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Dados

Revista de Ciências Sociais


iuperj@iuperj.br
ISSN: 0011-5258
BRASIL

2000
André Borges
BUREAUCRATIC ETHICS, THE MARKET, AND ADMINISTRATIVE IDEOLOGY: CONTRADICTIONS
IN THE CONSERVATIVE RESPONSE TO THE STATE’S "CRISIS OF CHARACTER"
Dados año/vol. 43, número 001
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, Brasil
DADOS
Ética Burocrática, Mercado e Ideologia Administrativa: Contradições da Resposta
Conservadora à "Crise de Caráter" do Estado*

André Borges

Na década de 70, o fim do longo ciclo de crescimento econômico inaugurado no pós-guerra trouxe ao
debate político o questionamento das formas de intervenção e organização do Estado associadas ao
welfare state. Comumente, as dificuldades vividas pelos Estados capitalistas desde então têm sido
estudadas sob o ângulo específico das finanças públicas. Tanto teóricos marxistas quanto liberais, como
observa Rosanvallon (1997), partem do princípio da existência de um limite determinado à expansão dos
gastos públicos (ou do processo de "socialização") dentro da economia capitalista, buscando nos fatores
propriamente econômicos as causas da derrocada do welfarism.

Para além desse foco de análise, no entanto, é possível entender a crise do Estado de Bem-Estar não
apenas do ponto de vista do peso excessivo das despesas sociais ou da dificuldade de regulação dos
conflitos econômicos, mas também como um abalo nas relações entre o Estado e a sociedade. De acordo
com esta perspectiva, a crise é analisada em termos dos seus fundamentos culturais. Enquanto pólo de
integração social capaz de se contrapor aos efeitos socialmente desagregadores do mercado, o Estado
moderno pode ser conceituado como um sistema cultural envolvido no estabelecimento de uma visão de
mundo e de um ethos ou estilo de vida particular dos cidadãos. A crise instaura-se porque, enquanto
sistema sociocultural envolvido na provisão de ordem e significado para a vida humana, o welfare state é
incapaz de responder às suas próprias contradições e legitimar sua intervenção. O resultado é uma crise
de legitimação e de caráter (McClintock e Stanfield, 1991). A crise de legitimação resulta da dicotomia
entre a concentração de poder promovida pelo welfare state ("corporatização" da democracia,
burocratização) e as instituições democráticas. O resultado é a alienação política e o descontentamento
popular com o programa do Estado social (idem; Habermas, 1987). A "crise de caráter" é conseqüência
da contradição entre a mentalidade de mercado predominante, com sua ênfase no individualismo e no
motivo do ganho próprio, e as aspirações progressistas do Estado de Bem-Estar em torno de um ideal de
solidariedade e igualdade. A predominância da mentalidade de mercado significa que uma ênfase menor
é colocada naqueles que deveriam ser os maiores objetivos do Estado de Bem-Estar: reduzir a
desigualdade social e criar maior segurança econômica. Essa contradição se revela de forma mais
acentuada na captura das políticas públicas por grupos de interesse privados (McClintock e Stanfield,
1991).

A nova economia política1 também vai apontar a contradição entre a mentalidade de mercado
predominante e os imperativos de solidariedade de uma sociedade de welfare, assumindo que os homens
públicos se comportam da mesma forma que os agentes no mercado, isto é, maximizando suas
respectivas curvas de utilidade. O comportamento auto-interessado de políticos, burocratas e suas
clientelas tem como conseqüências a captura das políticas públicas por grupos de interesse privados, a
provisão de serviços públicos em níveis socialmente ineficientes e a manipulação da política
macroeconômica por políticos populistas (Buchanan, 1975). Porém, em vez de se deter sobre a questão
da ética do serviço público, a abordagem da escolha pública assume a inevitabilidade do comportamento
auto-interessado para propor, dentro da lógica smithiana da "mão invisível", a construção de um sistema
de incentivos e punições que vincule a busca do interesse individual ao máximo benefício coletivo.

De acordo com essa perspectiva, o movimento de reestruturação dos governos na década de 80 na


direção de padrões operativos mais flexíveis e orientados para o mercado foi a resposta dada por
coalizões políticas conservadoras nos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico OCDE aos problemas herdados de décadas de welfarism. A resposta à "crise de caráter" do
Estado implícita nessas reformas envolvia dois princípios básicos. De um lado, procurava-se adequar o
comportamento maximizador à consecução eficiente de objetivos coletivos por meio de controles de
mercado; de outro, através da redução do tamanho e das funções do Estado, buscava-se reduzir as
oportunidades para a corrupção (Mascarenhas, 1993; Peters, 1992; Pollit, 1994; Schwartz, 1994).

Contrariamente à visão conservadora, que assume o postulado da naturalidade do comportamento


maximizador e auto-interessado do homo economicus, resgata-se, neste trabalho, a crítica antropológica
de Karl Polanyi à ciência econômica convencional. Para Polanyi, a mentalidade de mercado é fenômeno
relativamente recente, fruto das mudanças sociais e culturais que acompanham o surgimento do
capitalismo. Portanto, longe de ser natural e inerente ao ser humano, como sustenta a abordagem da
escolha pública, o comportamento maximizador egoísta depende de longa construção sociocultural. Por
outro lado, a partir de Weber (1997a), argumenta-se que é precisamente o fato de a burocracia pública
obedecer a uma lógica completamente diversa da lógica utilitarista o que a torna útil para o setor
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privado. Mais ainda, dado seu insulamento em relação à sociedade, os burocratas têm a possibilidade de
desenvolver preferências diversas dos agentes presentes no mercado ou mesmo de outras elites políticas
(Evans e Rueschmeyer, 1985; Schneider, 1995). A construção de um ethos de serviço público baseado
na confiança e no comprometimento é pressuposto da coerência corporativa e da eficiência da
burocracia.

A partir dessa discussão, este artigo objetiva demonstrar as contradições da resposta conservadora à
"crise de caráter" do Estado. Argumenta-se que reformas do setor público baseadas na premissa do auto-
interesse devem promover a desconfiança e subverter a idéia de um ethos de honestidade no serviço
público, incentivando precisamente o comportamento corrupto que deveriam evitar. Além disso, os
processos de flexibilização das normas de contratação e controle, terceirização e privatização promovidos
por essas reformas criam novas oportunidades de corrupção. Por outro lado, a submissão da burocracia à
racionalidade econômica neoclássica e sua ideologia dos livres-mercados, idéia-chave dessas reformas,
intensifica a incapacidade do Estado de gerir a intervenção no social de forma adequada. Ao mesmo
tempo que o sistema econômico cresce em complexidade e os efeitos socialmente desagregadores do
"capitalismo flexível" de hoje ameaçam tornar-se insuportáveis, exigindo uma ação corretiva, as políticas
públicas sociais são cada vez mais ineficazes ou paliativas, seja pelo reforço a uma forma de pensamento
instrumental e socialmente reificante dos gestores públicos, seja pelos limites cada vez mais estreitos
impostos pela hegemonia liberal à intervenção reparadora. Acentua-se dessa forma a dicotomia entre
ideologia dos "mercados livres" e necessidade de uma ação corretiva capaz de afirmar a solidariedade
sobre o poder do dinheiro e dos métodos administrativos (cf. Habermas, 1987).

BUROCRACIA, MERCADO E WELFARE STATE

Em sua crítica antropológica à ciência econômica convencional, Karl Polanyi defende a tese de que
anteriormente à nossa época não existiu nenhuma economia que fosse controlada por mercados. O que
se observa em formações sociais pré-capitalistas é a ausência da motivação do lucro e, principalmente, a
ausência de qualquer instituição baseada em motivações econômicas (Polanyi, 1980:61). É somente nas
sociedades capitalistas modernas que se pode observar o tipo de comportamento maximizador e auto-
interessado previsto pelos liberais do século XIX, o que levou Polanyi a afirmar, quanto à obra de Adam
Smith, que "nenhuma leitura errada do passado foi tão profética do futuro" (idem:59)2.

Ao contrário do que acreditavam os economistas clássicos, o egoísmo do homo economicus não é causa,
mas conseqüência do surgimento do mercado. Em formações sociais pré-capitalistas, longe de ser aceito
como natural, o comportamento maximizador descrito por Adam Smith seria considerado como "o mais
baixo tipo de avareza e como uma atitude desprovida de auto-respeito" (Weber, 1997b:35). Para Karl
Marx (1982), a idéia de indivíduos isolados e egoístas que constroem a sociedade a partir do nada era
uma ilusão tipicamente burguesa, fruto das pobres ficções das robinsonadas do século XVIII.
Historicamente, a construção do mercado foi um processo planejado e controlado centralmente pelo
Estado, envolvendo a criação artificial da escassez (cercamento de terras, cobrança de impostos "por
cabeça") para moldar o comportamento dos camponeses europeus e das colônias asiáticas e africanas
segundo a orientação para o trabalho característica do "espírito do capitalismo" (Polanyi, 1980).

Ao ressaltar o caráter não natural da instituição do mercado, Polanyi chama a atenção para a importância
de um aparato estatal forte e centralizado capaz de minar as resistências ao laissez-faire e garantir o
funcionamento adequado da ordem econômica. Por outro lado, a burocracia profissional e o direito
racional, pilares do Estado moderno, garantem a previsibilidade institucional necessária à acumulação
capitalista (Weber, 1997a). Assim, ao contrário do que poderia supor a sabedoria convencional do
liberalismo econômico, o avanço do mercado vem sempre acompanhado pelo crescimento dos métodos
administrativos de intervenção, o que levou Polanyi a afirmar: "O laissez-faire foi planejado; o
planejamento não" (1980:146).

Para a constituição de uma sociedade liberal nos moldes imaginados pelos economistas clássicos do
século XIX era necessário que houvesse um mercado para cada elemento da indústria: terra, dinheiro e
trabalho. Segundo Polanyi, estes três elementos são mercadorias fictícias, tendo em vista que nenhum
deles é produzido para a venda. A mercantilização do trabalho, isto é, do próprio homem, envolve a
liquidação de todas as formas orgânicas de vida, com a destruição das relações de vizinhança,
parentesco, profissão e credo. À medida que os imperativos econômicos passam a subordinar as relações
entre os homens e entre os homens e a natureza, o resultado é a degradação moral, o vício, a fome e a
destruição do meio ambiente (idem:84). De maneira análoga, a submissão do meio monetário ao sistema
de preços, com o atrelamento das economias ao padrão-ouro, traz a recorrência de crises financeiras que
ameaçam a sobrevivência de toda a economia mundial. No limite, a aplicação do princípio do mercado a
toda a sociedade resultaria no seu desmoronamento (idem). A grande crise financeira de 1929, ao expor
a fragilidade do projeto de um sistema econômico internacional auto-regulável, marca inflexão acentuada
na marcha dos países ocidentais desenvolvidos rumo à utopia liberal do século XIX. A partir daquela
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época, instaurou-se crescente descrença quanto aos poderes de autocura do mercado, agora substituídos
pela intervenção ativa do Estado.

Na leitura de Polanyi (idem), a crescente intervenção do Estado na economia após as primeiras décadas
gloriosas do liberalismo no século XX pode ser entendida como uma defesa natural da sociedade contra o
avanço do mercado3. As políticas de welfare (seguro-desemprego, aposentadoria, seguro-saúde)
representam, nesse sentido, a relativa desmercantilização do trabalho, com a substituição do mercado
por critérios político-administrativos na partilha do excedente econômico (Esping-Andersen, 1991;
Habermas, 1982). A passagem de políticas econômicas passivas para a intervenção anticíclica do Estado
na economia através de políticas fiscal e de juros e o abandono do padrão-ouro, de maneira semelhante,
marcam a politização do meio monetário (Przeworski, 1989).

Na interpretação de Oliveira (1988), o Estado de Bem-Estar pode ser sintetizado na sistematização de


uma esfera pública, onde o fundo público se torna fundamento da acumulação do capital e da reprodução
da força de trabalho por meio dos gastos econômicos e sociais. A construção do Estado de Bem-Estar
marca a ascensão de sujeitos políticos capazes de impor seus interesses sobre a lógica pura do mercado
a partir de regras universais e pactuadas. Retomando a reflexão de Polanyi sobre a instituição do
mercado, pode-se concluir que o Estado de Bem-Estar restabelece a subordinação da economia à política,
com o objetivo de amenizar os efeitos desagregadores da acumulação capitalista.

O esgotamento do programa do Estado social, já a partir dos anos 70, vai se revelar na explosão dos
déficits fiscais nos países desenvolvidos concomitantemente ao esgotamento do padrão keynesiano de
gestão macroeconômica, refletindo-se na convivência entre altas taxas de inflação e baixos índices de
crescimento econômico. A queda das taxas de lucratividade com o primeiro choque do petróleo nos anos
70 e os altos encargos impostos pelo Estado de Bem-Estar geraram uma reação defensiva da parte dos
empresários, envolvendo a internacionalização do capital e o aumento da racionalização produtiva. Os
processos de desindustrialização e internacionalização do capital por um lado reduziram a base de
taxação e do outro as mudanças na estrutura etária da população trouxeram maior pressão sobre os
gastos públicos, engendrando uma crise fiscal (Habermas, 1987; Oliveira, 1988).

Da perspectiva que emerge da análise de Polanyi sobre o movimento contraditório de construção e


manutenção do mercado, a inadequação das estruturas do Estado de Bem-Estar na sociedade capitalista
liberal reflete-se em uma "crise de caráter" (McClintock e Stanfield, 1991:54). Para usar as palavras de
Rosanvallon (1997), o Estado-providência não é mais capaz de oferecer um paradigma viável de
solidariedade em face dos efeitos desagregadores do mercado. A "crise de caráter" expressa-se na
contradição entre os traços de personalidade típicos da sociedade de mercado expressos de maneira
tosca na metáfora do homo economicus e o ethos de solidariedade necessário ao funcionamento
adequado de uma sociedade do welfare. A predominância do auto-interesse resulta em uma ênfase
menor sobre aqueles que deveriam ser os objetivos últimos do Estado de Bem-Estar: a efetiva redução
da desigualdade social e a criação de segurança econômica. A contradição expressa-se de maneira
patente na captura do aparato estatal por grupos de interesse privados poderosos e bem organizados. No
limite, o Estado de Bem-Estar corre o risco de agravar a desigualdade social, em lugar de corrigi-la
(McClintock e Stanfield, 1991:54; Offe, 1989).

Na visão de Polanyi, o welfare state surge como uma defesa natural da sociedade contra a destruição das
formas de vida tradicionais operada pelo mercado. Porém, o caráter reativo e pragmático dessa resposta
protetora impediu a criação de um paradigma alternativo à mentalidade de mercado predominante
(McClintock e Stanfield, 1991:56). De fato, nunca houve uma teoria ou uma ideologia bem desenvolvida
capaz de justificar o welfare state. A teoria keynesiana, apropriada pelos partidos social-democratas na
falta de uma melhor alternativa (Przeworski, 1989), apenas oferece uma solução de curto prazo para
solucionar uma falha de mercado não prevista pela economia política clássica (assimetria intertemporal
entre poupança e investimento), encaixando-se, em certo sentido, às prescrições do liberalismo
convencional (Santos, 1988). Assim, mesmo durante os anos dourados do capitalismo que marcam o
auge do welfare state, o debate político sobre a intervenção estatal continuou preso aos limites da
ideologia liberal neoclássica (Wallerstein, 1994). A reação defensiva contra o princípio do mercado
sempre foi avaliada em termos dos imperativos e reações adversas potenciais da economia capitalista.
Em conseqüência, a racionalidade e a implementação efetiva das políticas sociais eram limitadas por seu
atrelamento às flutuações cíclicas dos negócios, crises fiscais e mudanças econômicas (Offe, 1989).
Nesse contexto, as restrições ideológicas à intervenção estatal tendem a detonar uma "crise de
intervenção": enquanto o sistema econômico cresce em complexidade, exigindo um contraponto ao
"moinho satânico" do mercado, o pensamento liberal dominante insiste na utopia dos "mercados
perfeitos" .

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A contradição entre a mentalidade de mercado e as aspirações progressistas do Estado de Bem-Estar é
também assinalada pela nova economia política como uma das causas de sua inadequação no contexto
da sociedade capitalista liberal. De acordo com esta perspectiva, entretanto, o reconhecimento dessa
contradição serve apenas para fundamentar a defesa irrestrita da utopia da sociedade de mercado dos
economistas clássicos.

Nos anos 80, essa concepção teve grande influência sobre as reformas do setor público em alguns países
da OCDE. Coalizões políticas conservadoras valeram-se do status científico dos modelos econômicos da
burocracia, bem como de técnicas de gestão importadas do setor privado, para legitimar e implementar
sua agenda de reorganização do aparelho estatal. Em linhas gerais, o objetivo principal e declarado dessa
reorganização era reduzir as funções e o tamanho do Estado e impor a disciplina do setor privado ao
funcionalismo público, de modo a resolver os problemas de ordem fiscal. Implicitamente, porém, havia o
objetivo de solucionar a "crise de caráter" do Estado. É neste ponto, especificamente, que as reformas
orientadas para o mercado se revelam contraditórias, como se verá mais à frente.

A RATIONALE DAS REFORMAS

Partindo do pressuposto da racionalidade egoísta, a teoria da escolha pública oferece um modelo em que
políticos, burocratas e eleitores são maximizadores de utilidade, atuando sob a coerção de determinadas
regras institucionalizadas. Na formulação de James Buchanan e Gordon Tullock (1965), se os agentes
atuam no mercado buscando maximizar suas utilidades, por que eles haveriam de agir de outra forma no
exercício de funções públicas? Nessa linha de pensamento, Anthony Downs (1957) sugere que os
governantes são motivados por dinheiro, poder e privilégios no exercício da função pública, razão pela
qual a busca do interesse público é sempre subproduto do interesse dos políticos em vencer as eleições.

Como os eleitores normalmente não têm acesso a todas as informações necessárias para votar de forma
racional e, portanto, fiscalizar seus representantes, abre-se espaço para a manipulação da agenda
política e dos recursos públicos em favor de políticos auto-interessados e suas clientelas (Mueller, 1989).

Se o controle dos cidadãos sobre os políticos é por natureza imperfeito e sujeito à manipulação, o
controle sobre a burocracia pública guarda dificuldades ainda maiores. Os burocratas são normalmente
nomeados e não eleitos, o que pode colocar seus objetivos ainda mais distantes dos interesses do
público. A fiscalização do Congresso sobre as agências burocráticas, que deveria minimizar o problema,
também tende a ser falha na medida em que os burocratas detêm o monopólio do conhecimento sobre as
atividades que realizam (Miller, 1997). Segundo Niskanen (1971 apud Mueller, 1989), os burocratas
desejam salários, mordomias, reputação pública, recursos para troca de favores e facilidades para
administrar e fazer mudanças. Todos esses objetivos, excetuando o último, estão relacionados
diretamente ao tamanho dos orçamentos do bureau e, por isso, supõe-se que os burocratas são
maximizadores dos orçamentos. No modelo de Niskanen, uma agência financiadora determina ao bureau
que produza uma dada quantidade de bens ou serviços, revelando o máximo que está disposta a pagar.

Como somente a agência burocrática tem acesso aos seus verdadeiros custos, ela maximiza a produção
além do ponto em que o custo marginal iguala o benefício social marginal, produzindo um resultado que
é socialmente ineficiente, embora ótimo para os burocratas em termos de suas curvas de preferências4.
Uma variável crucial nos modelos econômicos da burocracia é a possibilidade de captura das agências por
grupos de interesse privados. Segundo Krueger (1974), todas as políticas governamentais que interfiram
no domínio econômico são fontes de renda para grupos privados. Quando o governo aumenta as tarifas
de importação para determinados setores industriais, por exemplo, esta é uma forma de lhes conceder
lucros acima do normal (isto é, do equilíbrio competitivo), constituindo uma transferência de renda dos
consumidores para as indústrias. Desde que haja a possibilidade de intervenção no domínio econômico,
diversos grupos de interesse especiais irão competir para influenciar o governo mediante atividades de
lobby e captura da arena pública que a literatura especializada denomina rent seeking (literalmente
"caça-à-renda") (Olson, 1982; Tullock, 1996).

Segundo esta perspectiva, o próprio crescimento do Estado gera incentivos para a sua captura; de fato,
um Estado que se limitasse a garantir os direitos de propriedade e as ordens externa e interna não teria
muito o que oferecer a grupos privados desejosos de aumentar sua participação na renda nacional. Esta
é a justificativa específica para a defesa do repasse de funções estatais para a iniciativa privada, na
medida em que isto possibilita reduzir possíveis "prêmios" para a captura bem-sucedida (Tirole, 1994).
Onde não é possível a privatização ou a terceirização de atividades do Estado, a teoria da escolha pública
sugere a criação de um sistema de incentivos e punições capaz de forçar as agências burocráticas a
produzir de maneira eficiente, seja expondo-as à competição direta com provedores privados, seja por
meio de um sistema de controle de metas de produtividade (Schwartz, 1994). A estreita regulação
política da burocracia, envolvendo a centralização decisória no alto escalão dos ministérios, é a solução

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apontada para reduzir o poder do funcionalismo estatal e garantir seu comprometimento com o programa
de reformas pró-mercado (Aucoin, 1990; Mascarenhas, 1993).

O outro ramo da nova economia política, a economia das organizações, de Oliver Williamson, traz
importante complemento à análise da escolha pública. Esta corrente surge da teoria da firma (Coase,
1991), buscando entender sistemas hierárquicos e mercados como estruturas alternativas de
governance. O fenômeno organizacional, seja uma grande corporação, seja o Estado, é visto como fruto
da decisão de atores racionais em cooperar, tendo em vista a possibilidade de economizar custos de
transação presentes no mercado5. Os economistas da organização partem da idéia de racionalidade
constrangida para explicar o comportamento dos atores, supondo que a conduta é estritamente racional
só até o ponto em que cada indivíduo tem acesso às informações necessárias à tomada de decisão. A
existência de assimetrias informacionais em mercados e contextos hierárquicos abre espaço para o
oportunismo, isto é, a busca do auto-interesse com objetivos maliciosos e/ou fraudulentos (Williamson,
1985).

No âmbito do mercado, o oportunismo pode surgir em função da existência de asset specifity


(especificidade de ativos). Na definição de Williamson, asset specifity diz respeito "ao grau em que um
determinado insumo pode ser redirecionado para usos e usuários alternativos sem a perda do seu valor
produtivo" (Williamson, 1991). Exemplificando, determinadas firmas detêm controle sobre técnicas
produtivas e maquinário que não podem ser transferidos para uma outra firma sem incorrer em altos
custos de adaptação. Essa especificidade dos fatores dá a essas firmas um grande poder sobre seus
fornecedores e compradores, o que abre espaço para o oportunismo. Mercados dominados por firmas
com alto grau de asset specifity caracterizam-se pela baixa contestabilidade, isto é, firmas concorrentes
não têm como entrar no mercado sem incorrer em altos custos de entrada, irrecuperáveis (sunk costs).

Quanto menor a especificidade de ativos, portanto, maior a contestabilidade dos mercados, na medida
em que outras firmas podem ameaçar o poder de monopólio da firma dominante sem incorrer em sunk
costs (Scherer e Ross, 1990).

A solução mais comum para o problema da asset specifity é a integração vertical de firmas, ou seja, a
internalização de informações antes indisponíveis, mediante a troca de relações de mercado por relações
hierárquicas (Williamson, 1985). Esta internalização permite a economia de custos de transação
presentes no mercado, reduzindo significativamente a incerteza e o risco moral (moral hazard) dos
contratos.

O que caracteriza boa parte das organizações públicas é justamente seu alto grau de especificidade de
ativos. Os burocratas detêm conhecimento técnico superespecializado e não facilmente substituível e,
freqüentemente, as atividades realizadas por suas agências não podem ser repassadas para terceiros
(Melo, 1996). Nesses casos, a organização hierárquica tradicional do setor público é uma solução melhor
do que o mercado. Porém, à medida que a organização burocrática cresce em tamanho, há uma
tendência à perda de eficiência, expressa na lentidão das decisões, perda do controle dos gerentes sobre
os subordinados e falta de incentivos que vinculem o ganho dos indivíduos ao aumento da produtividade
– todos fatores que representam custos de hierarquia (Pitelis, 1998; Williamson, 1985; 1975). A
vantagem de contratar atividades no mercado, nesse sentido, é justamente a possibilidade de se utilizar
incentivos de resultado que promovam a busca da eficiência, economizando custos de hierarquia (Tirole,
1994).

Levando ao extremo a idéia de um trade-off entre mercado e hierarquia, conclui-se que a organização
burocrática tradicional do setor público deveria limitar-se a funções estratégicas (core functions), não
contestáveis, cujos outputs são difíceis de medir (administração da Justiça, segurança externa,
arrecadação de impostos etc.). Conforme esta perspectiva, para os serviços altamente contestáveis (a
maioria dos bens privados, telecomunicações, geração de energia elétrica), os mecanismos de mercado
com provisão privada (privatização) ou provisão pública e privada (quase-mercados) são os mais
adequados. Em uma categoria intermediária, as agências públicas em setores não contestáveis, mas
passíveis de medição de performance, devem ser submetidas a controles de resultados, com o
fortalecimento de mecanismos de "voz" (pesquisas de satisfação de clientes, comitês de usuários etc.).
Na ausência de altos custos de transação, as atividades nesses setores podem também ser terceirizadas
para empresas privadas e ONGs (World Bank, 1997:87-88).

O problema do Estado, nos termos da nova economia política, portanto, resume-se à criação de formas
organizacionais capazes de garantir a máxima eficiência econômica. Vislumbra-se a redução das formas
tradicionais de organização burocrática do setor público a um núcleo de atividades "mínimas", com a
correspondente terceirização e privatização da maior parte das atividades restantes, donde se justifica o
antigo ideal do liberalismo clássico "o melhor governo é o menor" nos termos da linguagem técnica
da economia neoclássica. O quadro doutrinário da administração pública anglo-americana, incorporando
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esse arcabouço teórico, vai conferir à agenda de "minimalização" do Estado seus contornos finais,
tornando-a mais palatável para o grande público. Nesse contexto, a defesa de um objetivo
ideologicamente "neutro" uma gestão mais eficiente no setor público passa a legitimar o projeto
reformista conservador (Pollit, 1994).

GERENCIALISMO E RETÓRICA DA EFICIÊNCIA

A série de doutrinas administrativas que vem dominando a agenda de reformas burocráticas em alguns
países do mundo desenvolvido desde o início dos anos 80, agrupadas na expressão "nova administração
pública" ou simplesmente "gerencialismo" (Dunleavy e Hood, 1994; Hood, 1991; Hood e Jackson, 1991;
Pollit, 1994), combina as reflexões da nova economia política sobre o Estado à defesa ideológica do
modelo de gestão característico do setor privado. A idéia de uma gestão mais eficiente, peça-chave do
gerencialismo, é utilizada como arma de retórica para ocultar seus princípios conservadores sob a
suposta neutralidade técnica dos administradores profissionais (Pollit, 1994). O que caracteriza o
gerencialismo como uma doutrina ou ideologia administrativa, nesse sentido, é o fato do seu enorme
sucesso nos últimos anos não estar ligado necessariamente à comprovação empírica dos seus
pressupostos, mas à capacidade de obter aceitação através de instrumentos de retórica (Hood e Jackson,
1991).

Segundo Pollit (1994), a ideologia gerencialista caracteriza-se pela crença de que uma gestão mais
eficiente é a solução adequada para uma ampla gama de doenças econômicas e sociais. Seus
proponentes tendem a endeusar os grandes executivos privados e a apresentar como vilões burocratas
públicos, políticos e sindicatos. De acordo com esta perspectiva, o problema do Estado reduz-se a criar
condições para que os administradores possam fazer aquilo que sabem melhor, isto é, gerir (Andrews e
Kouzmin, 1998). Supõe-se, assim, que a existência de regras burocráticas excessivamente rígidas no
setor público e a ênfase em controles de processos (em oposição a controles de resultados) acabam por
impossibilitar uma gestão eficiente e expedita como a praticada no setor privado, onde os
administradores possuem muito mais autonomia para contratar e mobilizar recursos. A solução, portanto,
é aumentar o poder discricionário dos administradores públicos, submetendo-os, entretanto, a controles
de resultados (Barzelay, 1992; Osborne e Gaebler, 1995).

Uma sistematização das diversas correntes dentro do gerencialismo foi realizada por Abrucio (1991) de
acordo com a maior ou menor ênfase no controle de gastos, foco no cidadão/cliente e participação
popular nas esferas decisórias estatais. O que se deduz da sua análise é que, ao longo do tempo, o
conservadorismo economicista do gerencialismo "puro", fortemente influenciado pela nova economia
política, foi sendo enfraquecido pela contínua incorporação das críticas feitas a essa doutrina ao longo do
tempo.

Esse processo de esmaecimento ideológico é visível também nas recomendações do Banco Mundial para
a reforma do Estado nos países em desenvolvimento. O World Development Report de 1997 defende a
tese de que é necessário reconstruir o Estado e não reduzi-lo ao mínimo para garantir o
desenvolvimento econômico sustentável (Costa, 1998). Nos últimos anos, à medida que se tornavam
claras as limitações dos programas ortodoxos de ajuste estrutural nos países em desenvolvimento, o
Banco passou a considerar que fatores políticos, tais como grupos de interesse e legitimidade
governamental, tinham influência direta sobre os processos de ajuste (Williams e Young, 1994).

A grande dificuldade da formulação do Banco Mundial, entretanto, está na ligação que se tenta
estabelecer entre democratização da administração pública e reforma gerencial. Segundo esta
perspectiva, supõe-se que o cidadão, igualado a usuário de serviços, poderá expressar suas preferências
de maneira mais adequada através do mercado. A burocracia "orientada para o cliente" torna-se
fundamento de uma administração mais democrática, na medida em que implica uma ligação mais
estreita entre as preferências do público e a prestação de serviços. A participação do usuário em comitês
de avaliação e a realização de pesquisas para medir a satisfação dos clientes são mecanismos
complementares para garantir a qualidade dos serviços prestados e o correto funcionamento do aparelho
burocrático. Ao fomentar o repasse das funções estatais para organizações privadas (sejam empresas ou
ONGs), entretanto, a reforma gerencial apenas substitui a burocracia pública pela burocracia privada,
sendo que a segunda não está sujeita aos mecanismos de checks and balances da democracia
representativa (Blanchard et alii, 1998).

Os mecanismos de mercado, que deveriam substituir os controles políticos e administrativos normais,


também estão sujeitos a falhas. Na prática, existem imperfeições de demanda e oferta permeando o
setor público. O governo é normalmente um monopsonista em muitas áreas (prisões, pesquisa básica) e
do lado da oferta freqüentemente há apenas um ou dois produtores. Tais imperfeições abrem espaço
para a formação de coalizões entre os prestadores de serviço ou mesmo entre estes e as agências
públicas financiadoras (Kelly, 1998). As falhas em mercados públicos trazem a necessidade da criação de
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novas instâncias burocráticas capazes de regular as empresas privadas trabalhando nesses mercados.
Assim, em vez de reduzir o campo de atuação do aparato burocrático, a reforma gerencial traz novos e
complexos arranjos envolvendo agências privadas e suas entidades reguladoras públicas, com o risco de
enfraquecer os controles democráticos normais sobre a burocracia.

Da perspectiva da economia das organizações, abraçada pelo Banco Mundial, somente na impossibilidade
de apelar para a provisão em mercados ou quase-mercados é que se deve apelar para a organização
burocrática tradicional juntamente com as instituições da democracia representativa. A escolha individual
no mercado é sempre preferível à ação coletiva característica da política – este é o princípio-chave da
agenda reformista do Banco. Levado às últimas conseqüências, esse princípio deixa implícito um conceito
bastante restrito e negativo de democracia, bem como uma visão hobbesiana da sociedade.

Em verdade, tanto o pensamento gerencialista quanto a economia política conservadora revelam uma
desconfiança indisfarçada quanto à democracia representativa. A política é vista como um empecilho na
medida em que ela pode comprometer o caráter "racional", "técnico", das decisões da tecnocracia
estatal. O Estado liberal dos conservadores, neste particular, não deve ser confundido com o Estado não-
intervencionista; ao contrário, seu núcleos tecnoburocráticos devem ter autonomia para intervir na
economia de forma a assegurar o livre funcionamento dos mercados, evitando as pressões de
parlamentares "populistas" e grupos "caçadores-de-rendas" que possam comprometer a racionalidade da
ordem econômica. A glorificação do papel do gerente que atua na busca estrita da eficiência econômica,
livre das pressões "irracionais" da política, de maneira análoga, é a grande idéia-força por trás da
doutrina gerencialista. Nega-se, dessa forma, o caráter essencialmente político da administração pública
e as implicações distributivas das ações do gestor público, que passam a obedecer à supostamente
superior racionalidade do mercado.

A submissão do aparelho burocrático à racionalidade econômica neoclássica trazida pelas reformas


gerenciais, em uma outra ponta, implica uma mudança cultural de peso no setor público. De fato, o tipo
de burocrata que se requer em uma estrutura calcada no princípio do mercado nada tem a ver com a
figura clássica (e hoje injustamente banalizada) do burocrata "weberiano". É necessário, de outra forma,
aproximar o administrador público do grande executivo privado endeusado pela ideologia gerencialista.
Flexibilidade, capacidade de adaptação, amor ao risco e ambição seriam algumas dessas características.
Em certo sentido, o gerente-herói dos ideólogos da nova administração pública é uma versão mais
sofisticada do homo economicus, pois o seu compromisso não é certamente com a dignidade e o
engrandecimento da função pública, mas apenas com o interesse próprio. Porém, enquanto o burocrata
"maximizador dos orçamentos" de Niskanen, ele também um agente auto-interessado, representa tudo
aquilo que a ideologia gerencialista abomina (a patronagem, a desídia, o amor ao privilégio), o homo
economicus na sua versão sofisticada de alguma forma é obrigado a se adaptar à mudança
"empreendedora" no setor público e a apresentar atributos que conferem à sua ação um caráter positivo
em termos da busca da eficiência econômica6.

Aparentemente, o racionalismo econômico da nova economia política e dos ideólogos gerencialistas


parece enxergar no princípio do mercado um bálsamo redentor capaz de purificar o setor público de
todos os seus males: o clientelismo, o descaso com o dinheiro público, a corrupção pura e simples.
Subjacente a esta pressuposição está a crença de que a ética utilitarista do homo economicus pode
constituir-se em fundamento para a solução dos problemas de ordem moral da sociedade.

Como observa Alan Wolfe (1991), as ciências sociais tornaram-se o teatro do debate moral na sociedade
moderna, a partir do momento em que as instituições tradicionais (a Igreja, a família) perderam a
capacidade de criar um consenso moral. Ao erigir um padrão ideal de comportamento (a maximização
racional da utilidade), contra o qual o comportamento real deve ser confrontado, a teoria da escolha
pública afirma a primazia do que deve ser contra aquilo que é real. Se já é questionável até que ponto as
pessoas têm capacidade de agir de forma inteiramente racional, coletando todas as informações
necessárias à ação, a idéia de que os agentes são capazes de maximizar algo como uma "curva de
preferências" envolve dificuldades incontornáveis no campo da comprovação empírica7. Portanto, há um
certo viés normativo nas abordagens economicistas dos fenômenos sociais que deixa implícita a defesa
de uma ética utilitarista e individualista. Desse modo, os economistas de hoje passaram a se ocupar de
questões de filosofia moral, invertendo a situação dos tempos de Adam Smith, quando os filósofos morais
se preocupavam com questões econômicas (Wolfe, 1991).

Porém, quase uma década após a decretada vitória do capitalismo e da ideologia liberal sobre o
socialismo, não há nada que indique que a expansão da mentalidade de mercado àqueles setores ainda
não "colonizados" da vida social seja capaz de oferecer uma resposta adequada aos problemas morais da
sociedade moderna. No caso das reformas gerenciais é possível sustentar, ao contrário, que o consenso
moral em torno de uma ética empresarial e de mercado deve apenas agravar a "crise de caráter" do
Estado identificada por McClintock e Stanfield (1991), como se verá a seguir.
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DADOS

MERCADO E ÉTICA BUROCRÁTICA

Apesar da sua simplicidade e grande poder analítico, os modelos da teoria da escolha pública e da
economia das organizações estão baseados em modelos excessivamente generalistas e abstratos sem
vinculação alguma com o contexto histórico, o que dificulta o entendimento das diferenças entre países e
sistemas políticos. Estudos institucionalistas recentes8 têm procurado superar o reducionismo dessas
abordagens, resgatando o pensamento weberiano. Significativo desta tendência é o trabalho de Evans
(1993) sobre as burocracias dos Estados desenvolvimentistas.

Em uma crítica às abordagens neo-utilitaristas, Evans (idem) observa que a burocracia idealizada por
Weber era útil ao mercado justamente por obedecer a uma lógica completamente diversa da lógica
mercantil. A organização hierárquica da burocracia obrigava os funcionários a perseguirem objetivos
coletivos como se fossem os seus próprios. A eficiência burocrática era resultado da coerência interna da
corporação, do insulamento em relação às demandas externas e da concentração de conhecimento
técnico.

Em estudo sobre a burocracia estatal de cinco países (México, Brasil, EUA, Japão e França), Schneider
(1995) sugere que a estrutura da carreira burocrática tem um papel importante na própria formação das
preferências dos servidores públicos. Ao contrário do que supõem os modelos econômicos da burocracia,
os burocratas estão em primeiro lugar interessados em suas carreiras e não necessariamente em ganhos
de curto prazo. Carreiras baseadas no mérito e na estabilidade no emprego tornam os burocratas
avessos ao risco representado pela corrupção e favorecem a formação de preferências independente de
influências externas.

De acordo com esta perspectiva, as elites burocráticas estatais desenvolvem preferências específicas
comuns que as diferenciam de outras elites. O partilhamento de assunções, expectativas e valores
fornece uma base sobre a qual pode assentar-se uma racionalidade comum. Sem a coesão burocrática
que deriva dessa racionalidade partilhada, a promoção da ação coletiva pelo aparato estatal tende a ser
problemática (Evans e Rueschmeyer, 1985). A existência de laços informais entre os membros da
burocracia9, o compartilhamento de conhecimento técnico especializado e o insulamento em relação às
demandas externas são fatores que favorecem a coesão e a homogeneidade das elites burocráticas
(Evans, 1993).

Por outro lado, é precisamente essa capacidade de seguir objetivos de forma coerente que torna a
burocracia útil ao setor privado. Os problemas que a burocracia estatal se empenha em resolver
envolvem normalmente o atendimento a demandas coletivas, daí a necessidade da sua autonomização
vis-à-vis os interesses segmentados e particularistas. Este processo de autonomização encontra seu
limite nos imperativos sistêmicos do capitalismo. A sobrevivência do Estado depende da manutenção de
um nível de atividade econômica que lhe permita auferir receitas fiscais suficientes e por essa razão as
elites estatais não podem contrapor-se ao interesse coletivo do capital. Com o aumento da intervenção
econômica para garantir a acumulação capitalista, há uma tendência ao enfraquecimento dessa
"autonomia relativa". O Estado torna-se mais suscetível à influência dos conflitos sociais, acabando por
sucumbir à fragmentação promovida pela captura de partes do seu aparato (Evans e Rueschmeyer,
1985; Habermas, 1982).

Apesar disso, supor com a teoria da escolha pública que a busca de rendas é o comportamento normal da
burocracia é ignorar o fato de que em tal situação a ação do Estado se tornaria absolutamente
imprevisível e ineficaz, à proporção que as normas abstratas do direito formal fossem substituídas por
códigos privados de anéis de corrupção. Este parece ser o caso (trágico) de países africanos onde a
completa mercantilização do aparelho estatal serve à dominação "cleptopatrimonialista" de ditadores
sanguinários (Evans, 1993). É mais razoável supor, com Weber, que o crescimento da burocracia pública,
paralelamente à expansão das funções sociais e econômicas do Estado, cria dificuldades para a
fiscalização democrática efetiva. À medida que bureau se empilha sobre bureau, constituindo
organizações hierárquicas gigantescas, é favorecida a tendência natural do governo burocrático ao
segredo. À intransparência dos procedimentos burocráticos combina-se o aumento das rendas disponíveis
para a captura e a influência desestabilizadora dos códigos de conduta do setor privado que acompanham
a crescente intervenção do Estado na economia. Dessa forma, a propensão dos burocratas a
desenvolverem comportamento orientado por normas previsto por Max Weber se enfraquece, com o
aumento da tentação de auferir ganhos pessoais ilícitos.

Significativa dessa tendência é a criação de um aparato produtivo no interior do próprio Estado, cuja
lógica de funcionamento favorece sua autonomização quanto ao poder político constituído. Isto é, na
medida em que as organizações estatais tendem a atuar segundo a lógica empresarial (e não mais
social), há uma tendência ao surgimento de um novo tipo de burocrata-empresário, muito mais ligado
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aos seus parceiros corporativos e clientelas privadas do que ao próprio Estado. Nas democracias
capitalistas avançadas, onde se constituem as estruturas características do welfare state, a convivência
entre um Estado "empresário" e outro, "social", assinala a contradição entre os imperativos econômicos
do capitalismo, com sua mentalidade de mercado dominante, e a necessidade de uma resposta protetora
ao "moinho satânico" do mercado. Assim, o Estado capitalista coloca-se na difícil situação de resolver os
problemas sociais gerados pelo processo de acumulação que ele próprio se empenha em promover. É
esta a contradição assinalada por Polanyi quando identifica o "duplo movimento" que acompanha a
construção e a manutenção das sociedades de mercado (McClintock e Stanfield, 1991).

À medida que o Estado passa a realizar gastos "improdutivos" em larga escala para mitigar os efeitos
desagregadores da acumulação capitalista, a tensão entre a lógica do mercado e a necessidade de um
ethos de serviço público baseado na confiança e no comprometimento torna-se ainda mais acentuada. Os
bens e serviços sociais, nesta categoria, podem ser entendidos como "antimercadorias", pois sua
finalidade não é gerar lucro (Oliveira, 1988). A coletivização do consumo, contrariando a mentalidade de
mercado hegemônica, gera pressões poderosas em sentido oposto que vão afetar diretamente a
burocracia. Nesse contexto, a existência de um serviço público universalista é uma das maiores garantias
contra a captura do Estado. Os controles democráticos sobre a burocracia devem precisamente reforçar
esse compromisso ético, fundado na particularidade das instituições políticas em relação ao mercado.
Como observa Avritzer (1996), enquanto no mercado a igualdade vem do radical desinteresse pelo outro
e da generalização do egoísmo, na esfera pública ela decorre da generalização do sentimento de
cidadania, isto é, do reconhecimento do outro como um sujeito igual e portador dos mesmos direitos. A
construção institucional do Estado de Bem-Estar, nesse sentido, só é viável a partir de identidades sociais
e políticas capazes de embasar um consenso normativo em torno de ideais comuns. O problema é que
nas democracias capitalistas o consenso sobre a cidadania social que constitui a base do welfare state é
fraco e sujeito à influência da mentalidade de mercado e do impacto corrosivo dos ciclos econômicos
(Offe, 1989). A burocracia pública não tem como resistir a essa tensão imanente, que se reflete na sua
captura por grupos de interesse particularistas.

A resposta da nova economia política à crise do Estado, dentro da lógica estrita do racionalismo
econômico neoclássico, é no sentido de reduzir a tendência à coletivização do consumo através da
privatização e terceirização de serviços públicos e do corte de gastos sociais. Dessa maneira, a ação do
Estado deixa de contrariar a lógica do mercado, subordinando-se à mesma. No novo desenho
institucional, os servidores públicos agem como empresários que maximizam a eficiência, pois os
resultados redistributivos da ação estatal perdem importância, quando não são simplesmente ignorados.

A inadequação da resposta protetora do Estado ao avanço do mercado, em conseqüência, tende a se


agravar. Ao mesmo tempo que o capitalismo flexível de hoje dá sinais de esgotamento com a recorrência
de crises financeiras, baixas taxas de crescimento e a intensificação da desagregação social com o
crescimento acelerado do desemprego (Gray, 1999; Kurz, 1996; Tavares, 1993), os ideólogos do
liberalismo insistem na velha receita da completa mercantilização da sociedade. Acuada, a antiga
esquerda social-democrata parece incapaz de formular propostas substancialmente diversas do
"Consenso de Washington" ou menos vagas do que a chamada "Terceira Via", o que prova a força
ideológica do liberalismo de hoje.

Por outro lado, a imposição da lógica do mercado ao setor público, com o intuito de converter os
servidores públicos ao racionalismo econômico neoclássico, corre o risco de agravar o mesmo problema
moral (o comportamento rent seeking) que se propõe a resolver. Curiosamente, as reformas orientadas
para o mercado parecem querer transformar em regra o que é uma exceção (o comportamento
maximizador egoísta dos burocratas). Se a construção institucional da burocracia envolve a criação de
uma racionalidade comum que assenta sobre valores e expectativas compartilhados, é possível inferir
que estruturas burocráticas baseadas na assunção generalizada do auto-interesse devem promover a
desconfiança. Assim, os burocratas passam a enxergar a si próprios e aos outros como oportunistas
amantes do risco, para os quais a carreira no setor público é apenas mais uma forma de maximizar
ganhos no curto prazo.

Na medida em que a estrutura da carreira burocrática afeta as preferências dos servidores (Schneider,
1995), a flexibilização do trabalho em moldes neotayloristas promovida pelas reformas gerenciais
também deve solapar as bases sobre as quais se assenta a ética burocrática tradicional. Em uma
discussão sobre as novas formas organizacionais do capitalismo de hoje, Richard Sennett (1999) sustenta
a tese de que a insegurança criada por formas flexíveis de trabalho (precarização de contratos, fim das
carreiras tradicionais etc.) acaba por corroer os valores de confiança, comprometimento e lealdade que
caraterizavam as relações entre empresas e empregados durante a era fordista. A sensação de que "não
há longo prazo" no contexto do novo capitalismo impede que as pessoas consigam estruturar suas vidas
como uma narrativa coerente, incentivando o comportamento orientado para o curto prazo e desprendido
de valores éticos firmes que se supõe característico do empreendedor de sucesso na atualidade. As
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reformas gerenciais, ao apostarem na quebra da estabilidade no emprego, em contratos de curto prazo e
formas organizacionais flexíveis, correm assim o risco de solapar o senso de missão e comprometimento
que deveria caracterizar as organizações públicas.

Por fim, a passagem de atividades públicas para o setor privado, em vez de reduzir as oportunidades de
corrupção, acaba por criar novas "rendas" passíveis de serem caçadas. Se, por um lado, o Estado
renuncia à produção direta de bens e serviços, por outro, dadas as imperfeições intrínsecas aos
"mercados públicos", seu papel como regulador tende a ser intensificado. Como a simples possibilidade
de intervenção do Estado no domínio econômico já é suficiente para fomentar o rent seeking (ver
Przeworski, 1995), e não se exclui esta possibilidade no processo de desmonte do aparelho estatal,
deduz-se que o problema da corrupção tende a persistir. Além disso, a ênfase em um modelo
tecnocrático de administração, que busca fugir aos controles da democracia representativa, favorece a
intransparência dos procedimentos burocráticos e, em conseqüência, as atividades ilícitas. Assim, a
transformação do ineficiente burocrata "maximizador dos orçamentos" no metamito do gerente
empreendedor da nova administração pública pode ter efeitos totalmente inesperados dentro do quadro
de análise economicista que caracteriza essa doutrina.

Um caso ilustrativo desse processo é a reforma gerencial da Nova Zelândia. A reforma naquele país foi
fortemente baseada nos modelos econômicos da burocracia e uma enorme gama de serviços públicos foi
privatizada ou terceirizada, dentro de uma concepção estritamente minimalista do Estado. O exemplo da
Nova Zelândia é particularmente significativo para a presente discussão por representar um dos raros
casos em que o projeto de reorganização do setor público segundo as lógicas empresarial e de mercado
foi levado às últimas conseqüências (Mascarenhas, 1993).

A partir do State Sector Act de 1988, a fixação de salários e os direitos trabalhistas foram
homogeneizados entre os setores público e privado. Os administradores públicos ganharam grande
autonomia para contratar e demitir funcionários, para estabelecer planos de cargos e salários e
remuneração adicional com base em metas de desempenho. Os servidores do alto escalão, além de
perderem a estabilidade no emprego como boa parte do funcionalismo, passaram a ser contratados por
prazo determinado (2 a 5 anos). A renovação dos contratos, como nas grandes empresas privadas,
passou a depender do atendimento de metas definidas previamente (Schwartz, 1994; Boston et alii,
1996; Hood, 1998). Mediante a introdução de taxas de uso em todos os níveis, procedeu-se à construção
de mercados para os serviços públicos. O governo introduziu a concessão de cupons deduzíveis do
imposto de renda e cartas de crédito para que os cidadãos pudessem escolher entre provedores públicos
e privados de serviços, operando em quase-mercados. Mesmo nos setores de saúde e educação foram
instituídas taxas de utilização estudantes universitários, por exemplo, passaram a pagar um valor
equivalente a 5% dos custos de sua formação. Por fim, mediante a separação entre formulação e
execução de políticas públicas, as agências públicas financiadoras passaram a atuar como consumidores
substitutos (surrogate consumers), realizando contratos para o atendimento de metas de produtividade
com os provedores de serviço (Schwartz, 1994).

Segundo Gregory (1999), por conta da nova ênfase nos resultados, especificar e medir a implementação
de políticas públicas tornou-se extremamente importante. Este fato traz sérias implicações éticas
números podem ser manipulados para servir a interesses pessoais e organizacionais. Por outro lado, a
maciça introdução do "contratualismo" calcado na accountability, em parceria com a imposição de
disciplina pela grande redução de staff e pelas mudanças na forma de contratação normal no setor
público criaram (supostamente) um serviço público mais responsável e cumpridor de ordens. Entretanto,
se isto é verdade, há também o risco do surgimento de uma nova cultura carreirista, caracterizada pela
busca oportunista de recompensas pecuniárias, aumentando o "risco moral" que a economia das
organizações busca evitar. De fato, uma pesquisa realizada em 1997 concluiu que 38% dos servidores de
alto e médio escalões governamentais não esperavam estar trabalhando no setor público nos próximos
cinco anos (Norman e McMillan, 1997 apud Gregory, 1999); em 1986, uma pesquisa semelhante mostrou
que apenas 19% desse grupo não possuía essa expectativa pelo resto da vida. O aumento da circulação
entre os setores público e privado que se pode esperar com essa mudança tende a criar novas
oportunidades de corrupção, ao mesmo tempo que enfraquece a capacidade da burocracia de
desenvolver valores e preferências compartilhados independentemente de pressões externas. Nesse
contexto, o desenvolvimento de um forte ethos de serviço público, apontado por Evans e Schneider como
um dos fatores cruciais para a efetividade da ação estatal, tende a ser prejudicado.

Uma outra pesquisa, esta sobre os principais determinantes motivacionais dos servidores públicos,
observou que um dos grandes fatores adversos à motivação era a falta de confiança na integridade das
pessoas. Coincidentemente ou não, em 1997 a Nova Zelândia passou para o quarto lugar no ranking da
OCDE que mede os índices de corrupção governamental realizados pela Goettingen University and
Transparency International, após dois anos consecutivos ocupando a primeira posição10 (Gregory, 1999).
É difícil dizer se o aumento dos casos de corrupção reflete apenas a implantação de controles mais
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efetivos sobre as agências públicas ou se foi resultado de uma deterioração moral dos padrões de
conduta dos servidores públicos. No entanto, o aumento da desconfiança entre os funcionários do Estado
parece reforçar a segunda hipótese. As próprias autoridades governamentais neozelandesas têm
mostrado preocupação com a deterioração dos padrões éticos no serviço público, como revela esta nota
da State Service Comission: "não há dúvida de que há um custo para [uma administração mais eficiente
no setor público] e o preço é a velha ética" (Boston et alii, 1996:332).

Vale ressaltar, entretanto, que havia na Nova Zelândia um alto padrão ético no setor público, construído
ao longo de séculos, o que pode ser explicado pela existência de uma fiscalização severa e de um forte
ethos de igualdade e civismo na sociedade. Por conta disso, é razoável supor que os efeitos deletérios
das reformas do setor público tenham sido em grande medida amenizados (idem; Gregory, 1999). Mas
esta constatação apenas reforça a tese de que a efetividade da ação da burocracia depende de um ethos
de serviço público baseado na idéia de confiança e solidariedade. A ética utilitarista dos liberais não é
suficiente por si só para resolver o problema moral do Estado. Ao contrário, como o exemplo neozelandês
leva a crer, as reformas gerenciais "parasitam" a infra-estrutura ética existente, criando novos e
complexos problemas de controle11.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em importante sentido, a grande mudança cultural envolvida nas reformas gerenciais acaba por
intensificar as dificuldades no que diz respeito à articulação entre o Estado e a sociedade civil. O reforço
ao pensar e ao agir instrumental da burocracia, potencializado pela insistência em valores economicistas,
tende a acentuar a natural incapacidade dos administradores públicos para gerir a intervenção no social.
Tributário de uma visão reificante da sociedade, o administrador tende a objetivar o sujeito e a não
perceber as diferenças que marcam a vida social. As políticas públicas na área social fundadas nessa
perspectiva não conseguem se constituir em vias de socialização ou de mudança cultural. Nesse
contexto, a parceria entre o Estado e as organizações da sociedade civil, apontada pelo Banco Mundial
como uma das soluções para o problema social, corre o risco de redundar na submissão dessas
organizações à lógica instrumental e utilitarista da burocracia pública. Em nome da busca da eficiência,
há a possibilidade de se subverter o caráter específico de organizações imersas em uma cultura onde
vigoram os laços pessoais e a cooperação voluntária, em contraponto à impessoalidade de mercados e
burocracias (Serva, 1997).

Pode-se concluir assim que o reforço da mentalidade de mercado resulta na impossibilidade de o Estado
desenvolver formas de intervenção que oponham a solidariedade ao poder do dinheiro e aos métodos de
administração (Habermas, 1987). A resposta protetora ao avanço inelutável do "moinho satânico" do
mercado, mais uma vez, tende a ser inadequada, pragmática e vinculada ao impacto corrosivo dos ciclos
econômicos, cada vez mais instáveis. Entrincheirada na retórica da eficiência gerencial, a burocracia
pública transforma-se, no contexto atual, na derradeira guardiã do processo de "empresarialização" do
Estado. À medida que o discurso intelectualmente estéril do racionalismo econômico torna-se mais e mais
desacreditado, a força persuasiva da ideologia é cada vez mais necessária para legitimá-lo aos olhos da
população (Kouzmin e Korac-Kakabadesa, 1997). A grande mudança cultural promovida pelas reformas
gerenciais, portanto, não deve ser vista como mero capricho de "consultocratas" públicos. Burocracias
convertidas ao racionalismo econômico neoclássico são aliadas de peso na implementação da agenda
reformista conservadora. É assim que burocratas fiscais em aliança com o grande capital financeiro e a
burocracia das agências internacionais (FMI e BIRD) tornaram-se atores estratégicos na difusão das
reformas neoliberais (Melo e Costa, 1999; Schwartz, 1994).

Os novos altos-executivos públicos que emergem dessa reconfiguração institucional estão envolvidos na
defesa da velha utopia da sociedade liberal do século XIX analisada por Polanyi em A Grande
Transformação. Não se trata apenas de reorganizar o Estado, mas promover a completa mercantilização
da sociedade e estabelecer um sistema econômico mundial auto-regulável, onde se afirme de uma vez
por todas a hegemonia das grandes corporações transnacionais. Nas palavras de Przeworski (1989:258),
o projeto conservador é, em última análise, libertar a acumulação de todas as cadeias impostas pela
democracia. O processo de desagregação social que ocorre hoje, portanto, não deve espantar ninguém:
repete-se mais uma vez a subordinação da política ao movimento cego das finanças internacionais que
acompanhou a ascensão e a queda da sociedade do século XIX.

A resposta conservadora à "crise de caráter" do Estado revela-se contraditória precisamente por resgatar
as pobres ficções das robinsonadas do século XVIII que colocavam os vícios privados do homo
economicus como fundamento do máximo benefício coletivo. O naturalismo de Adam Smith levou-o a
postular uma ordem onde indivíduos auto-interessados, como que levados por uma "mão invísivel",
agiriam para garantir o bem de toda a sociedade, ainda que este não estivesse a princípio em seus
desígnios. Segundo esta perspectiva, a ética utilitarista promove a solidariedade involuntária, indireta,
que depende do bom funcionamento de uma economia competitiva. A crença de Smith no potencial do
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princípio da troca como fundamento ótimo de toda e qualquer organização social, levou-o a sugerir que
pelo menos uma parte dos serviços públicos fosse prestada por agentes privados no mercado. Já naquela
época, Smith deplorava a falta de incentivos concedidos que promovessem a busca da eficiência na
administração pública12. A nova economia política, acoplada à doutrina gerencialista dos grandes
executivos privados, vai resgatar de algum modo essa análise, levando-a às últimas conseqüências. A
submissão do aparelho estatal à lógica utilitarista, supõe-se, torna-se a solução não só para a falta de
eficiência do serviço público, mas também para o problema moral do Estado. A partir de um sistema de
incentivos e punições adequado, capaz de reproduzir por meio de regras formais e da construção de
"mercados públicos" aquelas condições presentes no mercado, supõe-se que os servidores públicos, na
busca do interesse próprio, promoverão o benefício coletivo.

A falácia desta formulação está precisamente na crença de que a lógica utilitarista do homo economicus,
vis-à-vis os incentivos de mercado, é capaz de propiciar por si só a construção de um consenso moral
capaz de guiar as ações do homem público em busca de objetivos comuns. A construção institucional da
burocracia envolve o inculcamento de valores e assunções capazes de formar a base de uma
racionalidade comum. Ora, se essa construção institucional se fundamenta na assunção do auto-interesse
generalizado, o resultado é a promoção da desconfiança entre os servidores públicos e a conformação de
uma auto-imagem negativa. Subverte-se dessa forma a idéia de um serviço público calcado em valores
como confiança e comprometimento.

Como observa Polanyi, o mercado é um mecanismo de integração social limitado, na medida em que a
subordinação de todas as relações sociais ao princípio da troca, ao mesmo tempo que traz aumento
considerável da interdependência dos indivíduos (Marx, 1982), destrói as bases normativas e solidárias
dos vínculos sociais. Dessa forma, organizar o aparelho do Estado a partir de mercados deve implicar o
enfraquecimento da coerência corporativa da burocracia.

Diante desse contexto, a única resposta que os ideólogos conservadores podem oferecer é a criação de
novos e mais complexos sistemas de controle, dada a suposição da inevitabilidade do comportamento
egoísta. Conforme esta perspectiva, a tendência é bureau empilhar-se sobre bureau, com a criação de
regras cada vez mais detalhadas e complexas capazes de fechar todas as brechas ao rent seeking, ou,
em outra ponta, a privatização radical das atividades do Estado, também implicando a criação de novas
instâncias burocráticas de regulação dos prestadores privados de serviços. Mas essa resposta é falha,
precisamente por não reconhecer que a racionalização da responsabilidade pessoal trazida pelas regras
do direito formal e pela difusão da ética utilitarista não oferece solução per se para os problemas morais
da modernidade. A escolha entre seguir a lei ou burlá-la depende não só dos incentivos e punições
associados a esta escolha, mas também do exercício da autonomia moral dos indivíduos. Em outros
termos, não basta apenas que existam normas; é preciso que haja uma construção valorativa capaz de
reforçar seu cumprimento13.

Por outro lado, a instituição do mercado não é capaz de oferecer uma base sólida de valores morais.
Muitos séculos antes do surgimento do capitalismo, os filósofos gregos já reconheciam nessa esfera o
locus privilegiado da prática da retórica enganadora e da ausência de valores firmes, razão pela qual seus
limites nunca deveriam se expandir além de certo ponto para não afetar o caráter da comunidade
(Ramos, 1981). A crítica de Polanyi à sociedade de mercado, nesse sentido, não se dirige à existência do
mercado em si, mas à contaminação de múltiplas esferas da vida social por seus padrões relacionais e
cognitivos. Assim, na medida em que não existem regras abstratas e formais que determinem o dever
moral, nem o mercado é capaz de se erguer como fundamento normativo de solidariedade, a lógica
utilitarista das sociedades contemporâneas nos impele, inevitavelmente, ao egoísmo puro do estado de
natureza hobbesiano.

(Recebido para publicação em dezembro de 1999)

NOTAS:

* Este artigo retoma algumas idéias já levantadas em texto anterior, "As Vicissitudes da Reforma
Gerencial no Brasil: Uma Abordagem Analítica", apresentado no XXIII Encontro Nacional da Associação
Nacional de Pós-Graduação em Administração, Foz do Iguaçu, 1999. Aproveito para agradecer a Antônio
Sérgio Fernandes e a Christina Andrews, cujas críticas e sugestões àquele primeiro embrião deste
trabalho serviram de grande estímulo para seu aprimoramento. A Celina Souza faço agradecimento
especial por sua leitura cuidadosa e crítica sagaz, que se mostraram de importância vital para o
desenvolvimento das idéias aqui apresentadas. Desnecessário dizer que quaisquer erros e/ou imprecisões
são da minha inteira responsabilidade.
1. Refiro-me, particularmente, à teoria da escolha pública (public choice), escola de pensamento
econômico que se empenha em aplicar o ferramental microeconômico neoclássico e da teoria dos jogos à
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análise política, tendo por pressuposto básico o comportamento auto-interessado dos atores. O termo
"nova economia política" tem sido utilizado para denominar também a economia das organizações de
Oliver Williamson, vertente do novo institucionalismo na economia (ver Lowndes, 1996). Sobre o caráter
reacionário da teoria da escolha pública, ver Hirschman (1991).
2. A obra de Smith, em desacordo com as interpretações dadas por alguns economistas modernos,
jamais poderia ser uma descrição da ordem liberal tal e qual ela se apresentava no século XVIII, pois o
mercantilismo vigente na Inglaterra da época era precisamente o que sufocava a ascensão da nova
classe de empreendedores descrita em A Riqueza das Nações (ver Santos, 1988).
3. Polanyi procura sustentar esta posição observando que a reação defensiva contra o mercado ganhou
apoio de um largo arco de posições ideológicas, sem que houvesse necessariamente uma ligação direta
entre aquela e os interesses diretamente afetados.
4. Apesar da simplicidade deste modelo, os incontáveis estudos empíricos que se seguiram, não
conseguiram oferecer provas capazes de corroborá-lo (Smith e Meier, 1994). Para uma análise das
críticas a Niskanen, ver Przeworski (1995).
5. Os custos de transação podem ser de dois tipos: a) os custos de elaboração e renegociação de
contratos entre cada um dos agentes envolvidos em transações no mercado; b) os custos de se obter os
preços relevantes (Coase, 1991).
6. De certo modo, esta formulação não é incompatível com aquilo que os economistas clássicos tinham
em mente ao falarem do "homem econômico", o que foi pontuado por Hayek (1952:11): "Seria mais
verdadeiro afirmar que na visão deles [dos clássicos] o homem é por natureza preguiçoso, indolente,
imprevidente e perdulário, e que apenas por força das circunstâncias ele poderia ser forçado a se
comportar economicamente ou ajustando de maneira cuidadosa seus fins aos meios".
7. A literatura a esse respeito é enorme e exigiria uma discussão à parte. Uma revisão do debate atual
pode ser encontrada em Green e Shapiro (1994) e Udehn (1996).
8. Para uma análise do movimento neo-institucionalista nas ciências sociais, ver, dentre outros,
Immergut (1998) e Lowndes (1996).
9. Analisando a burocracia do Ministério da Indústria e Comércio japonês (MITI), Evans (1993) aponta a
importância dos laços de amizade entre ex-colegas das universidades de elite para a coerência do
aparelho burocrático. O resultado desse traço "não burocrático da burocracia" é um "weberianismo
reforçado", na medida em que os altos requisitos para a entrada nessa rede informal tendem a tornar o
desempenho eficaz um atributo valorizado entre os burocratas.
10. O ranking de corrupção da OCDE segue ordem decrescente, i.e, os países com menores índices de
corrupção ocupam as primeiras posições.
11. Em países como o Brasil, onde não se conseguiu sequer construir uma burocracia "weberiana", os
controles de checks and balances ainda são frágeis e as heterogeneidades sociais e regionais são
enormes, não é difícil imaginar os efeitos desastrosos de uma reforma como esta, sem que sejam
tomados os devidos cuidados (ver Souza e Carvalho, 1999).
12. Obviamente, a Inglaterra dos tempos de Adam Smith nem de longe possuía um aparato burocrático
como o dos Estados contemporâneos e, talvez, por esta razão, essa questão específica é tratada de
forma superficial em A Riqueza das Nações. Mas há pelo menos um trecho, na seção sobre as funções do
Estado, que não deixa dúvidas quanto ao posicionamento assinalado: "O interesse de todo homem é
viver o mais tranqüilamente possível; e se seus emolumentos forem exatamente os mesmos tanto
executando como não executando algum dever laborioso, certamente o seu interesse [...] é negligenciar
totalmente o seu dever ou, se estiver sujeito a alguma autoridade que não lhe permite isto, desempenhá-
lo de uma forma tão descuidada e desleixada quanto esta autoridade permitir" (1983:200).
13. Este último ponto foi desenvolvido em maior profundidade por Habermas (1982) em sua crítica à
teoria da legitimação de Weber.

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ABSTRACT

Bureaucratic Ethics, the Market, and Administrative Ideology: Contradictions in the Conservative
Response to the State’s "Crisis of Character"

In the 1980s, a conservative movement for public sector reforms attempted to adjust civil servants’
(alleged) egotistical, amoral behavior to the efficient achievement of collective goals, in accordance with
the principles of Adam Smith’s invisible hand. Based on Karl Polanyi’s and Max Weber’s classic works on
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the establishment of the market and of modern bureaucracy, respectively, the article endeavors to show
how the conservative approach errs by ignoring the specificities of bureaucratic organization as well as
the socially constructed character of the market mentality. The conclusion is that public sector reforms
based on the assumption of self-interest end up breeding suspicion and fostering precisely the corrupt
behavior that they are meant to forestall, thereby reinforcing the State’s incapacity to properly manage
its actions in the social sphere.

Keywords: public sector reform; ethics; neoliberalism

RÉSUMÉ

Éthique Bureaucratique, Marché et Idéologie Administrative: Contradictions de la Réponse Conservatrice


à la "Crise Morale" de l’État

Dans cet article on examine la vague de réformes conservatrices du secteur public dans les années 80
comme une tentative d’ajuster le comportement des fonctionnaires (censé être) égoïste et amoral à la
réussite d’objectifs collectifs, selon le principe de la "main invisible" d’Adam Smith. À partir des travaux
classiques de Karl Polanyi et de Max Weber sur la mise en place du marché et de la bureaucratie
moderne, respectivement, on cherche à montrer comment la solution conservatrice se trompe en
ignorant les particularités de l’organisation bureaucratique ainsi que le caractère socialement construit de
la mentalité de marché. On conclut que les réformes dans le secteur public basées sur la prémisse de
l’intérêt personnel doivent favoriser la méfiance et faciliter un comportement corrompu qu’elles
souhaitent éviter, tout en approfondissant par ailleurs l’incapacité de l’État à gérer correctement son
intervention dans le domaine social.

Mots-clé: réformes dans le secteur public; éthique; néolibéralisme

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