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Madureria, Bruno.

Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

Bandas civis em Portugal no derradeiro quarto da centúria


vigésima: um estudo de caso
Bandas de música civiles en Portugal en el último cuarto de
siglo XX: un caso de estudio
Wind bands in Portugal in the last quarter of the 20th century: a
case study
“Recibido el 19 de enero del 2018, aceptado el 3 de junio del 2018”

Bruno Madureira*

Resumen
El objetivo principal de este artículo es analizar los cambios ocurridos en las
bandas civiles en Portugal, con una especial atención al municipio de Águeda
(distrito de Aveiro), en el último cuarto de siglo XX, un periodo especialmente
desconocido en el ámbito de las agrupaciones musicales. El enfoque metodoló-
gico incluye la consulta bibliográfica, la recopilación de artículos de prensa, la
investigación de colecciones y archivos y la realización de entrevistas. El análisis
de los datos recogidos pone de manifiesto la revalorización de la banda de músi-
ca civil como agrupación, especialmente si se toma como referencia el periodo
precedente, y aun teniendo en cuenta la persistencia de ciertas dificultades como
pueden ser las económicas. Dicha revalorización se debió a una combinación

* Membro do projecto de investigação: “A Nossa Música, o Nosso Mundo: Associações Musicais, ban-
das filarmónicas e comunidades locais”. Investigador do Instituto de História Contemporânea (UNL) e
membro da Banda de Música da Força Aérea Portuguesa. Doutorando em Estudos Artísticos na Facul-
dade de Letras da Universidade de Coimbra.

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de factores entre los que destaca el aumento de la disponibilidad de los recursos


humanos. En virtud de la práctica ausencia de un estudio sobre el tema, este pro-
yecto de investigación arroja luz sobre estas agrupaciones, especialmente en el
municipio de Águeda en el tiempo que se examina.

Palabras clave: banda civil, filarmónica, música de aficionados, Águeda, Por-


tugal.

Abstract
The main purpose of this article is to analyse the changes that have occurred
in Portuguese wind bands especially in the municipality of Águeda (district of
Aveiro) in the last quarter of the 20th century as this is a very unknown period
in what concerns these musical groups. The methodology used includes bibli-
ographical research, collection of press articles, research in collections and ar-
chives, as well as interviews. An evident revival phase can be highlighted in
these groups when the collected data is compared to the one in the preceding
period. Despite the persistence of certain problems such as the economic ones,
this revival was possible thanks to a combination of factors, among which the
increased availability of human resources can be referred. Due to the insufficient
studies on this subject, this research casts a new light on these groups, especially
in the municipality of Águeda and during the time period in question.

Keywords: Wind band, philharmonic,amateur music, Águeda, Portugal.

Introdução1 te em Portugal  desde meados do sé-


culo XIX. Após décadas de particular
Não obstante serem um campo de
estagnação neste país, no derradeiro
estudo especialmente descurado pela
quartel do século XX, em especial as
investigação, as bandas civis, comum-
sediadas no concelho de Águeda, fo-
mente designadas filarmónicas, cons-
ram alvo de uma conjugação de fenó-
tituem uma das principais práticas
menos e estímulos que lhes proporcio-
musicais na Europa  particularmen-
nou um período marcado por diversas
transmutações no seu funcionamento.
1
Esta pesquisa partiu do trabalho realizado no
âmbito do meu doutoramento e pretende ser uma
O presente artigo tem precisamen-
continuação da investigação aí realizada: Bandas te como objectivos analisar as bandas
Civis no Terceiro Quartel do Século XX: Estudo civis de Portugal num período particu-
de Casos com as Bandas de Quatro Concelhos, larmente desconhecido face à ausên-
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

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cia de estudos  o último quartel do tegrantes de filarmónicas, no terceiro


século X 2 e interpretar/ compreen- quartel do século XX, que permanece-
der as mutações e reconfigurações ram no agrupamento após o despertar
ocorridas nesses agrupamentos musi- da democracia. O percurso metodoló-
cais após o Estado Novo , findo em gico aplicado contemplou igualmente
1974. Pretende, igualmente, saber se a consulta bibliográfica, a recolha de
tais mudanças foram suficientes para artigos de imprensa  sobretudo local
se falar em reflorescimento, estagna-  e a investigação em acervos e ar-
ção ou decadência da sua actividade, quivos. A análise dos dados recolhidos
analisando as cinco filarmónicas do permitiu-nos constatar a existência de
município de Águeda que, de forma uma série de transformações positivas
mais ou menos significativa, influen- nas bandas civis e consequentemente
ciaram a actividade das bandas. Face um período de reflorescimento na sua
à originalidade de uma parte signifi- actividade face ao período anterior,
cativa dos conteúdos aqui expostos, pese embora a persistência de alguns
este estudo pretende também ser um problemas, sobretudo de ordem mate-
contributo para a divulgação das filar- rial. Essa revitalização deveu-se a uma
mónicas enquanto objecto de estudo. conjugação de factores, dos quais,
Para levar esta pesquisa adiante recu- a maior disponibilidade de recursos
peramos parte das fontes de informa- humanos teve particular relevância.
ção recolhidas no decorrer do nosso Com efeito, essa foi favorecida parti-
doutoramento, particularmente as en- cularmente pelo ingresso de elemen-
trevistas3 realizadas a elementos in- tos do sexo feminino e pela atracção
que aqueles agrupamentos musicais
começaram a exercer nos jovens do
2
Neste estudo concentro-me sobretudo até fi- sexo masculino. A oficialização e a
nais da década de 1980, quando as filarmónicas progressiva melhoria da situação fi-
tiveram uma série de inovações e alterações. A
década seguinte trouxe poucas novidades sendo,
nanceira  e consequente capacidade
fundamentalmente, um período de estabilização
do sucedido no decénio antecessor. Basicamente,
a década de noventa é um continuum da anterior. trevistas propriamente ditas e a transcrição das
3
As entrevistas são constituídas por um tronco gravações, a análise da linguagem e a respectiva
comum, idêntico para os entrevistados de todas integração nos capítulos correspondentes. A mi-
as bandas, de forma a ser possível exercícios de nha formação relativa à construção de entrevistas
comparação e um tronco específico característico foi especialmente adquirida através da frequên-
de cada uma das bandas e elaborado tendo em cia de um Workshop de História Oral, promo-
conta as especificidades de cada um desses vido pelo Instituto de História Contemporânea
agrupamentos. A recolha da memória oral dos (FCSH-UNL), complementado pelas leituras de
intervenientes implicou três fases distintas: a trabalhos de Luísa Tiago de Oliveira, Alessandro
preparação das entrevistas, com a respectiva Portelli, Rui Bebiano, António Costa Pinto, Enzo
fundamentação teórica e metodológica; as en- Traversos e Fernando Catroga.

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para renovar instrumentos musicais relativos às filarmónicas do concelho


e instalações  tiveram igualmente de Águeda, a última secção diz respei-
uma relevância capital, tal como a me- to a um estudo de caso sobre as bandas
lhor preparação musical dos regentes civis deste município.
e instrumentistas (que beneficiaram Quais as razões e atractivos para o
da multiplicação de escolas oficiais de aparente maior interesse por bandas
música e da organização de escolas de civis manifestado pelos jovens após aa
música nas bandas civis) e a interpre- implantação da Democracia em Por-
tação de um tipo de reportório musical tugal? Com o fim da ditadura alguns
mais apelativo aos jovens. Concreta- obstáculos permaneceram nas filar-
mente, nas filarmónicas de Águeda, mónicas? Qual a razão para a oficiali-
que consideramos paradigmático, zação de inúmeras bandas no derradei-
verificamos uma fase de decadência/ ro quarto do século XX? O modelo de
estagnação até 1980 e um refloresci- ensino praticado nas filarmónicas alte-
mento após esta década. rouse? Houve mutações na tipologia
Este artigo inicia-se com uma con- do reportório musical habitualmente
textualização histórica do país imedia- interpretado pelas bandas? Será o caso
tamente a seguir à Revolução dos Cra- das bandas de Águeda paradigmático?
vos (25 de Abril de 1974), abordando Estas são algumas das questões que
de forma sumária os traços políticos, gostaríamos de ver resolvidas ou, pelo
económicos, sociais e culturais mais menos, um pouco mais esclarecidas.
relevantes e que influenciaram deci-
sivamente a actividade e o funciona- Contextualização histórica do
mento das organizações musicais, in- período
cluindo as bandas civis. Segue-se uma
panorâmica acerca da disponibilidade As mutações políticas, económi-
de recursos humanos nas filarmónicas. co-sociais e culturais decorrentes da
A situação financeira das bandas ci- revolução de 25 de Abril de 1974 ti-
vis e respectiva oficialização é o tema veram implicações no movimento fi-
imediato, seguido de uma abordagem larmónico português e, naturalmente,
ao instrumental e à qualidade das se- influenciaram de forma decisiva a sua
des e salas de ensaio. A secção sub- actividade nos anos sequentes, sobre-
sequente trata o tipo e a qualidade da tudo no decorrer da década de 1980,
formação musical dos instrumentistas pelo que importa caracteriza-las, em
das bandas civis e respectivos regen- traços necessariamente concisos. Nos
tes. Os compositores e a música para anos imediatos após o derrube do Es-
banda são objectos de estudo no sub- tado Novo4, em 1974, o país mergu-
capítulo que se segue. Paralelamente
aos dados expostos ao longo do artigo, 4
Regime autoritário e antiparlamentar que go-
vernou Portugal entre 1933 e 1974.

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lhou numa agitação político-social, ficiaram. Como resultado das rápidas


que provocou a queda de diversos mutações sociais, intensificaram-se
governos, em paralelo com uma grave as assimetrias regionais: a terciariza-
crise económica e financeira. Ques- ção, a litoralização e a urbanização
tões como a descolonização, a nacio- aumentaram fortemente, enquanto as
nalização de inúmeras empresas ou a zonas interiores do país viram agra-
“reforma agrária” não foram pacíficas, var-se o seu isolamento e desertifica-
trazendo muita instabilidade políti- ção. Socialmente, evoluíram os níveis
ca e social . Não obstante, foi extinta de escolaridade dos portugueses, au-
a censura e a polícia política (PIDE/ mentou a esperança média de vida, fo-
DGS), os presos políticos foram ram difundidos novos valores e estilos
libertados, os sindicatos tornaramse de vida, foi promovida a igualdade de
livres e os partidos legalizados, o país género e aumentou a taxa de activida-
abriu-se ao exterior e deu-se início de feminina, incluindo em actividades
à aceleração de um processo em associativas, como nas filarmónicas.
curso desde a década anterior de A conquista da democracia foi espe-
modernização das estruturas sociais, cialmente benéfica para a emancipação
económicas e culturais, embora nem do Poder Local, que progressivamente
sempre fácil, face a várias décadas se tornou o principal financiador das
de imobilismo cívico e à crise inter- colectividades e respectivos agrupa-
nacional de 1973. Após a revolução mentos musicais. Porém, apesar das
consolidouse a classe média, diminuiu tentativas de dotar os municípios de
a emigração, democratizaramse as ins- uma autonomia real, a mesma surgiu
tituições e foram satisfeitas várias rei- muito depois do 25 de Abril de 1974,
vindicações de carácter social, como o sobretudo em termos financeiros, isto
aumento dos salários ou a criação de porque, a complexa conjuntura políti-
um sistema nacional de saúde. ca, económica e social do país fez com
A integração de Portugal na Comu- que o regime de financiamento ao Po-
nidade Económica Europeia (CEE)5, der Local ficasse em segundo plano.
em 1986, contribuiu para a indispen- As prioridades a realizar nos primeiros
sável estabilidade política e social bem anos após a revolução de Abril foram
como para o crescimento económico e de outra natureza, nomeadamente re-
para a abertura da economia portugue- lacionadas com a urbanização e erra-
sa e o desenvolvimento do país, fruto dicação de barracas, construção de es-
dos programas de apoio comunitá- tradas, electrificação ou saneamento.
rios, dos quais as bandas civis bene- Em meados dos anos de 1980 o asso-
ciativismo e as filarmónicas beneficia-
ram, não só dos programas de apoio
5
Actual União Europeia.

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comunitário, como do facto de a maio- a multiplicação de actividades ante-


ria das obras e infra-estruturas básicas riormente referidas por Mário Vieira
estarem concluídas ou em processo de de Carvalho também se estenderam à
conclusão6. actividade das filarmónicas. Após 25
Após quase meio século de estag- de Abril de 1974 ocorreram múltiplas
nação cultural, a revolução de 25 de mutações nas bandas civis, designa-
Abril de 1974 abriu novas e fecundas damente, na tipologia de reportório
perspectivas ao desenvolvimento da musical interpretado (com a inclusão
cultura musical portuguesa. Nume- de temas de música moderna) ou da
rosas instituições em que assentava a estética dos fardamentos (mediante
vida musical portuguesa passaram por a substituição gradual das fardas de
profundas alterações de estrutura e de inspiração militar por outras baseadas
orientação. Multiplicaram-se as acti- em fatos civis com camisa, gravata e
vidades musicais um pouco por todo boné), na constituição instrumental e
o país, ao mesmo tempo que se veri- humana (destaque para o abaixamento
ficavam modificações, mais ou menos da média de idades e para o ingresso
profundas, na direcção e política cultu- de elementos do sexo feminino) e até
ral de diferentes instituições públicas no ensino ministrado nas suas esco-
e privadas com responsabilidade nesta las de música. Tal como no resto da
área. Assim, foram criados novos fes- sociedade, na música foram exigidas
tivais, encontros e jornadas e outras mudanças e abandono do passado di-
acções de animação sociocultural do tatorial. Paralelamente às autarquias, o
poder central e das autarquias7, mui- poder central implementou medidas de
tos deles com a participação de bandas apoio através de diversos organismos,
de música. As profundas alterações e sobretudo do Instituto Nacional para o
Aproveitamento dos Templos Livres
(INATEL), que além da atribuição de
6
A questão da relevância e do papel do Poder Lo-
cal, no âmbito do apoio material e financeiro às
subsídios, apostou na vertente forma-
bandas civis, foi, inclusivamente, utilizado como tiva, particularmente de maestros, até
argumento por algumas instituições que apoia- então quase inexistente em Portugal.
vam as bandas, nomeadamente a Secretaria de
Estado da Cultura (SEC) e a Fundação Calouste
Gulbenkian (FCG), para lhes cortar os apoios na Disponibilidade de recursos
década de 1990. humanos
7
Mário Vieira de Carvalho, “A música: do surto
inicial à frustração do presente”, in Portugal Nos anos subsequentes à revolução
Contemporâneo, volume VI, dir. de António Reis de 1974, a emigração diminuiu consi-
(Lisboa: Publicações Alfa, 1990), 347. deravelmente em Portugal resultado,
As bandas civis beneficiaram com essa multipli-
não apenas do fim do regime ditatorial
cação de actividades, eventos e massificação de
apoios financeiros e materiais. e possibilidade de mobilização militar

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para África, como das restrições à emi- zenas de outras foram criadas de raiz
gração impostas pelos países habitual- com o regime democrático10. O surgi-
mente de destino emigratório, sobretu-
do após o choque petrolífero de 1973.8
(bandas de Casegas, Retaxense e Cortense), Vila
Embora de forma muito progressiva, Real (bandas da Portela, Valpaços, Perafita, Sa-
naturalmente, esse fenómeno ajudou brosa e Torre de Ervededo) e Leiria (bandas Bi-
a colmatar um dos maiores problemas doeirense, Alcobaça e Comércio e Indústria das
Caldas da Rainha).
das filarmónicas nas décadas preceden-
tes  baixa disponibilidade de recursos
10
Bandas do Catujal, Póvoa de Santa Iria, Mafra,
Mira Sintra, Marvila, Venda Seca, Atalaia – Lou-
humanos  isto porque, o perfil carac- rinhã, Malveira da Serra, Casaínhos, Charneca,
terístico dos emigrantes, bem como dos Lameiras, Agualva ‒ Cacém, Monte Abraão, Al-
militares mobilizados para África, con- vidense, Mucifalense, da Associação de Despor-
tos e Recreio O Paraíso, do Centro de Cultura
dizia com o dos elementos das bandas e Desporto da C.M. de Oeiras e da Sociedade
civis: jovens do sexo masculino. Con- Musical Simpatia e Gratidão (todas do distrito de
sequentemente, com a maior disponi- Lisboa), banda do Município do Gavião (Porta-
bilidade de recursos humanos, além do legre), bandas de Vilela, Ceira, Serpinense e Po-
marense (Coimbra), bandas de Coina, Barreiro e
natural aumento do número de músicos Lira Cercalense (Setúbal), bandas de Rio Maior,
em cada filarmónica, ressurgiram no Gançaria e Montalvense (Santarém), banda de
território nacional inúmeras bandas ci- Vermoim (Porto), banda de Caminha (Viana do
Castelo), bandas de Penalva do Castelo, Sernan-
vis, cuja actividade foi suspensa duran-
celhe, Sendim, Ferreirim e Nelas (Viseu), banda
te o Estado Novo9. Paralelamente, de- da Quinta do Picado (Aveiro), bandas de Alvito
e Odemira (Beja), bandas de Vila Real de Santo
António, São Brás de Alportel, Aljezur, da Casa
8
Nos anos antecedentes o fenómeno emigratório do Povo de Alcantarilha, Pêra e Armação de Pêra
teve grande impacto em toda a sociedade portu- e da Associação Filarmónica de Faro (Faro),
guesa. Entre 1958 e 1974, mais de 1,5 milhões bandas de Carrazedo de Montenegro e de Carlão
de portugueses radicaram-se na Europa central, (Vila Real), bandas de São Miguel de Mamede,
sobretudo na França. de Alandroal e da Casa do Povo de Vendas Novas
9
Nos distritos de Lisboa (bandas da Cruz-Que- (Évora), entre dezenas de outras
brada, Porto Salvo, Parede, Lameiras e Odive- No último quartel do século XX foram igualmen-
las), Beja (bandas de Aljustrel, Serpa, Safara, te fundadas no estrangeiro inúmeras bandas por
Ferreira do Alentejo e União Mourense), Braga emigrantes portugueses: Sociedade Filarmónica
(bandas de Calvos, Póvoa de Lanhoso e Santa Recreio do Emigrante (1978), nos EUA; Socie-
Maria do Bouro), Coimbra (bandas de Espinhal, dade Filarmónica União Popular San José (1978),
Mira, Ceira e Monfortense), Évora (bandas de nos EUA; Artista Amadora San Leandro (1980),
Borba, Corvalense, Azarujense, Portelense e nos EUA; Azores Band os Escalon (1980), nos
União Montoitense), Guarda (Banda de Pínzio), EUA; Filarmónica Portuguesa de Tulare (1981),
Portalegre (bandas de Nisa e Monforte), Porto nos EUA; Sociedade Filarmónica Lira Açoreana
(Banda de Baltar), Viseu (bandas de Castro (1982), nos EUA; Associação Filarmónica Por-
Daire e Nagoselo do Douro), Aveiro (Banda de tuguesa de Calgary (1983), no Canadá; Filarmó-
Burgo), Bragança (bandas de Mogadouro, Brin- nica do Chino (1986), nos EUA; Filarmónica
ço, Vilarinense, Carviçais e Vimioso), Santarém Portuguesa de Paris (1986), em França; Ban-
(bandas de Muge e Ourém), Castelo Branco da de Música Portuguesa (1990), na Austrália;

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mento ou ressurgimento de todas essas um número que diminuiu para sensi-


bandas de música em Portugal atesta velmente 622 em 1963, na óptica de
o reflorescimento bandístico que acre- Freitas13. No ano de 1971 a Secretaria
ditamos terse verificado de forma pro- de Estado de Informação e Turismo
gressiva no decorrer do último quartel (SEIT) realizou um inquérito às filar-
do século XX e pode ser visto também mónicas nacionais. Como este organis-
como o resultado do crescente interes- mo assumiu dispor de elementos sobre
se das populações pelo associativismo a quantidade de bandas no continente
após o derrube da ditadura, nomeada- e ilhas, remeteu precisamente 614 in-
mente pelas actividades musicais e as quéritos14, ou seja, o número de bandas
filarmónicas em particular. Embora os que a SEIT estimava existirem. Após
quantitativos dificilmente possam ser a queda da ditadura, Gomes menciona
totalmente fidedignos11 alguns dados 650 bandas em 198515 e Castelo-Bran-
disponíveis fornecem uma panorâmi- co e Lima 789, em 199816.
ca do número total de bandas existen-
te em Portugal no decorrer do século
autores existirem 1000, 2500 e até mesmo 3000
XX, os quais confirmam um reflores- bandas civis em Portugal, números que nos pare-
cimento de bandas civis no derradeiro cem exagerados apud Arte Musical, 01-01-1930,
quarto de século, após cerca de três nº 1, 5; Arte Musical, 10-07-1932, nº 46, 6; Arte
décadas marcadas pela inactivação de Musical, 20-10-1931, nº 29, 5.
diversas bandas e a criação de poucas.
13
Na mesma obra Pedro de Freitas menciona a
existência de mais de 800 bandas em 1945 e de
Entre as décadas de 1920 e 1940 exis- pouco mais de 400 em 1965, 357.
tiram cerca de 800 bandas em Portu- 14
Margarida Ribeiro, “Relatório da Secção de
gal Continental, Açores e Madeira12, Etnografia e Sociedades Recreativas”, Trabalho
apresentado no I Colóquio de Bandas de Bandas
Civis e Filarmónicas, não publicado, Santarém,
Lusitania Band os the North Bay (1995), nos 1971, 1.
EUA; e Filarmónica União Portuguesa San Die- A expedição destes inquéritos foi precedida de
go (1998), nos EUA. Foram também fundadas a comunicados aos 22 governos civis de então,
Banda de Nossa Senhora dos Milagres e a The bem como aos 304 municípios, na prevenção de
Music Society of St. Helen´s, ambas no Canadá indicação de bandas que poderiam existir sem o
Cf. www.bandasfilarmonicas.com [consultado conhecimento da SEIT e, sobretudo, de certificar
em 8 de Março de 2015]. que as bandas respondiam aos inquéritos, esforço
11
Isto porque, frequentemente, algumas bandas algo inglório já que bastantes bandas não respon-
cessavam actividade de forma repentina, outras deram ao inquérito. Nesses 614 inquéritos en-
retomavam-na e outras tinham uma actividade viados, há que ter em conta igualmente algumas
intermitente. Além disso, a linha que separa as bandas inactivas.
filarmónicas de certos grupos instrumentais de 15
Regina Ferreira Gomes, As bandas filarmóni-
sopro é, por vezes, bastante ténue. cas como expressão e veículo culturais (Tese de
12
Pedro de Freitas, História da música popular licenciatura apresentada à Universidade Nova de
em Portugal (Lisboa: ed. do autor, 1946), 536. Lisboa, 1985), 61.
Todavia, em vários artigos publicados n´A Arte 16
Castelo-Branco, Salwa e Lima, Maria João,
Musical na década de 1930, é referido por três

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Refira-se, todavia, que o aumento do Podemos considerar a aposta de Amí-


número de elementos nas filarmónicas lcar Morais neste estilo musical como
não está ligado somente à diminuição inovadora à época, e ele próprio assu-
da emigração e ao fim da mobilização miu o objectivo de mobilizar a juven-
para a Guerra Colonial. Relaciona-se tude para as filarmónicas, que consi-
igualmente com a progressiva atracção derou envelhecidas:
que aqueles agrupamentos musicais
exerceram na juventude de ambos os Foi com ela [a Banda 12 de Abril]
sexos devido às melhores condições que comecei a lançar as Pop Shows
e outras selecções de música ligeira,
materiais oferecidas e à tipologia do
como reportório de mudança e mo-
reportório musical mais apelativa, a bilizador das camadas mais juvenis,
partir da década de oitenta, que era para inverter a crise dos quadros en-
baseada em selecções musicais de velhecidos, então preocupantes, na
temas musicais pop/ rock célebres e actividade normal da maioria das fi-
fáceis de cantar, sobretudo de canções larmónicas.18
anglo-saxónicas e latino-americanas.
Este tipo de música causou grande Embora com maior intensidade
espanto e aderência entre a juventude, nesta banda civil, este fenómeno teve
em paralelo com algumas reservas en- igualmente relevância nas restantes
tre os ouvintes mais velhos e, por con- bandas do concelho de Águeda. No
seguinte, mais conservadores quanto entanto, é essencial relacionar o cres-
ao reportório bandístico. No âmbito cente interesse pela música ligeira
desse estilo musical damos relevân- com a maior abertura que, progressi-
cia às séries Pop Show, de autoria do vamente, os regentes e directores das
compositor Amílcar Morais. Segundo filarmónicas mostraram face a este gé-
Paulo Lameiro, essas selecções mu- nero musical.
sicais “em muito contribuíram para o Segundo expôs Humberto Biu
renovado interesse que as bandas fi- no Colóquio Sobre Música Popular
larmónicas despertaram nas gerações Portuguesa, realizado em 1979, “nos
mais novas e para a significativa mu- últimos anos tem-se verificado por
dança de reportório que no final do parte da juventude um crescente de
século XX se estava a processar”17. interesse pela música conduzindo ao
florescimento das bandas de música,
“Práticas musicais locais: alguns indicadores
preliminares”, in OBS, n.º 4, Lisboa, Observató- 1º volume (A-C) (Lisboa: Círculo de Leitores,
rio das Actividades Culturais, 1998, 3. 2010), 112.
17
Paulo Lameiro, “Banda Filarmónica ‒ 6. Re- 18
Amílcar Morais, “Entrevista”, in Eurídice: Re-
portório”, in Salwa Castelo-Branco (ed,), Enci- vista da Banda Sinfónica do Exército, Queluz,
clopédia da Música em Portugal no século XX, Exército Português, 2008, 33.

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algumas das quais, sem esse interesse, de vista destes autores é que, apesar
a breve prazo se extinguiriam”19. Na da subsistência das dificuldades finan-
sua tese de licenciatura, realizada no ceiras e materiais, no início dos anos
ano de 1985, Regina Gomes também oitenta estava a ser progressivamente
destacou o crescente interesse da ju- ultrapassada uma das maiores dificul-
ventude pelas bandas de música: “Ac- dades das filarmónicas nas décadas
tualmente há em todo o país cerca de antecedentes —o défice de recursos
650 bandas activas e nos últimos 10 humanos. Concretamente nas bandas
anos tem havido um rejuvenescimento civis do concelho de Águeda, todos
e um recrudescimento da actividade os entrevistados paralelamente a
das bandas”20. Biu referiu ainda que outros dados, designadamente, as fo-
“(…) apesar do nenhum incentivo, da tografias disponíveis confirmam que
falta de condições propícias, da ausên- as respectivas filarmónicas aumenta-
cia de estruturas, da precariedade de ram progressivamente o seu quadro de
instrução específica, jovens dos mais executantes após o advento da demo-
humildes estratos continuam a substi- cracia, sobretudo, na década de 198023.
tuir-se aos mais velhos nos bancos das Vejamos o caso concreto da Nova:
escolas de música das filarmónicas “em 1976 já o número de executantes
(…)”21, enquanto Silva Dionísio rela- da Banda Nova ascendia a quarenta
tou, em 1984, num outro colóquio: “a e notava-se um afluxo de aprendizes,
maior dificuldade das bandas reside na como nunca antes se verificara (…)”24.
carência de instrumentos para as suas Após a Revolução Democrática de
escolas motivada, na maior parte das 1974 iniciou-se um processo de eman-
vezes, por um bem-vindo surto de in- cipação progressiva da mulher na so-
teresse da juventude em todo o nosso ciedade portuguesa e, consequente-
território”.22 Essencialmente, o ponto mente, uma maior participação desta
nas mais diversas actividades profis-
19
Humberto Biu, “A valorização das bandas de sionais, sociais e lúdicas, incluindo
música”, in Colóquio sobre música popular por- nas bandas civis. Sobre este fenómeno
tuguesa – comunicações e conclusões (1979), vejamos o que escreveram Santana
Lisboa, INATEL, 1984, 93.
e Ramos na década de oitenta: “(…)
20
Regina Ferreira Gomes, As bandas filarmóni-
interessante notar também a crescente
cas como expressão, 32.
Humberto Biu, “A valorização das bandas de
21

música”, 146. 23
Entrevista a Rosa, Moreto, Lemos, Ferreira,
22
Dionísio, “Actividades dos centros de recupe- Jesus, Fernandes, Lopes, Pepino, Ana, Silva e
ração de instrumentos musicais”, in 1º colóquio Neves, 2014.
nacional de música, comissão permanente do dia 24
AA.VV., Associação Cultural e Recreativa
mundial da música (Abrantes: Câmara Municipal Banda Nova de Fermentelos, Águeda, ed. Banda
de Abrantes, 1984), 132. Nova de Fermentelos, 2001, 23.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

feminização, por parte da camada jo- de música da banda28. Porém, somente


vem, que se vem verificando nos últi- em 1976 ingressou o primeiro elemen-
mos anos”25. Em 1993, António Gon- to feminino na Banda Nova, caso iné-
çalves também destacou a participação dito nas filarmónicas do concelho até
das mulheres nas escolas de música, e à época29. A admissão de componen-
respectivas filarmónicas, no âmbito da tes femininos nas filarmónicas, cuja
revitalização que estas iniciaram na constituição com o tempo passou a
década de setenta: “Mas é na década ser maioritariamente feminina, foi um
de 1970 que as bandas sofreram, em fenómeno determinante para colmatar
nosso entender, a maior transformação um dos maiores problemas das ban-
de toda a sua existência; (…) criaram das no terceiro quartel do século XX
escolas de música para ambos os se- —o défice de recursos humanos—. O
xos”26. Em Águeda, todos os entrevis- ingresso de elementos do sexo femi-
tados confirmam que o ingresso das nino nas filarmónicas alterou-as so-
primeiras mulheres nas respectivas cialmente, designadamente, ao nível
bandas ocorreu em finais da década das alterações de comportamento dos
de setenta ou no decorrer no decénio homens e até mesmo a nível logístico
seguinte27. Especificamente na Banda devido, por exemplo, à necessidade de
Nova, na expectativa de solucionar o fardamento diferenciado. Em termos
problema da escassez de aprendizes na comportamentais, na presença de ele-
escola de música, em 1971, os seus res- mentos femininos os homens passa-
ponsáveis incentivaram o ingresso de ram a banir a linguagem calão, bem
aprendizes do sexo feminino na escola como a evitar certos comportamentos
reprováveis socialmente. Todavia,
25
Vera Santana e Margarida Ramos, As bandas,
pese embora a importância decisiva
Trabalho manuscrito para a cadeira de Cultura
Portuguesa I, Universidade Nova de Lisboa, não 28
A.N.T.T., SNI, Cx. 5672, Inquérito da SEIT,
publicado, [s.d.], 20. 1971.
26
António Gonçalves, “Bandas Filarmónicas”, in 29
AA.VV, Associação Cultural e Recreativa
Actas do Congresso Nacional das Colectividades Banda Nova de Fermentelos, 22.
de Cultura, Recreio e Desporto (Almada, 1993, A Nova foi a segunda banda do distrito de Aveiro
111). a possuir raparigas na sua escola de música. A
27
Entrevistas a Rosa, Moreto, Lemos, Ferreira, primeira foi a de Alvarenga, pelo mesmo motivo:
Monteiro, Fernandes, Lopes, Pepino, Ana, Silva a fuga de rapazes para o estrangeiro ou a sua mo-
e Neves, 2014. bilização para o Ultramar Cf. Armor Mota, Fer-
Numa monografia sobre a Castanheirense é es- mentelos – Artes e costumes, Fermentelos, Junta
pecificado que o primeiro elemento feminino do de Freguesia de Fermentelos, 2012, 53.
agrupamento – Ana Paula Ferreira – ingressou Todos os entrevistados confirmam a ausência de
na banda em 1980. Cf. António Ferreira, Ban- mulheres nas bandas aguedenses, e respectivas
da Castanheirense - I Centenário (1896-1996) escolas de música, ao longo do terceiro quartel
(Águeda: Soberania Editora S.A., 1996), 6. do século XX.

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Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

que o ingresso de mulheres nas bandas 1984, “assiste-se actualmente a um re-


civis teve em termos sociais e com- vivalismo musical no que respeita ao
portamentais, o seu grande contribu- interesse manifestado na participação
to deu-se na vertente artística. Face em bandas e filarmónicas, que nem os
ao défice de elementos masculinos, múltiplos problemas existentes conse-
as mulheres colmataram progressiva- guem fazer esmorecer”31. Por sua vez,
mente as lacunas existentes em vários no mesmo ano Alberto Ramos, da Fe-
naipes e, a médio prazo, tornaram-se deração Portuguesa das Colectividades
no sexo predominante em muitos des- de Cultura e Recreio (FPCCR), recla-
tes grupos musicais, sobretudo nas re- mou um maior apoio oficial face à ele-
giões centro e sul do país. Outro dado vada oferta de recursos humanos exis-
digno de referência em relação aos tente: “Material humano não falta. O
recursos humanos das filarmónicas foi que é preciso é o apoio oficial mínimo
a faixa etária média dos executantes, para realizarmos esta aspiração que não
nitidamente inferior face ao período é mais que o desejo de aumentar a cul-
antecessor, uma consequência do já tura musical dos portugueses (…)”32.
referido maior interesse dos jovens É essencial realçar que o panorama
pelas filarmónicas. Segundo um pe- filarmónico português não foi de
riódico da época, “genericamente 25 forma alguma homogéneo, diferindo
por cento estão acima dos 50 anos e os de região para região e de localidade
restantes abaixo dos 23/24 anos. Estes para localidade. Neste sentido, a revi-
últimos, sintomaticamente, são de am- talização das bandas civis que se ve-
bos os sexos30. rificou na generalidade do país após
Porém, não deixa de ser curioso a revolução democrática, particular-
que, contrariamente à disponibilidade mente no município de Águeda, não
de recursos humanos que aumentou foi transversal a todas as localidades,
de forma progressiva após o derrube designadamente, em Lisboa. Em Maio
do Estado Novo— , os problemas glo- de 1986, o presidente da Sociedade Fi-
bais das bandas civis permaneceram, larmónica União e Capricho Olivalen-
sobretudo os relacionados com a com-
ponente financeira e material, pelo
menos até meados da década de 1980, 31
Neves Dias, “No curso de regentes do INA-
numa fase de maior estabilidade polí- TEL: bandas e filarmónicas lutam pela sobrevi-
vência”, Diário de Noticias, Lisboa, Ano 120, nº
tica, social e económica, que coincidiu 42274, 12-12-84, 22.
com a entrada de Portugal na CEE. 32
Alberto Ramos, “A influência das colectivida-
Como referiu Neves Dias, ainda em des populares no ensino da música”, in 1º coló-
quio nacional de música ‒ comissão permanente
do dia mundial da música, Abrantes, Câmara
30
Diário de notícias, 26-11-1983, 8. Municipal de Abrantes, 1984, 91.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

se referiu que a filarmónica desta so- aqueles agrupamentos musicais: “Pela


ciedade era a única existente na cidade sua missão educativa quer em concer-
de Lisboa33, enquanto no início do sé- to quer em ensaio e, ainda, pelo que
culo XX temos conhecimento de deze- elas [filarmónicas] representam so-
nas destes agrupamentos na capital. cialmente, impõe-se a premente obri-
gação moral de as amparar até que se
Condição financeira e oficialização processe uma natural evolução no sen-
tido ideal”35.
Após ultrapassada a questão da di- Não obstante a promulgação da le-
ficuldade de recrutamento de meios gislação fundamental que deu corpo e
humanos, tão evidente nas décadas expressão legal à construção do poder
anteriores à revolução de Abril, as ne- local democrático, os problemas fi-
cessidades materiais e financeiras das nanceiros das autarquias mantiveram-
filarmónicas continuaram a influen- se durante mais de uma década após
ciar a sua actividade, de forma mais a Revolução porque o Estado Central
significativa até meados da década de não teve capacidade financeira para
oitenta, coincidente com a entrada de transferir para os municípios as verbas
Portugal na CEE e com a estabilização acordadas. Não esqueçamos que esse
social e política do país. A manu- período foi particularmente contur-
tenção dessas dificuldades ameaçou o bado para o país em termos políticos,
processo de florescimento bandístico sociais e económicos, levando o Go-
em curso: “Estamos agora numa al- verno a recorrer duas vezes a emprés-
vorada prometedora mas até um certo timos do Fundo Monetário Internacio-
ponto condicionada quanto aos meios nal. No decénio seguinte à revolução
financeiros”34. Simultaneamente, fo- de Abril as prioridades dos diferentes
ram feitos apelos e recomendações governos foram sobretudo ao nível de
para a necessidade de o Estado, par- infra-estruturas — urbanização e er-
ticularmente os órgãos do Poder Lo- radicação de barracas, construção de
cal, apoiar material e financeiramente estradas, electrificação ou saneamento
— e não da cultura ou do associativis-
33
Museu da Música Portuguesa – Casa Verdades mo. Apesar de estas questões serem
de Faria, Espólio Particular de Fernando Lopes frequentemente discutidas, na prática,
Graça, Caixa S1, Código 013, Carta do presiden- não havia dinheiro para as subsidiar.
te da Sociedade Filarmónica União e Capricho
Por isso, os organismos do poder cen-
Olivalense para Fernando Lopes Graça, Maio
de 1986.
34
Fundo Documental da Banda Sinfónica da
GNR, Espólio Silva Dionísio, Envelope BF2, As 35
Fundo Documental da Banda Sinfónica da
filarmónicas e os seus problemas, palestra a con- GNR, Espólio Silva Dionísio, Envelope BF2,
vite de Manuel Furtado, 1. Silva Dionísio, Relatório, Lisboa, 15-06-1973.

65
Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

tral, designadamente a Secretaria de passaram a apoiar grupos musicais,


Estado da Cultura (SEC), continuaram bandas e escolas de música37. Igual-
a atribuir apoio material e financeiro a mente, António Gonçalves destaca a
colectividades, embora o Director-ge- relevância dos municípios nesse âm-
ral de Acção Cultural defendesse que bito: “Mas é na década de 1970 que
essa missão competia às autarquias as bandas sofreram, em nosso enten-
porque, além de uma maior afinidade der, a maior transformação de toda
e proximidade acerca do funciona- a sua existência; apoio dado por um
mento das bandas, não era possível o número apreciável de autarquias que
poder central conhecer a realidade de funcionam como um balão de oxigé-
mais de 650 filarmónicas de todo o nio”38. No caso específico de Águeda,
país. Em simultâneo, esse director ad- temos conhecimento que o município
mite ter consciência das dificuldades atribuiu, a partir de 1970, um subsí-
das autarquias e da preponderância da dio anual de 5000$00 a cada uma das
continuidade dos apoios por parte do cinco filarmónicas do concelho, após
poder central. Perante a impossibili- muita persistência do presidente da
dade de apoiar todas as filarmónicas Banda Marcial39. Todavia, como vere-
em simultâneo, a SEC decidiu dividir mos mais à frente, os apoios monetá-
o país em áreas geográficas de apoio rios e materiais deste município foram
e atribuir subsídios periódicos a um especialmente valiosos para as bandas
nível quadrienal. No ano de 1977 atri- somente a partir de finais da década
buiu 2690 contos; em 1978, 11440; de 1980, quando foi levado avante um
em 1979, 3500; em 1980, 5480; em projecto de renovação instrumental
1981, 8510 e, em 1982, 4230.36 nas filarmónicas do concelho.
A maior autonomia, designada- A adesão de Portugal à CEE em
mente financeira, obtida pelas institui- meados da década de oitenta e o res-
ções do poder local alguns anos após pectivo acesso aos seus fundos estru-
a revolução de 1974, particularmente turais, particularmente de programas
os municípios, foi um factor deter- de desenvolvimento, foi igualmente
minante em termos de apoio às filar-
mónicas, pois foram estes organismos,
na maioria dos casos, os seus princi- 37
Mário Vieira de Carvalho, Do surto inicial à
pais financiadores. Como refere Mário frustração do presente, 353.
Vieira de Carvalho “a consolidação do 38
Gonçalves, “Bandas Filarmónicas”, p. 111.
poder local em moldes democráticos 39
A.N.T.T., SNI, Cx. 5672, Inquérito da SEIT,
repercutiu-se numa maior valorização 1971.
Para evitar repetições maçudas as filarmónicas
da missão cultural das autarquias, que aguedenses serão designadas, por ordem de an-
tiguidade, Marcial, Castanheirense, Alvarense,
36
Diário de notícias, 26-11-1983, 8. Nova e 12 de Abril.

66
Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

relevante para a actividade das filar- bandas de Fermentelos (Águeda), por


mónicas, uma vez que as instituições exemplo, foram determinantes para a
nacionais, incluindo do poder local, edificação das novas sedes e compra
foram contempladas com verbas sig- de instrumentos musicais. Porém, não
nificativas para investir em projectos obstante a preponderância destas no-
de desenvolvimento local, alguns dos vas receitas, a principal fonte de rendi-
quais relacionados com a actividade mentos das filarmónicas durante o re-
associativa e musical em particular. gime ditatorial manteve-se após 25 de
Nesse âmbito, deve ser mencionada a Abril de 1974 —os valores provenien-
criação de diversas escolas profissio- tes da realização de serviços religio-
nais de música, em finais da década de sos ou de eventos tauromáquicos—.
oitenta, precisamente com o apoio de Quanto aos encargos das filarmónicas,
verbas europeias. Essas escolas contri- permanentes ou ocasionais, perma-
buíram significativamente para o au- neceram idênticos aos dos decénios
mento do nível artístico das filarmóni- antecedentes: honorários do regente,
cas, visto que foram frequentadas por despesas com fardamentos, transpor-
inúmeros músicos de lá provenientes, tes, arquivo, electricidade, licenças40,
que continuaram a dar o seu contribu- compra e conservação de instrumen-
to na respectiva filarmónica como ins- tos musicais, pagamento aos músicos
trumentista, formador ou maestro. e conservação da sala de ensaio.
Em paralelo com os apoios públicos Pese embora as múltiplas mutações
merecem destaque alguns empresários verificadas após a revolução democrá-
mecenas que apoiaram financeira e tica, no último quartel do século XX
materialmente diversas associações não houve um corte com a tipologia de
das respectivas localidades, incluindo actividades performativas realizadas
bandas civis, muitas vezes como for- pelas bandas civis, isto é, o seu prin-
ma de demonstrar poder económico e cipal mercado continuou a ser a parti-
garantir respeito social. Este fenóme- cipação em festas religiosas, no norte
no foi particularmente relevante em e centro, ou as touradas nas regiões do
regiões industrializadas, das quais o sul, sobretudo no Ribatejo e no Alente-
concelho de Águeda é um caso exem- jo. A realização habitual de concertos
plar. Após a indispensável legalização isolados —frequentemente em auditó-
e integração numa associação, essas rios e fora do âmbito da festa religiosa
filarmónicas também beneficiaram de —foi um hábito que se enraizou so-
cotas pagas pelos associados e, em mente na transição para o século XXI.
localidades com uma elevada taxa de
emigração teve especial relevância
40
Incluindo a licença eclesiástica, essencial para
os donativos de emigrantes. Nas duas
a participação em serviços religiosos.

67
Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

Todavia, em 1979 Manuel Baltazar já bastante superiores, a presença nessas


apelava à presença das filarmónicas festividades dotou-as de uma maior
em auditórios, a fim de terem um consideração e estatuto artístico en-
melhor desempenho artístico: “Para a tre as congéneres nortenhas. Somente
necessária divulgação musical que as no século XXI a apresentação das fi-
bandas devem fazer, devem-se substi- larmónicas aguedenses em auditórios
tuir os antigos coretos por auditórios fechados foi prática corrente.
espaçosos, com boas condições acús- No derradeiro quarto do século XX
ticas e de disposição”. Apesar de con- inúmeras bandas internacionalizaram
siderar prejudicial do ponto de vista a sua actividade, sobretudo noutros
artístico a actuação de filarmónicas países europeus e frequentemente com
em festas religiosas, este autor consi- o apoio dos emigrantes conterrâneos.
dera tal mercado imprescindível para Um caso singular sucedeu na Banda
a estabilidade financeira das bandas: Nova de Fermentelos, em Dezembro
“as actuações em arraiais e romarias, de 1978, ao ser a primeira filarmóni-
por serem remunerados, representam ca portuguesa a apresentar-se na Ve-
uma forma de angariar fundos para as nezuela43, após uma visita a Espanha
bandas, porém, artisticamente são al- no ano anterior. Em 1981 foi realizada
tamente prejudiciais devido ao ruído a primeira actuação internacional da
e às condições inadequadas para uma Banda 12 de Abril, em Espanha, tal
apresentação musical”41. Igualmente, como a Marcial, em 1983. A primeira
o mercado habitual das filarmónicas internacionalização da Castanheirense
de Águeda foi a participação em festas deu-se somente em 2001, ao
religiosas realizadas, quase exclusiva- Luxemburgo. A possibilidade de rea-
mente, na região da Bairrada. Somente lizar essas viagens, a partir da década
no decorrer da década de 1970 e, so- de 1980, não foi alheia à maior capa-
bretudo na seguinte, elas penetraram cidade das bandas em angariar receitas
no principal mercado português de e à melhoria das condições económi-
bandas civis – as festas e arraiais da cas dos próprios emigrantes que ge-
região do Minho42. Além de receitas ralmente efectuavam os convites (por
vezes, organizavam colectividades,
sobretudo quando estavam bem inte-
41
Manuel Maria Baltazar, “Problemas das ban-
das civis e sua possível solução”, in Colóquio So-
bre Música Popular Portuguesa - Comunicações
e Conclusões (1979), Lisboa, INATEL, 1984, documento cedido por Américo Fernandes.
101-102. 43
De modo a conseguir uma apresentação con-
42
No ano de 1984, dez dos vinte e seis serviços digna, foram adquiridos novos fardamentos para
realizados pela Alvarense, foram na região norte, os músicos, bem como alguns instrumentos mu-
especialmente no Minho, Cf. Actuações em 1984, sicais.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

grados na sociedade). Outra tipologia dra-se nesta generalização: embora


de actividade comum a partir da dé- estivessem previstos nos respectivos
cada de oitenta —e que muito contri- estatutos, durante o Estado Novo os
buiu na dinamização da actividade das órgãos sociais não funcionavam, além
bandas e consequente aproximação da de não existir qualquer tipo de conta-
população— foi a participação, como bilidade ou outro tipo de organização
anfitriã ou convidada, em encontros e formal. Vejamos o que refere Adail
festivais de bandas. Além dos concer- Rosa:
tos efectuados por cada uma das ban-
das (geralmente em espaços de boas Naquela altura a direcção da banda
condições), estes eventos incluíam era composta pelos músicos. Havia
o maestro, que era a figura de topo.
um desfile pelas ruas adjacentes ao
Era uma espécie de Presidente da
local do concerto e um lanche conví- Assembleia Geral. Havia um que era
vio entre todos os músicos, maestros presidente, havia um secretário e um
e elementos directivos, um fenómeno tesoureiro. Também não havia conta-
social importante para a aproximação bilidade (…)44
e troca de experiências entre todos os
envolvidos no meio musical amador. Curiosamente, no ano de 1934,
Relativamente à estrutura das ban- quatro das bandas do concelho de
das civis, em termos de gestão e or- Águeda elaboraram os seus estatu-
ganização, antes da revolução demo- tos – a Marcial, a Castanheirense, a
crática uma parte significativa das Alvarense e a 12 de Abril. Não con-
filarmónicas das regiões norte e centro hecemos o motivo desta decisão, mas
do país estava isolada de uma colec- pode estar relacionada com pressões
tividade. Com a democracia, progres- e tentativas de controlo por parte do
sivamente, foram oficializadas e inte- regime ditatorial. A Nova concretizou
gradas em associações, uma condição os seus somente em 1978. Nenhuma
essencial para a obtenção de subsí- destas filarmónicas se integrou em
dios da parte do Poder Local, além corporações de bombeiros ou Casas
de beneficiarem de cotas pagas pelos do Povo e apenas a Nova se tornou fi-
associados. Opostamente, as bandas liada do INATEL, em 1994.
civis do sul do país desde cedo estão
maioritariamente ligadas a sociedades Instrumentos musicais e instalações
recreativas oficializadas possuidoras,
geralmente, de outras valências além A subsistência dos problemas fi-
da banda, como desportivas ou dra- nanceiros das bandas civis nos anos
matúrgicas. Nas bandas de Águeda
(região centro do país) o caso enqua- 44
Entrevista a Adail Rosa, 2014.

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Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

imediatos ao 25 de Abril de 1974 difi- blema da escassez de instrumentos nas


cultou, claramente, a necessária subs- filarmónicas (ou a qualidade deficien-
tituição e reparação dos respectivos te de muitos deles) foi parcialmente
instrumentos musicais. Humberto Biu colmatado com a opção de muitos pais
lamentou a má qualidade do equipa- em adquirir um instrumento musical
mento material das bandas civis, em para os filhos, no intento de estes al-
particular dos instrumentos musicais: cançarem um melhor desempenho ar-
tístico. Esta opção foi benéfica, não só
O equipamento das nossas bandas para as respectivas filarmónicas, mas
civis é, na generalidade, de baixa sobretudo para o próprio aprendiz o
qualidade, abundando ainda os ins-
qual, com um bom instrumento sentia
trumentos velhos, afinados em bril-
hante, não possuindo as sociedades
maior motivação para a aprendizagem
filarmónicas recursos que lhes per- musical e, por conseguinte, seria me-
mitam adquirir novos instrumentos nos tentado a desistir.
quer para substituição e melhoria Tal como na maioria das regiões
dos que possuem quer para o próprio do país, na década de 1980, as bandas
desenvolvimento das suas escolas de do concelho de Águeda renovaram os
música.45
seus instrumentais. Em 1988, numa
reunião entre o comendador António
Paralelamente, surgiu outro pro- Roque, os responsáveis camarários e
blema ao nível instrumental: além da os dirigentes das cinco filarmónicas do
qualidade deficiente, começaram a es- concelho, nasceu uma parceria que se
cassear, face ao crescente interesse de revelou decisiva para as bandas civis
crianças e jovens, de ambos os sexos, do concelho. Com o propósito de ate-
em integrar as filarmónicas, como re- nuar os problemas materiais e finan-
feriu Silva Dionísio em 1984: “Como ceiros destes agrupamentos musicais,
todos sabemos, actualmente, a maior sobretudo da Banda Castanheirense,
dificuldade das bandas reside na ca- Almeida Roque ofereceu a quantia
rência de instrumentos para as suas de 2500000$00 a esta banda, com a
escolas, motivada, na maior parte das condição de a autarquia patrocinar um
vezes, por um bem-vindo surto de in- projecto “com profundidade” exten-
teresse da juventude em todo o nosso sivo a todas as bandas do concelho,
território”46. Não obstante, no decorrer nomeadamente, a doação anual de
do último quartel do século XX o pro- 5000000$00 a cada uma das bandas
aguedenses para renovarem os ins-
45
Humberto Biu, “Bandas de música civis e ama- trumentais, aos quais se juntariam as
doras e sua valorização”, 122.
ofertas do comendador. A autarquia
46
Dionísio, “Actividades dos centros de recupe-
acedeu e no ano de 1989 foi contem-
ração de instrumentos musicais”, 132.

70
Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

plada a Banda Castanheirense (48 ins- quantidade de actividades e a exis-


trumentos); em 1991, a 12 de Abril; tência ou não de escola de música. A
em 1992, a Nova e, em 1993, a Alva- SEC cedeu os instrumentos às ban-
rense e a Marcial47. Efectivamente, a das civis em regime de comodato, ou
renovação dos instrumentais foi de- seja, os instrumentos continuavam na
terminante para o reflorescimento das sua posse, uma vez que algumas delas
filarmónicas do concelho de Águeda, cessavam ou reactivavam actividade
um ponto de vista partilhado por Ar- frequentemente. Sendo a SEC um or-
mor Mota: ganismo estatal e face às normas de
aquisição de produtos pelo Estado, os
(…) uma frutuosa parceria (comen- instrumentos cedidos às bandas eram
dador Almeida Roque / Câmara geralmente de qualidade limitada,
Municipal) que havia de resgatar do
uma situação que se estendeu a outros
perigoso marasmo, numa primeira
fase, as bandas de Casal d´Álvaro e
organismos, como o INATEL.
da Castanheira, e de catapultar, de À excepção das bandas militares
seguida, todas as bandas do concelho e de algumas civis49 somente a partir
(cinco) para uma patamar de qualida- da década de 1980 a maioria das fi-
de, nunca antes conseguido.48 larmónicas iniciou a substituição dos
instrumentos de diapasão de afinação
Em paralelo com alguns municí- brilhante (lá3=452hz) para o diapasão
pios, a SEC teve um papel preponde- normal (lá3=440hz). Não obstante,
rante na cedência de instrumentos mu- face a condicionamentos financeiros,
sicais às bandas civis, sendo essa uma em muitas a transição não foi total e
das suas principais valências. Dada imediata, mas parcial e progressiva, o
a impossibilidade de apoiar todos os que implicou uma incorrecta utilização
agrupamentos em simultâneo, este de ambas as afinações em simultâneo
organismo auxiliou anualmente as fi- durante anos, facto que influenciou
larmónicas de três distritos próximos negativamente o seu desempenho ar-
uns dos outros. No ano seguinte, eram tístico. Concretamente em Águeda, to-
patrocinados outros três. Os apoios dos os entrevistados corroboram que,
dependiam de diversos factores, como
a dimensão humana do agrupamento,
49
Tais como, as bandas de Revelhe (Fafe) e da
Trofa apud II Grande Concurso Nacional de
47
AA.VV. 2003, A música é a alma do povo – Or- Bandas de Música Civis, Programa da Final, Lis-
questra Filarmónica 12 de Abril, Águeda, Socie- boa, 1971.
dade Recreativa e Musical 12 de Abril / Orques- Estas duas bandas foram as vencedoras da pri-
tra Filarmónica de Travassô, 117. meira categoria do referido concurso e eram
48
Armor Pires Mota, Almeida Roque – Comen- consideradas, na época, as melhores bandas civis
dador do povo, Águeda, ARTIPOL, 2008, 117. portuguesas.

71
Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

nas respectivas bandas, a substituição trumentos brilhantes cedidos por ban-


dos velhos instrumentais brilhantes das que receberam instrumentos de
por outros de afinação normal sucedeu afinação normal. Dessa forma, todas
no decorrer da década de oitenta, num utilizavam um diapasão de afinação
período em que as bandas começaram uniforme. No entanto, este procedi-
a ser apoiadas material e financeira- mento não foi eficaz porque as filar-
mente de forma mais consistente. Os mónicas possuidoras maioritariamen-
mesmos entrevistados confirmam que, te instrumentos de afinação brilhante,
durante vários anos, foram utilizados não estavam dispostas a ceder os de
instrumentos de ambas as afinações, afinação normal porque sabiam que,
em simultâneo, nas bandas Castanhei- mais cedo ou mais tarde, teriam de fa-
rense, Nova e 12 de Abril50. A impos- zer a transição para a afinação normal.
sibilidade de substituir a totalidade Este procedimento de substituição do
do instrumental relaciona-se com os instrumental e uniformização do dia-
elevados preços dos instrumentos mu- pasão de afinação permitiu uma me-
sicais, aliado às dificuldades financei- lhoria substancial da qualidade artísti-
ras das bandas. Para tentar colmatar o ca das bandas e constituiu um estímulo
problema da utilização simultânea de para os músicos e um atractivo para o
instrumentos de diferentes diapasões público. Refira-se ainda que muitos
em muitas bandas, a Direcção-geral dos instrumentos inutilizados pelas
de Acção Cultural criou um sistema bandas foram cedidos aos aprendizes
de troca de instrumentos através de das respectivas escolas de música.
um banco de instrumentos, com o Para a revitalização da maioria das
objectivo de “trocar entre bandas os bandas civis foi igualmente relevante
variados instrumentos afinados em a progressiva diversificação tímbrica,
diapasões diferentes”51. Assim, para mediante a inclusão de instrumentos
as filarmónicas cujo instrumental era musicais então quase inexistentes nes-
maioritariamente de diapasão de afi- tes conjuntos devido, sobretudo, ao
nação normal, a SEC forneceu ins- seu elevado custo ou dificuldades de
trumentos novos de acordo com esse aprendizagem, nomeadamente, flau-
tipo de afinação. Para as congéneres tas, oboés, clarinetes baixo, fagotes,
de diapasão brilhante foi consumado trompas, trombones de vara, tubas e
o mesmo procedimento, com os ins- especialmente instrumentos do naipe
da percussão. Todos estes instrumen-
tos constavam habitualmente nas par-
50
Entrevistas a Adail Rosa, Moreto, Lemos, Fer- tituras originais para banda compostas
reira, Jesus, Fernandes, Lopes, Pepino, Ana, Sil-
va e Neves.
por compositores de reconhecido mé-
rito internacional, sobretudo america-
51
Diário de notícias, 26-11-1983, 8.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

nos e holandeses, que começaram a tualmente interpretadas na década de


ser divulgadas por algumas bandas na oitenta por um número considerável
década de oitenta. Este ponto de vista de bandas, é possível verificar uma
vai ao encontro do que referiu Hum- constituição instrumental semelhante
berto Biu em 1984: à seguinte: flautim, flauta, oboé,
clarinete requinta, clarinete soprano,
Ainda no quadro do apetrechamento clarinete baixo, saxofones (soprano,
haverá a considerar o seu alargamen- alto, tenor e barítono); fagote, trom-
to tímbrico, pela introdução de ins-
pete, fliscorne; trompa, trombone de
trumentos que, pela sua dificuldade
de aprendizagem e execução (ou pelo
vara, bombardino, tuba e percussão.
seu custo), não fazem habitualmen- O naipe da percussão sofreu as altera-
te parte dos conjuntos instrumen- ções mais expressivas na transição do
tais (como flautas, oboés, clarinetes terceiro para o último quartel do sécu-
baixo e alto, trompas de harmonia e lo XX: até à década de 1970 era limi-
outros), a fim que possam correspon- tado a três instrumentos (caixa, bombo
der mais adequadamente às solici-
e pratos) e designado comummente de
tações das obras que executam.52
“pancadaria”; a partir do decénio se-
guinte foram incluídos dois ou três
A par de uma formação de regen-
tímpanos e bateria de jazz, além de inú-
tes mais sólida e da reestruturação
meros acessórios de menores dimen-
nas escolas de música, André Granjo
sões, como lira, castanholas, gongo,
considera que o reportório solicitado
triângulo, timbalões, claves, maracas,
nas partituras desses compositores in-
pandeiro, jogo de sinos, pandeireta,
fluenciou a estabilização de um padrão
caixa chinesa, entre outros. Consoan-
ao nível da constituição instrumental
te o reportório, algumas bandas civis
das bandas em Portugal: “a adopção
integraram instrumentos eléctricos
crescente de reportório proveniente de
ou electrónicos. Esta modificação de
editoras estrangeiras, especialmente
paradigma no naipe da percussão foi
holandesas e americanas, contribuiu
essencial para a possibilidade de in-
para a progressiva adopção de mode-
terpretação de um estilo musical em
los instrumentais vulgares em outros
voga a partir da década de 1980 e que
países”53. Em várias partituras, habi-
contribuiu para a aproximação dos
jovens às filarmónicas —a música
52
Humberto Biu, “Bandas de música civis e ama- baseada em temas anglo-saxónicos e
doras e sua valorização”, 122. latino-americanos— a qual exigia um
53
André Granjo, “Banda Filarmónica - 2. Cons- naipe de percussão mais amplo, parti-
tituição instrumental”, in Salwa Castelo-Branco
(ed,), Enciclopédia da Música em Portugal no
século XX, 1º volume (A-C) Lisboa, Círculo de Leitores, 2010, 109.

73
Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

cularmente a integração da bateria de incluindo ao nível da mão-de-obra. À


jazz. É digno de realce o hiato de qua- excepção da Banda Castanheirense,
se um século entre o alargamento ins- que edificou a sua sede em 1974, e da
trumental do naipe da percussão das Alvarense, que somente em 2013 teve
bandas civis e o do mesmo naipe na um espaço de qualidade para se insta-
orquestra sinfónica, ampliado consi- lar, foi na década seguinte à revolução
deravelmente cerca de cem anos antes. de Abril que as congéneres iniciaram
A possibilidade de edificação de a construção de sedes com condições
novas sedes para as colectividades, dignas e adaptadas às exigências de
sobretudo a partir dos anos oitenta, uma colectividade com banda de mú-
está directamente relacionada com a sica. No caso concreto da Marcial,
existência de um poder local dotado em 1979 um grupo de emigrantes na
de uma autonomia financeira e dis- Venezuela, liderado por Adaíl Rosa,
ponível para ajudar, financeira e ma- doou cerca de 1500000$00 para a
terialmente, as bandas civis sediadas construção da sua nova sede54. Na
nos seus limites territoriais. Este fenó- Nova, igualmente, parte das receitas
meno da construção de novos edifícios para a construção da nova sede (uti-
/ sedes contribuiu para a aproximação lizada a partir de 1978) foi angariada
da filarmónica aos associados e sim- junto dos emigrantes fermentelenses
patizantes, sendo estes frequentemen- numa digressão à Venezuela, em 1978,
te os responsáveis pela angariação de além de um subsídio concedido pelo
receitas, incluindo de contratos para município55 e outro pelo comendador
serviços religiosos. Contrariamente António Soares de Almeida Roque56.
às sedes antigas, as novas foram edi- Entre os anos de 1980 e 1982 foi edi-
ficadas com outras valências além da ficado um moderno edifício para a
sala de ensaio da banda, tais como, sa- Banda 12 de Abril, através dos apoios
las individuais de estudo, instalações do município de Águeda e do comen-
sanitárias e salão de festas. Frequen- dador Almeida Roque, bem como da
temente, foram construídas secções contribuição da mão-de-obra dos mú-
de restauração, nomeadamente bares, sicos57.
que, não só funcionavam como uma
fonte de rendimentos extra, como ser- 54
Alfredo Barbosa, A Rambóia, 50-52.
viam de ponto de encontro e convívio 55
Artur Vidal, Fermentelos, 169.
entre músicos e associados. Nas filar- 56
Armor Mota, Fermentelos – Artes e costumes,
mónicas aguedenses, paralelamente 54.
aos subsídios camarários, os apoios 57
Nas décadas antecedentes as sedes das bandas
dos sócios e simpatizantes —sobre- civis, particularmente as do concelho de Águe-
da, eram frequentemente edifícios emprestados
tudo emigrantes— foram decisivos,
ou alugados, com dimensões reduzidas e sem o

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

Formação musical dos músicos Parte dos formadores das filarmónicas


adquiriu formação em conservatórios,
A formação musical dos elemen- academias e escolas superiores de
tos de uma banda, instrumentistas e música, um fenómeno positivo para
maestro, é essencial para o seu desen- a qualidade do ensino proporcionado
volvimento artístico pois, entre outros nas bandas civis e, consequentemen-
obstáculos, as limitações técnicas dos te, para a respectiva banda. Outras
executantes condicionam as opções de cambiantes foram: a estipulação, pelo
reportórios. Portanto, a partir da déca- menos em algumas colectividades, do
da de 1980, o ensino musical propor- pagamento de uma mensalidade pela
cionado em algumas bandas civis alte- frequência das aulas de música, em-
rou-se de forma significativa ao nível bora fosse frequentemente simbólica
da organização pedagógica, das práti- ou pouco significativa; a aquisição ou
cas de ensino ou em relação à quali- melhoria de infra-estruturas destina-
dade e especialização dos formadores. das ao ensino musical, nomeadamen-
Maria João Vasconcelos fala de uma te, salas de aula devidamente apetre-
posterior tentativa de imitação dos chadas com o material necessário e
conservatórios: “A partir da década instrumentos musicais; e a admissão
de 80, o sistema de ensino praticado de aprendizes do sexo feminino, de-
em algumas bandas passa por um pro- fendida por Silva Dionísio em 1975:
cesso de transformação, podendo mais “pôr em funcionamento nas respecti-
recentemente observar-se uma tenta- vas sedes, escolas de música para jo-
tiva de imitação do modelo adoptado vens de ambos os sexos”.59
pelos conservatórios de música”58. O melhoramento na qualidade do
ensino musical foi um fenómeno de-
cisivo para a permanência de muitos
mínimo de condições de trabalho. Além da sala
de ensaio, não possuíam quaisquer valências aprendizes, por oposição ao elevado
que funcionassem como atractivos, não só para número de desistências ocorrido em
os músicos, como para os familiares e simpa- décadas anteriores. Paralelamente
tizantes. Esta foi uma das várias razões para o
alheamento de muitos jovens às filarmónicas,
emergiu, segundo Vasconcelos, a preo-
geralmente constituídas por elementos de idade
avançada. No caso concreto da Nova, as anterio-
res instalações “eram insuficientes (…), acanha- ca nas bandas filarmónicas em Portugal. Trans-
das, compostas apenas de uma pequena sala de formar para existir”, in Revista da Associação
ensaios sem comodidade, condições acústicas ou Portuguesa da Educação Musical, nº 118 e 119,
instalações sanitárias, o que não constituía incen- 2004, 44.
tivo para aprendizes e músicos”. Cf. AA.VV, As- 59
Fundo Documental da Banda Sinfónica da
sociação Cultural e Recreativa Banda Nova de GNR, Espólio Silva Dionísio, Envelope BF1,
Fermentelos, 23. Silva Dionísio, Estudo sobre as bandas do con-
58
Maria João Vasconcelos, “O ensino da músi- celho de Cascais”, Lisboa, Janeiro de 1975.

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Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

cupação de oferecer ao aprendiz um mento e assiduidade, nomeadamente


ensino mais especializado, na medida nas bandas Alvarense, Nova e 12 de
em que se tentava distribuir os moni- Abril61. Efectivamente, a criação ou
tores por instrumentos, ou famílias de remodelação de escolas de música no
instrumentos, de acordo com as suas seio das colectividades (que progressi-
formações instrumentais. Esta autora vamente admitiram raparigas) foi um
também refere a criação de bandas e factor determinante para o progressi-
orquestras juvenis a fim de integrar o vo reflorescimento das filarmónicas
aprendiz na prática instrumental em em Portugal, no derradeiro quarto da
conjunto60. Dessa forma, cada forma- centúria vigésima.
dor leccionava o seu próprio instru- Até à década de 1970, as funções
mento ou, quando tal não era possível de regência foram confinadas maio-
geralmente face a constrangimentos ritariamente a regentes amadores de
financeiros, assumiam a responsabili- idade avançada, a maioria sem habi-
dade de colaborar no ensinamento de litações musicais e pedagógicas para
outros instrumentos. O mais comum trabalhar com músicos amadores, in-
era um formador ser responsável pelos cluindo aprendizes de escolas de músi-
instrumentos da família das madeiras, ca. O progressivo aumento do número
outro pelos metais e um terceiro pelo de músicos com formação académica
naipe da percussão. Quanto ao fenó- na área da música levou as bandas a
meno das bandas juvenis, apesar de apostarem, a partir das décadas de oi-
termos conhecimento da organização tenta e noventa, na contratação de jo-
deste tipo de agrupamentos nas pri- vens maestros com formação superior
meiras décadas do século XX foi, de nessa área, alguns dos quais músicos
facto, no último quartel desse século militares. Concretamente nas bandas
que se disseminou o hábito de as or- de Águeda, no terceiro quartel do sé-
ganizar, integradas nas filarmónicas culo XX quase todos os regentes eram
e vistas como uma preparação para a amadores, antigos intérpretes e de ida-
integração na banda sénior. de avançada. A Nova foi a primeira
Nas escolas de música das filar- filarmónica do concelho, em 1967, a
mónicas de Águeda, o comendador possuir um músico profissional como
Almeida Roque teve um papel valio- regente62. Este maestro, cuja juventu-
so ao atribuir subsídios, estimular e
patrocinar prémios de incentivo aos
aprendizes com melhor aproveita- Armor Mota, Almeida Roque – Comendador do
61

povo, 120 e ss.


62
António Neves: militar da Banda de Música da
60
Maria João Vasconcelos, “O ensino da música Força Aérea, a partir de 1968 e aluno do Conser-
nas bandas filarmónicas em Portugal” 46. vatório de Música de Aveiro.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

de atraiu aprendizes, foi decisivo para lhoria das bandas civis passava pela
o futuro da banda e promoveu uma formação apropriada dos regentes
série de “alterações e inovações ao amadores através de cursos descen-
nível da estrutura e funcionamento da tralizados, complementares aos que
banda, solidificando-lhe o futuro”63. o INATEL organizava anualmente.65
Nesse ano, os regentes das restantes Distintas personalidades, provenientes
bandas eram amadores de idade avan- de múltiplos organismos, partilharam
çada e somente na década de 1980 fo- este ponto de vista, o que levou à mul-
ram contratados jovens músicos para tiplicação da oferta de formação ao
as reger, alguns deles profissionais e nível da regência de bandas um pou-
outros com formação em conserva- co por todo o país, maioritariamente
tórios, o que ajudou a elevar o nível da responsabilidade do INATEL, da
artístico daqueles agrupamentos. A SEC, da FCG e da APEM. A partir de
Marcial contratou Silas Granjo64, em 1972, a FNAT / INATEL promoveu
1980; a Castanheirense, Gil Miranda, anualmente o “Curso de aperfeiçoa-
em 1988; a Alvarense, Juvenal Mar- mento de regentes amadores de ban-
ques, em 1983; e a 12 de Abril, João das civis”, onde regentes amadores,
Neves, em 1980, que em 1986 transi- durante cerca de um mês, absorveram
tou para a Nova. ensinamentos ligados à teoria geral da
Numa época em que os instrumen- música, à instrumentação e à harmo-
tistas foram estimulados a frequenta- nia. Segundo Neves Dias, até ao ano
rem escolas de música oficiais, mui- de 1981 frequentaram estes cursos
tos com perspectivas de uma carreira mais de 150 regentes – cerca de um
musical a nível profissional, uma parte quarto dos existentes no país – muitos
significativa dos regentes manteve-se deles jovens e autodidactas. Pelo me-
estagnada na reciclagem de conheci- nos no ano de 1981, este evento con-
mentos musicais, sobretudo no campo tou com o apoio da Junta Central de
da regência. Diferentes personalida- Casas do Povo, que premiou os alunos
des pressionaram-nos a apostar na for- mais qualificados e “aqueles que mais
mação e apelaram à sua substituição, contribuíram para uma evolução mu-
por outros mais capazes. Em 1984, sical no seio das suas bandas”.66 Esses
Humberto Biu considerou que a me-
65
Humberto Biu. “Bandas de música civis e
63
AA.VV, Associação Cultural e Recreativa amadoras e sua valorização”, in 1º Colóquio Na-
Banda Nova de Fermentelos, 19. cional de Música, Comissão Permanente do Dia
64
Em 1980 Silas Granjo introduziu uma selecção Mundial da Música, Abrantes, CM de Abrantes,
dos Beatles, Jesus Christ Superstar e Pop Show 1984, 123.
de Amílcar Morais, Cf. Barbosa, A Rambóia, p. 66
Neves Dias, “No curso de regentes do INA-
155. TEL: bandas e filarmónicas lutam pela sobrevi-

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Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

cursos contribuíram para uma maior subsequentes a FCG colaborou com


consciencialização, por parte dos outros organismos na organização de
formandos, do papel que lhes cabia cursos de regência destinados a maes-
nas regiões onde exerciam a activida- tros de bandas civis em várias locali-
de musical. Daí foram criadas ou de- dades do país, além de ter subsidiado
senvolvidas progressivamente escolas a Associação Portuguesa de Educação
de música junto das respectivas filar- Musical para organizar este tipo de
mónicas, as quais supriam as carências formação. A Junta de Turismo da Cos-
que se verificavam no ensino musical. ta do Sol, com a colaboração da Se-
A partir de 1980, o INATEL organizou cretaria de Estado da Cultura, da Di-
igualmente cursos intensivos para re- recção-Geral do Turismo, do INATEL
gentes de coros, a fim de responder à e da FCG, também foi responsável
expansão do movimento coral de en- por cursos de regência: entre Março
tão, uma consequência da criação de e Abril de 1980, organizou um curso
escolas de música no seio das bandas de Regência de Banda, orientado por
civis, as quais frequentemente organi- Silva Dionísio e integrado nos “XVIII
zavam grupos corais. Esses cursos fo- Cursos Internacionais de Música da
ram organizados em colaboração com Costa do Estoril”.
a Junta Central das Casas do Povo, Finalmente, em colaboração com
um organismo que integrava bastantes outros organismos, a APEM organi-
coros67. Desde os finais da década de zou anualmente cursos de aperfei-
setenta e ao longo do decénio seguin- çoamento para regentes de bandas de
te, a SEC também organizou cursos de música em diferentes regiões do país,
regência ou estágios, em determinadas “no intuito de contribuir para a eleva-
épocas do ano (Páscoa, Natal, Verão) ção do nível artístico destas prestantes
nas instalações das próprias bandas. instituições de cultura musical”. A pri-
Habitualmente, Silva Dionísio era o meira edição desse curso se realizou
responsável pelo curso de regência no ano de 1978, designadamente, no
e trabalhava em paralelo com outros Funchal, em Famalicão, em Mafra e
formadores incumbidos da formação em Tomar. Além das aulas práticas,
nos diferentes instrumentos musicais. para as quais era disponibilizada uma
Além de dois cursos organizados no filarmónica, os formandos obtinham
início dos anos sessenta, nas décadas formação ao nível da leitura de parti-
turas, teoria geral da música e instru-
vência”, Diário de Noticias, Lisboa, Ano 120, nº mentação. Habitualmente, eram admi-
42274, 12-12-84, 22. tidos dez regentes em cada curso e os
67
Silva Dionísio, Plano de Actividades Musicais, melhores classificados tinham a opor-
Lisboa, Departamento de Actividades Culturais tunidade de dirigir a filarmónica num
do INATEL, 1980, 2-3.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

concerto realizado no final do curso.68 reflorescimento das filarmónicas. Uma


Além dos cursos de regência de ban- explicação possível para a dissemina-
da, esta associação promoveu cursos ção desses estabelecimentos de ensino
de regência coral e orquestral, alguns reside na maior consciencialização do
frequentados por regentes de bandas. papel da educação e cultura promovida
Em 1983, por exemplo, José Araújo em democracia, bem como nas
Pereira (maestro nas bandas da Arma- melhores condições socioeconómicas
da e 12 de Abril) frequentou o 1º Curso da população. Muitos desses alunos
de Regência de Orquestra, promovido profissionalizaram-se no campo da
pela APEM, patrocinado pelo Conse- música e, posteriormente, colabora-
lho de Música da Alemanha Federal e ram na formação musical de jovens
leccionado pelo maestro Hans Herbert nas escolas de música das respectivas
Joris. A nível local foram igualmente bandas influenciando, consequente-
organizados cursos de regência, como mente, a qualidade das filarmónicas.
no Centro Cultural e Regional de San- Num testemunho, Luís Cardoso con-
tarém que, a partir de 1983, promoveu sidera a maior formação musical dos
anualmente o Encontro de Directores instrumentistas um factor chave para
e Regentes de Bandas do Distrito de a evolução qualitativa das bandas: “A
Santarém. qualidade das bandas é muito melhor
A difusão de conservatórios, aca- devido à formação musical. (…) Es-
demias, escolas profissionais e escolas tes [os músicos] evoluíram graças às
superiores de música contribuiu para saídas formativas que lhes são propor-
a evolução artística de alguns músicos cionadas nas escolas de música, nos
de bandas e, consequentemente, para o conservatórios, em institutos e uni-
versidades (…)”69. Embora os conser-
vatórios de Lisboa e do Porto tenham
68
Fundo Documental da Banda Sinfónica da sido fundados em 1834 e 1917, res-
GNR, Espólio Silva Dionísio, Envelope BF2,
Curso de aperfeiçoamento para regentes de ban- pectivamente, a maioria dos restantes
das de música, panfleto, 1978. conservatórios, academias e escolas
Por volta de 1982, num dos cursos organizados profissionais e superiores de música
em parceria com a APEM, a presidente Madale-
na Perdigão sugeriu a Silva Dionísio para con-
foram criados no derradeiro terço do
vencer o seu amigo Joly Braga Santos (um dos século XX. Constatamos que a dis-
principais compositores portugueses do século seminação de estabelecimentos ofi-
XX) a colaborar nesses cursos, compondo uma ciais de ensino musical coincide com
obra específica para banda de música a fim de
ser trabalhada pelos participantes do curso, Cf. o florescimento de inúmeras bandas,
Fundo Documental da Banda Sinfónica da GNR,
Espólio Silva Dionísio, Envelope CR8, Maria
Madalena Perdigão, Carta para Silva Dionísio, 69
Testemunho de Luís Cardoso in Barbosa, A
Lisboa, [s.d.]. Rambóia, 163.

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o que nos leva a crer que houve, de e levadas a cabo diversas iniciativas,
facto, uma ligação entre ambos fenó- sobretudo na região da Grande Lisboa,
menos. Particularmente nas bandas do a fim de estimular o gosto pela apren-
município de Águeda, temos conheci- dizagem musical e o aperfeiçoamento
mento da frequência massiva de ins- artístico de crianças e jovens das esco-
trumentistas e maestros no Conserva- las de música de filarmónicas. Nesse
tório de Música de Aveiro, somente no âmbito, a Junta de Turismo da Costa
decorrer do último quarto da centúria do Sol teve um papel valioso ao incen-
vigésima. António Silva considera que tivar a criação da Escola de Iniciação
a carência de escolas e de conserva- Musical do Estoril, além de fomentar
tórios antes da revolução democrática a formação de uma banda de jovens72.
foi um dos causadores da estagnação Paralelamente, apesar de organizados
das filarmónicas deste concelho: “Eu desde 1962, após o advento da demo-
acho que a estagnação vinha […] não cracia manteve-se a realização dos
das décadas de cinquenta e sessen- Cursos Internacionais de Música da
ta, mas sim das décadas anteriores. Costa do Sol, no Estoril, que integra-
As bandas não evoluíam nada […] e ram cursos de aperfeiçoamento para
não evoluíam porque não tinham es- instrumentistas de sopro e “destina-
colas […] os conservatórios vieram vam-se em especial a componentes de
transformar tudo […]”70. Pepino refe- bandas filarmónicas visando a sua va-
re inclusivamente que as bandas ague- lorização musical através do aperfei-
denses, a Nova de Fermentelos em çoamento da técnica instrumental”73.
particular, iniciaram a sua evolução O INATEL teve, igualmente, um papel
após António e João Neves, seguidos considerável no âmbito da formação
de outros, frequentarem o conservató- musical para elementos de bandas ci-
rio e iniciarem uma carreira musical a vis ao estimular, através de subsídios
nível profissional, nomeadamente nas e apoio logístico, a criação de escolas
bandas militares71. de música para elementos de ambos os
Ao longo dos primeiros anos do
regime democrático foram planeadas 72
Fundo Documental da Banda Sinfónica da
GNR, Espólio Silva Dionísio, Envelope BF1,
Silva Dionísio, Estudo para a projectada Ban-
70
Entrevista a Silva, 2014. da Juvenil da junta de Turismo da Costa do Sol,
71
Entrevista a Pepino. 1975.
O maestro António Neves ingressou no Conser- 73
Centro de Documentação Anselmo Braam-
vatório de Aveiro em 1967. Ferreira, Jesus, Lo- camp Freire do Museu Municipal de Loures, Es-
pes e Neves confirmam que os primeiros músicos pólio pessoal de Marcos Romão, Cota ROMA-
das respectivas bandas a frequentarem o conser- 505, Programa dos XVI Cursos Internacionais
vatório, fizeram-no depois do terceiro quartel do de Música da Costa do Sol, Julho / Agosto de
século XX. 1978.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

sexos, não só nas sedes das filarmóni- tatorial. Esses agrupamentos musicais
cas, como em casas do povo, grupos continuaram a privilegiar as transcri-
desportivos e outras colectividades. ções de obras orquestrais, geralmen-
Todas estas acções, projectos ou ini- te de autores estrangeiros74. Parale-
ciativas, são dignas de menção, uma lamente, a música de compositores
vez que de uma ou outra forma, em portugueses interpretada nas décadas
maior ou em menor grau, promoveram anteriores — marchas, danças, rapsó-
a música e a aprendizagem dos instru- dias e fantasias escritas originalmente
mentos de sopro, os quais constituem para banda — continuou a integrar o
a base instrumental das bandas civis. reportório da maioria das bandas ci-
vis, nomeadamente, as obras de Sousa
Compositores e música para banda Morais, Pinto Ribeiro, Leonel Ferrei-
ra, Santos Pinto, Artur Ribeiro Dantas,
As discrepâncias da qualidade ar- José da Silva Marques, Duarte Pes-
tística entre as bandas civis portugue- tana, Joaquim Luiz Gomes, António
sas são um obstáculo à compreensão e Cordeiro Gonçalves, Lourenço Alves
à construção de um paradigma do re- Ribeiro, Miguel de Oliveira, Francis-
portório musical habitualmente inter- co José Dias, José Figueiredo, Silva
pretado no derradeiro quarto da centú- Marques e Marcos Romão. Após o 25
ria vigésima. A este problema junta-se de Abril de 1974, surgiram outros no-
a habitual inexistência de programas mes cuja estética musical não se afasta
de concerto na maioria das bandas ci- muito da dos anteriores, entre os quais,
vis, sobretudo nas regiões norte e cen- Ilídio Costa, Agostinho Caineta, Antó-
tro, isto porque, a quase totalidade das nio Fortunato de Sousa, Antero Ávi-
práticas performativas dessas bandas la, Afonso Alves, Hermínio Leite ou
eram realizadas no âmbito de festas Amílcar Morais.
religiosas que, como sabemos, não A partir de meados da década de
disponibilizam programas de concer- 1970 e, particularmente no decénio
to. Analisar as partituras em arquivo seguinte, disseminou-se o reportório
também não é muito rigoroso porque bandístico em torno de selecções mu-
a existência de determinada obra não sicais de temas latino-americanos e
significa que ela fosse interpretada no anglo-saxónicos, célebres e fáceis de
período em consideração. Não obstan- cantar, que atraíram jovens para as fi-
te, de um modo global consideramos
que o reportório musical comummen-
te interpretado pelas bandas civis não
74
Apesar de, até finais da década de 1980, terem
surgido inúmeros compositores de referência a
sofreu alterações significativas nos escrever música original para banda, como Ma-
anos imediatos à queda do regime di- rio Davidowsky, John Adams, Davis Maslanka,
Johan De Meij, entre muitos outros.

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larmónicas, um fenómeno não alheio siderar a aposta de Amílcar Morais


à profusão de grupos de música rock nesse estilo musical como bastante
— que rapidamente singraram nas inovadora para a época. Ele próprio
preferências musicais da juventude assumiu o objectivo de mobilizar a ju-
— e à divulgação de filmes e teatros ventude para as filarmónicas, que con-
musicais americanos e britânicos. En- siderou envelhecidas: “Foi com ela [a
tre as peças de maior sucesso e por- Banda 12 de Abril] que comecei a lan-
ventura as primeiras a integrarem o re- çar as Pop Shows e outras selecções
portório das bandas destacamos Jesus de música ligeira, como reportório de
Christ Super Star, de Andrew Lloyd mudança e mobilizador das camadas
Webber e diversas obras de Gershwin mais juvenis, para inverter a crise dos
e Bernstein. Inicialmente elaborados e quadros envelhecidos, então preocu-
editados por arranjadores e editores es- pantes, na actividade normal da maio-
trangeiros (como Ron Sebreats, Johan ria das filarmónicas”.76
de Meij, Robert Smith, John Wasson, As selecções musicais de temas
Willy Hautvast, Ron Hayman, Jerry latino-americanos e anglo-saxónicos
Nowak ou Jay Chattaway), rapida- causaram espanto e aderência entre a
mente vários compositores portugue- juventude, em paralelo com algumas
ses se aperceberam da potencialidade reservas entre os mais velhos, geral-
deste reportório em atrair público. En- mente mais conservadores quanto ao
tre os portugueses destacamos Amíl- reportório bandístico. Porém, não obs-
car Morais e as suas séries Pop Show, tante a grande aderência por parte de
compostas entre 1974 e 1988 e inter- músicos e público, esse estilo musical
pretadas pela maioria das filarmóni- trouxe alguns problemas aos músicos
cas. Segundo Paulo Lameiro, essas se- em termos de interpretação, sobretu-
lecções, cuja orquestração destaca os do ao nível rítmico, face aos compas-
instrumentos de percussão, “em muito sos musicais compostos incomuns na
contribuíram para o renovado interes- tipologia de reportório interpretado
se que as bandas filarmónicas desper- até então. Este estilo de música pop/
taram nas gerações mais novas e para rock foi paralelo a um outro: os ar-
a significativa mudança de reportório ranjos musicais de temas de filmes
que no final do século XX se estava e musicais, com destaque para os de
a processar”.75 Podemos mesmo con-
76
Amílcar Morais, “entrevista”, in Eurídice: Re-
75
Paulo Lameiro, “Banda Filarmónica - 6. Re- vista da Banda Sinfónica do Exército, Queluz,
portório”, in Salwa Castelo-Branco (ed,), Enci- Exército Português, 2008, 33.
clopédia da Música em Portugal no século XX, Esse género de música tem sido frequentemen-
1º volume (A-C) (Lisboa: Círculo de Leitores, te denominado “música ligeira”, não obstante a
2010), 112. grande abrangência do termo.

82
Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

John Williams, Robert Smith, Andrew gentes durante várias décadas78. Efec-
Lloyd Webber, Claude Schoenberg e tivamente, as selecções musicais refe-
Ennio Morricone, arranjados por com- ridas foram um estímulo para os mais
positores estrangeiros e alguns portu- jovens, incluindo os potenciais apren-
gueses. dizes. Foi dessa forma que a banda se
O fenómeno da difusão das se- aproximou dos jovens, causou uma
lecções musicais de temas latino- maior interacção com os espectadores
americanos e anglo-saxónicos e, consequentemente, conquistou um
ocorrido um pouco por todo o mercado mais abrangente. Como con-
país a partir da década de 1980 foi sidera Silva, “foi com o Jesus Cristo
paradigmático nas filarmónicas de Superstar e muitas outras que já não
Águeda, especialmente na Banda me lembro, que se conquistou o mer-
12 de Abril. Depois da nomeação de cado. E foi com esse reportório que se
João Neves como maestro desta ban- criou em Travassô o gosto pela banda
da, em 1980, com o apoio de António (…)”79. Em 1983 Américo Fernandes
Silva levou avante uma série de ino- aludiu à necessidade de mudança de
vações, incluindo a interpretação de paradigma no reportório das bandas,
música baseada nas selecções acima lembrando que a 12 de Abril e as duas
mencionadas. Após alguma relutância bandas de Fermentelos já tinham ini-
inicial, sobretudo por parte dos músi- ciado essa mudança. Fernandes consi-
cos e ouvintes mais velhos, esse esti- derou que era essa a forma de as ban-
lo musical integrou o reportório das das aliciarem a juventude80.
restantes bandas aguedenses. Os en- É importante perceber que a
trevistados consideram que este tipo interpretação da música baseada em
de música causou bastante impacto, selecções musicais de temas latino-
não só nos elementos da banda, como americanos e anglo-saxónicos está
nos ouvintes, sobretudo nos jovens77. estritamente relacionada, não apenas
A propagação deste tipo de música com questões de opções musicais,
também se relaciona com as mutações como com a maior disponibilidade fi-
de mentalidades, sobretudo nos novos nanceira das filarmónicas, isto porque,
maestros contratados pelas bandas
de Águeda no decorrer na década de 78
Lemos da Rosa foi regente da Marcial entre
1980, após a liderança dos mesmos re- 1929 e 1980; a Alvarense foi regida por António
de Figueiredo de 1932 a 1974; a 12 de Abril, en-
tre 1954 e 1980, teve como regente José Lima
e a Nova foi regida por Artur Bártolo de 1944
a 1963.
77
Entrevistas a Adail Rosa, Moreto, Lemos, Fer-
reira, Monteiro, Fernandes, Lopes, Pepino, Silva
79
Entrevista a Silva.
e Neves. 80
A voz de Águeda, 05-08-1983, 3.

83
Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

este género musical exige uma série se âmbito destacaram-se, sobretudo,


de instrumentos musicais, sobretu- compositores estrangeiros, como Ted
do no naipe da percussão, ausente na Huggens, Roger Nixon, Johan de Meij,
maioria das filarmónicas nos decénios Ralph Vaughan Williams, Franco Ce-
antecedentes, sobretudo nas agueden- sarini, Kees Vlak ou Terry Kenny. A
ses. Somente na década oitenta esses Banda Sinfónica da GNR teve um pa-
naipes foram complementados com pel preponderante na promoção desta
outros instrumentos, além dos habi- tipologia de reportório. Numa crítica
tuais bombo, caixa e pratos, designa- às poucas estreias absolutas das or-
damente, a integração utilização de questras nacionais e à interpretação
bateria jazz. Vejamos o que António somente de reportório corrente e co-
Silva refere em relação à 12 de Abril: nhecido dos seus regentes, Humberto
“Esse reportório [ligeiro] exigia muita d´Ávila enalteceu o papel das bandas
bateria e o João Neves [maestro] teve de música, particularmente da Banda
tudo o que quis (…)”81. Sinfónica da Guarda Nacional Repu-
Outra particularidade deste período blicana (GNR) ao estrear, num só con-
foi a maior difusão do reportório origi- certo, duas obras originais para este
nal para banda e orquestra de sopros, tipo de formação instrumental, desig-
ao que não foi alheio o fenómeno das nadamente, Cabo da Roca (meditação
melhores vias de comunicação e de sinfónica), de Hans Mielenz, e Trípti-
informação. Neste sentido, a partir da co para Bailado, de Joaquim Luís Go-
década de 1980 o reportório de algu- mes. Este crítico musical destacou ain-
mas filarmónicas passou a integrar, da o crescente interesse por este tipo
embora de forma muito progressiva, de instrumentação e mencionou outra
peças musicais escritas originalmente obra original para banda interpretada
para banda de música, além das usuais nesse concerto – Os homens da músi-
rapsódias, marchas e fantasias82. Nes- ca, de Don Gillis — a qual considerou
constituir mais uma demonstração do
quanto a composição para banda go-
81
Entrevista a Silva. zava de uma permanente vitalidade.83
82
Por exemplo, a Banda Escola Juvenil da Azam- Realce-se, todavia, o número dimi-
buja, surgida em meados da década de oitenta,
integrou no seu reportório inúmeras obras origi-
nuto de bandas civis que apostaram
nais: A Festival Prelude, de Alfred Reed; Avan- nesta tipologia de reportório musical.
tia, de David Shaffer; Capricho Varino, de J.
Silva Marques; Improviso, de Duarte Pestana;
Dancing Show, de Josej Hastreiter; American de Joly Braga Santos.
Folk Suite, de Harold L. Walters; High Society, 83
Fundo Documental da Banda Sinfónica da
de Manfred Schneider; Divertimento sobre moti- GNR, Espólio Silva Dionísio, Envelope RJ1,
vos de sabor popular, de Marcos Romão; Profi- Humberto d´Ávila, “Música para banda”, artigo
les Symphoniques, de Kees Vlak; e Otonifonias, publicado no Diário de Notícias, 16-02-1984.

84
Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

Apesar da maior folga orçamental das O INATEL, por exemplo, em 1980 e


filarmónicas para comprar partituras, 1983 organizou certames de composi-
face ao período antecedente, permane- ções musicais destinadas a bandas e/
ceu o hábito cultural de não as adqui- ou coros, tendo sido editados alguns
rir de forma legal, além de frequente- desses trabalhos e distribuídos gratui-
mente os próprios regentes não terem tamente às filarmónicas. Paralelamen-
conhecimento da sua existência. A te, e segundo Silva Dionísio, face “à
forma habitual de aceder a reportório enorme falta de reportório moderno
era a troca ou o empréstimo entre re- para bandas e coros” este organismo
gentes e a sua cedência por parte de possuía composições para banda e
distintos organismos. Ainda no campo para coro de vários autores portugue-
da composição musical, entre os anos ses, que eram cedidas gratuitamente
setenta e noventa foram promovidos aos agrupamentos que as solicitassem.
pelas Forças Armadas iniciativas com Entre as composições para banda es-
impacto positivo em bandas civis. O tavam incluídas Improviso, fantasia de
extinto Governo Militar de Lisboa, Duarte Pestana; Cidade invicta, mar-
por exemplo, organizou concursos de cha de Amílcar Morais; Ideais, mar-
composição musical destinados a pa- cha de Santos Cardoso; Verde Rubra,
radas e desfiles de bandas militares. marcha de Diniz Pestana; Mais alto e
Com as marchas Cidade Invicta e Ca- mais além, marcha militar de Dimas
çadores do 1, Amílcar Morais obteve Barrocoso; Aguarela Minhota, bailado
o primeiro prémio em anos distintos84. de Diniz Pestana; Gratidão, marcha
Ambas as marchas disseminaram-se e de Marcos Romão; Nas margens do
integram o reportório musical de uma Alcoa, “passo de passeio” de Manuel
parte significativa das filarmónicas Baltazar; Músicos da Guarda, marcha
portuguesas. de Alves Mano e Rapsódia Portugue-
No derradeiro quarto do século XX sa nº 1 de Fortunato de Sousa.85
uma série de instituições, públicas e Tal como o INATEL, paralelamen-
privadas, empenharam-se na tentativa te à distribuição de apoios materiais,
de criação, divulgação e disponibiliza- em meados da década de setenta a
ção de reportório musical original para SEC (por iniciativa do Ministro Coim-
banda no intuito de contribuir para a bra Martins e do Secretário de Estado
melhoria e diversidade do reportório António Reis) fomentou a renova-
disponível para estes agrupamentos. ção do reportório musical através de

84
AA.VV., Amílcar da Fonseca Morais, Águeda, 85
Silva Dionísio, Plano de Actividades Musicais,
ed. C.M. Oliveira do Bairro / Museu de Etnomú- Lisboa, Departamento de Actividades Culturais
sica da Bairrada, 2013, 10. do INATEL, 1980, 8-9.

85
Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

um projecto de encomendas de obras Música para Instrumentos de Sopro e


musicais, escritas originalmente para Percussão e Nocturno; Álvaro Cassu-
banda, a compositores portugueses to (1938-): Homenagem ao Povo; Ma-
de reconhecido mérito. O principal ria de Lourdes Martins (1926-2009):
objectivo desta iniciativa, que se es- Rapsódia de Natal (1978); Rondó
tendeu por vários anos, foi renovar o (1978); Suite de Danças Tradicionais
reportório original para banda e elevar Portuguesas (1978); Hoje há Palha-
a sua qualidade. Para os composito- ços;87 Além destas obras originais para
res convidados, esses agrupamentos banda, Silva Dionísio, Álvaro Salazar,
musicais eram particularmente des- Fernando Lopes Graça e Manuel Faria
conhecidos, pelo que a SEC atribuiu elaboraram arranjos ou transcrições
a Silva Dionísio a missão de lhes dar a para banda de peças de compositores
conhecer a banda, fornecendo-lhes su- reconhecidos.
gestões relativas ao tipo de formação Finalmente, outra iniciativa de pro-
instrumental característico das bandas moção de música original para banda
da época, bem como outras indicações foi levada adiante pela Direcção-geral
técnicas.86 Apresentamos, em baixo, de Cultura Popular e Espectáculos da
os compositores e as obras compos- SEIT, com a colaboração da FPCCR.
tas no âmbito daquele projecto de A fim de fomentar o trabalho criador
encomendas: Fernando Lopes Graça dos compositores, desenvolver o es-
(1906-1994): Suite Rústica nº 3; Ma- tudo da instrumentação de banda e
nuel Faria (1919-1983): Romaria Mi- proporcionar novo reportório do gé-
nhota; Cândido Lima (1939-): Coros e nero, estes organismos organizaram
Danças Medievais; Frederico de Frei- um concurso anual de composição
tas (1902-1980): Fantasia Campes- musical. Foram estabelecidos dois
tre; Joly Braga Santos (1924-1988): prémios, em homenagem a dois com-
positores de música para banda, cor-
86
Silva Dionísio foi maestro da Banda Sinfónica respondentes a dois diferentes tipos
da GNR, entre 1960 e 1973, e foi um especialista
na instrumentação para banda. Para um conheci-
mento mais profundo deste projecto de encomen- 87
André Granjo, “O projecto de encomendas
das v. André Granjo, “O projecto de encomendas de música para banda da SEC de 1977 a 1983:
de música para banda da SEC de 1977 a 1983: contextualização e observações iniciais”, p. 238,
contextualização e observações iniciais”, in J. M. in J. M. Pedrosa Cardoso e Margarida Lopes de
Pedrosa Cardoso e Margarida Lopes de Miranda, Miranda, Sons do Clássico: no 100º aniversário
Sons do Clássico: no 100º aniversário de Maria de Maria Augusta Barbosa, Imprensa da Univer-
Augusta Barbosa, Imprensa da Universidade de sidade de Coimbra, 2012.
Coimbra, 2012. Refira-se ainda que este projecto Além das três obras para banda compostas no
de encomendas da SEC é objecto de estudo no âmbito do projecto de encomendas da SEC, Ma-
doutoramento, em curso, do investigador André ria de Lourdes Martins compôs ainda, em 1959, a
Granjo. obra Sonatina para Instrumentos de Sopro.

86
Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

de constituição instrumental. O Pré- seja uma iniciativa meritória, não te-


mio Sousa Morais, no valor de vinte mos conhecimento da quantidade das
e cinco mil escudos, destinava-se a obras concorrentes, da extensão da
partituras completas com uma duração sua divulgação, nem da regularidade
entre doze e dezoito minutos, em que da interpretação dessas obras.
à qualidade da inspiração se aliasse
originalidade e sentido de renovação e O caso das filarmónicas do
o Prémio Silva Marques, no valor de concelho de Águeda
quinze mil escudos, para uma marcha
com a duração máxima de cinco minu- Nas últimas décadas do Estado
tos e em que se acusassem as mesmas Novo as filarmónicas aguedenses
características requeridas para a peça estagnaram sob diversos aspectos,
anterior. Era requisito necessário des- designadamente, ao nível do repor-
se concurso as partituras correspon- tório habitualmente interpretado, na
derem tecnicamente às possibilidades influência militar nos uniformes usa-
de execução e da formação da gene- dos, na inexistência de escolas de mú-
ralidade das bandas civis portuguesas. sica devidamente organizadas e no
As peças premiadas foram editadas, predomínio de elementos masculinos
sob o patrocínio da Direcção-geral de de faixa etária elevada, além das difi-
Cultura Popular e Espectáculos e dis- culdades de recrutamento de músicos
tribuídas gratuitamente às sociedades e, consequentemente, uma quantidade
filarmónicas, sendo que as não vence- deficitária de instrumentistas. A per-
doras ficaram disponíveis para bandas manência do mesmo regente em cada
interessadas, naquela Direcção-Geral, uma das bandas durante várias déca-
na FPCCR e em todos os estabeleci- das foi outro obstáculo à inovação e
mentos de música. O júri responsável à modernização, tal como a escassa
por avaliar as obras musicais concor- qualidade dos instrumentos musicais e
rentes era constituído por dois chefes a inexistência de um edifício sede com
de banda militar, um representante condições aceitáveis. Contudo, a partir
da FPCCR, um chefe de banda civil, de meados da década de 1970 e, sobre-
um compositor e um representante tudo, no decorrer do decénio seguinte
Direcção-Geral de Cultura Popular ocorreu uma fase de mutação nas ban-
e Espectáculos que, apesar de não das de Águeda marcada por uma con-
ter direito a voto, presidia.88 Embora jugação de acontecimentos e factores,
como a substituição dos instrumentos
velhos de diapasão brilhante por no-
88
ANTT, SNI, Cx 5547, Regulamento do Con- vos de diapasão normal, construção
curso de Composição para Banda e da criação ou remodelação dos edifícios sede,
do Dia das Filarmónicas, SEIT, Sem data.

87
Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

reestruturação das escolas de música, forma: “corporação com pouco mais


contratação de maestros profissionais, de duas dezenas de executantes, ins-
renovação do reportório e maior dis- trumental em diapasão brilhante,
ponibilidade de crianças e jovens para regente normalmente oriundo da es-
integrarem as filarmónicas, incluindo tante, executantes com naturais limita-
elementos do sexo feminino. Para isto ções técnicas a condicionar as opções
contribuiu a maior disponibilidade fi- de reportórios”. Após 1980, Ramos
nanceira das bandas, obtida com o su- descreve as mesmas filarmónicas, so-
porte de personalidades e instituições, bretudo a 12 de Abril, de outra forma:
das quais destacamos a edilidade lo- “maestro profissional, instrumental em
cal. Entre as personalidades, António normal, reportório renovado, cuidados
Soares de Almeida Roque89 destacou- com a formação de executantes”90.
se entre os mecenas ligados à indús- Às observações de Ramos podemos
tria local. Os apoios financeiros foram acrescentar a ausência de elementos
especialmente relevantes na edifica- do sexo feminino antes da revolução
ção de edifícios sede e na compra de de Abril e o seu predomínio a partir
instrumentais de diapasão de afinação da década de 1980; a organização de
normal. bandas juvenis após a década de 1980;
Deniz Ramos considera que faz a renovação frequente de fardamentos,
sentido falar-se de dois períodos dis- inspirados em fatos civis; a construção
tintos na história das bandas agueden- de sedes multifuncionais no decorrer
ses: antes e depois do ano de 1980. No dos anos oitenta e a actuação frequen-
primeiro período este autor retrata as te fora da região da Bairrada, nomea-
filarmónicas de Águeda da seguinte damente no norte do país. Embora esta
pesquisa incida sobretudo nas bandas
civis de Águeda, temos a convicção
89
Reconhecendo o papel de Almeida Roque, as que este é um caso paradigmático de
filarmónicas aguedenses desdobraram-se em
múltiplas homenagens e atribuição de títulos: Tí- uma parte significativa das filarmóni-
tulo de Assiduidade, na Banda Nova; Sócio Be- cas em Portugal, como pudemos veri-
nemérito da Alvarense, em 1973; Lira de Ouro da ficar nos dados apresentados relativos
Castanheirense, em 1989; Sócio Benemérito da
Marcial, em 1993 e Diploma de Benfeitor na 12
a outros municípios.
de Abril, em 1986. No ano de 1997 foi atribuído A renovação das bandas agueden-
o seu nome ao salão de festas desta colectivida- ses deu-se de forma faseada entre elas,
de. Igualmente, como forma de agradecimento sendo pioneira a Orquestra Filarmóni-
ao que fez pela Banda 12 de Abril, o compositor
Amílcar Morais dedicou-lhe uma marcha que em
pouco tempo integrou o reportório de inúmeras
filarmónicas do norte e centro, denominada pre- 90
Deniz Ramos. Da fundação das filarmóni-
cisamente Comendador António Soares de Al- cas em Águeda. Águeda, Câmara Municipal de
meida Roque. Águeda, 2013, 199-200.

88
Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

ca 12 de Abril, de Travassô, cujas mu- Neves teve um papel crucial e impôs


danças e inovações ocorreram a partir na banda um estilo muito próprio.
de 1980, após a contratação de um Além de introduzir a comummente
maestro jovem e profissional —João designada música ligeira no reportório
Neves— suportado por um mecenas habitual da banda, criou uma banda
especialmente empenhado em renovar juvenil, em 1982, com o objectivo de
este agrupamento, António Almeida aproximar as crianças da banda: “Isso
e Silva. Consequentemente, foi re- [a banda juvenil] foi muito importante
novado o reportório da banda (com a na altura porque cativou muita gen-
inclusão de diversas obras musicais te. Chegou a ter quase cinquenta ele-
inspiradas em temas anglo-saxónicos mentos (…) e depois passaram muitos
e latino-americanos), foram substituí- para a outra banda (…)”92. Na óptica
dos os velhos instrumentos de diapa- de Ana Assunção, João Neves lançou
são brilhante por outros de afinação as bases do que havia de ser uma ban-
normal, foi edificada uma nova sede da diferente no país. Rompeu-se com
e apostou-se na formação musical de o classicismo tradicional das bandas
elementos, mediante a organização de estilo marcial para dar início a uma
uma academia de música (embora não banda orquestra muito mais do agra-
oficializada) coordenada por um pro- do dos jovens93. O nível artístico da
fessor que não era o maestro, como era banda cresceu e, no ano de 1983, ven-
comum noutras bandas. Maria Vas- ceu o segundo prémio num concurso
concelos considera que, no início da de bandas organizado pelo jornal O
década de 1980, a Banda 12 de Abril Comércio do Porto. No ano seguin-
entrou numa segunda fase caracteri- te, em 1984, alcançou o quinto lugar
zada pela inovação e incentivada, so- no Concurso Nacional Sol de Verão,
bretudo, por António Almeida e Silva. organizado pela empresa EDP e, em
Segundo esta autora, numa primeira 1991, venceu o primeiro prémio do
fase António Silva deu prioridade à Concurso internacional de Bandas da
vertente financeira da banda —captan- Lourinhã94. Nessa fase de inovação,
do apoios e subsídios para a renovação António Silva destaca a forma como
instrumental e consequente abandono
do diapasão de afinação brilhante— e
à contratação de um maestro qualifica- 2007, 42.
do91. Do ponto de vista artístico, João 92
Entrevista a Neves.
93
Ana Paula Assunção, Museu Etnomúsica da
91
Maria João Pinto Vasconcelos, A orquestra Bairrada – A arte dos sons. Oliveira do Bairro,
Filarmónica 12 de Abril: um agrupamento em Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, 2005,
mudança (1980-2006), Dissertação de Mestra- p. 21.
do apresentada à Universidade Nova de Lisboa, 94
AA.VV, A música é a alma do povo, 41.

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os músicos começaram a ser conside- marias do norte, onde eram realizadas


rados pela sociedade envolvente, mui- as principais festas e com maiores or-
to diferente de períodos antecessores: çamentos96. Paralelamente foi renova-
do o instrumental da banda e edificada
Foi em 1980. Havia um indivíduo uma sede multifuncional com o apoio,
que era o responsável por fiscalizar sobretudo, de emigrantes e mecenas
a aparência do músico, havia outro
industriais da região.
pelo estado dos instrumentos (…).
E a partir daí as coisas começam a
A revitalização da Banda Casta-
mudar e depois o músico começou a nheirense sucedeu mais tarde do que
ser olhado de outra maneira e até as as congéneres aguedenses. Para isso
pessoas de bem, vamos chamar-lhe, contribuiu a falta de acessos e o conse-
as pessoas que estavam melhor na quente isolamento geográfico da loca-
vida, começaram a achar que era lidade, a pouca relevância da indústria
bom que os filhos aprendessem mú-
na localidade (que dificultava a an-
sica. Porque começaram a ver os mú-
sicos serem um exemplo e são. Sabe gariação de mecenas) e, sobretudo, o
porquê? Os que vão para o futebol, baixo número de habitantes na fregue-
um dá uma canelada e o outro dá sia. Segundo Deniz Ramos, nos anos
outra. Na música o indivíduo que se setenta e, particularmente, a partir de
porta mal é imediatamente chamado 1980, a situação da Banda Castanhei-
à atenção… na Banda de Travassô, a rense agudizou-se, uma vez que os
partir desse ano, nunca mais acende-
seus responsáveis não acompanharam
ram um cigarro no coreto (…)95
a renovação e a evolução das restantes
bandas aguedenses, que substituíram
Igualmente, em 1980 a Marcial ini-
os instrumentos em diapasão brilhante
ciou um novo ciclo quando, após cerca
por outros em tom normal, contrata-
de quatro décadas de liderança musi-
ram maestros profissionais, dinamiza-
cal, o maestro Lemos Rosa foi subs-
ram as suas escolas de música, reno-
tituído pelo jovem Silas Granjo. Com
varam o seu reportório e muitos dos
o apoio da direcção foi operada uma
seus executantes passaram a frequen-
transformação na banda, nomeada-
tar conservatórios. O resultado estava
mente uma aposta na escola de música,
à vista com a significativa melhoria
o que originou uma maior afluência de
da qualidade artística das congéneres
alunos, uma modernização do reportó-
aguedenses97. No ano de 1988, os res-
rio musical (incluindo a introdução de
ponsáveis do agrupamento apostaram
temas musicais anglo-saxónicos e lati-
no-americanos) e uma aposta nas ro-
96
Alfredo Barbosa, A Rambóia, 53-54.
97
Deniz Ramos, Da fundação das filarmónicas
95
Entrevista a Silva. em Águeda, 134-135.

90
Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

numa renovação, designadamente, ao música101. Em 1996, a Alvarense era


nível da direcção musical e da escola composta por mais de cinquenta mú-
de música: “contratou-se um jovem e sicos, maioritariamente jovens com
ambicioso músico do concelho que as- menos de vinte anos e a sua escola de
sumiu a direcção técnica da Banda e música era frequentada por mais de
reorganizou-se a escola de música que três dezenas de aprendizes102.
passou a funcionar eficazmente”98. Finalmente, após a revolução de
A principal mutação sucedeu no ano Abril de 1974 foram dados dois pas-
seguinte com a renovação completa sos fulcrais para a Banda Nova de
do instrumental já abordada na secção Fermentelos: a constituição em Asso-
“Instrumentos musicais e instalações”. ciação Cultural e Recreativa (os esta-
No ano de 1983, Américo Fernan- tutos são de 1978, tendo sido alterados
des evidenciou-se na modernização em 1989) e a edificação de uma nova
da Banda Alvarense, dotando-a de sede. O enquadramento da banda num
reportório musical renovado, novos organismo devidamente estruturado
instrumentos, um novo visual e um re- no aspecto jurídico permitiu que esta
gente profissional: Juvenal Marques. recorresse ao apoio de entidades pú-
Deniz Ramos realça o papel de Fer- blicas e privadas. Com a construção de
nandes ao evitar o colapso da banda, instalações modernas e rentáveis fo-
em 1983, após um período “de acen- ram angariados associados, cujas co-
tuado declínio no aspecto artístico”. tas geraram receitas103. O ingresso do
Além da substituição dos instrumen- jovem maestro João Neves, em 1986
tos de diapasão brilhante e da renova- e a organização de uma banda juvenil
ção de fardamentos, este autor destaca e de uma escola de música com aulas
a criação de uma escola de música a diárias ministradas por vários moni-
fim de formar músicos para preencher tores, foi especialmente relevante do
os desfalcados naipes da banda99. Em ponto de vista artístico e humano.
1983, este agrupamento era composto
somente por trinta e três elementos100 101
Circular de 01-06-1984, documento cedido
mas, no ano seguinte, esse número por Américo Fernandes. Os músicos da banda es-
aumentou para cinquenta e dois, além tavam distribuídos pelos seguintes instrumentos:
1 flauta, 12 clarinetes, 8 saxofones (1 soprano,
dos trinta e cinco alunos da escola de
3 altos, 3 tenores e 1 barítono), 6 fliscornes, 3
trompetes, 4 clavicornes, 5 trombones, 3 bom-
bardinos, 3 tubas, 2 contrabaixos e 6 elementos
98
António Ferreira, Banda Castanheirense, p. 3. na percussão.
99
Deniz Ramos, Da fundação das filarmónicas 102
Américo Figueira, Banda Musical Alvarense,
em Águeda, 158. 77.
Elementos da Banda Alvarense em Janeiro de
100 103
AA.VV, Associação Cultural e Recreativa
1983, documento cedido por Américo Fernandes. Banda Nova de Fermentelos, 27.

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Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

Em finais da década de oitenta dência de algumas bandas. Essa revi-


foi fundada neste concelho a União talização deveu-se a uma conjugação
de Bandas de Águeda (UBA), com o de transformações, das quais, a maior
objectivo primordial de “pôr termo disponibilidade de recursos humanos
definitivo à instabilidade no relacio- teve particular relevância. Neste âm-
namento entre as cinco corporações bito, foi crucial a diminuição da emi-
musicais do concelho, abrir portas ao gração, o fim da Guerra Colonial, a
diálogo franco e construtivo para fa- abertura da banda a elementos do sexo
vorecer o espírito de grupo”104. Esta feminino, em paralelo com a progres-
associação teve um papel determi- siva atracção que começou a exercer
nante na pacificação e restabeleci- nos rapazes devido, sobretudo, às me-
mento de relações entre diversas fi- lhores condições materiais das filar-
larmónicas do concelho de Águeda, mónicas e à tipologia mais apelativa
muito especialmente entre as duas de do reportório musical interpretado a
Fermentelos, que estavam de relações partir da década de oitenta. Além do
cortadas há mais de quarenta anos. aumento da dimensão humana das
Anualmente e de forma alternada entre filarmónicas, a maior disponibilida-
cada uma das bandas aguedenses, a de de elementos levou à reactivação
UBA organiza um festival de bandas de inúmeras bandas e à fundação de
com a participação das cinco bandas outras. Ainda sobre o ponto de vista
do concelho. humano, a faixa etária média dos mú-
sicos diminuiu consideravelmente, o
Considerações finais que constituiu outro atractivo para os
jovens, que não se identificavam com
Após um quarto de século que con- o elevado número de músicos de idade
sideramos de estagnação, em particu- avançada das décadas precedentes.
lar nas bandas aguedenses, a partir de Apesar de todas as mutações polí-
meados dos anos de 1970 e sobretudo ticas, económicas, sociais e culturais
na década seguinte, a maioria das fi- emergidas após o 25 de Abril de 1974,
larmónicas foi alvo de um processo de a frágil situação financeira das bandas
mutações e intensas reconfigurações civis pouco se alterou durante cerca de
suficientes para se falar numa reno- uma década marcada pela conflituali-
vação e reflorescimento da sua acti- dade e instabilidade política, económi-
vidade, pese embora a persistência de ca e social. Só a partir de meados dos
problemas de ordem material e a deca- anos oitenta, coincidentes com a entra-
da de Portugal na CEE, os municípios
—principais financiadores das bandas
Deniz Ramos, Da fundação das filarmónicas
104
de música— alcançaram uma autono-
em Águeda, 158.

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
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mia e disponibilidade financeira capaz municípios foi igualmente fundamen-


de apoiar iniciativas locais, incluindo tal para a substituição dos instrumen-
as filarmónicas. No âmbito dos apoios tos de diapasão de afinação brilhante,
financeiros também foram relevantes por outros de afinação normal, e para o
os mecenas locais, sobretudo em re- alargamento tímbrico das bandas me-
giões industrializadas e os donativos diante a inclusão de instrumentos mu-
de emigrantes. O espaço performativo sicais até então inexistentes nas ban-
privilegiado destes agrupamentos mu- das civis. Alguns desses instrumentos,
sicais continuou a ser as festas reli- sobretudo do naipe da percussão, fo-
giosas e os eventos tauromáquicos, ram essenciais para a interpretação de
consoante a região, em paralelo com a novos estilos musicais especialmente
participação em encontros e festivais atraentes para a juventude, como as
de bandas, incluindo noutros países. selecções musicais de temas latino-a-
Ao longo desse decénio a maioria das mericanos e anglo-saxónicos, não obs-
bandas civis optou pela oficialização, tante a desafinação de algumas bandas
mediante a integração numa associa- causada pela mistura de dois diapa-
ção de carácter cultural, musical ou re- sões de afinação uma consequência da
creativo, uma decisão imprescindível incapacidade financeira de substituir
para a captação de apoios públicos, so- todos os instrumentos em simultâneo.
bretudo do poder local. As limitações Estas metamorfoses, algumas delas
financeiras das filarmónicas nos anos dispendiosas, contribuíram para o re-
imediatos à revolução Abril dificulta- florescimento das bandas civis. Refi-
ram a reparação e a substituição dos ra-se também a estabilização de um
instrumentos musicais, um problema padrão de instrumentação em muitas
acentuado pela necessidade de mais bandas, influenciado pelas partituras
instrumentos, face à procura dos jo- dos principais compositores de músi-
vens por estes agrupamentos. A maior ca original para banda amplamente di-
disponibilidade financeira dos órgãos vulgadas a partir da década de 1980, a
do Poder Local a partir de meados da par de uma formação mais sólida dos
década de oitenta e a consequente pos- regentes.
sibilidade de apoio material e financei- Demonstramos que a criação ou
ro às bandas de música, possibilitou o remodelação de escolas de música no
conserto e a aquisição de instrumentos seio das colectividades (que progres-
musicais e outro tipo de material, além sivamente admitiram raparigas) foi
da edificação de novas sedes com ca- outra mutação determinante para o
pacidade para diferentes actividades e progressivo reflorescimento das filar-
valências que permitiram a aproxima- mónicas em Portugal, no derradeiro
ção do público. O apoio financeiro dos quarto da centúria vigésima. O ensino

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praticado nessas escolas especializou- muito progressiva e com reservas por


se ao aproximar-se dos modelos prati- parte dos músicos e público mais ve-
cados em academias e conservatórios lho. Aquele fenómeno só foi viável
de música, mediante a adopção de graças à maior capacidade financeira
novas metodologias de ensino e uma das bandas em adquirir instrumentos
maior especialização dos formadores, essenciais à interpretação desse tipo
o que levou a menos desistências de de música, bem como a contratação
aprendizes. Corroboramos também de jovens maestros e a mudança de
que, nos anos imediatos à revolução mentalidades nos dirigentes das filar-
de Abril multiplicaram-se os estabe- mónicas. Quanto aos compositores
lecimentos oficiais de ensino musical, portugueses interpretados, além dos
frequentados também por músicos de que continuaram activos, apareceram
bandas, alguns deles posteriores re- outros, alguns dos quais autores de
gentes e formadores nas respectivas arranjos de temas anglo-saxónicos e
bandas. Ao nível formativo foi igual- latino-americanos. Embora com fraca
mente relevante o papel de diversos aderência entre as filarmónicas, neste
organismos na organização de concur- período apareceram várias obras escri-
sos, festivais, colóquios, intercâmbios tas originalmente para banda, algumas
de bandas, cursos de formação e está- delas elaboradas no âmbito de enco-
gios, não só para músicos, como para mendas e concursos de composição.
directores e regentes. Aliás, a forma- Especificamente nas filarmónicas
ção de maestros foi uma das vertentes de Águeda, faz sentido pensar os anos
de formação mais disponibilizadas. oitenta como uma década de trans-
A tipologia do reportório musical mutações. Antes deste decénio elas
habitualmente interpretado pelas filar- permaneceram estáticas a vários ní-
mónicas não sofreu alterações relevan- veis — mencionados no corpo do ar-
tes no prelúdio da democracia, opos- tigo — e no decorrer da década de oi-
tamente a outras mutações ocorridas. tenta foram embaladas por uma lufada
As bandas persistiram em interpretar de ar fresco proveniente de uma con-
transcrições de obras orquestrais, mar- fluência de metamorfoses, das quais
chas, hinos, fantasias e rapsódias de destacamos a maior disponibilidade,
temas populares portugueses. Veri- quer de recursos humanos (destaque
ficamos, porém, que ao longo da dé- para o ingresso de elementos do sexo
cada de oitenta, paralelamente a esta feminino), quer ao nível financeiro e
tipologia de reportório, muitas bandas material das bandas, a mudança de
integraram no seu reportório arranjos mentalidades nos responsáveis direc-
musicais de temas anglo-saxónicos e tivos (que contrataram regentes jovens
latino-americanos, embora de forma e profissionais), a construção de novas

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Madureria, Bruno. Bandas civiles en Portugal en el último cuarto del siglo XX: un estudio de caso
Vol. VI, No. 6, enero-junio 2018

sedes multifuncionais, a renovação ficativa destes agrupamentos musicais


de instrumentais e fardamentos (ago- após a queda do regime ditatorial.
ra inspirados em fatos civis e não em A maioria dos assuntos aqui tra-
uniformes militares, como anterior- tados nunca foi objecto de qualquer
mente), a adopção de reportório mu- estudo, o que faz com que este traba-
sical mais atractivo para a juventude lho inédito seja um contributo para o
e, sobretudo, a aposta na formação conhecimento e venha colmatar, ain-
musical dos músicos mediante a orga- da que modestamente, uma lacuna na
nização ou remodelação de escolas de diversa bibliografia geral relacionada
música. Convictamente, consideramos com bandas civis em Portugal. A títu-
o caso das filarmónicas aguedenses lo sugestivo, seria de todo o interesse
um exemplo paradigmático nas ban- encetar pesquisas em filarmónicas de
das civis de Portugal, fornecedor de outros concelhos, não só no período a
um óptimo retrato de uma parte signi- que corresponde o nosso estudo, como
de épocas anteriores e posteriores.

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Vol. VI, No. 6 Revista Ciencias y Humanidades Enero-junio 2018

Arquivos
Arquivo Nacional Torre do Tombo, SNI, Cx. 5672, Cx. 5547.
Museu da Música Portuguesa – Casa Verdades de Faria, Espólio Particular de Fernando Lopes Graça,
Caixa S1, Código 013.
Centro de Documentação Anselmo Braamcamp Freire do Museu Municipal de Loures, Espólio Pessoal
de Marcos Romão, Cota ROMA-505.
Fundo Documental da Banda Sinfónica da GNR, Espólio de Silva Dionísio, Envelopes BF1, BF2, CR8,
RJ1.

Periódicos
Diário de Noticias: 12-12-84, 26-11-1983; Arte Musical: 01-01-1930, 10-07-1932, 20-10-1931; A voz
de Águeda: 05-08-1983.

Entrevistas
Adail Rosa, José Moreto, Fausto Lemos, António Ferreira, Albertino Monteiro, Américo Fernandes,
Abílio Lopes, António Pepino, João da Ana, António Silva, Mário Neves, Águeda, 2014.

Trabalhos não publicados:


Actuações em 1984, documento cedido por Américo Fernandes.
Elementos da Banda Alvarense em Janeiro de 1983, documento cedido por Américo Fernandes.
Circular de 01-06-1984, documento cedido por Américo Fernandes.
II Grande Concurso Nacional de Bandas de Música Civis, Programa da Final, Lisboa: 1971.
Dionísio, Silva, Plano de Actividades Musicais, Lisboa, Departamento de Actividades Culturais do
INATEL: 1980.
Ribeiro, Margarida. “Relatório da Secção de Etnografia e Sociedades Recreativas”, Trabalho apresen-
tado no I Colóquio de Bandas de Bandas Civis e Filarmónicas, Santarém: não publicado, 1971.
Santana, Vera e Ramos, Margarida. As bandas, trabalho manuscrito para a cadeira de Cultura Portugue-
sa I – FCSH-UNL: não publicado, [s.d.].

Bibliografia
AA.VV. A música é a alma do povo – Orquestra Filarmónica 12 de Abril. Águeda: Sociedade Recrea-
tiva e Musical 12 de Abril / Orquestra Filarmónica de Travassô, 2003.
AA.VV. Associação Cultural e Recreativa Banda Nova de Fermentelos. Águeda: Banda Nova de Fer-
mentelos, 2001.
AA.VV., Amílcar da Fonseca Morais. Águeda: ed. C.M. Oliveira do Bairro/ Museu de Etnomúsica da
Bairrada, 2013.
Assunção, Ana Paula. Museu Etnomúsica da Bairrada – A arte dos sons. Oliveira do Bairro: Câmara
Municipal de Oliveira do Bairro, 2005.
Baltazar, Manuel. “Problemas das bandas civis e sua possível solução”. In Colóquio Sobre Música
Popular Portuguesa — Comunicações e Conclusões (1979). Lisboa: INATEL, 1984.
Bandasfilarmonicas.com [consultado em 8 de Março de 2015].
Barbosa, Alfredo. A Rambóia – Banda Marcial de Fermentelos: 140 anos de história. Porto: Edições
Universidade Fernando Pessoa, 2009.
Biu, Humberto. “A valorização das bandas de música”. In Colóquio sobre música popular portuguesa
– comunicações e conclusões (1979). Lisboa: INATEL, 1984.

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