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CURSOS DE ESTETICA Volume III G. W. F. Hegel Tradugio Marco Aurélio Werle / Oliver Tolle wag bez NS! 422662 Titulo do original: Vorlesungen ilber die Asthetik Dados Intermacionais de Catalogagio na Publicago (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 1770-1831. (Cursos de Extées, volume IT Georg Wilhelm Friedrich Hegel: tradugio de Marco Auzélio Werle, Oliver Toll; consuteria Victor Kall = Sto Paulo: Editor da Universidade de $30 Paulo, 2002, ~ (Clssi- 0s; 24) “Titulo original: Vorlesungen Ober Die Ashett ISBN 85-314-0678-1 LAne = Filosofia 2. Ane—Histria 3. Estéica 4, Filosofia ‘Alema I.Titulo. 1. Série. 2.0492 cpp-701.17 Indices par calogositemdtico: L.Estica:Anes 701.17 DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL AIAN Dircitos em lingua portuguesa reservados 2 [Edusp ~ Eaitora da Universidade de Sto Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, Travesss J, 374 6° andar ~ Ea. da Antiga Reitoria ~ Cidade Universitiria (05508-900 ~ Sto Paulo ~ SP ~ Brasil ~ Fax (Oxx11) 3091-4151 Tel. (Oxx11) 3091-4008 / 3091-4150 www.usplbrledusp ~ e-mail: edusp@edu.usp br Printed in Brazil 2002 Fol feito 0 depésito legal SUMARIO Nota dos tradutores Parte II. © SISTEMA DAS ARTES PARTICULARES 3 Introdugao 15 DIVISAO .. ee ee fad Primeira Segdo: A ARQUITETURA ..... 31 Primeiro Capitulo: A ARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA .... 39 1. OBRAS DE ARQUITETURA CONSTRUIDAS PARA A REUNIAO DOS FOVOS 2. OBRAS DE ARQUITETURA QUE OSCILAM ENTRE A ARQUITETURA E A ESCULTURA. : 44 a. As colunas féllicas etc. 44 b. Obeliscos etc. .. . 46 ¢. Templos egipcios 47 3, PASSAGEM DA ARQUITETURA AUTONOMA PARA A CLASSICA, a a. Construgdes subterrdneas indianas e egipcias b, Habitagdes dos mortos, piramides etc. c. Transigdo para a arquitetura que tem serventia Segundo Capitulo: A ARQUITETURA CLASSICA 1. CARATER UNIVERSAL DA ARQUITETURA CLASSICA 4a. Serventia para uma finalidade determinada a b, Adequagao do edificio d sua finalidade ........... : (CURSOS DE ESTETICA ¢.A casa como tipo fundamental ......0.000.. cece vsveee sees OF 2../AS DETERMINAGOES FUNDAMENTAIS PARTICULARES DAS FORMAS ARQUITETONICAS eee a. Da construcdo de madeira e da construgéo de pedra b. As Formas particulares do templo ©. O templo cléssico como um todo 3. AS DIVERSAS ESPECIES DE CONSTRUGAO DA ARQUITETURA CLASSICA - a. A disposicdo dérica, jénica e cortntia das colunas .. b. A construgdo romana da abdbada de arcos .. 7 a8 c. Carter universal da arquitetura romana Terceiro Capitulo: AARQUITETURA ROMANTICA ..... 41. CARATER UNIVERSAL. 2. Mopos PARTICULARES DA Co? cAGAO ARQUITETONICA a. O edificio inteiramente fechado como Forma fundamental ..... 86 b. A forma do interior e do exterior .. c. A decorag@o ...... 3, DIFERENTES ESPECIES DE CONSTRUCAO DA ARQUITETURA ROMANTICA ..... 97 a. A arquitetura pré-gética . 97 b. A arquitetura gética propriamente dita . 97 ¢.A arguitetura civil da Idade Média + 98 Segunda Segao: A ESCULTURA 101 Primeiro Capitulo: O PRINCIPIO DA PROPRIAMENTE DITA .... 1 1. O CONTEUDO ESSENCIAL DA ESCULTURA ll 2. A BELA FORMA DA FIGURA [GESTALT] ESCULTORICA . 14 a. Eliminagao da particularidade da aparigdo [Erscheinung] .... 117 b, Eliminagao da expresséio facial ............ - IT ¢. A individualidade substancial beete eee eeeseeteen eens 118 3. A ESCULTURA COMO ARTE DO IDEAL CLASSICO ....-- 0.0005 wees HD Segundo Capitulo: 0 IDEAL DA ESCULTURA . . 121 1. CaRATER UNIVERSAL DA FoRMA [GESTALT] ESCULTORICA IDEAL 123 2. Os ASPECTOS PARTICULARES DA ForMa [GESTALT] ESCULTORICA IDEAL COMO TAL 2. ee. 2 eee ee 126 a. O perfil grego .. 127 b. Posicdo e movimento do corpo 136 ©. Vestimenta .....0660.5 eee 139 3. INDIVIDUALIDADE DAS FORMAS [GESTALT] ESCULTORICAS IDEAIS 147 a. Atributos, armas, ornaments etc. ...... bette eeeeeeeees 148 SUMARIO b, Diferencas de idade e de sexo relativas aos deuses, herdis, homens, animais 151 Bic ontasan tenet eae 187 Terceiro Capitulo: AS DIVERSAS ESPECIES DE EXPOSIGAO E DE MATERIAL E OS ESTAGIOS HISTORICOS DE DESENVOLVIMENTO DA ESCULTURA sees + 161 1. Moos DE EXPOSICAO ..... ceeeeee 1GL a. A estétua singular 00.0000 ev vee vevveeteeeeeee sees 162 b. O grupo .. ceveeeeeees 163 CO PEVO oie ecient -. 166 2) MaremiAU DA ESCULIUEAL Tee tr te seveeee 167 a. Madeira ...... ee ee 168 b. Marfim, ouro, bronze, mérmore ....6.ce evens vee 169 cc. Pedras preciosas e vidro . seen eee . 172 3. ESTAGIOS HISTORICOS DE DESEN) Sere ee ee a. A escultura egipcia ... . 175 b. A escultura dos gregos e dos romanos . 179) ©. A escultura crista i = 182 Terceira Segdo: AS ARTES ROMANTICAS » 187 Primeiro Capitulo: A PINTURA ........ cess 195 iE OlcatATeN GAL DNENIURAL yee ttn ere 197) a. Determinagao principal do contetido 200 b. O material senstvel da pintura .. 202 c. Principio do tratamento artistico .. 207 2. A DETERMINIDADE PARTICULAR DA PINTURA . 210 a. O contetido roméntico ........ nee eeee 210 b. As determinagdes mais precisas do material sensivel ......... 230 ¢. A concepgao, a composigio e a caracterizagao artisticas ..... 242 3. O DESENVOLVIMENTO HISTORICO DA PINTURA veeeeeees 259 a. A pintura bizantina ........ ceceeeeeeeee 261 B.A pintura italiana 262 c. A pintura holandesa e alema beeen eee 271 Segundo Capitulo: AMUSICA .......0.00 0c ccc cee eeee eee eee eens 277 1, O CARATER GERAL DA MUSICA ces 281 a. Comparagao com as artes plasticas e a poesia 281 b. Concepgdo musical do contetido wee 289 c. Efeito da misica vee eeeeeeeeeeee . 291 2. A DETERMINIDADE PARTICULAR DOS MEIOS DE EXPRESSAO MUSICAL ..... 296 CURSOS DE ESTETICA 4a. Medida temporal, compasso e ritmo .. 6. A harmonia c.A melodia .. 3. A RELAGAO DOS MEIOS DE EXPRESSAO MUSICAL COM 0 SEU CONTE“DO .. 319 a. A misica de acompanhamento .... a6 322 b. A misica auténoma seeee 335 ©. A execucao artistica 338 IGLOSSARION eee ee eae 343 10 NOTA DOS TRADUTORES istema das artes O terceiro volume dos Cursos de Estética, que contempla 0 particulares ~ exceto a poesia, a qual constituiré o objeto do quarto € tltimo volume = apresentou algumas dificuldades especificas de tradugio, relacionadas a0 dominio de cada uma das artes particulares examinadas por Hegel. Os problemas enfrenta- dos foram principalmente os seguintes: 1) Tendo em vista o dominio préprio de cada arte, por vezes a tradugao teve de encontrar equivaléncias que se adaptassem menos aos conceitos gerais da estéti- ca hegeliana, jé estabelecidos nos volumes anteriores com uma tradugdo padrio, do que a0 Ambito da matéria de cada uma das artes. Ou seja, certos conceitos gerais da estética hegeliana, quando inseridos no contexto especifico de uma arte, tiveram de ser traduzidos segundo este ambito particular € nfo segundo seu significado mais geral. Este foi o caso do termo Innigkeit, que anteriormente, no dominio da Forma de arte romantica, foi traduzido por “interioridade”, mas no atual campo da pintu- ra, que lida com a interioridade por assim dizer sensivel ¢ ligada a casos concretos particulares, tivemos de optar por “intimidade”. Entre as artes, igualmente teve de ser observado sempre o contexto particular: o termo Ton na pintura significa “tom”, por exemplo, um tom de cor, ao passo que na misica “som” e, em alguns casos inclusive também “tom”, por exemplo, um tom melédico. Por outro lado, no titulo “artes particulares”, 0 adjetivo einzelnen no pode ser traduzido segundo sua signi- ficago I6gica de “singular”, pois ndo faz sentido falar em “artes singulares”. 2) Na abordagem hegeliana das artes particulares pode-se notar que cada uma das artes € situada por meio de termos-chaves que sfo, por definigio, multivocos. (CURSOS DE ESTETICA Hegel opera com estes termos chaves explorando seus diferentes sentidos, ora em- pregando-os em casos particulares, ora extraindo deles definigdes gerais, tornando assim impossivel uma tnica tradugdo. Na arquitetura, por exemplo, o termo cen- tral UmschlieBung foi, na maior parte das vezes, traduzido por “envoltura", em- bora o termo alemio nio se limite a este Gnico significado, pois Umschliefung é a substantivagdo de umschliefen, que € tanto “envolver”, “fechar”, quanto “cer- car”. UmschlieBung, por isso, em alguns casos, foi traduzido por “recinto fecha- do”. O termo Umgebung, por sua vez, ora foi traduzido por “ambiente”, quando se referia A paisagem préxima A obra arquitet6nica, e por “entorno” quando se re- feria a um espaco imediatamente contiguo 4 obra arquiteténica. 3) Uma terceira dificuldade diz respeito aos termos técnicos de cada uma das artes, pois tanto a arquitetura e a escultura quanto a pintura ¢ a musica possuem nogdes especificas que devem ser traduzidas segundo seu sentido peculiar. Para tan- to, procuramos consultar diciondrios e enciclopédias especializadas, bem como es- tudiosos de cada uma das artes em questio, no esquecendo também que muitos termos tinham na época de Hegel um sentido distinto do que tém hoje. E aqui apro- veitamos para agradecer a Ronel Alberti da Rosa pela leitura atenta que fez do ca- pitulo da mdsica e por suas valiosas sugestdes. |245|PARTE IIL O SISTEMA DAS ARTES PARTICULARES Introdugéo A primeira parte da nossa ciéncia referia-se ao conceito universal e a efetivi- dade do belo na natureza € na arte: 0 belo verdadeiro e a arte verdadeira, 0 ideal na unidade ainda no desenvolvida de suas determinages fundamentais, independen- temente do seu contetido particular e seus diferentes modos de aparigao. Em segundo lugar, esta unidade sélida em si mesma do belo artistico se desdo- brou em si mesma em uma totalidade de Formas de arte, cuja determinidade era 20 ‘mesmo tempo uma determinidade do contetido, o qual o espirito artistico [Kunstgeist| tinha de configurar a partir de si mesmo em um sistema articulado em si mesmo de concepgées de mundo [Weltanschauungen] belas do divino e do humano. O que falta ainda a estas duas esferas é a efetividade no elemento do exterior mesmo. Pois embora faléssemos — tanto no ideal como tal quanto nas Formas par- ticulares do simbélico, do clssico do romantico — sempre da relagdo ou da me- diagdo completa do significado como do interior e de sua configuraco no exterior € no que aparece, era, porém, considerado [como] esta realizagao apenas a produ- Go mesma ainda interior da arte no circulo das concepgées de mundo universais, nas quais ela se desdobra. Mas, na medida em que reside no conceito do belo mes- mo se fazer, como obra de arte, exterior para a intuigdo imediata ¢ objetivo para os sentidos e a representacdo sensivel, de modo que o belo apenas por meio desta exis- téncia pertencente a ele mesmo se torna verdadeiramente para si mesmo 0 belo € 0 ideal, entao, em terceiro lugar, temos ainda de olhar este circulo da obra de arte que se efetiva no elemento do sensivel. Pois apenas por meio desta altima configu- ragdo a obra de arte € verdadeiramente concreta, um individuo ao mesmo tempo real, encerrado em si mesmo, singular. 1 (CURSOS DE ESTETICA [246] © contetido deste terceiro ambito da estética s6 pode ser constitufdo pelo ideal, j4 que 0 ideal € a Idéia do belo no conjunto [Gesamtheit] de suas con- cepgies de mundo, a qual se objetiva. Por isso, a obra de arte hé de ser apreendida também agora ainda como uma totalidade [Totalitdt] em si mesma articulada, no entanto como um organismo cujas diferengas, se elas j4 se particularizavam na se- gunda parte em um circulo de concepgdes de mundo essencialmente diversas, ago- ra se desmembram como elos isolados, dos quais cada um se torna por si um todo autGnomo ¢ nesta singularidade pode conduzir & exposicao a totalidade [Totalitat] das diferentes Formas de arte. Em si, segundo 0 conceito, certamente 0 conjunto [Gesamtheit] desta nova efetividade da arte pertence a uma totalidade (Totalitat); mas na medida em que é 0 dominio da presenga sensivel no qual a mesma torna-se real a si mesma, agora o ideal se dissolve em seus momentos ¢ fornece a eles uma duragdo aut6noma por si mesma, embora eles surjam um para 0 outro, relacionem- se essencialmente entre si e possam se complementar reciprocamente. Este univer- 80 artistico real & o sistema das artes particulares. ‘Assim como as Formas de arte particulares [besonderen], tomadas como to- talidade, tem em si mesmas um progredir, um desenvolvimento do simbélico para © cléssico ¢ para 0 romantico, encontramos por um lado também nas artes particu- lares [einzelnen] semelhante progredir, na medida em que séo as Formas de arte mesmas que alcancam sua existéncia por meio das artes particulares. Por outro lado, contudo, as artes particulares também tém, independentemente das Formas de arte, as quais elas objetivam, em si mesmas um vir a ser, um decurso, que € nesta sua relagio mais abstrata comum a todas. Cada arte tem 0 seu tempo de florescimento de formagéo consumada como arte ~ ¢ para ambos os lados um antes ¢ um depois desta consumago. Pois os produtos do conjunto das artes s4o obras do espirito e, portanto, nao estdo imediatamente prontos no interior de seu dominio determinado tal como as configuragdes da natureza, mas séo um comegar, progredir, consumar ¢ finalizar, um crescer, florescer e degenerar. |247| Estas diferengas mais abstratas, cujo decurso, j4 que o mesmo se faz valer em todas as artes, queremos aqui indicar logo de inicio de modo breve, so aquilo que se cuida de designar costumeiramente sob 0 nome de estilo rigido, ideal ¢ agraddvel como os diversos estilos artisticos, 08 quais se referem princi- palmente aos modos de intuigdo e exposigdo universais, em parte com respeito A Forma exterior ¢ a sua no liberdade, liberdade, simplicidade, sobrecarga em detalhes etc., em geral se referem a todos os aspectos, segundo os quais a deter- minidade do contetido irrompe no fenémeno exterior; em parte concernem ao lado do aprimoramento técnico do material sensfvel, no qual a arte leva 0 seu Con- tetido A existéncia 16 itropucio E um preconceito corrente pensar que a arte teve inicio com o simples ¢ 0 natural. Sem divida isso pode ser admitido em certo sentido; o rude e o selvagem, a saber, so sobretudo o espfrito auténtico {echren] da arte frente ao mais natural € mais simples. Uma outra coisa, porém, € 0 natural, 0 vivo e o simples da arte en- quanto bela arte. Aqueles infcios que so simples e naturais no sentido da rudeza ainda no pertencem de modo algum a arte e & beleza; tal como criangas fazem figuras [Figuren] simples e desenham com alguns tragos informes uma forma hu- mana, um cavalo etc. A beleza como obra do espirito [Geisteswerk], a0 contratio, necessita mesmo para os seus infcios j4 de uma técnica formada, de miltiplas ten- tativas ¢ de exercicio; € 0 simples como simplicidade do belo, a grandeza ideal, sdo muito mais um resultado que apenas depois de vérias mediagSes chegou a trans- por o miltiplo, o variegado, 0 confuso, o extravagante, o que é laborioso, ¢ a es- conder e apagar todos os preparativos e revestimentos justamente neste triunfo, de modo que a beleza livre parece surgir completamente desimpedida de um s6 golpe. Do mesmo modo se dé com o comportar-se de um ser humano culto que em tudo que fala e faz se move inteiramente com simplicidade, liberdade ¢ naturalidade, porém|248|ndo possui de safda esta liberdade simples, mas a alcangou antes de tudo como resultado de uma formagdo consumada. Por isso, tanto segundo a natureza da coisa quanto segundo a historia efetiva, a arte aparece em seus infcios muito mais como 0 artificioso [Kiinstlichkeit] e pe- sada, muitas vezes pormenorizadamente em coisas secundérias, laboriosamente na elaboragao dos revestimentos ¢ dos entornos em geral; e quanto mais composto ¢ diverso € este exterior, tanto mais simples € entdo 0 expressivo propriamente dito; isto 6, tanto mais pobre permanece a expresso verdadeiramente livre, viva, do es- piritual em suas Formas ¢ movimentos. ‘Segundo este lado, as primeiras, mais antigas, obras de arte forneceram em todas as artes particulares 0 conteiido em si mesmo mais abstrato, hist6rias simples na poesia, teogonias efervescentes com pensamentos abstratos ¢ o desenvolvimento incompleto deles, santos singulares em pedra ¢ madeira etc.; ¢ a exposigao perma- nece grosseira, monGtona ou confusa, rija, seca. Particularmente na arte plastica a expressio facial é embotada, nfo no repouso da reflexdo [Sinnes] em si mesma es- piritual, profunda, mas no repouso do vazio animal, ou, inversamente, aguda ¢ exa- gerada em tragos caracteristicos. De igual modo também as Formas corpéreas ¢ seus as pernas n&o estiio afastadas ou sdo movidas desajeitada, angulosa ou agudamente, alids, as figuras so também informes, muito comprimidas ou exageradamente magras e alon- gadas. Ao contrério, nas obras exteriores — trajes, cabelos, armas ¢ enfeites seme- Ihantes — € empregado na maioria das vezes muito amor e esforgo, mas as pregas movimentos so mortos, os bragos, por exemplo, esto ao longo do corpo, a CURSOS DE ESTETICA dos trajes, por exemplo, permanecem desajeitadas ¢ auténoma: as Formas corpéreas ~ tal como podemos ver com frequéncia nas imagens de Maria ¢ santos de tempos primevos -, em parte enfileiradas com regularidade uniforme, em parte dispostas diversamente em Angulos abruptos, nao fluidos, mas larga ¢ ampla- mente dispersos. De igual modo, as primeiras poesias so alquebradas, desconexas, monsétonas, dominadas abstratamente por uma representagao ou |249| sentimento somente, ou também selvagens, impetuosas, o singular esté entrelagado de modo nao fem se adaptarem claro ¢ 0 todo ainda nao foi costurado em uma organizagao interior firme. Mas o estilo, como temos de consideré-lo aqui, comega, por isso, depois de tais trabalhos prévios, primeiramente com a arte autenticamente bela. Certamente 0 esti- lo € nela de comego igualmente ainda dspero, porém jé suavizado com maior beleza para o rigido. Este estilo rigido € a abstragao suprema do belo que se detém no im- portante, 0 expressa e expée em suas grandes massas, ainda desprezando o encanto € a graga, deixando que a coisa mesma domine a situagdo e principalmente néo dis- pensando muito esforco e preparacio [Ausbildung] para as coisas secundédrias. Neste caso, 0 estilo rigido também se prende ainda a reprodugdo do existente. Como ele, por um lado, segundo o contetido, encontra-se, com respeito as representagdes ¢ & exposigdo, no dado, por exemplo, na tradigao religiosa consagrada existente, cle quer também, por outro lado, que se imponha a coisa [Sache] 4 Forma exterior ¢ ndo meramente & sua prépria invengao. Pois ele se satisfaz com 0 efeito grandioso geral de que a coisa seja, ¢ persegue também na expresso 0 que é € 0 existente. De igual modo, todo o contingente é mantido & distancia deste estilo, para que nao aparente [scheine] a penetracZo do arbitrio € da liberdade da subjetividade; os motivos so simples, os fins expostos so poucos, ¢ assim nao se mostra entéio também nenhuma grande diversidade no singular da configurago, dos misculos, dos movimentos. Em segundo lugar, 0 estilo ideal, puramente belo, paira no centro entre a ex- pressfo apenas substancial da coisa e o sair-para-fora inteiro para o aprazfvel. Po- demos designar como o cardter deste estilo a suprema vitalidade em uma grandeza silenciosa bela, tal como a mesma pode ser admirada nas obras de Fidias ou em Homero. Isto é uma vitalidade de todos os pontos, Formas, giros, movimentos, membros, nos quais nada & sem significado e destitufdo de expressividade, mas tudo € ativo ¢ eficiente e indica a excitag3o, |250| 0 pulso da vida livre mesma, de qualquer modo que a obra de arte seja Considerada; uma vitalidade que expde, no entanto, essencialmente apenas um todo, que € apenas a expressio de um conteiido nico, de uma individualidade ¢ agao sini as. Em tal vitalidade verdadeira encontramos mais adiante ento a0 mesmo tem- po 0 alento da graga derramado sobre a obra inteira. A graga é um voltar-se para 0 ouvinte, 0 espectador, aquele que é desprezado pelo estilo rigido. Contudo, mesmo is irropugio que a Céris', a Gratia se mostre também apenas como um agradecimento, um apra- zimento diante de um outro, ela permanece todavia no estilo ideal completamente livre de toda intengdo de agradar. Podemos explicar isso de modo mais especulativo da seguinte maneira. A coisa [Sache] 6 0 substancial concentrado, fechado para si mesmo. Mas na medida em que cla entra na apari¢o por meio da arte e, por assim dizer, se esforga com isso em existir para os outros, em transitar de sua simplicida- de e solidez em si mesma para a particularizacdo, divisto e singularizagao, entdo este progresso na existéncia [Existenz] para os outros ha de ser interpretado igual- mente como um aprazimento pelo lado da coisa, na medida em que ela nao apa- rente por si mesma necessitar desta existéncia [Dasein] mais concreta e, mesmo assim, verte-se para nés completamente na mesma. Tal encanto, contudo, pode fa- zer-se valer neste estigio apenas se 0 substancial, mantido em si mesmo, ao mes- mo tempo existe também despreocupadamente frente A graga de sua apari¢ao [Erscheinung}, que floresce apenas para fora como uma espécie de excesso. Esta indiferenga da confianga interior para com a sua existéncia, este repouso dela em (0 0 que constitui a negligéncia da graga, a qual nao introduz imediata- mente nenhum valor nesta sua aparigao. Justamente nisso hé de ser procurado ao mesmo tempo o cardier elevado do estilo belo. A bela arte livre é descuidada na Forma exterior, na qual ela nao deixa ser notada nenhuma reflexao, nenhuma fina- lidade, nenhuma intencionalidade, mas em cada expresso, em cada voltar-se, ape- nas aponta para a Idéia ¢ alma do todo. Apenas deste modo € conservado o ideal [ideale] do estilo belo, 0 qual no € nem aspero nem rigoroso, mas j4 se abranda 251| na serenidade do belo. Nenhuma exteriorizacao, nenhuma parte, sofre vio- si mesma, Iéncia, cada membro aparece por si mesmo, alegra-se de sua prdpria existéncia, todavia resigna-se ao mesmo tempo de ser apenas um momento do todo. E isso so- mente que fornece na profundidade ¢ determinidade da individualidade e do caré- ter o encanto da vivificagiio; por um lado apenas a coisa domina; mas na minucio- sidade, na diversidade clara ¢ todavia plena dos tragos, que tornam inteiramente determinada, distinta, viva e presente a aparigdo, 0 espectador é libertado, por as sim dizer, da coisa como tal, ao ter completamente diante de si a vida concreta dela, 1. O termo Cris provém do grego Xépi, ¢ remonta a Cérites [Xopr2], as ués deusas abengondoras. A ttansformagio das cérites no conceito da “raga ¢ encanto amoroso corporal” ocorreu com Homero, quan do surge também a fixagio das trés gragas e sua denominagao de Aglae, Eufrosina e Tilia. Aglae, “a cint lante”, Eufrosina, “a que alegra 0 coragdo” e Tilia “a que provoca o reflorescimento”. Seus poderes se estendiam sobre todos os divertimentos da vida, e dispensavam aos homens o bom humor, a elegéncia, as bboas manciras, a liberalidade, a elogiGncia, a prudéncia. Representavam-nas jovens, lindas, esbeltas, dan do-se as maos em atitude de danga ou segurando-se pelos ombros. Quase sempre nuas, ou apenas vestidas com leves tecidos ou véus flutuantes (N. da). 19 (CURSOS DE ESTETICA Por meio deste ultimo ponto, contudo, o estilo ideal, tao logo ele continue perseguindo ainda mais adiante esta inflexdo para o lado exterior da aparigo, tran- sita para o estilo aprazivel, agradavel. Aqui manifesta-se imediatamente uma ou- tra intengao do que a vitalidade da coisa mesma. O agradar, o efeito para fora, anuncia-se como finalidade e se torna um assunto para si mesmo. Assim, por exem- plo, 0 famoso Apolo de Belvedere ndo pertence ele mesmo ao estilo aprazivel, mas pelo menos a transicao do elevado ideal para o encantador. Na medida em que em tal espécie de aprazimento nao é mais a coisa tinica mesma para a qual se conduz todo o fendmeno exterior, deste modo as particularidades tornam-se toda- via cada vez mais independentes, mesmo se clas inicialmente provém ainda da coisa mesma e so necessdrias por meio dela. Sente-se que elas sio empregadas, acionadas, como adornos, como episédios propositados. Mas justamente porque elas permanecem casualidades para a coisa e porque tém a sua determinagao ¢s- sencial apenas na relagao com o espectador ou 0 leitor, lisonjeiam a subjetividade para a qual € trabalhado. Virgilio ¢ Homero, por exemplo, alegram, segundo este lado, por meio de um estilo desenvolvido, no qual se vé a pluralidade das inten- ges, 0 esforgo para agradar, Na arquitetura, escultura ¢ pintura |252|, desapare- cem por meio do aprazimento massas grandiosas, simples, por toda a parte se mostram pequenas imagens por si mesmas, enfeite, adorno, covinhas nas faces, penteado gracioso, sorrisos, pregueado miiltiplo nos trajes, cores e Formas atracn- tes, posigdes surpreendentes, dificeis, mas ainda assim movidos sem violéncia etc. Na chamada arquitetura gética ou alem4, por exemplo, onde ela progride para 0 aprazivel, encontramos uma graciosidade configurada até 0 infinito, de modo que © todo aparece composto de puras colunas pequenas sobrepostas, com adornos, pequenas torres, cumes etc., 0s quais aprazem por si mesmos, sem todavia des- truir a impressio das grandes relagdes ¢ das massas a no serem sobrepujadas. Mas, na medida em que este estagio inteiro da arte parte em diregao ao efei- to [wirkung] no exterior por meio da exposigdo do exterior, podemos indicar 0 efeito (Effekt] como a sua universalidade ulterior, o qual entdo pode se servir como meio da impress também do nio aprazivel, do forgado, do colossal — para o qual, por exemplo, o génio imenso de Miguel Angelo muitas vezes se deixou levar -, do con- traste brusco etc. Em geral, o efeito é a direg4o predominante para 0 piblico, de modo que a configuragdo no se expde mais por si mesma em repouso, auto-sufi- mas se volta para fora ¢ chama por assim dizer para si o espectador € procura se colocar em relagio com ele por meio do modo de exposicao mesmo. Ambos, 0 repouso em si mesmo ¢ o voltar-se para 0 espectador, certamente devem estar dados na obra de arte, mas os lados devem se encontrar no equilfbrio mais puro. Se a obra de arte esté inteiramente encerrada apenas em si mesma no estilo ciente, felii 20 intropucio rigido, sem querer falar ao espectador, entdo ndo causa interesse; se sai para fora em demasia diante dele, ento 0 agrada, mas sem a solidez, ou ndo o agrada por meio da solidez do contetido ¢ a concepcdo ou exposi¢ao simples do mesmo. Este sair-para-fora cai entio na casualidade do aparecer ¢ torna a configura¢do mesma uma tal casualidade, na qual nao reconhecemos mais a coisa |253| ¢ sua Forma necessdria fundamentada por meio de si mesma, mas 0 poeta € 0 artista com as suas intengSes subjetivas, sua obra c sua habilidade de execucdo. Desta maneira, 0 publ por meio da obra, em didlogo apenas com o artista, na medida em que importa que cada um reconhega 0 que 0 artista quis, de que modo ele o empreendeu e realizou astuta € habilmente. Ser conduzido a esta comunho da intelecg4o ¢ do julgamen- to com o artista midsico, 0 espectador em maior grau o artista pldstico e tem a sua vaidade tanto mais satisfeita quanto mais a obra de arte o convida a este jufzo art{stico subjetivo € Ihe fornece as intengdes e os pontos de vista. No estilo rigido, ao contrario, nao so feitas, por assim dizer, concessdes ao espectador, é a substincia do Contetido que em sua exposicao [Darstellung] rechaga rigorosa ¢ asperamente a subjetivida- co se torna inteiramente livre do contetido essencial da coisa e se encontra, sonjeia a0 méximo, ¢ o leitor ou ouvinte admira 0 poeta ¢ 0 de. Este rechagamento pode decerto ser muitas vezes também uma mera hipocon- dria do artista, que introduz uma profundidade do significado na obra de arte, mas nao progride para a exposigo [Exposition] livre, leve, alegre, da coisa, ¢ sim quer criar intencionalmente dificuldades para o espectador. Uma tal mesquinhez secreta € entdo ela mesma apenas novamente uma afetagdo e uma oposigdo falsa contra aquele aprazimento. Principalmente os franceses trabalham para o que lisonjeia, estimula, 6 pleno de efeito, e desenvolveram, por conseguinte, este voltar-se leviano, aprazivel, para © ptblico como a questio principal, na medida em que eles procuram o valor pro- priamente dito de suas obras na satisfagdo dos outros, os quais Ihes interessam, sobre ‘08 quais querem produzir um efeito. Esta diregdo é particularmente acentuada em sua poesia dramética. Assim narra, por exemplo, [Jean Francois] Marmontel sobre a apresentacao de seu Denis le tyran [1784] a seguinte |254| anedota. O momento decisivo era uma pergunta aos tiranos. A Clairon, que tinha de fazer esta pergunta enquanto se aproxima 0 momento importante € invoca Dioniso, a0 mesmo tempo dé um passo frente em diregdo aos espectadores, os quais ela com isso apostrofa, — ¢ por meio desta agéo 0 sucesso da pega inteira estava decidido. Nés alemées, pelo contrério, exigimos em demasia um Conteiido nas obras de arte em cuja profundidade o artista entdo se satisfaz a si mesmo, despreocupa- damente em relacao ao piblico, o qual deve ele mesmo ver, esforgar-se ¢ ajudar-se © quanto pode e quer. DIVISAO No que diz respeito a uma divisio mais precisa da nossa terceira parte princi pal, depois destas alusdes gerais sobre as diferencas de estilo comuns a todas as artes, particularmente o entendimento unilateral procurou pelos diversos fundamen- tos para a classificagdo das artes particulares e das espécies artfsticas particulares. A divisiio auténtica [echte], contudo, pode ser tomada apenas da natureza da obra de arte, a qual explicita na totalidade dos géneros a totalidade dos lados ¢ momen- tos que residem no seu prdprio conceito, A proxima questo que se oferece como importante a esse respeito é 0 ponto de vista de que a arte, na medida em que suas configuragées alcangam agora a determinagao de sair para a realidade sensfvel, 6 desse modo também para os sentidos, de sorte que a determinago destes sentidos [Sinne] e da materialidade que Ihes corresponde, na qual a obra de arte se objetiva, deve fornecer os fundamentos de divisio para as artes particulares. Os sentidos, por serem sentidos, isto é, por se referirem ao material, ao que esta um fora do outro e a0 miltiplo em si mesmo, sio eles mesmos diversos: tato, olfato, paladar, audigao ¢ visio. Demonstrar a necessidade interior desta totalidade ¢ a sua articulagao nao € aqui da nossa algada, |255| mas questo da filosofia da natureza; nossa pergunta limita-se a investigagao de saber se todos estes sentidos ~ ¢ quando nao, qual deles entdo — tém a capacidade, segundo o seu conceito, de serem érgaos para a apreen- slo de obras de arte. A esse respeito excluimos anteriormente (vol. I, p. 59 ¢ $5.) 0 tato, 0 paladar ¢ 0 olfato. O acariciar as partes macias de marmore das deusas fe- mininas proposto por Bottiger? no pertence A observagio artistica e ao deleite ar- 2. Karl August Bottiger (1760-1835), filélogo especialista em Antiglidade (N. da T). (CURSOS DE ESTETICA tistico. Pois por meio do sentido tdctil 0 sujeito, como individuo singular sensivel, relaciona-se meramente com o singular sensivel ¢ & sua gravidade, dureza, maciez, resisténcia material; mas a obra de arte nao € algo meramente sensivel, ¢ sim 0 espirito como aparece no sensivel. Tampouco uma obra de arte pode ser degustada como obra de arte, porque o paladar (Geschmack] nfo deixa 0 objeto livre por si mesmo, mas lida realmente [reell} de modo pritico com ele, dissolvendo e consu- mindo-o. Um aprimoramento [Bildung] e refinamento do paladar s6 possfvel ¢ necessério no que se refere aos alimentos e & sua preparago ou as qualidades qui- micas dos objetos [Objekte]. No entanto, 0 objeto (Gegenstand] da arte deve ser intuido em sua objetividade {Objektivitdt] auténoma por si mesma, que certamente € para o sujeito, mas apenas de modo teérico, inteligente, e nao pratico, ¢ sem qualquer relagdo com o desejo € a vontade. No que diz respeito 20 olfato, ele tampouco pode ser um érgio do deleite artistico, porque as coisas s6 se oferecem ao olfato na medida em que so process4veis em si mesmas, dissolvem-se através do ar e sua influéncia pritic A visdo, a0 contrério, tem uma relacdo puramente te6rica com os objetos [Gegensténden] por meio da luz, esta matéria por assim dizer imaterial, a qual tam- bém deixa persistirem os objetos (Objekte] livres por si mesmos, faz com que bri- them [scheinen] ¢ aparegam [erscheinen], mas ndo os consome imperceptivel ou abertamente de modo prético, como o ar 0 fogo. Pois para o ver destituido de desejo, |256| tudo o que existe materialmente no espaco como uma separagao re- ciproca [Aufereinander], manifesta-se apenas segundo a sua forma e cor, na medi- da em que permanece intacto na sua integridade. outro sentido tedrico € a audigdo. Aqui revela-se 0 oposto. Em vez da for- ma, cor etc., a audigZo tem a ver com o som, com a vibragao do corpo, que no é processo algum de dissolugao, tal como o olfato carece dele, mas é um mero tre- mor do objeto [Gegenstand), donde o objeto Objekt] & mantido inc6lume. Esta mo- vimentagio ideal [ideelle], na qual se exterioriza por meio do seu soar, por assim dizer, a subjetividade simples, a alma do corpo, igualmente o ouvido apreende teo- ricamente tal como o olho apreende a forma ¢ a cor € deixa, desse modo, o interior dos objetos virem a ser para o interior mesmo. A estes dois sentidos junta-se, como terceiro elemento, a representacdo sensi- vel, a recordagdo, a conservagdo das imagens, as quais entram na consciéncia por meio da intuigo singular, aqui subsumida sob universalidades, com as quais sto pos- tas em relagdo ¢ unidade por meio da imaginagao, de modo que existe, por um lado, a realidade exterior mesma como interior ¢ espiritual, enquanto o espiritual, por ou- tro lado, assume na representagdo a Forma do exterior e chega & consciéncia como uma separagio ¢ uma justaposigdo recfprocas [Aupereinander und Nebeneinander|. m pmvisio Este modo de concepgio triplo da & arte a conhecida divisio em artes pldsti- cas, as quais claboram o seu contetido visivelmente para a forma ¢ cor objetivas exteriores, em segundo lugar em artes sonoras, a miisica, € em terceiro lugar na poesia, a qual, como arte discursiva, emprega o som meramente como signo, a fim de se voltar por meio dele ao interior da intuigdo, do sentimento e da representa- Gao espirituais. Se quisermos permanecer neste lado sensivel como o tiltimo funda- mento de divisdo, entio ficamos imediatamente embaragados com respeito aos prin- cipios mais precisos, j4 que os fundamentos da divisio, em vez de serem tomados do |257| conceito concreto da coisa mesma, so tomados apenas de um dos lados mais abstratos do mesmo. Temos de nos voltar, por conseguinte, novamente para o modo de divisio de alcance mais profundo, que j4 foi indicado na introdugo como a verdadeira articulagio sistemética desta terceira parte. A arte nfo tem outro off- cio a néo ser trazer perante a intuigdo sensfvel a verdade tal como ela se encontra no espirito, reconciliada com a objetividade e com o sensivel segundo a sua totali- dade. Na medida em que isso deve ocorrer neste estagio no elemento da realidade exterior das configuracdes artisticas, entiio aqui se desfaz a totalidade, a qual € 0 absoluto segundo sua verdade, em seus diversos momentos. 0 ponto médio, 0 centro auténtico sélido, é formado aqui pela representagZo [Darstellung] do absoluto, do deus mesmo como deus, que ainda nao se desenvol- veu por si em sua autonomia para o movimento e a diferenga e ainda nfo progre- diu para a ago ¢ a particularizagéo de si mesmo, mas se fechou em si mesmo em repouso e quietude divinos grandiosos: 0 ideal configurado adequadamente em si mesmo [an sich selbst], que na sua existéncia permanece em identidade correspon- dente consigo mesmo. A fim de poder aparecer nesta autonomia infinita, 0 absolu- to tem de ser apreendido como espirito, como sujeito, mas como sujeito que tem em si mesmo [an sich selbst] ao mesmo tempo sua aparigio [Erscheinung] exterior adequada. Mas como sujeito divino que sai para a realidade efetiva, ele tem diante de si um mundo exterior circundante, 0 qual deve ser configurado conforme 0 absoluto para uma aparicao [Erscheinung] coincidente com ele, perpassada pelo absoluto. Este mundo circundante , por um lado, o objetivo [Objektive] como tal, 0 solo, a envoltura, da natureza exterior, a qual no tem por si mesma nenhum significado absoluto espiritual, nenhum interior subjetivo, e, portanto, também s6 esta capaci tada a expressar alusivamente o espiritual, para quem deve aparecer como a envol- tura configurada para a beleza. Frente & natureza exterior esté 0 interior subjetivo, 0 animo humano como elemento para a existéncia e para a |258| apari¢do do absoluto. Com esta subjeti- vidade apresenta-se imediatamente a multiplicidade e a diversidade da individuali- 25 (CURSOS DE ESTETICA dade, da particularizagio, da diferenga, da ago e do desenvolvimento, em geral 0 mundo pleno e variegado da efetividade do espfrito, no qual 0 absoluto é sabido, querido, sentido © acionado. Desta indicagio jé resulta que as rengas, nas quais se fragmenta 0 conted- do total da arte, coincidem, para a apreensio e exposigdo, essencialmente com aquilo que consideramos na segunda parte como a Forma de arte simbdlica, cldssica ¢ ro- mintica. Pois o simbélico, em vez de conduzir a identidade do conteiido ¢ da For- ma, conduz apenas ao parentesco de ambos e & mera indicagdo do significado inte- rior no seu fendmeno, que é exterior a ele mesmo e ao Contetido que deve expressar, ¢ fornece, por conseguinte, o tipo fundamental para aquela arte que alcanga a tarefa de desenvolver 0 objetivo como tal, o ambiente da natureza, em uma bela envoltura artistica do espirito e de imaginar alusivamente para este exterior o significado inte- rior do espiritual. O ideal classico, pelo contrério, corresponde 2 exposigao do abso- Iuto como tal em sua realidade exterior que repousa autonomamente em si mesma, enquanto a Forma de arte romantica tem por contetido, bem como por Forma, a sub- jetividade do animo e do sentimento na sua infinitude e particularidade finita. Segundo este fundamento de divisdo, o sistema das artes particulares se arti cula da seguinte maneira: Em primeiro lugar, temos diante de nés 8 arguitetura como 0 infcio fundamen- tado por meio da coisa mesma. Ela € 0 infcio da arte, pois para a exposigao do seu Conteddo artistico a arte no encontrou em geral no seu comego nem o material ade- quado nem as Formas correspondentes, e tem de se satisfazer, portanto, com 0 mero procurar da verdadcira adequagao ¢ na exterioridade do contetido ¢ do modo de ex- posicio. O material desta primeira arte € 0 |259| nao-espiritual em si mesmo [an sich selbst Ungeistige], a matéria pesada ¢ configurével apenas segundo as leis da gravidade; a sua Forma so as imagens da natureza exterior, unidas regular ¢ sime- tricamente num mero reflexo exterior do espirito € na totalidade de uma obra de arte. A segunda arte € a escultura. Para 0 seu principio ¢ contetido, ela tem a indi- vidualidade espiritual como 0 ideal cléssico, de modo que o interior ¢ espiritual encontram a sua expresséo na apari¢do corpérea imanente ao espirito, a qual a arte tem de expor aqui na existéncia artistica efetiva. Ela toma como seu material, por conseguinte, igualmente ainda a matéria pesada em sua totalidade espacial, sem con- tudo formar regularmente a mesma meramente com respeito & sua gravidade e as condigées naturais dela segundo as Formas do orginico ou inorganico ou, com vis- tas 4 sua visibilidade, rebaixé-la a uma mera aparéncia [Scheinen] do aparecer {Ercheinens] exterior e particulariz4-la essencialmente em si mesma. Mas a Forma [Form] determinada por meio do conteiido mesmo & aqui a vitalidade real do espf- rito, a forma [Gestalt] humana ¢ o organismo objetivo dela alentado pelo espirito, 26 piisio organismo que tem de configurar para a aparigao adequada a autonomia do divino em seu repouso elevado e grandeza quieta, néo tocado pela ambigilidade ¢ limita- 40 do agir, dos conflitos ¢ padecimentos. Em terceiro lugar devemos reunir em uma Gltima totalidade as artes que so chamadas para configurar a interioridade do subjetivo. O inicio deste dltimo todo é formado pela pintura, na medida em que ela em- prega a forma exterior mesma inteiramente para a expresso do interior, 0 qual entao expe no interior do mundo circundante nfo apenas o encerramento ideal do abso- Tuto em si mesmo, mas também traz o mesmo para a intuigdo como subjetivo em si mesmo [an sich selbst] em sua existéncia, querer, sentir, agir espirituais, em sua atividade ¢ relagdo com outro e, portanto, também no sofrimento, na dor e na mor- te, no circulo inteiro das paixdes ¢ satisfagdes. |260| O seu objeto [Gegenstand] nao € mais, portanto, Deus como tal, como objeto {Objekt da consciéncia humana, mas esta consciéncia mesma: o Deus ou em sua efetividade do agir e softer subje- tivamente vivo ou como espirito da comunidade, como o espiritual que se sente, tranguiilo em seu renunciar, em seu sacrificio, em sua animagio ¢ alegria do viver e atuar no seio do mundo existente. Como meio para a exposic¢ao deste contetido, a pintura, no que concerne a forma, pode se servir em geral do fendmeno exterior, tanto da natureza como tal quanto do organismo humano, na medida em que o mes- mo deixa o espiritual brilhar claramente através de si. - Como material, ao contré- rio, ela ndo pode usar a materialidade pesada e sua existéncia completamente espa- cial, mas tem de interiorizar em si mesmo [an sich selbst] este material, tal como faz com as formas. A esse respeito, 0 primeiro passo pelo qual o sensivel se eleva 20 espirito consiste, por um lado, na superacdo [Aufhebung] do fendmeno sensivel real, cuja visibilidade é transformada em mera aparéncia da arte; por outro lado, na cor, por meio de cujas diferencas, transicdes e fusGes se realiza esta transforma- do. Por isso, a pintura concentra para a expresso do animo interior a triplicidade das dimens6es espaciais na superficie como a interioridade mais préxima do exte- rior e expde as distancias ¢ as formas espaciais por meio do aparecer [Scheinen] da cor. Pois a pintura no tem a ver com o tornar visivel em geral, e sim com a visibi- lidade que tanto se particulariza em si mesma quanto se torna interior. Na escultu- ra e na arquitetura, as formas tornam-se visveis por meio da luz exterior. Na pin- tura, ao contrério, a matéria escura em si mesma tem em si mesma o seu interior, 0 ideal [ideelles), a luz; ela € banhada de luz em si mesma e, por essa razio, a luz esta obscurecida em si mesma. Mas a unidade e a interpenetragio reciproca (Ineins- bildung] da luz € do escuro € a cor. |261| Em segundo lugar, o oposto & pintura em uma tnica e mesma esfera é formado pela muisica. seu elemento auténtico € 0 interior como tal, 0 sentimen- aw (CURSOS DE ESTETICA to destituido por si mesmo de forma, o qual nao é capaz de se manifestar no exte- rior ¢ na realidade dele, mas apenas por meio da exterioridade que rapidamente desaparece em sua exteriorizagio e que suprime [aufhebende] a si mesma. Por isso, © seu Conterido constitui a subjetividade espiritual em sua unidade em si mesma imediata, subjetiva, 0 &nimo humano, o sentimento como tal, 0 seu material cons- titui o som, a sua configuragdo {Gestaltung} constitui a figuragio [Figuration]*, a concordancia, 0 separar-se a si, 0 unir, 0 opor, 0 contradizer-se ¢ dissolver-se dos sons segundo as suas diferengas quantitativas de um em relago ao outro sua medida temporal desenvolvida artisticamente. que sucede a pintura e a misica, em terceiro lugar, 6 a arte do discurso, a poesia em geral, a absoluta, verdadeira, arte do espirito e a sua exteriorizagfo como espitito. Pois tudo o que a consciéncia concebe e configura espi préprio interior, apenas o discurso pode assumir, expressar e trazer diante da repre- sentagdo. Segundo 0 contetido, a poesia é, por isso, a arte mais rica, mais ilimitada, Contudo, o que ela ganha pelo lado espiritual, ela perde igualmente pelo lado sensi- vel. Na medida em que ela no trabalha nem para a intuigo sensivel como as artes plésticas, nem para 0 sentimento meramente ideal [ideelle] como a miisica, mas quer almente em seu fazer 0s seus significados do espirito, configurados no interior, apenas para a repre- sentagdo € a intuigo espirituais mesmas, assim 0 material, por meio do qual ela se ‘manifesta, conserva para ela apenas ainda o valor de um meio, se bem que tratado artisticamente para a exteriorizagio do espirito junto ao espfrito e nao vale como uma existéncia sensivel, na qual o Contetido espiritual esta em condigao de encontrar uma realidade correspondente a ele. Dentre os meios considerados até agora, este meio s6 pode ser 0 som como o material sensivel relativamente ainda mais adequado ao espi- rito. O som, contudo, nao conserva aqui, tal como na misica, j4 |262| validade por si mesmo, de modo que pudesse se esgotar na configuracdo do mesmo a tinica finali- dade essencial da arte, mas ele se preenche, inversamente, inteiramente com 0 mundo spiritual ¢ 0 contetido [Inhalt] determinado da representacao ¢ intuigao ¢ aparece como mera designacao exterior deste Contetido [Gehalt]. No que diz respeito a0 modo de configuragao da poesia, cla se mostra, nesse sentido, como a arte total por meio do fato de que ela repete no seu campo 0 modo de exposigdo das artes restantes, o que apenas relativamente 0 caso na pintura e na mtisica. Por um lado, a saber, ela dé ao seu contetido, como poesia épica, a Forma da objetividade, a qual certamente no alcanga também aqui uma existéncia exterior tal como nas artes plésticas, ¢ sim é um mundo apreendido pela representagdo na 4. figuracao designa aqui a resolugdo de uma melodia ou de um acorde nos grupos de notas ritmicas (trans- critos por meio de signos convencionais) (N. da. T) pvisio Forma do objetivo ¢ exposto como objetivo para a representagdo interior. Isto cons- titui discurso propriamente dito como tal, que se satisfaz em seu préprio conted- do e na exteriorizagio dele por meio do discurso. Por outro lado, contudo, a poesia 6, inversamente, igualmente discurso sub- Jetivo, o interior que se evidencia como interior, a lirica, que a misica chama em sua ajuda a fim de penetrar mais profundamente no sentimento e no animo. Finalmente, em terceiro lugar, a poesia progride também para o discurso no interior de uma agao fechada em si mesma, que tanto se expée a si objetivamente quanto exterioriza o interior desta efetividade objetiva e, portanto, pode ser irma- nada com misica e gesto, mimica, danga etc. Esta € a arte dramdtica, na qual 0 homem inteiro expde reprodutivamente a obra de arte produzida pelo homem. Estas cinco artes formam o sistema determinado ¢ articulado em si mesmo da arte efetiva real. Além delas existem certamente ainda outras artes incompletas, a jardinagem, a danga etc., as quais podemos, contudo, apenas eventualmente fazer mengo. Pois a consideragio filosdfica tem de se deter apenas nas diferengas conceituais |263| e desenvolver ¢ apreender (begreifen] as configuracées verda- deiras adequadas a elas. A natureza a efetividade em geral sem davida nao per- manecem nestas delimitagées determinadas, mas delas se afastam em liberdade mais ampla, ¢ pode-se ouvir a esse respeito com frequéncia 0 elogio de que exatamente as produgées geniais precisam se elevar acima de tais divisdes; mas como na natu- reza as espécies hfbridas, os anfibios, as transig6es, manifestam, em vez da exce- léncia ¢ liberdade da natureza, apenas a sua impoténcia de nao poder apreender as diferengas essenciais, fundamentadas, na coisa mesma, e de deixarem definhar as mesmas por meio de condiges ¢ influéncias exteriores, assim se da também na arte com tais géneros intermediérios, embora os mesmos possam fornecer ainda algo amével, gracioso ¢ meritério, quando no algo pura ¢ simplesmente consumado. Se depois destas observagies € visdes de conjunto introdutérias nos voltarmos para uma consideragao mais especifica das artes particulares, ficamos imediatamente embaragados sob um outro aspecto. Pois depois de termos nos ocupado até agora da arte como tal, do ideal das Formas universais, nas quais ela se desenvolve segun- do 0 seu conceito, devemos agora passar para a existéncia concreta da arte e, com isso, para 0 empfrico. Aqui se dé quase como na natureza, cujos circulos universais bem podem ser apreendidos em sua necessidade, mas em cuja existéncia sensivel efetiva as configuragdes singulares ¢ as espécies delas — tanto nos seus lados que clas oferecem & consideragao, quanto em sua forma, na qual elas existem ~ so de tal ri- queza de multiplicidade, que em parte se torna possivel proceder com isso do modo © mais diverso em parte parece nao bastar 0 conceito filoséfico quando queremos empregar 0 critério de suas diferengas simples, ¢ o pensamento conceitual [begrei- 2» CURSOS DE ESTETICA fende] parece perder o félego diante desta plenitude. Mas se nos contentarmos com a mera descricio |264| ¢ reflexdes exteriores, entdo isto no concorda, por sua vez, com a nossa finalidade de um desenvolvimento cientifico-sistemético. A tudo isso se junta ainda a dificuldade de que cada arte particular jé exige agora para si uma cigncia prépria, uma vez que com a sempre crescente paixio pelo conhecimento artistico 0 alcance das mesmas se tornou cada vez mais rico ¢ amplo. Mas esta pai- xo dos diletantes tornou-se moda em nossa época, de um lado por meio da filoso- fia mesma, desde que se quis afirmar que na arte se encontra a religifo auténtica, o verdadeiro ¢ 0 absoluto ¢ que ela & superior a filosofia, pois nao é abstrata, mas contém a Idéia imediatamente na realidade e para a intuigdo ¢ o sentimento concre- tos. Por outro lado, hoje em dia pertence a esséncia distinta na arte ocupar-se com tal abundancia do detalhe mais infinito, ¢ se exige de cada um que ele tenha perce- bido algo novo. ‘Tal ocupagao erudita com a arte é uma espécie de ociosidade ins- trufda, que no precisa se tornar algo demasiadamente penoso. Pois é algo bastante agradavel contemplar obras de arte, aprender os pensamentos e as reflexdes que possam advir dai, familiarizar-se com os pontos de vista que outros tiveram junto a elas, a fim de se tornar e de ser juiz e conhecedor. Quanto mais ricos se tornaram os conhecimentos ¢ as reflexdes, pelo fato de que cada um quer ter encontrado a0 ‘mesmo tempo algo peculiar ¢ proprio, tanto mais reclama agora cada arte particu- lar, sim, cada ramo singular delas, a completude de um tratado préprio. Ao lado dis- 50, 0 histrico, que necessariamente entra aqui, torna a coisa ainda mais erudita prolixa na consideragao € apreciagio de obras de arte. Finalmente, deve ter-se visto muita, mas muita coisa e té-las revisto, a fim de poder conversar sobre as singulari- dades de uma disciplina artfstica. Ora, eu certamente vi muitas coisas, mas nio tudo que seria necessdrio para tratar |265| da matéria com todos os detalhes. ~ Quere- mos nos livrar de todas estas dificuldades apenas com a explicagao simples de que no interior da nossa finalidade nao se trata de modo algum de ensinar conhecimen- tos artisticos e apresentar erudicao hist6rica, mas apenas de reconhecer filosofica- mente os pontos de vista universais essenciais da coisa ¢ a relagdo dela com a Idéia do belo em sua realizagio no sensivel da arte. E nesta finalidade néo pode nos in- comodar, por titimo, a multiplicidade de lados das configuragdes artisticas anterior- mente indicada, pois mesmo aqui, apesar desta multiplicidade, a esséncia adequada a0 conceito da coisa mesma € 0 fio condutor; e mesmo quando ela se perde diversa- mente em casualidades através do elemento de sua realizagao, existem contudo pon- tos onde ela igualmente se mostra claramente, ¢ aprender estes lados ¢ desenvolvé- los filosoficamente é a tarefa que a filosofia tem de cumprir, 30 |266| Primeira Segao A ARQUITETURA A arte, na medida em que deixa sair 0 seu Conteddo na existéncia [Dasein] efetiva para uma existéncia [Bxistenz] determinada, torna-se uma arte particular, ¢ por conseguinte apenas agora podemos falar de uma arte real e, com isso, do inicio efetivo da arte. Com a particularidade, porém, na medida em que ela deve levar a cabo a objetividade da Idéia do belo ¢ da arte, esté dada imediatamente, segundo 0 conceito, uma totalidade do particular. Desse modo, se aqui no circulo das artes particulares é tratado primeiramente da arquitetura, isso nfo deve ter apenas 0 sen- tido de que a arquitetura se coloca como aquela arte que, por meio da determina- go do conceito, resulta como a primeira a ser considerada, mas deve se mostrar igualmente que cla também deve ser tratada como a primeira arte segundo a exis- téncia. Todavia, na resposta & pergunta de qual inicio tomou a bela arte segundo 0 conceito ¢ a realidade, podemos excluir completamente tanto 0 elemento histérico empirico quanto as reflexdes exteriores, as suposigdes ¢ as representacées naturais, que téo facil ¢ diversamente podem ser feitas a esse respeito. Tem-se, a saber, habitualmente impulso de examinar uma coisa no seu ini- cio, porque o infcio € 0 modo mais simples em que ela se mostra. Com isso, man- tém-se em segundo plano a representagio obscura de que este modo simples mani- festa a coisa em seu conceito origem, ¢ a formago de um tal comego até 0 estégio em que ele ha de ser propriamente colocado ¢ entio apreendida mais adiante com nfo menos facilidade por meio da categoria trivial de que a arte conduziu este pro: cesso sucessivamente até aquele estdgio. Mas o inicio simples é, segundo 0 seu Contetido, algo por si mesmo téo sem significado, que ele deve aparecer para 0 a (CURSOS DE ESTETICA pensamento filoséfico |267| como completamente casual, mesmo se justamente por isso 0 nascimento € tomado deste modo como sendo mais compreensivel {begreiflicher] para a consciéncia habitual. Assim se conta, por exemplo, a fim de explicar a origem da pintura, a amante adormecido; para o inicio da arquitetura € do mesmo modo apresentado ora uma caverna, ora um tronco etc. Semelhantes inicios so tio compreensiveis por si mesmos, que o surgimento parece ndo carecer de nenhuma outra explicagao. Particularmente os gregos inventaram para si muitas histérias encantadoras nao apenas para os infcios da bela arte mas também para os inicios das instituigbes éticas ¢ de outras circunstincias da vida, nas quais era satisfeita a necessidade de representar © primeiro surgimento. Tais inicios nfo sao hist6ricos [historisch], © ;éria de uma moga que copiou a silhueta de seu todavia eles nao devem ter a finalidade de tornar inteligivel 0 modo de surgimento a partir do conceito, mas 0 modo de explicagdo deve se manter no interior da via histérica [geschichtlichen} Ora, nés temos de estabelecer 0 inicio a partir do conceito da arte de tal maneira, que a primeira tarefa da arte consista em configurar o objetivo em si mes- mo [an sich selbst], 0 solo da natureza, o ambiente exterior do espirito, e assim imaginar para o que é destituido de interioridade um significado ¢ uma Forma, os quais permanecem exteriores ao mesmo, j4 que eles nfo séo a Forma e o significa- do imanentes ao objetivo mesmo. A arte A qual € colocada esta tarefa é, como vi- mos, a arguitetura, a qual encontrou a sua primeira formacio mais cedo do que a escultura ou a pintura e a misica. Se nos voltarmos para os comecos mais primevos da arquitetura, entdo a ca- bana como morada do homem, o templo como envoltura de Deus ¢ de sua comuni- dade, colocam-se como a coisa mais préxima que pode ser admitida como aquilo que inicia. Para a determinagao mais precisa deste inicio recorreu-se & diferenga do material com que se podia construir, ¢ polemizou-se se a arquitetura partiu da construgdo de madeira (como pretende Vitrivio', |268] 0 qual também Hirt tem em vista ao afirmar a mesma coisa) ou da construgio de pedra. Sem davida, esta oposicio é de importancia, pois ela diz respeito nao s6 ao material exterior, como poderia parecer & primeira vista, mas com este material exterior esto essencial- mente em conexdo também as Formas arquitetdnicas fundamentais, tal como a es- pécie de decoragiio das mesmas. Ainda assim podemos deixar para trés toda esta diferenca como um aspecto apenas subordinado, o qual se refere mais ao empirico ¢ ao casual, ¢ nos voltar para um ponto mais importante. 1. Marco Vitrivio Polio, arquiteto romano do primeiro século a. C. Autor do tratado Da Arquiterura, que fez sucesso junto aos arquitetos da Renascenga (N. da T) au ‘A ARQUITETURA Na casa € no templo ¢ nas demais edificagdes, 0 momento essencial que im- porta aqui € o de que semelhantes edificagdes sio meros meios que pressupdem uma finalidade exterior. Cabanas e igrejas pressupdem moradores, os homens, ima- gens divinas etc., para os quais elas foram executadas. Portanto, inicialmente est dada uma necessidade, e justamente uma necessidade que se encontra fora do Am- bito da arte, cuja satisfago conforme a fins nada tem a ver com a bela arte e ainda no causa quaisquer obras de arte. O homem também tem o prazer de saltar, can- tar, ele carece da comunicagao por meio da linguagem, mas falar, pular, gritar € cantar ainda ndo so por isso poesia, danga e mtisica. Mas se também no interior da conformidade a fins arquiteténicos sobressai o impeto por forma e beleza artis- ticas para a satisfagio de determinadas necessidades, em parte da vida cotidiana, em parte do culto religioso ou do Estado, entdo certamente temos nesta espécie de arquitetura de imediato uma divisdo. De um lado se encontra 0 homem, o sujeito ou a imagem do Deus como a finalidade essencial, para a qual, do outro lado, a arquitetura fornece apenas © meio do ambiente, do invélucro etc. Com uma tal di- visdo em si mesma ndo podemos constituir o inicio, o qual 6, segundo a sua natu- reza, 0 imediato, o simples, e nao tal relatividade e relagdo essencial, mas devemos procurar um ponto onde uma tal diferenga ainda nao se destaca. |269| A esse respeito jé disse anteriormente que a arquitetura corresponde & Forma de arte simbélica ¢ que realiza com a maior peculiaridade o princfpio da mesma como arte particular, porque a arquitetura esté em geral capacitada a indicar 6s significados enraizados nela apenas na exterioridade do ambiente. Caso a dife- renga entre a finalidade da envoltura e da construgao, que existe por si no homem ow nas imagens de templos, ainda nao tenha lugar no comego como cumprimento desta finalidade, teremos de nos voltar para construgdes que se colocam, por assim dizer, como obras de escultura autdnomas por si mesmas ¢ nao trazem o seu signifi- cado em uma outra finalidade ou necessidade, mas em si mesmas. Este € um ponto da mais alta importdncia, que ainda nao encontrei enfatizado em nenhuma parte, embora ele esteja no conceito da coisa e possa sozinho esclarecer sobre as diversas configurag6es exteriores ¢ fornecer um fio condutor através do emaranhado de For- mas arquitet6nicas. Uma tal arquitetura auténoma se diferenciaré novamente, no entanto, de igual modo também da escultura pelo fato de que ela, como arquitetura, no produz configuragdes cujo significado € o espiritual e subjetivo em si mesmos ¢ tem em si mesma {an sich selbst] 0 princfpio de sua aparigdo [Erscheinung] com- pletamente adequada ao interior, mas obras que podem manifestar o significado em sua forma exterior apenas simbolicamente. Desse modo, esta espécie da arquitetura € de espécie autenticamente simbélica tanto segundo o seu conteddo quanto segun- do a sua exposicao. 35 (CURSOS DE ESTETICA O mesmo que ocorre com o princfpio deste estégio também sucede com o seu modo de exposi¢do. Também aqui a mera diferenga entre a construgio de madeira a construgdo de pedra nao é suficiente, na medida em que ela f gio e 4 envoltura de um espaco determinado para fins religiosos particulares ou para outros fins humanos, como é 0 caso em casas, paldcios, templos etc. Um tal espago pode surgir ou por meio da escavacio de massas em si mesmas jé firmes, solidas, ou, inversamente, por meio da preparagio de paredes e |270| tetos que o envolvem. Com nenhuma das duas pode ter inicio a arquitetura auténoma, que podemos por z alusio & delimita- conseguinte designar como uma escultura inorgénica, na medida em que ela certa- mente ergue configuracdes existentes por si mesmas, todavia néo persegue a finali- dade da beleza e da aparicdo [Erscheinung] livres do espfrito em sua forma corpo- ral adequada a ele, mas em geral apenas apresenta uma Forma simbélica, a qual deve indicar e expressar em si mesma [an sich selbst] uma representagio. Todavia, a arquitetura nfo pode permanecer neste ponto de partida. Pois 0 seu oficio consiste precisamente em configurar para 0 espftito jé existente por si ‘mesmo, para o homem ou para as imagens divinas configuradas ou erguidas objet vamente por ele a natureza exterior como uma envoltura configurada pelo espirito mesmo por meio da arte para a beleza, envoltura que nao traz mais em si mesma o seu significado, mas encontra 0 mesmo em um outro, no homem e nas suas neces- sidades e nos fins da vida familiar, do Estado ¢ do culto ete., ¢ portanto renuncia & autonomia das construgdes. Por este lado, podemos reportar 0 progresso da arquitetura ao fato de que ela permite que se ressalte separadamente a diferenga entre finalidade e meio anterior- mente jé indicada ¢ constréi para os homens ou para a forma humana individual dos deuses, trabalhada objetivamente pela escultura, um invélucro arquiteténico anélogo 20 significado dos mesmos, palécios, templos etc. O fim, em terceiro lugar, unifica ambos os momentos € aparece assim no in- terior desta separagdo como auténomo por si mesmo Estes pontos de vista nos fornecem, como divisdo da arquitetura inteira, a ar- ticulagiio que se segue, a qual abarca em si mesma tanto as diferengas conceituais da coisa mesma quanto © desenvolvimento histérico da mesma: Em primeiro lugar, a arquitetura simbélica ou auténoma propriamente dita; |271|Em segundo lugar, a cldssica, que configura para si o espiritual indivi- dual que despe, ao contrério, a arquitetura de sua autonomia c a rebaixa com isso & produgao de um ambiente inorgdnico formado [geformte] artisticamente para os significados espirituais realizados, por seu lado, autonomamente; Em terceiro lugar, a arquitetura roméntica, denominada mouresca, gética ou alema, na qual certamente casas, igrejas e paldcios so, por assim dizer, apenas as 6 ‘4A ARQUITETURA moradias € os locais de reunigo para as necessidades cfvicas e religiosas, mas in- versamente também se configuram ¢ se elevam, por assim dizer, sem preocupacdo com esta finalidade, de modo auténomo por si mesmos. Se, por isso, a arquitetura permanece segundo o seu cardter fundamental com- pletamente de espécie simbélica, as Formas de arte do autenticamente simbélico, cléssico ¢ romantico constituem todavia nela o elemento determinante mais preciso € sfio aqui de maior importancia do que nas artes restantes. Pois 0 classico se pren- de & escultura ¢ 0 romantico & misica e & pintura de modo to profundo pelo prin- cipio inteiro destas artes, que para a formacdo do tipo das outras Formas de arte resta em maior ou menor grau apenas um espaco de atuacdo restrito. Na poesia, finalmen- te, embora ela seja capaz de cunhar 0 mais completamente em obras de arte a se- qiéncia inteira das Formas de arte, nao teremos todavia de fazer a divisio segundo a diferenca da poesia simbélica, classica e romantica, mas segundo a articulagio especifica para a poesia, como arte particular, de arte poética épica, lirica ¢ dramé- tica. A arquitetura, em contrapartida, é a arte no exterior, de modo que aqui as dife- rengas essenciais consistem em se este exterior alcanga o seu significado em si mesmo [an sich selbst] ou se é tratado como meio para uma finalidade mesmo ou se se mostra nesta funcionalidade {Dienstbarkeit] ao mesmo tempo como auténome. O p classico, na medida em que aqui o significado auténtico chega por si mesmo 4 |272| exposigZo e, assim, o simbilico é acrescentado como um mero ambiente exterior, tal como se encontra no principio da arte cléssica; a unio de ambos, no entanto, corre paralelamente ao romantico, na medida em que a arte roméntica certamente jiversa a ele eiro caso coincide com o simbélico como tal, 0 segundo com 0 se serve do exterior como meio de expresso, mas todavia se recolhe em si mesma desde esta realidade e por isso também pode deixar livre novamente a existéncia objetiva para uma configuragao auténoma, 7 Primeiro Capitulo A ARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA A primeira necessidade origindria da arte consiste no fato de que uma repre- sentagZo, um pensamento, so produzidos {hervorgebracht] a partir do espfrito, pro- duzidos [produziert] pelo homem como sua obra ¢ apresentados por ele, assim como na linguagem hé representagdes como tais que o homem comunica e torna inteligi- veis para os outros. Na linguagem, todavia, 0 meio de comunicagio nao é nada mais sendo um signo e, por conseguinte, uma exterioridade inteiramente arbitréria. A arte, a0 contrério, nao pode se servir apenas de meros signos, ela deve pelo contrério for- necer aos significados uma presenca sensfvel correspondente. Por um lado, portan- to, a obra de arte sensivel dada deve abrigar um Contetido interior, por outro lado ela tem de expor este Contetido de tal maneira que possa ser reconhecido que tanto ele mesmo quanto a sua forma nao sfio apenas uma realidade da efetividade imedia- ta, mas um produto da representagao e de sua atividade artistica espiritual. Se eu vejo, por exemplo, um ledo efetivo vivo, a forma singular do mesmo me fornece a repre- Na c6pia, con- tudo, se encontra ainda mais: ela mostra que a forma esteve na representac&o € que encontrou a origem da sua existéncia no espirito humano e em sua atividade produ- tiva, de modo que alcangamos nao mais a representagtio de um objeto [Gegenstande], mas a |273] representacdo de uma representagdo humana. Mas que um ledo, uma Arvore, como tais, ou algum outro objeto [Objekt] singular cheguem a esta reprodu- Gao, [segundo isto] nao é dada nenhuma necessidade origindria para a arte; a0 con- trério, vimos que a arte, e principalmente a arte plastica, termina exatamente com a exposigdo de tais objetos [Gegenstiinde], a fim de manifestar neles a habilidade sub- jetiva do fazer aparecer [scheinen machen]. O interesse origindrio consiste em colo- sentacao “ledo” inteiramente do mesmo modo que um leo copiado. 39 CURSOS DE ESTETICA car & vista para si ¢ para outros as intuigdes origindrias objetivas, os pensamentos universais essenciais. Semelhantes intuigdes do povo sao, contudo, inicialmente abstratas e indeterminadas em si mesmas, de modo que o homem, a fim de torné-las representiveis, recorre ao que é igualmente abstrato em si mesmo, ao material como tal, ao que tem massa e peso, que é certamente capaz de uma forma determinada, mas no de uma forma espiritual concreta e verdadeira em si mesma. A relago do conteiido ¢ da realidade sensivel, por meio da qual o mesmo deve desde a represen- taco entrar na representaco, s6 poderd ser deste modo de espécie meramente sim- bolica. Mas ao mesmo tempo uma obra arquiteténica que deve manifestar um signi- ficado universal para os outros ndo existe para nenhuma outra finalidade sendo a de expressar em si mesma este superior, e por conseguinte é um simbolo aut6nomo de um pensamento pura e simplesmente essencial, vélido universalmente, uma lingua- gem existente por causa de si mesma, mesmo que também seja inaudivel para os espfritos. As produgbes desta arquitetura devem, por conseguinte, dar o que pensar por meio de si mesmas, despertar representacdes universais, sem ser um mero inv6- lucro e ambiente de significados de outro modo j4 configurados para si mesmos. Por isso, a Forma que deixa transparecer um tal Conteiido através de si mesma nio pode entio valer apenas como um signo, tal como, por exemplo, entre nés erguem-se cru- Ze5 para OS mortos ou amontoam-se pedras para a recordagao de batalhas. Pois sig- nos desta espécic so certamente apropriados para suscitar representacdes, mas uma cruz, um monte de pedras, nao indicam por si mesmos |274| a representacdo que se trata de despertar, porém podem de igual maneira recordar muitas outras coisas. Isso constitui © conceito universal deste estagio. A esse respeito pode-se dizer que nagées inteiras nfo souberam expressar a sua religido, as suas necessidades mais profundas, sendo construindo e de preferéncia de modo arquitetOnico. Essencialmente, todavia, como fica claro naquilo que j4 vimos por ocasiao da Forma de arte simbélica, este seré 0 caso apenas no Oriente; e par- ticularmente as construgdes da arte mais antiga da Babilénia, da {ndia e do Egito, as que foram capazes de resistir a todas as Gpocas ¢ revolugdes € que nos causam admiragio ¢ espanto igualmente por causa do meramente fantdstico bem como do enorme ¢ do massivo, ou trazem completa- mente este cardter ou surgiram em sua maior parte a partir do mesmo. Sao obras cuja construgo con: as quais existem em parte apenas como ri em épocas determinadas o atuar ¢ a vida inteiros das nagdes. Todavia, se perguntarmos por uma articulagdo mais precisa deste capitulo ¢ das configuragdes principais que aqui se situam, nao se pode partir nesta arquitetu- ra, tal como na clissica e na romantica, de Formas determinadas, por exemplo, da Forma da casa; pois nao se deixa indicar aqui nenhum contetido firme por si mes- mo e, com isso, também nenhum modo de configuragdo como o prinefpio que en- 0 AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA to se refira em seu desenvolvimento ao circulo das diversas obras. Os significa- dos, a saber, que so tomados como contetido, permanecem, como no simbélico em geral, por assim dizer, representagdes universais informes, abstragbes elemen- tares da vida natural, diversamente particularizadas e embaralhadas, misturadas com pensamentos da efetividade espiritual, sem ser reunidos idealmente {ideel} como momento de um sujeito. Esta auséncia de vinculo os torna extremamente miltiplos © mutdveis, e a finalidade da arquitetura consiste apenas em tornar visfvel |275| para a intuigdo ora este, ora aqucle lado, simboliz4-los e permitir que se tornem Tepresentiveis por meio do trabalho humano. Nesta multiplicidade do conteiido nao podemos por isso pensar em falar sobre este assunto nem exaustiva nem sistemati- camente, ¢ eu preciso, por conseguinte, me limitar a colocar, na medida do poss- vel, apenas 0 mais importante na conexdo de uma articulago racional Os pontos de vista diretrizes silo, de modo breve, os seguintes. Como contetido exigimos pura e simplesmente intuigdes universais, nas quais 08 individuos e os povos tém um apoio interior, um ponto de unidade de sua cons- cigncia. Assim, a finalidade préxima de tais edificagées aut6nomas por si mesmas € também apenas a de erguer uma obra que seja uma rewtido da nagdo ou das na- ges, um lugar em torno do qual elas se retinem. Com isso pode-se contudo tam- bém associar mais precisamente a finalidade de apresentar, por meio do modo de configuraco, aquilo que em geral retine as pessoas: as representagées religiosas dos povos, pelas quais semelhantes obras alcangam entdo, ao mesmo tempo, um contetido mais determinado para a sua expressdo simbélica. Mais adiante, em segundo lugar, a arquitetura nfo pode se manter, no entan- to, nesta determinago oral inicial, mas as configuragdes simbélicas se singulari- zam, © Contetido simb6lico de seus significados se determina com maior preciso © deixa que, por meio disso, se diferenciem as suas Formas também mais firme- mente, como, por exemplo, nas colunas Linga’, nos obelicos etc. Do outro lado, a arquitetura em tal autonomia singularizadora nela mesma se impele a passar para a escultura, a tomar as Formas organicas de formas animais, de figuras humanas, todavia a expandi-las, a enfileiré-las, massivamente para o colossal, a adicionar pa- redes, muros, portas, corredores ¢, desse modo, tratar pura ¢ simplesmente de modo arquiteténico 0 que neles € da espécie da escultura. Situam-se aqui, por exemplo, a esfinge egipcia, as memnonas os grandes templos. Em terceiro lugar, a arquitetura simbélica comega a mostrar a transicao |276| para o classico, na medida em que exclui de si mesma a escultura e comeca a se 2. Coluna de peda branca, simbolo filico do deus indiano Shiva (N. da T) 4 CURSOS DE ESTETICA tornar um invélucro para outros significados, eles mesmos no expressados ime- diatamente de modo arquiteténico. Para um esclarecimento mais preciso deste estgio gostaria de recordar algu- mas obras fundamentais conhecidas. 1, OBRAS DE ARQUITETURA CONSTRUIDAS PARA A REUNIAO DOS POVOS “O que € sagrado?” pergunta Goethe certa vez em um distico e responde: aquilo que une muitas almas”®, Nesse sentido podemos dizer que 0 sagrado, com a finalidade deste vinculo e como este vinculo, constituiu o primeiro contetido da arquitetura auténoma, © exemplo mais préximo disso nos é dado pela lenda da construgio da Torre de Babel. Nas vastas planicies do rio Eufrates, 0 homem er gue uma obra colossal da arquitetura; ele a constréi em comum [gemeinsam] @ a comunidade [Gemeinsamteif] da construgio se torna ao mesmo tempo a finalida~ de e 0 conteiido da obra mesma, E sem divida esta fundago de uma associagao social nao permanece uma reuniao meramente patriarcal; ao contrério, justamente a mera unidade familiar foi suprimida [aufgehoben], e a construgao que se cleva para as nuvens € 0 tornar-se-a-si-objetivo [Sich-objektiv- Werden] desta unificagao precedente dissolvida e a realizagdo de uma unificagdo nova e ampliada. A coleti- vidade [Gesamtheit] dos povos de entio trabalhou nisso, ¢ como eles todos se reu- niram para executar esta obra Gnica incomensurdvel, 0 produto de sua atividade deveria ser 0 vinculo que os prenderia mutuamente por meio da base € do solo revolvidos, por meio da massa rochosa sobreposta e da construgao [Bebauung] por assim dizer arquiteténica do pais ~ tal como entre nés fazem os costumes, 0 habi- to ea constituig&o jurfdica do Estado. Uma tal construgio [Bau) € entdo, ao mes- mo tempo, simbélica, na medida em que ela apenas indica o vinculo que é, pois apenas € capaz de expressar de modo exterior em sua Forma [Form] e forma [Gestalt] 0 sagrado, !277|aquilo que retine os homens em si ¢ para si. Esta igual- mente expresso nesta tradig%o que as populagées se dispersaram novamente do centro da reunio para uma tal obra. ‘Uma outra construgdo mais importante, que j4 possui um solo hist6rico mais seguro, € a torre de Belus, da qual Herddoto nos da noticia (1, 181). Nao queremos investigar aqui em que relagdo ela se encontra com a da biblia, Nao podemos deno- 5, Trata-se do distico de nimero 68 da série intulada Quatro Evade. Tod 0 ditco soa assim: “O que é sagado? ff aquilo que diversas almas/Une, mesmo que de modo leve como o juseo a coroa” CT, Goethe, GediclefReflexionen, Beln/Darmstad, Deutsche Buchgemeinschat.956, p 425 (N. da.) 2 AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA minar toda esta construgdo de templo no nosso sentido da palavra, mas antes de uma circunscrigdo sacra (Tempelbezirk], de Forma quadrada, com dois estédios de com- primento de cada lado ¢ portdes de bronze como entrada. No centro deste santud- rio, narra Herédoto, que ainda chegou a ver esta obra colossal, estava construfda uma torre com muro espesso (nao oca do lado de dentro, mas maciga, um Thpyd oteped do comprimento ¢ largura de um estédio, sobre a qual se encontra ainda uma outra torre ¢ de novo uma outra sobre esta e assim por diante até um total de oito torres. ‘Ao redor, do lado de fora, um caminho conduz até 0 topo; ¢ mais ou menos na metade da altura esté uma paragem com bancos para o descanso daqueles que so- bem. Na dltima torre, contudo, esté um grande templo e dentro do templo se en- contra um amplo diva bem preparado e A sua frente est4 uma mesa dourada. Toda- via, ndo ha uma estdtua erigida no templo, e também nenhum homem passa a noite ali, exceto uma das mulheres nativas, que deus escolheu para si dentre todas, tal como dizem os caldeus, os sacerdotes deste deus. Os sacerdotes também afirmam (v. 182) que deus mesmo visita o templo e repousa no diva. Na verdade, Herédoto narra (c. 183) que também embaixo no santudrio se encontra ainda um outro tem- plo, onde uma grande imagem em ouro do deus estd sentada com uma grande mesa de ouro diante de si, e fala ao mesmo tempo de dois grandes altares do lado de fora do templo, onde eram oferecidos os sacrificios; nfo obstante no podemos equipa- rar esta construgdo grandiosa com templos no |278| sentido grego ou moderno. Pois os sete primeiros cubos sfo inteiramente macigos e apenas 0 superior, 0 oitavo, é uma morada para o Deus invisivel, que ali em cima nao gozava de nenhuma adora- Ho por parte dos sacerdotes ou da comunidade. A estétua estava embaixo, do lado de fora da construgdo, de modo que toda a obra se ergue propriamente auténoma por si mesma e ndo serve a fins cultuais divinos, embora no seja mais algum mero ponto abstrato de reuniao, mas um santudrio. Na verdade, a Forma ainda permane- ce aqui abandonada a casualidade ou é determinada apenas pelo fundamento mate- rial da firmeza enquanto cubo, mas ao mesmo tempo surge a exigéncia de procurar por um significado que possa fornecer uma determinacdo simbdlica mais precisa para a obra tomada como um todo, Devemos encontrar © mesmo, embora isto nao seja dito expressamente por Herédoto, no ndmero dos andares macigos. Eles sio sete, com 0 oitavo para a morada noturna do deus sobre eles. O mimero sete, contudo, simboliza provavelmente os sete planetas ¢ as sete esferas celestes. ‘Também em Média‘ existiam cidades construfdas segundo tal simbolismo, co- mo, por exemplo, Ecbitana* com seus sete muros circulares, dos quais Her6doto (J, 4, Antigo reino a noroeste do atual Ira, na Asia (N. da T.) 5. Cidade do antigo reino de Média (N. da‘T). a CURSOS DE ESTETICA 98) menciona que cada um — em parte por meio do outeiro em cuja encosta eles fo- ram construidos, em parte, entretanto, intencionalmente ¢ devido & arte ~ € mais alto que 0 outro e as fortificagdes foram diversamente coloridas: branco no primeiro, preto no segundo, purpura no terceiro muro circular, azul no quarto e vermelho no quinto; © sexto, entretanto, estava revestido de prata ¢ 0 sétimo de ouro; no interior deste Ultimo se encontrava a cidadela real e o tesouro. “Ecbétana”, diz Creuzer em sua Simbélica® sobre esta espécie de edificagao (I, p. 469), “a cidade dos medos, com a cidadela real no centro, expde com os seus sete cfrculos murados e com as torres sobre eles, de sete cores diferentes, as esferas celestes que cercam a cidadela solar.” |279| 2. Opras oi ENTRE A ARQUITETURA E A ESCULTURA & ARQUITETURA QUE OSCILAM A préxima coisa para a qual devemos agora prosseguir reside no fato de que a arquitetura toma para 0 seu contetido significados mais concretos e, para uma ex- posigiio mais simbélica destes significados, também recorre a Formas mais concre tas, as quais ela, todavia, mesmo que as isole ou as redna em grandes construgdes, no utiliza no modo da escultura, mas arquitetonicamente em seu préprio Ambito auténomo. Para este estdgio jé devemos entrar nos detalhes especificos, embora nao se possa falar aqui nem de completude nem de um desenvolvimento a pri que a arte, na medida em que ela progride nas suas obras para a amplitude das concepgdes de mundo [Weltanschauungen] histéricas efetivas € das representagées religiosas, também se perde em meio ao casual. A determinacio fundamental é apenas a de que a escultura a arquitetura se misturam, mesmo quando a arquite- tura permanece o predominante. ri, ja a. As colunas félicas etc. Anteriormente, na ocasido da Forma de arte simbslica, j4 foi mencionado que no Oriente era ressaltada e venerada diversamente a forga vital universal da nature- za, nao a espiritualidade e o poder da consciéncia, mas a violéncia produtiva da ge- rag4o. Particularmente na fndia este culto era universal ¢ também migrou para a Frigia 6. Priedrich Creuzer, Simbolismo e Mitologia dos Povos Antigas, particularmente dos Gregos. 4 vols. (1810- 1812). Citado anteriormente por Hegel no ambito da Forma de arte simbélica, particularmente em Cursos de Estética Il, Sto Paulo, Edusp, 2000, p. 33 (N. dT). AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA € a Siria sob a imagem da grande deusa, a fecundadora — uma representago que os préprios gregos acolheram. Mais precisamente, a intuigdo da forga produtiva univer- sal da natureza era exposta e santificada na forma dos érgios reprodutores animais, © falo ¢ o linga’. Este culto difundiu-se principalmente na fndia, mas, como narra Herédoto (II, 48), também nio era estranho aos egipeios. Pelo menos coisa seme- Ihante ocorre nas festas de Dioniso; |280| “mas no lugar dos falos”, diz Herddoto, “eles inventaram outras imagens do comprimento de um c6vado com um cordio para puxar, que as mulheres carregavam, por meio do qual o membro viril, que néo € muito menor que o restante do corpo, sempre se ergue”. Os gregos assumiram igualmente © mesmo culto, ¢ Herédoto relata expressamente (c. 49), que Melampos®, 0 qual nao desconhecia a festa sacrificial de Dioniso egfpcia, introduziu 0 culto ao falo que é realizado em honra aos deuses. Nesta forma (Gestalt] e significado, principalmente na India também construgées provieram desta espécie de veneragao da forca gerado- ra na Forma [Form] dos rgdos reprodutores; imagens colossais de pedra a modo de colunas, erguidas como torres macigas, mais largas na base do que no topo. Origina- riamente elas eram finalidade por si mesmas, objetos de veneragio, ¢ apenas tardia- mente comegou-se a fazer aberturas e buracos nelas e a colocar imagens de deuses no seu interior, 0 que foi conservado ainda nas Hermas? gregas, pequenos templos portateis. Mas o ponto de partida é formado na India pelas colunas félicas no esca- vadas, que apenas mais tarde se dividiram em casca e niicleo ¢ se tornaram pagodes. Pois os pagodes indianos auténticos, que devem ser essencialmente diferenciados de imitag6es tardias dos maometanos € de outros povos, ndo partem na sua construgio da Forma da casa, mas sao estreitos e altos ¢ tm a sua Forma fundamental a partir daquelas edificagdes modeladas como colunas. O mesmo significado e Forma reen- contramos também na intuigao, ampliada pela fantasia, da montanha Meru, que é representada como agitador no mar de leite a partir do qual o mundo foi gerado. Herédoto também menciona semelhantes colunas; em parte na Forma do membro viril masculino, em parte com os drgios sexuais femininos. Ele atribui a construgao delas a Sesdstris (I, 162), que as ergueu em toda a parte durante as suas campanhas de batalha junto aos povos que venceu. Mas na época de Herddoto a maioria destas colunas néo existia mais; Herédoto as viu ele proprio apenas na Siria (c. 106). Que 7. Representasio dos érgios genitais masculinos em diversos emblemas e amuletosflicos, simbolos do poder genésico, adorados na fndia Antiga, no culto do deus Shiva (N, da) 8. Estadista grego (N. da T). 9. As Hermas sio pedas cultuais quadradas na forma de pilasiras com uma cabega de Hermes barbada, com 0 Phallus e muitas vezes com uma inscrigdo epigramatica. As Hermas eram muito ublizadas como indicado- res de estrada, de fronteiras ¢ cruzamentos na cidade e no eampo (N. da T) 4s (CURSOS DE ESTETICA ele |281| credite todas essas colunas a Seséstris tem provavelmente fundamento apenas na tradieao que ele segue; além disso, ele as explica inteiramente no sentido grego, na medida em que ele transforma o significado natural em um significado que diz respeito ao ético e, portanto, narra: “Onde Sesdstris, durante a sua campanha de batalha, se deparava com povos que eram valentes na batalha, colocava nas suas ter- ras colunas com inscrigSes que indicavam o seu nome e o de seu pafs ¢ que ele tinha subjugado esses povos. Ao contrério, onde ele vencia sem resisténcia, desenhava nas colunas, além desta inscrigdo, também um érgao sexual feminino, para mostrar que estes povos tinham sido covardes na batalha.” b, Obeliscos etc. ‘Além disso, obras semelhantes, que estio entre a escultura ¢ a arquitetura, sio encontradas principalmente no Egito. Aqui se situam, por exemplo, os obeliscos, que na verdade nao tomam a sua Forma da natureza viva e organica, de plantas, de ani- mais ou da forma humana, mas sio de forma inteiramente regular, igualmente toda- ia ainda no tém a finalidade de servir para casas ou para templos, porém existem autonomamente livres por si mesmos e tém o significado simbdlico de raios do sol. Mitras”, diz Creuzer (Simbélica, vol. 1, p. 469), “dos Medas ou dos Persas rege na cidade do sol do Egito (em On-Helidpolis) e ¢ ali lembrado por um sonho de cons- truir obeliscos, por assim dizer raios de sol em pedra, e de entalhar neles letras que se denomina de egipcias.” Jé Plinio atribui este significado aos obeliscos ([Naturalis Historia) XXXVI, 14 e XXXVIL, 8). Eles eram dedicados a divindade do sol, cujos raios eles deveriam capturar e ao mesmo tempo expor. Também nas obras imagéticas persas aparecem raios de fogo que sobem de colunas (Creuzer, vol. 1, p. 778). Depois dos obeliscos devemos mencionar principalmente as Memnonas. As grandes estdtuas de Memnonas de |282| Tebas - das quais ainda Estrabio viu uma delas inteiramente conservada ¢ de uma sinica pedra, enquanto a outra, que soava no nascer do sol, jé estava mutilada na sua época ~ tinham forma humana. Eram duas figuras humanas colossais sentadas, mais inorgdnicas e arquitetOnicas do que esculturais devido & sua grandiosidade e carter massivo, como também existem colunas de Memnonas dispostas em série ¢, dese modo, elas s6 tém validade em tal ordem e tamanho iguais, declinando inteiramente da finalidade da escultura para a da arquitetura. Hirt (Histéria da Arquitetura'®, vol. 1, p. 69) remete & estitua so- 10. Aloys Hirt, Historia da Arguitetura nos Antigos, 3 vols, Berlin, 1820-1827. ‘AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA nora colossal, da qual Pausdnias diz que os egipcios a viam como a imagem do Phamenoph'', nfo a uma divindade, mas antes a um rei que aqui, tal como Osiman- dias” ¢ outros, tinha o seu. monumento. Todavia, tais obras imagéticas grandiosas devem provavelmente fornecer uma representacdo mais determinada ou mais inde- terminada de algo universal. Os egipcios ¢ os etfopes veneravam a Memnon, o fi- Iho do crepisculo da manha, e ofereciam sacrificios para ele quando o sol emitia 5 seus primeiros raios, donde a imagem (Bildnis] saudava os adoradores com a sua voz. Assim, enquanto sonora e falante, ela nfo era apenas de importancia ¢ de inte- resse segundo a sua forma, mas viva, significativa, reveladora por meio de seu ser, embora ao mesmo tempo apenas indicando simbolicamente. Do mesmo modo que com as estétuas colossais das Memnonas se d4 com as esfinges, das quais jé tratei anteriormente no que diz respeito ao seu significado simbélico. Nao s6 as esfinges so encontradas no Egito em enorme quantidade, mas também no tamanho mais estupendo. Uma das esfinges mais famosas € aquela que se encontra nas proximidades do grupo de piramides do Cairo. O seu comprimento de 148 pés, a altura das suas garras até a cabeca de 65 pés, nas patas |283| em repouso a altura do peito até o topo das garras de 57 pés e a altura das garras de 8 pés. Mas essa massa monstruosa nfo foi de algum modo primeiro talhada e depois levada até o lugar que ainda agora ocupa, e sim, quando se cavou até a sua base, descobriu-se que 0 solo consistia de rocha caleéria, de modo que se mostrou que a obra imensa inteira foi talhada a partir de um rochedo, da qual ela ainda constitui uma parte. Na verdade, esta configuragio imensa se aproxima mais da escultura auténtica em sua dimenso a mais colossal; todavia, de igual maneira também as esfinges foram dispostas em série uma ao lado da outra, donde elas obtém imedia- tamente um cardter completamente arquitetOnico. c. Templos egipcios Tais configuragdes aut6nomas nao apenas permanecem em geral isoladas, mas, so multiplicadas em grandes construgSes de templos, em labirintos, em escava- Ges subterraneas, utilizadas em massa, cercadas por muros etc. No que diz respeito, em primeiro lugar, as circunscrigdes dos templos [Tem- pelbezirke] egipcios, o cardter fundamental desta arquitetura grandiosa, a qual vie- 11. Phamenoph é a deformagao por parte dos habitantes de Tebas do nome Aménophis (Pausinias, Descrido da Grécia,livro1 {A Atiea), eap. XL, §3) (N. daT). 12, Rei egipcio muito antigo que tinha o seu timulo em Tebas (N. da T) go (CURSOS DE ESTETICA mos a conhecer recentemente mais de perto principalmente por meio dos france- ses, consiste no fato de que so construgdes abertas, sem tcto, com portées, com Passagens entre paredes, sobretudo entre pavilhdes de colunas ¢ florestas inteiras de colunas, obras de grandes dimensdes ¢ multilateralidade no interior, que por si mesmas, em efeito auténomo, sem servir como moradia ¢ recinto de um deus ou da comunidade devota, tanto surpreendem na representagio, por meio do colossal de suas medidas ¢ massa, quanto as Formas [Formen] e formas [Gestalten] singula- res reivindicam por si mesmas todo o interesse, na medida em que elas sto erguidas como simbolos para significados simplesmente universais ou substituem também 0 luger dos livros, na medida em que elas ndo manifestam os significados por meio de seu modo de configuragio, mas por meio de escritos, obras plisticas [Bildwerke] que |284| foram gravadas nas superficies. Por um lado pode-se chamar estas edifi- cagdes enormes de uma colegdo de imagens esculturais, as mesmas ocorrem entre- tanto na maioria das vezes em tal mimero e repeticio de uma e mesma forma, que se tornam séries ¢ alcangam desse modo a sua determinago arquitetGnica apenas nesta série e ordem, as quais so, por outro lado, uma finalidade por si mesma © nao sustentam apenas vigamentos ¢ tetos. As maiores edificagées desta espécie comegaram com um caminho ladrilha- do, com cem pés de largura - como narra Estrabio ~ ¢ com o comprimento trés a quatro vezes maior. Em cada um dos lados desta passagem (8p6u0¢) se encontra- vam esfinges, em séries de quinze até uma centena, com a altura de vinte até trinta pés. Segue um portico grandioso (MpORVAOV), mais estreito em cima do que em- baixo, com pilotis", pilastras de massa monstruosa, de dez a vinte vezes mais altas do que a altura de um homem; em parte livres e auténomas, em parte cercadas por muros, paredes esplendorosas que se erguem irregularmente, de igual modo livres por si mesmas, até a altura de cingllenta ou sessenta pés, mais largas embaixo do que no alto, sem estarem em contato com muros transversais, sem se apoiarem em escoras e formarem assim uma casa. Inversamente, elas mostram & diferenga de muros aprumados, os quais fazem muito mais alusio A determinacdo da sustenta- go, que elas pertencem & arquitetura auténoma. Volta e meia Memnonas se apsiam em tais muros, os quais também formam passagens e estio inteiramente recobertos com hieréglifos e pinturas monstruosas em pedra, de modo que eles deram aos fran- ceses, que os viram recentemente, a impressio de uma mussolina estampada. Eles podem ser contemplados como folhas de um livro que, por meio desta delimitagao espacial, despertam de modo indeterminado, tal como badaladas de sino, o espirito 13. Pilot, do francés pilotis. Cada um dos pilares ou das colunas que sustentam edificios, deixando aberto 0 xés-do-chilo (N. daT) 8 AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA © 0 &nimo para o espanto, a reflexdo o pensamento. Os portdes se sucedem repe- tidas vezes ¢ se alternam com séries de esfinges; ou um local aberto, circundado pelo muro geral, se abre com colunatas nestes muros. Entdo se segue um local co- berto, que nio serve de moradia, mas é uma floresta de colunas, cujas colunas nio sustentam nenhuma abébada, mas |285! placas de pedra. Depois destas galerias de esfinges, séries de colunas, muralhas recobertas com hieréglifos, depois de um Atrio com alas, diante das quais se encontram erguidos obeliscos e repousam ledes, ou mesmo apenas depois de vestibulos ou circundados com corredores mais estrei- tos, ao todo se anexa o templo propriamente dito, o santudrio (onc), segundo Estrabao de tamanho modesto, que ou tinka em si mesmo uma imagem do deus ou apenas uma forma animal. Este invélucro para a divindade era vez por outra um monolito, tal como narra Herédoto, por exemplo, do templo a Buto, que era de uma pega Gnica trabalhada na altura ¢ na largura, que com paredes iguais media em to- dos os lados quarenta bragos, ¢ também, como cobertura possufa em cima uma pedra com uma cornija de quatro bragos de espessura. No geral, contudo, os santudrios sio tio pequenos que uma comunidade nio encontra lugar no seu interior; mas uma comunidade pertence ao templo, sendo ele € apenas um recipiente, uma tesouraria, um local para a conservacao de imagens sagradas ete. Desse modo, tais edificagdes prosseguem por horas a fio com séries de confi- guragdes de animais, Memnonas, portdes imensos, muros, colunatas das dimensées as mais estupendas, ora mais amplas, ora mais estreitas, com obeliscos isolados ete., a fim de que se passeie através de obras humanas tio admirdveis e grandiosas - que ‘em parte possuem apenas uma finalidade mais especifica nos diversos atos do culto -, € que se deixe que essas massas amontoadas de pedra nos falem e revelem 0 que € 0 divino. Pois, considerando mais de perto, estas construcdes esto ao mesmo tem- po entretecidas em toda a parte com significados simbdlicos, de modo que o néime- 10 das esfinges, das Memnonas, a posi¢do das colunas e corredores se referem aos dias do ano, aos doze signos do Zodfaco, aos sete planetas, aos grandes perfodos do curso da lua etc. Em parte a escultura ainda ndo se desvencilhou aqui da arquitetu- ra, om parte 0 autenticamente arquitetdnico, a medida, as distincias, o nimero das colunas, dos muros, dos degraus etc. so tratados de tal maneira, que estas relagdes no encontram em si mesmas a sua |286] finalidade propriamente dita, a sua sime- tria, eurritmia ¢ beleza, mas so determinadas simbolicamente. Desse modo, este construir ¢ criar se mostra como finalidade por si mesma, como ele mesmo um cul- to, para o qual se reiinem 0 povo ¢ o rei. Muitas obras, como canais, 0 lago de Meris'*, em geral construgdes hidrdulicas, referem-se na verdade & agricultura e as 14, Hoje em dia o lago de Karoun, no Fayoum (N. da T.). ” CURSOS DE ESTETICA enchentes do Nilo. Assim Seséstris, por exemplo, como relata Herédoto (II, 108), fez com que, por causa da 4gua potavel, todo o pais fosse cortado por canais, que antes era atravessado a cavalo € por carrogas, e tornou com isso intteis tais meios de transporte. As obras principais, todavia, permaneceram aquelas edificagdes reli- giosas que os egipcios ergueram instintivamente, tal como as abelhas constroem os seus alvéolos. As suas propriedades estavam reguladas, as outras relagSes igualmente, © solo era infinitamente fértil e no carecia de nenhum cultivo laborioso, de modo que 0 trabalho consistia quase apenas em semear e colher. Outros interesses € atos, tal como outros povos costumam consumé-los, aparecem pouco; além das narrati vas dos sacerdotes sobre os empreendimentos de Sesdstris em diregao ao mar, néo foram encontradas quaisquer noticias de viagens maritimas; no todo, os egipcios per- maneceram limitados a este construir em seu proprio pafs. A arquitetura simbélica aut6noma, contudo, fornece o tipo principal de suas obras mais grandiosas, porque © interior humano ainda no apreendeu aqui ele mesmo o espiritual em seus fins, formas exteriores ¢ ainda nio as fez objeto e produto de sua atividade livre. A cons- ciéncia de si ainda nfo amadureceu em fruto, ainda nao estd pronta para si mesma, mas est se impulsionando, procurando, pressentindo, produzindo cada vez mais, sem uma satisfagio absoluta e, portanto, sem descanso. Pois apenas na forma adequada a0 espirito satisfaz-se 0 espirito pronto em si mesmo e se limita em seu produzir. A obra de arte simbélica, ao contririo, permanece em maior ou menor grau ilimitada A estas configuragées da arquitetura egipcia pertencem também os assim cha- mados labirintos, patios com colunatas, com caminhos entre paredes, enigmatica- mente entrelagados, |287| porém no com a tarefa tola de encontrar a saida, con- fusamente, mas para um vaguear significativo entre enigmas simbélicos. Pois estes caminhos deveriam, tal como eu jé indiquei anteriormente, imitar no seu andamen- 10 0 curso dos corpos celestes ¢ torné-los representaveis. Eles estao construfdos em parte sobre a terra, em parte debaixo dela, além das passagens equipados com ca- maras € salas colossais, cujas paredes esto recobertas com hieréglifos. O maior labirinto que Herédoto mesmo viu foi aquele préximo ao lago Meris. Ele diz (Il, 148) que 0 achou maior do que € possfvel descrever com palavras, ¢ que supera mesmo as piramides. A construgdo ele atribui aos doze reis e a descreve da seguin- te maneira, A construgao inteira, cercada por um € mesmo muro, consiste de dois andares, um sob ¢ outro sobre a terra. Juntos eles continham trés mil aposentos, mil e quinhentos cada um, O andar superior, 0 Gnico que foi permitido a Herddoto vi tar, era dividido em doze patios justapostos, com portées um na frente do ou- t1o, seis para o norte e seis para 0 sul, € cada patio era rodeado com uma arcada de pedra branca, exatamente talhada. Mais adiante, diz Herédoto, do lado de fora dos patios v. -se para os aposentos, dos aposentos para os sales, dos sales para ou- 50 AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA tros espagos e dos aposentos para os patios. Esta diltima indicagio foi feita por Herddoto, considera Hirt (Histéria da Arguitetura, vol. I, p. 75), apenas para uma determinagao mais precisa de que os aposentos em primeiro lugar eram contiguos aos espagos dos patios. Das passagens labirinticas, Herédoto diz que as muitas pas- sagens o tinham espantado mil vezes por meio dos espagos cobertos e das diversas curvaturas entre os patios. Plinio as descreve (XXXVI, 19) como escuras, cansati- vas para o estranho por causa de seus meandros, e no abrir das portas emitiam um estrondo semelhante a um trovdo, ¢ a partir de Estrabio, que é importante como testemunha visual tal como Herédoto, fica igualmente claro que os caminhos labi- rinticos se davam nos espagos dos patios. |288| Sobretudo os egfpcios construfram semelhantes labirintos, mas também se encontra como imitagao do egipcio em Creta um labirinto semelhante, embora menor, e também em Morea e em Malta. Na medida em que esta arquitetura, por um lado, j4 tende ao modo de uma casa por meio das cimaras ¢ dos saldes, enquanto, por outro lado, segundo a indi- cago de Herédoto, a parte subterrénea do labirinto, ao qual nao the foi concedido acesso, tinha a determinagao das sepulturas dos construtores bem como dos croco- dilos sagrados, de modo que aqui o simbélico autenticamente auténomo constitu sozinho os caminhos labirinticos gem para a Forma da arquitetura simboli tir de si mesma da arquitetura clssica. entdo podemos encontrar nestas obras a passa- , a qual j4 comeca a se aproximar a par- 3. PASSAGEM DA ARQUITETURA AUTONOMA PARA A CLASSICA Por mais estupendas que sejam as construgGes consideradas até agora, todavia deverd parecer a nés ainda mais colossal e espantosa a arquitetura subterranea dos indianos ¢ dos egipcios, frequentemente comum aos povos orientais. © que encon- tramos de grande e excelso a esse respeito sobre a terra ndo se equipara aquilo que existe debaixo da terra na india em Salsette, frente a Bombai, ¢ em Ellora, no Alto Egito c na Niibia. Nestas escavagGes admiraveis mostra-se primeiramente a necessi- dade mais precisa de uma envoltura. - Que os homens tenham procurado prote em cayernas, morado nelas, que populagées inteiras nao tenham tido nenhuma outra moradia, resulta da urgéncia da necessidade. Tais cavidades existiam nas montanhas da terra judaica, onde milhares encontravam abrigo em muitos andares. Assim tam- bém em Harz, junto a Goslar em Rammelsberg, havia ainda camaras dentro das quais os homens se refugiaram e nas quais esconderam as suas provisées. io SI CURSOS DE ESTETICA 289| a. Construgées subterrdneas indianas e egipcias De espécie inteiramente outra sfo as construgdes subterraneas indianas e egip- cias indicadas. Por uma parte, elas serviam como locais de reunido, como catedrais subterrdneas, ¢ so construgdes para a finalidade da admiragio religiosa e do reco- Ihimento do espirito, com instalagSes e indicagdes de espécie simbélica, arcadas, esfinges, Memnonas, elefantes, fdolos colossais, que, talhados na rocha, foram igual- mente erguidos junto com o todo informe da pedra, tal como entalharam-se colu- nas nas cavidades. Diante da parede da rocha estas construgSes eram volta ¢ meia inteiramente abertas, outras em parte inteiramente obscuras ¢ iluminaveis apenas por meio de tochas, em parte algo abertas no alto, Com respeito as construgdes sobre a terra, semelhantes cavidades aparecem como mais originério, de modo que as instalagdes colossais sobre a terra po- dem ser vistas como uma imitagdo ¢ desabrochar terrestre a partir do subterra- neo. Pois ali nao foi construfdo positivamente, mas apenas removido negativamen- te. Aninhar-se, enterrar-se, € mais natural do que primeiro desenterrar, procurar o material, amonto4-lo e configur4-lo. Nesse sentido, pode-se conceber [vor- stellen] a caverna como surgindo antes da cabana. As cavernas so um expandir em vez de um delimitar e um expandir que se torna um delimitar e cercar onde a envoltura ja esté dada. O construir subterrineo comega, por conseguinte, mais a partir do dado e se ergue, desde que a massa principal 0 permita, tal como ela €, ainda nfo tdo livre quanto o configurar sobre o terreno. Para nds, contudo, estas construgdes pertencem j4 a um outro estégio, por mais simbélicas que elas pos- sam ser, j4 que elas no esto af mais to simbolicamente autOnomas, mas j4 tém a finalidade da envoltura, da parede, do telhado, no interior dos quais esto eri- gidas as configuragdes mais simbélicas como tais. |290| O que foi feito a modo de templo, de casa, no sentido grego ¢ mais recente, mostra-se aqui na sua For- ma a mais natural. Além disso devem ser acrescentadas aqui as cavernas de Mitra, embora se encontrem em uma regio inteiramente diferente. A veneragdo ¢ 0 culto a Mitra procedem da Pérsia, ¢ culto semelhante também foi difundido no Império Roma- no. No Museu de Paris, por exemplo, ha um baixo relevo bastante famoso que expde um jovem, 0 modo como ele insere um punhal no pescogo do touro; ele foi encontrado no Capitélio em uma cova profunda sob o templo de Jipiter. Tam- ‘bém nestas cavernas de Mitra se encontram absbadas, passagens, que parecem ser destinadas a indicar, por um lado, 0 curso das estrelas, por outro, simbolicamen- te também caminhos (tal como ainda hoje em dia tem de se ver espetéculos em lojas magénicas, onde se 6 conduzido por diversas passagens) que a alma tem de 32 AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA percorrer durante a sua purificagZo, mesmo que este significado também seja ex- presso mais em esculturas e em outros trabalhos do que no modo da arquitetura Numa relagiio semelhante podemos mencionar também as catacumbas roma- nas, que certamente na sua origem estavam fundamentadas em um conceito intei- ramente diferente daquele de servir para aquedutos, tumbas e cloacas. b. Habitagées dos mortos, piramides etc. Em segundo lugar, podemos procurar uma transigo mais determinada da ar- quitetura auténoma para a funcional [dienenden] nas construg6es que foram em parte cavadas na terra como habitagdes dos mortos, em parte erigidas sobre o terreno. Particularmente nos egipcios as construcdes subterraneas ¢ terrestres est&o Ii gadas a um reino dos mortos, tal como no Egito esta primeiramente radicado e se encontra geralmente um reino do invisivel. O indiano queima os seus mortos ou abandona entio a ossada para decompor-se na terra; os homens sio ou se tornario, segundo a intuigdo indiana, |291| deus ou deuses, tal como se queira, e nao se chega a esta distingao fixa entre os vivos e os mortos como mortos. As construgdes indianas, quando nao devem sua origem ao maometanismo, nao so habitagdes para 0s mortos e parecem geralmente pertencer, como aquelas cavidades admiraveis, a um periodo anterior. Mas nos egipcios a oposi¢io entre vivos e mortos surge com forga; o espiritual comega a se separar do ndo espiritual. E 0 surgimento do espiri- to individual concteto que esté no devir. Os mortos so, por conseguinte, fixados como um individual e, desse modo, afirmados e conservados contra a representa- Go do fluir no natural, na desintegracao, liquefagdo e dissolucdo universais. A sin- gularidade (Einzelheit] € 0 princfpio da representacao auténoma do espiritual, por- que 0 espirito s6 € capaz de existir como individuo, como personalidade. Por isso, esta veneragio e conservagio dos mortos deve valer para nés como um primeiro momento importante para o existir da individualidade espiritual, j4 que aqui € a singularidade que, em vez de ser descartada, aparece conservada, na medida em que pelo menos o corpo € prezado e considerado como esta individualidade natural imediata. Herédoto, como jé foi anteriormente mencionado, relata que os egfpcios foram os primeiros a dizerem que as almas dos homens so imortais, por mais incompleto que seja aqui ainda o reter da individualidade espiritual, na medida em que 0 morto deve percorrer durante trés mil anos todo o cfrculo dos animais terres- tres, aquéticos ¢ aéreos e sé entio retornar a um corpo humano, encontra-se toda via nesta representagio ¢ no embalsamento do corpo um fixar da individualidade corporal ¢ do ser-para-si separado do corpo. 53 (CURSOS DE ESTETICA Desse modo, na arquitetura também € importante que ocorra a separagao, por assim dizer, do espiritual como significado interior, 0 qual 6 conduzido por si mes- mo & exposigo, |291| ao passo que o invélucro corporal € produzido como mera envoltura arquiteténica. Por isso, as habitagdes dos mortos dos egipeios formam nes- se sentido os templos mais primevos; o essencial, o centro da veneragao, é um sujei- to, um objeto individual, que aparece significativo por si mesmo e que expressa a si mesmo, diferenciado de sua moradia, a qual € construfda, portanto, como mero inv6- lucro funcional. E certamente nao é para um homem efetivo, para a sua necessidade que foram construfdos uma casa ou um palécio, mas so mortos sem necessidades, reis, animais sagrados, em torno dos quais se colocam construgées incomensurdveis. Tal como a agricultura fixa o deambular némade na propriedade de sitios es- taveis, assim em geral as tumbas, os monumentos sepulerais ¢ os cultos aos mor- tos retinem os homens ¢ do também Aqueles que de resto no possuem qualquer moradia, nenhuma propriedade delimitada, um lugar de reuniio, locais sagrados, gue eles defendem e ndo querem que thes sejam arrebatados. Assim, os citas, por exemplo, esse povo fugitivo, como narra Herddoto (II, 126 s.), em todos os luga- res batem em retirada diante de Dario, e quando Dério enviou a mensagem ao seu rei: se 0 rei se considera forte 0 suficiente para oferecer resisténcia, entio ele deve se apresentar para a batalh: senhor; Idanthyrsus replicou que eles ndo teriam quaisquer cidades ¢ lavouras ¢ nada para defender, de modo que Dério nao poderia deles devastar nada; mas se Dario ansia por uma batalha, eles tinham os sepulcros dos seus pais; que Dério se aproxime deles e tente causar-Ihes dano, entio ele verd se eles lutario ou nao pe- los sepulcros. Os monumentos sepulcrais grandiosos mais antigos encontramos no Egito como se no, entio ele deve reconhecer Dario como o seu sendo as Pirdmides. O que pode primeiro causar admiragao diante da visto destas construgdes maravilhosas a grandeza imensurdvel, que conduz imediatamente para a reflexdo sobre a duracdo do tempo ¢ a diversidade, quantidade © perseveranga de forcas humanas requeridas |293| para terminar semelhantes edificagées colossais. Do lado da Forma delas, 20 contrério, elas nao oferecem, aliés, nada de cativante; em poucos minutos o todo € avistado ¢ retido. Diante desta simplicidade ¢ regulari- dade da forma discutiu-se longamente sobre a sua finalidade. Certamente os antigos jé indicam, tal como por exemplo Herddoto ¢ Estrabao, a finalidade para que elas efetivamente serviam, mas igualmente muitos viajantes ¢ escritores antigos ou re- centes inventaram muitas coisas fabulosas e insustentaveis, Os drabes procuraram com violéncia uma entrada, na medida em que cles esperavam encontrar tesouros no interior das piramides; tais violagdes, todavia, em vez de alcangar a sua meta, apenas destrufram muitas coisas, sem chegar as passagens cimaras efetivas. Os St AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA novos europeus, entre os quais se destacam particularmente Belzoni, um romano, € ainda 0 genovés Caviglia, finalmente tiveram éxito em conhecer com maior minu- déncia o interior das piramides. Belzoni’ descobriu o témulo real na pirdmide de Sefren. As entradas nas pirdmides eram lacradas do modo 0 mais firme com blocos de pedra, ¢ parece que os egipcios procuravam estabelecer ja durante a construgio que a entrada, mesmo que fosse conhecida, pudesse novamente ser reencontrada aberta apenas com mi manecer fechadas e nao deviam ser novamente utilizadas. Encontrou-se, pois, no interior delas cmaras, passagens, que indicam os caminhos que a alma realiza, de- pois da sua morte, na sua peregrinagfo e troca de formas, grandes sales, canais sob a terra, que ora descendiam, ora ascendiam. O sepulcro real de Belzoni, por exem- ta dificuldade. Isso comprova que as pirdmides deviam per- plo, avanga talhado nos rochedos ao longo de uma hora; no salo principal se en- contrava um sarcéfago de granito, incrustado no piso, mas encontrou-se apenas um resto de ossos animais de uma mumia, possivelmente um Apis. O todo, porém, indi- cava indubitavelmente |294| a finalidade de servir como um mausoléu. As pirdmi des so diferentes quanto a idade, ao tamanho e A forma. As mais antigas parecem ser muito mais apenas pedras sobrepostas a modo de pirdmide; as mais tardias fo- ram construfdas regularmente; algumas algo aplainadas em cima, algumas terminan- do inteiramente numa ponta; em outras encontram-se ainda patamares que, segundo a descrigéo de Herédoto da pirimide de Quedps (Il, 125), podem ser explicadas a partir do modo segundo o qual os egipcios procediam junto a construgo, de modo que Hirt também nao inclui esta piramide entre as consumadas (Histéria da Arqui- tetura, vol. I, p. 55). Nas piramides antigas, segundo relatos franceses recentes, as cAmaras ¢ as passagens so mais intrincadas, em contrapartida, nas pirdmides mais jovens e mais simples sdo inteiramente cobertas com hieréglifos, de modo que uma cOpia integral dos mesmos duraria varios anos. Desta maneira, as pirdmides, admit Wveis por si mesmas, tornam-se, todavia, apenas simples cristais, cascas, que encerram um ntcleo, um espitito finado, ¢ que servem para a conservagio de sua corporalidade ¢ forma duradouras. Todo o signi- ficado recai, por isso, neste morto que chega por si mesmo & exposicd ; a arquite- tura, entretanto, que até agora tinha autonomamente em si mesma o seu significa- do como arquitetura, separa-se agora c se torna fuicional nesta separagio, enquanto a escultura obtém a tarefa de configurar o interior propriamente dito, embora a con- figurago individual ainda seja retida primeiro em sua forma natural imediata como 15. Giovanni Battista Belzoni (1778-1823), egipt6logo italiano. Autor de Narrative of the Operations and Recent Discoveries within the Pyramids, Temples, Tombs and Excavations in Egypt and Nubia, London, 1820. Caviglia também é& egiptsiogo italiano (1770-1845) (N. da T)) 35 (CURSOS DE ESTETICA miimia. Quando consideramos a arquitetura egfpcia no seu todo, encontramos, por conseguinte, de um lado as edificagdes simbélicas auténomas; do outro lado, parti- cularmente em tudo o que se refere a monumentos sepulcrais, ja surge distintamente a determinagao especifica da arquitetura de ser mera envoltura. A isso pertence essencialmente que a arquitetura nfo apenas se enterra e forma cavernas, mas se mostra como uma natureza inorganica, construida por mos humanas ali onde se tem necessidade dela por causa de sua finalidade. |295| Também outros povos erigiram semelhantes monumentos funerérios, edificagdes sagradas como residéncia de um cadaver, sobre o qual eles se erguem. O sepulcro do mausoléu de Céria, por exemplo, mais tarde o sepulero de Adriano, © atual castelo de Santo Angelo em Roma, um palacio de estrutura esmerada para um morto, jé eram obras famosas na Antigitidade. Também se junta aqui, segundo a descrigao de Uhden'® (Museu” de Wolf e Buttman, vol. I, p. 536), ainda um gé- nero de monumentos funerérios, que na sua instalagdo e em seus arredores imita- vam em proporgGes reduzidas templos consagrados aos deuses. Um tal templo ti- nha um jardim, caramanchdes, uma fonte, uma vinha e entdo capelas onde estavam erigidas as estdtuas que retratavam formas de deuses. Particularmente na época imperial foram construidos semelhantes monumentos dos falecidos com estétuas de deuses na forma de Apolo, de Venus, de Minerva. Estas figuras, bem como a cons- trugdo inteira, obtiveram, por meio disso, a0 mesmo tempo, o significado de uma apoteose ¢ de um templo do falecido, tal como nos egipcios o embalsamento, os emblemas € as castas indicam a osirizagao"* do morto. ‘As construgdes igualmente grandiosas ¢ mais simples desta espécie so, pois, as pirimides egipcias. Aqui é introduzida a linha caracterfstica e essencial & arqui- tetura a saber, a linha reta ~ e geralmente a regularidade e a abstragdo das Formas. Pois a arquitetura como mera envoltura e natureza inorgdnica, ndo animada viva- mente em si mesma [an sich selbst] de maneira individual pelo espirito que nela reside, sé pode ter a forma como uma natureza exterior a ela mesma; a Forma exte~ rior, contudo, no € organica, mas abstrata ¢ intelectual. Por mais que a pirdmide jé comece a alcangar a determinagio da casa, nela o Angulo reto ainda nao € comple- tamente dominante como na casa auténtica, mas ela tem |296| ainda uma determi- nagdo para si mesma, a qual nao é itil 4 mera conformidade a fins, e se fecha, por isso, imediatamente em si mesma a partir da base gradualmente até o cume. 16. Wilhelm Uhden (1763-1835), funcionério da Prissia ¢ colecionador de arte. 17. Museu de Arqueologia [Museum der Altertumswissenschaft), org. pot Karl Philipp Butmann ¢ Friedrich August Wolf, 2 vols., Berlin, 1807-1810. 18, Relativo a Ositis, deus egipcio dos mortos (N. da T). 56 AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA ¢. Transi¢do para a arquitetura que tem serventia A partir daqui podemos fazer a transigiio da arquitetura auténoma para a ar- quitetura auténtica, funcional. Duas safdas podem ser indicadas para esta iltima, de um {lado} a arquitetura simbélica, do outro a necessidade e a conformidade a fins funcional da mesma. Nas configuragdes simbélicas, tal como as consideramos anteriormente, a conformida- de a fins arquiteténicos é mero acessdrio ¢ uma ordem apenas exterior. O extremo, a0 contrério, é formado pela casa, como requer a necessidade mais préxima: colu- nas de madeira ou paredes retas erguidas com vigas depositadas sobre elas num Angulo reto, € um teto. Que a necessidade desta conformidade a fins auténtica se ajuste por meio de si mesma, no causa qualquer divida; a diferenga, entretanto, se a arquitetura auténtica, tal como a teremos de considerar imediatamente como ar- quitetura cléssica, comega apenas a partir da necessidade ou se ha de ser inferida a partir daquelas obras simbélicas auténomas, que nos conduziam através de si mes- mas para as edificagdes funcionais, é 0 que fornece o ponto essencial da questio. a) A necessidade produz na arquitetura Formas que sfo inteiramente apenas conformes a fins ¢ pertencem ao entendimento: a linha reta, © angulo reto, as su- perficies planas. Pois na arquitetura funcional aquilo que constitui a finalidade au- téntica esté af como estétua ou mais precisamente como individuos humanos, como comunidade, povo — que se reiinem em necessidades universais, ndo mais em ne- cessidades fisicas que partem da satisfacdo, mas em fins religiosos ou politicos. Particular a necessidade mais préxima |297| de configurar em geral uma envol- tura para a imagem, para a estétua dos deuses ou do santo exposto para si ¢ dado atualmente. Por exemplo, Memnonas, esfinges etc. se encontram em locais abertos ou em um bosque, no ambiente exterior da natureza, Semelhantes configuragdes, todavia, ¢ ainda mais as figuras humanas de deuses foram tomadas de um outro Ambito que aquele da natureza imediata; elas pertencem ao reino da representagao © siio convocadas & existéncia através da atividade artistica humana, A elas no basta, portanto, o mero ambiente natural, mas carecem para a sua exterioridade de um terreno e de uma envoltura que tenham a mesma origem, isto é, que igualmente provieram da representagio e foram configurados por meio de produgao artistica. Apenas em um ambiente oriundo da arte os deuses encontram o elemento adequa- do a eles. Este exterior, porém, no tem ento aqui a sua finalidade em si mesmo, mas serve a um outro como sua finalidade essencial ¢ recai, por meio disso, na con- formidade a fins. Todavia, se essas Formas, que inicialmente servem meramente a fins, devem se elevar & beleza, entio ndo podem permanecer presas & sua primeira abstra 7 (CURSOS DE ESTETICA mas devem avangar além da simetria e da eurritmia para 0 organico, 0 concreto, o ‘em si mesmo fechado e miiltiplo. Desse modo surge igualmente uma reflexdo so- bre diferengas e determinagdes, bem como o ressaltar ¢ 0 formar [Formieren] de aspectos, que so inteiramente supérfluos para a mera conformidade a fins. Por exemplo, uma viga avanga por um lado em linha reta, mas ela termina ao mesmo tempo nas duas extremidades; de igual modo uma pi vigas ou um teto, se encontra sobre a terra ¢ alcanga em cima, onde a viga repousa nela, sua extremidade [Endschaff]. A arquitetura funcional produz tais diferengas as configura por meio da arte, donde uma configuragio organica, tal como uma planta, um homem, certamente também tem o seu em cima e embaixo, mas confi- gurados por natureza e, desse modo, se diferencia nos pés na cabega - ou, como na planta, na raiz ena copa. |298| B) A arquitetura simbélica, inversamente, toma em maior ou menor grau de tais configuragdes organicas 0 seu ponto de partida, tal como nas esfin- ges, Memnonas etc., todavia n4o pode se livrar inteiramente do retilineo ¢ do regrado nos muros, nos portdes, nas vigas, nos obeliscos etc. € neste caso, se qui- ser erigir e dispor em série de maneira arquitet6nica aqueles colossos esculturais, tem geralmente de buscar auxilio na igualdade da grandeza, na proporgao das sé- ries, na linearidade das fileiras, em geral na ordem ¢ na regularidade da arquitetu- ra propriamente dita, Com isso ela tem em si mesma os dois princfpios, cuja uni- ficagio realiza a arquitetura igualmente bela em sua conformidade a fins, apesar de estes dois lados se encontrarem dispersos no simbdlico, em vez de estarem con- figurados em um. y) Por isso podemos aprender a transigao de tal maneira, que de um lado a arquitetura até agora auténoma tem de modificar racionalmente as Formas do or- ganico para a regularidade e transp6-las para a conformidade a fins, enquanto a mera conformidade a fins das Formas, inversamente, tem de se mover ao encontro do stra, que deverd sustentar princfpio do organico, Onde esses dois extremos se encontram e se penetram mu- tuamente surge em seguida a arquitetura propriamente bela, classica, Esta unificagdo se deixa reconhecer distintamente, por as: nascimento efetivo, na transfiguragio incipiente do que j4 consideramos na arqui- dizer, em seu tetura precedente como sendo a coluna. Para um recinto fechado [Umschliefung] slo, a saber, por um lado, certamente necessérios muros; mas muros também po- dem estar ai autonomamente, como jé foi mostrado antes em exemplos, sem cons- tituir completamente a envoltura [Umschliefung}, ao qual pertence essencialmente uma cobertura no alto € no apenas um envolver dos espagos laterais. Uma tal co- bertura, contudo, tem de ser sustentada. A coisa mais fécil para isso séo as colu- nas, cuja determinagio essencial e ao mesmo tempo rigorosa a esse respeito con- 58 i i AARQUITETURA SIMBGLICA, AUTONOMA siste na sustentagdo como tal. Por isso, |299| muros que servem para a mera sus- tentaco so propriamente supérfluos. Pois a sustentagio é uma relago mecdnica pertence ao ambito da gravidade ¢ de suas leis. Aqui se concentra a gravidade, o peso, de um corpo no seu centro de massa e deve ser amparado nele, para que re- pouse na horizontal sem cair. Isso faz a coluna, de modo que a forga da sustenta- gdo aparece reduzida ao minimo de meios exteriores. Poucas colunas fazem o mes- mo que um muro realiza com grande dispéndio, e é uma grande beleza da arquitetura classica nao empregar mais colunas do que as de fato necessdrias para a sustenta- ¢40 do peso das vigas ¢ daquilo que repousa sobre elas. Colunas como mero ador- no no pertencem na arquitetura auténtica & verdadeira beleza. Por isso a coluna que se encontra puramente por si mesma, no preenche a sua fungo. Certamente também se erigiu colunas de triunfo, como as famosas de Trajano e de Napoledo”, mas também estas so, por assim dizer, apenas um pedestal para estétuas e, além disso, revestidas de esculturas ornamentais [Bildwerke] para a meméria e a cele- bracdo do her6i, cuja estétua elas sustentam. E particularmente notavel na coluna como ela, no decurso do desenvolvimento arquitet6nico, tem de se desprender primeiro da forma natural concreta, a fim de ganhar sua forma mais abstrata, tanto conforme a fins quanto bela. aa) Na medida em que a arquitetura auténoma comeca a partir de configura- Ges organicas, ela pode escolher formas (Gestalten] humanas; como, por exemplo, no Egito, em parte, ainda so empregadas como colunas figuras [Figuren] humanas, por exemplo, Memnonas. Mas isso € meramente supérfluo, na medida em que sua determinagio nao é a sustentagio propriamente dita. De uma outra maneira, nos gre- {gos se apresentam as Cariétides no mais severo servigo de deixar 0 peso repousar sobre si, mas que apenas podem ser empregadas em escala reduzida. Além disso, deve ser visto como um uso indevido da forma humana, comprimi-las sob tal fardo, ¢ as- sim as Caridtides possuem também |300] este cardter do oprimido, ¢ 0 seu c faz alusio & escravidao, para a qual & um fardo carregar semelhantes cargas. 8B) A forma organica adequada natureza para pilastras € apoios que devem sustentar algo ¢, por conseguinte, a arvore, a planta em geral, um tronco, uma has- te flexivel, que se langa verticalmente para o alto. O tronco jé sustenta em si e para si sua coroa, o caule a espiga, a haste a flor. Também a arquitetura egipcia, a qual ainda no se libertou para a abstragdo de suas intengdes, retira estas Formas direta- mente da natureza. A esse respeito, 0 grandioso, no estilo dos palécios ou templos egipcios, o colossal das séries de colunas, a quantidade das mesmas e ainda as re- 19. Hegel provavelmente se refere & coluna Vendéme (N. da 7) (CURSOS DE ESTETICA lagSes monumentais do todo causaram desde sempre espanto e admiragio nos visi- tantes. Em grande multiplicidade se vé aqui as colunas provirem de formagdes ve- getais, erguerem-se e separarem-se em colunas desde 4rvores de Iétus ¢ de outra espécie. Nas colunatas, por exemplo, nem todas as colunas possuem a mesma for- ma, mas alternam em uma, duas ou trés formas. Denon, na sua obra sobre a expe- digo egipcia”, classificou uma grande quantidade de tais Formas. O todo nao € ainda uma Forma racional regular, mas a base é uma forma de bulbo, um brotar a modo de cana da folha a partir da raiz ou mesmo um comprimir-se das folhas na raiz A maneira de muitas plantas. Desta base eleva-se entio a haste flexivel para 0 alto ou ergue-se em espiral ao redor como coluna, ¢ o capitel € também um rami ficar-se de folhas ¢ galhos. Todavia, a imitagdo nao é fiel & natureza, mas as For- mas vegetais so arquitetonicamente distorcidas, aproximadas do circular, do ra- cional, do regular, |301| das linhas retas, de modo que estas colunas inteiras se assemelham ao que € denominado comumente de arabesco. yy) Aqui € 0 lugar de falar, a0 mesmo tempo, do arabesco em geral, pois ele recai, segundo o seu conceito, na transi¢o de uma forma natural, organica, empre- gada para a arquitetura, para uma regularidade rigorosa do arquitet6nico propria mente dito. Mas quando a arquitetura se tornou livre em sua determinagao, ela re- baixa as Formas arabescas ao adorno e enfeite. Elas so entéo sobretudo formas vegetais distorcidas ¢ Formas animais ¢ humanas que crescem de plantas ¢ com elas entretecidas ou configuragdes animais convertendo-se em plantas. Se elas de- vem conservar um significado simbélico, para isso pode importar a transig&o entre os diversos reinos da natureza; sem este sentido, elas sfo apenas jogos da fantasia na composico, unio, ramificagao, das mais diversas configuragdes naturais. Para semelhante enfeite arquitet6nico, em cuja invengdo a fantasia pode transitar para os mais diversos engastes de toda espécie, também nos utensflios € nos trajes, em madeira, em pedra etc., a determinagao principal ¢ a Forma fundamental € 0 fato de que as plantas, as folhas, as flores, os animais, sejam aproximados do racional, do inorganico. Por isso se considera muitas vezes os arabescos duros ¢ infiéis a0 orginico, motivo pelo qual eles foram freqtlentemente censurados ¢ ao seu uso pela arte foi colocada uma restricao; particularmente & pintura, embora Rafael mesmo tenha empreendido pintar arabescos em grande extensio ¢ com a maior graciosida- de, espiritualidade, diversidade ¢ graga. Sem diivida, os arabescos so contrérios natureza tanto no que se refere as Formas do organico quanto no que diz respeito as 20, Dominique Vivant Denon, Vovage dans le Basse et Haute Egypte, 2 vols., Par do Louvre, Denon acompanha Bonaparte ao Egito (N. da T). 1802. Primeiro organizador oo | Ae AARQUITETURA SIMBOLICA, AUTONOMA leis da mecAnica, no entanto, esta espécie de condic 06, em geral, apenas um direito da arte, mas até um dever da arquitetura, pois apenas por meio disso as Formas vivas ~ de outra maneira inadequadas para a arquitetura — se tornam adaptadas ao estilo verdadeiramente arquiteténico e séo colocadas em acordo com 0 mesmo. O que se encontra mais préximo desta adequagdo é particu- larmente @ natureza vegetal, a qual é empregada também no Oriente com grande prodigalidade; pois as plantas ndo sio ainda individuos sencientes, mas se ofere- cem por si mesmas para fins arquiteténicos, na medida em que formam coberturas € sombras protetoras contra a chuva, a luz do sol ¢ o vento ¢ no todo nao possuem a vibragdo livre das linhas, despojada da conformidade a leis racional, Empregadas de modo arquiteténico, as suas folhas alids ja regulares so ajustadas para formas circulares ou retilineas, de modo que tudo aquilo que pudesse ser visto como desfi- guracdo, inaturalidade e rigidez das Formas vegetais deve ser considerado essen- cialmente como uma transfiguragdo adequada para o arquitetnico propriamente dito Desta maneira, com a coluna, a arquitetura propriamente dita sai do mero or- ganico para a conformidade a fins racional, e desta para a aproximagio do organi- co. Foi necessdrio mencionar este ponto de saida duplo da necessidade propriamente dita e da autonomia destituida de conformidade a fins da arquitetura, pois o verda- deiro a unio de ambos os princfpios. A bela coluna parte da Forma natural, que 6 entdo transfigurada para a pilastra, para a regularidade ¢ racionalidade da Forma. 6 Segundo Capitulo A ARQUITETURA CLASSICA Quando alcanga a sua posigiio peculiar adequada ao conceito, a arquitetura serve na sua obra a uma finalidade e a um significado que ndo tem em si mesma. Hla se torna um ambiente inorganico, um todo ordenado e construido segundo as leis da gravidade, cujas Formas obedecem ao rigorosamente regular, retilineo, re- tangular, circular, [303] as relagbes de determinado némero e quantidade, 2 medida delimitada em si mesma e & firme conformidade as leis. A sua beleza consiste nes- ta conformidade a fins mesma que, libertada da mistura imediata com 0 orginico, espiritual, simbélico, embora tenha serventia [dienend], retine todavia uma totali- dade fechada em si mesma, que deixa transparecer claramente a sua finalidade tni- ca por meio de todas as suas Formas e configura para a beleza, na miisica de suas relagdes, 0 meramente conforme a fins. Neste estigio, contudo, a arquitetura cor- responde ao seu conceito propriamente dito, pois no é capaz em si ¢ para si de levar o espiritual a sua existéncia [Dasein] adequada e, portanto, s6 pode configu- rar o exterior € 0 destituido de espirito para o reflexo do espiritual. Na consideragio desta arquitetura, igualmente servil em sua beleza, percor- reremos 0 seguinte caminho: Em primeiro lugar, devemos determinar com maior preci carter universais da mesma; iO 0 conceito e 0 Em segundo lugar, devemos indicar as determinagdes fundamentais particu- lares das Formas arquiteténicas, que resultam da finalidade para a qual a obra de arte classica é construfda. Em terceivo lugar, podemos passar a vista sobre a efetividade concreta para a qual se desenvolveu a arquitetura classica. 6

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