueron las
boral. mujeres, pues fueron recontratadas fuera de
las empresas, a diferencia de los hombres que
Flexibilidad productiva del trabajo permanecieron al interior de ellas, en sus car-
gos administrativos y de cortadores, y su do-
El contexto de aplicación de modelos de tación además creció (REINECKE, citado por
flexibilidad productiva y del trabajo se vincu- TODARO & YÁÑEZ, 2004).
lan al paso de un modelo productivo tayloris-
ta-fordista a uno flexible. La flexibilidad es el MUJER Y TRABAJO
principal mecanismo de competitividad para
responder de manera eficiente en mercados Las categorías de clase y género, como un
globales: dispositivo teórico para estudiar el trabajo
a domicílio
Este nuevo paradigma supone, como señala
Blanch (2003), nuevas formas de organiza- La perspectiva de clase y género, es una
ción de la producción caracterizadas por la
descentralización, la apertura, la elasticidad y perspectiva común a los estudios acerca de
la agilidad, y por la apelación a la flexibilidad, las mujeres y el trabajo. Además nos permiten
en confrontación directa con las rigideces del una doble entrada, que se corresponde a la
fordismo, en relación “a los procesos laborales, realidad compleja de las mujeres que se des-
los mercados de mano de obra, los productos empeñan en el trabajo a domicilio, en el senti-
y las pautas de consumo” (HARVEY, 1998: 170)
(Citados por GODOY, DIAZ, & STECHER, 2007: do que están condicionadas por las relaciones
83). de clase y género en un mismo espacio.
Benería & Roldán (1992), analizan la interac-
Todaro & Yáñez (2004) entre los años 1997 ción o articulación recíproca de clase y género
y 2000 analizan la flexibilidad laboral en Chi- en el trabajo y unidad doméstica de las mu-
le, a partir de estudios de casos de empresas jeres, en el caso del trabajo industrial a domi-
vinculadas a los servicios y la manufactura. En cilio, en México. Las autoras plantean que las
todos estos estudios se confirma la adopción relaciones de clase y género se vinculan a la
por parte de las empresas de iniciativas de fle- relación entre un sistema económico, capita-
xibilidad en función de incrementar su com- lista para el caso mexicano, y un sistema de
petitividad. Las autoras reconocen dos mode- subordinación de las mujeres, el patriarcado.
los que combinan de manera distinta los tipos Existiría una acción recíproca entre clase y gé-
de flexibilidad; hay un modelo destinado a la nero. Es decir la interacción entre un modo de
reducción de costos, particularmente costos producción y un sistema sexo-género (RUBIN,
laborales, y un modelo de calidad, donde la 1975, citado por BENERÍA & ROLDÁN, 1992),
flexibilidad se orienta más bien a la mejora de que se entrelazan y refuerzan mutuamente.
la productividad y calidad de trabajo. Las ventajas que se asocian a este enfoque de
_________________

1
La Concertación de Partidos por la Democracia fue la coalición política de centro izquierda que asumió los go-
biernos post dictadura, entre los años 1990-2010.
112
interacción entre el capitalismo y un sistema sino en relación al género (BETTIE, 2000, cita-
sexo-género es que permite entender de me- do por MORA, 2013). Mora señala el paso de
jor manera la complejidad de la subordinación un enfoque de adición de las desigualdades a
de las mujeres y a su vez, en tanto reconoce otro de interacción, “donde las distintas des-
que existen separadamente, se admite la po- igualdades configuran experiencias y condi-
sibilidad de que la eliminación de uno no im- ciones de vida particulares” (MORA, 2013: 31).
plique necesariamente la eliminación del otro, Luego, la autora hace referencia al análi-
pudieran cambiar los modos de producción sis de la intersección entre clase y género en
sin que se elimine el patriarcado. Las desven- los ámbitos laborales, a partir de la distinción
tajas asociadas sería el ahistoricismo en que entre producción y reproducción. Menciona
muchas veces cae el concepto de patriarcado un estudio de Andes (1992), quién propone
y también el riesgo de adoptar interpretacio- un modelo integrado de análisis que explica
nes duales, en circunstancias que en la vida cómo operan de manera simultánea la clase
real la clase y el género se presentan como y el género y cómo explican distintos posicio-
un conjunto integrado de relaciones múltiples namientos laborales. Estas dos categorías, la
de subordinación, junto a la raza, edad, etnia, clase y el género “reflejan procesos sociales
nacionalidad, preferencias sexuales, etc. que se refuerzan mutuamente, distribuyendo
a hombres y a mujeres en posiciones de clase
Enfoque de interseccionalidad significativamente diferenciados por género,
con diferentes oportunidades de vida y resul-
Mora (2013) señala críticamente que el con- tados” (1992: 247, citado por MORA, 2013: 32).
cepto de género presente en el debate femi- Mora también hace referencia a varios es-
nista no ha sido capaz de reconocer la concu- tudios como Mjoset y Peterson (1983) y más
rrencia de distintas categorías de desigualdad recientemente Mintz y Krymkowsky (2011)
que generarían relaciones de poder entre donde se analiza cómo el género afecta las
hombres y entre mujeres. Destaca aproxima- posiciones en los mercados laborales. En es-
ciones más contemporáneas donde se con- tos estudios la clase no satura la explicación
cibe procesos concomitantes de desigualdad de la desigualdad sino que evidencia cómo el
y que no responden exclusivamente a proce- género incide en la distribución de los recur-
sos de socialización, sino a órdenes sociales sos (MORA, 2013).
que normalizan y legitiman la arbitrariedad La perspectiva de la interseccionalidad pue-
(BOURDIEU, 2007; BUTLER, 1990, citado por de abordarse analíticamente identificando
MORA, 2013: 23). un eje de subordinación y luego determinar
Esta autora hace referencia al concepto de cómo éste es cruzado por sub categorías de
configuraciones de la desigualdad, aludiendo desigualdad (MORA, 2013). O también pudie-
a una dinámica constitutiva de desigualdad ra analizarse sin considerar un eje central, sino
más que a procesos estables. Las configura- más bien considerar un sistema complejo de
ciones de la desigualdad están determinadas desigualdades, donde las distintas desigual-
por condiciones económicas, sociales, políti- dades inciden en la organización de las ins-
cas, etc., que afectan el peso de una u otra tituciones (WALBY, 2009, citado por MORA,
de las categorías de desigualdad. El enfoque 2013).
de la interseccionalidad releva dos aspectos La interseccionalidad nos permitirá analizar
importantes que permiten entender al género la combinación y sinergia de distintos ejes de
como forma de desigualdad social: i) las re- desigualdad y discriminación de manera in-
laciones interactivas y la co- constitución de tegrada. Pero además como señala Caggia-
género y clase, que se superponen y confor- no (2014) en un contexto temporal y espacial
man ámbitos institucionales; y ii) las configu- concreto. Es así que los momentos históricos
raciones de la desigualdad se dan en mapas y la ubicación geográfica son determinantes
económicos, sociales y políticos, donde se en las configuraciones de la desigualdad. La
hacen visibles unas desigualdades e invisibles “intersección no es una sumatoria o conver-
otras. gencia simple de vectores, sino un proceso
Desde los estudios de género se ha analiza- de configuración recíproca (STOLCKE, 1992;
do las clases sociales no como categorías fijas MOORE, 1993), vinculado a situaciones histó-
113
ricas concretas y contextos específicos (YU- mujeres al trabajo (TODARO & YÁÑEZ, 2004)
VAL-DAVIS, 2011; WADE, 2008 y 2009)” (CAG- Estructuras laborales segregadas donde
GIANO, 2014:154). existen ocupaciones femeninas y masculinas.
Esta separación no es inocua, se traduce en
Producción y reproducción social diferencias de ingreso, calidad del empleo
y movilidad social (DE OLIVEIRA & ARIZA,
Uno de los aportes significativos de la pers- 2000); y descansa en constructos culturales
pectiva de género al análisis del trabajo de las previos; un sistema sexo género que asocia a
mujeres es el cuestionamiento al concepto de las mujeres habilidades y capacidades, lo que
trabajo y su redefinición en el sentido de in- se traduce en el desempeño de determina-
corporar las actividades de reproducción a la das ocupaciones. El mercado laboral no ope-
producción (DE OLIVEIRA & ARIZA, 2000). ra imparcialmente frente al género, sino que
Desde esta perspectiva se destaca el cues- reproduce patrones culturales que segregan
tionamiento a la naturalización de la división a las mujeres a determinado sectores y tipos
sexual del trabajo, que relega a las mujeres a de trabajo (DOMÍNGUEZ & BROWN, 2013).
las esferas privadas. Esta división sexual “es Todaro & Yáñez (2004) analizan fundamen-
una construcción socio histórica susceptible talmente la flexibilidad laboral y cómo los
de transformación” (DE OLIVEIRA & ARIZA, cambios en la producción y el trabajo interac-
2000:651); y se reconoce la importancia de túan con las formas de reproducción social.
analizar la incursión productiva de las mujeres Señalan que una de las maneras de analizar
en su interrelación con las esferas reproducti- las transformaciones de la sociedad moder-
vas, en el sentido que la división sexual de la na es pensar las relaciones entre producción y
reproducción afecta el acceso desigual de las reproducción social. “Hay una corresponden-
mujeres a los mercados de trabajo (DE OLI- cia entre la organización de trabajo producti-
VEIRA & ARIZA, 2000). vo y el tipo de organización del trabajo repro-
La revolución industrial relegó a las muje- ductivo que le sirve de sustento, que marca
res al espacio doméstico, y a los hombres a la y a la vez muestra un sistema de relaciones
fábrica, instalando una división sexual del tra- de género” (TODARO & YÁÑEZ, 2004: 21). Se
bajo reproductivo y productivo. Las relaciones entenderá por reproducción social “el proce-
laborales propias de un sistema de organiza- so dinámico de cambio vinculado a la perpe-
ción de trabajo taylorista-fordista, con un sis- tuación de los sistemas sociales, e involucra
tema de protección vinculado a un patrón de tanto factores económicos como ideológicos,
reproducción, reguló las relaciones de géne- políticos y sociales en un proceso de mutua
ro. A partir de los 70’ este orden productivo y influencia” (TODARO & YÁÑEZ, 2004: 20). Las
reproductivo, entra en cuestión. Los cambios autoras señalan que los ámbitos de la repro-
económicos y la reorganización del trabajo ducción social han estado por fuera de los de-
llaman la atención sobre las formas de repro- bates en torno a los cambios de la sociedad
ducción (TODARO & YÁÑEZ, 2004). moderna, dada la naturalización de los espa-
La reconfiguración del trabajo interviene cios privados, lo que ha impedido debatir en
el eje producción-reproducción en dos sen- torno a las convenciones que lo rigen.
tidos. Por un lado altera la “normalidad” del
empleo dependiente, el trabajo se hace más Dimensión de género de los encaderna-
heterogéneo, se expanden las trayectorias mientos productivos
discontinuas, ya no existe protección institu-
cional y legal; y se alteran los tiempos de tra- En los estudios de mujer y trabajo se ha pro-
bajo por prácticas laborales caracterizadas blematizado en torno a una serie de eventos
por nuevas formas de control, basadas en el que han sido consecuencia de reformas es-
logro de metas; y en otro sentido, este nuevo tructurales en A.L., como la redefinición de lo
orden de trabajo altera las relaciones de gé- público y privado y la privatización de servicios
nero, se debilita la idea del salario familiar y por el repliegue del Estado; la precarización
la autoridad masculina, ideas insostenibles en de trabajo, etc. Sin embargo se reconoce que
los actuales tiempos de inseguridad laboral y existiría un trazo que ha sido menos explora-
que inducen a una mayor incorporación a las do y se refiere a los vínculos entre los procesos
114
de flexibilización de las relaciones del trabajo empresas con menos contenido tecnológico
y la precarización y feminización del trabajo y menor capacidad de innovación organiza-
(DE OLIVEIRA & ARIZA, 2000): cional; y dentro de las empresas, en secciones
donde el trabajo se caracteriza por ciclos cor-
Los análisis sobre reestructuración económica, tos y repetitivos, y de poca calificación, don-
empleo femenino y división sexual del trabajo de las condiciones de trabajo son precarias, lo
en empresas y ramas de actividad han incor-
porado como aspectos relevantes las prefe- que redunda en problemas de salud.
rencias empresariales por mano de obra fe- La autora agrega que no hay una corres-
menina en virtud de atributos considerados pondencia entre los niveles de escolarización
femeninos (habilidad manual, disciplina, pa- de las mujeres y la asignación de labores o las
sividad), que permiten reducir costos de pro- empresas a las que accedían. Pareciera ser
ducción (CHANT, 1991) (DE OLIVEIRA & ARIZA,
2000: 649). que la idea de mayor calificación depende
más bien de construcciones culturales, en las
Esta apuesta de análisis es particularmen- cuales:
te interesante para Chile, si consideramos los
“...entram fortemente as imagens de gênero,
niveles de flexibilización y precarización del ou seja, as representações que tem empre-
trabajo, y una mayor participación de las mu- sários, gerências, trabalhadores, trabalhado-
jeres en el mismo. ras, sistemas de formação profissional, sobre
Abramo (1999) analiza cadenas productivas o que é o trabalho de homens e o trabalho de
en Chile, Brazil y Argentina y da cuenta que es- mulheres, as habilidades, qualidades, com-
portamento, atitudes e competências de uns
tas cadenas preferentemente no constituían e outros” (Abramo, 1999:.9).
redes de empresa horizontales, sino cadenas
productivas verticalizadas, caracterizadas por CONSIDERACIONES FINALES
la asimetría de poder inter e intra empresas;
por la ausencia o fragilidad de regulación de Las configuraciones del trabajo son otras,
las relaciones, especialmente las de subcon- pero ello no cuestiona la importancia del tra-
tratación; debilidad de los espacios de ne- bajo como eje constitutivo de lo social. Me-
gociación existentes al interior y fuera de las diante su comprensión podemos dar cuenta
empresas para negociar los procesos de re- de los procesos y estructuras sociales (Ruiz &
estructuración (ABRAMO, 1997, en ABRAMO Boccardo, 2015)
1999). De acuerdo a la autora éstas caracte- El desafío es resituar al trabajo y reconocer
rísticas respondían a las definiciones de aper- sus nuevas configuraciones. Como señala de
tura externa dominantes en A.L., y la preemi- la Garza es necesario reflexionar en torno a un
nencia de estrategias de competitividad poco concepto ampliado del trabajo que trascien-
sistémicas, es decir basadas en la reducción da el trabajo asalariado (De La Garza, 2011).
unilateral de costos, en vez de asumir de ma- Especialmente hoy, con una creciente hete-
nera más equitativa los mismos (CEPAL, 1995, rogeneidad y la emergencia significativas de
citado por ABRAMO, 1999) trabajos atípicos o no clásicos2.
De un segundo estudio referenciado por En contextos de incremento de la precari-
esta autora, realizado por la GTZ y la CEPAL, zación y fragmentaciones del trabajo; mayor
donde la idea era analizar, iniciativas de for- participación de las mujeres en el trabajo re-
mación en empresas innovadoras en A.L., des- munerado; deslimitación de los lugares del
tacamos los hallazgos en cuanto la condición trabajo y de la vida3; y de la privatización de
de las trabajadoras. La autora señala que en la reproducción social, cabe analizar especial-
general éstas se concentran en los niveles in- mente la condición de las mujeres en el traba-
feriores de las cadenas donde hay menos en- jo, considerando no sólo el trabajo productivo
trenamiento o el entrenamiento es técnico; en
_________________

2
De La Garza (2011) propone el término de trabajo no clásico, para evitar la presunción de trabajo atípico como
minoritario, en circunstancias que en AL es lo contrario.
3
A propósito de los cambios sociales y de reorganización productiva y del trabajo, de acuerdo a algunos autores
(GOTTSCHALL y VoB, 2005; Lang y VoBse, 2009) se estaría dando una doble deslimitación tanto de la esfera del
trabajo, como de la familia, y con ello de las relaciones de género (CÁRDENAS, 2013).
115
sino también el de la reproducción. REFERENCIAS
Si bien desde la teoría de género y los es-
tudios de mujer y trabajo, hay aportes funda- ABRAMO, Laís W. (1999). Cadeias produti-
mentales para entender las inequidades en el vas, segmentacao de genero e novas formas
trabajo, y las configuraciones de esta inequi- de regulação: notas metodológicas a partir de
dad, considerando las interacciones entre uma experiencia de pesquisa. Disponível em
modelos económicos y culturales. Quisiéra- < http://white.lim.ilo.org/spanish/260ameri/
mos dejar instalada la pregunta por la preca- oitreg/activid/proyectos/actrav/edob/ma-
riedad específica de las mujeres, en contextos terial/cadenas/pdf/cp2.pdf> Acesso em 20
neoliberales, en Chile. ago. 2016.
De igual manera que Chile difiere del resto
de los países de A.L. en lo que se refiere a los AGACINO, Rafael. Pasado y presen-
tiempos y profundidades de la implementa- te. Los trabajadores una vez más. Disponí-
ción neoliberal, cabe preguntarse por la ma- vel em < http://www.rebelion.org/noticia.
nera específica en que este modelo precariza php?id=55144> Acesso em 01 set. 2016.
a las mujeres, como las afecta, y como condi-
ciona su incursión en el trabajo. BENERÍA, Lourdes, & ROLDAN, Maria. (1992).
Conocer cómo impacta el neoliberalismo Las encrucijadas de clase y género. Trabajo a
en las configuraciones del trabajo de las mu- domicilio, subcontratación y dinámica de la
jeres. En contextos en que ni el Estado ni los unidad doméstica en la ciudad de México.
sectores privados asumen responsabilidades Mexico: El Colegio de Mexico y FCE, 1992.
en la redistribución social de los cuidados y la
reproducción social, ni asumen responsabili- CAFFARENA, Elena. El Trabajo a domicilio.
dades de regulación laboral. Por el contrario el Santiago: Oficina del Trabajo, 1924.
Estado privatiza la reproducción social; libera-
liza las relaciones laborales e institucionaliza la CAGGIANO, Sergio (2014). Desigualdades
precariedad, por acto y omisión. entrelazadas, luchas divergentes, migración
Igualmente sugerente nos parece interro- e industria textil en Argentina. Revista CIDOB,
garnos respecto de la condición de las muje- 2014, p. 151-170.
res en los encadenamientos productivos y la
externalización del trabajo. Analizar la com- CÁRDENAS, Ana (2013). Género y precariza-
posición femenina de los encadenamientos, ción laboral: el trabajo penintenciario femeni-
especialmente en los eslabones inferiores, el no en Chile. in MORA, Claudia, Desigualdad
domicilio, que se caracteriza por su feminiza- en Chile: la continua relevancia del género.
ción y precarización. Santiago : Universidad Alberto Hurtado, 2013,
Traer al centro del debate algo que en los p. 143-170.
procesos productivos y del trabajo aparece
de manera auxiliar, una auxiliaridad aparente DE LA GARZA, Enrique. Trabajo A-típico,
que invisiviliza y precariza: ¿Identidad o fragmentación? Alternativas de
Análisis in PACHECO, Edith, DE LA GARZA,
...la externalización que acompaña las nuevas Enrique & REIGADAS, Luis, Trabajos aípicos y
formas de administración horizontal de las
precarización del empleo. Mexico: El Colegio
empresas termina convirtiéndose ya no en un
elemento auxiliar del proceso productivo, sino de México, 2011.
en un pilar que viabiliza su resultado comercial.
Por tanto, tales variantes laborales, en extremo OLIVEIRA, Orlandina de & ARIZA, Marina.
precarias devienen una condición básica de Trabajo femenino en América Latina in DE LA
la producción y las tasas de ganancia (RUIZ &
GARZA, Enrique ., Tratado Latinoamericano de
BOCCARDO, 2015: 163)
Sociología del Trabajo. Mexico: FCE, 2000,
Al igual que estas formas precarias son fun-
DOMÍNGUEZ, Lilia & BROWN, Flor. Dife-
damentales para la acumulación del capital,
rencias de género en la elección del sitio de
lo es el trabajo de las mujeres, que hace tiem-
trabajo en un contexto de crisis. Revista CE-
po dejo de ser, o más bien nunca ha sido, un
PAL(111), Diciembre de 2013 83-102.
trabajo auxiliar.
116
países seleccionados de América Latina: una
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117
A EXCLUSÃO SOCIAL DE MULHERES MORADORAS DE
RUA: QUESTÕES DE GÊNERO E POLÍTICAS SOCIAIS

Flávia Kelly Vasques Monteiro


Acadêmica do Curso de Serviço Social
Universidade Católica Dom Bosco
flaviakrezende@hotmail.com

Profa. Dra. Luciane Pinho de Almeida


Programa de Mestrado e Doutorado
em Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
luciane@ucdb.br

RESUMO
Este artigo trata de uma pesquisa vinculada ao Programa de Iniciação Cientí-
fica da Universidade Católica Dom Bosco e ainda se encontra em andamento.
Pesquisas recentes demonstram a carência de estudos sobre a população em
situação de rua no Brasil, o que torna relevante a realização de mais estudos que
procurem compreender as vivências de pessoas em situação de rua. É possível
observar que pessoas em situação de rua vivem em estado de vulnerabilidade
social, e passam por experiências dolorosas de exclusão e preconceito no conví-
vio com a sociedade. O objetivo deste estudo é procurar compreender o cotidia-
no e as histórias de vida de mulheres moradoras de rua de Campo Grande – MS.
Esta pesquisa é de cunho qualitativo, a qual se propõe um trabalho de escuta
das histórias de vida de mulheres moradoras de rua, participantes da pesquisa a
fim de compreender suas problemáticas e vivências. Os resultados parciais de-
monstram que grande parte dessa população encontra-se com o vínculo fami-
liar rompido, como também indicam a situação de vulnerabilidade social dessas
mulheres, sendo esta agravada pela condição de ser mulher.

Palavras-chave: Mulheres, Moradoras de Rua, Vulnerabilidade, Políticas Públicas,


Gênero.

ABSTRACT
This article discusses with a linked research to the Scientific Initiation Program
of the Universidade Católica Dom Bosco and is still in progress. Recent research
reports that the lack of studies on the population living on the streets in Brazil,
which makes it important to carry out further studies to try to understand more
about the lives and experiences of people in the streets. It is possible to observe
that people living on the streets lives in social vulnerability, and undergo painful
experiences of exclusion and prejudice in contact with society. The objective of
this study is to try to understand everyday life and the life stories of women Cam-
po Grande’s (MS) street residents. This research is a qualitative approach, which
proposes a listening work of life stories of women street residents, the research
participants, to understand their problems and experiences. Partial results show
that much of this population is with family ties broken, but also indicate the sit-
uation of social vulnerability to be on the street where are these women being
aggravated by the condition of being a woman.

Keywords: Women, Street Residents, Vulnerability, Public Policy, Gender.


118
INTRODUÇÃO

O
s moradores de rua são pessoas este estudo se justifica de importância, pois
que vivem em situação de rua, versa sobre a moradora de rua em Campo
pois se encontram em completa Grande-MS.
vulnerabilidade social e apresen- Este artigo apresenta, portanto, os resul-
tam aspectos de fragilidade nas suas rela- tados do Trabalho de Pesquisa de Iniciação
ções sociais e psicológicas. Segundo entre- Científica intitulado “A mulher moradora de
vista exibida no dia 23/03/2015 no “Bom Dia rua de Campo Grande - MS”. A metodologia
- MS”, transmitida pela TV Morena1, nos últi- da pesquisa pautou-se na realização de en-
mos quatro anos em Campo Grande houve trevistas não estruturadas seguindo um rotei-
um aumento considerável da população em ro de perguntas abertas com três moradoras
situação de rua. A reportagem traz que são de rua que são regularmente atendidas no
estimados entre mil e seiscentos moradores Centro POP2 da cidade de Campo Grande
de rua que atualmente vivem na cidade de -MS.
Campo Grande, segundo a Prefeitura do Mu-
nicípio. A maioria dos entrevistados (96%) na O Morador de rua e suas problemáticas
pesquisa era do sexo masculino. Os números
preocupam a prefeitura, que acompanha to- O capitalismo é um modo de organização
dos os anos o seu crescimento, pois em 2011 da sociedade, dele vem o surgimento de uma
eram 700, no ano seguinte 900, em 2013 - sociedade diferente da sociedade anterior,
1.062 e em 2014, 1.500. Dados estes que de- que era a de relações feudais. No sistema ca-
monstram o crescimento dessa população. pitalista, o trabalhador que antes era agricul-
Embora essa situação exista há muito tem- tor e produtor de seu próprio alimento não
po, as políticas e pesquisas realizadas acerca possui mais a terra e nem os meios de produ-
desse tema ainda são muito recentes. Desse ção para fazê-lo e, portanto, passa a necessi-
modo, instituições públicas e pesquisadores tar de outrem para a sua sobrevivência. Desse
vêm estudando a problemática que abarca modo, este trabalhador é obrigado a vender
essa forma de desigualdade social até então sua força de trabalho dispondo-se da sua ca-
ignorada. Cabe ressaltar, a título de exemplo, pacidade de trabalho para garantir a sua so-
no estudo realizado pela pesquisadora Maria brevivência.
Lucia Lopes da Silva (2009) “Trabalho e popu- Desse modo, compreende-se que o capi-
lação em situação de rua no Brasil”, a autora talista é o detentor dos meios de produção
aborda de maneira abrangente, porém siste- e visa somente o lucro, isenta-se, portanto,
matizada a situação por que passa o cidadão da preocupação com o trabalhador, obrigan-
que tem a rua como moradia. do-o a participar com sua força de trabalho,
Se existem poucos estudos sobre o mora- único instrumento que ele detém para a sua
dor de rua - homem, com relação à mulher sobrevivência. Com a aceleração capitalista, a
moradora de rua, esse tema é ainda menos desigualdade social e a pobreza aumentam
abordado nos censos oficiais e poucas pes- cada dia mais, fazendo com que o mercado
quisas têm discutido essa realidade. Portanto, de trabalho se torne cada dia mais compe-
viver na rua impõe desafios diários e constan- titivo. Assim, a sociedade capitalista imprime
tes para pessoas do sexo masculino, todavia uma desigualdade entre os homens, pois cor-
é ainda pior para a mulher que enfrenta no responde a uma má distribuição de bens, e,
seu cotidiano situações de vulnerabilidades portanto, a pobreza trata da incompetência
sociais diversas e risco social como violência, da sociedade de sanar as indigências mais
ameaças, estupro e etc... Neste sentido, é que básicas e mínimas para a sobrevivência da-
______________
1
Emissora da Rede Globo no Estado de Mato Grosso do Sul.
2
A pesquisadora obteve autorização para o desenvolvimento da pesquisa junto a Secretaria de Assistência Social
do Município.
119
queles que não conseguem incluir-se nessa ção de rua, pois por estar um longo período
sociedade da produção. desempregado ou sem oportunidades, o su-
Para Marx, “o pauperismo constitui o asilo jeito tende a se submeter a um descontrole
dos inválidos do exército ativo dos trabalha- emocional. As qualificações exigidas tornam-
dores e o peso morto do exército industrial de se cada vez maiores e mais complexas, contri-
reserva” (MARX apud SILVA, 2009, p. 101): buindo para um número crescente de índice
de desemprego, criando um grande “exército
O pauperismo é a parte da superpopulação de reserva” que provoca queda de salários, de
relativa composta dos aptos para o trabalho, postos de trabalho e de valorização profissio-
mas que não são absorvidos pelo mercado
dos órfãos e filhos de indigentes e dos incapa- nal entre outras situações. Dessa forma, o ca-
zes para o trabalho as pessoas com deficiên- pital coloca o trabalhador em uma situação
cias incapacitadas para o trabalho, pessoas indesejada e subjulgada.
idosas, enfermos etc.). É a camada da super- Mas, ao discutir por quais motivos uma pes-
população relativa que vive em piores condi- soa torna-se moradora de rua, pode-se verifi-
ções (SILVA, 2009, p.100).
car que são inúmeros os motivos e causas que
levam pessoas a tal destino e o desemprego
Incluídos nesse segmento populacional ci-
colabora substantivamente com outros agra-
tado por Marx, estão os moradores de rua, os
vantes como problemas familiares, violência
quais a exclusão social é muito presente. Os
doméstica (física, psicológica e sexual), con-
moradores de rua são pessoas que vivem em
sumo de drogas ilícitas, alcoolismo, entre ou-
situação de rua, pois se encontram em con-
tros. Assim, falar nessas situações implicar em
dição de completa vulnerabilidade social e
pensar sempre na complexidade da história
apresentam aspectos de fragilidade nas suas
de vida de cada pessoa.
relações sociais e psicológicas.
De acordo com Vieira, Bezerra e Rosa (1994)
Portanto, no capitalismo a ideologia pre-
apud Arruda (2014), as características mais
dominante é a burguesa, ou seja, aquela que
comuns encontradas entre essas pessoas po-
representa os donos dos meios de produção
dem ser divididas em três formas que variam
e do capital. Desse modo, essa ideologia re-
de acordo com o motivo e a maneira como
produz muitas vezes formas um tanto ca-
essas pessoas estabelecem sua relação com
racterísticas de pensar a “população de rua”,
o viver na rua. A primeira forma de permanên-
produzindo “formas próprias e ideológicas”
cia de pessoas em situação de rua é delimi-
que correspondem ao pensamento daqueles
tada por àquelas pessoas que sofrem com o
que dominam o capital, assim sendo, muitas
desemprego por longo tempo ou mudaram
vezes se pensa no morador de rua de for-
de cidade à procura de tratamento de saúde,
ma preconceituosa ao achar que integram a
ou à procura de algum parente, e entre ou-
população em situação de rua àqueles que
tros motivos, são consideradas e classificadas
eram provenientes da classe mais pobre, es-
pela autora como “pessoas que ficam na rua”.
quecendo principalmente que aquela pessoa
A segunda forma de permanência de pessoas
é um ser humano com uma história. Em mui-
em situação de rua é classificada como “pes-
tos casos, essa forma de pensar é refutada
soas que estão na rua”, e ocorre com àquelas
através de pesquisas que demonstram que
pessoas que convivem com os que estão em
muitas dessas pessoas possuem escolaridade
situação de rua, no entanto, conservam um
em nível médio e superior e já possuíram em-
local com endereço fixo, e como meio de so-
prego estável e casa, conforme nos diz Arruda
brevivência vivem de “bicos” com catadores
(2014, p. 39)
de lixo (separando latinhas, pets e papel), e
Em pesquisa realizada pelo Ministério Pú-
como guardadores de carro. A terceira forma
blico do Estado de Mato Grosso do Sul, apre-
de permanência de pessoas em situação de
sentada, intitulada a “População em situação
rua é àquele grupo de “pessoas que são da
de Rua em Campo Grande/MS” (Reportagem,
rua”, e são formados por pessoas que se en-
2015b), mostrou que 83% dos moradores de
contram na rua há muito tempo, na maioria
rua têm profissão e tinham alguma profissão
das vezes são usuários de álcool e drogas, e
antes de irem para as ruas. Por outro lado, a
devido a essa situação apresentam sinais de
falta de emprego é um dos grandes colabo-
debilidades físicas, emocionais e psicológicas.
radores para o aumento de pessoas em situa-
120
Viver na rua implica viver em situação de importância para os seres humanos como ci-
vulnerabilidade e risco social constante, pois dadãos, entendendo que essas são pessoas
o morador de rua está exposto a qualquer fragilizadas pelas condições de vida que lhes
situação: brigas, agressões, maus tratos por é imposta, pois na maioria das vezes não há
àqueles que deveriam transmitir ordem e pro- alternativas, sendo a rua sua única saída.
teção, tornando-se uma realidade cotidiana A autora Maria Lúcia Lopes da Silva argu-
por serem rotulados como “vagabundos”, a menta em seu livro “Trabalho e População em
população em situação de rua se encontra Situação de Rua no Brasil”, que “a mulher e o
em uma característica de heterogeneidade, homem são levados a morar na rua por uma
não havendo um único perfil de população condição imposta pela sociedade de clas-
homogênea. ses, organizada para defender a mercadoria
e o mercado, e não a pessoa e a vida” (TIENE
[...] os moradores de rua não constituem uma apud SILVA, 2009, p.97).
“população homogênea”. A multiplicidade de
características pessoais, que esse segmento ...o fenômeno social população de rua cons-
social apresenta, dificulta a utilização de uma titui uma síntese de múltiplas determinações,
definição unidimensional. A variedade de so- cujas características, mesmo com variações
luções dadas à subsistência e formas de abri- históricas, o tornam um elemento de extraor-
go, o tempo de permanência na rua, a heran- dinária relevância na composição da pobreza
ça cultural e social, [...], o tempo e as formas nas sociedades capitalistas (SILVA, 2009, p. 91).
de rompimento de vínculos familiares, os tipos
de socialização que se consolidaram na rua, a
rotina espacial, o uso de substâncias químicas Devido a isso, o morador de rua é um cida-
(álcool e/ou drogas) e o seu grau de compro- dão invisível para a sociedade, mas deve ser
metimento, as condições de autoestima, o visto como um cidadão de direitos. É impor-
sexo, a idade, a escolaridade e as formas de tante avaliar quais situações eles são submeti-
reintegração que almejam, são fatores que di-
ficultam uma conceituação que seja reducio- dos no espaço “da rua” em que vivem, ou seja,
nista ou mesmo unifocal e nos conduz à ideia considerando sua moradia fixa a rua. Pode-se
de uma tipologia dentro dos moradores de rua dizer também que os motivos pelos quais os
na cidade (BORIN apud SILVA, 2009, p.124). levam a escolherem a rua como única saída
e morada são inúmeros. Os moradores de
A problemática da rua não é de exclusivi- rua passam por diversos obstáculos todos os
dade brasileira, mas é uma questão da ex- dias, pois foram sujeitos a condições desfa-
clusão social encontrada no mundo todo. No voráveis. Como base na estrutura gerada pela
Brasil, não se tem conhecimento de estudos sociedade, essas pessoas têm motivos indi-
sobre a origem e o resgate histórico do fenô- viduais (diversos e únicos) que evidenciam a
meno, o que não permite comparações entre questão social que as levaram para esse tipo
os períodos anteriores à década de 1990. O de realidade.
cidadão popularmente chamado “andarilho” O morador em situação de rua enfrenta di-
ou “mendigo”, como já argumentado aqui é ficuldades inimagináveis antes mesmo de ser
um tema pouco estudado, e só passou a ser realmente um membro da rua. No seu histó-
observado com alguns estudos recentes que rico de vida ele esteve incluso na sociedade,
antecederam a implantação da Política Na- tinha uma família, em muitos dos casos tinha
cional para Inclusão Social da População em um emprego ou até mesmo o ensino supe-
situação de rua, instituído pelo Decreto s/nº, rior, mas em algum momento de sua história
25 de outubro de 2006. de vida passou por problemáticas sociais que
Nesse sentido, é possível perceber que “A não foram superadas rompendo aos poucos
questão da exclusão torna-se então a ‘ques- todos os seus vínculos sociais, de amizade e
tão social’ por excelência”. (CASTEL, 2008, p. de família, para então irem gradativamente
22). Isso se justifica, por exemplo, pelo fato estando na rua.
de o morador de rua se apresentar como Em pesquisa realizada sobre a realidade de
uma parte da sociedade que foi esquecida, Campo Grande - Mato Grosso do Sul, (TAVEI-
trazendo um nível menor de atenções a esta RA, ALMEIDA, 2002, p. 27) mostra que mais da
classe que faz parte da massa excluída. De- metade das pessoas que vivem na rua e fo-
ve-se enfatizar esta situação, que tem grande ram entrevistadas vieram de outros estados,
121
apenas uma minoria era proveniente da capi- ça, acho que foi por causa dos traumas que eu
tal, o que demonstra que essa população tor- levei quando era criança.(...) Eu já fui pra escola
já grandona demais, eu fui criada em fazen-
na-se migrante pelo fato de estarem na rua. A da, a minha mãe e o meu pai trabalhava muito
migração dos moradores de rua se dá devido em fazenda, eu fui estudar com onze anos de
à fuga da cidade de origem e simplesmente a idade já, eu já ‘tava’ grandona, eu era a única
constante necessidade de deslocamento dos grandona, fiquei com aquele complexo na ca-
lugares, seja devido a situações de violência, beça, porque eu era maior de todas da classe
no primeiro ano, aí logo, eu comecei a namo-
ameaças na rua, seja pela necessidade de co- rar, foi aonde já desisti dos estudos (MORA-
nhecer outros lugares. DORA 01).

As mulheres moradoras de rua de Campo Já entrei na faculdade, ‘mais’ fiquei só um se-


Grande mestre, foi quando eu entrei nas drogas. Entrei
‘mais’ só fiz um semestre de ciências contá-
beis (MORADORA 02).
Para a realização desta pesquisa no Centro
POP de Campo Grande – MS, foi necessária Nunca fui à escola (MORADORA 03).
a solicitação de uma autorização da Secre-
taria Municipal de Políticas e Ações Sociais e Todas as participantes da pesquisa pos-
Cidadania (SAS), Com aprovação e autoriza- suíam família, amigos e uma vida com casa
ção pela SAS, apresentou-se a proposta da e trabalho, mas em certo período da história
pesquisa ao coordenador do Centro POP e de vida de cada uma, relatam a perda de la-
somente então foram agendadas as entre- ços familiares. Assim, os aspectos inerentes a
vistas com moradores de rua. As entrevistas história de vida estão ligados a perda de seus
foram gravadas com autorização prévia das vínculos e a saída de suas casas para a rua, ou
participantes e assinatura do Termo de Con- seja, “ligados à história de vida de cada indi-
sentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As mo- víduo, rupturas dos vínculos familiares, doen-
radoras de rua que aceitaram participar da ças mentais, consumo frequente de álcool e
pesquisa eram em número de três (03) e as outras drogas, infortúnios pessoais...” (SILVA,
entrevistas realizadas foram não estrutura- 2009, pg.105).
das3, a partir de um prévio roteiro de poucas
questões. Meus filhos moravam aqui em Campo Gran-
As moradoras de rua, participantes des- de, se criaram aqui e foram embora para Aqui-
dauana. Minha mãe mora em Cuiabá, capital
ta pesquisa, possuíam um baixo nível de es- de Mato Grosso. Tenho quatro filhos, duas me-
colaridade, sendo que uma cursou o ensino ninas e dois guris, com tudo doze netos. (MO-
fundamental, a outra moradora chegou a fre- RADORA 01)
quentar o nível superior, mas desistiu ainda no
início do curso e a terceira entrevistada não Em Campo Grande. A minha família é minha
mãe e meus filhos, moram no Bairro Nova
foi alfabetizada. A moradora 01 relata que não Bahia. (MORADORA 02)
conseguiu concluir seus estudos devido à for-
ma pela qual era tratada na pelos colegas de Minha família é de Londrina. (MORADORA 03)
classe e por estar atrasada com relação aos
estudos, sofria “bullying”, mas o fator deter- Os familiares das pessoas em situação de
minante foi violência sexual enfrentada por rua não mantêm contato com estes, tanto por
ela dentro do âmbito familiar. A moradora 02 morarem em outros locais quanto por sim-
afirma que não conseguiu concluir seu curso plesmente não se importarem.
superior, pois o marido separou-se dela, dei-
xando-a sozinha com um bebê de seis meses Assim, é a noção que concebe a população
e a moradora 03 não foi alfabetizada, ou seja, em situação de rua como um grupo popula-
nunca este na escola. cional heterogêneo, mas que possui em co-
mum a pobreza extrema, os vínculos familiares
interrompidos ou fragilizados e a inexistência
Eu não aprendi a ‘lê’ e nem escrever porque a
de moradia convencional regular, fatores que
minha cabeça já é problemática desde crian-
_________________
3
As entrevistas não estruturadas apresentam-se com um roteiro de perguntas abertas.
122
obrigam a procurar os logradouros públicos... amassou’. Mais eu aprendi, ‘mais’ eu achava,
(SILVA, 2009, p. 136). que eu pra mim, que na rua eu tinha mais ca-
rinho do que em casa, então eu optei ficar na
Segundo Silva (2009, p. 120) é muito co- rua, tanto que é quando eu chego na casa da
minha família só visita, ‘oi, oi, tudo bom’, fico só
mum que as pessoas em situação de rua se- dois, três dias e já vou embora para o mundo
jam responsabilizadas pela própria situação, estando sozinha com marido ou sem marido
na qual se encontram, por suas ‘imperfeições’ (MORADORA 01).
e pelas suas problemáticas, principalmen-
te quando se trata da dependência química. Situações de violência física, falta de afeto
Portanto, a saída de seus âmbitos familiares, e de diálogo podem desencadear dificulda-
em suas respectivas circunstâncias, se deve des nas relações entre jovens e família provo-
a inúmeros motivos. Muitas dessas mulheres cando conflitos e fazendo com que os jovens
passaram a viver em situação de rua por con- procurem nos ambientes externos o que lhes
ta de vícios, problemas familiares, abuso se- falta dentro de casa. Situações de violência
xual ocorrido na adolescência, ocorrência de constante geram ambientes de insegurança
gravidez e também por distúrbios mentais. à criança gerando adultos também inseguros.

Desde os onze anos de idade, foi quando eu Até os cinco anos de idade eu vivia com meus
engravidei do meu primeiro filho, minha mãe pais, apesar de brigarem muito pelo fato dele
me tocou de casa, eu passei a viver no mundo [pai] ser uma pessoa que fazia uso de bebidas
(MORADORA 01). diariamente. Ela acredita ser essa a razão que
o levou a cometer o suicídio, além de brigar
Assim, indo e voltando ao todo tem oito anos. muito com sua mãe. Após o pai ter se suicida-
Após o término do casamento, entrei em de- do em sua frente (quando tinha cinco anos),
pressão (MORADORA 02). ela relata que sua vida se tornou um inferno,
trazendo sempre a lembrança dele. A mãe se
Eu ‘tô’ na primeira vez, cheguei no sábado casou novamente, e depois do casamento sua
aqui, na rua, sexta feira (MORADORA 03). vida não foi mais uma vida comum. O padras-
to fez várias tentativas de abuso, a obrigando
Desse modo, é visível que segundo depoi- sair de casa por não querer magoar sua mãe.
(MORADORA 01)
mentos das participantes da pesquisa as his-
tórias e experiências de vida das entrevista-
O depoimento da moradora 01 mostra
das denotam situações diversas enfrentadas,
como o álcool e as drogas impactam na vida
que acabaram por desencadear vida nas ruas
das pessoas. Outro fato bastante marcante é
dessas mulheres. Também de acordo com os
o abuso sexual na infância e adolescência fa-
depoimentos das mulheres entrevistadas, es-
zendo com que a vítima se desestruture, no
tas passaram situações de violência e vulne-
caso da moradora 01 acabou saindo de casa,
rabilidade constantes. Assim, ciclos de violên-
deprimiu-se e entregou-se às drogas.
cia e reprodução de situações problemáticas
vivenciadas na infância e adolescência são Aí, eu fiquei tanto tempo tomando remédio
problemáticas frequentes para que essas mu- controlado sabe, fiquei no sanatório, entrei
lheres em algum momento acabassem indo na química, aí depois saí da química, recaí de
morar nas ruas. Portanto, Varanda e Adorno novo, saí de novo sabe, e agora vai fazer um
(2004, p. 57) colocam que o processo de ida ano já; ‘mais’ todos os dias eu penso nela, eu
não fumo mais química, eu fumo maconha
para as ruas “ocorre antes mesmo da ida para (MORADORA 01).
as ruas...” (VARANDA e ADORNO, 2004, p.57).
Talvez a maior causa do aumento progressi-
Mais por causa da minha família mesmo, o
que levou ‘eu’ morar na rua, e eu gostei sabe, vo de moradores de rua, tem-se dado devido
que eu achei o aconchego que eu não tinha, ao uso de drogas, seja álcool ou substâncias
minha mãe era uma pessoa muito carrasca, psicoativas. Muitas vezes, ao chegar às ruas,
‘daqueles tipo’ de antigamente não explica- a pessoa anseia por formas de esquecer-se
va nada, não falava nada, no grito, na surra, de situações que os aflige constantemente,
se não escrevesse não lesse. Aí o que acon-
teceu, aí eu achei que na rua era melhor, que como também para eliminar a fome, o frio, o
eu apanhei bastante na rua também, eu sofri medo, situações essas vivenciadas no cotidia-
bastante, ‘comi bem dizê o pão que o diabo no das ruas. Portanto, na maioria dos casos,
123
bebida ou drogas tornam-se sua única com- todo o tipo de droga lícita e ilícita, tem uma
panhia, pois lhes trazem sensações de esque- participação marcante e determinante no
cimento e bem estar passageiro, um conforto modo de vida adotado nas ruas, considerado
falso e momentâneo que o deixa feliz por al- muitas vezes uma alegação contra qualquer
guns minutos. É aí onde o vício começa ou se tipo de violência ou sofrimento. A forma como
expande, tornando-se cada vez mais presen- a sociedade encontra de admitir os excluídos
te na vida da pessoa através do uso constan- sociais, muitas vezes passa a ser uma defesa
te, sem intervalos. Deixando-os entorpecidos, contra a população em situação de rua, a po-
sem noção tanto de espaço quanto de tem- pulação acaba traduzindo essa forma ideoló-
po, influenciando sobremaneira no tempera- gica de pensar em violência como forma de
mento da pessoa moradora de rua. autodefesa contra essa população. Todavia,
sabemos que os moradores de rua dificilmen-
Ah, eu achava que era perfeita, a verdade é te traduzem sua conduta em violência, mas
que não era porque acabou assim. Eu traba- sim em baixa estima e passividade frente às
lhava, estudava, criava meus filhos eu vivia pra
isso aí, quando nasceu meu filho caçula de dificuldades.
oito anos, foi que o meu marido me largou, ele A não realização pessoal facilita nos dias
separou de mim. Eu entrei em depressão co- atuais a procura pelas drogas e álcool. As co-
mecei a sair com o pessoal da faculdade, usar branças incessantes, a busca pelos meios de
droga, beber, aí afundei de cabeça, entrei de consumo, toda a insatisfação causada pela
cabeça mesmo, de cabeça, mergulhei de ca-
beça. Abandonei meus filhos, minha mãe pe- promessa capitalista de que todos têm o di-
gou a guarda dos meus filhos, nesse intervalo reito de ter, mas que, todavia, não fornecem
eu fui presa, um monte de coisa aconteceu, as possibilidades para isso, leva a pessoa à
por causa da droga (MORADORA 02). depressão e à baixa autoestima. Nesse am-
biente muitos acabam, então, procurando na
A droga e o álcool estão constantemente droga a satisfação que não existe na realida-
presentes na vida dessas pessoas, porque não de, um prazer momentâneo e uma felicidade
é nada fácil estar nas ruas gerando um ciclo inexistente.
difícil de romper-se, pois o estar na rua aca- Observou-se nessa pesquisa que cada mo-
ba sendo condição de manutenção do pró- rador de rua traz consigo a sua história de
prio vício. Portanto, dificilmente o morador de vida, da qual guarda apenas as lembranças,
rua consegue refazer a vida, pois além de es- pois quando chegam às ruas, deixam para
tar entregue às drogas, também sua própria traz suas próprias histórias. Normalmente ao
condição de vínculos sociais rompidos o dei- perderem os vínculos sociais, seus amigos e
xa vulnerável à permanência nessa situação sua família, também perdem suas próprias
de vida. Sair das drogas, então, é quase im- histórias de vida, seu passado, mudam então
possível quando já se está nas ruas. Para esse seus nomes, procurando construir uma nova
trabalho de recuperação da situação do vício identidade pessoal. Assim, carregam consigo
e da rua, as políticas devem apresentar uma todas as tristezas, aflições, arrependimentos,
proposta junto à rede de atendimento bas- remorsos vividos e procuram nas ruas outra
tante articulada, pois quando se está nas ruas, vida possível que os distancie dessa realida-
perdeu-se tudo, inclusive a própria dignidade de. Nesse sentido, Silva nos coloca que:
de vida. Afinal como é possível suportar o co-
tidiano das ruas? Compreende-se que a ausência de trabalho e
renda regulares já está contemplada na noção
Por causa das drogas, amanhecia um dia, de pobreza extrema, e que o uso frequente do
amanhecia outro, quando eu vi eu ‘tava’ an- álcool e outras drogas se impõe muito mais
dando na rua, é eu mergulhei de cabeça na que uma estratégia de subsistência, capaz de
droga. Então foi passando, uma noite, final de ampliar a alienação acerca da situação de rua
semana, beleza tem dinheiro dorme no hotel do que como uma condição ou característica
aí passou outro dia, outro dia, quando eu vi já que ajuda a definir esse contingente popula-
‘tava’ morando na rua, ai não quis sair, já ‘tava’ cional (SILVA, 2009, p. 133).
na rua mesmo fumar mais base (MORADORA
02). Portanto, o que traz os cidadãos às ruas
são inúmeros motivos, como exemplo, a pró-
Algumas pesquisas parecem apontar que pria insatisfação pessoal com a vida, o uso de
124
entorpecente lícitos e ilícitos, álcool e outras situação de rua há um rompimento com esse
drogas, problemas familiares, abuso sexual, estigma, elas estão nas ruas, portanto, pas-
violência e/ou brigas constantes, entre ou- sam a ser vistas como mulheres “da rua”, do
tros. “...as pessoas que utilizam a rua como espaço da rua, e já que as ruas são de todos,
espaço de moradia e sustento possuem ca- elas passam a ser vistas como “objetos dispo-
racterísticas diversas em relação ao tempo níveis na rua”. Assim a proteção deixa de ser
de permanência na rua, as causas imediatas a casa e para compensar há de se encontrar
que as conduziram à situação de rua..”(SILVA, outros tipos de proteção, como exemplo, um
2009, p. 125) companheiro.
Em geral, é possível chegar à conclusão Segundo Tiene (2004), as mulheres em si-
de que é complicada a situação de rua tan- tuação de rua nunca estão sozinhas e pro-
to para os homens, quanto para as mulheres. curam conviver em grupos como forma de
Assim é importante destacar que as mulheres proteção; muitas procuram companheiros
têm dificuldades maiores do que os homens para se sentirem seguras, sendo várias vezes
ao viverem nas ruas, como exemplo, o lidar submetidas sexualmente para garantir a se-
com o ciclo menstrual, gravidez e outras si- gurança de outros. Viver na rua, para as mu-
tuações biológicas, que complicam-se ao es- lheres, é também construir essas relações ne-
tar na rua com precárias condições de higie- cessárias ao seu cotidiano.
ne, além disso, Silva (2009, p. 148) nos coloca
que “à mulher foi reservada o papel de repro- A vida nas ruas de mulheres moradoras de
dutora e responsável pelos cuidados com a rua em Campo Grande-MS
prole, que implica relações de trabalho desi-
guais e muitas vezes opressão sexual, ambos Dentre aqueles que exercem alguma ati-
reproduzidos na situação de rua e de forma vidade para sobrevivência nas ruas há duas
acentuada”. situações distintas: a) os trabalhadores que
estão nas ruas e b) os trabalhadores que são
É horrível, é horrível porque a mulher é tirada chamados de moradores de rua, cuja estada
em qualquer situação, ela ‘tando’ sozinha, é ocorre nos logradouros, pontes, viadutos e
horrível ou você usa droga pra ficar acorda-
da, porque se você dormir, você tá exposto a outros locais, como os albergues e casas de
alguma maldade, sabe e eu ia dormir no CE- apoio.
TREMI. Quando eu ‘tava’ lá na rua fumava, fu- As pessoas que trabalham nas ruas, na con-
mava, vinte quatro, quarenta e oito horas, pra dição de estar na rua, mantendo vínculos com
ficar acordada pra ver o que tá acontecendo uma residência fixa, executam diferentes ti-
só muita maldade da polícia, já levei nove fa-
cadas e dois tiros (MORADORA 02). pos de trabalho, como exemplo: artísticos,
catadores de material reciclável, artesanatos,
Portanto, sabemos que para as mu- comércio de alimentos, cuidadores de carros,
lheres as ruas oferece uma vulnerabilida- serviços sexuais dentre outros. Entre o grupo
de muito maior, só pelo fato de ser mulher, de trabalhadores que estão na rua também
como já dito anteriormente. Nesse sentido, as se encontram àqueles das práticas ilícitas e/
mulheres em situação de rua não vivem uma ou ilegais como venda de drogas e pequenos
realidade diferente de outras mulheres, pois furtos.
elas sofrem as mesmas desigualdades sociais De acordo com nossa pesquisa, podemos
marcadas pelas relações de gênero e de po- apontar que para sobrevivem as mulheres
der entre os sexos. Também as mulheres que moradoras de rua costumam fazer da rua o
estão nas ruas sofrem com processos de dife- seu sustento, executando trabalhos manuais,
renças entre gênero e desigualdades que se como catar materiais recicláveis, cuidar de
materializam nas relações travadas nas ruas, e carros, se prostituem ou até roubam e a gran-
estas se traduzem muitas vezes em contextos de maioria encontra aí o modo de sustentar
de violência e discriminação. seu vício.
A rua se traduz como o espaço do público e
Cuida de carros (MORADORA 01).
não do privado e sabemos que ideologias ca-
pitalistas indicam a rua como espaço mascu- Vixe, a gente mente, a gente rouba, a gente
lino e não feminino. No caso das mulheres em trafica, faz programa, que todo mundo sabe
125
que a mulher querendo ou não a que usa dro- quer aquele dinheiro, aí tem que contar outro
ga fala que não fez um programa, que não faz tipo de argumento, ou se não cuidar um carro,
um programa é mentira, uma hora ou outra para poder faturar o dinheiro para compra o
você vai ter que fazer, ninguém vai te obrigar vício da gente (MORADORA 01).
mais você vai fazer, se você quiser ficar usar
droga (MORADORA 02). Muita, muita, eles puxa o cabelo da gente, é
complicado, puxar o cabelo da gente, xinga
Aí, eu tomo conta de carros, sabe? (MORADO- a gente na rua, tudo isso aí, fala porque você
RA 03). não vai trabalhar, você arruma um serviço me-
lhor, no seu o que, ‘tô’ ficando vagabundo, é
Dessa forma, as mulheres fazem várias ativi- desse jeito que eles ‘falou’ (MORADORA 03).
dades, que variam entre cuidar de carros, pe-
A vida nas ruas pressupõe que o morador
dir dinheiro e se prostituir, ou até mesmo prá-
de rua deva cuidar da defesa de si mesmo,
ticas ilícitas como roubos e tráfico. “Algumas
pois ele encontra-se sozinho, sem ajuda dos
mulheres usam o sexo para obter proteção ou
demais, uma vez que, na rua cada um é res-
mesmo amparo financeiro para a sobrevivên-
ponsável por si. Também é interessante assi-
cia, mas ainda assim a prostituição aparece
nalar que cada vez mais, há um aumento com
nas ruas de maneira diferente.” (VARANDA e
relação aos casos de violência contra mora-
ADORNO, 2004, p. 66):
dores de rua. Para Tosta (2000), existe uma
O grau de exposição das mulheres que vivem conexão entre a exclusão social e a violência
nas ruas não permite que elas possam ora quando há uma relação de pobreza com a
dizer sim, e ora dizer não a parceiros sexuais marginalidade, a pessoa é identificada pela
na própria rua, com a mesma facilidade que sociedade como uma ameaça e se torna uma
isso acontece entra a população domiciliada. pessoa alvo de pena e indiferença, em outros
Algumas delas não conseguem se defender
quando são forçadas a praticar sexo, outras momentos alvo de medo e eliminação.
usam a bebida ou assumem comportamen- Segundo Arruda (2014) o morador de rua se
tos bastante agressivos para se defender e encontra, no espaço da rua, em total desam-
enfrentar os homens que insistem em ter re- paro, além da falta de segurança e do medo
lações sexuais, entretanto, o uso da bebida da violência nas ruas. Eles também são trata-
pode deixá-las ainda mais vulneráveis (VA-
RANDA e ADORNO, 2004, p. 56). dos com indiferença e de forma indigna pelas
pessoas que transitam pelas ruas. Vivem na
São diversas as dificuldades enfrentadas insegurança do cotidiano nas ruas, assim em
no cotidiano destas mulheres. Elas estão ex- alguns momentos fogem acuados e se escon-
postas à violência (agressão física e sexual) e dem para se proteger, e em outros, agridem e
às bebidas e drogas, pois precisam encon- atacam para se defender, vivem sem leis, nor-
trar uma maneira de conseguir dinheiro. En- mas e regras que os protejam ou que lhes dê
frentam a discriminação das pessoas, tanto melhores condições de vida. Desse modo, a
através de palavras, quanto gestos. A violên- situação da mulher é sempre muito pior.
cia está presente em seu cotidiano. Como já
apontado anteriormente muitas relatam ci- Políticas voltadas para População em Si-
clos de violência na vida, pois relatam abusos tuação de Rua
sexuais constantes vivenciados quando ainda
eram crianças e que perduram por toda a vida. Como vimos na discussão presente
Há relatos também de violência física, inclusi- neste artigo a situação da população de rua
ve por parte dos próprios companheiros que apresenta-se sob uma forma muito complexa
as acompanham e as protegem na vida nas e demonstra cotidianamente fatos de exclu-
ruas, de forma, que favorecem nesse sentido são social. Essa população apresenta carac-
a constante submissão em todos os aspectos, terísticas bastante heterogêneas já que cada
tudo em troca de proteção. (Tiene, 2004): história de vida apresenta uma situação di-
ferente da outra, todavia podemos assinalar
As dificuldades que a gente enfrenta todo dia contextos em que a desigualdade social é
acho que é na hora que precisa de uma coisa, muito presente perpassando situações de de-
principalmente o dinheiro que a gente preci- semprego, uso e abuso de drogas ou álcool,
sa né, ai tem que chegar nas pessoas e não falta de qualificação profissional, contextos e
pode falar o que a gente quer mesmo porque
126
ciclos de violência familiar, práticas delituosas estavam em processo de pesquisa semelhan-
e rompimento dos vínculos familiares e afeti- tes (BRASIL, 2008a).
vos.
Nesse sentido, o morador de rua se encon- Somente com o surgimento da Lei Orgâni-
tra fragilizado devido as suas diversas proble- ca de Assistência Social (LOAS) que aconte-
máticas, que muitas das vezes apresentam- ceu em 1993 a Assistência Social passa a ser
se entrelaçadas, ou seja, cada história de vida considerada Política Pública que promove o
é marcada por mais que uma problemática direito do cidadão e o dever do Estado para
apontada, tornando as situações um tanto com as situações que envolvem a questão
complexas. social e a garantia e igualdade dos direitos
Em condições ruins de apresentação pes- sociais dos cidadãos brasileiros. E somente no
soal, como exemplo, falta de banho, corte de ano de 2005 que LOAS:
cabelo e ainda pequena qualificação profis-
...recebe alteração com a inserção da obri-
sional aliadas à questão do álcool e/ou dro- gatoriedade de se formular programas que
gas dificilmente o morador de rua encontra amparassem as pessoas em situação de rua,
trabalho vivendo de pequenos serviços espo- sendo assim, o poder público atuante nos mu-
rádicos do mercado informal. Deste modo, nicípios, tem o dever de sustentar os serviços
denota-se que há uma complexidade na e os programas de atenção à população em
situação de rua no país (ARRUDA, 2014, p. 105).
questão social da população de rua. O que se
observa é que as políticas públicas de atendi-
De acordo com a LOAS todos os municípios
mento só são implantadas como resultados
possuem a obrigação de assegurar os direitos
das demandas societárias, entretanto isso
da população em situação de rua, dentro dos
acontece quando a problemática já se en-
Centros de Referências da Assistência Social
contra acontecendo, não havendo, portanto,
(CRAS) e Centros de Referência Especializa-
ações preventivas.
dos da Assistência Social (CREAS).
No caso da situação da população de rua,
Na Proteção Social de Alta Complexidade
esta era invisível para a sociedade que olha-
o atendimento é oferecido àquelas pessoas
va a questão sempre culpabilizando a própria
que além dos direitos violados e que tiveram
pessoa por estar na rua e, portanto, infeliz-
também o rompimento do seu vínculo fami-
mente o problema só passou a ser discutido
liar. A política prevê que seja oferecido aten-
entre a década de 90 e no início do século
dimento de forma integral à pessoa, dando
XXI. Assim, para que ocorresse a implanta-
condições de moradia, de alimentação, de
ção de uma política pública nacional voltada
trabalho, dentre outras situações que exigem
população em situação de rua, aconteceram
proteção e cuidado.
muitas etapas para a construção e o desen-
A Política Nacional para a População em
volvimento de garantias de direitos dessa po-
Situação de Rua só veio a ser instaurada em
pulação, destarte essa política é ainda muito
2009. Para a sua criação foi necessária a atua-
recente e enfrenta além de muitos problemas
ção de movimentos sociais formados pela
diversos desafios.
população que vive em situação de rua, com
Em consonância com tais processos advindos ações articuladas com os membros da socie-
das políticas públicas, o Ministério do Desen- dade civil, entre outras, para que haja uma
volvimento Social e Combate à Fome (MDS), efetivação desse processo de reinserção da
realizou no ano de 2005, através da Secretaria pessoa humana na sociedade, procurando
Nacional de Assistência Social (SNAS), o I En-
restabelecer os vínculos rompidos. Essa Po-
contro Nacional sobre População em Situação
de Rua, com a finalidade de se formular polí- lítica tem como princípio o respeito à digni-
ticas públicas que atendessem as necessida- dade da pessoa humana, o direito à convi-
des da população em situação de rua. Desse vência familiar e comunitária, a valorização e
encontro surgiu a proposta do MDS em par- o respeito à vida e à cidadania, o atendimen-
ceira com outras instituições de realizar uma
to humanizado e universalizado e o respeito
pesquisa nacional sobre a população em si-
tuação de rua no Brasil, que teve início no ano às condições sociais e diferenças de origem,
de 2007 e sua finalização ocorreu em 2008, raça, idade, nacionalidade, gênero, orienta-
sendo realizada em algumas capitais do Brasil, ção sexual e religiosa com atenção especial
ficando de fora as cidades e os estados que já às pessoas com deficiência.
127
Portanto, no âmbito da Lei Orgânica da As- CONSIDERAÇÕES FINAIS
sistência Social – LOAS e da Política Nacional
para a população em situação de rua, foi pre- O presente trabalho proporcionou um es-
visto a implantação de centros de referências tudo sobre o fenômeno da população em si-
especializados para atender pessoas em si- tuação de rua, principalmente no que tange
tuação de rua. Em Campo Grande – MS, os às mulheres moradoras de rua, apontando
centros especializados nesse tipo de atendi- suas principais dificuldades.
mentos são o Centro POP, que objetiva aten- O cotidiano da mulher moradora de rua é
der a população em situação de rua de acor- vivenciado pela exclusão cotidiana e violên-
do com a Tipificação Nacional de Serviços cias sofridas demonstrando as situações de
Socioassistenciais e o Consultório na Rua que vulnerabilidade e risco social a que mulheres
é composto por uma unidade de atendimen- em situação de rua vivenciam.
to com uma equipe multiprofissional para a As mulheres participantes da pesquisa de-
realização do atendimento à população em monstraram que suas histórias de vida trazem
situação de rua nos pontos de maior concen- tristes contextos cheios de violência física e
tração desse público no município. sexual, álcool e drogas, o que possivelmente
Além desses, podemos citar o Centro de Tria- tenha impulsionado-as para a vida nas ruas.
gem e Encaminhamento do Migrante – CE- A mulher em situação de rua encontra-se
TREMI, que oferece acolhimento a qualquer dentro de uma perspectiva limitada e uma
pessoa que procure o local, o atendimento vivência de dificuldades e aflições, geradas
oferecido é o de alimentação e alojamento e pela violência sendo o fator determinante da
o Centro de Apoio ao Migrante - CEDAMI que vinda dessas mulheres para a rua, cada uma
oferece alojamento aquelas pessoas que es- traz uma história de vida demonstrando a
tão de passagem pela cidade e não tem con- realidade e suas fragilidades às situações que
dições de custear um local para dormir. E por passaram e as fizeram tomar essa decisão de
fim, a Casa de Apoio aos Moradores de Rua ir para as ruas como a sua única alternativa.
São Francisco de Assis – CASF, que é uma Or- Observa-se que as políticas públicas vol-
ganização Não Governamental da Assistência tadas para essa população ainda são muito
Social, que atende à população em situação recentes na história do Brasil e não se encon-
de rua, somente do sexo masculino, do mu- tram suficientemente eficientes para respon-
nicípio de Campo Grande – MS. Todavia, não der à complexidade desta situação social. As
se tem hoje uma Instituição que atenda so- mulheres moradoras de rua ainda são uma
mente às mulheres, entretanto, já se discute população invisível à sociedade em geral.
a implantação de uma Casa de Apoio às Mu-
lheres Moradoras de Rua da cidade de Cam- REFERÊNCIAS
po Grande/MS.
Embora, existam Políticas de Atendimento ARRUDA, Andressa Meneghel. A vida nas
voltadas para a população em situação de ruas: aspectos psicossociais das vivências de
rua no Brasil e em Campo Grande, observas- moradores de rua de Campo Grande - MS.
se que ainda não existe uma rede de aten- Dissertação (Mestrado em Psicologia). Univer-
dimento eficaz e capaz de dar respostas às sidade Católica Dom Bosco, 2014.
todas as demandas necessárias à essas situa-
ções. Sendo assim é necessário que os estu- BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social
dos possam colaborar na construção de po- (1993)- LOAS. 6.ed. Brasília/DF: MDS, 2007.
líticas que venham ao encontro também da
mulher moradora de rua. Pensar apenas em ______. Decreto s/nº de 25 de outubro de
locais de atendimento não é o suficiente, há 2006. Constituiu Grupo de Trabalho Intermi-
também que se pensar em formas de acom- nisterial – GTI, com a finalidade de elaborar
panhamento e reinserção mais eficazes para estudos e apresentar propostas de políticas
que as mulheres moradoras de rua possam públicas para a inclusão social da população
ser melhor atendidas em suas necessidades. em situação de rua, conforme disposto na Lei
nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá ou-
tras providências.
128

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129
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E TERRITÓRIO:
REFLEXÕES SOBRE O ACESSO E O DIREITO DA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE
SOCIAL

Selma Lucia da Costa Xavier Oliveira


Aluna do Programa de Mestrado em
Psicologia - Universidade Católica Dom
Bosco
sjosman@gmail.com

Sueila Pires Pereira


Graduada em Serviço Social
Universidade Católica Dom Bosco
asssueilapires@gmail.com

Profa. Dra Luciane Pinho de Almeida


Programa de Mestrado e Doutorado
em Psicologia - Universidade Católica
Dom Bosco
luciane@ucdb.br

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a adesão ou não adesão da
população em situação de vulnerabilidade social de Campo Grande/MS, diag-
nosticadas com tuberculose e em tratamento ofertado pelo Sistema Único de
Saúde - SUS. Esta reflexão é resultado de uma pesquisa quali-quantitativa, na
qual o público alvo foram pessoas em situação de vulnerabilidade social que
foram diagnosticadas com tuberculose e abandonaram o tratamento entre os
anos de 2013 e 2014. Os dados foram coletados por meio de levantamento de
informações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação SINAN, por
meio da análise documental das fichas de notificações e realização de pesquisa
bibliográfica. A interpretação dos dados seguiu os passos metodológicos pro-
postos pela técnica de análise de conteúdo. Os primeiros resultados apresentam
dados significativos que apontam a tuberculose uma doença ainda negligencia-
da; apresentam o morador de rua como uma população em situação de vulne-
rabilidade social. A adesão ao tratamento de forma eficaz perpassa na relação
do atendimento adequado, a efetivação de políticas públicas e a questão do
território no sentido do atendimento a essa população.

Palavras-chave: Políticas Públicas, Saúde, Território, Vulnerabilidade Social.


130
INTRODUÇÃO

É
sabido que a tuberculose é uma motivação das pessoas com o referido diag-
doença antiga cuja cadeia de trans- nóstico por este agravo em abandonarem o
missão se perpetua via área, e que tratamento.
ao longo do tempo serviços de saú- Diante do exposto, observou-se que uma
de vem se especializando no enfrentamento parcela significativa destes que abandona-
da disseminação da bactéria, contudo gran- ram o tratamento tratavam-se de pessoas
des são os desafios que afrontam o aperfei- em situação de vulnerabilidade social, com
çoamento de tais serviços, dentre os quais ênfase as pessoas em situação de rua e/ou
a própria interlocução das políticas públicas usuários de drogas, os quais devido às pró-
na perspectiva de garantir o acesso aos direi- prias condições de vida e frequente aban-
tos sociais da população acometida por este dono ficam mais resistentes aos fármacos e
agravo, principalmente o acesso ao serviço tratamento adequado. Diante do presente,
de saúde. este estudo objetivou refletir a adesão ou não
Neste aspecto, as literaturas nos afirmam adesão da população em situação de vul-
que é sugestivo afirmar que a tuberculose nerabilidade social de Campo Grande-Mato
ainda trata-se de um sério problema de saú- Grosso do Sul-Brasil que tiveram o diagnós-
de pública, visto que demonstra relação di- tico para Tuberculose ao tratamento ofertado
reta com a pobreza. Esta doença está muito pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Seguiu
associada à exclusão social de parte da popu- os passos metodológicos para sua interpreta-
lação, devido à desigualdades socioeconô- ção e reflexão a técnica de análise documen-
micas a que essas estão submetidas e à más tal, pesquisas bibliográficas, bem como análi-
condições de vida, como moradia precária, se dos dados epidemiológicos acessados por
desnutrição e dificuldade de acesso aos ser- meio do Sistema de Informação de Agravos
viços e bens públicos. Neste feito, é premissa de Notificação (SINAN) dos anos de 2013-
dizer que a tuberculose configura-se como 2014. O presente estudo pautou sua reflexão
uma das principais doenças a serem enfren- sobre tuberculose no âmbito do município de
tadas no Brasil no que tange a um acompa- Campo Grande – Mato Grosso do Sul – Bra-
nhamento e tratamento adequado ofertado sil, tendo o referido município no ano de 2015
pelo Sistema Único de Saúde brasileiro o qual uma população estimada 853.622, conforme
rege os serviços de saúde do país. dados no IBGE - Instituto Brasileiro de Geo-
Portanto, esforços devem ser realizados grafia e Estatística.
pelas políticas sociais públicas no sentido de
garantir melhores condições de vida à pessoa Conversando sobre a tuberculose e seus
com diagnóstico de tuberculose, bem como determinantes
a oferta do tratamento adequado para a in-
terrupção da cadeia de transmissão da doen- De acordo com o Manual de Recomenda-
ça, visto que o não tratamento incide não so- ções para o Controle da Tuberculose no Bra-
mente no próprio paciente, mas igualmente sil (2011, p. 32) a tuberculose, é uma doença
em toda a sociedade, considerando a sua causada pelo Mycobacterium tuberculosis,
transmissibilidade. pode acometer uma série de órgãos e/ou
Neste ínterim, com base na atuação profis- sistemas, podendo também localizar-se nos
sional enquanto trabalhadores de saúde habi- rins, ossos, pleura, meninges, gânglios e de-
litados em políticas sociais públicas e atuando mais órgãos. Esta quando atinge os pulmões
na Secretaria Municipal de Saúde, mais preci- recebe o nome de tuberculose pulmonar; ao
samente no programa municipal de controle atingir outros órgãos, é chamada de tubercu-
da tuberculose, e diante de informações de lose extrapulmonar. Neste sentido, a apresen-
casos de abandono ao tratamento da tuber- tação da Tuberculose (TB) na forma pulmo-
culose, a qual se trata de uma doença infec- nar, além de ser mais frequente, é também a
tocontagiosa, surgiu à inquietude em saber a mais relevante para a saúde pública, pois é
131
a forma pulmonar, especialmente a bacilífe- qual tem a duração de seis (06) meses, não
ra, a responsável pela manutenção da cadeia podendo ser interrompido. Cabe dizer que o
de transmissão da doença, considerando que paciente que não comparece às consultas é
sua transmissão se dá por meio das gotículas considerado paciente faltoso, e a falta do uso
eliminadas no ar pela tosse, fala e espirro de da medicação por mais de trinta (30) dias é
uma pessoa com tuberculose pulmonar. As- considerada abandono de tratamento, o que
sim, a tuberculose embora seja uma doença significa a continuidade da transmissão da
secular continua sendo motivo de preocupa- doença e resistência do bacilo à medicação.
ção e de grande problema de saúde pública. Durante a atuação profissional no progra-
A Cartilha de Tuberculose - Informações ma municipal observou-se pelos casos en-
para Agentes Comunitários de Saúde da Nor- cerrados nas notificações analisadas, que
ma Operacional Básica (2001, p. 12) esclarece ainda que se tenha um considerável número
que a forma de transmissão pode ir além das de casos concluídos por cura há de se con-
gotículas eliminadas pelo ar de uma pessoa siderar expressivo os casos que se encerra-
com tuberculose, também ressalta que o con- ram por abandono. Neste ponto, embora não
tato direto e permanente com o paciente em se consiga por meio da avaliação das fichas
ambiente fechado, com pouca ventilação e de notificações identificar destes casos em
ausência de luz solar, representa maior chan- abandono quantos tratam-se de pessoas
ce de outra pessoa ser infectada com o ba- em situação de maior vulnerabilidade social,
cilo da tuberculose, situações que favorecem o que se observou durante as abordagens
o desenvolvimento da doença considerando da prática profissional é de que o público de
os fatores como: precárias condições de vida, maior vulnerabilidade e risco ao acometimen-
desnutrição, enfraquecimento por desgaste to da doença trata-se da pessoa em situação
físico, alcoolismo ou doenças com HIV/AIDS, de rua e/ou usuária de substâncias psicoati-
diabetes e câncer. vas álcool-droga.
Deste modo, o Manual de Recomendações
para o Controle da Tuberculose no Brasil (2011, Contextualizando as Populações de Maior
p. 19) afirma que a tuberculose continua sen- Vulnerabilidade para a Tuberculose
do um dos mais importantes problemas de
saúde no país, o qual vem exigindo o desen- O documento intitulado Instrução Opera-
volvimento de estratégias para o seu controle, cional Conjunta SNAS/MDS e SVS/MS Nº 01
considerando os aspectos humanitários, eco- de setembro de 2014, aponta que a tubercu-
nômicos e de saúde pública. Destaca-se ain- lose é uma das doenças que mais emblema-
da que o Brasil é um dos 22 países priorizados ticamente caracteriza a determinação social
pela OMS - Organização Mundial da Saúde. no processo saúde-doença, o qual demons-
Segundo os dados do ano de 2009 foram no- tra uma relação direta com a pobreza e a ex-
tificados 72 mil casos novos, correspondendo clusão social. Neste sentido, no Brasil a doen-
a um coeficiente de incidência de 38/100.000 ça afeta principalmente as periferias urbanas
habitantes. Indicadores estes que colocam o – favelas e as áreas degradadas dos grandes
Brasil na 19ª posição em relação ao número centros, as quais geralmente estão atreladas
de casos e da 104ª posição em relação ao à fome, às más condições sociais de moradia
coeficiente de incidência (BRASIL, 2016). e saneamento básico, ao uso indevido e ao
O paciente ao apresentar os sintomas abuso de álcool, tabaco e outras drogas, bem
da tuberculose é considerado um “sintomá- como as doenças imunossupressoras, como a
tico respiratório” e pelo SUS - Sistema Úni- própria Aids.
co de Saúde lhe é ofertado gratutitamente A Instrução Operacional Conjunta (2014) re-
o atendimento para o diagnóstico e o trata- vela que as populações indígenas, pessoas
mento. Uma vez identificado o “sintomático privadas de liberdade, pessoas que vivem
respiratório” o médico ou enfermeiro solicita com HIV/AIDS (PVHA) e a população em si-
os exames de baciloscopia (exame de escar- tuação de rua estão mais vulneráveis à tu-
ro), exame de raio x e teste tuberculínico. Se berculose devido às condições específicas de
confirmado o diagnóstico o referido pacien- vida e ao estigma, o que reforça o preconcei-
te segue por tratamento na rede pública, o to social a essas populações dificultando seu
132
acesso aos serviços de saúde. Portanto, esses cionais, porém a preservação e manutenção
grupos merecem medidas específicas visan- da saúde, a qual é um direito instituído em
do ao diagnóstico precoce e o tratamento leis torna-se de responsabilidade do Esta-
dos casos, além do suporte biopsicossocial. do. Assim sendo, a tuberculose nas prisões
Assim sendo, apresenta-se abaixo as popula- constitui um importante problema de saúde,
ções mais vulneráveis ao risco de adoecimen- tendo a frequência de formas resistentes e
to pela tuberculose em relação à população multiresistentes particularmente elevada nas
em geral. Segundo conforme Instrução Ope- prisões, estando esta relacionada ao trata-
racional Conjunta (2014): mento irregular, a detecção tardia de casos de
resistência, bem como as próprias condições
• Povos Indígenas: 03 vezes. de vida. Importantes são os fatores relacio-
• População Privada de Liberdade: 28 nados para a alta endemicidade da tubercu-
vezes. lose nesta população perpassam as próprias
• PVHA - Pessoa Vivendo com HIV/ condições de vida do encarceramento como:
AIDS: 35 vezes. celas superpopulosas, mal ventiladas e com
• População em situação de rua: 44 pouca iluminação solar, exposição frequente
vezes. ao Mycobacterium tuberculosis em ambiente
confinado, falta de informação sobre o pro-
(Fonte: Instrução Operacional Conjunta SNAS/MDS blema e dificuldade de acesso aos serviços de
e SVS/MS 2014). saúde na prisão (MANUAL DE RECOMENDA-
ÇÕES PARA CONTROLE DA TUBERCULOSE,
Neste sentido, cabe contextualizar tais po- 2011, p. 142).
pulações de maior vulnerabilidade, as quais
conforme o Manual de Recomendações para • PESSOA VIVENDO COM HIV/AIDS
o Controle da Tuberculose (2011) são denomi- (PVHA) - O advento da epidemia do HIV/AIDS
nadas como populações especiais. nos países endêmicos para tuberculose tem
acarretado aumento significativo de tubercu-
• POVOS INDÍGENAS - No Brasil existem lose pulmonar. É freqüente a descoberta da
546.949 indígenas, representantes de 210 po- soropostividade para HIV durante o diagnós-
vos, os quais residem em 3.751 aldeias, distri- tico de tuberculose. Para além disso, a tuber-
buídas em 611 territórios indígenas, presentes culose é a maior causa de morte entre as pes-
em 410 municípios em praticamente todo o soas que vivem com HIV o que exige ações
território nacional. Grande parte dessa po- de forma integral e resolutiva de toda a rede
pulação (60%) vive na Amazônia Legal, em de atenção a saúde (MANUAL DE RECOMEN-
condições precárias de habitação, em linhas DAÇÕES PARA O CONTROLE DA TUBERCU-
gerais, tendo os domicílios pouco ventilados LOSE, 2011, p. 75).
e com pouca iluminação natural. Além disso,
grande é o número de pessoas por domicí- • POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA -
lio e constante a presença de fumaça de fo- Existem poucos dados disponíveis sobre a Tu-
gueiras (utilizadas para cozinhar e aquecer o berculose na população em situação de rua
domicílio). Tendo ainda em muitas etnias altos que permitam traçar com clareza o seu perfil
índices de desnutrição, particularidades estas de adoecimento e/ou de suas representações
que atuando em conjunto configuram como sobre o processo de saúde-doença. Mas, por
fatores de risco ao adoecimento por tubercu- meio dos estudos já realizados, bem como
lose (Manual de Recomentações para Con- mediante depoimentos de pessoas vivendo
trole da Tuberculose, 2011, p. 155). em situação de rua e de técnicos que traba-
lham junto a elas, estima-se que se trate de
• POPULAÇÃO PRIVADA DE LIBERDADE um grave problema de saúde, sempre com
- As PPL - Pessoas Privadas de Liberdade, são elevada taxa de incidência e de abandono
pessoas as quais se encontram custodiadas do tratamento. Essa população é considera-
no sistema penitenciário do País, ou seja, se da pelo Ministério da Saúde como um grupo
encontram em regime de privação de liber- de elevada vulnerabilidade. São consideradas
dade, devido ao acometimento de atos infra- como vivendo em situação de rua as pessoas
133
provenientes, em sua maioria, dos segmentos rua e a tuberculose, cabe observar que a pes-
populares, em situação de extrema exclusão soa que está com tuberculose e que se en-
social e vulnerabilidade, que fizeram da rua contra em situação de rua apresenta por si só
sua casa ou uma extensão dela. Na rua, essas características psíquicas inerentes à sua situa-
pessoas desenvolvem suas relações e provém ção e condição neste dado momento de vida,
de diversas maneiras o seu sustento. Neste visto que naturalmente sente-se destituído
sentido, a população de rua é constituída, do vínculo familiar e excluído das possibilida-
em geral, por pessoas que, ao longo da vida, des de atendimento e cuidados. Por sua vez,
sofreram rupturas fundamentais para a cons- este paciente traz em si a resistência ao au-
trução de sua identidade (família, trabalho, tocuidado, pois os riscos que a vida nas ruas
afetos, cultura e dimensão de cidadania). Não o impõe, não o de possibilita cuidados e as-
se vêem e não são considerados por grande sim sendo este não adere ao tratamento, ou
parte da população como sujeitos de direito. iniciam e não o completam permanecendo a
Como fizeram da rua sua casa, é ali que refa- transmissibilidade da doença. Importante res-
zem suas relações familiares e onde buscam saltar que tal situação demanda fundamental
seu sustento (MANUAL DE RECOMENDA- participação da equipe de saúde e das lide-
ÇÕES PARA O CONTROLE DA TUBERCULOSE, ranças comunitárias nas ações de controle e
2011, p. 151). erradicação da tuberculose.
Enfatiza-se a característica psíquica de re-
Ao que se refere à contextualização da po- sistência ao autocuidado deste paciente seja
pulação em situação de rua, vale destacar o na vulnerabilidade com relação a sua saúde
Decreto nº 7.053/2009, o qual define a popu- (não tomar banho todos os dias, falta de uma
lação de rua como: alimentação equilibrada e outros cuidados de
necessidades básicas). Levar em conta a sua
Um grupo populacional heterogêneo que resistência implica em compreender que todo
possui em comum a pobreza extrema, os vín- e qualquer cuidado lhe parecerá algo não real
culos familiares fragilizados ou rompidos e a
inexistência de moradia convencional regular. e benéfico para si próprio, sem esquecer que
Caracteriza-se pela utilização de logradouros as condições que a rua lhes impõe também
públicos (praças, jardins, canteiros, marqui- dificulta esse cuidado. Cabe dizer que para a
ses, viadutos) e de áreas degradadas (prédios prevenção e o cuidado, se requer um olhar di-
abandonados, ruínas, carcaças de veículos) ferenciado para este indivíduo. Ribeiro (2006,
como espaço de moradia e de sustento, de
forma temporária ou permanente, bem como p. 100) nos afirma que cuidar é fazer com que
das unidades de serviços de acolhimento para a pessoa não sinta vergonha de si mesma, in-
pernoite temporário ou moradia provisória. dependentemente de como ela se apresente
ao outro. Devendo ainda dizer que o desres-
Neste sentido, falar de morador de rua ou peitar alguém é tirar dele o direito de se sen-
de população que vive em situação de rua, é tir pessoa, de se sentir em comunidade, não
falar de uma população desprovida de segu- obstante a qualquer problema que ele possa
rança, de necessidades básicas para se viver, e ter. Como afirma Castel (2008, p. 41):
a que Castel (1998), denomina de “desfiliação
social”, termo que ele utiliza para substituir o [...] a desgraça de ser pobre e abandonado às
conceito de “exclusão”, pois ele considera que incertezas do porvir soma-se um profundo
sentimento de injustiça: eles constatam que
este conceito perdeu a sua capacidade expli- não são tratados com paridade no enfrenta-
cativa, uma vez que todos os processos se- mento destas situações. Um fator etnorracial
riam explicados da mesma forma, e que ele reforça a aflição social, inscrevendo-a numa
considera como uma “resposta preguiçosa” lógica de discriminação negativa.
às dificuldades de problematizar os diferen-
tes processos que atravessam a sociedade E em assim sendo, independentemente se
contemporânea e que fazem com que os in- tal paciente é ou não do território de atendi-
divíduos passem de uma situação de integra- mento do agente comunitário, enfermeiro,
ção para uma situação de extrema vulnerabi- assistente social, psicólogo ou outro profis-
lidade. sional da saúde, a ideia é que este paciente
Relacionando a população em situação de seja merecedor de cuidados em caráter de
urgência, seja lá qual for o território que se lo-
134
calize e também seja lá qual for o profissional assistência clínica e hospitalar seja mais hu-
que o encontre. Portanto, o trabalho da equi- manizada, pois Segundo Muylaert (2000), é
pe de saúde e das lideranças comunitárias é na relação médico-paciente, atendente-pa-
importante e estes precisam estar preparados ciente, ou quaisquer outras díades ou mul-
para acolher na totalidade este paciente que tiplicidades relacionais, que encontramos o
na maioria das vezes vem com dificuldades disparador dos processos de recuperação do
de olhar para si mesmo, ser identificado e adoecer.
aceitar ser cuidado, olhando suas fragilidades, A doença surge, geralmente, por meio de
porque em suas experiências anteriores suas sintomas dolorosos, estranhos ou alarman-
necessidades de ordem psíquica muitas ve- tes tanto para o doente, como para sua fa-
zes foram negligenciadas. mília. Isso remete a ideia de uma passagem,
Diante do exposto ressalta-se que grande de um estado agradável (saúde) para um es-
é o desafio dos trabalhadores em saúde para tado desagradável (doença). Tanto o adoecer
com o acompanhamento do paciente com como a própria internação causam emoções
diagnóstico de tuberculose, principalmente e sentimentos dolorosos. A doença é uma fe-
em se tratando do paciente ser de situação rida exposta que mutila a saúde e leva-nos
de rua e/ou usuários de substâncias psicoa- a questionar sobre a brecha que existe em
tivas – álcool e droga. Vivendo esta situação todos nós que estamos agora saudáveis - a
de risco, faz-se necessário chamar a atenção possibilidade de adoecer, sofrer ou morrer.
para fatores psicológicos que podem alterar Diante do exposto, a tuberculose tem recebi-
padrões de comportamento, relacionados à do grande atenção dos profissionais de saúde
saúde do paciente como a tuberculose, pois o nas últimas décadas pelo fato do importan-
mesmo tem várias dificuldades de aceitação te papel desempenhado na morbimortalida-
e entendimento com a gravidade da doença de da população mundial, agravo este que é
e com a urgência da adesão ao tratamento. considerada uma condição de evolução pro-
A psicologia com seu aporte teórico esten- gressiva, que causa problemas médicos, so-
de a esse paciente formas para que ele se ciais e econômicos. O bom prognóstico para
perceba sendo assim de grande relevância o tratamento da tuberculose consiste no tra-
para o desenvolvimento de novas estratégias balho conjunto entre o que a saúde pública
de enfrentamento para submeter-se ao trata- pode oferecer em termos estruturais e medi-
mento bem como para a preservação da qua- camentosos, bem como de estrutura profis-
lidade de vida, e de sua segurança psicológi- sional humana.
ca. Portanto, é necessário que o profissional Damatta (1987), afirma: que o próprio inte-
compreenda o morador de rua em todas as lecto nos fará enxergar nossa humanidade no
suas dimensões física, psicológica, meio so- “outro”; e o “outro” dentro de nós mesmos.
cial e econômico-cultural, compreendendo-o Os homens não se separam por meio de es-
como ser social e histórico, ou seja, dotado de pécies, mas pela organização de suas expe-
direitos sociais. Desta maneira, observando riências, por sua história e pelo modo com
o indivíduo de forma integral, o profissional que classificam suas realidades internas e ex-
compreenderá as várias situações de admis- ternas e quando vejo um costume diferente
são do paciente ao tratamento de tubercu- é que acabo reconhecendo, pelo contraste
lose, trabalhando o seu comprometimento meu próprio costume.
com a ingestão dos medicamentos e etc.
Assim sendo, o trabalho da psicologia con- Contextualizando a Intersetorialidade
tribui na área da saúde ampliando uma visão das Políticas Públicas e a Tuberculose
global do indivíduo em seu adoecer melho-
rando a prática de atenção à saúde, e mini- Considerando a discriminação sofrida pelo
mizando o fator de agravo da doença nas grupo de maior vulnerabilidade social, prin-
pessoas e estratégias que possibilitem que o cipalmente a população em situação de rua
paciente tenha a segurança psicológica ne- medidas específicas foram e são necessárias
cessária para melhor enfrentar seu tratamen- para garantir o acesso aos serviços de prote-
to. Assim, ressalta-se ainda que o trabalho do ção social, sobretudo, a saúde e assistência
psicólogo da área da saúde faz com que a social. Neste sentido, conforme dados da Ins-
135
trução Operacional Conjunta (2014), por meio -las, neste sentido, partindo da premissa de
das instituições SNAS/MDS (Secretaria Nacio- que estas nas suas mais diversas expressões
nal de Assistência Social/Ministério do Desen- são fatores dificultadores ao paciente a dar
volvimento Social e Combate a Fome) e SVS/ continuidade ao tratamento da tuberculose.
MS (Secretaria de Vigilância e Saúde/Minis- Pensando na lógica de compreensão das
tério da Saúde) foi realizado um cruzamento questões sociais e política social buscou- se
da base de dados do SINAN-TB (Sistema de neste estudo o conhecimento da política de
Informação de Agravos de Notificação) com assistência social, visto que esta em seu arca-
o Cadastro Único para Programas Sociais do bouço visa à busca pela efetivação de direi-
Governo Federal (CadÚnico). Dos 73.833 no- tos sociais. Assim sendo, conforme nos afirma
vos casos de tuberculose diagnosticados em a Norma Operacional Básica em seu Art. 1º
2011, aproximadamente 25% (18.509) estavam (2012, p.15):
registrados no CadÚnico, e 14% (10.278) eram
beneficiados do Programa Bolsa Família, ou A política de assistência social, que tem por
seja, considerável expressão de que estes funções a proteção social, a vigilância socioas-
sistencial e a defesa de direitos, organiza-se
pacientes pertenciam a famílias com renda sob a forma de sistema público não contri-
abaixo de um salário mínimo brasileiro. butivo, descentralizado e participativo, deno-
Neste aporte, mediante leituras percebe-se minado Sistema Único de Assistência Social
que o Ministério da Saúde, por meio do Pro- - SUAS. Parágrafo único. A assistência social
grama Nacional de Controle da Tuberculose ocupa-se de prover proteção à vida, reduzir
danos, prevenir a incidência de riscos sociais,
buscou conhecer o perfil socioeconômico independente de contribuição prévia, e deve
das pessoas com tuberculose para evidenciar ser financiada com recursos previstos no orça-
a determinação social da referida doença e, mento da Seguridade Social.
principalmente, entender o impacto dos pro-
gramas de transferência de renda junto às Ou seja, a referida política torna-se de ex-
famílias dos pacientes. Nesta ótica, reconhe- trema importância ao atendimento da pessoa
cendo a necessidade de respostas mais com- acometida pela tuberculose, considerando a
plexas para o efetivo controle da tuberculose necessidade de defesa de direitos e proteção
o Programa Nacional de Controle da Tuber- social que demanda o paciente de tuberculo-
culose iniciou o processo de articulação junto se. Neste sentido, conforme Instrução Opera-
a ações intersetoriais mais abrangentes, com cional Conjunta (2014, p. 03), o qual nos afir-
foco nos problemas de saúde da população, ma que considerando o perfil da maioria dos
especialmente dos grupos mais vulneráveis. pacientes, a rede socioassistencial ao garantir
Assim sendo, pensando numa possibilidade a segurança afiançada pela Política Nacional
de cobertura de proteção social de atenção de Assistência Social tem importante papel
integral que as políticas tanto da saúde quan- na continuidade do tratamento da tuberculo-
to da assistência social nas suas dimensões de se. Assim sendo, refletindo na perspectiva de
atenção básica, proteção básica e proteção intersetorialidade, a qual objetiva a atuação
especial pelo estudo realizado perceberam- de forma conjunta e entrelaçada para o mes-
se a construção de parcerias com diversos mo fim, apresenta as diretrizes para a atuação
atores que atuam no território de abrangên- da rede socioassistencial da rede de saúde e
cia da pessoa com diagnóstico de tuberculo- gestão local, as quais requerem:
se, sejam os serviços de saúde, de assistência
social e organizações da sociedade civil para • Atuação pautada pela integração entre os ser-
o reconhecimento dos determinantes sociais viços de saúde e socioassistenciais, com amparo admi-
do processo saúde-doença, ou seja, com- nistrativo e político da gestão local;
• Adoção de fluxos entre os serviços de saúde e
preender as questões sociais que permeia a socioassistenciais, e reuniões periódicas entre as equi-
vida do paciente acometido pela tuberculose. pes da saúde e da assistência social para discussão de
Sabendo que expressivas são as dificulda- casos como estratégias para o fortalecimento da in-
des dos pacientes acometidos pela tuber- tegração dessas políticas e para atenção integral aos
culose em dar continuidade ao tratamento usuários;
• Garantia da segurança alimentar e nutricional
devido às questões sociais que o envolvem, para os indivíduos em tratamento da tuberculose;
extrema é a necessidade de se compreendê • Sensibilização dos indivíduos em tratamento
136
para a continuidade do tratamento da tuberculose; a permanência dos pacientes com TB ao tra-
• Construção de estratégias para apoiar os indi- tamento; a realização do TDO1 - Tratamento
víduos em tratamento na busca de sua autonomia;
• As equipes de saúde e de assistência sociais
Diretamente Observado compartilhado entre
responsáveis, respectivamente, pelo Plano de Trata- a saúde e assistência social; a promoção do
mento Singular – PTS e pelo Plano Individual de Aten- acompanhamento da família do paciente de
dimento – PIA deverão buscar na medida do possível, a TB, caso esta seja identificada; o abrigamento
articulação entre esses dois instrumentos na perspecti- para os usuários com diagnóstico de tuber-
va de um atendimento integral do indivíduo;
• O Centro de Referência Especializado para Po-
culose que não tenham moradia, avaliando a
pulação em Situação de Rua – Centro POP, onde existir possibilidade de permanência por pelo me-
deve ser utilizado como espaço privilegiado para a ar- nos seis meses de tratamento; o suporte da
ticulação da rede de saúde de e assistência social, as- rede de saúde para realizar palestras de saúde
sim como para realização de atividades junto à popu- destinadas aos usuários que frequentam os
lação em situação de rua (INSTRUÇÃO OPERACIONAL
serviços socioassistenciais; e por fim, a ausên-
CONJUNTA, 2014, p. 03).
cia de documentos de identificação civil não
deve ser impedimento para o atendimento
Diante do exposto, sobressai a importância
da população em situação de rua, ou qual-
das políticas de assistência social e de saúde
quer outra população que se encontre em si-
iniciarem a proteção social do paciente de
tuação de vulnerabilidade social (INSTRUÇÃO
tuberculose na perspectiva da intersetoriali-
OPERACIONAL CONJUNTA, 2014, p. 3)
dade como uma nova forma de fazer saúde,
Para tanto falar sobre o trabalho direciona-
ou seja, buscando uma atenção a saúde de
do para as populações mais vulneráveis é ne-
forma a abranger as demais questões que en-
cessário, pois estas são as mais necessitadas
volvem o paciente, indo para o além da saúde
por atendimento. Ao que se refere à Política
biológica.
de Assistência Social, com base na pesquisa
Neste aspecto, contidas na Instrução Ope-
realizada no site oficial do poder público –
racional Conjunta (2014, p.03) apontam pon-
Prefeitura Municipal do Município de Campo
tos importantes para a atuação dos pro-
Grande/MS (1996), observou-se a existência
fissionais da rede socioassistencial junto a
de 19 Centros de Referência da Assistência
indivíduos com tuberculose, considerando
Social (CRAS), 02 Centros de Referência Es-
aqui que a rede socioassistencial, perpassa
pecializado de Assistência Social (CREAS), e
um conjunto integrado de ações de iniciativa
01 Centro de Referência Especializado de As-
pública ou da sociedade civil a ofertarem e/
sistência Social para População em Situação
ou operacionalizarem ações, projetos, progra-
de Rua (Centro POP) e uma equipe do SEAS –
mas, benefícios e/ou serviços em unidades e/
Serviço Especializado em Abordagem Social,
ou entidades de forma articuladas das quais
serviços estes no âmbito da secretaria muni-
pressupõe articulação para a provisão da pro-
cipal do município.
teção social. Desse modo, cabe aos profissio-
Faz-se necessário, portanto, que a política
nais a identificação do sintomático respirató-
de assistência social trabalhe muito proxima-
rio, fundamental para o início do tratamento
mente à Política de Saúde. Conforme dados
o mais rápido possível; o referenciamento do
do IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e
sintomático respiratório ao serviço de saúde
Estatística em 2015 o município de Campo
mais próximo da residência do usuário ou do
Grande - Mato Grosso do Sul possuía uma
equipamento socioassistencial responsável
população estimada em 853.622 habitantes,
por seu atendimento, com vistas à realização
em 2010 eram 786.797 habitantes. Confor-
do diagnóstico e tratamento da tuberculose;
me pesquisa realizada no plano municipal de
o acompanhamento para que o paciente rea-
saúde Campo Grande/MS 2014-2017 (s.d, p.
lize os exames de diagnóstico da tuberculose;
92), a rede de atenção básica municipal está
a promoção de ações conjuntas com a equipe
organizada a partir de territórios possuindo
de saúde no sentido de incentivar e fortalecer
__________________
1
TDO- Tratamento Diretamente Observado constitui-se de uma forma de administração de medicamentos,
onde o profissional treinado passa a observar a tomada da medicação do pacientes desde o início do tratamento
até a cura. A forma mais comum se dá pela observação domiciliar a qual a observação é realizada na residência
e/ou local onde paciente reside.
137
04 distritos sanitários de saúde (norte, sul, ciente está ou não na condição de rua, salvo
leste, oeste) e 28 Unidades Básicas de Saú- quando há observações da equipe de saúde
de e 34 Estratégia de Saúde da Família. Com que o atendera com alguma observação refe-
base na atuação profissional observou-se ain- rente a ser ou não morador de rua. Contudo,
da a conquista do município possuir uma (01) ao se ter a informação sobre a situação de en-
Unidade Móvel – Consultório na Rua. Assim cerramento do tratamento e esta constar que
sendo, conclui-se que esses diversos serviços fora por abandono realiza-se a busca ativa ao
apresentados tanto da política de assistência referido paciente por meio do sistema eletrô-
social quanto da política de saúde devam en- nico municipal, contato telefônico ao próprio
frentar a doença com ações conjuntas para paciente e/ou a familiares, contato telefônico
que se apresente melhor eficácia no atendi- com as UBS/UBSF e as instituições de abri-
mento ao paciente. gamento para obter-se alguma informação
Desta feita, de acordo com os serviços aci- sobre o paciente, como, por exemplo, a locali-
ma apresentados é possível observar que o zação do mesmo para que a equipe de saúde
referido município dispõe de uma rede es- possa realizar a busca ativa com intuito deste
truturada para o atendimento de famílias em para reingressar ao tratamento.
situação de vulnerabilidade social, neste as- Destarte, é válido dizer da importância do
pecto considerando a tuberculose ser uma envolvimento dos profissionais de saúde, bem
doença com os determinantes sociais bem como das demais políticas sociais ao que se
marcados, devido às condições de vida, mo- refere ao acompanhamento do paciente com
radia, alimentação inadequada dos pacien- diagnóstico de tuberculose, devido à com-
tes em situação de rua e acesso à serviços de plexidade do tratamento.
saúde de qualidade, torna-se necessário o
estreitamento desses serviços socioassisten- REFERÊNCIAS
ciais junto à atenção a saúde por meio das
unidades de saúde para o enfrentamento da BRASIL. Ministério da Saúde. Tuberculose:
doença, de forma a permitir um diagnóstico informações para agentes comunitários de
precoce, um tratamento de qualidade, baixa saúde/Secretaria de Políticas de Saúde. Bra-
incidência de abandono ao tratamento, prin- sília, 2000.
cipalmente ao paciente de maior vulnerabili-
dade e risco que é a pessoa em situação de ____. Ministério da Saúde. Manual de re-
rua, bem como, o rompimento da cadeia de comendações para o controle da tuberculose
transmissão não somente da bactéria da tu- no Brasil. Brasília, 2011.
berculose, quanto o estigma de preconceito
e discriminação que a doença traz. ____. Ministério da Saúde. Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Departamento de Gestão e Incorporação de
Tecnologias em Saúde – DGITS. Teste de Do-
Com análise da pesquisa realizada concluí- sagem de Adenosina Deaminase (ADA) no
mos que a tuberculose é uma doença anti- Diagnóstico Precoce de Tuberculose Extra-
ga e de difícil erradicação. É válido citar que pulmonar. Maio 2014. Relatório de Recomen-
a sua incidência prevalece entre as pessoas dação da Comissão Nacional de Incorporação
com menores condições socioeconômicas, de Tecnologias no SUS – CONITEC apud Who,
com alta probabilidade às pessoas em situa- 2009. Disponível em: http://conitec.gov.br/
ção de rua e/ou usuárias de drogas, devido às images/Incorporados/ADA-Tuberculose-FI-
condições de vulnerabilidade e risco ao qual NAL.pdf. Acesso em: 11 fev. 2016.
se encontram.
Embora os estudos nos apresentem que ____. Ministério do Desenvolvimento So-
grande é a vulnerabilidade do morador de rua cial e Combate á Fome. Tipificação Nacional
a doenças entre elas, a tuberculose. Ressalta- de Serviços Socioassistenciais. Brasília, 2009.
mos que por meio das fichas analisadas do
ano de 2013 não nos foi possível obter dados _____.Decreto nº 7.053, de 23 de dezem-
suficientes que nos permita verificar se o pa- bro de 2009. Disponível em: http://legislacao.
138
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139
MIGRAÇÃO, TERRITÓRIO E TRABALHO DE MULHERES
LATINO-AMERICANAS

Krisley Amorim de Araújo


Acadêmica do Curso de Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
krisley_araujo@hotmail.com

Flaviany Piccoli Fontoura


Aluna do Programa de Doutorado em
Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
flavianyfontoura@hotmail.com

Profa. Dra. Luciane Pinho de Almeida


Programa de Mestrado e Doutorado
em Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
luciane@ucdb.br

RESUMO
O panorama migratório internacional têm sofrido diversas transformações, in-
cluindo os fluxos migratórios de mulheres de diferentes nações, classes e etnias,
que deixam seus países movendo-se em busca da sobrevivência, oportunidade
de trabalho e conquista da independência em relação à opressão e à violência.
Este artigo é parte de uma pesquisa que encontra-se em andamento e está
vinculada ao Programa de Iniciação Científica da Universidade Católica Dom
Bosco/Campo Grande – MS. Tem por objetivo identificar e discutir a migração
para o trabalho de mulheres latinoamericanas, através de um estudo bibliográ-
fico dos trabalhos científicos publicados entre 2003-2013 nas bases de dados
Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e PEPSIC (Periódicos Eletrônicos em
Psicologia). Foram identificados sete artigos que tratam da temática, sobretudo
migrações de bolivianas seguidas de peruanas e colombianas para o Brasil. Os
resultados preliminares demonstram que a migração internacional na América
Latina está marcada também pela migração de mulheres. Constatou-se que a
migração irregular traz situações vulneráveis para as mulheres migrantes. Perce-
beu-se ainda que, vem aumentando o número de pesquisas referente à questão
das migrações de mulheres latinoamericanas.

Palavras-chave: Mulheres, América Latina, Migrações, Trabalho e Território.


140
INTRODUÇÃO

A
s migrações de pessoas em todas se tornam cada vez mais incomunicáveis en-
as épocas da história lançaram tre si. Para o Primeiro Mundo, o mundo dos
globalmente móveis, o espaço perdeu sua
desafios diversos para os países, qualidade restritiva e é facilmente transposto
tanto no âmbito local, regional ou tanto na sua versão “real” como na versão “vir-
internacional. Mas, em cada contexto históri- tual”. Para o segundo mundo o da “localidade
co, esses desafios se configuraram de forma amarrada”, daqueles impedidos de se mover
diferenciada, quantitativa e qualitativamente. e assim fadada a suportar passivamente qual-
quer mudança que afete a localidade onde
Na atualidade, a questão migratória, consti- estão presos, o espaço real está se fechando
tui-se como um fenômeno ao mesmo tempo rapidamente. É um tipo de provação que se
comum e problemático. Comum porque hoje torna ainda mais penosa pela insistente exi-
no dia a dia dos países temos visto a facili- bição na mídia da conquista do espaço e do
dade de deslocamento aumentar, principal- “acesso virtual” a distâncias que permanecem
teimosamente inacessíveis na realidade efeti-
mente devido aos avanços tecnológicos no va (BAUMAN, 1999, p. 83).
âmbito dos transportes e da globalização.
Conforme Ribeiro (2012), pessoas de diferen- Os processos migratórios atuais já estavam
tes culturas estão interagindo cada vez mais, previstos pela Organização das Nações Uni-
principalmente devido à globalização, que se das ao declarar através do relatório publicado
constitui através da reunião de aspectos po- no ano de 2010, que os conflitos internacio-
líticos, sociais, culturais e econômicos de di- nais, as catástrofes naturais e as perspecti-
versas localidades que são transmitidos por vas da globalização do trabalho apareceram
todo o mundo através da circulação de coi- como os fatores mais relevantes das migra-
sas, informações e pessoas. Por outro lado, ções internacionais. Portanto, como já assi-
assinala-se como uma questão problemática, nalado acima tal fato se confirma, conforme
quando reporta-se às pessoas que se deslo- é noticiado pelos meios de comunicação,
cam em condições de precariedade e pobre- assim, pode-se observar que a atividade mi-
za. Assim podemos dizer que para as pessoas gratória em busca de trabalho, por razão de
o capital ou pessoas que detém o capital o desastres ambientais ou em detrimento de
deslocamento não se torna um problema, fuga de conflitos apresenta-se como causa
porém para as pessoas em situação de po- de múltiplos problemas e motivo de preo-
breza, essas têm sido consideradas como um cupação de diversos países. Todavia, não se
problema de toda ordem para os países que pode esquecer que o “ir e vir” é um direito
os recebem. Portanto, Martine (2005) já nos da pessoa humana, ou seja, migrar é um di-
dizia que as conseqüências socioeconômicas reito de todo e qualquer cidadão, mas nem
da migração são diversas e contraditórias. sempre isso tem correspondido à realidade
O processo de globalização é extrema- prática, pois muitas têm sido as dificuldades
mente contraditório e segmentado, “[...] o impostas para migrantes “pobres”.
estímulo massivo à migração internacional, Para esses migrantes “pobres” reserva-se
provocado pela globalização, não é acompa- baixos salários e uma rotina exaustiva no tra-
nhado por um aumento correspondente de balho, sem acesso a cuidados primários, como:
oportunidades porque os países que atraem habitação, saúde e segurança, sem contar as
migrantes bloqueiam sistematicamente sua situações de exclusão, preconceito e discrimi-
entrada.” (Martine, 2005, p. 8). O que se vê é a nação a que está submetido. De igual forma
livre circulação de capital e mercadorias, po- os efeitos da migração atingem as cidades
rém quando se trata de migrantes em situa- que não possuem suporte para abrigar uma
ção de pobreza, as fronteiras estão cada vez massa de migrantes. Porém, migração não é
mais fechadas, segundo Bauman (1999). apenas um fenômeno problemático na con-
temporaneidade, em muitos países migração
[...] os mundos sedimentados nos dois pólos,
no alto e no pé da nova hierarquia da mobi- é algo necessário, como por exemplo, a ne-
lidade, diferem acentuadamente; também cessidade de mão-de-obra, que possibilita
141
o desenvolvimento econômico, redução da ligião) para que pudéssemos proceder à aná-
pobreza, moderação da inflação e facilitação lise e resultados dos dados.
das dificuldades demográficas dos países em Durante o processo de análise dos artigos,
transição (MARTINE, 2005). foram excluídos àqueles que não condiziam
A mídia constantemente vem apontando com a proposta da pesquisa, pois esta tam-
acontecimentos envolvendo migração e tra- bém teve o propósito de verificar os avan-
zendo à tona uma questão que não havia ços realizados pelos pesquisadores brasileiros
sido de fato explorada. Através da divulgação acerca do tema.
de ocorrências reais pelos veículos de notícia
e meios de comunicação, a sociedade tem A América Latina no contexto das migra-
direcionado sua atenção à questão, assim ções contemporâneas
como núcleos de pesquisas tem se dedicado
a aprofundar-se no tema e o público tem to- A América Latina sempre foi um continen-
mado conhecimento desta realidade. Pode- te com elevadas taxas de migração, Rodri-
se perceber que os efeitos das migrações ao gues (2006) afirma que segundo a Comissão
decorrer da história tornaram-se muito mais Econômica para a América Latina e o Caribe
abrangentes e múltiplos, pois as problemáti- (Cepal), vinte milhões de latino-americanos
cas que envolvem o tema são inúmeras, há e caribenhos vivem fora de seus países, es-
muito mais do que causas e consequências ses deslocamentos se dão dentro da própria
nessa relação. “Migrar” tornou-se uma ação América Latina, ou seja, entre os países que
complexa e digna de estudo e aprofunda- a constituem. Por outro lado, Oliveira (2006)
mento. afirma que nas décadas de 90 e início dos
Este artigo tem por objetivo discutir migra- anos 2000, houve um aumento de desloca-
ção e trabalho de mulheres latinoamericanas mentos de latino-americanos para a América
e vincula-se a pesquisa bibliográfica de inicia- do Norte, Europa e Ásia, diminuindo, no caso
ção científica sobre Migrações Contemporâ- brasileiro, na década posterior devido a uma
neas. Para a realização desta pesquisa foram melhoria na economia do país. Todavia, res-
selecionadas produções científicas realizadas salta-se que são poucos os estudos realiza-
no período de 2003-2013, através da pesqui- dos por pesquisadores encontrados sobre o
sa em bases de dados de artigos que tratam fluxo migratório estabelecido de latino-ame-
do tema: Migrações Contemporâneas. ricanos, embora saibamos que é um fenôme-
Para a realização da coleta de dados foram no recorrente.
utilizados os sites científicos SCIELO E PEPSIC, Ainda no que tange aos deslocamentos de
utilizando os seguintes termos: migração, imi- latino-americanos destacamos que os resul-
gração, emigração, retorno e deslocamento. tados deste estudo demonstram que os bra-
A busca resultou em 101 trabalhos com pre- sileiros se deslocam para outros continentes
dominância de artigos do site Scielo. Foram ou países, mas que o Brasil também é país de
utilizados filtros para facilitar a busca como: destino para muitos latino-americanos. Nes-
artigos em língua portuguesa, publicados na se sentido, Patarra (2005), em sua pesquisa,
data referente à proposta da pesquisa e nas concluiu que 40% dos migrantes estrangeiros
seguintes áreas temáticas: ciências da saúde, que adentram em território brasileiro são pro-
ciências humanas e ciências sociais e aplica- venientes de países do Mercosul , ou seja, da
das. O período de coleta de dados nos sites Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia e
científicos foi de dezembro de 2014 à feve- Peru, assim, percebemos que o Brasil possui
reiro de 2015. Posteriormente à identificação um elevado número de migrantes latino-a-
dos artigos, iniciou-se a leitura, buscando mericanos em suas terras, isso se deve tam-
classificá-los por temáticas e sub-temáticas bém à proximidade com algumas fronteiras
(migrantes estrangeiros no Brasil, brasileiros brasileiras, como é o caso do Paraguai. Patar-
no exterior, mulheres latinoamericanas mi- ra (2005) aponta que:
grantes, saúde do imigrante, migração de re-
torno, migrações internacionais, desafios das (...) os deslocamentos entre esses países se dão
migrações na atualidade, migração e prosti- por mudança de residência, retorno a situa-
ções precárias anteriores, circularidade, dupla
tuição, migração por destino e migração e re- residência ou permanências temporárias. Isso
142
ocorre com famílias ou individualmente – com adentram o país através da cidade de Ma-
aumento da participação de mulheres – e naus - AM, por motivos culturais, geográficos,
muitas vezes envolvem ações ilegais ou clan-
destinas. (PATARRA, 2005, p.2)
políticos e econômicos, essa corrente migra-
tória consolidou-se desde a década de 80,
Os fatores que conduzem os processos com migrantes provindos, sobretudo da Selva
migratórios entre Brasil e países da América Peruana. Esses migrantes não possuem qua-
Latina são múltiplos, e a presença feminina lificação profissional, migram com as famílias
nesses processos tem aumentado frequen- em busca de qualquer tipo de trabalho, como
temente, principalmente no que tange, con- afirma Oliveira (2006), assim são explorados
forme Oliveira (2006), as regiões de fronteira devido à sua condição de irregularidade, suas
“seca”, as quais propiciam maior facilidade na rotinas de vida são marcadas pelo medo de
entrada de estrangeiros dos países vizinhos. serem identificados pela Polícia Federal. Silva
Nesse sentido, o trabalho de Cafardo (2005) (2011) apresenta em seu estudo que há ainda
enfatiza os imigrantes sulamericanos pobres, outros que trabalham com a venda e a con-
que adentram o Brasil, principalmente os bo- fecção de artesanato.
livianos em situação de clandestinidade, em Já a mobilidade colombiana na tríplice fron-
busca de melhores condições de vida, dese- teira possui como fatores de atração a fuga
jando ter direito à saúde e educação e esco- de conflitos armados e situações de violência,
lhem principalmente a cidade de Corumbá – assim como os peruanos, vivem em situação
MS, que faz fronteira com a cidade de Puerto de clandestinidade e possuem uma posição
Suarez na Bolívia e metrópoles brasileiras, com frágil, devido ao estigma de ser migrante e
predominância em São Paulo - SP. Souchaud “colombiano”, assim fogem de contatos com
e Baeninger (2008) destacam a presença de a Polícia Federal, pois ao serem identificados
bolivianos em todos os estados brasileiros, logo são mandados de volta para a Colômbia.
exceto, Amapá, outra característica importan- Oliveira (2006) aponta violação de direitos hu-
te apresentada pelos autores é o predomínio manos de migrantes em situação de clandes-
de mulheres no processo migratório entre a tinidade, e destaca a necessidade da criação
fronteira de Corumbá com a Bolívia. de políticas migratórias de respeito e acolhida
Os países latinos em especial o México ga- a migrantes vizinhos. Um ponto em comum
nharam evidência na mídia em relação à sua na migração de peruanos e colombianos é a
característica migratória, quando anos atrás manutenção da sua identidade cultural atra-
uma telenovela exibiu em horário nobre o vés de festas religiosas e comemorações típi-
drama migratório de pessoas da América La- cas, que trazem à memória os valores e costu-
tina como mexicanos e brasileiros em direção mes do país de origem (SILVA, 2011).
aos Estados Unidos, enfatizando o risco que Pereira (2006) dedicou-se em seu estudo
os migrantes enfrentam, a violência e a cor- aos deslocamentos entre a fronteira Brasil-
rupção dos atravessadores somado ao status Guiana, onde o perfil étnico dos migrantes
de irregularidade dos migrantes. é diversificado com a presença de bolivia-
Outro ponto de intensa mobilidade latino nos, indígenas, guianeses e brasileiros, em
-americana e que vem crescendo cada vez situação de irregularidade, além disso, o au-
mais se dá na tríplice fronteira do Brasil com o tor apresentou dados do IBGE de 2000 que
Peru e a Colômbia, devido às oportunidades apontam que da década de 80 até a virada
que o Brasil oferece para colombianos e pe- do século, houve uma mudança no perfil do
ruanos. Os deslocamentos nessa região são migrante, a presença feminina nos processos
marcados por xenofobia, presença forte do migratórios aumentou significativamente em
narcotráfico, desemprego, trabalho informal comparação com a população masculina. Isso
e a ausência de políticas migratórias brasilei- revela a transformação da atividade migrató-
ras que alcancem esses migrantes, o acesso ria nos últimos anos. Assis (2007) afirma que
ilegal e a entrada no país sem documentos é os primeiros estudos sobre a migração femi-
um problema comum que é acentuado de- nina não contemplavam as relações de gê-
vido à proximidade da fronteira entre esses nero e não apresentavam a mulher como um
países (OLIVEIRA, 2006). sujeito ativo no processo migratório, o termo
Por meio dessa fronteira tríplice, peruanos migrante era empregado no sentido masculi-
143
no. Somente, a partir da segunda metade do Migração e trabalho feminino
século XX, houve uma maior participação das
mulheres nas migrações internacionais, fruto Ao contrário do que acontecia no passado,
de mudanças econômicas, sociais, culturais onde a mulher imigrava somente acompa-
que afetaram as relações de gênero. As mi- nhando o pai ou o marido, observa-se uma
grações na América Latina também acompa- mudança substancial no comportamento fe-
nharam essa transformação (SOUSA, 2007). minino no que tange a migrações, ou seja,
Outra corrente migratória de fronteira se a mulher passa a migrar com mais frequên-
dá entre a Venezuela e o Brasil, onde a fron- cia e sozinha. Portanto, como foi menciona-
teira constitui-se como um local de trânsito, do anteriormente, estamos assistindo a uma
de encontros culturais, jogos de identidades crescente participação da mulher nos fluxos
e circulação de migrantes, assim como nos migratórios atuais, isto deve-se a inúmeras
outros países descritos, também há falta de questões, que merecem estudos e pesquisas
documentação tornando-se irregulares (RO- para melhor compreensão desta questão. O
DRIGUES, 2006). Todavia, a migração de bra- certo é que mesmo deslocando-se sozinhas,
sileiros para a Venezuela é maior que do que as mulheres o fazem ainda como um projeto
a entrada de venezuelanos no Brasil, devido migratório de cunho familiar, ou seja, seus ob-
as possibilidades que o país oferece para os jetivos sempre estão atrelados com as ques-
migrantes brasileiros como trabalho em ati- tões familiares, como exemplo, o envio de
vidades de mineração, comércio local, dentre remessas de dinheiro para a família e filhos
outros. No entanto, há também atividades (MARINUCCI, 2006).
ilegais, como: tráfico de mulheres, contraban- Portanto, no cenário contemporâneo a mu-
do de combustível e câmbio ilegal da moeda. lher têm-se apresentado como protagonista
Assim, pode-se ver que as fronteiras brasilei- nos processos migratórios como apresentado
ras com países latinos são locais de intenso por Sousa (2007), pois muitas hoje migram
trânsito, por meio de residências permanen- sozinhas. No caso das mulheres brasileiras,
tes ou temporárias, que são dependentes de Garcia (2007), Assis (2007), Silva (2008), e Du-
conflitos e dificuldades econômicas, culturais tra (2013) apresentam esta migrante do século
ou políticas do país de origem, que resultam XXI como detentora de maior nível educacio-
em migrantes ilegais em território estrangeiro, nal e qualificação profissional, e a migração
estes vivem com medo de serem reconheci- apresenta-se para elas como um projeto indi-
dos, dessa forma, submetem-se a serviços de vidual. Desse modo, como já mencionado an-
exploração, sem questionar, com temor das teriormente Assis (2007) afirma que os primei-
autoridades locais, condição que atrapalha ros estudos sobre a migração feminina não
seus projetos de vida (SILVA, 2011). contemplavam as relações de gênero e não
Enfatiza Albuquerque (2009) que a abran- apresentavam a mulher como um sujeito ati-
gência das fronteiras vai muito além do que vo no processo migratório, o termo migrante
uma simples demarcação de território, as era empregado no sentido masculino. A partir
fronteiras possibilitam trocas culturais, forma- da segunda metade do século XX houve uma
ção de famílias, constituindo-se assim, como maior participação das mulheres nas migra-
um campo de intercâmbio, hibridismo e mes- ções internacionais, fruto de mudanças eco-
tiçagem, sendo que esse estilo migratório ga- nômicas, sociais, culturais que afetaram as re-
nha destaque no histórico das migrações con- lações de gênero (SOUSA, 2007).
temporâneas da América Latina. Desse modo, Destaca-se no caso das migrações femini-
o próximo subitem desse artigo apresenta a nas é uma vulnerabilidade da mulher frente
relação e os pontos de convergência entre a a diversos contextos, neste caso, podemos
migração e o trabalho feminino, e como o au- citar as correntes migratórias para trabalhos
mento da presença feminina no cenário das vinculados a exploração sexual. Muitas com
migrações contemporâneas tem influencia- o sonho de ter uma vida melhor para si e para
do e transformado as relações de trabalho, e os seus acabam se tornando alvos fáceis para
quais são os motivos que conduzem a mulher a exploração do tráfico de pessoas seja para
migrar individualmente. trabalho escravo, seja para a exploração se-
xual, dentre muitos outros fatores que expõe
144
a mulher a contextos de vulnerabilidade. vivenciando experiências de precariedade e
vulnerabilidade, sem proteção e suporte de
(...) são vários os móveis da migração dessas instituições de apoio (Carpenedo e Nardi,
mulheres latino-americanas, desde a busca 2013).
por melhores condições de vida e oportuni-
dades de trabalho, até as migrações induzidas
por conflitos armados, catástrofes naturais e A mulher imigrante é percebida como força
deterioração do solo. Há também um gran- de trabalho idônea para realizar o trabalho
de número de mulheres cujo deslocamento doméstico remunerado, sendo que se trata
geográfico é provocado pelo aliciamento de de uma atividade socialmente pouco valora-
grupos organizados de cunho mafioso em vis- da, etiquetada como “suja” e escassamente
ta da exploração sexual ou o trabalho escravo qualificada, assumida como algo inerente à
(Marinucci, 2006, p. 16). condição feminina e amiúde realizada desde
a economia informal (PARELLA, 2005, p.88-89
apud DUTRA, 2013).
A insatisfação com a realidade presente,
históricos de exclusão e preconceito são bar- Além disso, Dutra (2013) comenta que a
reiras que as mulheres desejam romper. Um migração feminina internacional só reforça
meio para efetivar esse rompimento é a mi- a segregação no mercado de trabalho, pois
gração, que permite o acesso a oportunida- as mulheres ocupam e realizam tarefas que
des sonhadas, que acreditam ser impossíveis poucos estariam dispostos a assumir, no ge-
de alcançar em seu país de origem. ral vemos que o migrante é destinado ocu-
Outro trabalho muito efetuado pelas mu- par posições e empregos que a população do
lheres latinoamericanas é o em trabalhos do- país de destino não deseja realizar, assim há
mésticos, como exemplo, limpeza em domi- a submissão a condições precárias e estrati-
cílios residenciais ou em restaurantes, além ficadas no mercado de trabalho, colocando
dos trabalhos como camareiras em hotéis, essa mulher em em uma posição inferiorizada
ajudantes de cozinha e outros relacionados e estigmatizada.
ao trabalho doméstico. Segundo Mirjana Mo- Tendo em vista os fatos descritos vemos
rokvasic, a mulher integrada à força de tra- que os fluxos migratórios que estimulam a
balho na migração, representa uma situação entrada de mulheres nos países de Primeiro
de crise econômica mundial, que está mar- Mundo para a ocupação de serviços domésti-
cada pela desindustrialização em razão da cos e de cuidado, revelam uma face perversa
ocupação e necessidade de serviços domés- da globalização, que forma um novo tipo de
ticos (Mirjana Morokvasic, 1884 apud Assis, economia, desterritorializada, sem fronteiras,
2007). Essa nova configuração de trabalho envolvida em uma rede ilegal, desregulamen-
sexualmente segregado, emprega migrantes tada que produz a precarização das relações
latinoamericanas em serviços domésticos e de trabalho (LISBOA, 2007). Desse modo, Lis-
destina os homens à áreas de construção ci- boa (2007), em seu estudo apresenta dados
vil e restaurantes. Isso acarreta mudanças nas da ONU (Organização das Nações Unidas)
relações sociais, familiares, de gênero e de que revelam que 70% dos pobres de todo o
concepção sobre a mulher, pois outrora ela mundo são mulheres, que tem se lançado a
possuía um papel passivo na migração, como migrações internas e externas em busca de
acompanhante do marido e dos filhos, agora melhores condições de sobrevivência e me-
a mulher surge com uma posição ativa e de- lhoria na qualidade de vida para si, seus filhos
terminante nos processos migratórios, como e sua família. Pode-se concluir que a inserção
chefe de família e detentora de maior quali- da mulher no cenário de migração interna-
ficação profissional (Garcia, 2007, Assis, 2007, cional não representa apenas a emancipação
Silva, 2011 e Dutra, 2013). da mulher e seu papel ativo e independente,
A atividade laboral experienciada por mu- essa realidade possui outra face que expressa
lheres em contextos de migração, é marcado a migração como necessidade, como sobre-
por situações de subordinação e exploração, vivência, como garantia de uma vida melhor,
esses fatores acentuam-se com o status de de um futuro melhor, com mais oportunida-
irregularidade dessas mulheres, assim sujei- des e possibilidades, fatores esses que não
tam-se a salários baixos, rotinas extensas de são alcançados ou inexistentes em seu país
trabalho, sem valorização social e simbólica, de origem, pois como já citado acima, sub-
145
metem-se a trabalhos informais, de assis- gração de bolivianas, peruanas, colombianas
tência, cuidado, um trabalho desvalorizado e brasileiras não retratam por completo, ou
e inferiorizado, devido a sua situação de irre- seja, ainda não exploraram a totalidade da
gularidade, portanto, vemos que o futuro que realidade das migrações de latino-america-
essa mulher terá com a migração é diferente nos e necessita-se de mais estudos que pos-
daquele idealizado no projeto migratório, pois sam aprofundar a temática.
suas oportunidades são limitadas e definidas Dos trabalhos estudados nesta pesquisa
antes de pisar em terras estrangeiras. acusa-se o predomínio de artigos que trata-
Outro aspecto importante de ser lembrado vam sobre os fluxos migratórios de bolivianas
no que tange a migração de mulheres são as para o Brasil. Os trabalhos científicos estuda-
redes sociais. A concepção de rede social fi- dos nesta pesquisa, em sua maioria, trataram
gura-se aqui como o apoio e as relações es- da migração de bolivianas para o Brasil. As
tabelecidas dessas mulheres migrantes com datas de publicação dos artigos variaram, o
outras pessoas da mesma nacionalidade para mais antigo estudo pesquisado é de 2005 e
suporte migratório na chegada e permanên- o mais recente de 2013, considerando o cor-
cia no país de destino. As redes sociais são, te estabelecido nesta pesquisa. Apresenta-
portanto, uma ferramenta facilitadora no ram-se mais de um artigo publicado no ano
deslocamento especialmente de mulheres, de 2008, o que expressa e confirma a atuali-
no caso das latino-americanas. Ao observar dade do tema, os dados apresentados pelos
a literatura migratória vê-se que as mulheres autores corroboraram entre si e confirmaram
latino-americanas, principalmente àquelas as expectativas iniciais de pesquisa realizada.
que migram de forma indocumentada, ini- Salienta-se ainda que os bolivianos (ho-
ciam seu processo migratório a partir de al- mens e mulheres) têm migrado em quanti-
guém conhecido que as ajudam a encontrar dade considerável para o Brasil, entrando em
lugar para dormir e trabalho. Elas possuem sua grande parte pelo município de Corum-
habilidade para estabelecer redes de apoio bá, que faz fronteira com Puerto Aguirre, a
e contato mútuo e assim conseguem alocar- qual pertence a região de Santa Cruz na Bo-
se neste tipo de migração, ou seja, a irregular, lívia. Sabe-se que há propagandas para tra-
e ser integradas no mercado de trabalho lo- balho no Brasil na Bolívia incentivando o fluxo
cal. Desse modo, as redes sociais colaboram migratório para o trabalho. Essas propagan-
substancialmente na facilitação da intensi- das geralmente oferecem bons salários, mas
dade de fluxos migratórios, principalmente que não se consolidam na chegada desses
quando estes se tratam de familiares. migrantes.
Os bolivianos, de forma geral, atravessam a
Mulheres Latino-Americanas migrantes fronteira Puerto Aguirre/Bolívia – Corumbá/
Brasil e solicitam visto de entrada no Brasil.
Por fim, este último subitem trata da ques- Assim que o conseguem migram para o Es-
tão das mulheres latino-americanas com re- tado de São Paulo e/ou outros grandes cen-
lação ao trabalho que exercem nos países vi- tros, onde procuram empregos em pequenas
zinhos. Nesse sentido, é importante ressaltar indústrias têxteis caseiras, normalmente clan-
que os resultados desse estudo faz concluir destinas. Muitos desses acabam no mercado
que ainda são insuficientes as pesquisas reali- clandestino e no trabalho escravo junto a es-
zadas sobre a migração de mulheres latino-a- sas pequenas fábricas de fundo de quintal. A
mericanas, portanto, percebe-se que pouco migração de mulheres bolivianas acompanha
se conhece sobre essa realidade e este tra- a migração de homens bolivianos, de forma
balho tentou compreender, mesmo que par- equilibrada, sendo que alguns casos a família
cialmente, essa questão. Todavia expressa-se toda desloca-se para encontrar trabalho no
os limites que cabe neste estudo, já que se Brasil. Assim, os artigos demonstram que a
trata ainda de nossos trabalhos iniciais sobre principal atividade laboral exercida pelas mu-
a temática. lheres bolivianas são o serviço doméstico e o
Desse modo, dentre os estudos científicos trabalho em fábricas têxteis, especialmente
encontrados nesta pesquisa, aponta-se os em São Paulo – SP.
trabalhos que tratavam de temas como mi- Em alguns casos, as bolivianas permane-
146
cem na cidade de Corumbá em Mato Gros- e qualidade de vida dessas mulheres.
so do Sul, na qual há um expressivo número As mulheres bolivianas normalmente, em
de bolivianas empregadas em serviços como: sua maioria, não migram somente para acom-
diarista, doméstica, lavadeira, cozinheira e em panhar seus parceiros, ao contrário, migraram
comércio familiar, como exemplo, a costura. juntamente com seus familiares, como, pais,
Segundo Souchaud e Baeninger (2008) o tios e avós, e dentre os motivos da migração
rendimento mensal de 65% dessas migrantes está a busca por trabalho e melhores condi-
está concentrado em torno de R$ 350,00, o ções de vida para si e para seus familiares.
que torna quase impossível a sobrevivência e Como o trabalho a ser desempenhado no
a manutenção dos mínimos sociais pelas fa- Brasil é vinculado ao doméstico e a peque-
mílias bolivianas. na indústria têxtil, a migração de mulheres é
Por outro lado, Silva (2005) coloca que a bem-vinda facilitando a demanda pelo sexo
migração de mulheres bolivianas para a me- feminino.
trópole paulistana é uma corrente migratória O trabalho encontrado pelas bolivianas em
antiga e consolidada, mas só agora começa a São Paulo- SP é diferente do trabalho encon-
“chamar atenção” pelo aumento do fluxo, de- trado pelas bolivianas no município de Co-
vido às oportunidades oferecidas pelo Brasil, rumbá – MS, essas últimas possuem um cam-
que comparadas às existentes na Bolívia são po de trabalho muito restritivo, exercendo
consideradas superiores. Deste modo, des- apenas funções relacionadas à costura ou a
de as décadas de 70 e 80, o número de bo- cozinha. Silva (2005) afirma em sua pesquisa
livianos que adentram o território brasileiro é que não encontra-se, no caso da migração de
crescente. No entanto, em contrapartida, as bolivianas para Corumbá, a existência de ca-
bolivianas enfrentam outra realidade, em sua sos de maus-tratos no ambiente de trabalho
maioria estão em situação de irregularidade, e familiar.
assim, trabalham sem regulamentação traba- Todavia, Illes, Timóteo e Fiorucci (2008¬)
lhista e na clandestinidade. que analisaram o fluxo migratório de bolivia-
Tratando do caso de São Paulo, a reestru- nas para o estado de São Paulo, identificaram
turação de produção das fábricas de confec- a violação dos Direitos Humanos, nos quais
ções de “fundo de quintal”, ou seja, pequenas mulheres estão sujeitas à violência, vulnerabi-
fábricas que se encontram irregulares frente à lidade e condições de exploração e abuso no
legislação brasileira, estimulam o fluxo de en- ambiente de trabalho. Essas situações foram
trada de migrantes bolivianas no estado, por identificadas por meio de depoimentos e ob-
se tratar de mão de obra “barata”, pois por se servadas nos atendimentos efetuados junto
tratar de migração irregular não se contrata ao Centro de Apoio ao Migrante da cidade de
esse trabalho de acordo com as normas e leis São Paulo. O Centro de Apoio ao Migrante in-
trabalhistas, gerando o trabalho escravo. As- formou que essas mulheres, em sua maioria,
sim, esse estilo migratório possui traços es- são submetidas às jornadas exaustivas de tra-
pecíficos relacionados à migração irregular e balho com salários inferiores ao salário míni-
trabalho informal, os quais ferem os quesitos mo, têm seus documentos retidos, são vigia-
mínimos de proteção ao trabalhador. Em mui- das por câmeras, assim como têm seu direito
tos casos a moradia oferecida é uma só para de ir e vir violados. Também há de se desta-
várias famílias, aumentando sobremaneira as car que em muitos casos, gastos relativos à
chances de exploração e condições decentes moradia, alimentação e viagem Bolívia-Brasil
e dignas de vida. são descontado de seus salários, o que pre-
Portanto, as bolivianas constituem-se como cariza ainda mais as condições de vida dessa
oferta de mão-de-obra indocumentada, que população. O ambiente de trabalho apresen-
abre espaço para relações de trabalho escravo ta condições insalubres com pouca luminosi-
e em péssimas condições de vida e trabalho. dade, instalações sanitárias ruins, havendo o
Nesse sentido, Silva (2005) afirma que o am- risco de incêndios e explosões devido às ins-
biente de trabalho dessas mulheres é extre- talações elétricas serem de baixa qualidade e
mamente submisso, semelhante ao ambiente muito precárias. Enquanto os pais trabalham
familiar, somado ao trabalho excessivo, esses as crianças são trancadas em quartos escuros,
contextos prejudicam as condições de saúde as bolivianas atendidas pelo Centro de Apoio
147
ao Migrante da cidade de São Paulo apre- algumas diferenças consideráveis, o mercado
sentaram alto índice de tuberculose e sofriam de trabalho argentino é mais diversificado,
intensa coação psicológica por parte dos pa- ofertando às migrantes oportunidades em
trões, que ameaçavam entregar-lhes às auto- diversas áreas, além das oficinas de costura,
ridades. As condições de vida e moradia são como: emprego doméstico, trabalho no cin-
igualmente ruins, precárias e oferecem riscos turão verde e produção de hortifrutigranjei-
à saúde física e mental. ros, também é possível ver a atuação dessas
Rizek, Georges e Silva (2010) também reali- migrantes em comércios ambulantes, sendo
zam um estudo sobre a migração de bolivia- que o principal destino das bolivianas para o
nos e seus contextos de trabalho. Este estu- país argentino é a capital Buenos Aires. Outro
do tratou-se de um trabalho comparativo da fator de diferença observado pelos autores é
realidade encontrada na Argentina e no Brasil a maior visibilidade que essa migrante possui,
e assim como, Silva (2005), eles concluíram através de associações voltadas para ques-
que as atividades das mulheres migrantes tões de ilegalidade e de trabalho, as quais lu-
bolivianas concentra-se no setor de confec- tam e defendem os direitos dos estrangeiros
ções através do trabalho em domicílios, de- naquele país. Todavia, é possível concluir que
senvolvido por redes de familiares, corrobo- nas duas rotas migratórias as migrantes não
rando com os resultados apresentados pelos possuem possibilidade de escolha, como já
demais autores. mencionado no presente artigo, seu destino,
Assim, Rizek, Georges e Silva (2010) consi- seu emprego já está definido, situação que
deraram em seu estudo que esse tipo de mi- impede a ascensão social, limita e estratifica
gração irregular de mulheres latino-america- o indivíduo na sociedade. Dessa forma, pode-
nas, mesmo com as peculiaridades de cada se concluir que as mulheres bolivianas que
nacionalidade, denotam as transformações migram para outros países da América Lati-
recentes das relações de produção e de tra- na, como exemplo, Brasil e Argentina, empe-
balho no setor do vestuário e das confecções nham-se em trabalho precário, e ressalta-se
– como, por exemplo, a emergência do “custo que o perfil dessas migrantes é marcado pela
chinês” – levariam de um lado a um embara- indocumentação, baixa qualificação da mão
lhamento entre precarização e informalização de obra e é composto em sua maioria por jo-
das relações de trabalho, e de outro, a pro- vens adultas e suas famílias.
cessos de flexibilização da produção em esca- Observou-se também em nossos estudos,
la maior e mais diversificada. Neste contexto, que outras mulheres latino-americanas tam-
ocorre a chamada terceirização da produção, bém migram como principalmente, peruanas
com a contratação de mão-de-obra mais ba- e colombianas, para essas o trabalho está na
rata em pequenos ateliês de fim de linha em- confecção têxtil, assim como as bolivianas,
pregando nesse processo as migrantes em mas também na venda de artesanatos nas
situação ilegal. As condições de trabalho e de ruas, o que no Brasil chamamos de “camelôs”,
vida encontradas no cenário migratório, re- ou seja, trabalho informal realizado nas ruas
fletem a necessidade da indústria em reduzir da cidade e que se faz sem taxa de impos-
os custos, o que vai recair na redução do salá- tos ou solicitação de licença às prefeituras lo-
rio dos trabalhadores, onde forma-se uma ca- cais, considerando-se um trabalho irregular.
deia produtiva alimentada por trabalhadores É importante apontar que as mulheres que
informais em situações de precariedade. exercem trabalhos na rua, ficam expostas às
Por fim, é válido considerar que a situação vulnerabilidades da rua, como utilização de
social da Bolívia desde a década de 80 esti- drogas, risco social e sexual. Portanto, em sua
mula a corrente migratória para o Brasil para grande maioria não trabalham sozinhas, mas
o trabalho indocumentado, devido a dificul- acompanhadas por alguém do sexo masculi-
dades socioeconômicas de vida na Bolívia, no, como o companheiro. Mais recentemente
como a falta de infraestrutura básica, acesso o Brasil passou a receber muitas migrantes la-
à água potável, alimentos, educação e saúde. tino-americanas indocumentadas, peruanas,
Já no fluxo migratório de bolivianos para a Ar- colombianas, argentinas e chilenas que jun-
gentina, Rizek, Georges e Silva (2010) identifi- tamente com seus companheiros vem para
caram uma situação semelhante, porém, com exercer o trabalho nas ruas seja de forma ar-
148
tística, como na execução de performances na contratação das empregadas domésticas
na parada dos sinais de trânsito de grandes favorecendo a contratação de estrangeiras
cidades, seja na execução de artesanato para indocumentadas para o trabalho de limpezas
ser vendido nas calçadas das ruas das cida- nas residências, evitando assim encargos so-
des. ciais e contratuais e barateando o valor pago
Silva (2011), em seu estudo, traz a realida- pelos contratantes.
de de mulheres peruanas e colombianas no Por fim, destacamos que o status de clan-
Estado do Amazonas, no qual se observou destinidade é uma das marcas da migração
que há um direcionamento das mulheres de mulheres latino-americanas, essas situa-
para setores específicos do mercado de tra- ções denotam a migração indocumentada
balho, como o serviço doméstico, setor de favorecendo a invisibilidade das problemá-
gastronomia e cuidado de pessoas idosas ou ticas sociais vivenciadas por essas mulheres.
crianças. O meio de entrada das colombia- Também denota-se que as condições de tra-
nas, por exemplo, é inicialmente como turis- balho das mulheres latino-americanas, princi-
ta, porém permanecem no estado de forma palmente as que se encontram no Brasil, são
irregular. Um fator de destaque apresentado consideradas reduzidas, favorecendo situa-
pelo autor foi o choque cultural sofrido por ções de precarização da saúde, colocando-as
essas mulheres, relacionado às vestimentas, em situações de vulnerabilidade e risco social,
outra realidade enfrentada por essas mulhe- principalmente àquelas que se encontram no
res é que a migração lhes outorga o papel de trabalho nas ruas das grande cidades.
chefe da família, assim surge a necessidade Ao final desse estudo preliminar, queremos
de encontrar alguém para cuidar dos filhos ressaltar a necessidade da realização de mais
enquanto trabalha fora, o que nem sempre estudos que possam retratar a realidade vi-
consegue-se devido receber baixa remune- venciada pelas migrações de mulheres latino
ração, isso implica outras dificuldades vividas -americanas, principalmente no que tange a
na cotidianidade forçando-as muitas vezes a migração entre os países da América Latina,
deixarem seus filhos sozinhos enquanto tra- pois ainda carecemos da compreensão de
balham. Outro fato mencionado refere-se ao como se dão as relações migratórias nestes.
preconceito sofrido por essas migrantes, não
apenas em território brasileiro, mas também CONSIDERAÇÕES FINAIS
em seu local de origem. Assim, todos esses
elementos mencionados dificultam as rela- A migração é um fenômeno cada vez mais
ções de trabalho vivenciadas pelas mulheres recorrente na atualidade e extremamen-
em território estrangeiro. te intrínseco à atividade humana desde os
Por fim, Dutra (2013) apresenta em seu ar- períodos remotos, sendo potencializado na
tigo dados sobre a migração de paraguaias atualidade pela globalização que acentua as
para o Brasil e afirma que a irregularidade é desigualdades existentes entre os países des-
uma realidade inerente à esse fluxo migrató- pertando o desejo de indivíduos pela migra-
rio, essa condição também está relacionada ção na busca de melhores condições de vida.
com a falta de informação, pois há muitas que No entanto, a contemporaneidade suscita
não desejam regularizar sua situação no país, novas problemáticas relacionadas a esse fe-
sendo que por meio do Mercosul é possível nômeno, assim, por meio do trabalho, perce-
obter o visto de trabalho. Isso revela que elas beram-se algumas das facetas da migração,
não reconhecem os benefícios que o status suas implicações e conseqüências. Através
de legal podem lhe proporcionar. dele foi possível acompanhar a visão dos pes-
No que tange, a migração de mulheres pa- quisadores sobre a realidade e as principais
raguaias observa-se um grande número de características dos fluxos migratórios. Além
mulheres sendo empregadas no trabalho do- disso, o estudo permitiu concluir que ainda é
méstico irregular no Brasil, principalmente no escasso o número de pesquisadores que se
que tange às regiões da fronteira Brasil em dedicam a essa temática que reflete a situa-
Foz do Iguaçu e Cidade de Leste no Paraguai. ção da sociedade contemporânea marcada
O motivo dessa demanda por trabalho do- pela mobilidade, globalização e informação.
méstico foi o endurecimento da lei brasileira Pode-se observar que os países que com-
149
põem a América Latina apresentam-se com da temática.
intensa migração interna e externa, com des-
taque para as migrações de fronteira, que são REFERÊNCIAS
comumente ignoradas pelos pesquisadores e
pelos relatórios oficiais. ALBUQUERQUE, José Lindomar C. A dinâ-
Por meio dos estudos pode-se perceber mica das fronteiras: deslocamento e circu-
o crescente aumento da participação femi- lação dos “brasiguaios” entre os limites na-
nina nos fluxos de migração, situação que cionais. Horiz. Antropol. V. 15. N. 31. 2009, pp
merece atenção e estudo. No contexto des- 137-166.
te fenômeno, observou-se a situação de vul-
nerabilidade e precariedade a que a mulher ASSIS, G.O. Mulheres migrantes no passado
latino-americana é submetida, o status de ile- e no presente: gênero, redes sociais e migra-
galidade reforça essa realidade, tornando-se ção internacional. Estudos Feministas. Floria-
possível identificar a limitação e a restrição do nópolis. V.15. Ano 03. set.-dez.2007
mercado de trabalho feminino, o que impede
muitos projetos migratórios idealizados, pois BAUMAN, Zygmunt; PENCHEL, Marcus
a realidade encontrada é bem diferente do (Trad). Globalização: as consequências huma-
imaginário criado. nas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, 145 p.
Houve a predominância de artigos que tra- CAFARDO, R. Educação, um direito do imi-
tam sobre as correntes migratórias de bolivia- grante. O Estado de São Paulo (Caderno Vida).
nos para o Brasil, corrente migratória antiga e São Paulo, 20 mar. 2005. p. A-22.
já consolidada. Os casos de exploração, rela-
tados nas pesquisas, sofridos pelas mulheres CARPENEDO, M. e NARDI, C. H. Mulheres
nos espaços de trabalho reforçam a neces- Brasileiras na divisão internacional do traba-
sidade da construção e efetivação de políti- lho reprodutivo: construindo subjetividade(s).
cas públicas capazes de assegurar os direitos Revista de Estudos Sociais. n.45. Jan 2013
dessa população. Vale destacar a necessidade p.96-109.
de revisão das políticas migratórias brasileiras
que datam a década de 80, período em que DUTRA, D. Mulheres, migrantes, trabalha-
o país foi guiado pela ditadura (1964 a 1985). doras: a segregação no mercado de trabalho.
Considerando as transformações no cená- REMHU - Rev. Interdisciplinar de Mobilidade
rio das migrações internacionais em especial Humana [online]. v.21. n.40. 2013, pp. 177-193.
na América Latina, torna-se urgente um des-
locamento de políticas ancoradas apenas em GARCIA, L. Mulheres transnacionais. Imagi-
interesses comerciais para políticas sociais e nario [online]. v.13. n.14. 2007, pp. 379-398.
públicas que possam beneficiar populações
necessitadas, pois estas devem incluir ques- GONDIM, S. M. G. et al. Imigração e Tra-
tões relacionadas ao comprometimento e balho: Um Estudo Sobre Identidade Social,
respeito dos direitos humanos e dignidade Emoçoes e Discriminaçao Contra Estrangei-
humana. ros. Psicologia pesq. [online]. v.7. n.2. 2013, pp.
Os estudos científicos pesquisados e ana- 151-163.
lisados expressam o interesse dos pesquisa-
dores em debruçarem-se sobre esse tema, ao ILLES, P, TIMÓTEO, G.L.S e FIORUCCI, E.S.
mesmo tempo a quantidade de artigos en- Tráfico de pessoas para fins de exploração na
contrados reflete a carência de estudos sobre cidade de São Paulo. Cadernos Pagu. n.31, ju-
essa temática que vem crescendo e ganhan- lho-dezembro de 2008. PP.199-217.
do destaque nos meios de comunicação,
portanto, é preciso avançar nos estudos com LISBOA, T.K. Fluxos migratórios de mulheres
diversificação de instrumentos de pesquisa e para o trabalho reprodutivo: a globalização
ampliação de amostras e espaços culturais, da assistência. Estudos Feministas. V. 15. Ano.
de igual modo realizar pesquisas com maior 03. Florianópolis. setembro-dezembro/2007
abrangência de dados e aprofundamento
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150
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151
MULHER DEKASSEGUI BRASILEIRA: QUESTÕES
DE GÊNERO, TRABALHO E TERRITÓRIO
Francisca Bezerra de Souza
Programa de Mestrado e Doutorado em
Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
bezerra.fran@gmail.com

Luciane Pinho de Almeida


Professora do Programa de Mestrado e
Doutorado em Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
luciane@ucdb.br

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar resultados da pesquisa realizada
sobre o retorno de mulheres dekasseguis para o Brasil, na última década. No
final da década de 1980 e início da década de 1990, houve um intenso fluxo
migratório de descendentes de japoneses que saíram do território brasileiro em
direção ao território Japonês. Esse deslocamento significativo de descendentes
de japoneses (nissei e sansei) ficou conhecido como movimento dekassegui no
qual um grande número de mulheres emigrou para o Japão com objetivo de tra-
balhar nas fábricas japonesas para manter a família que ficou no Brasil. As 15 par-
ticipantes relataram em entrevistas o cotidiano vivido no país de destino, onde
enfrentaram o trabalho extenuante e repetitivo nas fábricas japonesas e também
o preconceito e a discriminação por serem estrangeiras apesar da descendência
nipônica. Além da crise mundial, o retorno das dekasseguis do Japão às pressas,
ocorreu em virtude do desastre natural que atingiu a ilha. No retorno, as dekasse-
guis enfrentaram dificuldades de (re) adaptação no território brasileiro, tanto em
relação ao mercado de trabalho quanto nas relações sociofamiliares.

Palavras-chave: Mulher Dekassegui, Brasil, Gênero, Trabalho, Território.

ABSTRACT
This article show the results od research about return of dekassegui woman to
Brazil on the last decade. In the late 80’s and 90’s there was an increase of Japa-
nese migrants that leave Brazil to go back Japan. This movement of return (Nissei
and Sansei) bacame know as Dekassegui Movement, where the migrated to
Japan to work on the Japanese factories to send money to yours familes that
stay in Brazil. The 15 participants report in interviews everyday life on country of
destination, where they had to face the hard and the repetitive work of the Jap-
anese factories and the prejudice too because they are foreigners, althoug they
had nipponese descent. They had global crisis and the natural disasters the strike
the island as reason of their fast return. this return was difficult because they have
yo adapt again and this cause physique an emotional troubles.

Key words: Dekassegui woman, Brazil, Kind, Work, Territory.


152
INTRODUÇÃO

O
presente artigo tem por objetivo feminina ocorreu precariamente, pois sempre
apresentar um recorte da pes- veio acompanhada de péssimas condições
quisa de mestrado realizada no de trabalho, baixa remuneração, sem consi-
Programa de Mestrado e Douto- derar as questões biológicas femininas.
rado em Psicologia da Universidade Católica No final da década de 1980 e início da dé-
Dom Bosco – UCDB de Campo Grande Mato cada de 19901 o Brasil passava por problemas
Grosso do Sul - Brasil. econômicos e políticos e isso fez com que
O deslocamento de pessoas de um terri- milhares de brasileiros deixassem o territó-
tório para outro em um sistema globalizado rio brasileiro para buscar trabalho em terras
pode ser perverso para aqueles que buscam estrangeiras como Estados Unidos, Europa
um lugar para trabalhar pela sua subsistência, e Japão. Esse último foi o destino de muitas
Santos (2011) afirma que o processo de globa- mulheres dekasseguis que foram para as fá-
lização atinge um último nível de expropria- bricas japonesas em busca de trabalho que
ção de capital. A robótica, a Internet e a inte- lhes garantisse a sobrevivência em território
ligência artificial fazem com que uma grande japonês e também dos familiares que haviam
massa de pessoas desempregadas e excluí- ficado em território brasileiro, portanto, a mi-
das do mercado de trabalho passe a fazer gração pelo trabalho é o fio condutor do pro-
parte de uma estrutura de mão de obra re- cesso migratório de mulheres dekasseguis2
serva que busca trabalho onde o capital está. para o Japão.
Na sociedade capitalista o trabalho é tido A migração de trabalhadores dekasseguis
como “[...] degradante e aviltado. Torna-se es- para o território japonês apresenta-se de for-
tranhado. O que deveria se constituir na fina- ma diferenciada da migração para outros ter-
lidade básica do ser social – a sua realização ritórios como, por exemplo, para a Europa e
no e pelo trabalho – é pervertido e depaupe- Estados Unidos, pois enquanto a migração de
rado” (ANTUNES, 2007, p. 125). trabalhadores para esses dois países fora para
É importante denotar que as pessoas sem- o trabalho em atividades na área de serviços
pre migraram de um território para o outro (garçons, construção civil, serviço doméstico,
por diversos motivos e em diversos contex- entre outros), a migração para o Japão apre-
tos, mas com o processo de globalização do senta-se como fruto de acordo entre o Brasil
capital, se dá também o processo de migra- e Japão e o trabalho é voltado para o setor fa-
ção para o trabalho como um movimento de bril. Dessa forma, os trabalhadores dekasse-
maior fluidez e rapidez do que no passado. guis, no momento de crise brasileira, em fins
Tal fato pôde ser constatado de forma acirra- do século XX e início do século XXI, e devido
da no final do século XX e no início do século a escassez de mão de obra no Japão, foram
XXI, conforme diz Ianni (2001, p. 122): “[...] na vistos como um “exército de reserva” (NETO,
mesma escala em que se dá a globalização 2012), sendo levados aos trabalhos nas fá-
do capitalismo, verifica-se a globalização do bricas japonesas, pois era o tipo de trabalho
mundo do trabalho [...]”. (sujo, pesado e perigoso) que os nativos não
Com o processo de industrialização a mi- queriam mais fazer.
gração deixou de ser, na maioria, um fenô- Ao abordar a categoria território Milton
meno que envolve somente a mobilidade de Santos (2011), chama atenção para o sentido
homens para o trabalho e passou a incorpo- restrito da palavra, pois “território é um nome
rar o trabalho de mulheres, embora a inserção político para o espaço de um país”, deixan-
____________________
1
Esse período que foi denominado de “febre” de ir para o Japão, ficou conhecido como Movimento Dekassegui.

2
O fluxo migratório de mulheres levou as empresas japonesas a substituir a mão de obra masculina pela mão
de obra feminina, por ser mais barata, mas com a mesma capacidade produtiva. Assim, “[...] hoje, dentro de uma
variedade de brasileiros, é elevado o número de mulheres que migram em busca de trabalho no Japão [...]” (KA-
WAMURA, 2003, p. 108).
153
do claro que a existência de um país supõe Contextualizando a pesquisa qualitativa
um território e afirma que é preciso ter cla- com mulheres dekasseguis
reza da noção de “espaço territorial”, ou seja,
“esse espaço está sujeito a transformações A pesquisa foi realizada utilizando-se a abor-
sucessivas”. Dessa forma, no processo migra- dagem qualitativa, amparada na perspecti-
tório interessa-nos discutir o “território usado” va sócio-histórica com base no materialismo
como sinônimo de espaço geográfico. Para histórico e dialético de Karl Marx (1818-1883).
as mulheres dekasseguis durante o período Marx em os Manuscritos Econômicos Filosó-
de migração o território ficou caracterizado ficos (1844) entende que o homem enquanto
pelo constante ir e vir para poder trabalhar ser social busca satisfazer suas necessidades,
e alternadamente rever seu país, familiares e e, no processo dialético de transformar a na-
amigos, portanto, não se pode afirmar que o tureza, se transforma (BOTTOMORE, 2001).
migrante “abandona seu país” para viver em A abordagem qualitativa contribuiu para
outro, mas sim que migrou em busca de con- a compreensão dos significados da vida das
dições de sobrevivência sem nunca deixar de mulheres dekasseguis no Japão, bem como
pertencer ao seu território de origem, pois as implicações do retorno ao Brasil para as
permanece sempre vivo o desejo de retornar participantes envolvidas na investigação, pois
(SAYAD, 1988). a realidade em que estão inseridos os sujei-
Assim, esse ir e vir se constitui em um “es- tos é fluente e contraditória e os passos me-
paço vivido” da mulher dekassegui que sai todológicos da pesquisa estão também dire-
do seu território em busca de trabalho e que tamente relacionados com a visão de mundo
pode ser considerado como diz Milton Santos do pesquisador, como diz Chizzotti (2006, p.
(2002, p. 430): 26): “[...] ao encadeamento de diligências que
o pesquisador segue para descobrir ou com-
...não se trata, aqui, de considerar o território provar a verdade, coerente com sua concep-
como um espaço, exclusivamente, físico ou
ção da realidade e sua teoria do conhecimen-
administrativo, de divisão geográfica. O terri-
tório embute as rugosidades da realidade [...] to”.
não podem ser apenas encaradas como he- Para essa pesquisa optou-se pela escolha
ranças físico-territoriais, mas também como de pessoas do gênero feminino, sendo que as
heranças socioterritoriais ou sociogeográficas. 15 participantes haviam retornado na última
década para o município de Campo Grande,
Entendendo que a apropriação desse ter- MS3, que possui a terceira maior comunidade
ritório se configura quanto ao aspecto inter- nipônica nacional. Durante a fase de levanta-
ventivo realizado pelos homens, criando e mento de referencial teórico, pode-se cons-
recriando significados em torno dessa apro- tatar que na literatura e produções junto aos
priação cotidiana (KOGA, 2011, p. 38). Essa bancos de dados nacionais, foram encontra-
criação e recriação de significados como dos artigos e pesquisas sobre o movimento
afirma a autora, ocorria quando retornavam dekassegui e somente um tratando espe-
para manter os laços afetivos e minimizar os cificamente da migração de retorno com as
elementos que foram fontes de sofrimento, implicações na saúde, sendo que em Campo
como a saudade, por exemplo, e também Grande, lócus dessa pesquisa, nenhuma pes-
quando no território japonês se aproximavam quisa ou artigo sobre o assunto foi localizado,
de elementos que pertenciam ao seu contex- portanto, ficou demonstrada a carência de
to histórico e cultural (comida brasileira, revis- estudos sobre o retorno desses descendentes
ta e programas de TV do Brasil), na tentativa de japoneses para o município, mesmo tendo
de conservar as relações sociorrelacionais que a terceira maior comunidade nipônica com-
deixaram no território brasileiro. posta por descendentes de japoneses okina-
wanos.
___________________
3
Mato Grosso do Sul, depois de São Paulo e Paraná, aparece como o terceiro estado que há mais concentra-
ção de nipo-brasileiros, conforme matéria publicada: Onde estão os nipo-brasileiros. Confira a distribuição da
população de japoneses e seus descendentes pelos Estados desde 1960. Documento eletrônico disponível em:
http://www.estadao.com.br/especiais/onde-estao-os-nipo-brasileiros,17316.htm. Acesso em 29 de julho de 2013
as 12h45.
154
No decorrer dos estudos, parentes, colegas Miséria da Filosofia (1847), “[...] a história so-
de trabalho e amigos, sabendo da temática cial dos homens é sempre a história do seu
desta pesquisa sempre tinham uma história desenvolvimento individual, tenham ou não
de alguém que se encaixava no perfil das par- consciência desse fato [...]” (NETTO, 2012, p.
ticipantes que era procurado. Assim, por meio 171).
da técnica metodológica denominada Sno-
wball (bola de neve), na qual as indicações ini- A migração de retorno feminino brasileiro
ciais seguiam indicando outras participantes, do Japão
até que fosse alcançado o objetivo proposto
(o “ponto de saturação”) (BALDIN e MUNHOZ, A crise que abalou a Europa e também o Ja-
2011, p. 332), conforme demonstrado na Figu- pão no início de 2008, fez com que ocorresse
ra abaixo: a migração de retorno de muitos brasileiros
e apresentou-se como um fenômeno intenso
FIGURA 1: Rede Snowball no cenário brasileiro nos últimos tempos. No
Japão, além da crise, o Tsunami ocorrido em
2011 fez com que, nas últimas décadas, a mi-
gração de retorno deste país se intensificasse
e isso, embora timidamente, vem despertan-
do o interesse de alguns pesquisadores liga-
dos às questões sociais, principalmente nas
áreas de geografia (demografia), sociologia
e psicologia. No caso da psicologia, pode-se
apontar que o retorno, muitas vezes, se apre-
senta traumático e pode ocasionar proble-
mas emocionais graves que necessitam de
atendimento especializado, pois ao retornar
apresenta-se fragilizado em suas relações so-
ciais e psicológicas.
As histórias orais das participantes foram A pesquisa demonstrou que a ida de brasi-
colhidas com agenda previamente definida leiros para o Japão está diretamente relacio-
individualmente e se buscou, durante as en- nada com a procura de trabalho que garan-
trevistas, estabelecer uma dinâmica que pos- ta a sobrevivência não só dos que emigram,
sibilitasse que a conversa fluísse espontanea- mas também dos familiares que permane-
mente. Após cada entrevista, retornava-se cem no Brasil, e que essa migração em busca
aos textos já transcritos, para que cada entre- de melhores condições de sobrevivência não
vistada pudesse sugerir modificações, o que ocorre de forma isolada e vem sendo realiza-
foi realizado com algumas trocas de e-mails. da em um mundo globalizado que impacta
Em seguida houve a organização e catego- diretamente no modo de vida de pessoas no
rização dos dados que foram analisados por mundo.
meio da análise de discurso entendendo-se O fluxo migratório passa, então, a ser deter-
que os discursos não são fixos e que, por isso, minado por essa globalização negativa, for-
são transformados de acordo com as mudan- mando uma totalidade. Podem-se ressaltar
ças que ocorrem no campo social e político. determinantes econômicos e políticos que in-
Portanto, o discurso é uma ação social em terligam o contexto conjuntural e o contexto
constante movimento: “[...] O discurso é assim pessoal, ou seja, as condições sócio-históricas
uma palavra em movimento, prática de lin- que são apresentadas, tanto no movimento
guagem: com o estudo do discurso observa- de ida quanto no movimento de volta se as-
se o homem falando” (ORLANDI, 1999, p. 15). semelham, pois ao emigrar os dekasseguis
O discurso suposto para análise das falas lo- o fazem pela falta de condições de sobrevi-
caliza-se na fala de participantes inseridas em vência e acesso às políticas públicas em um
um contexto sócio histórico, do sujeito que cenário de crise política e econômica e sem
constrói e vive sua história em relação com o saber ainda quais as condições que encontra-
outro e consigo mesmo. Para Karl Marx, em riam no país de destino.
155
Contemporaneamente, vem tendo visibili- garantisse meios de sobrevivência de si e dos
dade o crescimento do movimento migrató- familiares, o que somente foi possível como
rio de mulheres no mundo. Embora em algu- migração regular, por meio de acordo entre
mas situações isso esteja ligado às questões os dois países.
do tráfico de pessoas e à prostituição, estu- Destaca-se que havia, inicialmente, uma
diosos já apontam para o fenômeno da “fe- predominância masculina e descendência
minização da migração”, o qual indica uma “em primeiro grau” de japoneses entre os
nova realidade no contexto das migrações brasileiros que emigravam para o Japão. Isso
contemporâneas. ocorria por uma questão cultural, que não
Para refletir sobre a migração de retorno de permitia o casamento de japoneses com bra-
mulheres dekasseguis numa visão histórico- sileiros. Porém, com a reforma da Lei de Con-
social, é necessário compreendermos histo- trole de Imigração (a partir de 1990), cresceu
ricamente como e em que circunstâncias e o número de casamentos entre japoneses e
contextos ocorreram à migração, podendo- brasileiros, razão pela qual passou a ser per-
se observar que teve por motivo principal o mitida a entrada de brasileiros (as) sem ascen-
trabalho. Justifica-se aí a escolha do método dentes japoneses para trabalhar naquele país,
do estudo, pois compreende-se que eviden- com a condição de que o (a) cônjuge fosse
ciar as transformações históricas das migra- descendente de japonês. Dessa forma, mu-
ções contemporâneas leva a sublinhar uma lheres e homens brasileiros sem ascendência
argumentação que trata o tempo presente japonesa conseguiram o visto para o trabalho
proveniente também de seu contexto sócio no Japão. Também podemos destacar que
-histórico. As construções históricas de ho- muitas mulheres brasileiras com ascendência
mens e mulheres reivindicam o seu presente japonesa e casadas com brasileiros sem as-
nas metamorfoses do mundo de hoje, mundo cendência migraram para o Japão. Cita-se o
este marcado pelo fundamento da sociedade caso da participante Nagasaki4, pois quando
do trabalho. Segundo Antunes (2007, p. 125), tomou a decisão de ir para o Japão em bus-
“[...] o trabalho mostra-se como momento ca de trabalho em um momento em que fora
fundante de realização do ser social, condi- considerado “a febre” de ir para o Japão, logo
ção para sua existência; é o ponto de partida no começo do movimento dekassegui, ain-
para a humanização do ser social e o ‘motor’ da não estava casada e para que o namora-
decisivo do processo de humanização do ho- do a acompanhasse teve que se casar para
mem [...]”. só então, como marido, pudesse preparar a
Nessa perspectiva, surge o trabalho como documentação para o embarque, mas por
forma de o sujeito intervir e modificar seu con- questões burocráticas não houve tempo hábil
texto social, que é determinado historicamen- para finalizar a documentação e ele só pode
te. Assim, estudar a mulher dekassegui, nos embarcar dias depois indo se encontrar com
faz estudar uma migração fundamentada na ela no país de destino.
sociedade do trabalho, ou seja, uma migração Como afirmado acima, a principal motiva-
fundamentada na necessidade da pessoa de ção que levou as participantes dessa pesqui-
buscar meios de sobrevivência num momen- sa a empreender o projeto de migração fora
to de plena crise socioeconômica e nas difi- em busca de trabalho e naquela época (final
culdades socioeconômicas apresentadas por de 1980 e início de 1990), o Brasil passava por
ela própria e por sua família. Sendo assim, foi uma crise econômica e política e o Japão por
essa necessidade em um contexto migrató- sua vez necessitava de mão de obra para exe-
rio que determinou que a mulher dekassegui cutar o trabalho fabril, atividade essa que os
saísse do território brasileiro para ir trabalhar nativos já não queriam mais exercer. Quando
no território japonês. Portanto, o movimen- perguntado à Nagasaki, por que havia decidi-
to dekassegui, ou seja, a ida de brasileiros e do ir para o Japão, considerando que estava
brasileiras para o Japão teve como principal empregada e ainda em fase de conclusão do
ponto a busca pelo trabalho produtivo que Ensino Médio:
________________
4
Os nomes das participantes da pesquisa apresentados neste artigo são fictícios para resguardo da identidade
das mulheres.
156
madas. Como diz Antunes (2007, p. 126): “A
Foi querer conseguir as coisas mais rápido!
força de trabalho torna-se, como tudo, uma
Porque dava a possibilidade de você adquirir
mercadoria, cuja finalidade vem a ser a pro-
mais rápido, não por eu não ter estudado. Eu
dução de mercadorias. O que deveria ser a
“tava” estudando, [...] ia fazer o terceiro! E daí
eu não fiz o terceiro [...] (Nagasaki). forma humana de realização do indivíduo re-
duz-se à única possibilidade de subsistência
Dessa forma, pode-se constatar que a mi- do despossuído”.
gração para o Japão apresenta-se de forma
diferenciada da migração para a Europa e Es- Mulheres dekasseguis e suas dificuldades
tados Unidos. Enquanto que, para esses dois no retorno ao Brasil
lugares, a migração é para o trabalho em ati-
vidades na área de serviços (garçons, cons- As mulheres brasileiras participantes des-
trução civil, serviço doméstico, entre outros), ta pesquisa são descendentes de japoneses,
a migração para o Japão apresenta-se como ou seja, todas são consideradas dekasseguis,
fruto de acordo entre Brasil e Japão e o tra- sendo que, entre elas, havia nisseis e sanseis.
balho é voltado para o setor fabril. Portanto, A maioria delas possui apenas o ensino fun-
podemos afirmar que a migração de mulhe- damental e somente uma tem curso superior
res brasileiras (descendentes de japonesas) completo. Dentre as entrevistadas, a maioria
se configura pelo trabalho fabril como forma das mulheres é casada, sendo que algumas já
de fugir à crise financeira que se instalava no estavam casadas antes de migrar e outras se
Brasil da época. Por outro lado, essa ida de casaram no Japão, tendo em média três filhos
dekasseguis para o Japão atendeu à neces- cada uma; somente duas são solteiras e resi-
sidade não só do trabalho em si; trabalhar no dem com suas famílias.
Japão naquele momento significava ascender O perfil etário das entrevistadas quando
a uma condição financeira que proporcionas- migraram para o Japão era de sete mulhe-
se ganhos de capital que no Brasil, demoraria res com idade de 15 a 30 anos e uma com 37
anos para conseguir. Havia, portanto, o sonho anos. Destaca-se que uma delas tinha 15 anos
da busca por melhores condições de vida na época da migração, ainda em formação
para si e sua família, sem, no entanto, saber escolar; ela abandonou seus estudos para in-
as reais condições que encontraria no país de gressar no sistema fabril japonês. Outras sete
destino. mulheres tinham de 46 a 55 anos. Observa-
É importante destacar que o migrante se que se tratava de um grupo relativamente
dekassegui, ao chegar ao Japão, se depara jovem na época da migração e que estava,
com um mercado de trabalho diferenciado portanto, em idade produtiva para o trabalho,
da realidade do mercado de trabalho brasilei- conforme destaca-se no Quadro abaixo:
ro, uma vez que a maioria dos trabalhadores
QUADRO 01 - Grupo de mulheres dekasseguis
estrangeiros é contratada temporariamente,
quanto à faixa etária
permitindo “maior flexibilidade na utilização
da mão-de-obra não qualificada” (KAWAMU-
RA, 2003, p. 108-109). Assim, atende-se à de-
manda de lucro do capital, uma vez que as
empresas se eximem de pagar encargos so-
ciais e ainda se proporcionam lucros às em-
presas intermediárias que se responsabilizam
por todo o processo de contratação, por meio
de contratos de trabalho precários, onde são
elencados mais deveres do que direitos para
os trabalhadores migrantes.
Ao migrar, essas mulheres dekasseguis par-
tem com o ideário de que o trabalho lá é “di-
Fonte: Francisca Bezerra de Souza, 2014.
ferente” do que elas têm aqui no país, mas
depara-se com condições de trabalho piores
O que ficou evidente na pesquisa foi a in-
que aquelas com as quais estavam acostu-
157
terrupção na vida das participantes da pes- ferente do que pensavam. Apesar de se ter a
quisa em relação ao projeto de formação “cara de japonês”, não se é japonês. Esse é o
profissional, pois essas mulheres deixaram de segundo fator de dificuldade, pois o migrante
estudar e construir uma carreira profissional torna-se um “estrangeiro” e sofre discrimina-
para migrarem em busca de sua sobrevivên- ção de várias formas ao ser taxado de “gaijin”
cia e a da família, com a esperança de busca (estrangeiro), chegando, inclusive, a situações
de melhoria em sua qualidade de vida. Como extremas em que se utilizam os meios de di-
demonstrado por Nagasaki quando afirmou vulgação em locais públicos para alertar que
que foi em busca de resultados financeiros há brasileiros chegando; em alguns casos, há
rápidos, mas estes nem sempre alcançados. fixação de cartazes com dizeres que sugerem
Em virtude do processo migratório para o tra- que os brasileiros são suspeitos ao adentra-
balho fabril, as dekasseguis interromperam os rem em lojas e supermercados.
estudos e com isso não se qualificaram o que, Nas fábricas, essa discriminação ocorre em
no retorno foi fator que dificultou a adapta- relação aos postos de trabalho e à capacidade
ção, pois inviabilizou a inserção no mercado dos trabalhadores brasileiros, que é colocada
de trabalho brasileiro. em questão. Apesar de os brasileiros serem
Infere-se que o sistema capitalista em um preferidos em detrimento de outros estran-
contexto globalizado cria a ilusão de que pelo geiros, por serem mais ágeis e assertivos no
trabalho se pode garantir o avanço qualitativo trabalho, isso faz surgir conflitos e disputas
nas condições sociais e econômicas de vida, entre os trabalhadores e gera, muitas vezes,
mas que nem sempre estes são alcançadas. O situações de agressividade no ambiente de
trabalhador sonha com oportunidades e com trabalho, chegando a situações em que o tra-
possibilidades de maior conforto e consumo balhador acaba por mudar de emprego e até
para sua família, mas o trabalho como ope- os casos em que perde o estímulo e adoece o
rário fabril não realiza esse sonho, tornando- que pode motivar o retorno.
se um processo ilusório de que sua força de Há também uma questão na cultura japo-
trabalho elevará suas condições de vida, mas nesa em que a mudança de status entre uma
permanece no trabalho repetitivo e sem a classe social e outra acontece, porém é mais
possibilidade de reflexão, portanto alienado, difícil, e o trabalhador brasileiro, ao ir para a
como afirma a participante Narita, quando fábrica, dificilmente irá ocupar um lugar que
relata que não havia espaço para pensar, pois não seja o do operário, podendo no máximo
o dono do capital exige que o trabalhador ocupar um cargo de mediador entre o patrão
seja produtivo e que não foi contratado para e os demais trabalhadores. Mesmo que vença
“pensar” e sim para “executar”. as dificuldades e resolva estudar para ter uma
Além da questão da superexploração do profissão, não conseguirá mudar de patamar,
trabalhador nas fábricas japonesas, há ainda pois o rótulo de “estrangeiro” o deixa marca-
outros fatores que dificultam à permanência do e inviabiliza sair da condição de operário
no território japonês, primeiro a dificuldade de de fábrica.
aprendizagem pelas características da língua Esse também é um diferencial na emigra-
japonesa e por não dominar fica refém dos in- ção de brasileiros para o Japão, em contras-
térpretes que as fábricas dispõem para fazer a te com a migração para outros países, como
mediação entre o dono da fábrica e o operário os Estados Unidos, por exemplo, em que os
estrangeiro e no retorno, se não for para apli- trabalhadores emigram para buscar trabalhos
car o aprendizado em algo específico, pouca que os nativos de lá também não querem fa-
utilidade terá no processo de readaptação ao zer. Muitos começam com serviços de aten-
Brasil. Assim, migrar para um território des- dimento ao público, babás, faxineiras, e, com
conhecido traz muitos medos e incertezas. o passar do tempo, vão agregando conheci-
Para os trabalhadores dekasseguis ao ir para mentos e passam eles mesmos a agenciar ou-
o Japão, o imaginário envolvia ir para a terra tros trabalhadores brasileiros; assim mudam
em que nasceram pais e avós, ou seja, ir para seu status, chegando a montar empresa e a
um local, de certa forma, já conhecido pelas tornar-se “donos” do próprio negócio no país
histórias que eles ouviam, mas os emigrantes de destino.
se depararam com um local totalmente di- Da mesma forma, no retorno, as condições
158
também são desconhecidas, pois o território pidos quando se migrou e ainda lidar com
brasileiro já não está mais como haviam dei- as vitórias desse tempo, mas também com
xado, as relações de trabalho se modificaram, as frustrações da realidade encontrada. São
as relações sócio familiares se fragilizaram, os frustrações que não se materializam somen-
amigos se mudaram ou buscaram outros ca- te com relação às questões familiares, mas
minhos e perdeu-se o contato, a família (fi- que igualmente têm a ver com a realidade do
lhos) já estão crescidos, relações matrimoniais país, supondo crise e conflito interiores viven-
foram desfeitas e os demais passaram esse ciados pelo migrante na contradição de estar
tempo de ausência ou cuidando dos filhos lá e estar aqui.
das dekasseguis e/ou administrando o di- Para Sayad (2002, p. 14), esse sentimento
nheiro enviado e será preciso fazer novos ar- de que se espera encontrar o grupo “no mes-
ranjos dessas relações na tentativa de se (re) mo estado” gera a decepção no retorno ao
adaptar e ter a vida de volta e se (re) apropriar constatar-se que o “tempo age sobre todos
do território de origem. os seus pares” e:
Observa-se nos depoimentos das partici-
pantes da pesquisa que, no tempo de perma- “Reencontrá”-lo como se nada tivesse aconte-
nência das mulheres dekasseguis no Japão, cido, como se nada o tivesse mudado durante
a ausência – é a ilusão da qual se alimenta a
a vida prosseguiu. Diversas foram às queixas nostalgia que tem, por contrário, a decepção
das entrevistadas com relação ao tempo que – e, sobretudo, como se ter partido por tan-
se passou e aos acontecimentos em torno do to tempo não houvesse mudado em nada o
histórico familiar. O migrar pode dar a com- emigrante que retorna, no fundo, não para
preensão à migrante de que o tempo estava reencontrar, como imagina, as coisas como
as tinha deixado, mas para se reencontrar a si
parado, pois o tempo se torna tempo do tra- mesmo, tal como era (ou acreditava ser) quan-
balho, que não para a fim de que se dê aten- do partiu.
ção aos fatos da vida; o tempo torna-se tra-
balho que se esvai, esquecendo-se a pessoa Dantas (2012, p. 116) chama atenção para
humana e transformando-se em coisificação difusão cultural e contato intercultural, sendo
da indústria capitalista. que a primeira ocorre via meios de comunica-
Fukuoka afirma que, ao retornar, percebeu ção, já o segundo, por meio do contato direto
a casa mais vazia, pois faleceram sua tia, seu com outra cultura: “Fica claro, portanto, que
pai e seu avô em um período de dois anos e o contato contínuo com outra cultura supõe
meio. Ela não conseguira compreender a pas- conflito, crise e uma posterior ‘adaptação’ ao
sagem dos momentos de família deixados novo ambiente cultural [...]”. Aponta-se tal
em prol do trabalho no Japão, percebendo- sentimento na ida ao Japão, mas contradi-
se que o momento que se gostaria de viven- toriamente também é esse o sentimento do
ciar é agora, o do passado: migrante no retorno ao Brasil.

Não, meu lugar não é aqui! Eu voltei o ano Então, você sair de tudo isso, para tudo! E vai
passado, em outubro [2011] [...] aí eu vi que não pra um lugar novo, vai pra um lugar diferente,
era aquilo, não é isso que eu quero. Eu quero foi um choque! Daí, chegando lá, mais compli-
ir embora... Eu quero voltar. Brasil já não está cações. Tudo novo. Você vai, anda assim, você
como antigamente! [...] Eu não acostumo mais ficava... Parece... Carro, igual parece que não
aqui! [...] Eu tava lá quando eles faleceram. Aí, tinha! Sai e você não conhece ninguém (Na-
agora que eu vim, eu senti falta. É, você chega goya).
aqui, a casa vazia... A sensação que você sente
é a casa vazia. [silêncio].
É um sentimento que se reproduz tanto
na ida para o Japão quanto no retorno para
Por conseguinte, o retorno ao Brasil signifi-
o Brasil, o que se denomina neste estudo de
cou para essas mulheres, uma reflexão sobre
“estranhamento”. Para as participantes da
o tempo passado longe da família. O tem-
pesquisa o trabalho no Japão é um trabalho
po não para o acontecer da vida cotidiana. A
“estranhado”, ou seja, o resultado do seu tra-
vida prossegue seu caminho, escrevendo as
balho [produto] é externo ao seu ser, isto é,
histórias pessoais de cada um. Refletir sobre
“não pertence ao seu ser, que ele não se afir-
o tempo não vivido junto aos seus significa
ma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se
também retomar alguns projetos interrom-
159
nele, que não se sente bem, mas infeliz, que Dessa forma, esse retorno é marcado por
não produz nenhuma energia física e espiritual incertezas e dúvidas, trazendo falas que re-
livre [...]”.(MARX, 2010, p. 82-83). Dessa forma, velam a insatisfação com a situação na qual
esse trabalho que é externo ao trabalhador encontraram o país de origem. Esses “estra-
se traduz em forma de sofrimento durante o nhamentos” são comuns por parte de brasi-
processo migratório e apresenta-se contradi- leiros que moraram em outros países e estão
tório, pois a busca do trabalho como fonte de relacionadas com sentimentos contraditórios
subsistência própria e da família apresenta-se contidos no processo migratório. A saudade e
como uma alternativa, mas também é sofri- a nostalgia do processo de partida e do pro-
mento, uma vez que, para isso, fora preciso cesso de chegada são, na verdade, sentimen-
sair temporariamente do seu território de ori- tos contraditórios que se impõem ao migran-
gem, deixar os filhos pequenos e passar por te. Ao mesmo tempo em que se quer ir, se
situações de privação para que pudesse acu- quer voltar e vice-versa, “estar lá e estar aqui”,
mular o máximo possível e, com isso, abre- sentimento que se confunde nas histórias de
viar a permanência de imigrante em territó- vida de migrantes, na necessidade para o tra-
rio estrangeiro. Esse sentimento se traduz na balho e nas relações afetivas de inclusão e
reflexão feita por Nagasaki, que diz que, nos exclusão que se impõem na dialética da vida
últimos 12 anos em que permaneceu no Ja- cotidiana.
pão, já tendo superado o desconforto inicial, Portanto, retornar não é uma decisão fácil,
vivia mais tranquilamente, pois aprendeu um pois envolve tanto esforço e vulnerabilidade
pouco da língua para se comunicar melhor e psíquica quanto na ida. Um luto será necessá-
passou a ter a vida mais tranquila, “normal”. rio para lidar com perdas que nem sempre es-
Nesse longo período vivido no país de des- tão claras para quem pensa em retornar e es-
tino, o aprendizado da língua, dos hábitos e pera encontrar as coisas do mesmo jeito que
costumes fez com que se sentisse adaptada as deixou no país de origem, como se o tem-
em relação ao trabalho, sistema de moradia e po tivesse congelado (UENO, 2012, p. 278).
de convivência social. Por outro lado, ao fazer Esse por certo é o maior desafio para o
a migração de retorno, Nagasaki revela sen- migrante que lida com um processo afetivo
timento de “estranhamento”, ao se espantar interno sobre o qual muitas vezes apresenta
com a cidade suja, violência e até no simples dificuldade de compreensão. Nesse sentido,
ato de ir ao supermercado onde compara e inevitavelmente, deparamo-nos com a ques-
diferencia a forma de atendimento e diz que tão da afetividade do migrante, a qual não
a vontade é de voltar novamente para o Ja- pode ser desconsiderada em todo o processo
pão. migratório, desde os motivos que envolvem
Pode-se inferir que por ter vivido por mais a emigração até o processo de adaptação no
tempo no país de destino, Nagasaki apresen- país de destino/acolhimento e o retorno ao
tou um maior “estranhamento” ao chegar ao país de origem.
país de origem, justamente por ter estabeleci-
do e consolidado novos laços de amizade no Mas é assim, eu acho que lá a gente fica... Sen-
país de destino, com as pessoas com quem te que a terra da gente é aqui mesmo... Não sei
se tem pessoa que sente que lá é a terra... Eu
convivia no cotidiano de trabalho e em outras sei que... Ah, o lugar da gente é lá, mas tam-
instâncias sociais (igreja, escola dos filhos, ou- bém tem tudo aqui, os filhos são daqui (Ogaki)
tros). Ao fazer a migração de retorno ao Brasil
e ao chegar “em casa”, se sente como “estran- A fala de Ogaki aponta esse sentimento
geira”: contraditório, mas também alerta para o mo-
tivo da migração – a necessidade de trabalho
O choque... Acho que o maior que você tem, –, afirmando que as relações contraditórias
na hora em que você chega, é a cultura, falta
de cultura, de educação brasileira. Eu me sinto também denotam os casos de desigualda-
melhor lá! As coisas mais banais que você acha de social expressos na necessidade de sub-
que não tem... Para os brasileiros que tão aqui, sistência mediante o trabalho. Nesse sentido,
sempre ficaram aqui, então acham: é normal! conforme nos diz Sawaia (2009, p. 98), “[...] a
Mas pra você, que viveu muito tempo fora, é afetividade nega a neutralidade das reflexões
um absurdo!
científicas sobre a desigualdade social, per-
160
mitindo que, sem que se perca o rigor teórico (2009, p. 102) diz que as emoções são fenô-
metodológico, mantenha-se viva a capacida- menos históricos cujo conteúdo e qualidade
de de se indignar diante da pobreza”. está sempre em constituição, como observa-
O que a autora nos coloca é que indagar mos nas histórias de vida de operárias e mi-
sobre o sofrimento e sobre a felicidade é su- grantes de retorno no caso das participantes
perar a concepção de que a operária dekas- desta pesquisa: “[...] Cada momento histórico
segui tem apenas a preocupação com a so- prioriza uma ou mais emoções como estraté-
brevivência; ao contrário; enquanto sujeito, gia de controle e coerção social [...]”.
constitui-se de outras necessidades inerentes
ao ser humano. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Nagasaki, que permaneceu por duas
décadas no Japão, os primeiros tempos vivi- Esse retorno involuntário tem gerado difi-
dos no país de destino eram do trabalho para culdades, pois muitos não têm dinheiro para
casa e de casa para o trabalho, pois o traba- retornar e têm que contar com a ajuda da fa-
lho extenuante e os problemas de adaptação mília. Ao chegar ao Brasil, buscam se inserir no
geravam um cansaço físico e mental que a mercado de trabalho, mas a remuneração é
impedia de fazer qualquer outra atividade. Os bem menor do que a que possuíam no Japão,
finais de semana eram reservados para falar onde recebiam em torno de dois mil dólares
com a família no Brasil, momentos marcados por mês. Como resultado, observa-se uma
por uma grande carga emocional, uma vez diminuição no padrão de vida dessa popula-
que falar com família trazia a tona os signifi- ção, gerando desconforto tanto físico quanto
cados da vida e convivência com a família no emocional devido à dificuldade de adaptar-
Brasil e todo sofrimento potencializado pelas se à realidade brasileira.
saudades, rotina estressante e a vontade de Espera-se que este estudo contribua para
largar tudo e retornar, fazendo com que, nes- a formulação de políticas públicas que con-
ses momentos, se gastasse mais tempo cho- tribuam com as participantes da pesquisa e
rando de ambos os lados. as mulheres dekasseguis para que possam
Os depoimentos extrapolaram a esfera do encontrar “seu lugar de volta” no país, não da
universo das participantes da pesquisa, pois forma como o deixaram, pois as pessoas mu-
durante o processo exploratório recebemos dam e os lugares se modificam, mas que pos-
o depoimento de um profissional do atendi- sam encontrar trabalho; que possam ver seus
mento de Política Pública de Assistência So- filhos, nascidos no Japão ou não, crescerem,
cial do município de Campo Grande, MS, que estudarem e terem um futuro com o qual so-
relatou ter atendido uma mãe que retornou nharam; que possam conviver com seus ami-
do Japão com dois filhos pequenos, sendo gos e novos amigos e familiares e que possam
que o filho de 13 anos tem apresentado sinto- viver no Brasil, pois é o lugar que escolheram
mas que estão interferindo na sua vida fami- para “viver o restante da vida”.
liar, escolar e social. Ele demonstra dificulda-
des de adaptação; em decorrência disso, vem REFERÊNCIAS
apresentado “enurese noturna”. Para Sawaia
(2009, p. 98), essas reflexões nos trazem: ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: ensaios
sobre as metamorfoses e a centralidade do
[...] a ideia de humanidade e como temática mundo do trabalho. 12. ed. São Paulo: Cortez,
o sujeito e a maneira como se relaciona com 2007.
o social (família, trabalho, lazer e sociedade),
de forma que, ao falar de exclusão, fala-se de
desejo, temporalidade e de afetividade, ao BALDIN, N.; MUNHOZ, E. M. B. (2011) Sno-
mesmo tempo de poder, de economia e de wball (bola de neve): uma técnica metodoló-
direitos sociais. gica para pesquisa em educação ambiental
comunitária. In: CONGRESSO NACIONAL DE
Essa reflexão é baseada em Agnes Heller, fi- EDUCAÇÃO, 10., SEMINÁRIO INTERNACIO-
lósofa neomarxista da escola de Budapeste, a NAL DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, SUB-
qual nos diz que sofrimento é a dor mediada JETIVIDADE E EDUCAÇÃO, 1., 2011, Curiti-
pelas injustiças sociais. Nesse sentido, Sawaia ba. Anais... Curitiba: Pontifícia Universidade
161
Católica do Paraná, p. 329-341. Disponível _______. Território e sociedade: entrevis-
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162
MULHER, FAMÍLIA E TERRITÓRIO: UM ESTUDO
DE ACESSO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS

Michele Terumi Yassuda


Aluna do Programa de Mestrado em
Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
ymichele_40@hotmail.com

Profa. Dra. Luciane Pinho de Almeida


Programa de Mestrado e Doutorado em
Psicologia
Universidade Católica Dom Bosco
luciane@ucdb.br

RESUMO
O presente artigo é resultado de um trabalho de pesquisa e intervenção sobre
família, território e a importância da mulher. Portanto, este trabalho propõe dis-
cutir ações de empoderamento das famílias e da mulher, bem como, a observa-
ção do cotidiano e das relações sociais que a cercam. Espaço este, de inserções
aos limites e possibilidades de enfrentamentos das desigualdades sociais pre-
sentes no território. Nesse sentido, argumentamos que apesar da família con-
temporânea ter mudado a sua composição e a mulher ainda figura com muita
importância no âmbito das relações sociais travadas nesse meio. Os resultados
desse trabalho apontam práticas e ações concretas vinculadas à implementa-
ção de políticas públicas brasileiras centradas na família e na importância da
mulher. Também denota a demanda excludente da sociedade que se traduz em
indicadores de precarização das relações de trabalho, as quais a pobreza é com-
preendida no âmbito das desigualdades sociais, como também na importância
do protagonismo da mulher no contexto familiar. Portanto, estudar as diversas
questões sociais inerentes à questão da família e o papel da mulher em situação
de vulnerabilidade é importante na medida em que possamos buscar alternati-
vas para enfrentamentos no âmbito da desigualdade social e de gênero.

Palavras-chave: Mulher, Família, Políticas Públicas, Território.

ABSTRACT
This article is the result of a research paper and intervention on family, territory
and the importance of women. Therefore, this paper aims to discuss empower-
ment actions of families and women, as well as the observation of everyday life
and social relations that surround it. This space inserts the limits and possibilities
of fighting social inequalities present in the territory. In this sense, we argue that
the contemporary family changed its composition and the woman still figure
with great importance in the social relationships established in the interim. The
findings point to practical and concrete actions related to the Brazilian public
policies’ implementation focused on the family and the women’s importance.
Also denotes the exclusive society’s demands which translates into precarious
indicators of labor relations, which poverty is understood in the context of so-
cial inequalities, as well as the importance of women’s role in the family context.
Therefore, studying the various social issues related to the question of the family
and the role of women in vulnerable situations is important in that we can find
alternatives to fighting in social and gender inequality.

Keywords: Women, Family, Public Policy, Territory.


163
INTRODUÇÃO

P
ara falar de família hoje, precisa-se melhor para todos.
compreender que este é um concei- Este artigo relata uma pesquisa aliada à
to histórico e socialmente construído, intervenção para o fortalecimento de víncu-
que expressa valores e contradições los junto às famílias atendidas na Instituição
presentes na sociedade atual. Pode-se então “Casa Dom Bosco”, localizada na região do
afirmar que hoje são muitas as configurações Bairro Taquaral Bosque e adjacentes da cida-
da família nos dias atuais, pois não existe um de de Campo Grande-MS. Para a realização
único modelo familiar, mas vários tipos de or- deste trabalho necessitou-se inicialmente da
ganização que se configuram como família. construção de um diagnóstico social sobre a
Desse modo, compreende-se que este não realidade vivenciada por essas famílias. Ob-
pode ser considerado um conceito único e servou-se que essa população apresentava
imutável, pois é resultado de processos histó- uma grande precarização nas relações de tra-
ricos que se modificam ao longo dos tempos. balho e pouca qualificação profissional para a
“No entanto, o que não pode ser negado é a disputa a uma vaga no mercado de trabalho
importância da família tanto ao nível das rela- formal. Portanto, a partir da realidade iden-
ções sociais, nas quais ela se inscreve, quanto tificada propôs-se um trabalho comunitário
ao nível da vida emocional de seus membros” visando o empoderamento dessas famílias
(REIS, 1989, p. 99). através de atividades de geração de renda e
Por outro lado, compreende-se que a famí- fortalecimento de vínculos familiares e sociais.
lia vive o tempo presente com todas as suas Este trabalho de intervenção propôs a partici-
intempéries e é, neste sentido, que se situa pação contínua em reuniões que promoviam
inúmeras famílias que passam pelas condi- a discussão das problemáticas sociais viven-
ções impostas pelo capitalismo, vivendo as- ciadas por essas famílias e possíveis propos-
sim em constante luta pela sua sobrevivên- tas para melhoria em sua qualidade de vida,
cia, as quais compreende-se o alto índice de assim permitiu-se o reconhecimento de pro-
desemprego, a precarização das relações de blemáticas comuns e de possíveis soluções a
trabalho, a pobreza, situações estas com- estas.
preendidas como extensão das desigualda- Nesse sentido, no campo das políticas so-
des sociais permanentes. A condição de vul- ciais de promoção e da proteção social, o ter-
nerabilidade dessas famílias é marcada por ritório é entendido como um campo articu-
ciclos contínuos de angústias e insatisfações lador e dinâmico, pois, traz em sua realidade
que anseiam uma mudança na qualidade e o diagnóstico das relações sociais contidas
condição de vida. Nesse sentido, famílias em nos ambientes de vivência e convivência das
situação de pobreza vivenciam cotidianos de famílias, o que se configura em demandas
sofrimentos, angústias e limitações diversas. coletivas. Com um longo itinerário as famílias
Desse modo, é necessário entender que a fa- lutam para minimizar, as “problemáticas” tra-
mília apresenta-se como espaço de interven- zidas e confrontadas neste processo de trans-
ção necessária para o empoderamento de formação em seu cotidiano, porém é relevan-
seus membros, a fim de transformar os limites te a constatação de que nem sempre obtém
impostos pelo capitalismo em enfrentamen- sucesso em suas lutas diárias, sendo necessá-
tos conscientes para buscar melhores condi- rio apoio à busca de alternativas de enfrenta-
ções de vida. mento às condições de subalternidade.
A família pobre, portanto, encontra-se dire-
tamente ligada à miséria estrutural, agravada O Território da Comunidade Taquaral Bos-
não só pela crise econômica que lança coti- que e a Instituição Casa Dom Bosco
dianamente seus membros ao desemprego
ou subemprego, e assim é necessário que A Casa Dom Bosco foi inaugurada no dia
sejam fortalecidas numa significativa partici- 21 de fevereiro de 1989 na cidade de Cam-
pação societária para a busca de um mundo po Grande – Mato Grosso do Sul. O trabalho
164
dessa Instituição procura contribuir de forma priação desse espaço físico dentro da cidade
significativa na intervenção socioassistencial, tomam parte os vários segmentos sociais que
acumulam investimentos e trabalhos mate-
socioeducativa, sociocultural, a partir da pe- rializados nos sistemas de objetivos e lugares.
dagogia de Dom Bosco1. Sendo assim, o produto de ações coletivas, o
Após concluir um levantamento sobre a si- território de uma cidade explicita a diversida-
tuação social de alguns bairros da cidade de de que marca esse coletivo. O conhecimento
Campo Grande, realizado pela Missão Sa- sobre o território será mais rico se for construí-
do incorporando a contribuição da coletivi-
lesiana de Mato Grosso, concluiu-se que os dade que ali vive o dia-a-dia dos problemas
Bairros Taquaral Bosque, Danúbio Azul, Bos- e benefícios existentes. [...] Delimitando terri-
que da Esperança, Futurista e Bosque do Car- tório, este é a porção do espaço geográfico
valho, ofereciam uma realidade de risco para definido por relações sociais e políticas, é im-
as crianças e adolescentes. Com base neste portante condição de poder. Seu adensamen-
to num espaço próprio e controlado, somado
estudo criou-se a Casa Dom Bosco para ofe- à aceleração de sua mobilidade nas áreas de
recer atendimento socioeducativo à crianças fronteira, resulta num aprendizado social que
e adolescentes que encontravam-se em si- se manifesta em novas formas de resistên-
tuação de vulnerabilidade e risco social. cia organizada. O território pode ser definido
A Casa Dom Bosco está localizada ao Leste geograficamente como o espaço concreto em
si, com seus atributos naturais e socialmente
do Município de Campo Grande na região do construídos, que é apropriado e ocupado por
Prosa, ao Sudeste do Bairro Carandá Bosque um grupo social. A definição de um território é
III e tem como limite os bairros Jardim Estrela um fato gerador de raízes e de identidade cul-
Dalva I, II, III e Taquaral Bosque. tural em um grupo social. Na realidade, uma
comunidade não pode ser compreendida sem
Mapa de Regiões de Campo Grande-MS e suas sub- o seu território. “Pois a identidade sócio-cul-
divisões tural das pessoas está ligada ao espaço con-
creto”.

Definido o território para a implantação


da Casa Dom Bosco, esta foi inaugurada em
2002, com a construção de um prédio para
ser a sua sede. O objetivo do trabalho da Casa
Dom Bosco pauta-se no atendimento sócio
-educativo com atividades no contraturno
escolar.
De acordo com pesquisa realizada em 2004
sobre o perfil das famílias atendidas pela
Casa Dom Bosco constatou-se que o tama-
nho dessas famílias era relativamente grande,
Fonte: SEMADUR – Secretaria Municipal de Meio Am- pois cerca de 45% delas possuíam de 05 a 08
biente e Desenvolvimento membros, considerado um número expressi-
Urbano, Campo Grande – MS, 2015. vo frente à quantidade de membros das fa-
mílias atuais. Nesse contexto, apontou-se que
Pensar o bairro e a região, o qual se vai ini- 60,6% eram de famílias que eram compostas
ciar um trabalho comunitário é importante, na por pai, mãe e filhos; 19,8% eram compostas
medida em que o território expressa e con- por famílias reconstruídas; 9,8% eram de fa-
grega a comunidade e as diversas expressões mílias extensas compostas também por ne-
e relações travadas naquele espaço social. tos, avós, tios, enteados e outros parentes e
Segundo o Guia de Gestão (2003, p. 14): por fim, 9,8% eram provenientes de famílias
mono parentais chefiadas por mulheres. O
O território é o “produto social constituído co- que leva a constatar que essas famílias eram
letivamente”, o processo de produção e apro-

1
Dom Bosco, SDB, foi um sacerdote católico italiano, fundador da Pia Sociedade São Francisco de Sales e
proclamado santo em 1934. Nasceu João Melchior Bosco e foi aclamado por São João Paulo II como o “Pai e
Mestre da Juventude”.
165
pobres e sobreviviam com dificuldades. a face mais cruel da disparidade econômica e
A renda familiar desta população encon- da desigualdade social, resultando num esta-
trava-se entre 01 a 02 salários mínimos o do de privação de direitos que atinge a todos
que correspondia a cerca de 60% das famí- de forma muito profunda, à medida que pro-
lias atendidas, 28% das famílias possuíam um duz a banalização de sentimentos, dos afe-
rendimento acima de dois salários mínimos e tos e dos vínculos sociofamiliares. As famílias
outras 12% das famílias sobreviviam com ren- buscam assim estratégias de sobrevivência
dimento abaixo de 01 salário mínimo. Anali- para que possam minimizar suas necessida-
sou-se que o salário em sua maioria era baixo des, desde a melhoria da qualidade de vida e
e o nível de escolaridade dos pais igualmen- até mesmo alternativas de superação.
te deficitário o que os impedia de obter uma Segundo o Guia de Gestão (2003, p. 8-11), a
qualificação profissional, consequentemente, pobreza tem várias manifestações, incluindo
restavam para eles os empregos com bai- falta de renda e recursos produtivos suficien-
xa remuneração. Assim, quanto à ocupação tes para garantir uma vida sustentável, geran-
do chefe de família, a pesquisa realizada em do fome e desnutrição, saúde precária, aces-
2004, demonstrou que os trabalhos mais ci- so limitado ou inexistente à educação e ou-
tados eram de pedreiro, auxiliar de pedreiro, tros serviços básicos, aumento da morbidade
serviços gerais, auxiliar de mecânico, diarista, e mortalidade por doença, falta de moradia
empregada doméstica e marceneiro. Confor- ou moradia inadequada, ambientes não se-
me já citado, concluiu-se que a maioria dos guros, discriminação risco e exclusão social. A
chefes de família possuía um baixo nível es- pobreza é caracterizada também pela falta de
colar: 60% possuem o ensino fundamental participação no processo decisório e na vida
incompleto (até a 4ª série), 15% estudaram social e cultural. O enfoque ao enfrentamento
até a 8ª série, 10% possuíam o ensino médio na dimensão da pobreza aponta para alterna-
completo e somente 3% estavam cursando o tiva de inclusão social, o que permite o acesso
ensino superior, sendo esse último item com- ao desenvolvimento sustentável e valorização
posto apenas por mulheres. do trabalho humano. Assim, compreendem
Diante desse contexto, analisa-se que essas de forma ampla e articulada diversas ma-
famílias não podiam oferecer momentos de neiras de práticas econômicas e sociais para
lazer para seus filhos e o próprio bairro onde fortalecer a busca das condições suficientes
moram não oferece condições de lazer dig- e necessárias para a transformação em sujei-
nas. Assim, a pesquisa demonstrou que era tos autônomos e participantes dos processos
necessário desenvolver um trabalho que pu- decisórios de sua própria vida e um dos cami-
desse empoderar as famílias atendidas para nhos para se realizar tal trabalho é a família.
a efetiva melhoria da qualidade de vida da Conforme Barbosa e Ramos (2008, p. 278),
comunidade local. Desse modo, a Casa Dom “numa concepção de Política Social cuja cen-
Bosco deveria assumir um trabalho de atendi- tralidade é a família, o caminho norteador é
mento e garantia de direitos que extrapolasse trabalhar com ela no sentido de obter me-
o atendimento socioeducativo realizado com lhoria de sua qualidade de vida pelo acesso
as crianças atingindo as famílias destas, a fim a bens e serviços sociais, e pela participação
de buscar uma transformação societária. social”. Portanto, atualmente a família está no
centro das políticas de proteção social, mas
A Centralidade da Família no âmbito das ainda são insuficientes os Programas e Pro-
Políticas Públicas jetos brasileiros dirigidos ao atendimento das
demandas familiares, entretanto, a família
A família tem sido percebida como base não pode ser vista apenas como estratégia
estratégica para a condução de políticas pú- dessas políticas. É necessário que as iniciati-
blicas, especialmente àquelas voltadas para vas sejam dirigidas para o fortalecimento das
o combate às várias realidades de pobreza competências familiares, sem as quais dificil-
e exclusão. As demandas são urgentes, pois mente as políticas não terão êxito.
a configuração de pobreza é permeada de Importante ressaltar que a mulher é figura
muitas carências e não só pelo corte de ren- fundamental na constituição da família, mui-
da. A questão da família pobre aparece como tas vezes é ela a responsável pelo sustento da
166
casa e dos filhos. A figura da mulher constitui zam os conflitos sociais e confronta-se com a
base central para todo e qualquer trabalho universalidade das políticas sociais públicas.
Ao mesmo tempo, pelo caráter civilizatório
direcionado à família. presente na consagração de direitos sociais,
A Casa Dom Bosco, não só se utiliza do Mé- a LOAS exige que as provisões assistenciais
todo Pedagógico de Dom Bosco2, mas agre- sejam prioritariamente pensadas no âmbito
ga valores e conhecimento de forma reflexiva das garantias de cidadania sob vigilância do
e dinâmica com enfoque nas Políticas So- Estado, cabendo a este a universalização da
cobertura e garantia de direitos e de acesso
ciais/setoriais e na apresentação dos referen- para esses serviços, programas e projetos sob
tes legais, da Constituição Federal de 1988, do sua responsabilidade.
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(Lei Federal n. 8.069/90) e da Lei Orgânica Sem dúvida, uma mudança substantiva na
da Assistência Social – LOAS (Lei no âmbito concepção da Assistência Social, permite um
da Seguridade Social e Regulamentação em avanço, sua passagem do assistencialismo e
Dez/1993), da Política Nacional de Assistência de sua tradição de não-política para o cam-
Social – PNAS nº. 145 (Aprovada pelo Con- po da política pública. E como Política de Es-
selho Nacional de Assistência Social – CNAS tado passa a ser um espaço para a defesa e
Nov./2004) que atribui Sistema Único de As- atenção dos interesses e necessidades sociais
sistência Social – SUAS o marco inicial na se- dos segmentos mais empobrecidos da socie-
quência e aprovação da NOB – Norma Opera- dade, configurando-se também como estra-
cional Básica (15/07/2005), Norma Operacio- tégia fundamental no combate à pobreza, à
nal Básica de Recursos Humanos do Sistema discriminação e à subalternidade econômica,
Único de Assistência Social – NOBRH/SUAS cultural e política em que vive grande parte
(Resolução de nº. 269 de 13/12/2006). da população brasileira, bem como, atendam
O desenvolvimento dessas políticas tem às necessidades emergentes ou permanentes
início com a Constituição Federativa Brasileira decorrentes de problemas pessoais ou sociais
de 1988, a qual dá início à construção de uma de seus usuários.
nova matriz para a Assistência Social Brasilei- Nesse sentido, pode-se afirmar que a LOAS
ra, nos anos recentes intensifica-se para esta estabelece uma nova matriz para a Assistên-
política de direitos os desafios de um tempo cia Social Brasileira iniciando um processo
incerto, de mudanças aceleradas e transfor- que tem como perspectiva torná-la visível
mações na política (Paoli, 2002, p. 15). como política pública e direito dos que dela
Assim, com a Constituição da Repúbli- necessitam. A inserção na seguridade aponta
ca Federativa do Brasil de 1988, tem início a também para seu caráter de política de pro-
construção de uma nova concepção para a teção social articulada a outras políticas do
Assistência Social Brasileira, incluída no âm- campo social voltadas para a garantia de di-
bito da Seguridade Social e regulamentada reitos e de condições dignas de vida. Desse
pela LOAS. Como Política Social Pública, a modo, a Assistência Social configura-se como
assistência social inicia seu trânsito para um possibilidade de reconhecimento público da
campo novo, o campo dos direitos, da univer- legitimidade das demandas de seus usuários
salização dos acessos e da responsabilidade e espaços de ampliação de seu protagonis-
estadual. mo.
Para Couto (2013, p.43): Contudo, a Resolução de n. 109, de 11 de
Novembro de 2009, publicada pelo Diário
Nos anos 1990, a somatória de extorsões que
Oficial da União (República Federativa do
configurou um novo perfil para a questão
social brasileira, particularmente pela via da Brasil – Imprensa Nacional), aprova a Tipifica-
vulnerabilização do trabalho, convive com a ção Nacional de Serviços Socioassistenciais.
erosão do sistema público de garantias e pro- Também fazem parte da Política Nacional
teções sociais e com a emergência de “mo- de Assistência Social, Instituições de atendi-
dernas” práticas filantrópicas que despoliti-

2
O Método pedagógico, educativo de Dom Bosco caracteriza-se pela presença amorável e solidária em meio
aos jovens; pela aceitação incondicional de cada jovem e o encontro pessoal; pelo critério do Sistema Preventi-
vo por meio do qual se busca desenvolver os recursos da razão, da religião e da bondade (amorevolezza) e pela
criação de um ambiente positivo entre educadores e educandos. (Castro, 2007, p. 16; 27)
167
mento e defesa na garantia de direitos como de garantias ou seguranças que cubram, re-
as ONG’s, nesse sentido as ações e serviços duzam ou previnam exclusões, riscos e vul-
da Instituição Casa Dom Bosco encontram- nerabilidades sociais” (SPOSATI, 1995, p. 26),
se enquadradas na Proteção Social Básica, bem como, atendam às necessidades emer-
pois suas ações são voltadas, basicamente, gentes ou permanentes decorrentes de pro-
para o fortalecimento dos vínculos familiares blemas pessoais ou sociais de seus usuários.
e comunitários, visando integrar as ações so- O trabalho social na Casa Dom Bosco
cioasssistenciais, nos serviços de convivência abrange várias frentes, por esse motivo, além
e fortalecimento de vínculos (BRASIL, 2009, p. de conhecer a realidade onde se insere deve
9-10) que de forma geral descreve esses ser- também possuir condições adequadas para
viços como: uma visão além daquilo que se vê, saber tra-
balhar com as muitas facetas das expressões
Serviços realizados em grupos, organiza- sociais, com trabalhos interdisciplinares e
do a partir de percursos, de modo a garantir multiprofissionais na prática do cotidiano.
aquisições progressivas aos seus usuários, de
acordo com o seu ciclo da vida, a fim de com- Como a Instituição oferece o trabalho in-
plementar o trabalho social com as famílias terdisciplinar e multiprofissional é possível re-
e prevenir a ocorrência de situações de risco pensar a ação partindo de um referencial teó-
social. Forma de intervenção social planeja- rico experimental na prática e superação das
da que cria situações desafiadoras, estimula e injustiças sociais acometidas às famílias que
orienta os usuários na construção e reconstru-
ção de suas histórias e vivências individuais e são acompanhadas. Assim, a Casa Dom Bos-
coletivas, na família e no território. [...] Orga- co desenvolve um importante trabalho com a
niza-se de modo a ampliar trocas culturais e comunidade do Bairro Taquaral Bosque rea-
de vivências, desenvolverem o sentimento de lizando atendimento, acompanhamento às
pertença e de identidade, fortalecer vínculos famílias vinculadas à Instituição.
familiares e incentivar a socialização e a convi-
vência comunitária. Possui caráter preventivo
e proativo, pautado na defesa e afirmação dos A importância do protagonismo das famí-
direitos e no desenvolvimento de capacidades lias do Bairro Taquaral Bosque
e potencialidades, com vistas ao alcance de
alternativas emancipatórias para o enfrenta- O protagonismo das famílias perpassa a
mento da vulnerabilidade social. [...] Deve pre-
dimensão de superação da condição de po-
ver o desenvolvimento de ações intergeracio-
nais e a heterogeneidade na composição dosbreza, que permite uma autonomia em rela-
grupos por sexo, presença de pessoas com ção a sua vulnerabilidade, cujas referências e
deficiência, etnia, raça entre outros. [...] Possui
perspectivas se caracterizam pelo fortaleci-
articulação com Serviço de Proteção e Aten-
mento e vínculos familiares e comunitários. A
dimento Integral à Família - PAIF, de modo
a promover o atendimento das famílias dos centralidade da família é focada nas ações do
Estado e toda a sociedade. Portanto, a par-
usuários destes serviços, garantindo a matri-
tir da pesquisa realizada em 2004, buscou-se
cialidade sociofamiliar da política de assistên-
cia social. um trabalho interventivo junto às famílias do
Bairro Taquaral Bosque focado na geração
Sendo assim, a Casa Dom Bosco, é também de renda e inclusão social destas, buscando
instituição de desenvolvimento de política beneficiar as pessoas que se encontravam ex-
pública de atendimento e constitui-se espa- cluídas do mercado de trabalho procurando
ço para a defesa e atenção dos interesses e melhorar a condição socioeconômica de seus
necessidades sociais dos segmentos mais membros.
empobrecidos da sociedade juntamente com
outras Instituições que realizam o trabalho Na medida em que esta classe excluída,
vinculado a assistência social, configurando- conquista e ganha seus espaços, as melhorias
se também como estratégia fundamental no surgem como modo alternativo de sobrevi-
vência, gerando a emancipação, protagonis-
combate à pobreza, à discriminação e à su- mo, dignidade, possibilidade e a modifica-
balternidade econômica, cultural e política ção no acreditar que são capazes de serem
em que vive grande parte da população bra- agentes transformadores do mundo (SINGER,
sileira. Assim, “cabe à Assistência Social ações 2003, p. 13).
de prevenção e provimento de um conjunto
168
A geração de renda desenvolve ações vol-
tadas ao fortalecimento de vínculos familia- O autoemprego ou a auto-ocupação é
res e/ou comunitários, para incorporar não só uma situação na qual o trabalhador fornece a
si próprio seu equipamento, participa direta-
conhecimento/habilidade para geração de mente da atividade produtiva, sua renda não
renda, mas orientação e apoio socioeducati- é previamente definida, seu objetivo primor-
vo que levem atitudes voltadas à melhoria da dial é prover seu próprio trabalho (meio de
qualidade de vida, visando à emancipação, subsistência) e não valorizar seu capital (acu-
protagonismo e a inclusão social das famílias mulação de capital). É uma forma de produzir
não tipicamente capitalista (não está baseada
em seu território de vivência. no assalariamento e na taxa de lucro). É uma
Assim, a partir das demandas societárias situação de trabalho na qual o trabalhador in-
identificadas na pesquisa que levantou o dependente controla seu processo de traba-
diagnóstico das famílias atendidas pela Casa lho (BRASIL, 2008, p. 30).
Dom Bosco observou-se a necessidade da
realização de um trabalho que contribuísse Para o desenvolvimento do Projeto “Gera-
na capacitação produtiva das mulheres que ção de Renda com famílias do Bairro Taqua-
compunham essas famílias, pois muitas não ral Bosque” foram efetivadas parcerias com
tinham uma oportunidade de aprenderem profissionais ministrantes de diversas áreas
um trabalho que pudessem desenvolver em do saber, possibilitando novos aprendizados
suas casas. Também a partir do diagnóstico às famílias participantes. Foram disponibili-
realizado percebeu-se que muitas famílias zadas gratuitamente à comunidade oficinas
executavam pequenos trabalhos manuais voltadas para a arte em trabalhos manuais,
para aumentar a renda familiar, desse modo, arte culinária, oficinas de negócio, cursos de
decidiu-se implantar um trabalho de incenti- informatização entre outros, proporcionando
vo à geração de renda e que pudesse contri- a obtenção de novas habilidades e conheci-
buir na implementação desses trabalhos con- mentos para reinserção no mercado de tra-
tribuindo para o seu fortalecimento ou cria- balho e/ou a possibilidade de criação e pro-
ção de novos meios de subsistência. dução de um negócio realizado em família,
buscando assim o associativismo e a coope-
A geração de trabalho e renda (GTR) com- ração entre a comunidade local. Desse modo,
preende a criação de novas e pequenas uni- a finalidade deste projeto de intervenção foi
dades produtivas ou a expansão das já exis-
tentes. Significa estimular ou permitir que as a de proporcionar condições para que as fa-
pessoas iniciem negócios próprios dirigidos ao mílias adquirissem conhecimentos e habilida-
mercado de forma cooperada, associada ou des buscando a autonomia e o fomento ao
individualmente. Significa também a geração empreendedorismo individual e coletivo das
de atividade econômica, por meio de peque- famílias.
nos negócios individuais ou em associação/
cooperação. (BRASIL, 2008, p. 23). Esse olhar propõe que os empreendimentos
solidários não favoreçam somente a susten-
A proposta do desenvolvimento de um tra- tabilidade de produção, mas o sucesso para
balho de geração de renda tinha então por a sua autonomia o que traduz em um enten-
objetivo principal o de proporcionar oportu- dimento amplo de significados de alcance
nidade de ingresso no mercado de trabalho social promovendo de forma continuada os
informal em condições competitivas de pro- benefícios geradores para as famílias. O pro-
dução e venda dos produtos. tagonismo e o empoderamento das famílias
Para o desenvolvimento de grupos de ge- favoreceram o fortalecimento e a participa-
ração de renda foram elaboradas atividades ção destas enquanto cidadãos, promovendo
que aproximassem a família com a Instituição uma maior sustentabilidade destas famílias
“Casa Dom Bosco” para assim fortalecer seu desenvolvendo o capital humano articulador
enfrentamento à pobreza buscando subsidiar através de suas habilidades e competência.
esta população com iniciativas e meios, de A Política Nacional de Assistência Social re-
forma a garantir sua emancipação e a capa- conhece a importância da família na vida so-
cidade de subsistência, elevando assim, sua cial e, portanto, esta deve ser merecedora da
qualidade de vida e toda sua organização so- proteção do Estado. Tal proteção tem sido
cial. cada vez mais discutida, na medida em que a
169
realidade tem dado sinais cada vez mais evi- bém foram enviados bilhetes informativos
dentes de processos de penalização e des- pelas crianças atendidas pela Casa Dom Bos-
proteção das famílias brasileiras. Nesse con- co. Considerando o amadurecido do grupo
texto, a matricialidade sócio-familiar passa a executor deste trabalho, e ganhado espaço e
ter papel de destaque no âmbito da Política visibilidade na comunidade foi possível obter
Nacional de Assistência Social – PNAS. Esta maiores resultados desse trabalho.
ênfase está ancorada na premissa de que a A Casa Dom Bosco disponibilizava todo o
centralidade da família e a superação da fo- material necessário para a realização da ofi-
calização, no âmbito da Política de Assistência cina e a produção fruto de cada oficina era
Social, repousam no pressuposto de que para dividida entre os participantes, os quais po-
a família prevenir, proteger, promover e incluir diam levar para suas casas os resultados de
seus membros é necessário, em primeiro lu- seus trabalhos. Além do Projeto que visava
gar, garantir condições de sustentabilidade à geração de renda, ofereceu-se outros dois
para tal. Nesse sentido, a formulação da po- projetos para adultos e adolescentes, um vol-
lítica de Assistência Social é pautada nas ne- tado para a alfabetização de adultos, pois
cessidades das famílias, seus membros e dos foi identificado que muitas mulheres partici-
indivíduos (PNAS, 2004, p. 35). pantes do Projeto Geração de Renda não sa-
Portanto, atender às diretrizes da Políti- biam ler e escrever e outro para um desen-
ca Nacional de Assistência Social e atuar em volvimento socioeducativo com jovens de 14
conformidade com as orientações do SUAS a 18 anos, pois tratava-se de um público que
elege como prioridade para suas ações a fa- não é atendido pela Casa Dom Bosco, pois
mília, entendendo que não é possível desen- seu atendimento direciona-se para crianças e
volver um bom trabalho para as crianças e adolescentes de 06 a 14 anos.
para os adolescentes se sua família não es- A adesão da comunidade para com os Pro-
tiver com as suas necessidades atendidas. A jetos de Geração de Renda, Alfabetização de
intervenção da Casa Dom Bosco no território Adultos e Trabalho Socioeducativo com Jo-
teve como referência um processo através do vens foi considerada bastante significativa.
qual as famílias atendidas sejam ajudadas no Desse modo, o trabalho desenvolvido resul-
desenvolvimento e promoção de suas capa- tou numa melhoria das relações de vínculos
cidades no exercício e desempenho de seus afetivos - familiares.
papéis sociais. Partindo da constatação de que a família
tem sido percebida como base estratégica
Acredita-se que qualquer estratégia que bus- para a condução de políticas públicas, espe-
que a superação da pobreza passa necessaria- cialmente àquelas voltadas para o comba-
mente pelas pessoas, e que para desenvolver
estratégias sustentáveis e afetivas é necessário te às várias realidades de pobreza, exclusão,
alterar tais condições limitadoras, investir no compreende-se que deve haver prioridade
empoderamento das pessoas, no desenvolvi- no atendimento à família concebendo-a a
mento de sua autonomia, competências e ca- partir de sua complexidade.
pacidades de autodesenvolvimento, visando à Segundo o Guia de Gestão (2003, p. 21), a
ampliação de sua capacidade de ação (CAR-
pobreza tem várias manifestações, incluindo
NEIRO, 2005 apud RAMOS, 2008, p. 45).
falta de renda e recursos produtivos suficien-
tes para garantir uma vida sustentável, geran-
O trabalho de Oficinas de Geração de Ren-
do fome e desnutrição, saúde precária, aces-
da inicialmente apresentou dificuldade para o
so limitado ou inexistente à educação e ou-
seu desenvolvimento, principalmente no que
tros serviços básicos, aumento da morbidade
tange a mobilização da comunidade, que por
e mortalidade por doença, falta de moradia
vezes impactou negativamente no resultado
ou moradia inadequada, ambientes não se-
de todo o trabalho. Para que essa mobiliza-
guros, discriminação e exclusão social. A po-
ção pudesse ter maior efetividade foi utili-
breza é caracterizada também pela falta de
zada como forma de divulgação, a colagem
participação no processo decisório e na vida
de cartazes nos comércios como mercados,
social e cultural.
conveniências, padarias e farmácias, ou seja,
Desse modo, pobreza e exclusão social
em locais de fácil acesso e que diariamente
apresentam-se como fenômenos que atin-
recebem grande fluxo de pessoas, e tam-
170
gem as sociedades contemporâneas. Um quisa realizada em 2004, foi um recurso indis-
dos grandes desafios está justamente em se pensável para a compreensão das múltiplas
estabelecer novos pactos civilizatórios, des- formas de desigualdades sociais e dos pro-
naturalizando as práticas conservadoras e cessos de exclusão decorrentes de questões
discriminatórias geradoras de processos de econômicas, político e culturais das famílias
exclusão e criando provisões de proteção atendidas, assim como a vivência e enfren-
que garantam o exercício da cidadania. O tamento pelos sujeitos sociais na diversidade
enfrentamento efetivo ao ciclo da pobreza e de sua condição de classe, gênero, raça e et-
da exclusão passa necessariamente pela eli- nia. “Ora, é este o terreno de onde emanam as
minação e redução da desigualdade socioe- demandas profissionais por parte do Estado,
conômica, passando pela efetiva necessidade o empresariado, de outros segmentos da so-
de compatibilizar políticas sociais e políticas ciedade civil que atuam no amplo campo de
econômicas, as quais são de responsabilida- pobreza e da exclusão” (IAMAMOTO, 2005, p.
de do Estado regular e gerir. 273-274).
Com o olhar voltado para as famílias, a Outro recurso que foi utilizado para o de-
Casa Dom Bosco teve a intenção de verificar senvolvimento das ações realizadas junto às
quais as condições que elas se encontravam famílias da Casa Dom Bosco foi a da visita do-
e como era a realidade de cada educando em miciliar, que constituiu ferramenta importante
seu território, já como os comportamentos para a prática do acompanhamento e moni-
são flexíveis, instáveis e plurais nas famílias. toramento e especialmente como estratégia
Para a realização do trabalho com famílias, para obter dados das condições diversas. Se-
este requereu características próprias como gundo Barbosa e Ramos (2008, p. 284), “Esse
“...abertura para uma escuta, a fim de localizar momento de interlocução é muito significati-
os pontos de vulnerabilidade, mas também vo, porque extrapola a comunicação formal,
os recursos disponíveis” (SARTI, 2008, p. 26). permite um acercamento à intimidade fami-
Para Carvalho (1997, p. 13), “é preciso retomar liar e um olhar sobre o universo das relações
as unidades de família e comunidade como domésticas”. As visitas foram realmente fun-
pontos de partida de práticas sociais”. As fa- damentais, tanto para o processo de conhe-
mílias e as comunidades precisam de apoio cimento da realidade das famílias atendidas,
direcionado ao maior e melhor fruto usufruto como também uma excelente oportunidade
de bens e serviços indispensáveis alteração de enriquecimento de informações, colabo-
de qualidade de vida e exclusão a que estão rando com uma melhor execução e qualida-
submetidas. de do trabalho desenvolvido. Desse modo,
Sarti (2008, p. 34) argumenta “que escu- foi na visita domiciliar que se pôde identificar
tar o discurso daqueles a quem se dirigem às claramente as dificuldades desta família, pois
políticas públicas sociais – pobres – é situá-lo a aproximação feita garantiu a boa qualida-
no contexto que lhes dá significado, ou seja, de do trabalho e colaborou para um melhor
o contexto de quem emite o discurso e não acompanhamento na realidade de convívio
o de quem o analisa.” O profissional contudo dos educandos e sua família.
não faz prévia considerações há então de es- Assim, considera-se que usar de formas
tar aberto a ouvir e considerar o ponto de vista criativas para desenvolver o trabalho comuni-
do outro, rompendo com o modelo idealiza- tário é importante na medida em que se pro-
do e naturalizado e refletir as dificuldades do cura um maior envolvimento da comunidade
outro e abertura para um estranhamento em em que se quer trabalhar, mas também cons-
relação às nossas próprias referências. Ain- tituiu-se em um dos grandes desafios deste
da, afirma Sarti (2008, p.35): “Relativizar estes trabalho. Desse modo, acredita-se que o tra-
pontos parece-nos ser questão das mais re- balho desenvolvido com a comunidade do
levantes a serem trabalhadas na implemen- Bairro Taquaral Bosque frutificou-se no que
tação de políticas sociais como em qualquer tange ao protagonismo e autonomia das fa-
outro trabalho que envolva algum tipo de mílias participantes do Projeto.
ajuda – não apenas aos pobres.”
Enfim, diante do trabalho desenvolvido na
Casa Dom Bosco é possível afirmar, que a pes-
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS de Supervisão e Estágio, na Formação Profis-
sional do Serviço Social. In: Serviço Social &
Os impactos do Projeto de Pesquisa e Inter- Sociedade: A prática de Ensino. n. 15. Ano. V.
venção desenvolvido com as famílias do Bair- São Paulo/SP: Cortez, Agosto/1984, p. 116 –
ro Taquaral Bosque foram bastante positivos, 124.
citamos, pois o ganho de espaço, diálogo e
articulação com a comunidade local, na me- _________, R. C. Olhando para o Serviço
dida em que propiciou maior emancipação Social numa perspectiva interdisciplinar. Bau-
socioeconômica destas famílias. ru/SP: EDUCS, 1996.
Observou-se que a comunidade atendida,
principalmente na figura da mulher, se fez ALMEIDA, S. S. DE. Femicídio: algemas (in) vi-
protagonista com relação ao desenvolvimen- síveis do público-privado. Rio de Janeiro/RJ:
to de seus próprios trabalhos de geração de Revinter, 1998.
renda, possibilitando aos seus participantes
mais dignidade de vida e o reconhecimento BARBOSA, A. C. R.; RAMO, L. A. de C. Relato
de que são pessoas capazes de serem agen- de caso: Programa Bolsa-Escola Municipal de
tes transformadores do mundo e de si mes- Belo Horizonte/MG: educação, família e dig-
mos. Deste modo, o trabalho desenvolvido nidade In: Família: Redes, Laços e Políticas Pú-
com as famílias do Bairro Taquaral Bosque blicas. 4.ed. São Paulo/SP: IEE/PUC-SP, 2008,
contribuiu efetivamente para a melhoria da p. 277 – 290.
condição de renda da população atendida,
a elevação da autoestima e o fortalecimento _______. Constituição Federal de (1988).
entre membros da própria comunidade. Constituição da República Federativa do Bra-
Os resultados apontam ainda para a impor- sil: promulgada em 05 de Outubro de 1988.
tância da centralidade da família, pois perce- Brasília/DF: Senado Federal, Subsecretaria de
be-se o grande sentido e poder de transfor- Edições Técnicas, 2007a.
mação que estas possuem. Portanto, ativida-
des de geração de renda traduzem alterna- _______. Estatuto da Criança e do Adoles-
tivas de combate aos indicadores de preca- cente - ECA. Ministério da Educação. Hora de
rização das relações de trabalho e pobreza, Fazer Valer. Brasília/DF, 2005.
contraponto e valorizando o protagonismo
da família e da comunidade empobrecida. _______. Lei Orgânica da Assistência Social
Foi possível ainda identificar que para as mu- - LOAS. In: Assistente Social: ética e direitos
lheres participantes das oficinas ministradas – coletânea de leis e resoluções. CRESS - 7ª
sobre “geração de renda”, houve uma grande Região. Rio de Janeiro/RJ: Lidador, 2004a.
mudança de concepção e de vida, sendo pos-
sível a elas acreditarem-se capazes de modi- _______. Lei Orgânica da Assistência Social
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