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International Center for the Arts of the Americas at the Museum of Fine Arts, Houston

Documents of 20th-century
Latin American and Latino Art
A DIGITAL ARCHIVE AND PUBLICATIONS PROJECT AT THE MUSEUM OF FINE ARTS, HOUSTON

Registro ICAA: 838902


Fecha de Acceso: 2019-05-11

Cita Bibliográfica:
de Andrade, Oswald. "A Marcha Das Utopias." In Obras completas, Volume 6: Do Pau-Brasil á
Antropofagia e as Utopias, parts 1 and 2, 147-157. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/INL-
MEC, 1972.

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protected by copyright. All
rights reserved. Reproduction Resúmen:
or downloading for personal Oswald de Andrade reexamina en este pasaje de su disertación de maestría ante la USP de
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São Paulo la historia del concepto de utopía a partir del Renacimiento y la manera en que fue
of this document in another
work intended for commercial construido por los europeos como medio para justificar una serie de valores con el propósito de
purpose will require permission respaldar el imperialismo. En la Parte I, de Andrade analiza la visión del Nuevo Mundo que
from the copyright owner(s).
tenían tanto los intelectuales como los exploradores europeos desde el siglo XVI —y, entre
ADVERTENCIA: Este docu-
ellos, aTomás Moro (en Utopía de 1516), Marx y Engels (en El Manifiesto Comunista de 1848) y
mento está protegido bajo la
ley de derechos de autor. Se Américo Vespucio (siglo XVI)— y sostiene que el contacto con Brasil fue uno de los aspectos
reservan todos los derechos. clave en la formación de tales ideas. El autor analiza el imperialismo implícito en el humanismo,
Su reproducción o descarga
sopesando las luchas de la Reforma, las recurrentes guerras entre los católicos y los
para uso personal o la inclusión
de cualquier parte de este protestantes y el auge del fascismo en Europa. De todo ello, de Andrade declara que los
documento en otra obra con opuestos valores presentes en estos conflictos se pueden hallar en las diferentes opiniones de
propósitos comerciales re-
Moro y de Vespucio sobre el Nuevo Mundo. En la Parte II, de Andrade amplía su análisis
querirá permiso de quien(es)
detenta(n) dichos derechos. citando a Karl Kautski y valorando la historia de los árabes a lo largo de la Europa peninsular.
Please note that the layout Finalmente, defiende una utopía situada en Brasil, procurando así contrarrestar la idea utópica
of certain documents on this de Moro (y la de sus efectos colaterales). Al hacer esto, no sólo se opone al capitalismo
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extremadamente mecanizado de Norteamérica, sino también al destructivo racismo provocado
fied for readability purposes.
In such cases, please refer to por el auge hitleriano en Europa.
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A Marcha das Utopías

PODE-SE chamar de Ciclo das Utopias esse que se inicia nos


primeiros anos do século XVI, com a divulga9ao das cartas de
Vespúcio, e se encerra com o Manífesto Comunista de Karl
Marx e Friedrich Engels, ero 1848, documento esse que liquida
o chamado Socialismo Utópico, aberto com a obra de Morus e
que, superado, chega, no entanto, até o século XIX, quando o
frances Cabet publica a sua Viagem a loária, último país onde
o puro sonho igualizante enoontrou guarida e afago.
A vida humana e a História se transfonnaram. Os bra~s
possantes da revolu9ao industrial que, pela exalta~ao do tra-
balho, o sonho de Morus e de CampaneIla longinquamente di-
visavam, agitaram aterra. Houve a experiencia da Comuna
de París. Outros sao os ideais, outros os métodos.
Com o Manifesto de Marx e Engels anuncia-se o novo ci-
clo - o do chamado Socialismo Científico. Com ele coincidem
os grandes abalos da Europa liberal do século passado onde
esplendem, entre outras, as figura-s de Mazzini e Garibaldi.
Marca a brecha decisiva no poder temporal dos papas, o fim
da Santa Alian~a e de seus residuos reacionários. Foi tao vivo o
Edi9ao póstuma do Ministério da Educa~ao e Cultura,
compondo o volume 139 de Os Cadernos de Cultura, 1966,
Río de Janeiro. 147

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movimento liberal e tao sedutora a imagem de urna Europa Acredito que o maior erro da catolicidade foi o ato de
progressista, que o próprio Pio IX, titubeante e incerto, se viu Clemente XIV, extinguindo a ordem conquistadora de Loiola.
envolvido algumas vezes na onda patriótica que unificaria a Hoje, o Brasil representa o que resta da cultura jesuítica, qua-
ltália. O grito "Viva Pio IX!" foi um grito de guerra e pareceu se que estranha ao romantismo e que teve o seu ponto marean-
até subversivo. O Papa era c()ntra os melhoramentos da época te na atitude do Imperador Pedro 11 na "Questao dos Bis-
- o gás, a estrada de ferro, etc. - chegou a vacilar e certa hora, pos".
numa reuniao em pleno Vaticano, deixou-se levar pelos ini- O fracasso da realiza~ao de urna igreja nacional, entre
migos do império austríaco, tendo ele mesmo dado o bradú n6s, me faz pensar mais na incapacidade cismática dos sacer-
suspeito, "Viva Pio IX!" dotes rebelados do que na impossibilidade rustórica do fenó-
Mas a rea~ao é sempre a rea~ao. Pio IX teve que se refu- meno. Basta que um iluminado se diga pastor das ovelhas do
giar em Caeta, acossado pela vitória de Mazzini e Garibaldi, Cristo para que ~m. torno dele se sucedam multidoes heteró-
e o poder temporal, restabelecido, depois de sucessivas e lon- clitas e alucinadas. Aí está o "Conselheiro" que Euclides imor-
gas derrotas, veio terminar numa transa~ao.financeira com Be- talizou n'Os Sert6es. Aí está o Padre Cícero e mais a série de
nito Mussolini. Estava liquidada a Civitas Leonina e cumprido curandeiros de batina legal ou nao, que rondam a fé ambulan-
o longínquo voto do imperador medieval Frederico II, o maior te das massas brasileiras. Aí está o surto invencível das seitas
dos gibelinos e "o primeiro dos modernos". espíritas e das "línguas-de-fogo" que assolam e desmoIalizam
Os pontos altos do Ciclo das Utopias foram: no século a ortodoxia religiosa.
XVI, a miscigena~ao trazida pelas descobertas; no século XVII,
Apesar de desmembrado em mil seitas pitagóricas, órfi-
a nossa luta nacional contra a Holanda e o Tratado de Westfá-
lia que, depois da Guerra dos Trinta Anos, jogava por terra as cas, satAnicas ou cristas, de que dá urna pálida imagem obelo
pretensoes da Áustria de absorver a Alemanha, abrindo, para a livro de Paulo Barreto - As Religi6es no Rio - ainda creio que
Reforma, os horizontes estatais do imperialismo germAnico; no nossa· cultura religiosa venha a vencer no mundo moderno a
séculq XVIII, a Revolugao Francesa, vindo terminar, como gélida concep~ao calvinista, que faz da América do Norte urna
dissemos, no terremoto político de 48. terra inumana, que expulsa Carlitas e cultiva Mc-Carthy.
A importAncia da guerra holandesa foi ter prefigurado, Na guerra holandesa, vencemos urna gente estranha que
face a face, duas concep~oes da vida - a da Reforma e a da sob um grande comando e com superioridade de armas, quería
Contra-Reforma. . impor-nos urna língua estranha e um culto estranho. Nela se
Pode-se ligar isso ao fenomeno que na alta antiguidade prefiguraram os limites do nos'So destino.
dividiu os semitas. Os judeus, julgando-se pavo eleito, deten- As Utopias sao portanto, urna conseqüencia da descoberta
tor exclusivo dos favores de Deus, criaram o racismo. Os ára- do Novo Mundo e sobretudo da descoberta do novo homem,
bes, povo exogAmico, aberto para as aventuras do mar e para do homem diferente encontrado nas teIras da América.
o contato exterior, criaram a miscigena~ao. E a luta desenvol-
vida por milenios, tanto no campo étnico como no campo cul- Foi de um contato que teve Thomas Morus na Flandres,
tural, foi essa - entre o racismo esterilizador mas dominante conforme relata, com um dos vinte e quatro hcmens deixados
dos judeus e a mistura fecunda e absorvente dos árabes. Áque- na Feitoria de Cabo Fria por América Vespúcio, que se origi-
les deram longinquamente a .!teforma, estes a Contra-Reforma. nou a cria~ao de sua Il1uJ.da Utopía e o seu entusiasmo por
Aqueles produziriam Lutero e Calvino, enquanto estes, os je- urna espécie de sociedade que divergia da existente e viria li-
suítas, que foram feridos pelo Vaticano na sua plasticidade po- quidar as pesadas taras medievais ainda em vigor. Esse nave-
lítica, filha da miscigena~ao da cultura que adotavam. gante, de origem portuguesa, teria encontrado Morus na cate·

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dral de Antuérpia, porto para onde o chanceler de Henrique "Quase todos os preceitos de Jesus condenam mais os costu-
mes de hoje que todas as minhas criticas."
VIII fora em missáo diplomátioo-comercial, roncemente a
exporta~áo de lás inglesas. Esse episódío abre o livro, saben-
Evidentemente, toda a vida de Henrique VIII iría ilustrar
do-se que Moros se interessou vivamente por aquele navegan- esse reparo justo.
te bronzeado que palmilhara o Novo Mundo e conhecera o novo
homem. Passaram juntos o día todo e foi quando se manifestou
a ansiedade do humanista por essa gente de cuja existincia e
de cujos costumes "se podíam tirar exemplos pr6príos a escla- A geografía das Utopias situa-se na América. ~ um nauta
recer nossas na~es~ Aquele lobo-do-mar achava a Europa tao portugues que descreve para Morus a gente~ os costumes des-
podre a ponto de afirmar que um sábio náo perdería seu tempo cobertos do outro lado da terra. Um século depois, Campanella,
em fazer ouvir a voz da razáo a homens de Estado completa:. na Cidade do Sol, se reportarla a um armador genoves, Jem-
mente amorais. A indireta era certeira contra o tirano Henrique brando Crist6váo Colombo. E mesmo Francisco Bacon (possi-
VIII que Morus servia e que depois o fez decapitar como ao velmente Shakespeare), que escrevia A Nova Atlantida em
pai de Cromwell. pleno século XVII, faz partir a sua expedi~ao do Peru.
A nao ser A República de P14táo, que é um estado inven-
A Utopia de Morus encerra uma curiosa crítica das me-
didas políticas absolutistas, quando a supressao e o confisco tado, todas as Utopías, que vinte séculos depois apontam no
dos conventos católicos pelo anglicanismo terrorista tinham horizonte do mundo moderno e profundamente o impressiona-
ram, sao geradas da descoberta da América. O Brasil nao fez
eliminado toda espécie de assistencia ao povo, vinda da tradi-
~áo caritativa medieval. . má figura nas conquistas sociais do Renascimento.
Henrique VIII, nesse momento, instituiu leis contra o la-
tJocínio, que faziam, na recidiva, a puni~o ser a perda de urna. II
a
orelha e, na terceira vez, forca. ~ o tempo em que "os pobres..
como as vespas, vivem sem conduzir urna gota de mel, aprovei-
tando o trabalho dos outros".
O Sr. Osvaldo Aranha nao é nenhum insensato. Ao contrá-
Como sempre, em lugar de meIhorar as oondi~es sociais, rio, tem ocupado com brilho e efici~ncia os mais. altos postos
o soberano procurava liquidar os sintomas a ferro e fogo. de govemo e ainda agor~, no seu discurso de posse, o Chance-
Moros, que sofrera a influ~ncia de Erasmo desde a Uni- ler Vicente Bao acentuo~ a aura que envolve o seu nome na
versidade de Oxford, encontrou o seu clima social no Elogio Organiza~o das Na~es Unidas. O que me interessa no Sr. Os-
da Loucura, que ousava afirmar que a necessidade de ter exér- valdo Aranha, mais do que a sua carreira, sao certas afirma-
citos de mercenários anima a vadiagem. "Os ladroes nao sao tivas suas que julgo de primeira ordem. Disse ele agora a um
maus soldados, nem os soldados piores que os ladroes, daí a jornal: "O Brasil será um dos grandes líderes dos fins do nosso
rela~ao que há entre as duas carreiras." século e dará a nova ordem hum~a contribui~es materíais
e espirituais que nao serao excedidas por outros povos, mesmo
Morus é o campeáo de uma jus~~a que "destrua os cri- os que hoje se mostram mais avan~ados".
mes e conserve os homens'\ Ataca sem medo os sabidos que
acomodam a doutrina evangélica as paixóes hUplanas. O seu E exatamente o que penso. E minha fé no Brasil vem da
configura~o social que ele tomou, modélado pela civiliza~ao
cristianismo se reclama da revolu~áo social que lhe deu origem...

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Um escritor; uro sociólogo, um crítico podem rotular, nu-
jesuítica em face do calvinismo áspero e mecAnico que pro- ma ampla latitude ideológica, um fenómeno que parecia restrito
duziu o capitalismo da América do Norte. a certos compromissos de origem ou de destino. Assi~" Eug~­
Poder-se-á me objetar com o exemplo de Sao Paulo, ande nio Dors no seu livro c1ássico sobre o barroco - admuavel h-
se produziu incalculável progresso, o mesmo que separou as 9ao de história e de crítica - coloca dentro do coneeito de
na9óes reformadas do moroso Eaminho seguido em igual dire9ao barroco as coisas mais estranhas e longínquas. Rubens para ele
pelos pavos que ficaram na catolicidade. é barroco, talvez por ter sido católico. Como barroco sao Bach
Nao se pode confundir urna fase da História com a própria e Mozart e até a tauromaquia.
História. Ternos que aceitar a superioridade inconteste do cal- Quando fal~ em Contra-Reforma, o que eu quero é criar
vinismo baseado na desigll~ldade como alentador da técnica e urna oposi<;ao imediata e firme ao conceito árido e desumano
do progresso. Mas, hoje, conquistados como estao os valores 'trazido pela Reforma e que teve como área cultural particular-
produzidos pela mecaniza9ao, chegou a hora de revisar e pro- mente a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos da Amé-
curar novos horizontes. rica. Aa eontrário, nós brasileiros, campeoes da miscigena9ao
Que é a História, senao um contínuo revisar de idéias e tanto da rac;;a como da cultura, somos a Contra-Reforma, mes-
de rumos? mo sem Deus ou culto. Somos a Utopia realizada, bem ou mal,
Atingindo o clímax da técnica, o calvinismo, que foi, com em face do utilitarismo mercenário e mecanico do Norte. So-
a doutrina da Gra9a, o instrumento do progresso, tem que mos a Caravela que ancorou no paraíso ou na desgra9a da sel-
ceder o passo a urna COnceP9ao humana e igualitária da vida va, somos a Bandeira estacada na fazenda. O que precisamosé
- essa que nos foi dada pela Contra~Reforma. A técnica passa nos identificar e consolidar nossos perdidos contornos psíqui-
da fase de ~perfei90amento a conquista de mercados, indo cos, morais e históricos.
levar a África mais remota ou as ilhas da Oceania o mesmo
livro e o mesmo ferro de engomar, a mesma chuteira e a mes-
ma televisao que marcavam de superioridade os países meca-
nizados. Passa-se a socializar e a universalizar o produto da Karl Kautski (o renegado de Lenin) escreveu um dos mais
máquina. curiosos tratados que conhe90 sobre o cristianismo. A chave
:É preciso, porém, desde logo compreender quao larga de- central do seu estudo é o materialismo histórico e acerta gran-
ve ser a concep9ao em que coloco como signo e bandeira a demente em muitas das suas .afirma9óes e pesquisas. Urna idéia
Contra-Reforma. Quando exalto os jesuítas, de modo algum nova que ele lan9a nesse livro é a de que as religioes monote;'
assumo para com eles um compromisso religioso ou ideológico. ístas sao filhas do deserto, onde nao há material plástico para
Entendendo como entendo o sentimento religioso universal a a fabrica9ao de ídolos ou fetiches, enquanto que os países ricos
que chamo de sentimento órfico, o qual atinge e marca todos os em cobre, ferro, mármore, etc. regalam-se numa infinita repe-
pavos civilizados como todos os agrupamentos primitivos, isso ti9ao de imagens que produzem o politeísmo..
de nenhuma forma toca a minha equidistAncia, de qualquer Ilustra ele essa tese com a Judéia e a Arábia que sem sOIÍl-
culto ou religiáo. Hoje, em larga escala, esse sentimento se bra de possibilidades escultóricas deram os dais grandes ramos
transfere para a religiosidade política (Hitler, Mussolini, Sta- do monoteísmo, enquanto o Egito e a Grécia produziram to-
lin) ou para a filosofia do recorde nos espartes, como na moda das as fjgura90es do numeroso de que seriam capazes os seus
ou na iconografía cenica (Carlitas, Leónidas, os costureiros). artistas plásticos.
Cansamo-nos de adorar e temer o que se escandia atrás das nu· Que rela9ao pode haver entre a asser9ao de Kautski e
vens. o Pára-raios liquidou com Júpiter. Hoje os homens que- um estudo sobre as Utopills renascentistas? :E: que estas sao
rem ver os deuses de perto.
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filhas do impulso de urna ra~a exog~mica que fixou no mono- mana e ~ ~ristá - nao termi~ou em Poitiers. Nem, como quer
teísmo guerreiro o seu destino lústórico. Do ramo semita que o Sr. TrISmo de Athayde, malS tarde;- Lepanto foi urna decisi-
saiu da Arábia veio a mesc1a numa decisiva oposi~lio ao racis- va vitória da catolicidade. O grande embate é justamente
mo fechado dos judeus, que trágica e sardonicamente iría pro- ess.e, O do século XIII, que procede o exílio do papado em Avi-
duzir, na época contempor~nea, o seu mais gigantesco adversá- nhao.
rio - Adolf Hitler. O Fuehrer vem direitinho do mosaísmo e Frederico 11, nascido na Itália meridional, foi muito mais
constituiu, sem dúvida,. a mais dramática li~lio que receberam um siciliano, portanto, uro mesclado, do que um puro Ho-
os exc1usivistas defensores do privilégio de ras:a, país e reH- henstaufen e sua fonna~lio tinha mais de árabe que a impos-
gilio. ta pela Germ~ni~ castelá de seu avo Barba-Roxa. Seus costu-
O ramo semita dos árabes, ao contrário, empreendeu por mes eram mu~u1manos. Locomovia-se como uro califa com ha-
milénios a excurslio de seus gens fertilizadores por todos os réns e ménageries de feras selvagens, entre poetas e' filósofos.
caminhos abertos ou fechados da terra e do mar e levaría no E seus exércitos eram sarracenos. Mesmo o seu pesado desas-
encantamento das descobertas a modelagem e a cria~lio dos tre de Parma deveu-se a existencia foIgada de sua corte fata-
paraísos utópicos que desviaram a Europa do seu egocentris- lista, no momento cm que seria necessário apertar o sítio a ci-
mo ptolemaico. dade famélica. .
Os árabes foram tao compreensivos que no grande Cali-
fado de Córdoba era permitido o uso de roeía dúzia de lín-
guas, desde o árabe c1ássico dos escritores até O latim eclesi-
ástico e o dialeto que daria o castelhano. Em oito séculos de
domina~lio, nlio foi imposta a língua do- vencedor. De fato, no nosso meio o que há é urna "Hist6ria" diri-
Afirma-se que na batalha de Poitiers, onde Charles Mar- gida em benefício das teses latinas que procuram denegrir o
tel deteve o élan mus:ulmano, foi salvo o destino da Europa. meridiáo semita.
Salvo de que? Da agricultura? Da técnica inicial que irriga- Mas nós, descendentes de pOltugueses, somos o produto
va os campos e construía os primeiros engenhos? Dos con- de urna cultura miscigenada que nada deve a árida seara frei-
tatos iniciais com o pensamento grego? rática de POIt-Royal, a qual deu corno chefe de fila o seco
Fato é que, se os árabes vencessem, a Europa nlio se en- protestante Pascal. Lisboa até agora é urna cidade bárbara
calacraria por séculos na torva visao do mundo que produziu onde se mistura a mais bela humanidade da terra.
a Idade Média. O grande Hohenstaufen Frederico II deveu Mais tarde, com a coIoniza9áo fomos modelados por
a sua ilustra~ao a cultura árabe e se foram suas violentas maos u~a cultura de larga visaD - a jesuítica - que infelizmente
de ferro que derrub~ram o papado guerreira, nao se pode es- fOl cortada pela incompreensao romanista quando estava le-
quecer a obra-prima de diplomacia e finura internacionalista vando aos limites pag6es dos ritos malabares o seu afá de
que foi a sua cruzada, a sexta, quando, afrontando a excomu- ecletismo e de comunica9ao humana e religiosa.
nhlio de Greg6rio IX, penetrau em Jerusalém aclamado por
árabes e cristlios, depois de um acordo com o sultlio do Egito. Fo!am os mo~árabes de Espanha e Portugal que povoaram
os poroes das caravelas e, no p6rtico das Utopías, ficou para
sempre aquele nauta luso bronzeado do sol atl~ntico que o
chanceler ingles Thomas Morus cOIita ter encontrado na nave
catedral de Antuérpia e que lhe abriu os olhos para os paraí-
Frederico II é, sem sombra de dúvida, a maior figura de sos americanos da Descoberta.
toda a ldade Média. A luta entre as duas culturas - a mU911I-

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A Reconquista foi um fenomeno político e militar pura-
Maomé se reclama de Abraao. E todo o seu destino nao mente de superfície. A arabiza~ao já tinha raciado a Penínsu-
passa de um desvio da Bíblia e do Cristianismo, alentado pela la e produzido esse minúsculo mas gigantesco Portugal, que
comunhao do deserto, em condi~oes particulares. Como um marcou com a abadia guerreira de Thomas o apogeu do bar..
ramo bastardo de casa real que afronta a legitimidade, ele ata- roco e de toda a arte de seu tempo.
ca o parente próximo com o fim absoluto deliquidá-Io. No A arabiza~ao já se tinha transferido para a roupeta inau-
século VII, a ruée mu~ulmana assenhoreou-se do mundo me- gural de Loiola.
ridional conhecido e amea~ou o setentriáo. "Nem sequer urna Numa tese para consurso na Universidade, anos atrás, eu
tábuacrista flutua no Mediterraneo" - afirma Henri Pirenne. escrevi: "Os jesuítas sao os maometano~ de Cristo. Entra na
Talvez se reclamando longinquamente da Sabá matriar- sua arrancada um fogo estranho que nao dissimula raízes ára-
cal, as tribos beduínas nao eram rígidas praticantes da mo- bes". Sao soldados mais do que sacerdotes e Pombal os acu-
nogamia. Como casar no deserto? E o ~orao anunci~ ~ ~rome­ saria de descren~a, dizendo: "Nao é crível que trabalhem tan-
te o prazer na outra vida para seus credulos benefIcIános. tos homens para arruinarem o dogma da fé sem serem ateís-
Aí está a divergencia máxima que daría Sao Jerónimó ba- tas ".
tendo com urna pedra no peito a cada sintoma· de virilida?e Vinda da Arábia petrificada e saída do deserto, a gente
e o califa-sacerdote nada infenso aos prazeres terrenos. O cns· sarracena se mesclaria na Península para continuar pelos ca-
tianismo resistiu as invas6es bárbaras e mesmo as modelou no minhos do oceano o seu impulso exógamo e conquistador, que
arcabou~ da Igreja Medieval porque os deuses trazidos da trazia em si o errático e o imaginoso, a aventura e a fatalida-
estepe longínqua por Atila ou pelos vandalos eram ídolos e de. E que só havia de estacar nos verdes da Descoberta. Na
fetiches que carros de guerra conduziam e facilmente se es· Ilha de Vera Cruz, IIha de Santa Cruz, IIha de Utopia, Brasil.
facelavam pelos percursos da alta Idade Média, nao podendo
oferecer resistencia aos deuses e santos que se resguardavam
nos recintos fechados das igrejas medievais. III
Outro fenomeno religioso era esse - o maometano - da
transmuta~ao de um puro valor espiritual, filho da. rija e im-
perecível comunica~ao produ.zida pela concentra~~o. d~ de- O fato de ser virtude para os habitantes da Ilha de Uto-
serto. E nisso entra a curiosa observa~ao de Kautski )á cItada. pia de Thomas Moros "viver segundo a natureza" decorre
O monoteísmo podería resistir e lutar contra outro monoteís- do susto amável e persuasivo que foi para os navegantes do
mo até se enxertar na Contra-Reforma e na lassidao compre- século XVI a descoberta do índio nu nas selvas americanas.
ensiva dos jesuítas. No Setentríao europeu se romperia o r.a~o Isso, no entanto, em nada compromete o propósito firme
ortodoxo cristao, entre o totemismo dos santos e das dIvm- com que se abre a nova era, de valorizar e impor o trabalho
dades locais (ltália e Fran~a) e o rijo tronco onde Calvino e e portanto a civiliza~ao da roupa, como imperativo desse mo-
Lutero temperam a doutrina da elei~ao. mento histórico. Allás esse postulado ignora que é eferoeró no
Enquanto o deus único do dese~to, deus de caravana, se tempo, pois supoe ser da própria natureza do homem suar e
metamorfosearia transformado no Cnsto, em deus de carave- penar como fora determinado por Deus a Adao na expulsao
la, sob a condu~ao compreensiva da roupeta jesuíta na dire- do paraíso ocioso para o qual parecía ter sido criado. E suar
~¡¡o da conquista da América. . . e penar é se vestir.
Foi essa religiíio de caravela que presIdm ao arfar das
O problema do ócio, face negativa do trabalho, toma aqui
Utopias, principalmente das duas que se colocam na abertu· urna importancia extrema, tendo havido evidentemente nessa
ra da era da navega~ao, sonhadas por Moros e Campanella.
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