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Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito

Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba


Nº 01 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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Seção: Direitos Humanos e Políticas Públicas de Gênero
AMPLIAR A LICENÇA-PATERNIDADE PARA
DESPATRIARCALIZAR O ESTADO E A SOCIEDADE.
Stanley Souza Marques1

[El] patriarcado f]ue y es la primera estructura de dominación y


subordinación de la historia; sobre éste se funda el sistema de todas las
opresiones y aún hoy sigue siendo un sistema básico de la dominación, es el
más poderoso y duradero de desigualdad, en suma es El sistema, alrededor
del cual mujeres y hombres definiremos el contenido antisistémico de nuestras
luchas y por lo tanto haremos de cualquiera de nuestras luchas y acciones;
así se realicen en la cama o en la calle o en el palacio o la cocina, haremos
de todos ellos, actos revolucionarios, se concatenen en un acto político
antisistémico; en otras palabras antipatriarcal (Paredes, 2012: 202).

Resumo: Tomado como ponto de partida o poder en los ámbitos doméstico y público y
patriarcado como matriz profunda e tomado en serio el reto de deconstruir el
estruturante de relações desiguais de poder complejo y contradictorio sistema
nos âmbitos doméstico e público e levado a patriarcal, la hipótesis sostenida en el
sério o desafio de desconstruir o complexo artículo sugiere que la ampliación del
e contraditório sistema patriarcal, a hipótese derecho fundamental a la licencia de
defendida no artigo sugere que a ampliação paternidad puede ayudar en alguna medida
do direito fundamental à licença- en la promoción y en la sofisticación de los
paternidade pode contribuir em alguma espacios de resistencia y de las luchas
medida para o fomento e a sofisticação de antipatriarcales precisamente porque, a la
espaços de resistência e de lutas vez, (i) hacer visibles las relaciones sexistas
antipatriarcais precisamente por, a um só de dominación propias de los espacios
tempo, (i) tornar visíveis as relações de doméstico y público y (ii) reorganizar,
opressão sexista constituintes dos espaços aunque parcialmente, la división sexual del
doméstico e público e (ii) reembaralhar, trabajo.
ainda que fragmentariamente, a divisão
sexual do trabalho. Palabras clave: Licencia por paternidad;
Patriarcado; Deconstrucción.
Palavras-chave: Licença-paternidade;
Patriarcado; Desconstrução. 1- Notas introdutórias

Resumen: Tomado como punto de partida


el patriarcado como matriz profunda y
estructural de las relaciones desiguales de
1
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador bolsista da CAPES-
REUNI. Estagiário docente no Curso de Bacharelado em Ciências do Estado. Graduado em Direito pela
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica PIBIC/CNPq/UFU. Contato: marques.stanley@gmail.com.
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Considerando o patriarcado uma trabalho-família no Brasil (2), situando, por
convenção cultural e social não codificada,2 fim, o direito à licença-paternidade como
a construção de horizontes alternativos eixo de discussão e de proposição
passa pela (i) apreensão do que vem a ser o antipatriarcais (3). E isso porque, a um só
patriarcado enquanto organização política, tempo, (i) confere visibilidade às relações
econômica, religiosa e social, assim como de opressão sexista constituintes dos
pela (ii) identificação de suas frestas, a espaços doméstico e público e (ii)
partir das quais seja possível articular reembaralha, ainda que fragmentariamente,
estratégias para tensioná-lo, para subvertê- a divisão sexual do trabalho.
lo. E a hipótese aqui enunciada sugere o
direito à licença-paternidade como uma 2- Escrevendo o patriarcado
destas frestas, uma fissura já inscrita,
Reconstruída por teóricas, teóricos e
embora não suficientemente explorada, na
movimentos feministas, a categoria
contraditória estrutura do Estado patriarcal.
patriarcado enquanto conceito político de
O caminho sinuoso desencadeador
análise de um sistema que vitimiza,
do reconhecimento constitucional do direito
sobretudo (mas não só), as mulheres revela
à licença-paternidade e as tentativas
um contexto de opressão cujas engrenagens
malsucedidas de sua regulamentação, a
de reprodução operam cotidianamente na
despeito de sensíveis avanços progressistas
intimidade das famílias e a partir do Estado.
na esfera social, revelam uma dimensão do
Se o Estado “garantiza,
patriarcado moderno ainda invisibilizada.
principalmente, a través de la ley, la política
Nesse passo, o presente estudo,
y la economia, la sujeción de las mujeres al
num primeiro momento, recorre a autoras
padre, al marido y a los varones en general,
latino-americanas que se lançam a
impidiendo su constitución como sujetos
desvendar e a escrever o patriarcado (1). Em
políticos autónomos” (Paredes, 2012: 200),
seguida, procura identificar aspectos da
aos teóricos, aos movimentos sociais e às
dinâmica e das nuances do conflito
autoridades políticas constituídas se atribui

2 así puede ser leído una y outra vez, comentado,


Afirmar que o patriarcado não está codificado ou
escrito, embora esteja inscrito na sociedade, criticado y descalificado hasta su extinción. No se
significa dizer que se trata de “una institución trata únicamente de estar ‘anotado’ o ‘apuntado’”
flotante, algo así, como um humo que lo envuelve (Sau, 2006: 1).
todo pero que no se deja aprehender. De ahí que
sea importante analizarlo, desglosarlo, captarlo en
toda su medida; en una palabra: escribirlo. Para que
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a desafiante empreitada de se pensar um luchas antipatriarcales; pero también nos
Estado que, ao contrário, pela lei, pela muestra que el patriarcado está vivito y
política e pela economia assegure a maltratando” (Paredes, 2012: 197).
igualdade entre homens e mulheres. Uma Ressignificada por teóricas de
tarefa que se reconstrói permanentemente e distintos campos do conhecimento, a
que demanda o envolvimento dos mais categoria patriarcado acabou convertida,
diversos atores e atrizes sociais. conforme Marcela Lagarde y de Los Ríos
Diferentemente do que faz crer o sistema (2012: 18), numa “teoria analítica
patriarcal, outra construção cultural e social multidisciplinaria sobre formas de
é possível. organización social (prácticas, relaciones e
Para tanto, e seguindo Julieta instituciones)” estruturada a partir da
Paredes (2012: 197), convém como “dominación del género masculino sobre el
primeiro movimento olharmo-nos com género femenino, a partir de la supremacia
cautela diante do espelho. Sugere a autora del hombre, los hombres y lo masculino,
como primeiro movimento “de la acción sobre la mujer, las mujeres y lo femenino,
política [...] la simple y sensible colocadas en una posición de inferioridad e
observación, donde, por ejemplo, hallamos subordinación (2012: 18).
que debajo del hombre más oprimido existe Para além da visão reducionista
una mujer mucho más oprimida, pues ella segundo a qual a dominação patriarcal
está a su servicio y vive en su cuerpo la implica tão somente submissão de todas as
opresión y control del hombre más mulheres sobre todos os homens, a autora
oprimido”, sem que isso, todavia, seja inclui em sua abordagem sobre o
encarado como “concurso de sufrimientos, patriarcado outras variáveis e
[pues, diferentemente] se trata de denunciar condicionantes de poder, outros eixos de
cómo las mujeres estamos sosteniendo desigualdade que se entrecruzam e agravam
sobre nuestros cuerpos y nuestras vidas toda contextos de opressão sexista.
la carga del sistema Patriarcal” (2012: 197). Enquanto sistema complexo de
A reflexividade proposta pela autora dominação, o patriarcado também
possibilitaria enxergar como subordina alguns homens em relação a
“en el cotidiano, el patriarcado controla outros homens, assim como algumas
absolutamente todos los espacios de la mulheres em face de outras mulheres
sociedad, excepto de las resistencias y las precisamente porque “[l]a dominación

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patriarcal está basada en las condiciones de Utilizando o conceito de
sexo-género y edad y de otras condiciones “organização social patriarcal” para a
de poder” (Ríos, 2012: 18). análise de sociedades concretas, Marcela
Impacta e estrutura relações sociais, Lagarde y de los Ríos (2012: 19) aponta as
políticas, econômicas e culturais: tensões e contradições próprias da
“las relaciones patriarcales de género son organização social patriarcal, característica
[...] un principio estructural de la (não exclusiva) das sociedades modernas.
organización de las clases, las castas y de De uma perspectiva democrática de gênero,
todos los estamentos sociales de los reconhece transformações fragmentadas,
sistemas étnicos, raciales y nacionales, así cujo processo desencadeador está ligado a
como de las relaciones entre países y movimentos feministas e a outras lutas
regiones en la globalización” progressistas.
(RÍOS, 2012: 18). Embora aponte a persistência de
Semelhantemente, para Julieta formas insidiosas de opressão, reconhece
Paredes (2012: 201) e feministas avanços nas “condiciones de vida en las
comunitárias, o patriarcado é entendido áreas rural y urbana e acceden al desarollo
como “El sistema de todas las opresiones, genérico, personal y colectivo, de acuerdo
todas las explotaciones, todas las violencias con sus condiciones desiguales de clase,
y discriminaciones que vive toda la etnia y raza y otras condiciones más, que
humanidad y la naturaleza, o sea, un sistema relativizan y diversifican los grados y las
de muerte”, cujas características envolvem modalidades de discriminación genérica”
“usos, costumbres, tradiciones, normas (Ríos, 2012: 19).
familiares y hábitos sociales, ideas, Levar a sério o compromisso com o
prejuicios, símbolos, leyes, educación” gradual, relutante e intrincado processo de
(2012: 201) e a definição de padrões de despatriarcalização do Estado e da
gênero falsamente naturalizados e sociedade envolveria, como sugere a autora,
universalizados mediante mecanismos três pilares fundamentais. São eles: “i) la
ideológicos. Submete mulheres e homens, democracia; ii) el desarrollo humano
sobretudo aquelas, ao longo do tempo, em sustentable o con rostro humano y iii) la
diversos lugares e cujas manifestações solución pacífica de los conflictos desde la
adquirem complexos e ambíguos contornos. perspectiva de género” (RÍOS, 2012: 28).
Desta estrutura derivaria uma possibilidade

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política democrática de gênero feminista menos à reorientação da divisão sexual do
efetiva e dirigida ao desmantelamento das trabalho3 do que à pluralização das
causas da opressão de gênero e ao configurações familiares e do mercado de
empoderamento das mulheres (2012: 28 trabalho, abrangente de aspectos como o
ss.). uso de anticoncepcionais, a opção cada vez
Sobre os três pilares fundamentais mais tardia das mulheres pelo casamento, a
apontados apoiamo-nos e orientamo-nos queda na média de filhos, o aumento do
nas proposições levantadas adiante. número de mulheres como chefes de
Contudo, antes de debruçarmo-nos sobre família, a maior participação das mulheres
elas, procuramos desvendar, ainda que na renda familiar, o crescimento da
fragmentariamente, o conflito entre proporção de divórcios, a expansão da
trabalho e família no Brasil, suas nuances, escolaridade e o maior ingresso feminino
as demandas já inscritas na dinâmica social nas universidades (IPEA, 2011).
e a constitucionalização do direito à licença- A despeito das transformações em
paternidade como resposta institucional curso, a responsabilidade atribuída às
àquelas demandas. mulheres pelo trabalho e organização da
vida doméstica é indicativo de uma divisão
3- A controvérsia sobre o direito à sexual do trabalho intocada. No interior do
licença-paternidade no Brasil
arranjo familiar tradicional4 o conflito entre
vida laboral e demandas familiares que, em
As profundas mutações em curso
regra, diz respeito à mulher e não ao
na sociedade brasileira dizem respeito

3 texto, afirmarão categoricamente as autoras que


Por divisão sexual do trabalho, entende-se a
conjugação de “dois princípios organizadores: o “em nossas sociedades salariais, a divisão do
princípio de separação (existem trabalhos de trabalho entre os sexos é o que está em jogo nas
homens e trabalhos de mulheres [os primeiros relações sociais de sexo. [...] [S]uprima-se a
ligados à produção e os segundos à reprodução]) e imputação do trabalho doméstico ao grupo social
o princípio hierárquico (um trabalho de homem das mulheres e são as relações sociais que
‘vale’ mais que um trabalho de mulher [tanto nos desmoronam, junto com as relações de força, a
casos nos quais o primeiro exerce a produção e a dominação, a violência real ou simbólica, o
segunda a reprodução, quanto nos casos nos quais antagonismo que elas carregam. A divisão sexual
ambos exercem a produção). Esses princípios são do trabalho está no âmago do poder que os homens
válidos para todas as sociedades conhecidas, no exercem sobre as mulheres” (2003: 114).
4
tempo e no espaço [embora numa miríade Entre os elementos indicativos daquilo que aqui
considerável de encarnações]. Podem ser aplicados chamamos de arranjo familiar tradicional, produto
mediante um processo específico de legitimação, a da modernidade, estão o casamento, a procriação,
ideologia naturalista. Esta rebaixa o gênero ao sexo a heterossexualidade, a rigidez dos papeis
biológico, reduz as práticas sociais a ‘papéis masculinos e femininos, o privatismo, o
sociais’ sexuados que remetem ao destino natural isolamento, a idealização da família e a pureza da
da espécie” (Hirata; Kergoat, 2007: 599). Em outro maternidade.
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homem, continua a ser solucionado com atribuição de novos sentidos à paternidade,
pouca (ou nenhuma) dificuldade a partir de fenômeno já observado em pesquisas
rígidos referenciais patriarcais: o homem recentes.6
como provedor material e o “naturalizado” Nesse intrincado cenário, em
destino materno de dedicação afetiva à permanente reconstrução, no qual mulheres
família.5 e homens ingressam no mercado de
Por outro lado, a dinâmica social trabalho, compartilham em alguma medida
de múltiplos arranjos familiares parece atividades domésticas e experienciam novas
demandar soluções mais complexas, formas de maternidades e de paternidades,
flexíveis e equitativas, subvertendo entram em cena discussões sobre a
estereótipos de gênero, a exemplo da ampliação da licença-paternidade como

5 envolvimento considerável com a limpeza e a


Ainda que tais referenciais sempre tenham sido
para muitos mais um ideal do que uma realidade higiene da casa e com o cuidado dos filhos. Muitos
em razão da necessidade econômica. deles afirmam que dividem tarefas, ‘vão fazendo’
6 sempre o que é necessário e até chamam os filhos
Maior envolvimento dos pais com as demandas
familiares, muito embora as tarefas ligadas aos para eles aprenderem. Os depoimentos revelam um
afazeres domésticos ainda sejam atributo envolvimento inesperado, como ‘passar o pano na
predominantemente feminino nas famílias cozinha’, ‘levar os filhos na creche’, ‘conversar
brasileiras. Ou, em outros termos, multiplicação com a diretora da creche’. Além disso, vários
dos papéis masculinos, novas e velhas funções participantes dos grupos afirmam gastar 2 a 3 horas
atribuídas aos pais em um repertório ampliado e diárias nas tarefas domésticas, além de pelo menos
em tensão. Em brevíssima síntese, este foi o um dia no final de semana para fazer ou ajudar a
resultado encontrado em pesquisa sobre a companheira a fazer uma faxina no domicílio,
participação masculina no trabalho doméstico, no reservando o outro dia para o lazer com os amigos
cotidiano familiar e no cuidado com os filhos ou com a família. Essas afirmações nos levam a
pequenos, realizada na cidade de São Paulo “por crer que, na verdade, os homens participam mais e
intermédio de entrevistas exploratórias, debates gastam mais tempo em tarefas domésticas e
com grupos de homens de renda familiar inferior a cuidado com os filhos do que eles mesmos
5 salários mínimos, pais de filhos pequenos (com pensavam ao iniciar o debate (2010: 45).
menos de 14 anos), por meio da metodologia de Semelhantemente, estudo qualitativo, com enfoque
grupos focais, bem como de uma análise de dados teórico de gênero, com dez homens, cujos filhos
secundários sobre a participação masculina nos eram atendidos na puericultura de um hospital
‘afazeres domésticos’ e o tempo gasto em tais escola, em João Pessoa (PB) decifra elementos de
atividades, obtidos nas bases de dados da paternidades em construção. Para as autoras da
PNAD/IBGE, de 2002 e 2006 (Bruschini; Ricold, pesquisa, “[e]m síntese, vislumbram-se mudanças
2010: 5). Segundo as pesquisadoras, “[o]s de paradigma. Alguns homens começam a se
resultados obtidos revelam algumas questões ainda preocupar em paternar o filho, acompanhando seu
desconhecidas na literatura sobre o tema, assim crescimento e desenvolvimento de modo mais
como outras que começam a ser desvendadas. No próximo, realizando cuidados socialmente
primeiro caso, merece ser assinalado o espanto considerados femininos de modo que o provedor
demonstrado pelos participantes dos grupos com o afetivo vem emergindo no provedor material. As
tema a ser debatido – trabalho doméstico e cuidado relações de autoridade vão dando espaço a relações
com filhos –, prova irrefutável do quanto, a permeadas por afeto e negociações, possibilitando
princípio, se sentem distantes das questões que que pais e mães compartilhem os cuidados e
dizem respeito à esfera privada da família e da estreitem os vínculos afetivos com os filhos, de
reprodução. Contudo, passada a surpresa e iniciado forma que a paternagem colabora para a ruptura de
o debate, os homens revelaram preocupação e estereótipos de uma masculinidade insensível e
intocável (Freitas e et. al. 2009: 89).
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condição inafastável para que a trajetória O debate sobre a ampliação da
ascendente da população economicamente licença-paternidade, inescapavelmente
ativa feminina seja não só mantida, mas ligado às reflexões críticas mais amplas
fomentada pelo Estado e acompanhada pela sobre a construção social das feminilidades7
promoção de uma maior redivisão dos e das maternidades,8 das masculinidades9 e
encargos domésticos e familiares.

7 esteja profundamente inscrito na natureza


Entre as diversas reflexões críticas sobre
feminilidades, maternidades, masculinidades e feminina. Observando-se a evolução das atitudes
paternidades, notabilizaram-se as teorizações maternas, constata-se que o interesse e a dedicação
feministas antiessencialistas que abandonam a à criança se manifestam ou não se manifestam. A
“categoria do sujeito como uma entidade racional ternura existe ou não existe. As diferentes maneiras
transparente, capaz de conferir um significado de expressar o amor materno vão do mais ao
homogêneo a todo o campo da sua conduta, sendo menos, passando pelo nada, ou quase nada”
a sua fonte de acção” (Mouffe, 1996: 103). Em (Badinter, 1985: 22 ss.).
9
oposição à racionalidade, transparência, unidade e As masculinidades e as paternidades, assim como
homogeneidade, definidores de identidades as feminilidades e as maternidades, são construídas
essencializadas, sustentam a compreensão do de diferentes maneiras, em distintas situações, em
“agente social como sendo constituído por um múltiplos contextos e em diversas relações sociais
conjunto de posições de sujeito, que nunca podem nas plurais e complexas narrativas cotidianas, daí a
ser totalmente fixas num sistema fechado de razão de grafá-las no plural. Em relação às
diferenças composto por uma diversidade de masculinidades, interessa-nos particularmente a
discursos, entre os quais não existe uma relação abordagem de Connell (1995: 188) que fala da
necessária, mas antes um constante movimento de masculinidade como “uma configuração de prática
sobredeterminação e deslocamento. A identidade em torno da posição dos homens na estrutura das
de um sujeito tão múltiplo e contraditório é, relações de gênero”. A ideia de uma “configuração
portanto, sempre contingente e precária, de prática” desloca a ênfase daquilo que é esperado
temporariamente fixa na intersecção dessas para aquilo que de fato é feito (criativa e não
posições de sujeito e dependente de formas mecanicamente) pelas pessoas. “Prática” implica
específicas de identificação” (1996: 104 ss.). O reconhecimento da racionalidade e do significado
afastamento das naturalizadas identidades histórico da ação. “Posição dos homens”, por sua
masculina e feminina e de unidades prévias, no vez, indica que falar de masculinidade é falar não
entanto, “não exclui a construção de diversas apenas de relações sociais, mas também de corpos,
formas de unidade e acção comum. Em resultado afinal, “[o] gênero é, nos mais amplos termos, a
da construção de pontos nodais, podem ocorrer forma pela qual as capacidades reprodutivas e as
fixações parciais e podem ser estabelecidas formas diferenças sexuais dos corpos humanos são
precárias de identificação em torno da[s] trazidas para a prática social e tornadas parte do
categorias mulheres, [maternidades, homens, processo histórico” (1995: 189). Os corpos são, a
paternidades], que facultarão a base de uma um só tempo, objetos da prática social e agentes na
identidade e de uma luta feministas” (1996: 118). prática social. E “estrutura de relações de gênero”
8 enuncia que o gênero não se encerra na dinâmica
Em oposição às perspectivas essencialistas, a
reconstrução de Elisabeth Badinter (1985) do relacional entre homens e mulheres. Constitui-se
comportamento materno das francesas nos quatro em uma estrutura complexa integrada pela
últimos séculos é ilustrativa da historicidade das economia, pelo estado, pela família e pela
questões que nos propomos enfrentar: “[a] história sexualidade. E parte dessa complexidade está
do comportamento materno das francesas nos associada (i) à produção de distintas
quatro últimos séculos não é muito reconfortante. masculinidades no interior de cada contexto social
Ela mostra não só uma grande diversidade de e (ii) e ao caráter contraditório inerente a cada
atitudes e de qualidade de amor, mas também versão de masculinidade produzida: “[o] gênero é
longos períodos de silêncio. [...] O amor materno é sempre uma estrutura contraditória. É isso que
apenas um sentimento humano. E como todo torna possível sua dinâmica histórica e impede que
sentimento, é incerto, frágil e imperfeito. a história do gênero seja um eterno e repetitivo
Contrariamente aos preconceitos, ele talvez não
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das paternidades,10 configuram tentativas República de 1988 como desdobramento de
de desprivatizar a articulação do conflito lutas de grupos de mulheres e de grupos
entre trabalho remunerado e trabalho não- feministas.12 O artigo 7º, inciso XIX, elenca
remunerado.11 a licença-paternidade entre os direitos
O direito à licença-paternidade foi sociais dos trabalhadores urbanos e rurais
reconhecido no Brasil pela Constituição da nos termos fixados em lei.13

ciclo das mesmas e imutáveis categorias” (1995: desigualdades de gênero no mercado de trabalho”.
189). E não só o impasse trabalho/vida doméstica é
10 escamoteado do debate público. A esfera familiar
Mary del Priore (2013), embora reconhecendo a
dificuldade de contar a história dos pais no Brasil, privatizada, segundo perspectiva largamente
em face da “abundância de informações que difundida, segue dinâmica própria, cuja
devem ser confrontadas às interferências temporais sobrevivência e funcionamento depende de uma
que atravessam, organizam e mudam, em ritmos fronteira bem definida entre o público e o privado.
diferentes, as realidades” (2013: 153), oferece Nesse sentido, controvérsias entendidas (a priori)
valiosa reconstrução das transformações pelas como de caráter privado devem ser dirimidas pelos
quais passou a paternidade no século XIX. Século próprios sujeitos envolvidos. No mesmo sentido,
marcado pelo fim do patriarca e pelo surgimento escreve Flávia Biroli (2014a: 42) que “[m]antida
daquele que ama: (i) entre o pai tirano, cujos traços como unidade privada responsável,
constitutivos apontáveis são a brutalidade, a primordialmente, pelo cuidado com os idosos e
ignorância, a linhagem, a imagem do homem como com as crianças, mas sem condições concretas de
genitor e (ii) o pai amoroso, que se liga sê-lo na maior parte dos casos, a família se
afetuosamente ao filho, resultado de um desejo. A transforma em um dos principais dispositivos para
autora ainda aponta as mudanças culturais, legitimar a reprodução das desigualdades sociais.
econômicas e sociais que se fizerem presentes no A privatização é particularmente desastrosa para os
processo de construção de novos papéis associados mais pobres, que não podem comprar os serviços
à experiência da paternagem. A respeito do que reduzem a carga de trabalho, envolvida no
processo contemporâneo de ressignificação das cuidado com os familiares. E ignora o fato de que
paternidades, afirma a autora que “[t]rês nem todos os indivíduos são parte de uma rede
fenômenos [...] dão conta dos novos conceitos que familiar que possa, ainda que em condições frágeis,
caracterizam a paternidade: as modificações nas apoiá-lo” (2014a: 29 ss.).
12
formas de casamento e nos tipos de família; A luta pela licença-paternidade integrou as
mudanças no direito de família e dos filhos; e os estratégias de articulação do Conselho Nacional
rápidos progressos das ciências biomédicas. De dos Direitos da Mulher (CNDM), dos conselhos
‘patriarcal’, a família tornou-se conjugal, limitada estaduais e municipais, de organizações da
ao pai, mãe e filhos. Se no início o pai detinha sociedade civil e de movimento de mulheres ao
todos os poderes paternais e conjugais, pico de uma longo do processo constituinte. Jacqueline
pirâmide na quais filhos e mães constituíam a base, Pitanguy, então à frente do CNDM, relata que
as posições se modificaram. Hoje, no alto do “[q]uando [...] [apresentaram] a proposta de
triângulo encontram-se os filhos. Numa lateral licença-paternidade, [...] [foram] duramente
encontram-se os pais e, na outra, o mediador entre criticadas e até mesmo ridicularizadas por amplos
pais e filhos: o Estado. Os ‘direitos’ paternos foram setores do Congresso Nacional. Argumentavam
substituídos por ‘deveres’. Não estamos numa também que [...] [estariam] incentivando a
sociedade sem pais. Mas, sim, numa que ausência dos homens do trabalho. [...] [Estavam],
reorganiza as funções paternas” (2013: 182). no entanto, convencidas da relevância desta
11 licença como um instrumento de mudança
Aos olhos de Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle
Carusi Machado (2007: 592) “as recentes ideológica no papel dos homens frente à
mudanças nas famílias e no mercado de trabalho paternidade” (Pitanguy, 2011: 25).
agravaram a capacidade das famílias de lidarem 13
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
com as exigências conflitantes do trabalho e da rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
família. As soluções para esse dilema tendem a ser condição social: [...] XIX - licença-paternidade,
privadas e assumidas quase que exclusivamente nos termos fixados em lei" (Brasil, 2013: 11 ss.).
pelas mulheres. O resultado é o reforço das
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A ausência de regulamentação do Deputado Urzeni Rocha (PSDB-RR).
direito social faz ainda prevalecer o exíguo Propõem a ampliação da licença-
prazo de cinco dias para o exercício da paternidade, em casos de nascimento e
paternagem, estabelecido pelo parágrafo 1º adoção, para dez, quinze e trinta dias,
do artigo 10 do Ato das Disposições respectivamente.
Constitucionais Transitórias.14 Já o PL nº 901/11, de autoria da
Embora ainda não tenha sido Deputada Erika Kokay (PT-DF), amplia o
editado lei sobre a matéria, não faltaram alcance do Programa Empresa Cidadã ao
tentativas (frustradas) de regulamentação da estipular a prorrogação do período da
licença-paternidade. Limitando-se aos licença-paternidade para trinta dias. E o PL
Projetos de Lei hoje em tramitação, nº 6.998/13, apresentado por Osmar Terra
destacam-se o PL nº 3.325/12, de autoria do (PMDB-RS) e outros deputados que, entre
Deputado Edivaldo Holanda Júnior (PTC- as providências previstas com a alteração do
MA); o PL nº 879/11, apresentado pela art. 1º e com a inserção de dispositivos
Deputada Erika Kokay (PT-DF); e o PL nº sobre a Primeira Infância na Lei nº 8.069,
3.831/12, proposto pelo Deputado Felipe de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da
Bornier (PSD-RJ). Os Projetos sugerem a Criança e do Adolescente, dá, entre outras
ampliação do direito social para quinze, providências, a possibilidade de ampliação
trinta e noventa dias, respectivamente, em da licença-paternidade por até 15 dias, além
casos de nascimento ou adoção.15 dos 5 dias já previstos
Tramitam ainda o PL nº Há ainda a Proposta de Emenda à

7985/2014, proposto pelo Deputado Rubens Constituição nº 41/15, de autoria do Senador


Alvaro Dias (PSDB-PR), que altera a
Bueno (PPS-PR), o PL nº 3.935/08, de
Constituição Federal para ampliar a duração da
autoria da Deputada Patrícia Saboya (PDT-
CE), e o PL nº 4.853/09, apresentado pelo

14
“Art. 10. Até que seja promulgada a lei nºs 6.753/10, 3.212/12, 3.231/12, 3.281/12,
complementar a que se refere o art. 7 º, I, da 3.417/12, 3.445/12, 5473/13, 5.566/13) ou fixa em
Constituição: [...] § 1º Até que a lei venha a cinco dias a licença-paternidade (PL nº 2.098/11).
disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Estas Proposições Legislativas, em conjunto com
Constituição, o prazo da licença-paternidade a que as de nºs 3.325/12, 879/11 e 3.831/12, foram
se refere o inciso é de cinco dias”. (Brasil, 2013: apensadas ao PL nº 6.753/10. Como se pode
70). observar, os Projetos mencionados ao não
15 ampliarem a licença-paternidade ou ao ampliá-la
Outras Proposições Legislativas sugerem a
ampliação da licença-paternidade apenas em casos tão somente nas hipóteses de ausência da figura
de adoção por pai solteiro (PL nºs 2.272/11, materna, reproduz a dicotomia reificadora homem-
3431/12), invalidez permanente ou temporária, provedor/mulher-cuidadora, reforçando a distância
abandono ou falecimento da mãe (Projetos de Lei do pai da trama doméstica.
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licença-maternidade para 180 dias e a da Se às mães são garantidos, entre
16 17
licença-paternidade para 30 dias. outros direitos e benefícios, estabilidade
O reconhecimento da licença- para gestante, licença-maternidade de cento
paternidade como direito social pela e vinte dias, salário-família, intervalo para
Constituição Federal, assim como as amamentação, creche a ser custeada pela
tentativas de sua regulamentação procuram, empresa ou pagamento de auxílio-creche,
de algum modo, superar o descompasso aos pais é reconhecido, tão somente,
entre o discurso igualitário articulado pelo licença-paternidade de cinco dias e salário-
Estado e seu aparato institucional, ainda família.18
reprodutor da lógica da divisão sexual do
trabalho e da divisão desigual das tarefas 4- Ampliar a licença-paternidade para
domésticas. Um rápido olhar sobre a despatriarcalizar o Estado e a sociedade:
legislação trabalhista revela que os direitos breves proposições
e benefícios ali assegurados estão direta e
profundamente comprometidos com os Considerando que o processo de
direitos reprodutivos das mulheres. despatriarcalização do Estado e da

16 Poder Judiciário com vistas ao exercício de um


Adotando a teoria da identidade do sujeito
constitucional como eixo condutor de análise, em direito à licença-paternidade nos moldes do direito
Marques (2014) há uma tentativa de responder às à licença-maternidade (Pompeu, 2014: 7).
seguintes indagações: “De que modo os discursos 18
A disparidade dos benefícios garantidos a mães e
constitucionais em torno dos Projetos de Lei sobre pais no Brasil é bastante ilustrativa do quanto “o
a ampliação da licença-paternidade reconstroem, aparato legal contribui no mínimo para a
por meio da negação, da metáfora e da metonímia, manutenção e a reprodução de uma realidade
as concepções da paternidade? Ou, indagando de bastante desigual no que diz respeito à divisão
modo um pouco diferente: De que modo as tensões sexual do trabalho reprodutivo” (Pinheiro et al.,
e contradições [...] [imanentes às] relações 2009: 854). A propósito, retomando os estudos
políticas e sociais são apreendidas pelos discursos sobre gênero de Joan Scott (1995), afirmam Lyra e
constitucionais que se propõe a reconstruir as Medrado (2000: 150), que “o suposto destino
paternidades no Brasil?” (MARQUES, 2014: 12- biológico da mulher à maternidade tem sido
13). construído através de símbolos (Maria), de
17 prescrições religiosas, jurídicas, educacionais
Convém ainda mencionar tentativas locais de
ampliação da licença-paternidade. Exemplo disso (regulamentação da contracepção), das
é o Projeto de emenda à Lei Orgânica Municipal organizações sociais (dispor ou não de creche) e
de autoria do vereador Henrique Vieira (PSOL) das identidades subjetivas (a mediação entre não
aprovado pela Câmara Municipal de Niterói. O trabalhar fora enquanto tem filhos pequenos). Em
projeto que beneficia servidores públicos contrapartida, o masculino ao ser associado à
municipais, do Legislativo e do Executivo, amplia produção e administração da riqueza, é afastado do
para 30 dias o exercício do direito à licença- reino da reprodução, a não ser pelo sêmen
paternidade. Além das tentativas de ampliação do fecundante. Se isto confere maior poder aos
direito à licença-paternidade pelo Legislativo nas homens, nem todos os homens vivem
esferas estadual e municipal, a imprensa tem dado harmoniosamente, sem conflitos, sem contradição
destaque a pais solteiros e casais homossexuais esta experiência. Intersubjetividades de mulheres e
que, uma vez concluídos os processos de adoção de homens escapam a prescrições, bem como sua
de seus filhos, recorreram, com algum êxito, ao organização social em movimentos políticos”.
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sociedade é marcado pela permanente Semelhantemente, escreve Laura C.
construção e reconstrução de suas próprias Pautassi (2007: 6) que “las mujeres en
estratégias, por avanços e retrocessos, assim América Latina han concentrado sus
como pela possibilidade de adoção de uma energias en los últimos treinta años
multiplicidade de enfoques e de luchando por la inserción en el mundo
perspectivas, o presente estudo opta pelo público y dejando de lado la discusión del
enquadramento do direito à licença- âmbito privado”. Acrescenta que,
paternidade pelas razões que serão consequentemente, “la desigualdad nos
apresentadas a seguir. atrapó en el âmbito de las relaciones de
De todo modo, pode-se adiantar que conciliación, entre lo público e lo privado,
a aposta no direito à licença-paternidade se entre las responsabilidades productivas con
justifica, sobretudo, pela possibilidade de las reproductivas” (2007: 6).
desestabilizar, ainda que Ao não enfrentamento da opressão
fragmentariamente, elementos estruturantes sexista própria da esfera doméstica,
do sistema patriarcal, a exemplo da divisão acrescenta-se a reprodução cotidiana, pelo
sexual do trabalho e da rígida e monótona sistema patriarcal, do lar como o espaço
oposição binária masculino-feminino. “natural” da mulher, o seu espaço por
Aposta-se no debate sobre a licença- excelência. Não por outras razões, a
paternidade e em sua ampliação para atingir submissão da mulher dentro do lar
e corrigir desigualdades sociais e permanece igualmente intocada e
institucionais. Ou, ainda em outras palavras, invisibilizada, repercutindo negativamente
propõe-se utilizar estrategicamente as (não sem espanto) sobre o exercício de
instituições que estão a serviço do sistema direitos fundamentais por estas mesmas
patriarcal em desfavor dele mesmo. mulheres na esfera pública.
Se por um lado, lutas progressistas Daí a urgência de enfoques capazes
produziram avanços no que diz respeito ao de revelar a hierarquia patriarcal inscrita no
reconhecimento da igualdade formal entre espaço doméstico e de apontar propostas
homens e mulheres, tendo na Constituição para a correção de desigualdades entre
Federal de 1988 sua expressão maior, por homens e mulheres. Em outras palavras, a
outro, a esfera doméstica permanece desprivatização dos conflitos e dos
intocada em suas (tirânicas) relações antagonismos domésticos é condição para o
internas de poder.

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empoderamento e a aquisição de cidadania níveis de desproteção legal e social
pelas mulheres.19 experienciada por aqueles que não
Nesse passo, problematizar a professam a tradicional concepção de
licença-paternidade e seus possíveis família, que reserva ao homem o lugar
desdobramentos sociais e institucionais simbólico do provimento material e à
revela-se contribuição valiosa tendo-se em mulher a função dedicada de cuidado com o
vista a dinâmica social, suas novas lar;20 (ii) a invisibilidade da condição de
demandas e os desafios inerentes à vulnerabilidade de muitas mulheres no
empreitada de despatriarcalizar o Estado e a interior das famílias, ainda pouco
sociedade. permeáveis à redivisão das tarefas
Entre outros aspectos, tomam-se domésticas;21 (iii) o ingresso em massa das
como pontos de partida: (i) os significativos

19 participativa. Segundo Ana Cristina Pontello


Diferentemente da interpretação tradicional do
princípio da igualdade de oportunidades, limitada Staudt e Adriana Wagner (2008: 179), “[e]m meio
pelas fronteiras do mundo laboral, Laura C. à busca masculina por uma maior aproximação
Pautassi propõe uma abordagem mais complexa. daquilo que tradicionalmente cabia às mulheres,
Para a autora, ao se negligenciar a esfera existe uma grande preocupação a respeito do
doméstica, o enfrentamento da igualdade de quanto essa nova postura pode ou não interferir na
oportunidades acaba por comprometer o caráter manutenção da masculinidade. Muitos homens
emancipatório e de empoderamento nele inscrito. acabam encontrando-se em um dilema de estar
Escreve Pautassi (2007: 15) que “[e]l principio de mais engajado àquilo que estão lhe exigindo para
igualdade de oportunidades, contenido en acompanhar as transformações contemporâneas, e,
numerosos ordenamientos constitucionales de la ao mesmo tempo, temerosos em não comprometer
región, ha sido interpretado en la mayoría de los sua imagem de virilidade e de macho diante de toda
casos, vinculado con el mundo del trabajo. De allí uma sociedade que estimula e valoriza tal
que generalmente se lo supedita a la promoción de característica. Essas preocupações não se
igual salario por igual tarea, igualdad de trato bajo restringem aos homens, visto que muitas mulheres
las mismas condiciones, entre otras, também têm esse receio em relação ao sexo oposto,
desconociendo la relación que tiene con el mundo seja nas relações que estabelecem com eles, seja na
privado”. Isto é, desconhece e relega “la esfera de criação de seus filhos”. Em outra passagem,
reproducción privada que permite la inserción de indagam as autoras: “até que ponto será que a
las personas en el ámbito público” (2007: 15). contemporaneidade de alguma forma não mascara
20
O aparato legal sexista, a visão estereotipada de a manutenção do tradicional?” (2013: 182).
21
gênero e as novas demandas por uma paternidade Considerando que a importância da esfera privada
mais afetiva configuram um cenário paradoxal que está (também) ligada ao fato de ela (supostamente)
demanda investigação. A criança do sexo proporcionar aos seus membros a possibilidade de
masculino, ainda educada segundo o modelo se dissociarem temporariamente dos papéis
hegemônico de masculinidade que valoriza a assumidos publicamente, um dos argumentos
virilidade, quando se torna pai, se vê diante de liberais do valor da privacidade, Susan Moller
crescentes demandas por uma paternidade Okin (2008: 325) adota uma postura de
comprometida com o afeto e o cuidado, algo que, desconfiança em face da promessa do ambiente
de algum modo, contradiz a formação de sua privado doméstico também configurar um espaço
personalidade enquanto macho. Neste cenário de privacidade para as mulheres. A autora destaca
paradoxal, não menos importante é o papel que “se nós precisamos, para o desenvolvimento da
desempenhado pelo viés sexista da legislação, personalidade, de bastidores onde nós possamos
reprodutor do modelo tradicional, que dificulta a temporariamente deixar de lado nossos papéis
tentativa de exercício de uma paternidade mais sociais, então a maioria das mulheres dificilmente
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mulheres no mercado de trabalho, não paternidade surge, a um só tempo, como
acompanhado pela redefinição das relações dimensão constitutiva e constituída pela
estereotipadas de gênero nas dinâmicas identidade de gênero, num movimento
familiares, que, a um só tempo, submete as reciprocamente constitutivo;24 (v) o papel
mães a uma sacrificante “dupla jornada”,, destacado do Estado no enfrentamento de
reforça a desigualdade no mundo laboral e comportamentos reprodutores da
a sua exclusão dos espaços de tomada de desigualdade e no fomento a
decisão pública e de produção normativa; 22 transformações democráticas já inscritas,
23 (iv) as discussões recentes sobre a
profundidade e a amplitude da construção
social das masculinidades, onde a

encontrará essa privacidade na esfera doméstica. relativo das mulheres da definição da vida
Tenham ou não papéis não-domésticos, espera-se doméstica e afetiva, assim como na determinação
muito delas, em geral, em seus papéis de mães e de das escolhas importantes na criação dos filhos –
responsáveis pela família, do que se espera dos sobre os quais são responsabilizadas
homens em seus papéis familiares. Isso é cotidianamente –, pode ser reduzido diante da
evidenciado pelo fato de que homens que têm autoridade proveniente dos recursos materiais e de
sucesso na vida pública são frequentemente representações patriarcais de autoridade
desculpados por negligenciar suas famílias, masculina”.
enquanto as mulheres, na mesma situação, não o 23
Escreve Carole Pateman (1993: 208) que “[u]ma
são. De fato, uma referência completamente esposa que tem um emprego remunerado nunca
diferente do que constitui ‘negligência em relação deixa de ser uma dona-de-casa; pelo contrário, ela
à família’ é geralmente aplicado à mulher, assim se torna uma esposa que trabalha e aumenta sua
como ‘ser mãe’ significa algo inteiramente jornada de trabalho”. No mesmo sentido, para
diferente de ‘ser pai’”. Jussara Cruz de Brito e Vanda D´Acri (1991: 205),
22
Flávia Biroli (2014b: 58) elenca algumas das “[a] alocação do trabalho doméstico na esfera do
desvantagens sociais decorrentes da atribuição privado coloca a mulher numa dupla opressão, a de
exclusiva dos encargos familiares e domésticos às cidadã, como trabalhadora, e a de gênero feminino,
mulheres: “[a] interrupção da carreira, a opção por como responsável pelo trabalho da casa, que a
empregos de menor carga horária, porém mal distancia da produção, da vida social e política”.
remunerados e a mobilidade social negativa 24
O processo de conscientização “sobre a
associada às duas primeiras podem derivar da possibilidade de mudança nas relações de gênero”
responsabilidade das mulheres pelo cuidado com (Connell, 1995: 186) fomentado sobretudo pelos
os filhos pequenos, mesmo em sociedades nas movimentos de liberação de mulheres, gays e
quais não há impedimentos formais para que homens nos anos 70 legou ao às reflexões sobre
desempenhe trabalho remunerado. Nesse caso, gênero das gerações seguintes o reconhecimento
salários mais baixos e menos oportunidades de da dimensão histórica do gênero, do caráter
acesso a recursos previdenciários quando atingem fundamentalmente social das distinções baseadas
idade avançada definem, no longo prazo, uma no sexo. Se a historicidade do gênero outrora fora
situação relativa de maior vulnerabilidade para as vista como heresia, a partir de então passa a ser
mulheres. Há, assim, risco crescente de exposição tomada como um pressuposto estabelecido (não
à pobreza e às formas de vulnerabilidade que só) para leituras e proposições comprometidas com
decorrem da dependência dos recursos materiais a justiça social nas dinâmicas de gênero. A
provenientes do trabalho remunerado do marido historicidade do gênero, enfim, consolidou-se
e/ou de outros homens. Essa vulnerabilidade tende como “a característica distintiva da política da
a ser ainda maior quando os casais se separam e as masculinidade contemporânea e o horizonte do
mulheres permanecem responsáveis pelos filhos. pensamento contemporâneo sobre a
Nos casamentos convencionais, até mesmo o poder masculinidade” (1995: 187).
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ainda que fragmentariamente, na realidade adolescência, (vii) e da desprivatização da
social.25 esfera familiar e do exercício do cuidado.
Tem-se a clareza de que a licença- Entretanto, a licença-paternidade é
paternidade não representa em si e por si (i) fator fundamental que, articulado a outros
a garantia de vivência de novas fatores não menos importantes,27 e se
masculinidades e de novas paternidades, (ii) conjuntamente assegurados, poderão
da saúde materna e infantil,26 (iii) da repercutir democraticamente no
promoção da equidade de gênero, (iv) da questionamento e no reembaralhar, ainda
reorganização sexual do mundo do trabalho, que fragmentário, das convenções sociais
(v) da conciliação (mais) equitativa das de gênero, da divisão sexual do trabalho e
responsabilidades familiares e do trabalho da divisão desigual das tarefas domésticas.
entre homens e mulheres, (vi) da educação Em outros termos, considerando que “a
e dos cuidados na primeira infância e na prestação do ‘trabalho doméstico’
[abrangente do cuidado com filho] faz parte

25 crianças. E em Nancy Chodorow (2002: 270) é


Não são poucas as autoras e os autores que, já há
algum tempo, apontam a urgência de se repensar sugerida, a partir de um enfoque psicanalítico, a
os referenciais a partir dos quais são estruturadas reorganização igualitária do cuidado infantil
as políticas públicas e construída a legislação no primário: “[m]inha esperança é que o cuidado
que se refere ao trabalho, à saúde, reprodução e igualitário deixa pessoas de ambos os sexos com as
sexualidade. Segundo Bruschini e Ricoldi (2012: capacidades positivas que cada um possui, mas
285), “considerando [as] mudanças nas famílias e sem os extremos destrutivos a que essas
nos relacionamentos entre os sexos, é importante atualmente tendem. Qualquer pessoa que tenha
que seja repensado por parte dos gestores públicos, bons relacionamentos primários tem a base para o
o desenho de políticas sociais, geralmente cuidado infantil e amor, e as mulheres o manteriam
fundamentado sobre a figura da ‘mãe mesmo que os homens viessem a adquiri-los. Os
trabalhadora’, e não voltado para os trabalhadores homens seriam capazes de manter a autonomia que
com responsabilidades familiares, de modo geral”. provém da diferenciação sem que a diferenciação
Laís Abramo (2010: 22-24) acrescenta que algo seja rígida e reativa; e as mulheres teriam mais
mais deve entrar em jogo para o sucesso de oportunidade de obtê-la. As opções sexuais
políticas e estratégias de conciliação entre trabalho poderiam torna-se mais flexíveis e menos
e família. Para a autora, além da superação da desesperadas”.
27
dicotomia homem-provedor/mulher-cuidadora, a Em pesquisa realizada por Bruschini e Ricoldi
noção da mulher como “força de trabalho (2010; 2012), são mencionados pelos próprios
secundária”, umbilicalmente ligada àquela entrevistados, pais de crianças pequenas ou mesmo
dicotomia, deve ser subvertida. recém-nascidas, além da ampliação da licença-
26 paternidade, outras estratégias e políticas públicas
Os trabalhos de Guy Corneau (1995; 2015),
Elisabeth Badinter (1993) e Françoise Hurstel que viabilizariam uma articulação mais adequada
(1999) são exemplos de abordagens, ressalvadas do trabalho produtivo com a família, tais como
suas especificidades teóricas, que enfatizam a creche, redução ou flexibilização da jornada de
importância da função simbólica do pai para o trabalho, iniciativas voltadas para o preenchimento
desenvolvimento psicológico da criança. do tempo entre o final do horário escolar e o
Diferentemente, Charlie Lewis e Maria retorno dos pais do trabalho, Bolsa Família,
Auxiliadora Dessen (1998; 1999) apontam a ampliação subjetiva e objetiva do auxílio-creche,
dificuldade senão a impossibilidade de se isto é, inclusão dos homens entre os destinatários
identificar efeitos específicos de pais sobre as do benefício e aumento do seu valor real.
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do significado patriarcal da feminilidade, do sexualidade” e isso porque “es la base y el
que é ser mulher” (Pateman, 1993: 188), o núcleo de la dominación genérica patriarcal
reconhecimento da licença-paternidade e al especializar a las mujeres como ‘seres-
sua ampliação, em alguma medida, tensiona para-la-sexualidad: para la maternidad y
a organização patriarcal da dicotomia para el placer sexual de otros’”
“mulher cuidadora”-“homem provedor”. Ademais, “[a] través de modelos
Em outras palavras, a hipótese aqui estereotipados de género, de normas
levantada aposta na ampliação da licença- sociales que marcan el deber social, se crean
paternidade como uma alteração legislativa el deber ser materno y el deber ser erótico-
profundamente significativa; um ponto de estético” (2012: 20).
partida que deve se somar a outras O debate sobre a ampliação da
articulações e estratégias também licença-paternidade, uma vez integrado às
potencialmente capazes de movimentar o discussões sobre igualdade de gênero, lança
processo de despatriarcalização do Estado e luzes sobre o invisibilizado trabalho
da sociedade. desempenhado pelas mulheres. Como
Acrescenta-se, ademais, o papel chama atenção Marcela Lagarde y de los
pedagógico próprio do debate sobre a Ríos (2012: 20), ao se atribuir, em razão de
ampliação da licença-paternidade. Ao uma suposta ordem natural, o trabalho
provocar e desvirtuar construções decorrente da conjugalidade, da
normativas rígidas como feminilidade e maternidade e da domesticidade à figura
masculinidade, abre caminhos para outros feminina, sua inteligência, afetividade,
avanços democráticos também criatividade e esforço empregados em seu
condicionados ao desmantelamento destas trabalho não podem ser social e
categorias. institucionalmente reconhecidos, afinal, na
Ao desmistificar e desnaturalizar as linha deste raciocínio, tais tarefas
tradicionais concepções de maternidade e corresponderiam à sua própria natureza e,
de paternidade, a ampliação da licença- nesse sentido, se traduz em dever das
paternidade coloca em cheque a própria mulheres. Consequentemente,
visão estereotipada de gênero. Segundo invisibilizam-se as próprias mulheres,
Ríos (2012: 20) “[c]omo el género es una sobrecarregando-as violenta e
categoría anclada en el sexo, es cotidianamente.
imprescindible la transformación de la

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Carmen Elena Sanabria (2012: 186), resistência e de lutas antipatriarcais
a seu passo, enfatiza que esta invisibilidade precisamente por desestabilizar e
torna-se ainda mais perversa em razão de transgredir a “naturalizada” (logo,
seu irremediável entrelaçamento com o reificadora) oposição binária feminino-
exercício de outros direitos, associados à masculino.
participação política, trabalho, educação e
saúde. A autora chama a atenção para 6 Referências bibliográficas
atividades como “atención y cuidado de los
hijos/as, preparación de alimentos, lavado y Del Priore, Mary (2013), “Pais de ontem:
transformações da paternidade no século
planchado de ropa, apoyo educativo, tareas
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Data de Recebimento: 06/04/2015


Resultado de Avaliação: 04/05/2015

DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p241-260

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