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ML: Tu nasceu em Chapecó, no interior de Santa Catarina.

O que isso significou no


surgimento do escritor?

GM: Pergunta interessante. Tem vários desdobramentos aí. O fato é que Chapecó não é,
digamos assim, uma cidade "letrada", com qualquer tradição intelectual ou vida artística
agitada. Acabamos ficando mais ou menos conhecidos no cenário underground (lado
Bzão mesmo) dos anos 1990 por conta da banda Repolho e dos filmes do Petter
Baiestorf, que não é de Chapecó, mas de Palmitos, ali do ladinho. Eu cresci nos anos
1990, numa família que não acumulou algum "capital cultural", então a primeira parte
da minha trajetória foi bastante autodidata, de descobertas solitárias mesmo, quase todas
em torno das revistas em quadrinhos, que eu adorava. Quero dizer, eu não tinha
ninguém pra me indicar "lê isso", "assiste aquilo", e acabei consumindo muito lixo no
processo, até ir encontrando as coisas legais. Fora isso, essa cena do rock e do trash que
tava surgindo ali nos anos 1990 acabou alimentando muito a minha sensibilidade na
adolescência. Chapecó tem alguma coisa de “gore”, não sei. Uma violência
extravagante, expansiva e escrachada. Teria muito a dizer sobre isso, mas o fato é que
eu acabei virando um menininho bizarro, e acho que isso reverbera claramente na minha
literatura. Só que, no meu caso, que sou filho de uma italiana ultracatólica e de um
alemão protestante (inclusive, como bom filho de um luterano, fui muito incentivado a
aprender a ler pra poder desde cedo entrar em contato com a Bíblia), enfim, todo esse
extremismo é dosado por muita culpa e insegurança, principalmente nas matérias do
corpo e da sexualidade. Outra coisa é que a ausência de uma "tradição literária" local,
firme e consolidada, na minha cidade, foi uma questão que passou a me incomodar e me
instigou a tentar formular o que eu achava que eram (ou podiam ser) as nossas
particularidades na produção artística.

ML: Tu deixa Chapecó para cursar letras em Porto Alegre. Mais ao Sul do centro do
país, portanto. Ou Porto Alegre chega a ser um centro para o Sul (e para o Oeste)?

GM: Não sei se para o Sul. Vejamos: acho que os gaúchos possuem uma assertividade
identitária que acaba reverberando de maneira muito forte no resto do país, a tal ponto
de muita gente pra cima do trópico achar que gaúcho é gentílico pra qualquer sulista.
Mas, pra quem é sulista, os "polos de atração" variam em importância dependo do lugar
onde se está. Tenho a sensação de que, para um catarinense do litoral, Curitiba é muito
mais uma referência do que Porto Alegre. Florianópolis, não sei... Floripa me parece
uma cidade que não exerce tanta atração na esfera cultural/identitária, e isso tem muito a
ver com o processo histórico de formação do estado de Santa Catarina, que não
favoreceu uma unidade, uma sensação de pertença forte para quem não é da capital. Em
Chapecó, por exemplo, ou mesmo no Oeste de SC como um todo, não há dúvida de que
a nossa capital afetiva seja Porto Alegre. Em Chapecó, desde sempre, as pessoas torcem
para o Inter ou para o Grêmio, além de ter muitos CTGs na região e de cultivarmos
alguns hábitos gaúchos, especialmente culinários. Isso porque os imigrantes italianos e
alemães que foram para lá já haviam chegado ao Brasil e passado uma, duas ou três
gerações no RS. Meu desejo era ir para uma capital e vivenciar coisas que a vida
extremamente isolada e provinciana em Chapecó não poderia me proporcionar. Porto
Alegre pareceu o destino óbvio...
ML: Florianópolis é uma ilha em muitos sentidos. Mas assim também podemos
enxergar a região Sul, como um arquipélago. Afinal, o que é viver no Sul do Brasil e
como isso se resolve em contraposição àquele “Brasil-de-fato” que aprendemos a
conhecer (e admirar) na televisão?

GM: Novamente, há muitos "suis" aí para pensarmos, e cada um há de ter uma


experiência distinta. Posso falar apenas como um chapecoense que passou um terço da
vida em Porto Alegre, mas imagino que a experiência de Brasil em Chapecó deva ser,
em muitos aspectos, parecida com a de Blumenau, isso tu vai me dizer. (Risos) Eu
sempre achava engraçado voltar de uma aula de história na escola e, caminhando pelas
ruas da minha cidade, perceber que nenhuma daquelas "características essenciais de
brasilidade" marcava a minha cidade de qualquer maneira que fosse. Claro que eu não
tinha essa formulação na época, mas é a forma que, retrospectivamente, uso para
descrever a sensação de "desconforto" e "não-pertença" que eu sentia, e num grau muito
intuitivo. Veja o seguinte: Chapecó foi fundada em 1917. Não houve uso de mão de
obra escrava africana na formação social e econômica daquela cidade; além disso, o
Brasil já era não apenas independente, mas também uma república, e os europeus que
vieram não eram portugueses, mas italianos e alemães; também, e nisso os historiadores
podem me corrigir se eu estiver enganado, acho que aquela região nunca chegou sequer
a pertencer ao império português, pois a questão das terras com a Argentina só foi
resolvida no início do século XX. Assim, aquilo que muitos consideram elementos
"formadores" da nação (o português, o negro e o índio) não participaram enfaticamente
(à exceção do indígena) na construção da sociedade local; e o que os mesmos
pensadores consideram os elementos "transformadores" da nação (o imigrante europeu,
por exemplo) são, em Chapecó, o próprio elemento formador principal – embora através
da violência contra os povos indígenas que ali se encontravam. Não é como o imigrante
italiano que foi para São Paulo, onde encontrou uma sociedade estabelecida na qual
deveria, bem ou mal, se ambientar. Ao mesmo tempo, a cidade é tão isolada (se tu
passar um compasso de 450 Km em torno de Chapecó, acho que não vai encontrar
nenhuma cidade maior nesse raio, e olha que ali são apenas 200 mil habitantes) - tão
isolada dos grandes centros que as "informações brasileiras" resultavam sempre difíceis,
sendo um fenômeno mais dos anos 1970, imagino, através da televisão (e das
instituições oficiais, como a escola). Ainda assim, nos anos 1990, assistir televisão era
uma bizarrice. Quase nada do que tinha lá podia encontrar qualquer paralelo na
experiência sociocultural que eu via no meu convívio imediato. A sensação era a de
estarmos extraviados da tradição nacional, ou alheios à ambiência cultural brasileira.

ML: Pensar o Sul a partir de Chapecó pode fazer teu discurso parecer o de um
separatista de "o Sul é meu país". No entanto, vejo a tua literatura como uma busca da
brasilidade a partir do Sul, e não a negação do Brasil. É possível ser sulista e brasileiro
ao mesmo tempo, parece.

GM: De forma alguma separatista. O movimento separatista do Sul é fundado numa


noção elitizante e conservadora daquilo que somos, e está longe de parecer com os meus
propósitos. A ideia de separação do Sul e formação de uma nação soberana, na minha
opinião, e baseando-me nos discursos que ouço dos simpatizantes da causa, alimenta-se
da crença de que supostos “defeitos” na formação cultural do Brasil poderiam ser
eliminados, já que, supostamente, o Sul não compartilha dos mesmos defeitos – isso
geralmente aparece no discurso dos simpatizantes quando falam em certa “preguiça”,
“atraso”, “acomodamento” e “espirito corruptível” que caracterizariam o Brasil acima
do trópico. Livrando-se deles, então, os “povos mais avançados” do Sul poderiam
buscar seu futuro glorioso. Isso tudo é uma grande bobagem, e uma bobagem que me
parece xenófoba. O que eu quero, muito pelo contrário, é buscar as formas possíveis de
articular as minhas experiências de Brasil com aquelas que se tornaram majoritárias e,
portanto, constituem a tradição. Isso é muito parecido com o que o Vitor Ramil andou
pensando sobre ser pelotense e brasileiro ao mesmo tempo. Só que, lá de Chapecó,
pensar a diferença unicamente sob o signo do frio e da paisagem passa longe de dar
conta do recado. Isso pode funcionar muito bem pra um gaúcho de Pelotas, uma cidade
antiga e que, mesmo que à distância e na fronteira, participou intensamente de vários
momentos importantes da história local e nacional. Em Chapecó, há muitos outros
dados a serem incluídos, como o dado étnico, por exemplo. Então, foi preciso, para
mim, descobrir outras formas, as minhas próprias, de participação na cultura ao mesmo
tempo local e nacional...

ML: Que outras formas são essas?

GM: O principal, e o que aparece sem sombra de dúvida com mais força nos meus
textos, é a capacidade que a indústria de massas possui de gerar uma sensação de
pertença transfronteiriça através do estabelecimento de uma espécie de "cultura sem
território", da qual podemos participar quase que sem depender das formas de relações
culturais locais. Sobre isso, tem duas coisas que eu queria dizer: a primeira delas é que,
em Chapecó, talvez por não ter uma tradição local muito marcada, não houve
necessidade de grandes negociações simbólicas (alguma sempre há) para que a
juventude aceitasse amplamente os estilos da cultura de massas (o rock, por exemplo),
ao contrário do que aconteceu nas capitais mais centrais do Brasil nos anos 1960,
quando o pop chegou para disputar território com uma tradição já bem consolidada, e a
resolução disso aparece na necessidade de negociação entre o nacional e o estrangeiro,
entre o moderno e o arcaico, que é o trabalho dos tropicalistas; a segunda coisa é que,
talvez justamente por ser uma cidade cuja sensação de participação no Brasil depende
muito dos meios de comunicação (que é o que de fato nos liga culturalmente ao resto do
país), acredito que a nossa (a minha, pelo menos) forma de participação na cultura
nacional remete àquilo que o Renato Ortiz chama de "a moderna tradição brasileira",
que surge com a ressignificação da nacionalidade pela via da consolidação de uma
indústria cultural brasileira. Por isso minha identificação extrema com os tropicalistas
(especialmente os Mutantes), com o Zé Agrippino de Paula, com as histórias em
quadrinhos e o BRock. Acho que nesse aspecto mais "brasileiro pop" eu posso me
reconhecer tranquilamente. Mas, enfim, tô falando pelos cotovelos...

ML: Tu toma Chapecó como ponto de partida. No entanto, sinto que a tua literatura não
corresponde a uma literatura regionalista. Vejo ela representar boa parte deste Sul que
não se sente representado e que procura sua própria representação. Seria essa busca por
representação o que a gente chama de “Subtropicália”?

GM: eu acho que não, não é regionalista não, até porque hoje esse negócio de
regionalismo é atravessado e sobreposto por outra coisa, que é a cada vez maior
possibilidade de participação num esquema cultural sem território, como eu vinha
dizendo. Seria, também, ingenuidade dizer que o local não existe, que não temos
idiossincrasias, particularidades, formas próprias de interação com o mundo, que nossa
sensibilidade se dissolveu completamente na indústria de massas. Isso é bobagem.
Participar de algo não exclui o fato de que essa participação é feita a partir de um ponto
de vista específico, que também é regional. Enfim, a Subtropicália nasceu de minha
vontade de falar sobre mim mesmo, sobre a minha vivência da minha cidade natal e
sobre as minhas constantes necessidades de entender os discursos de brasilidade e de
compará-los com a minha experiência. É muito importante deixar claro que essa é uma
viagem minha, não são todos os colonos urbanos lá do Oeste de SC que sentem essa
sensação de desconforto. Mas o feedback que tenho recebido sobre o ensaio/manifesto
em que cunhei o termo está me demonstrando que tem muita gente que também se sente
assim. Então, sim, a Subtropicália é uma busca por formular minha experiência de
Brasil a partir do Sul - e de um Sul bem específico, então acho que é uma busca de
representação sim. Pra ser mais preciso, eu definiria a Subtropicália, grosso modo, da
seguinte maneira: é uma tentativa de revisar a tradição brasileira a partir de novas
configurações culturais e de um ponto de vista regional incomum - o Sul italiano-
alemão, urbano e jovem, tendo como ponto de partida a experiência pessoal. E não abro
mão de deixar claro esse aspecto da subjetividade, pois certamente Chapecó, ou o
Brasil, devem ser fenômenos muito distintos para quem não é descendente do
colonizador europeu (os colonos), como os indígenas, ou os haitianos que vieram depois
do terremoto, enfim...

ML: “Nuvem Colona”, teu novo romance (inédito), prevê um movimento cultural
colono de vanguarda. Além disso, “Nuvem Colona” continua a experimentação na
narrativa iniciada pelo teu “Demo via”. É verdade que autores diferentes têm escrito
praticamente o mesmo livro na literatura brasileira contemporânea?

GM: Chamou pra chincha! (risos) Vou tentar responder à altura. Vamos lá. Quero
desdobrar tua pergunta em mais de uma resposta, pois tem pontos aí a serem
esclarecidos. Primeiro de tudo, a opção de vanguarda em “Demo Via, Let's Go” nasceu
de uma inclinação pessoal minha para a experimentação e o embate, junto com uma
percepção de marasmo e covardia em nossas letras contemporâneas “oficiais” (aquelas
reconhecidas nos concursos, nas universidades, principalmente no mercado etc.).
Chamo de marasmo porque é uma literatura que, salvo exceções, se acostumou a achar
que o Brasil tinha finalmente dado o salto histórico de desenvolvimento e inserção no
“concerto das grandes nações”, e então começaram a querer fazer uma "literatura
internacional", em que problemas cruciais da nossa formação específica são ignorados.
Além disso, a covardia se expressa principalmente na adoção de "esquemas literários"
consolidados e que são mantidos porque é assim que um escritor morno e pouco criativo
crê que vai ganhar concursos e atingir um público com gosto já formado. Não se trata,
nesse caso, simplesmente de repetir influências, mas de pasmaceira intelectual mesmo.
Pra mim, quem só sabe fazer o que dá certo não sabe fazer. Por isso, adotei como
talismã a frase do Oswald: "a contribuição milionária de todos os erros"; isso virou
epígrafe oficial de tudo que faço. E gostaria de adicionar ainda outra, do Rogério
Sganzerla (conterrâneo nosso aí de SC): “somos antiestéticos para sermos éticos". Ou
seja: o mau gosto é a única forma de sermos fiéis à vida neste Brasil. Acho, então, que o
gesto de vanguarda no “Demo Via” surge de uma vontade de ruptura, de confronto,
enfim, de desestabilização do que se tornou preguiçoso e garantido – e eu sei que tem
muita gente fazendo isso, cada qual à sua maneira, não pretendo ser exclusivo. É um
livro que se abriu completamente a certas experiências, ainda bastante ingênuas,
próprias de um escritor iniciante, e que possui, no geral, certa dicção amadorística,
muitas vezes buscada conscientemente, em outras por simples falta de habilidade de
executar minhas ideias. O “Nuvem Colona”, por sua vez, tenta revisar e, inclusive,
tematizar esse gesto de vanguarda. Mas, se no “Demo Via” optei pelo escracho, pelo
exagero, pelo feio, pelo mau gosto, pelo delírio, pela irracionalidade e pela "chanchada
cristã" (cheia de culpa), o “Nuvem” é muito mais contido, sem a pegada trash tão
marcada, escrito na forma de depoimentos de um grupo de escritores colonos que, no
passado (e esse passado é o nosso presente), tiveram um grupo de vanguarda em que
experimentaram várias formas estéticas relacionadas à sua própria cultura. É um livro
acho que mais maduro, e que mistura 3 coisas: os gêneros tradicionais do romance de
formação e do romance de ideias (inclusive com um estilo bem "realista") e mais uma
coisa nova que estou experimentando: a remixagem literária. Isso porque o “Nuvem”
parte de “samples” de cultura que eu encontrei por aí e resolvi reutilizar, de minha
própria maneira, em um novo livro. É uma coisa que aparece ainda incipiente lá no
“Demo Via”, mas que se tornou o elemento quase principal do “Nuvem Colona” e que
pretendo levar ao extremo no meu próximo livro, que já estou planejando.

ML: Acho que já temos bastante material até aqui. Mas tenho ainda uma última
pergunta, Matte: quem descobriu o Brasil?

GM: não sei (risos). E não interessa. O que eu quero é redescobrir.

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