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HISTÓRIA DA CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO

Johannes  Kepler: o homem, sua vida e contribuições.


Primeira aplicação importante de um instrumento de cálculo

“O   homem   é   arrogante   à   proporção   da   sua   ignorância,   e   a   sua  


tendência  natural  é  o  egoísmo.  Na  infância  do  saber,  pensa  que  toda  a  
criação   foi   feita   para   ele.   Por   muitos   séculos,   viu   nos   inumeráveis  
mundos   que   brilham   no   espaço,   como   as   borbulhas   de   um   imenso  
oceano,   apenas   pequenas   velas,   que   a   Providência   havia-­‐se  
comprazido   em   acender   com   o   único   fim   de   tronar-­‐nos   a   noite   mais  
agradável.   A   astronomia   corrigiu   esta   ilusão   da   vaidade   humana;   e   o  
homem,   ainda   que,   com   relutância,   confessa,   agora,   que   as   estrelas  
são  mundos  mais  vastos  e  mais  formosos  do  que  o  nosso  mundo,  -­‐  que  
a   terra,   sobre   a   qual   os   homens   se   arrastam,   é   apenas   um   ponto  
dificilmente  visível  no  vasto  mapa  da  criação.”  
Sir  E.  Bulwer  Lytton,   Zanoni,  1842  (431)  
 
“Na  minha  opinião,  é  muito  melhor  compreender  o  universo  como  ele  é  
realmente   do   que   imaginar   um   universo   como   gostaríamos   que   ele  
fosse.”  (380)  
 Carl  Sagan,  
Bilhões  e  Bilhões  

Johannes Kepler (1571-1630) é admirado como um dos principais agentes


de mudança do pensamento científico, responsável por introduzir o método
científico no ocidente e, juntamente com Galileu Galilei (1564 – 1642), de
fundamentar a teoria da gravidade, mais tarde formalizada por Isaac Newton
(1643 – 1727). Kepler, reformulando paradigmas, alterou profundamente a forma
como percebemos o mundo e a nós mesmos.

Thomas Kuhn propôs como o marco limítrofe da Idade Média, a elaboração


do sistema heliocêntrico por Nicolau Copérnico (1473 – 1543), que corrigia as
idéias de Aristóteles e Ptolomeu (≅ 90 – 168), consideradas até então como
verdades absolutas. Tal evento alterou o equilíbrio de forças entre religião e
ciência, entre dogma e conhecimento, ao destronar a Terra, e por conseguinte o
homem, do centro do universo. Kuhn denominou a obra de Copérnico como a
Revolução Copernicana. Kepler, tomaria para si a tarefa de comprovar as idéias de
seu antecessor, colocando por terra uma crença estabelecida por quinze séculos.

Marcelo Gleiser, em seu livro Criação Imperfeita, ilustra brilhantemente um


pouco da história das vidas de Copérnico e de Kepler, e como elas se
entrelaçaram:

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“(...)   Copérnico   estava   convencido   de   que,   por   toda   a   história,   dos  


babilônios   a   Aristóteles,   do   grande   Ptolomeu   aos   inspirados  
astrônomos  islâmicos  que  mantiveram  viva  a  sabedoria  grega  durante  
as   trevas   medievais,   literalmente   todo   mundo,   sábio   ou   ignorante,  
pensava  de  forma  errada  sobre  o  arranjo  dos  céus.  
(...)  Copérnico  sabia  que  alguns  gregos,  dentre  eles  Heráclito  do  Ponto  
e   Aristarco   de   Samos,   haviam   já   proposto   alternativas   ao   modelo  
geocêntrico.   Sabia   também   que,   se   as   idéias   desses   filósofos   já   não  
foram  aceitas  na  Grécia  Antiga,  a  situação  agora  seria  ainda  pior,  após  
quinze   séculos   de   teologia   cristã   terem   pregado   a   Terra   no   centro   da  
Criação.  Não  é,  portanto,  surpreendente  que  Copérnico  tenha  esperado  
décadas  até  ter  tido  a  coragem  de  denunciar  os  erros  do  mundo.  Sabia  
que   sua   obra   teria   sérias   repercussões.   Uma   nova   cosmologia  
implicaria  uma  nova  visão  de  mundo;  uma  nova  visão  de  mundo,  por  
sua  vez,  implicaria  um  lugar  diferente  para  o  homem  no  cosmo,  numa  
nova   explicação   para   quem   somos   e   qual   o   sentido   da   vida.   Se   não  
somos  mais  o  centro  da  Criação,  somos  ainda  os  eleitos  de  Deus?  Se  a  
Terra   é   um   mero   planeta,   será   que   existem   seres   inteligentes   em  
outros?   Será   que   também   são   pecadores   e   precisam   ser   salvos?   Por  
quem?  Pelo  nosso  Jesus,  ou  será  que  Deus  teve  muitos  filhos?  Será  que  
o  nosso  Paraíso  é  o  mesmo  dos  extraterrestres?  Tirar  a  Terra  do  centro  
causava  muita  confusão.  
(...)   Kepler   dedicou-­‐se   à   causa   copernicana   com   um   fervor   religioso.  
Estava  convicto  de  que  o  cosmo  heliocêntrico  era  obra  de  Deus.  
(...)  Na  minha  opinião,  nenhum  outro  cientista,  nem  mesmo  Galileu  e  o  
seu  famoso  confronto  com  a  Inquisição  Católica,  encarna  de  forma  tão  
dramática   o   arquétipo   do   herói   solitário   que   luta   sem   tréguas   pela  
verdade.  
 (...)   Ao   tentar   explicar   os   movimentos   planetários   a   partir   de   causas  
físicas   –   uma   força   emanado   do   Sol   –   Kepler   transformou  
irreversivelmente   a   astronomia,   que   deixou   de   ser   um   mero  
mapeamento   dos   movimentos   celestes...   no   Mysterium,   Kepler   sugeriu  
que   uma   anima   motrix   emanando   do   Sol   causava   os   movimentos  
planetários.   A   idéia   foi   refinada   no   seu   segundo   livro,   Astronomia  
nova,   publicado   em   1609,   onde   propôs   uma   força   de   origem  
magnética   entre   o   Sol   e   os   planetas.   Essas   primeiras   noções   de   uma  
dinâmica   celeste   –   o   estudo   das   forças   responsáveis   pelos   movimentos  
dos   objetos   celestes   –   foram   essenciais   para   o   pensamento   de   Newton  
que,   em   1687,   irá   apresentar   uma   teoria   quantitativa   da   gravitação.  

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“Apenas  uma  descrição  baseada  nas  causas  físicas  poderá  explicar  os  
movimentos  celestes”,  Kepler  escreveu  profeticamente.  
Mesmo   que   seu   sonho   pitagórico   de   uma   solução   geométrica   para   o  
cosmo   não   passasse   de   uma   fantasia   que   combinava   cristianismo   e  
misticismo  matemático,  foi  tentando  concretizar  a  sua  visão  de  mundo  
que   Kepler   descobriu   as   leis   matemáticas   das   órbitas   celestes.   É  
irônico,   e   de   extrema   importância   para   nosso   argumento,   que  
justamente  o  homem  que  tanto  amava  a  simetria  acabasse  provando  
que  o  círculo  –  a  mais  perfeita  das  formas  –  não  tinha  um  papel  central  
na   astronomia.   Cada   planeta   tinha   sua   própria   órbita   elíptica,   com  
uma   elongação   maior   ou   menor:   a   estrutura   do   cosmo   deixou   de   ser  
um  sonho  humano  e  passou  a  ser  uma  realidade  científica,  imperfeita  e  
assimétrica.  Kepler  nos  proporcionou  um  cosmo  menos  belo,  mas  uma  
ciência   mais   preciosa.   A   lição   que   aprendemos   e   tão   simples   quanto  
essencial:   para   nos   aproximar   da   verdade,   muitas   vezes   temos   que  
abandonar  nossos  sonhos  de  perfeição.  (332)
 

Johannes Kepler é considerado o protagonista


da primeira utilização importante de um
instrumento de cálculo, viabilizando a conclusão
da obra de sua vida. Caso não tivesse a sua
disposição as tabelas de logaritmos de Napier,
poderia, talvez, não ter tido tempo suficiente
para concluir a elaboração matemática de suas
três leis, que regem o movimento planetário e
que alteraram profundamente a visão de mundo
que se tinha até então.

Kepler é mais conhecido por estas três leis do movimento celeste, tão
exatas hoje como há quatrocentos anos quando foram criadas. A Lei das Órbitas e
a Lei das Áreas, as duas primeiras, foram publicadas em 1609, no livro
Astronomia Nova, e a terceira lei ou Lei Harmônica, deduzida dez anos mais tarde,
foi divulgada no ano seguinte a sua descoberta, em 1620, em seu livro Epitome
Astronomiae Copernicane. Porém, Kepler fez bem mais que isso, superando as
enormes dificuldades e dissabores que precisaria enfrentar ao longo de
praticamente toda sua vida.

São vários os exemplos notáveis de sua genialidade, como o fato de ter


chegado muito próximo da formulação da lei da gravidade, proposta por Isaac
Newton (1634 – 1727) algumas décadas mais tarde. Partindo da suposição de que
a gravidade seria um fenômeno baseado no magnetismo, deduziu a existência de

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uma força de atração (“vis motora”) entre todos os objetos, de intensidade


proporcional a sua massa e inversamente proporcional à distância entre eles.
Deduziu ainda que esta era a força que, emanando do Sol, mantinha a ordenação
de nosso sistema planetário. Sua percepção estava correta; a sua matemática é
que ainda não possuía o desenvolvimento necessário para chegar ao cálculo exato
da força da gravidade, que em realidade diminui proporcionalmente com o
quadrado da distância entre os corpos.

Newton deduziria a equação correta da força da gravidade “ao aplicar sua


própria lei da força centrífuga à terceira lei do movimento planetário de Kepler”.
Esta descoberta seria publicada em sua obra Princípios Matemáticos da Filosofia
Natural, em geral conhecida apenas como Principia, em 05 de julho de 1687.
Entretanto, como tantos outros trabalhos de Newton, este também seria cercado
(415)
de controvérsias, como nos conta Stephen Hawking:

“Numa  reunião  de  triste  lembrança,  realizada  em  1684,  três  membros  
da  Royal  Society,  Robert  Hooke,  Edmond  Halley  e  Chistopher  Wren,  o  
famoso  arquiteto  da  Catedral  de  St.  Paul,  envolveram-­‐se  em  exaltada  
discussão   sobre   a   relação   do   inverso   do   quadrado   que   rege   o  
movimento   dos   planetas.   Em   princípios   da   década   de   1670,   a   conversa  
dominante  nos  cafés  e  em  outros  pontos  de  encontro  dos  intelectuais  
de   Londres   era   a   de   que   a   gravidade   emanava   do   Sol   em   todas   as  
direções   e   se   precipitava   com   intensidade   inversa   ao   quadrado   da  
distância,   tornando-­‐se   assim,   cada   vez   mais   difusa   sobre   a   superfície  
da   esfera,   à   medida   que   se   expandia   sua   área.   A   reunião   de   1684  
marcou,   com   efeito,   o   nascimento   de   Principia.   Hooke   declarou   que  
deduzira  da  lei  das  elipses,  de  Kepler,  a  prova  de  que  a  gravidade  era  
uma   força   emanante,   mas   que   não   a   revelaria   a   Halley   e   Wren,   até  
que   estivesse   pronto   para   torná-­‐la   pública.   Furioso,   Halley   foi   a  
Cambridge,  descreveu  para  Newton  as  alegações  de  Hooke  e  propôs  o  
seguinte   problema:   “Qual   seria   a   forma   da   órbita   de   um   planeta   ao  
redor  do  Sol  se  ela  fosse  atraída  em  direção  ao  Sol  por  uma  força  que  
variasse   inversamente   com   o   quadrado   da   distância?   ”A   resposta   de  
Newton   foi   surpreendente.   “Seria   uma   elipse”,   respondeu  
imediatamente,   e   disse   a   Halley   que   ele   havia   resolvido   o   problema  
quatro  anos  antes,  mas  que  não  sabia  onde  guardara  a  demonstração  
em  sua  sala.  
A   pedido   de   Halley,   Newton   passou   três   meses   reconstituindo   e  
melhorando  a  demonstração.  Então,  num  acesso  de  energia  que  durou  
dezoito   meses,   período   em   que   se   envolveu   de   tal   maneira   com   o  
trabalho   que   muitas   vezes   se   esquecia   de   comer,   desenvolveu   essas  

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idéias,  até  que  sua  exposição  recheou  três  volumes.  Newton  escolheu  
como   título   do   trabalho   Philosophiae   Principia   Mathematica,  
deliberadamente   em   contraste   com   Principia   Philosophiae,   de  
Descartes.   Os   três   livros   do   Principia,   de   Newton,   forneceram   o   elo  
entre  as  leis  de  Kepler  e  o  mundo  físico.”  (421)  

Um dos aspectos sombrios da vida de Newton seria o seu grande interesse


por alquimia, teologia e pelas profecias bíblicas sobre o Armagedon, o final dos
tempos, assunto sobre o qual teria dedicado, secretamente, cerca de 30 anos de
leituras e pesquisas. A partir destes estudos, Newton produziu uma interpretação
não ortodoxa da Bíblia, que considerava o seu maior trabalho. Porém, com medo
da Inquisição, manteve estes escritos guardados por toda a sua vida, sendo os
mesmos publicados somente em 1733, seis anos após a sua morte, em uma obra
póstuma sobre as profecias de Daniel e o Apocalipse de São João. Revelando a
sua versão para o significado verdadeiro destes textos sagrados, Newton, que
considerava-se um autêntico cristão, também deixaria claro a sua revolta com a
corrupção existente nas instituições religiosas e com as distorções introduzidas na
Bíblia. Segundo o professor William Kolbrener, professor de inglês na Universidade
Bar-Ilan, em Israel, uma parte considerável destes textos teriam permanecido
(461)
ocultos do público até pouco antes da Segunda Guerra Mundial:

 “[...]   os   trabalhos   não-­‐científicos   de   Newton   permaneceram   na  


obscuridade  –  primeiro  sob  a  custódia  de  seu  assistente  no  Royal  Mint,  
John   Conduitt   (marido   de   sua   sobrinha),   e   depois   sob   a   custódia   da  
família   em   Portsmouth.   Os   Papéis   de   Portsmouth   foram   doados   à  
Universidade  de  Cambridge,  em  1872  e,  em  1888,  foram  classificados  
por  quatro  professores  –  um  físico,  um  químico,  um  medievalista  e  um  
astrônomo,  sob  vários  títulos.  Os  papéis  sob  os  títulos,  por  exemplo,  de  
“química”,   “história”   e   “miscelânea”   ficaram   para   a   biblioteca;   mas  
cinco  partes,  contudo,  foram  devolvidos  à  representação  da  família  de  
Portsmouth,   Hurstbourne,   como   de   “pouco   interesse”.   Mas,   sob   uma  
oferta   da   casa   de   leilões   Sotheby’s,   o   conteúdo   dessa   coleção,  
juntamente   com   obras   de   arte   impressionista,   foram   levados   a   leilão  
em   1936,   e   vendidos   por   nove   mil   libras.   John   Maynard   Keynes   ficou  
com   a   maioria   dos   manuscritos   referentes   à   alquimia   (doando-­‐os   à  
Universidade  de  Cambridge);  Abraham  Yahuda  comprou  todo  o  volume  
de   escritos   teológicos,   doando-­‐os   ao   Estado   de   Israel,   em   1961.   A  
coleção,   depois   de   uma   seqüência   de   disputas,   finalmente   chegou   à  
Biblioteca   Nacional   Judaica   e   Universitária   de   Jerusalém,   em   1969.”  
(462)
 

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Retornando à vida e obra de Johannes, percebemos que, como a maioria


dos grandes gênios de sua época, Kepler interessava-se e trabalhava em várias
áreas do conhecimento. Aproveitamos as palavras de David Koch, pesquisador
norte-americano da NASA e responsável pela missão espacial Kepler, que tem por
objetivo buscar planetas habitáveis semelhantes à Terra, para descrever parte de
* (413)
suas realizações:

 “[...]   ele   também   é   considerado   o   fundador   da   óptica   moderna.   Ele   foi  


o   primeiro   a   investigar   a   formação   de   imagens   com   uma   câmara  
pinhole  (câmara  escura),  o  primeiro  a  explicar  o  processo  de  visão  por  
refração  dentro  do  olho,  o  primeiro  a  formular  projetos  de  lentes  para  
miopia   e   hipermetropia,   e   o   primeiro   a   explicar   o   uso   dos   dois   olhos  
para   a   percepção   em   profundidade,   tudo   isso   descrito   em   seu   livro  
Astronomiae  Pars  Optica.  No  seu  livro  Dioptrice  (um  termo  criado  por  
Kepler   e   usado   até   hoje),   foi   o   primeiro   a   descrever   imagens   reais,  
virtuais,   em   pé,   invertidas   e   a   ampliação   (e   criou   todos   aqueles  
diagramas  em  raio  comuns  nos  manuais  de  óptica  atuais),  o  primeiro  a  
explicar   os   princípios   do   funcionamento   de   um   telescópio,   e   o   primeiro  
a  descobrir  e  descrever  as  propriedades  do  reflexo  interno  total.  Galileu  
pode   ter   usado   o   telescópio   que   Johann   Lippershey   havia   inventado  
para  descobrir  as  luas  de  Júpiter  e  ver  as  primeiras  sugestões  dos  anéis  
de  Saturno,  mas  foi  Kepler  quem  explicou  como  o  telescópio  funciona.  
Kepler  provavelmente  foi  o  primeiro  astrofísico  de  verdade,  no  sentido  
moderno   que   damos   ao   termo,   usando   a   física   para   explicar   e  
interpretar   fenômenos   astronômicos.   Foi   o   primeiro   a   explicar   que   as  
marés   são   causadas   pela   lua.   No   seu   livro   Astronomia   nova,   foi   o  
primeiro   a   sugerir   que   o   sol   gira   em   torno   do   seu   eixo.   [...]   No   seu   livro  
Stereometrica   Doliorum   Vinariorum,   desenvolveu   métodos   para  
calcular   o   volume   de   sólidos   irregulares   que   se   tornaram   a   base   do  
cálculo   integral.   E   foi   o   primeiro   a   deduzir   o   ano   de   nascimento   de  
Cristo  que  agora  é  universalmente  aceito.  
[...]  Como  ele  conseguiu  realizar  tudo  isso?  Na  verdade,  considerando-­‐
se   a   época   em   que   viveu   e   os   parcos   recursos   disponíveis,   como   ele  
conseguiu  fazer  qualquer  coisa?  
Contexto  é  a  chave  da  compreensão.  Para  compreender  Kepler  e  suas  
façanhas,  é  preciso  compreender  a  época  em  que  ele  viveu  –  a  cultura,  
as  pessoas,  os  lugares,  a  política,  a  religião  e  a  sua  família.  As  guerras,  

*
O ano de 2009 foi instituído pela ONU como o Ano Internacional da Astronomia, celebrando os 400 anos das
primeiras observações telescópicas de Galileu Galilei e a publicação do livro Astronomia Nova por Johannes
Kepler, que alterariam os paradigmas da ciência. Para mais informações, consultar
http://kepler.nasa.gov/education/iya/. (Nota do Autor)

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a  caça  às  bruxas,  as  pestilências  e  a  morte  eram  coisas  comuns  do  dia-­‐
a-­‐dia.  [...]  Ele  viveu  à  beira  da  miséria.  Seu  salário  estava  quase  sempre  
atrasado.   Seus   únicos   recursos   eram   papel,   pena   e   um   tesouro   de  
observações  de  um  único  homem.”    (405)  
Utilizando os dados astronômicos diligentemente coletados durante trinta e
oito anos consecutivos pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546 – 1601),
Kepler conseguiu comprovar de forma irrefutável o modelo heliocêntrico proposto
pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473 – 1543). Após uma longa
sequência de tentativas e erros, procurando e testando modelos que
reproduzissem com precisão os movimentos planetários de acordo com as
observações de Tycho, Kepler, experenciando um dos saltos mentais descritos por
Einstein, deduziu matematicamente que a Terra e os demais planetas se movem
em torno do Sol em órbitas elípticas, com o Sol ocupando um dos focos da elipse.
Anunciada em 1605, esta descoberta, que ficaria conhecida como a Lei das
Órbitas, ou Lei das Elipses, também assegurava que a Terra fica mais próxima do
Sol no mês de janeiro e mais distante em julho.

A segunda lei de Kepler, ou Lei das Áreas, estabelece que ao percorrerem


suas órbitas elípticas em torno do Sol, os planetas varrem áreas iguais em
intervalos de tempo iguais. Esta lei atesta a existência de uma variação na
velocidade dos planetas ao longo de suas órbitas, mais lenta quando ele está mais
afastado do Sol e mais rápida quando está mais próximo.

A forma como Kepler demonstrou


sua segunda lei tornou-se clássica,
t1 t2 sendo utilizada até hoje nas escolas
de nível médio: uma linha traçada de
qualquer planeta ao Sol percorrerá
ABS=CDS e t1=t2 áreas iguais em tempos iguais.

Em sua terceira lei, ou Lei Harmônica, Kepler descobriu que quanto mais
distante do Sol maior será o tempo necessário para um planeta percorrer toda a
sua órbita, estabelecendo a relação matemática entre a distância ao Sol e o tempo
para um planeta completar uma revolução:

T2 / D3 = k

A equação acima, descrição matemática da terceira lei de Kepler, nos diz


que o cubo do eixo maior da órbita de um planeta é proporcional ao quadrado do
seu período de revolução, onde T indica o período de revolução, D é o eixo maior
da órbita e k é uma constante. Esta equação permite, por exemplo, calcular a
altitude que deverá ser lançado um satélite a ser colocado em órbita Terra, para
que ele passe sobre os pontos na superfície com um intervalo de tempo

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previamente determinado ou que permaneça em uma órbita geoestacionária,


permitindo a existência de nossos mecanismos de comunicação global e dos
dispositivos de localização por GPS (Global Positioning System).

Em conjunto, as leis de Kepler lhe permitiram produzir novas tabelas


astronômicas, apontando com precisão a posição dos planetas em qualquer
momento do passado, presente ou futuro. Em sua época, não havia um fronteira
bem definida entre astronomia e astrologia e, para suprir as necessidades básicas
de sua família, ele aplicou estes mesmos conhecimentos à confecção de mapas
astrológicos. Ironicamente, Kepler seria mais conhecido e respeitado em seu
tempo por suas previsões astrológicas e horóscopos.

Kepler tirou a Terra de sua posição central e colocou-a em movimento,


alterou as órbitas dos planetas de círculos perfeitos para eclipses e mostrou como
calcular com precisão a posição dos corpos celestes no espaço. Porém, bem mais
que a correção de um modelo astronômico, ao tirar definitivamente a Terra de seu
*
posto no centro do Universo , Kepler destronaria o ser humano de seu lugar
privilegiado na Criação, colocando por terra os dogmas teológicos estabelecidos
até então e abriria as portas para a busca pela compreensão das origens e
significado da própria existência humana.

O modo de trabalho de Kepler trouxe-nos ainda um benefício adicional, ao



introduzir o uso sistemático do método científico. Diferentemente de Aristóteles,
Kepler tratou em conjunto as observações precisas de Tycho e suas próprias
conjecturas mentais. Por ocasião do terceiro centenário de sua morte, em 1939,
Albert Einstein faria o seguinte comentário sobre o processo de trabalho de
Kepler:

“Aparentemente  a  mente  humana  necessita  criar  independentemente  


as   formas   para   depois   identificá-­‐las   nas   coisas.   A   conquista   formidável  
de   Kepler   exemplifica   muito   bem   que   o   conhecimento   não   brota  
apenas   da   experiência,   mas   também   da   comparação   das   criações   do  
intelecto  em  conjunto  com  o  fato  observado.”  (418)  
Para que se tenha uma correta dimensão das contribuições de Copérnico e
Kepler, é preciso levar em consideração as crenças religiosas, filosóficas e

*
A palavra Universo é derivada da concepção equivocada de que a Terra estava fixa, no centro de toda a criação,
e que os demais objetos celestes giravam todos em uníssono ao seu redor. Deste modo, o conjunto dos objetos
celestes passou a ser chamado de "aquilo que gira como algo único", ou unus verterem, em latim. (Nota do Autor)

A maioria dos historiadores da ciência creditam a pensadores islâmicos, destacando-se o persa multidisciplinar
al-Hasan ibn al-Haytham (965 - ≅ 1040), o pioneirismo no uso de métodos rigorosos de experimentação, de
quantificação e de testes controlados, para a verificação de hipóteses teóricas, fundamentando o raciocínio lógico
e indutivo. Inspirados por estes predecessores islâmicos, os filósofos britânicos Roger Bacon (1214 – 1294) e
Francis Bacon (1561 – 1626) ao lado de René Descartes (1596 - 1650), filósofo e matemático francês,
completariam a definição do método científico, orientando a forma de trabalho da ciência atual. (Nota do Autor)

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culturais, assim como as instabilidades políticas daquela época. A mudança de


paradigma introduzida por estes dois homens se tornaria fundamental na
separação formal entre ciência e religião, alterando definitivamente o equilíbrio de
forças pré-existente e determinando o rumo do desenvolvimento científico e
tecnológico.

O modelo cosmológico aceito pelos teólogos de então era originário das


idéias do pensador grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), descritas em seu livro
Do céu (De Caelo). Aristóteles concluiu que a Terra era esférica, a partir da
observação de que a sombra que ela projetava na Lua durante os eclipses era
sempre redonda, e também pelo fato do casco de um navio desaparecer de vista
antes das velas, à medida que ele se afasta da terra, contrariando a crença
anterior de que o mundo seria achatado. Estas conclusões acertadas de
Aristóteles foram baseadas em suas observações e em um raciocínio indutivo e
objetivo.

Já a visão geocêntrica de Aristóteles foi construída a partir de algumas


evidências, que ele acreditou estarem corretas, de que a Terra encontrava-se em
repouso e que o Sol, a Lua e os demais planetas conhecidos em seu tempo,
Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, giravam em torno da Terra em órbitas
perfeitamente circulares. Não sendo um experimentalista, Aristóteles permitiu que
o senso comum o conduzisse a este equívoco, não percebendo que a força que
mantém a Terra, a Lua e todos os planetas em suas órbitas é a mesma força que
(417)
atrai uma maça ao chão e nos mantém presos à Terra.

Em outra ocasião, Einstein nos brindaria com algumas palavras


*
complementares sobre a importância da experimentação:

“O  raciocínio  lógico  puro  não  é  capaz  de  nos  munir  de  conhecimentos  
sobre   o   mundo   empírico,   todo   o   conhecimento   da   realidade   parte   da  
experiência  e  nela  termina.  Conclusões  alcançadas  puramente  a  partir  
dos   meios   lógicos   são   totalmente   vazias   do   ponto   de   vista   da  
realidade.”  (418)  

Cerca de cinco séculos após Aristóteles publicar sua teoria cosmológica, o


astrônomo egípcio Ptolomeu (87 – 150 d.C.), aperfeiçoando o modelo geocêntrico
de Aristóteles, criaria um novo modelo que calculava com mais precisão os
movimentos planetários. Sem motivos para discordar, o modelo de Aristóteles e
Ptolomeu foi adotado pelos teólogos da cristandade ocidental, contribuindo

*
Em 1936, Einstein teria dito que "A ciência, como um todo, não é nada mais do que um refinamento do pensar
diário", criando um paradoxo com suas próprias afirmações posteriores sobre a metodologia científica. Certamente
o comentário mais antigo de Einstein deve ser aplicado apenas às mentes privilegiadas como a dele. (Nota do
Autor)

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fortemente para que o mesmo permanecesse praticamente inalterado por cerca


de quinze séculos.

Certamente um modelo heliocêntrico já havia sido especulado


anteriormente, como o de Aristarco de Samos (310 a.C. – 230 a.C.), astrônomo
grego posterior a Aristóteles. Mas foi somente a partir de Copérnico que esta idéia
disseminou-se e passou a ser levada a sério, ensinando o homem a ser modesto”,
nos dizeres de Einstein, apesar da forte resistência dos adeptos da corrente
ortodoxa. Segundo observação do físico teórico inglês Stephen Hawking (1942 - ),
a atuação dos responsáveis pela condução política da cristandade ocidental foi
determinante para a estagnação da ciência:

“Muitos   estudiosos   modernos   acreditam   que   a   aceitação   universal  


dessa   teoria   pelas   autoridades   religiosas   retardou   o   progresso   da  
ciência,   uma   vez   que   desafiar   as   teorias   aristotélicas   significaria   pôr  
em  questão  a  autoridade  da  própria  Igreja.”  (411)  

Copérnico, para escapar da Inquisição, postergou ao máximo a publicação


de seu livro Sobre as revoluções, no qual descrevia o movimento da Terra e dos
outros planetas em torno Sol, embora ainda se apegasse à noção antiga de
órbitas circulares. Um exemplar da primeira edição, ricamente ilustrada, foi
finalizado a tempo de lhe ser entregue no dia em que morreria. Porém, grande
deve ter sido o seu pesar ao constatar, em seu leito de morte, a inclusão de um
novo prefácio, propositalmente sem assinatura de modo a parecer que era de sua
própria autoria, no qual era declarado que as idéias apresentadas naquele livro
eram apenas hipóteses matemáticas, pouco representativas da realidade, e que
não precisavam ser verdade ou mesmo demonstráveis como tal”. A farsa somente
seria desmascarada por Kepler em 1609, ao revelar que o verdadeiro autor do
prefácio teria sido o teólogo luterano alemão Andreas Osiander (1498 – 1552), a
cargo de quem estava a supervisão da publicação. A motivação de Osiander para
alterar o texto de Copérnico sem o seu consentimento, seria aplacar a ira dos
(406)
defensores da teoria geocêntrica.

Em 1616, sete anos após a publicação das duas primeiras leis de Kepler,
ainda tentando bloquear o avanço da ciência e a preservação de dogmas que lhe
eram tão caros, a Igreja Católica publicaria um édito proibindo a propagação da
doutrina de Copérnico. Comprovando serem fundamentados os temores do
astrônomo polonês, noventa anos após sua morte, em 1633, o matemático e
astrônomo italiano Galileu Galilei (1564 – 1642) seria levado a julgamento em
Roma, perante a Inquisição, sob a acusação de heresia. Seu crime teria sido a
publicação do livro Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo:
copernicano e ptolomaico, onde deixava claro sua preferência pelo sistema

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heliocêntrico. Para escapar da fogueira, Galileu foi obrigado a assinar uma


(412)
confissão de próprio punho, renunciando às suas idéias.

Ao tomar a decisão de renegar sua concepção do universo, Galileu


certamente deve ter refletido sobre o destino do frade e astrônomo italiano
Giordano Bruno (1548 – 1600), também preso e julgado por heresia pela
Inquisição devido ao fato de ter se manifestado publicamente em defesa da tese
de um universo infinito e povoado por infindáveis estrelas como o Sol e por outros
*
planetas. Considerado um dos pioneiros da filosofia moderna e de ter
influenciado fortemente os filósofos Baruch de Espinosa (1632 – 1677) e Gottfried
Wilhelm von Leibniz (1646 – 1716), Giordano Bruno, ao recusar-se a negar suas
crenças, foi condenado e queimado vivo na fogueira, com uma tábua de pregos
presa à sua língua. Este último detalhe, talvez tenha sido o preço adicional por ter
dito aos seus juízes uma frase histórica, ao ser obrigado, de joelhos, a ouvir sua
sentença, em 08 de fevereiro de 1600: (416)

"Talvez   sintam   maior   temor   ao   pronunciar   esta   sentença   do   que   eu   ao  


ouvi-­‐la."  

Na opinião de Stephen Hawking, a mais eloquente descrição das


contribuições de Copérnico, possivelmente tenha sido produzida pelo filósofo
alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832):

“De  todas   as  descobertas   e   opiniões,   nenhuma  pode   ter   tido   um   efeito  


maior  sobre  o  espírito  humano  do  que  a  doutrina  de  Copérnico.  Mal  o  
mundo  se  tornara  conhecido  como  redondo  e  completo  em  si  mesmo,  
pediu-­‐se  que  ele  abrisse  mão  do  enorme  privilégio  de  ser  o  centro  do  
universo.  Talvez  nunca  se  haja  pedido  tanto  da  humanidade  –  pois,  ao  
admiti-­‐lo,  quanta  coisa  não  desapareceria  na  bruma  e  na  fumaça!  Que  
aconteceu   com   o   Éden,   nosso   mundo   de   inocência,   piedade   e   poesia;  
como  o  testemunho  dos  sentidos;  com  a  convicção  de  uma  fé  poético-­‐
religiosa?   Não   admira   que   seus   contemporâneos   não   hajam   querido  
deixar   tudo   isso   ir   embora   e   tenham   oferecido   toda   a   resistência  

*
Diferentemente das informações comumente ensinadas nas escolas de ensino fundamental e ensino médio, o
Sol não é uma estrela relativamente insignificante. Atualmente presume-se que o Sol seja mais brilhante que 85%
das estrelas da Via Láctea e que, entre as 50 estrelas mais próximas do sistema solar, no raio de até 17 anos-luz
de distância (a estrela mais próxima de nós é a anã vermelha Proxima Centauri, que dista aproximadamente 4,2
anos-luz de nós), o Sol seja a quarta estrela no quesito massa, com um diâmetro equatorial de 1,392 milhões de
30
quilômetros, ou 109 vezes o diâmetro da Terra e peso de cerca de 2 x 10 Kg, ou 330.000 vezes o peso da Terra,
(349)
correspondendo a 99,86% da massa total do Sistema Solar.
Outra estimativa interessante, realizada em outubro de 2010 por cientistas norte-americanos e baseada na análise
de 166 estrelas parecidas com o Sol localizadas a uma distância de até 80 anos-luz, considera que planetas
semelhantes à Terra, com até duas vezes a sua massa, seriam os mais comuns, podendo ser encontrados em um
(384)
quarto destas estrelas. (Nota do Autor)

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possível   a   uma   doutrina   que   autorizava   e   exigia   daqueles   a   ela  


convertidos   uma   liberdade   de   visão   e   uma   grandeza   de   pensamento  
até  então  desconhecidas,  e  mesmo  jamais  sonhadas.”  (410)  

Curiosamente, para comprovar o sistema heliocêntrico de Copérnico, Kepler


utilizou-se dos dados de Tycho Brahe, fervoroso partidário do modelo que previa a
centralidade da Terra e estava de acordo com os dogmas religiosos do
Cristianismo da época. Apesar de suas convicções filosóficas e religiosas, Tycho
percebia as disparidades existentes entre suas observações astronômicas e o
modelo Ptolomaico e ansiava por melhorá-lo, tornando-o mais preciso e capaz de
explicar de forma adequada os movimentos celestes por ele catalogados. E, de
preferência, gostaria de realizar sua obra sem criar indisposições com a Igreja. A
partir destas premissas, Tycho pretendia criar um novo modelo cosmológico que
levasse o seu próprio nome, mas para conseguir realizar esta proeza ele precisava
da ajuda de alguém metódico, com conhecimentos simultâneos e profundos de
astronomia e matemática, e que não tivesse um nível de nobreza semelhante ao
seu, de forma a evitar uma possível competição pelos direitos de autoria do novo
modelo.

Então, quando Tycho Brahe, residindo na cidade de Praga, para onde havia
se mudado em junho de 1599 ao aceitar o posto de matemático imperial,
convidou Kepler para trabalhar com ele, alguns meses após assumir o novo cargo,
certamente tinha em mente utilizar as habilidades matemáticas de Kepler na
análise de suas observações astronômicas para ajudá-lo a alcançar o seu intento
de construir um novo modelo cosmológico. Tycho estava então com quase 54
anos de idade e já devia sentir o peso da corrida contra o tempo. Entretanto, o
início deste relacionamento foi bastante conflituoso e, talvez por perceber as
convicções de Kepler, frontalmente opostas às suas, Tycho Brahe liberava a
Kepler apenas uma pequena parte de suas anotações, conforme comenta o
escritor e professor de inglês James A. Connor, em seu livro A Bruxa de Kepler:

“Não  havia  dois  homens  mais  diferentes  do  que  eles.  Tycho  era  nobre,  
acostumado   com   riquezas   e   privilégios,   com   freqüência   desconfiando  
dos   outros   e   temeroso   de   que   alguém   lhe   roubasse   as   descobertas,   lhe  
mascateasse  a  fama  no  meio  da  noite.  [...]  Kepler,  por  outro  lado,  era  
franco,   a   ponto   de   ser   ingênuo.   Ele   podia   ser   desconfiado,   sovina   e  
irascível,   mas   não   imaginava   ficar   remoendo   suas   idéias   como   Tycho  
havia   feito.   [...]   Tycho   era   um   consumado   extrovertido,   sempre  
rodeado   pela   família,   pelos   amigos   e   criados.   Vivia   numa   grande  
mansão   em   estilo   dinamarquês,   barulhenta,   e   apreciava   refeições  
intermináveis   temperadas   com   conversas   sobre   ciência,   filosofia,  
religião   e   as   notícias   do   dia.   Kepler,   por   outro   lado,   preferia   a   sua  

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própria  companhia  e  a  tranquilidade  de  seu  estúdio,  onde  recalculava  


seus  números  e  exercitava  suas  idéias.  
[...]   Tycho   protegia   as   suas   observações   como   uma   loba   guarda   os  
filhotes,  e  mostrava  a  Kepler  apenas  aquelas  que  eram  pertinentes  ao  
trabalho   que   esperava   dele.   Essa   mesquinharia   era   um   sintoma   da  
idade.  Kepler  tinha  a  mente  mais  aberta  do  que  a  maioria  e,  de  certa  
forma,   era   mais   moderno.   Ficava   furioso   porque   outros   astrônomos,  
inclusive   o   seu   professor   Michael   Mästlin,   se   recusavam   a   colaborar  
uns   com   os   outros,   guardavam   suas   próprias   observações   como  
dragões  e  escondiam  seus  dados  como  se  fossem  tecidos  de  ouro.  Ao  
longo   de   toda   a   sua   carreira,   Kepler   incentivou   outros   astrônomos   a  
compartilharem   os   seus     trabalhos,   a   promoverem   o   conhecimento  
geral,   mas   teve   poucas   respostas.   Cada   astrônomo   estava   preocupado  
demais   com   a   sua   reputação,   o   seu   lugar   na   corte   e   com   as   opiniões  
dos  seus  patronos,  como  se  um  único  homem  pudesse  ser  dono  de  todo  
o   conhecimento.   Tycho   era   típico   de   sua   época,   mais   interessado   em  
promover  a  sua  própria  fama  do  que  a  disciplina.  
[...]   Tycho   rejeitava   Copérnico   baseando-­‐se   na   teologia,   enquanto  
Kepler   o   adotava   apoiando-­‐se   também   em   fundamentos   teológicos.  
Tycho  acreditava  que  se  os  homens  foram  criados  à  imagem  de  Deus,  
então  o  seu  pequeno  lugar  no  Universo  tinha  de  ser  o  centro.  Deus  os  
colocou   ali   para   que   pudessem   ter   uma   boa   visão   do   grande  
espetáculo   cósmico   e,   por   conseguinte,   louvar   e   honrar   a   Deus   ainda  
mais.   [...]   Kepler   concordava   em   princípio,   mas   o   sistema   de   Tycho  
ainda   parecia   excessivamente   complexo   e   difícil   de   manejar   para   ele,  
uma   acomodação   tipo   colcha   de   retalhos   que   não   levava   em   conta   a  
elegância  do  plano  de  Deus.  O  plano  de  Deus  tinha  de  ser  racional,  e  
racional   significava   geométrico,   e   geométrico   significava  
elegantemente   simples.   E,   portanto,   enquanto   Tycho   pensava   como  
um  astrônomo,  Kepler  pensava  como  um  matemático.”  (404  e  407)  

Além da influência teológica, Kepler orientava seu raciocínio indutivo pelas


soluções mais simples e elegantes, seguindo a Lei da Parcimônia, ou Navalha de
Ockham, por ele adotada como fator de refinamento de seu trabalho. Esta
ferramenta da lógica, criada pelo teólogo e filósofo inglês William de Ockham
(1285-1349), estabelece a premissa de que ao existirem várias formas de
explicação para algo, a mais simples deverá ser a correta, pregando ainda que a
menos que seja necessário, não se deve introduzir complexidades ou suposições
em um argumento porque não só o resultado será menos elegante e convincente,
(204 e 205)
como também terá maiores probabilidades de estar errado.

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Por vários meses os desentendimentos entre Tycho e Kepler foram uma


constante. Mas, após quase um ano de convivência, passaram a se entender bem
e Kepler pensou que finalmente teria um período de paz em sua vida.

“[...]   Tycho   o   apresentou   ao   imperador,   que   recebeu   Kepler   com  


generosidade   e   o   designou   para   colaborar   com   Tycho   na   compilação  
de   novas   tabelas   astronômicas   baseadas   em   suas   observações.   [...]  
Kepler   foi   incluído   no   projeto   como   colaborador,   não   como   um  
assistente  ou  empregado.  [...]  Tycho  também  fez  algo  que  havia  feito  
com   muito   pouca   gente   antes.   Sabendo   que   só   Kepler   poderia   provar  
as  suas  teorias  tychônicas,  Tycho  confiou-­‐lhe  seus  preciosos  dados,  as  
chaves   para   o   seu   reino   celeste.   Kepler   de   repente   tinha   tudo   que  
precisava.”  (408)  

No entanto, paz não era algo que estava previsto existir na vida de Kepler.
Pouco tempo depois de apresentá-lo ao imperador, Tycho contrairia a doença que
*
o levaria à morte em poucos dias, falecendo em 24 de outubro de 1601. Dois
dias após a morte prematura do astrônomo dinamarquês, o imperador Rudolf II
(1552 - 1612) nomeou Kepler como seu matemático imperial e confiou aos seus
cuidados todos os instrumentos e anotações de Tycho. Assim, Kepler,
antecipando-se aos familiares e legítimos herdeiros, com quem passaria a ter
problemas a partir de então, tomou posse dos preciosos dados que lhe permitiram
conquistar um lugar na história.

Os anos vividos em Praga, entre 1600 e 1612, certamente, foram os mais


tranquilos na atribulada vida de Kepler, porém, a permanência na corte imperial
da família Kepler terminaria com a morte do imperador Rudolf II. Considerado um
bom católico, Rudolf II promovia o trabalho de jesuítas e capuchinhos, enquanto,
possuidor de uma personalidade tolerante, esforçava-se por manter a paz com os
luteranos. Interessado em esclarecer os mistérios da vida, Rudolf II patrocinou e
reuniu em Praga grandes mentes da Europa, tornando o seu castelo um lugar
onde a presença de cientistas como Tycho e Kepler, além de artistas, pintores,
filósofos e místicos era uma constante.

Em 1611, após desentendimentos internos de cunho político-religioso entre


os membros da família Habsburgos, herdeira do Sacro Império Romano, Rudolf II
foi forçado a abdicar por seu irmão mais novo, o arquiduque Matthias (1557 –
1616). De temperamento radical, Matthias considerava condescendente demais a
política de seu antecessor com os protestantes, sendo este o principal motivo da

*
Oficialmente, Tycho Brahe teria sido vitimado por uma infecção urinária. Entretanto, testes realizados com
amostras de seu cabelo e bigode, por ocasião de uma exumação realizada em 1901, teriam detectado elevados
níveis de mercúrio, levantando suspeitas de envenenamento. Em novembro de 2010, sua tumba tornou a ser
aberta e um novo estudo poderá esclarecer as causas de sua morte. (Nota do Autor)

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discórdia familiar. Apesar de ter deposto o irmão mais velho, Matthias permitiu
que ele mantivesse o título de imperador e continuasse vivendo em seu palácio
imperial, próximo aos seus tesouros e brinquedos com que havia equipado parte
do palácio em Praga, transformada em espécie de museu. Entretanto, abatido
pela perda efetiva do poder e com a saúde fragilizada, Rudolf II sobreviveria
apenas um ano após sua deposição. Com a morte de seu protetor e o
recrudescimento das ações contra os luteranos, após Matthias assumir
oficialmente o império, Kepler sentiu-se forçado a deixar Praga.

Sete anos após Kepler ter partido de Praga, agora sob o império de
Ferdinand II (1578 – 1637), sucessor de Matthias, falecido três anos antes, um
incidente entre católicos e protestantes, ocorrido no palácio imperial tantas vezes
frequentado pelo matemático imperial de Rudolf II, daria início a Guerra dos
Trinta Anos que dizimaria a Alemanha e a Áustria. Este conflito tornaria Kepler um
virtual exilado, forçando-o a abandonar várias cidades e empregos, e o
perseguiria até o túmulo.

Kepler nasceu em 27 de dezembro de 1571, na cidade alemã de Weil der


Stadt e durante sua vida colecionou uma série de infortúnios marcantes. Em sua
infância, precisou conviver com um pai mercenário que passava grandes períodos
fora de casa lutando como soldado em guerras que não lhe pertenciam. De
temperamento grosseiro, quando permanecia em casa maltratava a família,
chegando até mesmo a tentar vender como escravo o irmão caçula de Johannes.
Aos três anos de idade, Kepler quase morreu de um ataque de varíola, doença
que lhe desfigurou as mãos e prejudicou sua visão, causando-lhe miopia e
estrabismo.

Sentindo-se limitado em suas opções profissionais por causa dos problemas


físicos contraídos na infância, Kepler tencionava seguir uma carreira religiosa,
ambicionando lecionar na faculdade de teologia em Tubingen, local de sua
formação. Entretanto, desentendimentos entre os membros daquela universidade
levaram-no a aceitar um posto de professor de matemática e astronomia em uma
escola protestante na cidade de Graz, na Áustria. Foi desse modo que aos 22 anos
de idade, Kepler ingressaria em uma carreira profissional dedicada à ciência.
Sendo um homem profundamente religioso, tornaria-se também obcecado por
entender com precisão o funcionamento do universo criado por Deus.

Devido às suas crenças, Kepler partiria de premissas falsas em busca das


respostas que procurava. Neste caminho, assombrado pelos resultados obtidos
por meio de árduo trabalho, testando os dados das observações astronômicas de
Tycho Brahe em diversos modelos matemáticos, Kepler precisaria confrontá-los
com suas crenças e arquitetar um universo que abarcasse a ambos. Precisaria
abandonar a perfeição do círculo pela realidade das elipses. Kepler conseguiria o

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seu intento, e morreria pensando que desvendara os mistérios da criação.


Destruiu dogmas que perduravam por mais de mil e quinhentos anos, mas foi
iludido por suas próprias crenças. Ainda assim, apesar de enganado, Kepler
mudaria o mundo. Tal proeza é descrita por Marcelo Gleiser:

“(...)   Foi   durante   uma   aula   para   um   grupo   de   alunos   sonolentos   que  
Kepler   teve   a   visão   que   mudaria   a   sua   vida.   Quando   explicava   os  
movimentos   dos   planetas   Júpiter   e   Saturno,   percebeu   algo   que   antes  
não   dera   o   significado   devido:   o   fato   de   Saturno   ser   duas   vezes   mais  
distante  do  Sol  que  Júpiter  não  podia  ser  uma  coincidência.  Dentro  da  
ideologia  pitagórico-­‐cristã,  se  Deus  era  o  arquiteto  cósmico,  o  arranjo  
dos  céus  não  podia  ser  ao  acaso.  Deveria,  por  exemplo,  haver  alguma  
explicação   para   o   número   de   planetas   ser   seis,   e   não   três   ou   vinte   e  
cinco.   E   o   que   determinava   as   suas   distâncias   em   relação   ao   Sol?  
Kepler   sabia   que,   de   alguma   forma,   a   resposta   tinha   que   envolver   a  
geometria.  
Passou  semanas  trabalhando,  procurando  por  um  modelo  geométrico  
do   cosmo.   Tentou   diversas   possibilidades,   mas   nada   parecia   funcionar.  
Sua   frustração   aumentava   a   cada   dia.   De   repente,   num   momento   de  
grande  intuição,  entendeu.  Como  suspeitara,  era  mesmo  a  geometria  
que   determinava   a   estrutura   do   cosmo,   isto   é,   o   número   de   planetas   e  
as   distâncias   entre   eles   e   o   Sol.   Kepler   sabia   que,   em   três   dimensões  
espaciais,   existiam   apenas   cinco   sólidos   perfeitos,   os   chamados   sólidos  
platônicos:   nenhum   outro   sólido   tridimensional   fechado   pode   ser  
construído   a   partir   de   apenas   um   objeto   bidimensional   (triângulos,  
quadrados  e  pentágonos).  Os  dois  mais  familiares  são  o  cubo  (feito  de  
seis   quadrados)   e   a   pirâmide   (feita   de   quatro   triângulos   equiláteros).  
Os   outros   três   são   o   octaedro   (oito   triângulos   equiláteros),   o  
dodecaedro   (doze   pentágonos)   e   o   icosaedro   (vinte   triângulos  
equiláteros).   [...]   Kepler   imaginou   que   os   cinco   sólidos   deveriam   se  
encaixar   um   dentro   do   outro,   como   num   quebra-­‐cabeça   (as   bonecas  
russas).   Entre   cada   dois   sólidos,   uma   esfera   imaginária   localizava   a  
órbita   planetária...   O   surpreendente   era   que   cinco   sólidos   permitem  
apenas  seis  esferas  entre  eles,  isto  é,  apenas  seis  planetas...  Ademais,  
as   distâncias   entre   as   esferas   eram   determinadas   precisamente   pelas  
leis   da   geometria.   Após   experimentar   com   alguns   arranjos   para   os  
cinco   sólidos,   Kepler   encontrou   um   que   coincidia,   com   uma   precisão  
surpreendente,   com   as   distâncias   entre   os   planetas   medidas   pelos  
astrônomos.  

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HISTÓRIA DA CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO

Com   essa   sacada   genial,   Kepler   “resolveu”   o   maior   mistério   da  


astronomia,   explicando   a   priori   não   só   por   que   existiam   apenas   seis  
planetas,   mas   também   as   suas   distâncias   em   relação   ao   Sol.   Jamais  
seria  o  mesmo  após  essa  revelação.  Morreu  acreditando  ter  decifrado  
a   estrutura   do   cosmo,   que   a   matemática   permitiu-­‐lhe   vislumbrar   a  
mente   de   Deus.   Como   afirmavam   os   filósofos   pitagóricos   da   Grécia  
Antiga,  a  solução  ocultava-­‐se  na  geometria  (...)  
Com   apenas   26   anos,   Kepler   acreditou   ter   desvendado   o   mapa   da  
Criação.   Deus   havia   mesmo   usado   a   geometria   para   construir   o  
mundo.  Cabia  aos  homens  usar  a  razão  para  estudar  a  Natureza.  Essa  
era   a   verdadeira   devoção   religiosa,   louvar   a   Deus   através   da   Sua   obra,  
fazer  preces  das  equações.  
[...]   Rodeei   o   modelo   cósmico   de   Kepler   algumas   vezes,   admirando   a  
sua   beleza.*   Ali   estava   a   visão   de   um   homem   brilhante,   a   primeira  
versão  concreta  da  Teoria  final,  a  suposta  solução  a  priori  da  estrutura  
do   universo,   baseada   apenas   em   proporções   geométricas:   um   cosmo  
criado   pela   mente   humana.   Para   Kepler,   a   ordem,   as   proporções  
perfeitas,   a   simetria   refletiam   a   glória   de   mente   de   Deus.   Mesmo   após  
ter   revolucionado   a   astronomia,   provando   que   as   órbitas   eram  
elípticas  e  não  circulares,  Kepler  continuou  acreditando  no  seu  modelo  
geométrico   (...)   A   busca   por   uma   harmonia   cósmica   era   o   que   dava  
significado  a  sua  vida.  
[...]  Como  alguém  tão  errado  poderia  estar  tão  convicto  de  estar  certo?  
Temos  muito  o  que  aprender  com  o  erro  de  Kepler.  A  partir  da  nossa  
perspectiva   moderna,   é   fácil   ridicularizar   a   sua   criação,   chamá-­‐la   de  
delirante.   Afinal,   são   oito   planetas   no   sistema   solar,   e   não   seis.   Se  
Kepler   pudesse   vê-­‐los   todos   a   olho   nu,   não   haveria   proposto   o   seu  
modelo,  e  sua  carreira  teria  tomado  um  outro  rumo.  Sua  visão  limitada  
da   realidade   foi   sua   benção.   Na   época,   todos   acreditavam   que   só  
existiam   seis   planetas;   seu   modelo   refletia   esse   fato.   Mesmo   que   a  
ciência   tenha   avançado   enormemente   nos   últimos   quatro   séculos,   o  
que   ocorreu   com   Kepler   continua   a   ocorrer   nos   dias   de   hoje:  
construímos   nossa   visão   de   mundo   com   os   dados   que   temos   no  
momento.   Em   outras   palavras,   nossa   visão   de   mundo   depende  
fundamentalmente   do   que   podemos   medir.   O   erro   de   Kepler   foi   ter  
acreditado  que  sua  criação  era  tão  perfeita  que  transcendia  os  limites  

*
Em suas pesquisas para o romance A harmonia do mundo, publicado em 2006, Marcelo Gleiser esteve em Praga
e visitou a casa em que viveu Kepler, atualmente um museu, onde há uma réplica em bronze do modelo cósmico
de Kepler para o sistema solar. (Nota do Autor)

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mundanos   da   realidade.   Para   ele,   a   ordem   que   vislumbrou   era   bela  


demais  para  não  ser  verdadeira.  
[...]   Como   explicar   então   o   sucesso   de   Kepler?   Em   uma   palavra,  
“busca”.  Acreditar  numa  idéia  é  a  condição  básica  para  tentar  prová-­‐la  
correta.  Tal  como  o  viajante  que  acredita  na  Terra  Prometida  e  sai  pelo  
mundo   buscando   por   ela,   descobrindo   novos   lugares   pelo   caminho,  
muitas   das   descobertas   importantes   da   ciência   ocorreram   durante   a  
busca   por   objetivos   que   nunca   foram   atingidos.   Vemos   a   visão  
suspensa   ao   longe,   como   uma   miragem,   e   fazemos   de   tudo   para  
chegar   a   ela.   Kepler   ilustra   bem   esse   ponto.   Usando   os   dados  
astronômicos  de  Tycho  Brahe  com  o  intuito  de  comprovar  a  estrutura  
cósmica   que   propôs   no   Mysterium,   Kepler   acabou   por   descobrir   as  três  
leis   que   regem   os   movimentos   planetários   em   torno   do   Sol,   as  
primeiras  leis  matemáticas  da  astronomia  moderna.  
Hoje   sabemos   que   as   leis   de   Kepler   não   se   limitam   ao   nosso   sistema  
solar:   qualquer   sistema   estelar   pode   ser   descrito   por   suas   leis.   Muito  
provavelmente,  ficaria  chocado  se  alguém  lhe  revelasse  que  o  sistema  
solar  tem  oito  e  não  seis  planetas  e  que,  portanto,  o  seu  sistema  com  
cinco   sólidos   platônicos   é   inviável.   Por   outro   lado,   sem   dúvida   ficaria  
muito   feliz   em   saber   que   as   suas   três   leis   são   válidas   em   todo   o  
cosmo.”  (332)  
Retornando à vida pessoal de Kepler, encontramos grandes dificuldades,
presentes praticamente em toda a sua vida. De seu primeiro casamento, devido
às enfermidades e pestes daquela época, perdeu dois filhos recém nascidos, em
um espaço de menos de dois anos, deixando-o arrasado. Mais tarde, em 1611,
perderia outro filho aos seis anos de idade e, logo em seguida, a esposa. De seu
segundo casamento, em 1613, teve seis filhos, dos quais três morreram em sua
primeira infância. Em 1617, perderia a enteada de seu primeiro casamento, a
quem adorava e criara como se fosse sua própria filha. Sua própria saúde também
não era das melhores, obrigando-o por diversas vezes a manter-se recolhido ao
leito por longos períodos.

Constantemente, Kepler viu-se obrigado a fugir de uma cidade após a


outra, abandonando o emprego, devido a revoltas religiosas e rebeliões políticas.
Por causa da Contra-Reforma, em 1619, Kepler foi excomungado por sua própria
igreja, a luterana, a quem seria fiel até o final de sua vida, sendo por este motivo
perseguido simultaneamente por católicos e protestantes. Naquele mesmo ano de
1619, Katherine, a excêntrica mãe de Kepler, conhecida por produzir poções de
ervas para diversos propósitos, seria acusada de bruxaria e brutalmente
torturada, exigindo grande esforço, dispêndio de recursos e longa dedicação de
sua parte para livrá-la da fogueira. Kepler ficaria preso à causa de sua mãe até o

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encerramento do processo, em novembro de 1621, quando ela seria finalmente


libertada. Entretanto, debilitada pelos maus tratos recebidos na prisão, viria
(414)
falecer cerca de um ano mais tarde.

Diferentemente de Copérnico, em quem se inspirava na condução de seu


trabalho, a vida de Kepler não foi nada tranqüila. Para alcançar o status de pai da
mecânica celeste, Kepler precisou enfrentar os familiares de Tycho Brahe, que
dificultaram de vários modos, inclusive com ações judiciais, a publicação de suas
obras que mencionavam os dados do astrônomo dinamarquês. Apesar de suas
realizações, Kepler não recebeu em vida o devido reconhecimento, aparentando
ele próprio não ter a exata dimensão da importância de seu trabalho. Sempre com
pouco dinheiro, precisava com frequência recorrer à publicação de calendários
astrológicos e horóscopos para complementar seus rendimentos.

Mas afinal, que força moveu Kepler a realizar sua obra lutando contra
tantos obstáculos? Possivelmente o sentimento que o guiou em sua jornada tenha
sido sua profunda religiosidade, termo empregado aqui com o mesmo significado
da religiosidade professada e descrita pelo físico Albert Einstein, trezentos anos
mais tarde, em alguns de seus pensamentos, transcritos a seguir:

“A  condição  dos  homens  seria  lastimável  se  tivessem  de  ser  domados  
pelo  medo  do  castigo  ou  pela  esperança  de  uma  recompensa  depois  da  
morte.“  
“A   característica   do   homem   religioso   consiste   no   fato   de   ter   se  
libertado  das  algemas  do  seu  egoísmo,  construindo,  por  seu  modo  de  
pensar,   sentir   e   agir,   um   mundo   de   valores   suprapersonais,  
aprofundando  e  ampliando  cada  vez  mais  o  seu  impacto  sobre  a  vida.”  
 “A  percepção  do  desconhecido  é  a  mais  fascinante  das  experiências.  O  
homem   que   não   tem   os   olhos   abertos   para   o   mistério   passará   pela  
vida  sem  ver  nada.”  
“O   mecanismo   do   descobrimento   não   é   lógico   e   intelectual,   é   uma  
ilusão  subcutânea,  quase  um  êxtase.”  
“A   mente   avança   até   o   ponto   onde   pode   chegar;   mas   depois   passa  
para   uma   dimensão   superior,   sem   saber   como   lá   chegou.   Todas   as  
grandes  descobertas  realizaram  esse  salto.”  
“Sem   a   convicção   de   uma   harmonia   íntima   do   Universo,   não   poderia  
haver  ciência.”  
“Eu  quero  saber  como  Deus  criou  este  mundo.  Não  estou  interessado  
neste   ou   naquele   fenômeno,   no   espectro   deste   ou   daquele   elemento.  
Eu  quero  conhecer  os  pensamentos  Dele,  o  resto  são  detalhes.”  

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 “O  mistério  da  vida  me  causa  a  mais  forte  emoção.  É  o  sentimento  que  
suscita   a   beleza   e   a   verdade,   cria   a   arte   e   a   ciência.   O   homem   que  
desconhece  esse  encanto,  incapaz  de  sentir  admiração  e  estupefação,  
esse  já  está,  por  assim  dizer,  morto  e  seus  olhos  se  cegaram.  Aureolada  
de   temor,   é   a   realidade   secreta   do   mistério   da   religião.   Homens  
reconhecem   então   algo   de   impenetrável   a   suas   inteligências,  
conhecem  porém  as  manifestações  desta  ordem  suprema  e  da  Beleza  
inalterável.   Homens   se   confessam   limitados   e   seu   espírito   não   pode  
apreender  esta  perfeição.  E  este  conhecimento  e  esta  confissão  tomam  
o   nome   de   religião.   Deste   modo,   mas   somente   deste   modo,   sou  
profundamente  religioso,  bem  como  estes  homens.”  
Apesar de todos os problemas enfrentados por Kepler, ele manteve-se
produtivo, pesquisando e escrevendo prolificamente por quase toda a sua vida
adulta. Complementando os pensamentos de Einstein, James A. Connor ressalta o
exemplo de grande força moral que foi a vida deste matemático e astrônomo
alemão:

“Grandes   personalidades   aparecem   de   repente   neste   mundo.   O   que   as  


faz   serem   grandes   é   complicado.   Alguns   dizem   que   Kepler   foi   um  
gênio,   o   que   certamente   ele   foi,   mas   a   sua   inteligência   científica   não  
foi   a   fonte   da   sua   grandeza.   Johannes   Kepler   foi   uma   das   mentes  
científicas  mais  poderosas  do  seu  século  –  ele  foi  páreo  para  Galileu  em  
quase   todos   os   aspectos,   um   precursor   de   Newton,   um   homem   que  
havia   desbravado   o   caminho   para   a   maioria   das   descobertas  
importantes   que   definiram   a   ciência   do   século   dezessete.   E,   no  
entanto,   Kepler   também   foi   grande   do   modo   como   Gandhi   e   Martin  
Luther   King   Jr.   Foram.   Ele   foi   um   homem   que   lutou   pela   paz   e   pela  
reconciliação  entre  as  igrejas  cristãs,  mesmo  quando  isso  por  pouco  lhe  
custava  a  vida.  Algumas  pessoas  nascem  para  serem  grandes;  algumas  
se  tornam  grandes  pelos  acontecimentos  de  sua  época.  Outras,  como  
King,   Gandhi   e   Kepler   tornam-­‐se   grandes   porque   fazem   escolhas  
repletas  de  coragem  moral.”  (409)  
Johannes Kepler faleceu em 15 de novembro de 1630, aos 58 anos, por
causa do agravamento de um resfriado contraído quando encontrava-se em meio
a uma viagem para resgatar os lucros de algumas ações e cobrar o pagamento de
uma dívida. Uma vez mais ele encontrava-se em dificuldades financeiras. Kepler
foi enterrado no cemitério protestante de São Pedro, na cidade de Regensburg, na
Bavária, Alemanha. Mesmo morto e enterrado, continuou a ser perseguido pela
Guerra dos Trinta Anos: dois anos depois de sua morte, uma batalha entre
católicos e protestantes destruiria o seu túmulo. Até a presente data se
desconhece a localização dos restos mortais de Kepler. No local do cemitério foi

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construído um parque e erigido um memorial em sua homenagem. A lápide de


seu túmulo, também perdida, trazia a seguinte inscrição, redigida pelo próprio
Kepler:

“Eu  costumava  medir  os  céus,  


Mas  agora  meço  as  sombras  da  terra.  
Embora  minha  alma  fosse  dos  céus,  
A  sombra  do  meu  corpo  aqui  jaz.”    

Retornando ao tema que gerou este capítulo, a importância dos dispositivos


de cálculo, resolvemos finalizá-lo com algumas palavras de Isaac Asimov (1920 -
1992), norte-americano de origem russa, Ph.D. e professor de bioquímica,
conhecido principalmente por suas obras de ficção e de divulgação científica.
Segundo Asimov, os computadores, descendentes diretos dos primeiros
instrumentos de calcular, contribuem para tornar o ser humano verdadeiramente
humano. A história parcialmente transcrita a seguir, publicada em 1977, ilustra o
impacto causado por um simples instrumento de cálculo na vida e obra de Kepler:

“Nos   anos   de   1620,   o   astrônomo   alemão   Johannes   Kepler   estava  


procurando   elaborar   tabelas   que   pudessem   predizer   a   posição   dos  
vários  planetas  no  céu,  em  qualquer  tempo  determinado,  no  futuro.    
Não   era   uma   tarefa   nova.   Os   antigos   babilônios   haviam   preparado  
tabelas  dessa  espécie;  o  mesmo  haviam  feito  os  gregos,  e  também  os  
eruditos  medievais.  Alguns  deles  estiveram  interessados  no  problema,  
porque   tinha   significação   astrológica;   outros,   porque   permitia   lançar  
uma  vista  de  olhos  na  mecânica  que  fazia  o  Universo  funcionar.  
Kepler  estava  interessado,  de  coração,  pelos  dois  aspectos,  e  também  
teve   pela   frente   uma   tarefa   enormemente   difícil.   Sem   dúvida,   ele  
possuía   o   registro   de   cuidadosas   observações   em   torno   das   posições  
planetárias,   do   passado.   Tinha,   igualmente,   uma   nova   teoria   que   ele  
mesmo  elaborara  –  a  de  que  os  planetas  não  se  moviam  em  círculos  ao  
redor  do  Sol,  e  sim  em  elipses.  
Os   cálculos,   pois,   teriam   de   ser   feitos   na   base   da   nova   teoria,   e   não  
eram,  de  forma  alguma,  parecidos  com  os  que  haviam  sido  feitos  por  
astrônomos  anteriores.  Kepler  estava  trabalhando  em  terreno  novo,  e  
tinha   de   fazer   certa   quantidade   de   multiplicações   e   divisões.   Isso   lhe  
tomaria  um  tempo  enorme,  e  a  cada  passo  haveria  a  oportunidade  de  
erros   aritméticos,   de   modo   que   ele   se   via   obrigado   a   controlar   e  
recontrolar.  Já  contava  com  50  anos  de  idade,  e  a  duração  da  vida  não  
era   longa   naqueles   tempos.   Viveria   ele   o   suficiente   para   ver   o   fim   do  
seu  trabalho?  

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Felizmente,  um  matemático  escocês,  John  Napier,  havia  concebido  um  


sistema   daquilo   que   ele   denominou   “logaritmo”.   Em   1614,   produziu  
longas   tabelas   em   que   cada   número   tinha   outro   número   –   o   logaritmo  
–  alistado  para  ele.  Se  se  somassem  os  logaritmos  de  dois  números,  o  
resultado   seria   o   logaritmo   do   produto   dos   números.   Somando   (e  
fazendo  uso  da  tabela),  fazia-­‐se  o  trabalho  da  multiplicação.  
De   igual   maneira,   se   se   subtraísse   o   logaritmo   e   um   número   do  
logaritmo   de   outro   número,   o   resultado   seria   o   logaritmo   do  
quociente.  Subtraindo,  fazia-­‐se  o  trabalho  da  divisão.  
É   mais   fácil   somar   do   que   multiplicar,   e   mais   fácil   subtrair   do   que  
dividir.   Deste   modo,   o   uso   dos   logaritmos   proporcionava   um   atalho  
tremendo  no  campo  dos  cálculos  aritméticos.  
Com   grande   alívio,   Kepler   agarrou   a   tábua   de   logaritmos,   e   pô-­‐la   no  
primeiro  uso  importante  da  História.  A  tarefa,  ainda  assim,  lhe  tomou  
longo  tempo;  mas,  então,  ele  pôde  concluir  o  trabalho  dentro  daquilo  
que  lhe  restou  de  vida.  Suas  tabelas  planetárias  foram  publicadas  em  
1627,   e   foram   as   melhores   produzidas   até   àquele   tempo.   Kepler  
morreu  em  1630.  
Entretanto,   os   logaritmos   são   um   dispositivo   de   computação,   nada  
mais.   Eles   não   acrescentaram   idéia   alguma   à   cabeça   de   Kepler.   A  
noção   de   traçar   órbitas   planetárias   em   eclipses,   em   lugar   de   em  
círculos,  de  colocar  o  Sol  em  uma  posição  particular  dentro  da  órbita,  
de  fazer  com  que  os  planetas  se  movessem  com  velocidades  diferentes,  
de  acordo  com  as  suas  distâncias  cambiantes  em  relação  ao  Sol,  estas  
foram   as   idéias   de   Kepler.   Elaborar   as   conseqüências   desta   idéia,   por  
meio   de   computação   aritmética,   foi   meramente   um   detalhe,   um  
detalhe  tedioso  e  consumidor  de  tempo.  
Mesmo   com   logaritmos,   a   tarefa   de   Kepler   levou   anos,   e   enquanto  
Kepler,   com   sua   mente   de   primeira   classe,   andava   ocupado  
resmungando   seus   números,   não   tinha   tempo   de   pensar   em   idéias  
adicionais  também  de  primeira  classe.  
Pode-­‐se   ser   criativo,   ou   pode-­‐se   passar   o   tempo   todo   somando   e  
subtraindo;  o  que  não  se  pode  é  fazer  as  duas  coisas  juntas.  
Imagine-­‐se,   porém,   que   Kepler   pudesse   recorrer   a   dispositivos   que   se  
encontravam   a   três   séculos   no   seu   futuro.   Suponha-­‐se   que   ele   pudesse  
fazer  uso  de  um  computador  eletrônico  –  um  computador  com  súbitas  
correntes   elétricas,   movendo-­‐se   com   a   velocidade   da   luz,   reproduzindo  
as  normas  da  aritmética  mas  obedecendo  a  essas  normas  cem  milhões  

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de  vezes  mais  rapidamente  do  que  o  possa  fazer  a  mente  humana  –  e  


isso  sem  errar.  
Um   par   de   anos   atrás,   os   dados   sumários   de   Kepler   foram,   com   efeito,  
postos   num   computador   eletrônico;   o   computador,   a   seguir,   foi  
programado   para   fazer   a   tarefa   da   aritmética   que   exigira   de   Kepler  
vários   anos   para   ser   feita,   mesmo   com   logaritmos.   O   computador  
completou  a  tarefa  em  oito  minutos!  
O   computador   era   mais   inteligente   do   que   Kepler?   Naturalmente,   não.  
Ele   não   era   mais   intelectual   do   que   uma   tábua   de   logaritmos,   mas   era  
tremendamente   mais   complicado   que   ela.   O   computador   eletrônico   é  
muito   mais   capacitado   que   uma   tábua   de   logaritmos   para   realizar  
essas  tarefas  mentais,  que  são  tediosas,  repetitivas,  estultificadoras  e  
degradantes,  deixando  para  os  seres  humanos  o  trabalho  muito  mais  
importante  do  pensamento  criativo  em  todos  os  campos,  desde  a  arte  
e  a  literatura  até  a  ciência  e  a  ética.  
O   aparecimento   do   computador   eletrônico,   nos   anos   de   1940,  
introduziu   uma   revolução   na   história   da   mente   humana.   Trata-­‐se,   de  
certa   maneira,   de   uma   revolução   atemorizante,   uma   revolução   que  
retira,   dos   seres   humanos,   o   fardo   com   o   qual   temos   estado  
acostumados   por   tão   longo   tempo,   que   parece   que   se   tornou   quase  
que   parte   da   condição   humana.   Sem   ele,   muitos   temem   que  
definhemos...  Mas  isto  não  pode  ser  assim,  porquanto  não  equivale  a  
desumanizar   o   ato   de   deixar   as   máquinas   fazerem   o   trabalho  
desumanizador.   Deixá-­‐las   fazer   isso,   ao   contrário,   torna   o   ser   humano,  
finalmente,  verdadeiramente  humano.”  (329)

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