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Escola Secundária Rodrigues de Freitas

TEXTO DE APOIO
Ano lectivo: 2003/04

O teatro de Gil Vicente

Durante a Idade Média existiu um teatro religioso, nascido, em parte pelo menos, das
representações litúrgicas do Natal e da Páscoa. Os seus géneros principais são, no século xv, os
mistérios, que punham em cena, de forma mais ou menos realista, com centenas de figurantes e
dezenas de episódios, a vida de Cristo segundo o Novo Testamento, e a parte do Velho
Testamento que se considerava como «prefiguração» daquele; as moralidades, peças mais curtas
cujas personagens eram abstracções personificadas, como os vícios e virtudes, ou tipos
psicológicos; os milagres, que apresentavam situações dramáticas das vidas dos santos, ou em
que estes ou a Virgem intervinham miraculosamente; as farsas, género particularmente popular,
normalmente de intenção satírica; as sotties, espécie de farsas cujos protagonistas eram
«parvos». O que permitia críticas livres e aceradas. Havia ainda representações mais breves,
como os «sermões burlescos», monólogos recitados por actores ou jograis mascarados com
vestes sacerdotais.
Faltam documentos a testar a existência de mistérios, moralidades, e milagres em
Portugal. Sabe-se, no entanto, que se representavam ou improvisavam sermões burlescos, se
mimavam pequenas farsas sobre histórias de clérigos e freiras; que nas igrejas e abadias, por
ocasião do Natal, da Páscoa e da procissão de Corpus Christi, se realizavam «jogos» e «autos»,
«representações», com pastores e reis magos adorando o Presépio, apóstolos, santos, máscaras e
figuras alegóricas da anjos ou demónios. Os «momos» da corte de D.João II e de D.Manuel não
passam de pantomimas alegóricas muito espectaculares, com escasso diálogo em verso;
limitam--se a vistosos desfiles de personagens das novelas cavaleirescas ou de símbolos da
majestade régia aquém e além-mar. Ficou célebre o momo do Cavaleiro do Cisne,
comemorativo do casamento do Príncipe D. Afonso, em que o próprio rei, D. João, fez um
papel. Encontramos já no Cancioneiro Geral pequenas farsas ou sketches, como os de Anrique
da Mota, que estão na linha de desenvolvimento de uma tradição de trebelhos, arremedações ou
arremedilhos, cuja existência se pode documentar na corte portuguesa desde o tempo de
D.Sancho I.
No início da sua carreira teatral, Gil Vicente não aparece ligado a esta tradição, aliás
mal conhecia. A primeira peça vicentina, o Auto da Visitação, é o simples monólogo de um
Vaqueiro, destinado, a festejar o nascimento de um príncipe (o futuro D.João III), e filia-se
directamente em representações de outro poeta palaciano, o castelhano Juan del Encina, cuja
linguagem inclusivamente imita. A corte portuguesa era bilingue, sendo castelhanas todas as
esposas dos reis de Portugal no século XVI. Por via dos contactos entre as cortes peninsulares,
Gil Vicente como, de resto, todos os poetas portugueses do Cancioneiro Geral, conhecia
familiarmente os poetas de língua castelhana. Assim é que os seus primeiros pastores têm a
propriedade singular de falar, não o português rústico, mas um dialecto semicastelhano,
semileonês, aliás já literariamente artificializado e convencionalizado, o saiaguês, que Juan del
Encina e seu discípulo, como ele de Salamanca, Lucas Fernández, trouxeram para a cena.
Mas, à medida que vai avançando e enriquecendo as suas formas e reportório teatral,
Gil Vicente integra novos elementos, alguns sem dúvida tradicionais (…).

Óscar Lopes e António José Saraiva, História da Literatura

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