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“Há pessoas que choram por saber que as rosas têm
espinho. Há outras que sorriem por saber que os
espinhos têm rosas!”
Machado de Assis

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O Vendedor de Doces

Um conto sobre Machado de Assis

Autor

Joel Duarte

Capa

Ronaldo César

Diagramação

Henrique Gomes

Revisão

Mara Fernandes

Rio de Janeiro, 2018

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Joel Duarte

O Vendedor de Doces
Um conto sobre Machado de Assis

1ª edição

Rio de janeiro

Joel Alexandre Duarte

2018

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Prefácio
“O Vendedor de Doces” é um passeio ficcional e
dramático na infância de Machado de Assis, o mais
fantástico autor da literatura brasileira, um artista que
superou todas as dificuldades e obstáculos que sua
origem, etnia e condição social lhe impuseram, na
verdade, tentaram lhe impor.

É também uma metáfora em forma de história


em que os estudantes retratados em flagrante
maldade, representam as ideologias econômicas,
políticas e cientificas do século XIX, com todos seus
preconceitos, arrogância e crueldade que causaram as
mais sérias desigualdades sociais cujos efeitos nocivos
perduram até hoje na sociedade brasileira.

O menino negro, pobre, sem condições de


frequentar uma escola, e que vende doces na rua para
ajudar nas despesas da casa continua a existir neste
Brasil cheio de contradições e abismo econômico. O
garoto que desce o Morro do Livramento para lutar e
vencer a cidade grande e hostil, esse já é mais difícil de
encontrá-lo.

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Até porque o seu tabuleiro transformou-se em
papéis, seus doces, lindos e inspirados textos, os mais
belos da nossa antologia: poemas, crônicas, artigos,
contos, romances, peças de teatro e críticas literárias...

Boa leitura.

Joel Duarte

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O Vendedor de doces
Um conto sobre Machado de Assis

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Naquela manhã invernosa de 1848 no Rio de
Janeiro, 26 anos depois de uma independência que não
podia ser comparada à revolução francesa. Naquela
manhã quatro estudantes ricos, que faziam parte da
tradicional e garbosa aristocracia, pararam em frente a
um menino de cor que trabalhava próximo ao colégio.

O tal moleque beirava a negro, miúdo, magro,


rosto chupado, cabelo crespo escovado a duras penas e
olhos de quem necessitava de algo. A diferença de
idade entre os discentes e ele deveria ser mínima, se o
mais velho tivesse 11 anos, seria muito.

Com um sorriso litigioso na face, um deles, de


aparência europeia, atlético, andar altivo e expressão
cínica, aproximou-se como soldado fosse e estivesse
cumprindo ordem do seu comandante.

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Joaquim, originário do Morro do Livramento,
acabara de chegar, para mais um dia de labuta, à rua
do imponente prédio, cópia perfeita da estética
arquitetônica francesa, onde funcionava uma escola
famosa frequentada apenas pelos filhos das famílias da
elite carioca.

O legado de seus ancestrais, submetidos, há


séculos, ao duro regime sub-humano da escravidão,
presos em pesados grilhões, trazidos da África,
amontoados em embarcações insalubres e pestilentas,
onde apenas os mais fortes suportavam as atrocidades
da viagem, conseguindo chegar à América, ainda
assombrava a autoestima do menino quando sua
imagem, refletida no espelho, informava-o da sua
etnia.

Animalizados em troca de pau-brasil, cana de


açúcar e ouro, todo escravo africano conhecia desde
cedo seu lugar na sociedade brasileira. Lugar escolhido
pela nobreza, clero e monarquia com zelo dantesco.
Essa situação deplorável foi poetizada por Castro Alves
em “Navios Negreiros.” E para quem acalenta qualquer
dúvida mórbida e ímpia sobre isso, basta observar a
tela “o regresso do proprietário”, uma litografia
colorida à mão pelo pintor francês Debret, que retrata

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a vida dos negros nas fazendas dos seus proprietários,
pois, registra a História, quando eles não eram
utilizados para movimentar a economia da nação, eram
destinados a executar todo tipo de atividade na vida
cotidiana dos senhores e nobres.

Por tudo isso, a conduta da criança, era algo


inusitado e surpreendente, pois se fosse depender do
hábito, estaria em constante desvantagem, histórica e
social, em relação ao branco.

Na calçada, de pedras portuguesas, ainda


molhada pelos últimos resquícios de água que caíra na
madrugada, o pequeno comerciante montava a sua
frágil banca de madeira para mais um dia de trabalho
livre, privado e quase capitalista.

Diante do indigente empreendedor arrumando


as guloseimas no tabuleiro, o primeiro estudante a se
aproximar apenas observava como quem vê algo
interessante e curioso, digno de pesquisa. Nesse
momento os demais colegas, distintos e de olhos
claros, também vieram se juntar a ele. O insignificante
empresário no meio daqueles garotos bem nutridos e
emplumados parecia menor e mais novo.

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Logo, Joaquim Maria, que havia interrompido
sua tarefa, disposto a atendê-los, percebeu o que os
quatros colegiais queriam era mais do que comprar
doces... A expressão hostil na face de um deles, desde
o começo, demonstrava isso de forma indubitável. E se
existisse alguém que achava que ainda havia remédio
para a aristocracia imperial, quase republicana, a fala
do menino desfazia essa esperança.

— Por que você não está na escola para negros?


— perguntou o que parecia líder da turma, mas, por
maldade do que por preocupação — não conseguiu se
matricular?

Foi um dos colegas do provocador, em caráter


jocoso, contagiado pela mesma bazófia cruel própria
não só da infância, impregnada no grupo, que
respondeu:

— Acho que não existe escola desse tipo, talvez,


até por ser um esforço inútil devido à natureza dessa
gente. — e começou a gargalhar...

O estudante, não satisfeito com as palavras do


amigo, teimava em persegui o assunto que engendrara
a pergunta anterior:

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— Seu senhor não permite que frequentes uma
escola ou achas que os estudos não são importantes na
vida de uma pessoa?

Todos riram como se acabassem de ouvir


alguma piada ou espetáculo de humor. “Escolas para
negros nunca seria uma realidade”, pensaram quase
simultaneamente, submetidos ao preconceito cultural
da época.

O garoto, órfão de mãe, não ligou para os


acintes do qual ele era o alvo. Apenas terminou a
tarefa, pois, por enquanto, a renda da casa dependia
disso. Os doces arrumados com cuidado na forma
foram feitos por sua ativa e atenciosa madrasta no dia
anterior, já que os rendimentos do pai como pintor de
parede não eram suficientes para o sustento do lar.
Seus zombadores continuavam, mas ele já não mais os
ouvia. Pegou um esmerado cartaz, feito à mão por ele
próprio, colocou em frente ao tabuleiro.

Nele estavam escritos os sabores e os preços


das mercadorias numa caligrafia e ortografia perfeitas.

A única menina do grupo, despertada pelo odor


dos quitutes, estendeu uma moeda, apontando o que
queria para si, talvez em solidariedade ao silêncio do

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menino. Depois de atendida, começou a comer o doce,
sem se importar em compartilhá-lo com os demais que
se mostraram interessados na divisão. Desejo
imediatamente rechaçado por ela, ao redargui que
todos ali tinham dinheiro.

Voltando-se para o doceiro, que guardava o


lucro com regozijante satisfação, o mesmo aluno, autor
das provocações anteriores, quis saber:

— Você é mudo?

Joaquim Maria Machado não se sentiu


esmiuçado, portou-se da mesma forma, nada
respondeu.

Os estudantes após verem a expressão de


prazer na face da menina ao saborear a iguaria, já
juntavam as suas economias para comprar também. O
mais atrevido deles, cujo único desejo era desprezar o
humilde ambulante, e fizera disso seu único objetivo
naquela manhã, novamente tomou a palavra,
interrompendo-os.

— Deixa que eu pago — disse isso enquanto


olhava para o vendedor para em seguida desafiar-lhe

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com voz empostada, já que tinha ares de orador — Se
você falar o nome do doce e o preço, então eu
comprarei três unidades.

Os meninos sorriram de contentamento como


se eles próprios fossem participar da competição e
gritaram felizes:

— Feito, feito!

O pequenote suava apesar do frio, e, até aquele


momento, não havia encarado nenhum dos colegiais. A
parte mais difícil no seu labor diário era o trato social,
mais difícil do que honrar o juramento a Menelau e
participar da distante e sombria guerra de Tróia. Falar
era realmente o seu calcanhar de Aquiles, falar com
pessoas era duelar com Páris antes que o esperto
troiano tivera ciência banho incompleto no rio que lhe
forneceria a invencibilidade ao troiano.

Enquanto Jacó nascera astuto e ligeiro,


tentando suplantar o irmão no ventre da mãe, ele havia
nascido retraído e introspectivo. Desses cuja emoção
só transborda dentro de si mesmo num turbilhão
interior afogando o próprio espírito.

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A cor amarronzada da sua pele ia adquirindo
tons vermelhos por causa do desafio em andamento,
quando finalmente ele olhou as crianças a sua frente,
elas pareceu-lhe verdadeiros visigodos, bárbaros,
cruéis, prontos para saquear e destruir Roma, a cidade
eterna. Mas mesmo assim, ele não experimentou
esmorecimento, juntando forças para poder concluir o
negócio, lutar a peleja e iniciar o discurso.

Assim como Santo Agostinho defendeu o


cristianismo contra a acusação dos pagãos que
atribuíam à queda do império romano o
enfraquecimento moral e militar produzido pela nova
fé, ele defenderia a sua posição atual de impávido
ambulante urbano. Era chegada a hora de desafiar a
sua deficiência de berço, condição social e o
determinismo pseudocientífico do século XIX. Subiu o
patíbulo dos algozes corajosamente na tentativa de
pronunciar a propaganda do seu produto e conquistar
seus consumidores.

Pois, para o menino, perdedor era aquela


pessoa que nem sequer lutava por algo na vida,
considerando que um sonho não valia o esforço de
noites mal dormidas e das privações impostas pelas
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dificuldades do caminho. Ele entendia que a vitória, na
maioria das vezes, era somente um pequeno detalhe
que premiava alguns, enquanto o verdadeiro valor, o
prêmio real, se encontrava no campo de batalha da
vida, na estrada, no contínuo caminhar, no qual a luta
por algo melhor se desenrolava diariamente
independentemente do resultado imediato.

Assim, nesse propósito e comunhão, estufou o


peito, iniciando a disputa com toda esperança de quem
triunfaria só pelo fato de tentar:

— Do...do...ce de co...co..co. — isso foi o que


apenas conseguiu.

Apesar do hercúleo esforço sua voz limitada por


mecanismos psicológicos ou fisiológicos se negava a
obedecer aos imperativos da sua heroica vontade...

Todos começaram a rir com o embaraço vocal, a


tremedeira e a falta de jeito do menino em dizer coisas
tão simples e banais. Babando pelos cantos da boca, o
esforço mental e a pressão do momento quase lhe
provocara um ataque epilético, distúrbio de que
padecia há muito tempo e que ele sempre procurava
manter escondido do conhecimento alheio.

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E como sempre acontece com a natureza
humana, o contrito constrangimento de um era a
efusiva alegria dos outros.

O desafiante, devido ao acesso de riso, também


quase não conseguiu se expressar. Era como se ele
houvesse conquistado o ramo de louro dos césares ou
trocado sua primogenitura por um prato de lentilhas.

— Nunca tinha visto um comerciante tão


falante! — exclamou por fim em meio às risadas dos
cúmplices.

Assim, mesmo tendo a maneira correta de obter


o que queriam, o irritante fracasso do garoto fez com
que eles se apropriassem dos doces sem pagar. A
menina que antes se comportava com fina educação,
abandonou seus últimos traços urbanizados para seguir
o mau exemplo e política colonialista dos seus colegas
de classe e algazarra.

Cabisbaixo não pela derrota, mas por não


entender por que as palavras teimavam em
permanecer dentro dele no momento em que mais
precisava delas. Se ele não fosse senhor da sua vontade
e de sua razão, quem seria? A história? A inércia? A
natureza? Deus?

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Joaquim Maria Machado de Assis, ainda pôde
ouvir de um deles, ao se afastarem, rumo ao colégio,
que os convocava para mais um dia de aula, sentenciar
em tom que seria profético, se houvesse, de fato,
algum profeta no meio dos insensíveis baderneiros,
dizendo:

— Destino miserável deste moleque! Pobre,


ignorante, negro, babão, feio e gago.

Aquelas palavras saíram como setas


pontiagudas tentando acertar a consciência da criança,
mas em vão, pois ele já havia tomado posse da própria
alma com propósitos mais dignos e louváveis.

Desta vez, com a rua vazia, alguns pingos de


chuva a despencar do céu carregado de nuvens, e os
doces protegidos por um plástico, ele finalmente,
fixando o Livramento, conseguiu pronunciar as palavras
inteiras em alto e bom som numa frase que todos
brasileiros que gostam de ler conheceriam as benéficas
e maravilhosas consequências delas:

— Me... meu futuro es.. está em minhas mãos.

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Posfácio
Embora tenha passado por muitas adversidades
na infância, décadas mais tarde, o pequeno vendedor
de doces, Machado de Assis, tornou-se o maior escritor
do Brasil com reconhecimento internacional, sendo até
hoje nossa mais brilhante estrela literária.

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Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,


Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela
"Mas a lua, fitando o sol com azedume:

"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela


Claridade imortal, que toda a luz resume"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

Pesa-me esta brilhante auréola de nume...


Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"...

Machado de Assis

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Sobre o autor

Joel Duarte é escritor, autor independente


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