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Actas del X Congreso

de la Rama Latinoamericana de la IASPM


Córdoba, Argentina, 18-22 de abril de 2012

Enfoques interdisciplinarios sobre Asociación Internacional


para el Estudio de
la Música Popular

músicas populares en Latinoamérica:


Retrospectivas, perspectivas, críticas y propuestas Centro de Investigación en
Artes Musicales y Escénicas
del Litoral Noroeste

Editor general:
Herom Vargas
Editores:
Claudia Neiva de Matos
Claudio Díaz
Heloisa de Araujo Duarte Valente
Herom Vargas
Pablo Alabarces
Institución editora:
IASPM-AL y CIAMEN
Actas del X Congreso
de la Rama Latinoamericana de la IASPM
Córdoba, Argentina, 18-22 de abril de 2012

Enfoques interdisciplinarios sobre Asociación Internacional


para el Estudio de
la Música Popular

músicas populares en Latinoamérica:


Retrospectivas, perspectivas, críticas y propuestas Centro de Investigación en
Artes Musicales y Escénicas
del Litoral Noroeste

Editor general:
Herom Vargas
Editores:
Claudia Neiva de Matos
Claudio Díaz
Heloisa de Araujo Duarte Valente
Herom Vargas
Pablo Alabarces
Institución editora:
IASPM-AL y CIAMEN

Coordinación de edición
en Montevideo:
Marita Fornaro

Diseño gráfico:
Patricia Kramer
Sebastián Pereira
Cómo citar el libro/Como citar o livro:

Vargas, Herom, et al. (eds.). 2013 - ¿Enfoques interdisciplinarios sobre músicas popu-
lares en Latinoamérica: retrospectivas, perspectivas, críticas y propuestas. Actas del X
Congreso de la IASPM-AL. Montevideo: IASPM-AL/CIAMEN (UdelaR).
ISBN ISBN 978-9974-0-1055-0
Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 967

Romantismo e resistência na música popular brasileira: o


Clube da Esquina entre a “fé cega” e a “faca amolada”
Sheyla Castro Diniz 1












































































































































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Resumo: Este artigo examina dois aspectos 1. Clube da Esquina como formação cultural dos trabalhos acadêmicos sobre o assunto, com-
muito presentes na plural obra dos artistas preendo que as principais características da turma
vinculados ao Clube da Esquina: o Roman- Milton Nascimento, Fernando Brant, Márcio Bor- se evidenciaram a partir do LP de Milton Nascimen-
tismo e a Resistência. De maneira informal ges, Ronaldo Bastos, Wagner Tiso, Toninho Horta, to Milton (EMI-Odeon, 1970), sendo confirmadas,
e espontânea, o grupo afirmou-se no merca- Novelli, Nivaldo Ornelas, Tavinho Moura, Lô Borges dois anos depois, no LP Clube da Esquina, álbum
do fonográfico na primeira metade dos anos e Beto Guedes destacaram-se como os expoentes duplo lançado pela mesma gravadora e assinado
1970, tendo Milton Nascimento como ícone mais significativos do Clube da Esquina. Essa tur- por Milton Nascimento e Lô Borges. Tais caracterís-
principal. Sobretudo entre 1970-78, a turma ma de amigos, músicos e letristas, gestada em Belo ticas, que serão abordadas mais adiante, guiaram
explorou em seu repertório diferentes fon- Horizonte/MG em meados dos anos 1960, atingiu as relações e as criações musicais da turma até
tes estéticas, como Bossa Nova, jazz, rock, o ápice fonográfico na primeira metade da década aproximadamente 1978, data em que foi lançado,
temas contraculturais, experimentalismo seguinte, conjugando uma pluralidade de referên- pela EMI-Odeon, o LP de Milton Nascimento Clube
e sonoridades que remetem a certas tradi- cias estéticas tidas como modernas ou tradicionais. da Esquina 2.
ções religiosas. A análise das capas dos LPs Além da Bossa Nova, do jazz (principalmente o cool
e a escuta atenta de várias canções permi- e o fusion) e do rock (a la Beatles e o progressivo), Além disso, na bibliografia historiográfica e musi-
tem perceber a aposta em valores alocados suas composições e arranjos também incluíram cológica disponível sobre o Clube da Esquina, as-
num passado idílico, além de críticas às im- temas provenientes do universo da contracultura sim como em entrevistas, materiais jornalísticos e
posições mercadológicas e o desejo de su- e elementos que remetiam a certas tradições mu- audiovisuais e em relatos e memórias, persiste uma
perar uma realidade de opressão atribuída sicais e religiosas do interior de Minas Gerais e da recorrente polêmica acerca da constituição, ou não,
à ditadura civil-militar brasileira. América Latina. do grupo como um movimento musical.2 Tomando
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Palavras-chave: Clube da Esquina, roman- Embora seja comum situar o Clube da Esquina





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como um grupo atuante no mercado fonográfico











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tismo, resistência, ditadura militar, indús-






















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tria fonográfica. desde os anos 1960, o que se verifica na maioria


Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 968

como ponto de partida essas fontes e referências Raymond Williams identificou, nas formações cul- Também é notório que os “sócios” do Clube da Es-
e com base, sobretudo, nos discos coletivamente turais, tendências ou movimentos assumidos por quina não se intitulavam portadores de uma ruptu-
elaborados pela turma ao longo dos anos 1970, seus expoentes e/ou rotulados ao longo de uma ra para com uma tradição da Música Popular Bra-
tendo a reconhecer no Clube da Esquina algumas história cultural. Pude notar, por meio de análises sileira e nem se postulavam declaradamente aves-
peculiaridades próprias de uma formação cultural, de depoimentos e relatos dos músicos e letristas do sos ao que se produzia musicalmente no mesmo
conforme uma das definições que Raymond Willia- Clube da Esquina, que no momento em que parti- período. Ainda é patente que, segundo eles, suas
ms cunhou para esse conceito: lhavam de interesses comuns (principalmente nos atividades não configuravam um “manifesto regio-
anos 1970), eles não se autoproclamaram como um nal mineiro”, ideia que foi de certo modo difundida
[...] não se baseiam na participação formal movimento musical. Isso inclusive se estende para dada a origem da maioria dos integrantes da tur-
de associados nem em qualquer manifes- a noção de grupo, a qual foi e segue sendo negada ma. Observando o Clube da Esquina a partir de sua
tação pública coletiva continuada, mas por alguns dos próprios artistas envolvidos.4 Tal ne- produção artística e das relações internas de seus
[...] existe associação consciente ou iden- gação é identificada por Raymond Williams como membros, é plausível considerar que ele se aproxi-
tificação grupal, manifestada de modo in- sendo típica de muitas formações culturais, devi- mou mais de uma tendência do que propriamente
formal ou ocasional, ou, por vezes, limita- do ao alto grau de informalidade e despojamento de um movimento, afirmação que, contudo, não in-
da ao trabalho em conjunto ou a relações que as define, o que as diferencia das instituições, tenciona negligenciar a evidente coletividade que
de caráter mais geral (Williams 1992: 68. geralmente mais formalizadas e com vínculos es- marcou a trajetória da turma.
Grifo do autor).3 treitos com instâncias como o mercado e o Estado

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(Williams 1979: 122). Para além do aspecto coletivo, os discos elabo-

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uma formação cultural, cujas bases já vinham sen-


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resistência cultural de cunho político e econômico,

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Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 969

crença em utopias revolucionárias mescladas com 2. Romantismo e Resistência do mercado: o capitalismo” (Löwy; Sayre 1994: 113;
o compadecimento para com o “povo” e os “po- 325).
bres”, e categorias como o existencialismo, a “mi- O romantismo – entendido aqui como uma “visão
neiridade”, a “latinidade” e o romantismo. Além de mundo” para além de um momento histórico ou Ao analisar grande parte da produção artística e in-
disso, as canções do grupo exprimem um intenso estético determinado – constitui, de acordo com telectual brasileira dos anos 1960, Marcelo Ridenti
diálogo com a literatura e o cinema, sem falar na Michel Löwy e Robert Sayre, uma forma específi- identificou, em obras literárias, cinematográficas e
busca por qualidade técnica na conjugação do ca de autocrítica da modernidade capitalista. Os musicais, elementos que permitem situar diversos
rock, do jazz, da Bossa Nova, da música “erudita” e “românticos” pretenderiam “resgatar” do passado autores, compositores e cineastas como adeptos
de outras fontes musicais. princípios e ideais cada vez mais desprezados pelo do romantismo revolucionário (Ridenti 2000). São
homem moderno: “comunidade, gratuidade, doa- emblemáticas, por exemplo, as canções daquela
Para fins deste artigo, destaco dois desses elemen- ção, harmonia com a natureza, trabalho como arte, década. Muitas delas, comprometidas com uma
tos que, em certa medida, se relacionam e englo- encantamento da vida” (Löwy; Sayre 1994: 325). “ideologia nacional-popular”, sustentavam-se em
bam os demais aspectos verificáveis na plural obra Contudo, essa autocrítica da modernidade capita- padrões estéticos considerados tradicionais, mas,
do Clube da Esquina situada ao longo da década lista atrelada à valorização e ao “apego ao passa- ao mesmo tempo, manuseavam esses padrões sob
de 1970: o Romantismo e a Resistência. A maio- do” retém algo de modernidade, pois os “românti- uma roupagem moderna associada à recorrente te-
ria dos músicos e letristas em pauta, contrários à cos” são formados por seu tempo. mática do “dia que virá”.
ditadura civil-militar brasileira, teceu duras críticas
a esse modelo político, o qual, sobretudo após a Löwy e Sayre entendem que o romantismo assim Pode-se dizer que os participantes do Clube da Es-
edição do Ato Institucional n.º 5, em dezembro de sistematizado pode combinar premissas ideoló- quina são, até certo ponto, herdeiros dessas coor-
1968, investiu em um programa de desenvolvimen- gicas que, aparentemente, soariam como contra- denadas históricas, sobretudo se levarmos em con-
to econômico conservador conhecido como “mila- ditórias, como é o caso do que eles chamam de ta que Milton Nascimento despontou para o grande
gre brasileiro”, fazendo valer sua força por meio de romantismo revolucionário e/ou utópico. Aqueles público no II Festival Internacional da Canção (II FIC),
contundentes aparatos de repressão e censura às compreendidos sob essa designação aspirariam evento exibido pela TV Record em 1967. Na ocasião,
produções intelectuais, artísticas e aos movimen- “à abolição do capitalismo ou ao advento de uma Milton defendeu sua música “Travessia”, com ver-
tos políticos de esquerda. Ao emergirem nesse utopia igualitária em que seria possível encontrar sos de Fernando Brant, cuja letra, sonoridade e in-
contexto, os discos elaborados pela turma do Clu- algumas características ou valores das sociedades terpretação estavam bastante aproximadas de uma
be da Esquina assumiram conotações reveladoras anteriores”. Tal situação estaria propositalmente perspectiva romântica e nacional-popular, apesar
de uma resistência cultural, permeada, contudo, destinada a questionar “o sistema econômico ba- de não evocar a retórica do “dia de amanhã”5. Con-
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Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 970

tudo, na década de 1970, o romantismo percebido religiosos, inocência, amor à natureza e elogio à “grupo mineiro” (expressão usualmente emprega-
nas obras dos artistas do Clube da Esquina – embo- infância, poderiam transformar o pensamento e a da para qualificar os “sócios” do Clube da Esquina
ra às vezes não deixasse de estar aliado a um viés práxis do homem ante sua realidade de opressão, ao longo dos anos 1970). A foto estampada na capa
revolucionário – passa a incorporar mais o sentido seja ela política ou econômica. do LP, que trazia apenas a figura de um menino
de uma resistência às novas condições políticas e branco e outro preto agachados na beira de uma
socioculturais deflagradas pelo endurecimento do Para além das canções do grupo, tais elementos estrada de terra, significava, segundo o fotógrafo
regime militar e seu consequente projeto econômi- podem ser igualmente encontrados nas capas e en- que a concebeu – Carlos da Silva Assunção Filho
co de modernização conservadora6. cartes dos discos, o que fica claro, por exemplo, se (Cafi) –, a “ruralidade” do Clube da Esquina8. Já Ro-
observarmos o aspecto imagético do álbum duplo naldo Bastos conta que
A resistência, circunscrita, nesse caso, ao âmbito de Milton Nascimento Milagre dos peixes, lançado
cultural, ao invés de apostar num futuro redentor, em 1974 pela EMI-Odeon7. Outro exemplo interes- [...] aquela foto foi o seguinte: a gente es-
assume um caráter de urgência e se volta para o sante aponta para a capa do LP Clube da Esquina, tava no fusquinha, numa estrada dessas,
presente, na intenção de denunciar, entre outros de 1972, a qual foi motivo de desavenças e negocia- e tinha dois garotos ali parados. Eu parei
aspectos, a estandardização e a mercantilização ções entre os artistas da turma e os diretores EMI- o carro e falei (não sei se foi o Cafi que fa-
da vida e da produção artística, assim como a cen- -Odeon, conflitos estes que abordarei em seguida. lou): “fotografa isso”. E fotografou. Foi as-
sura e a repressão militar. Todavia, essa resistência sim da janela, de dentro do fusca. A gente
– termo que tende “mais a um sentido defensivo 3. Censura e indústria fonográfica fotografou e foi embora.9
que ofensivo, menos à ação que à reação” (Riden-
ti 2004: 54) – também implicava ir buscar alento O processo de gravação, elaboração musical e grá- A imagem, que aludia, por exemplo, à história con-
numa visão idílica do passado, tempo potencial- fica do LP Clube da Esquina (EMI-Odeon, 1972) dá tada em “Morro velho” – canção de Milton Nasci-
mente concebido como aquele no qual era possível margem para se pensar sobre a relação entre Ro- mento que, junto com “Travessia”, concorreu no
vivenciar as melhores qualidades humanas. Refe- mantismo e Resistência presente na discografia do II FIC –, acabou representando os próprios Milton
rências advindas desse passado, incluso valores (o garoto negro mais velho) e Lô (o garoto branco

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Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 971

consistia no abandono da convencional fórmula de


se estampar o rosto dos cantores ou músicos nas
capas de seus discos. Tal ousadia, no entanto, pro-
vocou desavenças com a EMI-Odeon, que exigia ao
menos o nome dos autores do lado de fora dos LPs
lançados naquela época. Sem conseguir burlar, por
completo, tal imposição que visava ao lucro e à pro-
paganda, Cafi e outro fotógrafo (Nogushi) bolaram
uma contracapa que trazia o título “Clube da Esqui-
na” debaixo dos nomes de Milton Nascimento e de
Lô Borges. Porém, acompanhando os letreiros ha-
via um retrato no qual os dois músicos apareciam
caminhando ao lado de algumas crianças, numa
menção ao despojamento e à ludicidade que, par-
cialmente impedidos, continuaram presentes.

Figura 1: Capa do LP Clube da Esquina. Figura 2: Contracapa do LP Clube da Esquina.

O LP Clube da Esquina foi produzido num período lucros da empresa, já que, respeitada em seu meio
em que a indústria cultural e fonográfica brasileira por manter contratos com músicos “de qualidade”
passava por um processo de consolidação. As rela- – como também era o caso de Egberto Gismonti –,
ções despojadas e os arranjos conjuntos dos artis- ela contava com artistas de maior apelo popular
tas que o elaboraram, sobretudo nas dependências (cf. Morelli 2009: cap. 3).
dos estúdios da EMI-Odeon, indicam certa resistên-
cia ao “profissionalismo”. A gravadora, mesmo não Em 1976, “o responsável pelo cast considerado
alcançando uma renda vertiginosa com os LPs de ‘sofisticado’ da gravadora Odeon”, Mário Rocha,
Milton Nascimento, o mantinha em seu cast desde sublinhou que “não existem limitações de gas-
1969, garantindo-lhe uma significativa liberdade tos para os discos do Milton (...). Aqui na Odeon
de criação. Contudo, tal estratégia não afetava os todo mundo sempre acreditou nele. No início, ele
Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 972

não vendia quase nada, mas nós sabíamos que fazer uma capa que não tenha a foto do mentais: “Os escravos de Jó” (Milton Nascimento e
era uma questão de investimento”.10 Ou, como cara. E não tem nome nenhum!”. [...] Aí Fernando Brant), “Hoje é dia de El Rey” (Milton Nas-
relembra o letrista Márcio Borges reportando-se a ele me obrigou a fazer aquela contracapa, cimento e Márcio Borges) e “Cadê” (Milton Nasci-
uma fala de Milton Miranda, um dos diretores da que tem o letreiro “Milton Nascimento, Lô mento e Ruy Guerra).12 De outro lado, os participan-
gravadora: “Nós temos nossos comerciais. Vocês, Borges, Clube da Esquina”.11 tes do Clube da Esquina não passaram incólumes
mineiros, são nossa faixa de prestígio. A gravadora aos vetos impostos pela própria gravadora. Mais
não interfere; vocês gravam o que quiserem” (Bor- É curioso observar como esta declaração se cruza um exemplo a esse respeito aponta para a canção
ges 2011: 218). Sem embargo, em que pese essa e se contradiz com a fala anterior retirada do livro “Bodas”, que, criada por Milton Nascimento e Ruy
“permissividade”, as negociações que envolveram de Márcio Borges. Enquanto Márcio se recorda da Guerra para compor a trilha sonora de Os deuses
a elaboração do álbum Clube da Esquina deixam “extensa autonomia” garantida pelos diretores da e os mortos, foi impedida de figurar nas faixas do
entrever algumas limitações que nem sempre fo- Odeon à confecção do álbum duplo de 1972, Cafi LP Milagre dos peixes, sob o argumento de que
ram superadas. Segundo Cafi, culpa Milton Miranda por ter dificultado a produção seu conteúdo, por criticar o imperialismo inglês,
gráfica do LP. Percebe-se que “tudo” poderia ser “não era muito agradável para a rainha da Ingla-
Foi muita briga para fazer a capa do dis- consentido, desde que as intenções dos músicos terra, uma das principais acionistas da EMI – mul-
co Clube da Esquina. A Odeon tinha uma e dos demais artistas “mineiros” não inviabilizas- tinacional que mantém o controle sobre a Odeon
forma, uma maneira de fazer capa, que sem os objetivos da gravadora. brasileira”13.
era um plástico, uma coisa estranhíssi-
ma, era um envelope. Ao mesmo tempo, Não apartados dos processos de reestruturação da É possível argumentar, sob um ângulo diferente,
eu fiz aquela foto dos dois meninos, que indústria cultural e fonográfica, os protagonistas que a EMI-Odeon também era prejudicada pela
foi perto da fazenda do Ronaldo [Bastos]. do Clube da Esquina, juntamente com outros músi- censura militar às obras dos artistas que conser-
Eu olhei e disse: “A capa é essa!”. Fui na cos e compositores atuantes nos anos 1970, de um vava em seu catálogo. Todavia, a consolidação da
Odeon mostrar a capa, e tinha um diretor lado sofreram restrições da censura militar, como

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artístico – não tinha departamento gráfico ocorreu com três obras do LP de Milton Nascimento B2FLQHDVWD5X\*XHUUDIDPRVRSRUVHXV¿OPHVYLQFXODGRVj


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Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 973

indústria fonográfica, no Brasil, foi paradoxalmen- 4. “Fé cega, faca amolada”: a canção-faca você?/ Alvoroço em meu coração/ amanhã
te impulsionada pelo próprio Estado autoritário, ou depois de amanhã/ resistindo na boca
tendo em vista que o ato repressor atingia “a es- Voltando a analisar o LP Clube da Esquina, de da noite um gosto de sol/ (...) Num domin-
pecificidade da obra, mas não a generalidade da 1972, várias de suas músicas, assim como sua go qualquer, qualquer hora/ ventania em
sua produção” (Ortiz 2006: 89). Tais condições capa, abordam temas que conjugam Romantismo qualquer direção/ sei que nada será como
contextuais permitiram que a EMI-Odeon reunisse e Resistência. Principalmente no que se refere ao antes, amanhã/ Que notícias me dão dos
meios para manter em seu cast artistas que, recor- segundo aspecto, o arranjo da famosa composi- amigos?/ Que notícias me dão de você?/
rentemente, tinham obras proibidas pelo Serviço ção de Milton Nascimento “Nada será como an- Sei que nada será como está/ amanhã ou
de Censura e Diversões Públicas (SCDP), órgão que tes”, gravada nesse álbum sob uma sonoridade depois de amanhã/ Resistindo na boca da
se dedicava a avaliar a produção artística durante roqueira, dava sustentação aos versos de Ronaldo noite um gosto de sol.
a ditadura. O apoio do Estado no setor cultural foi Bastos, que os criou quando “lia um artigo sobre
igualmente decisivo para que as grandes gravado- a questão do ‘amanhã’ na música brasileira” (Se- Além da urgência externada nesses versos e no rit-
ras investissem em “faixas de prestígio”, ainda que veriano; Mello 1998: 176). Provavelmente, tal arti- mo apressado que os guia, essa composição pode
certos músicos não oferecerem lucros imediatos, go diz respeito a um texto amplamente divulgado ser considerada como um caso específico de meta-
atendendo apenas a uma demanda seleta do pú- de Walnice Nogueira Galvão (1976), que, publicado linguagem. “Nada será como antes”, na condição
blico. pela primeira vez em 1968, se intitulava “MMPB: de uma canção, refletia e se postulava contra um
uma análise ideológica”. Em seu ensaio, a autora recorrente conteúdo típico do cancionista popular:
Para concluir este artigo, proponho retomar a dis- depreciava certas composições que, segundo ela, a esperança projetada no “amanhã”. Sobre a letra
cussão acerca do Romantismo e da Resistência a se limitavam a esperar ou a proclamar, passivas, o da música, Ronaldo Bastos explicou:
partir de uma música registrada no LP de Milton fim da ditadura. Como que indo na contracorrente
Nascimento Minas (EMI-Odeon, 1975), a qual insti- da crítica, Ronaldo Bastos substituiu a visão utópi- (...) Tem um conteúdo político, mas tem
tui um elo imediato com uma composição gravada ca do “dia que virá” pela necessidade de resistir no uma discussão de um artigo que eu li
no LP Clube da Esquina, de 1972. Ambas as obras, “noturno” presente, contexto em que amigos esta- nessas revistas universitárias da época,
assim como diversas outras criadas pelos partici- vam presos ou desaparecidos. Sua letra dizia: que eu devia estar nas ocupações da fa-
pantes da turma, concebem a canção como um culdade de Filosofia da Maria Antônia [na
recurso sonoro e poético capaz de refletir não so- Eu já estou com o pé nessa estrada/ qual- USP]. E tinha uma intelectual discutindo
mente sobre o momento histórico vivenciado, mas quer dia a gente se vê/ sei que nada será a questão do amanhã na música brasi-
também sobre a própria forma estética. como antes, amanhã/ Que notícias me leira. Então, ao mesmo tempo em que é
dão dos amigos?/ Que notícias me dão de uma questão política, e antes de ser uma
Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 974

canção política, ela é uma canção sobre da cultura, vários compositores passaram a atuar [...] o canto fere os ouvidos penetrando na
a forma da canção, uma reflexão sobre a como “intelectuais” em seu meio. Conforme Naves, realidade do país como uma faca só lâmi-
canção e sobre o amanhã na canção (In: a Bossa Nova distinguiu-se por apresentar uma re- na pronta para recuperar para a canção
Tedesco 2000a: 178-179). finada autoconsciência e autocrítica da canção, tudo aquilo que de cortante, de incisivo,
haja vista que seus compositores desenvolveram de agressivo, ela perdeu paralisada entre
Apesar de conter metáforas que poderiam suscitar uma avaliação sobre a própria produção de música o extremo desespero e a esperança extre-
o veto do Serviço de Censura e Diversões Públicas popular, exacerbando uma crítica “textual” ou in- ma. Com uma clareza sem véus, essa can-
(SCDP), “Nada será como antes” foi liberada sem terna. Já a MPB – categoria instituída em meio aos ção-faca vai exercer sua função de radica-
maiores problemas, conforme consta nos documen- debates político-ideológicos dos anos 1960 – adi- lidade crítica: a esperança tem a ver com
tos oficiais que analisei junto ao Arquivo Nacional cionou, sem se descuidar da “forma”, uma crítica o futuro e com o desejo; o futuro é hoje;
do Rio de Janeiro. Isso reafirma, de certo modo, os “contextual”, ou externa, à sociedade de seu tem- hoje é noite (Starling 2004: 225).
vários sentidos gerados pela música, que, além de po (Naves 2010: 25-31; 39-43).
ser “política” (numa acepção mais estrita da pala- Vários exemplos a esse respeito poderiam ser aqui
vra), expressava, por um lado, uma reflexão exis- Os integrantes do Clube da Esquina, cuja atuação explorados, como é o caso de músicas como “Beco
tencial, e, por outro, uma crítica isofórmica. Isto é: coletiva foi intensa, sobretudo, no início dos anos do Mota” e “Sentinela” (Milton Nascimento e Fer-
uma crítica que, construída com letra e melodia e 1970, deram continuidade a esse caráter “crítico”, nando Brant. LP Milton Nascimento. EMI-Odeon,
dotada de uma linguagem roqueira, destinava-se a tanto do ponto vista “interno” e estético-musical 1969), “Clube da Esquina” (Milton Nascimento,
questionar a própria forma e o conteúdo da canção quanto “externo” e sociopolítico. A menção à “noi- Márcio Borges e Lô Borges. LP Milton. EMI-Odeon,
popular. te” presente em muitas canções da turma – menção 1970) e “Rio vermelho” (Milton Nascimento e Ro-
esta denotativa do contexto ditatorial de repressão naldo Bastos. LP Courage. A&M Records, 1968).14
Como demonstra “Nada será como antes”, as obras e cerceamento das liberdades civil e política – ten- Contudo, a ideia de canção-faca se evidencia, es-
da turma do Clube da Esquina concebidas nos anos de a estar revestida de uma “ponta de esperança” pecialmente, numa composição gravada no disco
1970 são representativas do que Santuza Cambraia não no amanhã, mas na práxis calcada na realida- Minas (EMI-Odeon, 1975): “Fé cega, faca amolada”,
Naves chamou de “canção crítica” (Naves 2010). de histórica, embora esta se volte para o passado de autoria de Milton Nascimento e Ronaldo Bas-
Para a autora, a canção popular brasileira – cons- na busca de valores supostamente perdidos com a tos, cuja interpretação ficou a cargo de Milton e
truída via modinha, lundu, valsa, choro, maxixe e modernidade capitalista. Para a historiadora Helo- Beto Guedes. Configurando-se como uma espécie
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“crítica” a partir da segunda metade do século XX. ser concebidas como canções-faca, pois
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Imersos num contexto de crescente massificação


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de resposta a “Nada será como antes”, tendo em Atrelada à expressão “faca amolada” – cujo ad- tece um diálogo com a ideias de comunhão e fra-
conta o estreito diálogo estabelecido entre as duas jetivo sugere o dúbio significado de “cortante” e ternidade, como se uma voz não devesse estar se-
letras, “Fé cega, faca amolada” estava igualmente “incomodada” – a “fé cega”, destemida, aparece parada da outra.
destinada, entre outros sentidos, a criticar a retóri- como um sentimento embasado menos no futuro
ca do “amanhã” na canção, conforme se nota, so- e mais no presente histórico. No entanto, caracte- O romantismo e a resistência que se percebem
bretudo, na primeira parte da letra: rizado pela urgente necessidade de resistir àquela inclusive nos aspectos formais dessa e de várias
conjuntura, tal sentimento não deixa de elucidar canções da turma do Clube da Esquina foram se
(MILTON): Agora não pergunto mais aon- um viés romântico, haja vista o declarado desejo modificando e se perdendo a partir do final da dé-
de vai a estrada/ agora não espero mais de recuperar e vivenciar princípios e valores emba- cada de 1970. No entendimento de Raymond Willia-
aquela madrugada/ vai ter, vai ter, vai ter sados no cristianismo. A alusão aos símbolos cris- ms (1980), qualquer formação cultural ativamente
de ser, vai ser faca amolada/ o brilho cego tãos como a “paixão de Cristo” (o “trigo” e o “vi- contestatória de certos valores dominantes conju-
de paixão e fé/ faca amolada. nho”), a oração do Pai Nosso (“pão de cada dia”), ga caracteres indicativos de uma fração de classe.
(BETO): Deixar a sua luz brilhar e ser mui- os “discípulos” (“sal da terra”), a “luz” e o “irmão Para o autor, esses caracteres, em maior ou em
to tranquilo/ deixar o seu amor crescer/ e de fé” fazem jus à crença na fraternidade, na comu- menor escala, determinam (no sentido de exercer
ser muito tranquilo/ brilhar, brilhar, acon- nhão, na amizade e na solidariedade. limites e pressões) a diluição posterior e a possível
tecer, brilhar, faca amolada/ irmão, irmã, integração das formações a uma nova ordem vigen-
irmã, irmão de fé, faca amolada. Essas referências, não circunscritas apenas aos te. No caso do grupo “mineiro”, isso pode ser pen-
(MILTON): Plantar o trigo e refazer o pão versos da letra, repercutem na sonoridade, a qual, sado na medida em que as demandas individuais
de cada dia/ Beber o vinho e renascer na nesse caso, se mostra bem mais “solar” que “no- de seus participantes somaram-se ao emergente
luz de todo dia/ a fé, a fé, paixão e fé, a turna”. Ademais de intervenções dos teclados e quadro político do final dos anos 1970. Em meio
fé, faca amolada/ o chão, o chão, o sal da guitarras e do sax-soprano tocado por Nivaldo Or- aos processos que levaram à redemocratização,
terra e o chão, faca amolada. nelas, ouve-se um arranjo tipicamente roqueiro que foi louvada e cantada principalmente por Mil-
(BETO): Deixar a sua luz brilhar o pão de adensado a partir da metade da música. Já no que ton Nascimento e Fernando Brant, as especificida-
todo dia/ deixar o seu amor crescer na luz compete à interpretação, se Milton Nascimento, des mais marcantes do Clube da Esquina perderam
de cada dia/ vai ser, vai ser, vai ter de ser, com seu timbre e falsete “aveludados”, assume o o fio condutor.
vai ser muito tranquilo/ o brilho cego de papel de “fé cega”, Beto Guedes, com sua emissão
paixão e fé, faca amolada. naturalmente metálica e aguda, encarna a própria O LP Geraes, de 1976, por exemplo, embora tenha
“faca amolada”. Pode-se cogitar, nessa direção, explorado canções cujos temas e sonoridades
que até mesmo a performance dos dois cantores enaltecem tradições culturais e a “força do povo”
Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 976

latino-americano, não prezou pelo experimentalis- tucional n.º 5 –, funcionou como uma espécie de
mo tal qual verificado nos fonogramas anteriores. “matéria-prima” para a produção e a atuação do
Ainda que Geraes estabeleça com o LP precursor, grupo.
Minas, uma estreita comunicação entre seus títulos
e entre o acorde orquestral que liga a primeira faixa
de um com a última do outro – respectivamente as
composições Fazenda e Simples (de Nelson Ânge-
lo) –, eles comportam características diferenciadas
em seus modos de produção. Em Geraes, assim
como no álbum de Milton Nascimento Clube da
Esquina 2 (de 1978), o caráter coletivo não deixou
de estar presente. Porém, essa coletividade foi aos
poucos preterida por um envolvimento profissional
mais especializado e racionalizado, sem falar nos
eventuais conflitos internos que, às vezes muito
aguçados, podem comprometer qualquer turma de
amigos, também vulneráveis ao longo de transfor-
mações estruturais.

Pensar o Clube da Esquina é pensar a heterogenei-


dade de uma trajetória artística. Longe de se resu-
mir apenas em duas categorias analíticas, a turma
carrega em sua(s) história(s) traços de Romantismo
e Resistência somente possíveis de serem decodi-
ficados quando se tem como contexto a ditadura
civil-militar brasileira. Carregada de contradições,
tal época – e principalmente os anos marcados
pela atuação mais violenta do chamado Ato Insti-
Enfoques interdisciplinarios sobre músicas populares en Latinoamérica 977

Referências

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Milton Nascimento. LP Clube da Esquina 2. EMI-Odeon, 1978.

Fonte jornalística

Jornal de música, 23 set., 1976.

Fonte eletrônica

Site do Museu Clube da Esquina: <http://museuclubedaesquina.org.br>. Consulta: 11 jun. 2011.

Entrevistas

Entrevista de Fernando Brant concedida à autora. Gravação digital, dur. 60 min., Belo Horizonte/MG, 30 jul. 2010.

Entrevista de Márcio Borges concedida à autora. Gravação digital, dur. 60 min., Belo Horizonte/MG, 29 jan. 2011.

Entrevista de Tavinho Moura concedida à autora. Gravação digital, dur. 60 min., Belo Horizonte/MG, 31 jan. 2011.

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