Está en la página 1de 53

Textos — Nosso Tempo

ROSA LUXEMBURGO
1 — Greve de Massas, Partido e Sindicatos — Rosa Luxemburgo
2 — A Questão dos Sindicatos — Lenine
3 — A Guerra Civil em França — Marx
4 — O Imperialismo, Estádio Supremo do Capitalismo — Lenine
5 — Sobre Literatura e Arte — Lenine, Mão Tse-Tung
6 — A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky — Lenine
7 — Crítica do Programa de Gotha — Marx GREVE DE MASSAS
8 — A Luta de Classes em França — Marx
9 — K. Marx, F. Engels, as três fontes — Lenine PARTIDO E SINDICATOS
10 — O 18 do Brumário de Louis Bonaparte — Marx
11 — A Internacional, a Comuna, Questões da problemática marxista (1906)
— Marx-Engels
12 — Um Passo em frente, dois Passos atrás — Lenine
13 — O Anti-Kautsky (Terrorismo e Comunismo) — Trotsky
14 — A Catástrofe Iminente e os Meios de a Conjurar — Lenine
15 — Como iludir o povo — Lenine
16 — As Lições de Outubro — Trotsky
17 — O Manifesto do Partido Comunista — Marx-Engels
18 — O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo — Lenine

CENTELHA

Apartado 241 — Coimbra COIMBRA 1974


NOTA INTRODUTÓRIA

ROSA LUXEMBURGO nasceu em Zamosc, Polônia russa,


a 5 de Março de 1871. Iniciou a sua vida política filiando-se no
«Partido Revolucionário Socialista Operário».
Após o seu doutoramento em economia política na Univer-
sidade de Zurique instala-se na Alemanha, ocupando em breve
papel preponderante na social-democracia. Dedica-se funda-
mentalmente à luta contra o revisionismo.
Por altura da revolução de 1905, refugia-se na Polônia
onde é presa e libertada sob caução; em 1906 publica Greve
de Massas, Partido e Sindicatos, onde tomo como ponto de
referência a revolução russa do ano anterior. Regressando à
Alemanha, lecciona economia política na Escola do Partido
Social-Democrata resultando daí a sua obra mais importante:
Acumulação do Capital.
Em 1916, em colaboração com Liebknecht e Mehring,
funda a Liga Spartakus. Em Fevereiro do mesmo ano é presa,
sendo libertada em Novembro de 1918, altura em que se
desencadeia a revolução na Alemanha. Na prisão escreve a
brochura junius, as Cartas de Spartakus; elabora a Introdução à
Economia Política.
Participa na criação do Partido Comunista Alemão em
Dezembro de 1918.
Vítima da contra-revolução, ROSA LUXEMBURGO é
presa em 15 de Janeiro de 1919, juntamente com Liebknecht,
Tradução de RUI SANTOS sendo ambos assassinados pelas forças governamentais.

7
I.

Quase todos os documentos e declarações do socialismo


internacional que abordam o problema da greve geral
datam da época anterior à revolução russa, onde foi experi-
mentado pela primeira vez na história, em larga escala,
este método de luta.
Assim se explica porque envelheceram estes documentos
na sua maioria. Inspiram-se numa concepção idêntica à de
Engels que, em 1873, criticando Bakounine e a sua mania
de forjar artificialmente a revolução espanhola, escrevia:
«A greve geral é, no programa de Bakounine, o fermento
que desencadeia a revolução social. Uma bela manhã operários
de todas as empresas de um país ou de todo o mundo
abandonam o trabalho, obrigando assim, mais ou menos
em quatro semanas, as classes poderosas ou a capitular, ou a
atacar os operários, tendo estes o direito de defender-se, e
ao mesmo tempo de abater inteiramente a velha sociedade.
Esta sugestão está longe de ser uma novidade: os socialistas
franceses e seguidamente os socialistas belgas, a partir
de 1837, usaram amiúde este cavalo de batalha que, origina-
riamente, é de raça inglesa. No curso do desenvolvimento
rápido e vigoroso do cartismo no seio dos operários ingleses
e após a crise de 1837, apregoava-se desde 1839 o «mês
santo», a suspensão do trabalho a nível nacional, e esta
idéia encontrou tal-eco que os operários do norte de Ingla-
terra tentaram pô-la em prática em Julho de 1842. O Con-

9
gresso dos Aliancistas de Genebra, a I de Setembro de 1873, modernos no curso dos últimos 23 anos, justificam da maneira
colocou igualmente na ordem do dia a greve geral. Simples- mais gritante a táctica de luta política preconizada por
mente, todos admitiam que, para fazê-la, era preciso que a Marx e Engels, em oposição ao bakounismo: o actual poder
classe operária estivesse completamente organizada e tivesse da social-democracia, a sua situação na vanguarda de todo
fundos de reserva. É justamente aqui que o problema se o movimento operário internacional é, na sua maior parte,
agudiza. Os governos por um lado, em especial se são o produto directo da aplicação conseqüente e rigorosa desta
encorajados pela abstenção política, jamais deixarão chegar táctica.
a tal ponto a organização e os fundos dos operários; por Hoje a revolução russa submeteu essa argumentação a
outro lado, os acontecimentos políticos e a intervenção uma revisão fundamental; permitiu, pela primeira vez na
das classes dominantes conduzirão ao enfraquecimento dos história da luta de classes, a grandiosa realização da greve
trabalhadores muito antes do proletariado atingir essa de massas, e mesmo — explicá-lo-emos com mais detalhe —
organização ideal e esses gigantescos fundos de reserva. da greve geral, inaugurando assim uma nova época na evolução
Por outro lado, se os possuíssem, não teriam necessidade do movimento operário.
de recorrer à greve geral para atingir os seus fins» ( l). Não deve concluir-se que Marx e Engels sustentaram
Nesta argumentação se baseou, nos anos seguintes, erradamente a táctica da luta política ou que a sua crítica
a atitude da social-democracia internacional relativamente ao anarquismo é falsa. Pelo contrário, são os mesmos argu-
à greve de massas. É dirigida contra a teoria anarquista da mentos, os mesmos métodos em que se inspira a táctica de
greve geral que opõe a greve geral, factor que desencadeia Marx e Engels que fundamentam ainda hoje a prática da social-
a revolução social, à luta política quotidiana da classe operária. democracia alemã, que na revolução russa produziram novos
Assenta neste simples dilema: ou o operariado no seu elementos e novas condições para a luta de classes.
conjunto não possui ainda organização nem fundos consi- A revolução russa, a mesma revolução que constitui
deráveis— e assim não pode realizar a greve geral — ou a primeira experiência histórica da greve geral, não somente
está devidamente organizado — e então não há necessidade não reabilita o anarquismo como conduz à liquidação histórica
de greve. Esta argumentação é, na verdade, tão simples e do anarquismo. Poder-se-ia pensar que o reinado exclusivo
inatacável à primeira vista, que durante um quarto de do parlamentarismo, por um tão longo período, talvez expli-
século prestou imensos serviços ao movimento operário casse a existência vegetativa, a que o surto poderoso da
moderno, quer combatendo em nome da lógica as quimeras social-democracia alemã condenou essa tendência. Podia
pensar-se, por certo, que o movimento todo orientado para
anarquistas, quer ajudando a levar a idéia de luta política
a «ofensiva» e a «acção directa», que a «tendência revolu-
às camadas mais profundas da classe operária. Os enormes
cionária», no sentido mais brutal do levantamento de forqui-
progressos do movimento operário em todos os países
Ihas, estava simplesmente adormecida pelo rame-rame da
rotina parlamentar, prestes a acordar após o retorno a um
(1) Frédéric Engels, Die Bakunisten an der Arbeit.

10 11
período de luta aberta, numa revolução de rua, e a mani- em Moscovo, e talvez em mais duas ou três cidades, um
festar então a sua força interna. punhado de gente desta. Mas à parte esses poucos «revolu-
A Rússia, sobretudo, parecia particularmente feita para cionários», qual é o papel realmente desempenhado pelo
servir de campo de experiência às explorações anarquistas. anarquismo na revolução russa? Transformou-se no cate-
Um país onde o proletariado não tinha qualquer direito cismo de vulgares ladrões e larápios; sob a razão social do
político e possuía uma organização extremamente deficiente, «anarco-comunismo», foi cometida uma grande parte desses
uma mistura incoerente de populações com interesses muito inumeráveis roubos e saques a particulares que grassam nos
diversos, entrecruzando-se e contrariando-se; o baixo nível períodos de depressão, de refluxo momentâneo. O anar-
cultural em que vegetava a grande massa da população, a quismo, na revolução russa, não é a teoria do proletariado
extrema brutalidade usada pelo regime vigente, tudo isto militante, mas a escola ideológica do Lumpenproletariat
concorria para dar ao anarquismo um poder rápido, contra-revolucionário, rosnando como um bando de tuba-
conquanto efêmero. No fim de contas, não era historica- rões no casco do navio de guerra da revolução. E desta
mente a Rússia o berço do anarquismo? Contudo o berço maneira acaba a carreira histórica do anarquismo.
de Bakounine devia transformar-se no túmulo da sua doutrina. Por outro lado, a greve de massas foi posta em prática
Na Rússia não somente os anarquistas não estiveram à cabeça do na Rússia, não na perspectiva de uma passagem brusca à
movimento de greve de massas, não somente a direcção revolução, como um golpe teatral que permitisse economizar
política da acção revolucionária, como a greve de massas, a luta política da classe operária, e em particular o parla-
estão inteiramente nas mãos das organizações social-demo- mentarismo, mas como um meio de criar ao proletariado,
cratas — denunciadas encarniçadamente pelos anarquistas em primeiro lugar, as condições para a luta política quoti-
como um «partido burguês» — ou nas mãos de organizações diana e, em particular, para o parlamentarismo. Na Rússia a
mais ou menos influenciadas pela social-democracia ou população trabalhadora e, à cabeça desta, o proletariado
próximas dela como o partido terrorista dos «Socialistas conduzem a luta revolucionária, servindo-se da greve de
Revolucionários»; o anarquismo é absolutamente inexistente massas como a arma mais eficaz na conquista dos mesmos
na revolução russa, como tendência política séria. Somente direitos e condições políticas de que, primeiramente, Marx e
em Bialystok, pequena cidade da Lituânia em que a situação é Engels, demonstraram a necessidade e importância na luta
particularmente difícil, onde os operários têm as mais pela emancipação da classe operária, em que saíram vito-
diversas nacionalidades, onde a pequena indústria está riosos no seio da Internacional, opondo-se ao anarquismo.
completamente dispersa, em que o nível do proletariado é Assim, a dialéctica da história, pedra basilar em que assenta
baixíssimo, se nota entre os 6 ou 7 diferentes grupos revolu- toda a doutrina do socialismo marxista, teve como resultado
cionários um punhado de «anarquistas», ou ditos como tal, que o anarquismo, ao qual estava indissoluvelmente ligada a
que alimentam, com todas as suas forças, a confusão e a idéia da greve de massas, entrou em contradição com a própria
desorientação na classe operária. Pode também observar-se greve de massas; em compensação, a greve de massas, recen-

12 13
temente combatida como contrária à acção política do prole-
tariado, aparece hoje como a arma mais poderosa da luta
política na conquista dos direitos políticos. Se é verdade que a
revolução russa obriga a rever profundamente o antigo ponto de
vista marxista relativo à greve de massas, contudo, somente o 2.
marxismo, com seus métodos e perspectivas, obtém neste
campo a vitória sob uma nova forma. «A amada de Mouro só
Quanto à greve de massas, os acontecimentos na Rússia
pode morrer às mãos do Mouro».
obrigam-nos, em primeiro lugar, a uma revisão da concepção
geral do problema. Até agora, os partidários de «tentar a
greve de massas» na Alemanha, os Bernstein, Eisner, etc.,
assim como os inimigos ferozes de tal tentativa representados
no sindicato, por exemplo, por Boemelburg, concordam no
fundo com a concepção anarquista. Os pólos opostos não só
não se excluem aparentemente, como ainda se completam, e
condicionam mutuamente. Com efeito, pela concepção
anarquista das coisas, a especulação sobre a «grande
transformação», sobre a revolução social, não é mais do que
um aspecto exterior e não essencial; o essencial é o modo
abstracto anti-histórico de considerar a greve de massas,
assim como todas as condições da luta proletária. O
anarquista antevê somente duas condições materiais
preliminares nas suas especulações «revolucionárias»: em
primeiro lugar, «o espaço etéreo», e em seguida a boa
vontade e a coragem de salvar a humanidade do vale de
lágrimas capitalista em que hoje geme. Neste «espaço etéreo»
nasceu, há mais de 60 anos, este arrazoado de que a greve de
massas era o caminho mais curto, mais seguro e mais fácil
para dar o salto perigoso até um além social melhor.
Neste mesmo «espaço abstracto» nasceu recentemente
a idéia, saída da especulação teórica, de que a luta sindical
é a única e real «acção directa de massas» e, por conseguinte,
a única luta revolucionária — refrão último dos «sindica-

14 15
listas» franceses e italianos, como se sabe. A infelicidade um lado, a fraqueza do proletariado, por outro, a força do
para o anarquista surgiu, quando os métodos improvisados de militarismo prussiano.
luta no «espaço etéreo» se revelaram sempre como A insuficiência das organizações operárias e a situação
puras utopias, além de que na maior parte do tempo, monetária, o poder das baionetas prussianas, são os «factos e
recusando-se a contar com a triste e desprezada realidade, números» em que os dirigentes sindicais fundamentam a
deixavam insensível mente de ser teorias revolucionárias, sua concepção prática do problema. Por certo, as caixas
para se tornarem auxiliares práticos da reacção. sindicais como as baionetas prussianas são incontestáveis factos
Ora, no mesmo terreno da consideração abstracta e sem materiais e profundamente históricos, mas a concepção política
preocupação histórica, colocam-se hoje, de um lado, os que baseada nestes factos não é o materialismo histórico no sentido
pròximamente gostariam de ver desencadear na Alemanha, de Marx, mas um materialismo policial no sentido de
num dia assinalado no calendário, por um decreto da direcção Puttkammer (2). Os próprios representantes do Estado contam
do Partido, a greve de massas, do outro lado, os que, como os tanto, e mesmo exclusivamente, com o poder efectivo do
delegados do Congresso Sindical de Hamburgo, querem liquidar proletariado organizado em cada momento, como com o poder
definitivamente o problema da greve de massas, interceptando a material das baionetas; do quadro comparativo destes dois
sua «propaganda». Uma e outra das tendências partem da idéia números eles não cessam de tirar esta tranqüilizante conclusão:
comum, e absolutamente anárquica, de que a greve de massas o movimento operário é produzido por mentores e agitadores;
é uma arma puramente teórica, que facilmente, de acordo ergo temos nas prisões e nas baionetas um meio razoável de nos
com o que se julgue útil, poderia ser facilmente tornarmos senhores deste «fenômeno passageiro e
«decidida» ou, inversamente, «proibida», qual navalha quê desagradável».
se pode ter fechada no bolso para qualquer eventualidade ou, A classe operária consciente compreende há muito o
pelo contrário, aberta e pronta a servir, quando se decidir. ridículo desta teoria policial, segundo a qual todo o movi-
Sem dúvida, os adversários da greve de massas reivindicam mento operário moderno seria o resultado artificial e arbi-
muito justamente o mérito de ter comandado o terreno trário de um punhado de «agitadores e mentores» sem
histórico e as condições materiais da situação actual na escrúpulos. Vemos manifestar-se um conceito semelhante
Alemanha, em oposição aos «românticos da revolução» que quando dois ou três bravos camaradas formam colunas
viajam no espaço imaterial e se recusam termi-nantemente a voluntárias de vigilantes nocturnos para pôr a classe operária
alemã em segurança contra as ratoeiras de meia dúzia de
lançar um olhar à dura realidade, suas possibilidades e
«românticos da revolução» e contra a sua «propaganda a
impossibilidades.
favor da greve de massas»; ou ainda, quando do lado adverso
«Pactos e números, números e factos», exclamam como
se assiste ao lançamento de uma campanha indignada e lacri-
M. Gradgrind em «Os Tempos Difíceis» de Dickens. Os
adversários sindicalistas interpretam «terreno histórico»
(2) Puttkammer, 1828-1900, ministro do interior entre 1881 e 1888.
e «condições materiais» como dois elementos diferentes: por

17
16
mejante pelos que, desiludidos com a tentativa de uma luta, a derrota certa da greve de massas, como a sua possi-
explosão grevista na Alemanha, se sentem frustrados por bilidade absoluta e a vitória assegurada. Também ò valor
não sei que conluios «secretos» da direcção do Partido da demonstração é o mesmo nos dois casos, quer dizer,
com a Comissão Geral dos Sindicatos. Se a explosão das nulo. É por isso que temer a propaganda em favor das
greves dependesse da «propaganda» incendiaria dos «românticos greves de massas e pretender excomungar formalmente os
da revolução» ou das decisões secretas ou públicas dos Comitês culpados deste crime, é ser vítima de um absurdo mal-
directivos, não teríamos tido até aqui qualquer importante entendido. É tão difícil «propagar» a greve de massas como
greve de massas na Rússia. Não há nenhum país — já meio abstracto de luta, como «propagar» a revolução. A
assinalei o facto na Gazeta Operária de Saxe em Março de 1905 «revolução» e a «greve de massas» são conceitos que não
— onde se pensasse tão pouco em «difundir» ou mesmo representam mais do que a forma exterior da luta de classes e
«discutir» a greve como na Rússia. E os poucos exemplos de só têm sentido e conteúdo, quando referidas a situações
resoluções e acordos da direcção do partido socialista russo políticas bem determinadas.
que decretavam uma completa greve geral — como a última Empreender uma propaganda adequada à greve como
tentativa em Agosto de 1905 após a dissolução da Douma — forma de acção proletária, querer difundir essa «ideia»
fracassaram quase por completo. A revolução russa ensina-nos para com ela ganhar pouco a pouco a classe operária, seria uma
assim uma coisa: é que a greve de massas nem é «fabricada» ocupação tão ociosa, tão vã e insípida como encetar uma
artificialmente nem «decidida» ou «difundida» no éter campanha de propaganda em prol da idéia de revolução ou do
imaterial e abstracto, é tão somente um fenômeno
combate nas barricadas. Se a greve se transformou agora num
histórico resultante, num certo momento, de uma situação
vivo centro de interesse para a classe operária alemã e
social a partir de uma necessidade histórica.
internacional é porque ela representa uma nova forma de
Portanto, não é por especulações abstractas sobre a
luta, e, como tal, o sintoma correcto de transformações
possibilidade ou impossibilidade, sobre a utilidade ou perigo
interiores profundas nas relações entre as classes e nas
dá greve, mas é pelo estudo dos factores e da situação social que
condições da luta de classes. Se os operários alemães — não
provocam a greve na actual fase da luta de classes, que o
obstante a cerrada resistência dos seus dirigentes sindicais —
problema se resolve; o problema não se compreenderá nem
manifestam um interesse tão ardente por este novo problema,
poderá ser discutido numa perspectiva subjectiva da greve
isso testemunha o seu profundo instinto revolucionário e sua
geral considerando o que é desejável ou não, mas a partir
viva inteligência. Mas a esse interesse, a essa nobre sede
de um exame objectivo das origens da greve de massas,
intelectual, ao entusiasmo dos operários pela acção
inquirindo-se se é ou não historicamente necessária.
revolucionária, não se responde dissertando através duma
No espaço imaterial da análise lógica abstracta pode
provar-se com o mesmo rigor, tanto a impossibilidade abso- ginástica cerebral abstracta, sobre a possibilidade ou
impossibilidade da greve; a isso se responde, explicando o
desenrolar da revolução russa, sua importância internacional,

18
19
internacionais da luta de classes. Aí reside a importância da
o agravamento dos conflitos de classe na Europa Ocidental, as resolução de Iéna. Quanto à aplicação prática da greve de
novas perspectivas da luta de classes na Alemanha, o papel e massas na Alemanha a história o decidirá como fez na Rússia;
deveres das massas nas lutas futuras. .Somente, de acordo com para a história, a social-democracia e suas resoluções são um
esta óptica a discussão sobre a greve de massas servirá para factor importante, decerto, mas um factor entre muitos.
alargar o horizonte intelectual do proletariado, contribuirá
para espevitar a sua consciência de classe, aprofundar as suas
idéias e fortalecer a sua energia para a acção. Por outro lado,
sob esta perspectiva, surge o ridículo do processo criminal
intentado pelos inimigos do «romantismo revolucionário»
que acusam os defensores desta tendência por não terem
obedecido literalmente à resolução de Iéna. Os partidários
de uma política «razoável e prática» aceitam rigorosamente tal
resolução visto que ela liga a greve de massas aos destinos
do sufrágio universal. Julgam poder extrair daí duas
conclusões: l.° — que a greve tem um carácter puramente
defensivo; 2.° — que ela própria está subordinada ao
parlamentarismo. Mas o verdadeiro conteúdo da resolução de
lena reside na análise segundo a qual, no estado actual da
Alemanha, uma luta empreendida pela reacção, pelo poder,
contra o sufrágio universal para as eleições do Reichstag,
poderia ser o factor que assinalaria um período de lutas
políticas tempestuosas. Seria então que pela primeira vez na
Alemanha, a greve de massas poderia ser desencadeada.
Somente, querer restringir e mutilar artificialmente, por
um texto dum Congresso, a importância social e o campo
histórico da greve de massas, como problema e como fenô-
meno da luta de classes, é dar provas de um espírito tão
limitado como na resolução do Congresso de Colônia o qual
proibiu a discussão da greve de massas. Na decisão de Iéna,
a social-democracia deu oficialmente notícia da profunda
transformação efectuada pela revolução russa nas condições

20 21
caram com freqüência no decorrer da revolução. As greves
conheceram na Rússia uma certa evolução histórica e pros-
seguem-na ainda. Assim, quem queira falar de greve de
massas na Rússia deve, antes de tudo, ter a sua história
3. diante dos olhos. Inicia-se, justamente, o período actual,
por assim dizer oficial, da revolução russa com a sublevação
do proletariado de S. Petersburgo em 22 de janeiro de 1905,
A greve de massas, como tema actual de discussão na esse desfile de 200000 empregados diante do palácio do
Alemanha, é um fenômeno particular muito claro e muito czar que terminou com um terrível massacre. À sangrenta
simples de conceber, as suas limitações são precisas: trata-se fusilaria de S. Petersburgo foi, como se sabe, o marco que
unicamente da greve política de massas. Entende-se como desencadeou a primeira e gigantesca série de greves de
massas; em poucos dias estenderam-se a toda a Rússia e
tal uma arrancada maciça e única do proletariado industrial
fizeram ecoar a chamada à revolução por todos os cantos
empreendida por ocasião dum acto político da maior impor-
do Império, ganhando todas as camadas do proletariado.
tância com base num acordo recíproco estabelecido a esse
Mas a sublevação de S. Petersburgo, em 22 de Janeiro, não foi
propósito entre as direcções do Partido e dos Sindicatos, e
mais que o ponto culminante de uma greve de massas que
que, conduzida na mais perfeita ordem e com espírito de
pusera em movimento todo o proletariado da capital czarista,
disciplina, termine com uma ordem ainda mais perfeita, sob
em Janeiro de 1905. Por seu lado, a greve de Janeiro em S.
a palavra de ordem dada no momento oportuno pelos
Petersburgo foi a conseqüência imediata da gigantesca greve
dirigentes, não esquecendo que a administração dos subsídios,
geral que estalara pouco antes, em Dezembro de 1904, no
as despesas, os sacrifícios, numa palavra, todo o balanço
Cáucaso, em Bakou, e manteve suspensa toda a Rússia. Ora,
material, é determinado a priori com precisão.
os acontecimentos de Bakou eram tão somente o último e
Ora, comparando este esquema teórico com á greve de poderoso eco das grandes greves que, em 1903 e 1904, quais
massas tal como se processa há cinco anos na Rússia, é-se tremores de terra periódicos, abalaram todo o sul da
levado.a constatar que o conceito à volta do qual giram todas Rússia e cujo prólogo foi a greve de Batoum, no Cáucaso, em
as discussões alemãs, não corresponde à realidade de nenhuma Março de 1902. No fundo, esta série de greves, na cadeia
das numerosas greves de massas que se realizam e que, por contínua das actuais erupções revolucionárias, somente dista
outro lado, as greves de massas se apresentam na Rússia sob da greve geral dos operários têxteis de S. Petersburgo,
formas tão variadas que é absolutamente impossível falar de em 1896 e 1897, cinco ou seis anos. Pode pensar-se que alguns
«a» greve de massas, de uma greve esquemática abstracta. anos de aparente acalmia e de severa reacção separam o movi-
Não só cada elemento da greve de massas, mas também a mento de então, da revolução de hoje; mas se conhecermos
sua particular característica, segundo as cidades e as regiões, e um pouco da evolução política interna do proletariado
principalmente o seu próprio carácter geral, se modifi-

22 23
russo, até ao estádio actual da sua consciência de classe e da lução em miniatura. Naturalmente, seguiu-se a mais brutal
sua energia revolucionária, não deixaremos de relacionar a repressão: cerca de um milhar de operários foram presos
história do presente período de lutas de massas com as e recambiados para o seu país de origem, a greve geral
greves gerais de S. Petersburgo. Estas são importantes no foi esmagada. Vemos já delinearem-se todas as características
problema da greve de massas, visto que já contêm em germe de uma futura greve de massas: em primeiro lugar, o facto
todos os princípios elementares das greves posteriores. Em que desencadeou o movimento foi fortuito, e mesmo aces-
primeiro lugar, a greve geral de 1896 em S. Petersburgo sório, a explosão foi espontânea. Mas no modo como o
surge como uma luta parcial reivindicativa, de objectivos movimento foi desencadeado manifestaram-se os frutos da
puramente econômicos. Foi provocada pelas intoleráveis propaganda conduzida em vários anos pela social-democracia;
no decorrer da greve geral os propagandistas da social-demo-
condições de trabalho dos fiadores e tecelões de S. Peters-
cracia permaneceram à cabeça do movimento, dirigiram-no
burgo: dia de trabalho de 13, 14 e 15 h.; salários à peça
e fizeram dele trampolim para uma viva agitação revolu-
miseráveis; ao que se acrescenta toda uma série de vexames
cionária. Por outro lado, se as greves pareciam limitar-se
patronais. Contudo, os operários têxteis suportaram por
exteriormente a uma reivindicação puramente econômica
muito tempo esta situação até ao momento em que um
visando os salários, a atitude do governo, bem como a agitação
incidente de insignificância aparente ultrapassou a medida.
socialista, transformaram-se num acontecimento político de
Com efeito, em Maio de 1896, realizou-se a coroação do
primeira ordem. Por fim, a greve foi esmagada, os operários
actual czar, Nicolau II, diferida por dois anos com receio
sofreram uma «derrota». Contudo, a partir de Janeiro do ano
dos revolucionários; nesta ocasião, os donos das empresas
seguinte (1897), os operários têxteis de S. Petersburgo
manifestaram o seu zelo patriótico, impondo aos operários
iniciaram uma greve geral, obtendo desta vez um enorme
três dias de férias forçadas, recusando-se, além disso, a pagar-
sucesso: a instauração do dia de trabalho de 11 h. e meia,
Ihes salário nesses dias. Os operários têxteis, exasperados
em toda a Rússia. Resultado mais importante ainda: após a
agitaram-se. Numa reunião que teve lugar no jardim de
primeira greve geral de 1896 que foi feita sem qualquer
Ekaterinev, na qual participaram cerca de 300 operários
organização operária e sem caixa de greve, iniciou-se pouco
entre os mais preparados politicamente, foram decididas e
a pouco na Rússia propriamente dita uma intensa luta sin-
formuladas as seguintes reivindicações: l.° — os di as da
dical que em breve se estendeu de S. Petersburgo ao resto
coroação deviam ser pagos; 2.° — horário reduzido p ara 10 h;
de país, abrindo novas perspectivas à propaganda e à orga-
3.° — aumento de salários. Passava-se isto em 24 de Maio.
nização da social-democracia. Assim um trabalho invisível
Uma semana depois estavam fechadas as fiações e 40 000 operá-
e subterrâneo preparava, sob o aparente silêncio sepulcral
rios em greve. Hoje, este acontecimento, comparado às
dos anos que se seguiriam, a revolução proletária.
vastas greves da revolução, pode parecer insignificante. Mas
A greve do Cáucaso em Março de 1902 explodiu dum,
no clima de estagnação política da Rússia nesta época, uma
modo tão fortuito como a de 1896 e parecia, ela também,
greve geral era uma coisa invulgar; era uma perfeita revo-

24 25
ser o resultado de factores puramente econômicos, resu- suspensão total do trabalho na indústria, todos os dias se
mindo-se a reivindicações parciais. Ela está ligada à terrível realizavam «meetings» extraordinários ao ar livre com
crise industrial e comercial que precedeu na Rússia a guerra 15 a 20000 operários, estando os manifestantes cercados
russo-japonesa e contribuiu fortemente para a criação, tal várias vezes por um cordão de Cossacos: os oradores sociais-
como esta guerra, de uma consciência revolucionária. A crise democratas, usaram da palavra publicamente e pela primeira
provocou um grande surto de desemprego, alimentando o vez; discursos inflamados sobre o socialismo e liberdade
descontentamento da massa proletária. Também o governo política eram apresentados e acolhidos com entusiasmo
resolveu, para apaziguar a classe operária, enviar a «mão extraordinário; eram difundidas tarjetas revolucionárias às
de obra inútil» para o seu país de origem. Tal medida, dezenas de milhares. Em plena Rússia congelada no seu
que devia abranger cerca de 400 operários do petróleo, absolutismo, o proletariado de Rostov, pela primeira vez,
provocou precisamente em Batoum um protesto maciço. no fogo da acção, conquista o direito de reunião. Claro
Realizaram-se manifestações, prisões, uma repressão sangrenta que a sangrenta repressão não se fez esperar. Em poucos
e, finalmente, um processo político no decurso do qual a dias, as reivindicações salariais nas oficinas do caminho de
luta, por reivindicações parciais e puramente econô- ferro de Vladicáucaso tomaram as proporções de uma greve
micas, tomou foros de acontecimento político e revolucio- política geral e de uma batalha revolucionária de rua. Imedia-
nário. A greve de Batoum, que não saiu coroada de sucesso tamente, se seguiu uma segunda greve, desta vez na estação
e que conduziu a uma derrota, teve como resultado uma de Tichoretzkaia, na mesma linha de caminho de ferro.
série de manifestações revolucionárias em Njini-Novgorod, Ainda aí teve lugar uma repressão feroz, seguida de um
em Saratov e noutras cidades; esteve assim na origem da processo, e Tichoretzkaia entra, por sua vez, na cadeia
vaga revolucionária geral. A partir de Novembro de 1902 ininterrupta dos episódios revolucionários. A primavera
nota-se a primeira e verdadeira repercussão sob a forma de de 1903 trouxe uma compensação para as greves de Rostov
uma greve geral em Rostov-do-Don. Este movimento foi e de Tichoretzkaia: em Maio, junho, Julho todo o sul da
desencadeado por um conflito que surgiu nas oficinas do Rússia se inflama. Há literalmente greve geral em Bakou,
caminho de ferro em Vladicaucaso a propósito dos salários. Tiflis, Batoum, Elisabethgrad, Odessa, Kiev, Nicolaiev, Ekate-
Porque a administração queria reduzir os salários, é rinoslav. Mas, também aí, a greve não foi desencadeada a
publicado um manifesto pela Direcção do Partido Social- partir de um núcleo, segundo um plano preconcebido: desen-
Democrata, apelando para a greve e formulando as cadeou-se em diversos pontos por motivos diversos e sob
seguintes reivindicações: 9 h. de trabalho, aumento de formas diferentes para depois confluir. Bakou abre o desfile:
salários, supressão dos castigos, expulsão dos engenheiros várias reivindicações parciais de salários em diversas fábricas
impopulares, etc. Todas as oficinas do caminho de ferro e diversos ramos acabam por conduzir a uma greve geral.
entraram em greve. Todos os outros ramos de actividade Em Tiflis, 2000 empregados do comércio, cujo horário
se juntaram ao movimento, e Rostov conhece em breve de trabalho ia das 6 h. da manhã às 11 h. da noite, iniciam
uma situação sem precedentes:
27
26
a greve; a 4 de Julho, às 8 h. da tarde, abandonam todas as
pressionaram a «Associação Operária» de Zoubatov a procla-
lojas e desfilam em cortejo ao longo da cidade, obrigando
mar uma greve com objectivos reivindicativos modestos.
os lojistas a fechar. A vitória é completa: os empregados
O patrão expulsou-os simplesmente, e quando reclamaram ao
do comércio alcançam o dia de trabalho de 8 h. e meia;
chefe da Associação o prometido apoio governamental, este
em breve o movimento se estende às fábricas, às oficinas, aos
esquivou-se, facto que levou ao rubro o catalisador revolu-
escritórios. Não há jornais, os eléctricos só circulam sob a
cionário. Em breve os sociais-democratas tomaram as rédeas
protecção das tropas. Em Elisabethgrad, a 10 de Julho,
do movimento grevista que atingira outras fábricas. No dia l
desencadeia-se a greve em todas as fábricas, tendo por
objectivo reivindicações puramente econômicas. Estas foram de Julho, greve de 2500 operários dos caminhos de ferro;
aceites na sua maior parte e a greve cessa no dia 14 de Julho. a 4 do mesmo mês entram em greve os operários do porto,
Mas duas semanas mais tarde rebenta novamente; desta reclamando um aumento de salários de 80 kopeks a 2 rublos
vez são os padeiros quem lança a palavra de ordem, seguidos e redução de mela hora no horário de trabalho. Em 6 de
pelos pedreiros, marceneiros, tintureiros, moleiros e, final- Julho os marinheiros juntam-se ao movimento. A 13, levan-
mente, por todos os operários fabris. Em Odessa, o movi- tamento do pessoal dos eléctricos. Realiza-se uma reunião
mento principia por uma reivindicação salarial, na qual parti- de grevistas — 7a 8000 pessoas; forma-se o cortejo, indo
cipa a associação operária «legal» fundada por agentes de fábrica em fábrica, engrossa como uma avalanche até
governamentais com base no programa elaborado pelo célebre levar 40 a 50000 pessoas, dirigindo-se ao porto para
agente Zoubatov. Eis ainda aí uma das mais belas astúcias da organizar um levantamento geral. Rapidamente, em toda
dialéctica histórica. As lutas econômicas do período prece- a cidade, reina a greve geral. Em Kiev, sublevação em 21 de
dente — entre outras a grande greve geral de S. Petersburgo Julho nas oficinas do caminho de ferro. Também aqui as
(em 1896) — levaram a social-democracia russa a exagerar o condições de trabalho e as reivindicações salariais são o
que se chama «o economismo», preparando assim o terreno, motivo da explosão da greve. No dia seguinte, os fundidores
na classe operária para as manobras demagógicas de Zoubatov. seguem o exemplo. Em 23 de Julho, ocorre um incidente
Mas, um pouco mais tarde, a grande corrente revolucionária que anuncia a greve geral. De noite, dois delegados dos
fez virar o barquito dos cem pavilhões e forçou-o a vogar ferroviários são presos; os grevistas reclamam a sua liber-
à cabeça da frota proletária revolucionária. Foram as asso- tação imediata; ante a recusa que lhes é oposta, decidem
ciações de Zoubatov que na primavera de 1904 deram a impedir os comboios de sair da cidade. Na gare, os grevistas
palavra de ordem para a grande greve geral de Odessa, com as mulheres e filhos deitam-se nos carris, verdadeira
como para a greve geral de S. Petersburgo em Janeiro de 1905. maré de cabeças humanas. Ameaçam atirar sobre eles.
Os trabalhadores de Odessa, até então embalados na ilusão da Os operários descobrem o peito e gritam: «Atirem!»
bonomia do governo e da sua simpatia por uma luta pura- Disparam sobre a multidão, 30 a 40 pessoas são mortas, entre
mente econômica, imediatamente quiseram tirar a prova: as quais mulheres e crianças. Após este acontecimento,
Kiev inteira está em greve. Os cadáveres das vítimas são
28
29
trazidos em braços acompanhados por um imponente cortejo. profundamente comovedor, idílico e enternecedor ao mesmo
Reuniões, discursos, prisões, combates isolados na rua tempo». Assim escrevia então o correspondente do Osvo-
— Kiev está em plena revolução. O movimento acaba bojdenié, órgão liberal de M. Pierre de Struve.
depressa; mas os tipógrafos alcançaram a redução de l hora no No início de 1904 rebentou a guerra, o que provocou uma
dia de trabalho e um aumento de l rublo; estabelece-se o dia interrupção no movimento grevista por algum tempo. De
de 8 h. de trabalho numa fábrica de porcelana; as oficinas início vemos espalhar-se pelo país uma turbulenta vaga de
dos caminhos de ferro fecham por decisão ministerial; manifestações «patrióticas» organizadas pela polícia. O chau-
outras profissões continuam em greve parcial pelas suas vinismo oficial czarista começou por abater a sociedade
reivindicações. Por contágio, a greve geral chega a Nicolaiev, burguesa «liberal». Mas cedo a social-democracia retomou a
sob a imediata influência das notícias vindas de Odessa, posse do campo de batalha; às manifestações policiais da
Bakou, Batoum e Tiflis, não obstante a resistência do comitê canalha patriótica se opõem as manifestações operárias
social-democrata, que queria retardar o começo do movi- revolucionárias. Por fim, as vergonhosas derrotas do exér-
mento até ao momento em que as tropas saíssem para cito czarista arrancam do seu sono a própria sociedade
manobras; os grevistas iam de oficina em oficina; a resis- liberal. Inaugura-se a era dos congressos, dos banquetes,
tência do exército não fez mais que lançar azeite no fogo. dos discursos, das felicitações, dos manifestos liberais e demo-
Cedo se viu formarem-se enormes cortejos que impeliam, ao cráticos. Momentaneamente diminuído, pela vergonhosa
som de cânticos revolucionários, todos os operários, empre- derrota, o absolutismo desorientado deixa agir esses senhores
gados, pessoal dos eléctricos, homens e mulheres. O levan- que já vêem abrir-se ante si o paraíso liberal. O liberalismo
tamento era total. Em Ekaterinov, a 3 de Agosto, os padeiros está na vanguarda da cena política durante 6 meses, o prole-
entram em greve, a 8 param os eléctricos, não há jornais. tariado reentra na sombra. Somente após uma longa depres-
Assim se realizou a grandiosa greve geral do sul da Rússia no são o absolutismo se organiza, a camarilha reúne as suas
Verão de 1903. Mil conflitos econômicos parciais, mil inci- forças; bastou espicaçar os Cossacos para lançar em deban-
dentes «fortuitos» convergiam, confluindo num poderoso dada os liberais, a partir de Dezembro. E os discursos, os
oceano; em poucas semanas, todo o sul do Império czarista congressos, são apodados de «insolente pretensão» e proi-
foi transformado numa estranha República operária revo- bidos por um traço de tinta; subitamente, o liberalismo
lucionária. acha-se no fim do seu latim. Mas no momento em que o
«Abraços fraternais, gritos de entusiasmo e contenta- liberalismo está completamente desorientado, entra o prole-
mento, cânticos de liberdade, risos felizes, alegria e delírio; tariado em acção. Em Dezembro de 1904 rebenta a célebre
um perfeito concerto despontava desta multidão de milhares e gigantesca greve geral de Bakou contra o desemprego;
de pessoas indo e vindo através da cidade, de manhã à noite. o operariado ocupa de novo o campo de batalha. A palavra
Reinava uma atmosfera de euforia; quase se podia crer que proibida é reduzida a silêncio, a acção recomeça. Em Bakou,
uma nova e melhor vida principiara na terra. Espectáculo durante várias semanas, em plena greve geral, a social-

30 31
e cidades da Rússia, Polônia, Lituânia, províncias bálticas,
-democracia domina inteiramente a situação; os inesperados
Cáucaso, Sibéria, de Norte a Sul, de Este a Oeste. Mas se
acontecimentos de Dezembro no Cáucaso teriam provocado
examinarmos as coisas com mais atenção, as greves tomam
uma grande emoção se não tivessem sido rapidamente
aspectos diferentes das do período anterior; agora, por
invadidos pela vaga crescente da revolução, na origem da
todo o lado, são as organizações sociais-democratas que
qual estes se encontram. As notícias fantasistas e confusas
chamam à greve, por todo o lado a solidariedade revolu-
sobre a greve geral de Bakou não tinham alcançado ainda
cionária para com o proletariado de S. Petersburgo foi
todas as extremidades do Império, quando, em janeiro,
expressamente designada como motivo e fim da greve
de 1905, explodiu a greve geral de S. Petersburgo. Também
geral, por toda a parte, desde o início, houve manifestações,
aí, o motivo que originou o movimento foi, como se sabe,
discursos, confrontos com a polícia. Todavia, também aqui
mínimo. Dois operários dos estaleiros de Poutilov tinham
se não pode falar, nem de plano pré-estabelecido, nem de
sido despedidos por pertencerem à Associação «legal» de
acção organizada, porque o apelo dos partidos dificilmente
Zoubatov. Tal medida de rigor provocou uma greve de
acompanhava a sublevação espontânea das massas; os diri-
solidariedade de todos os operários dos estaleiros em
gentes mal tinham tempo para formular palavras de ordem
número de 12000, no dia 16 de Janeiro. A greve deu aos
enquanto as massas lutavam. Outra diferença: as greves
sociais-democratas a possibilidade de empreender uma
de massas e gerais anteriores tinham a sua origem na conver-
activa propaganda a favor da extensão das reivindicações:
gência de reivindicações salariais parciais; estas, na atmosfera
reclamavam o dia de trabalho de 8 h., o direito de reunião, a
geral da situação revolucionária e sob o impulso da propa-
liberdade de expressão e de imprensa, etc. A agitação
ganda social-democrata, depressa se transformaram em
que animava as oficinas de Poutilov rapidamente alcançou
manifestações políticas; o elemento econômico e a difusão
outras fábricas, e, dias depois, 140000 operários entravam
sindical era o seu ponto de partida, a preparação da acção
em greve. Após deliberações tomadas em comum e discus-
de classe e a direcção política eram o resultado final. Aqui
sões tempestuosas, foi elaborada a carta proletária das
o movimento é inverso. As greves gerais de Janeiro-Fevereiro,
liberdades cívicas, mencionando como primeira reivindicação
eclodiram, primeiro sob a forma de uma acção revolucionária
o dia de trabalho de 8 h.; levando esta carta, desfilaram frente
preparada pela social-democracia, mas esta acção disse-
ao palácio do czar, em 22 de janeiro, 200000 operários
minou-se em breve numa infinidade de greves locais, parce-
chefiados pelo padre Gapone. Numa semana o conflito
lares, econômicas, em diversas regiões, cidades, profissões,
provocado pela expulsão de dois operários dos estaleiros
fábricas. Desde a Primavera de 1905 até pleno Verão assistiu-
de S. Petersburgo, transforma-se no prólogo da mais poderosa
se, neste gigantesco Império, ao nascimento de uma
revolução dos tempos modernos. Os acontecimentos poste-
poderosa luta política de todo o proletariado contra o
riores são conhecidos: em Janeiro e Fevereiro a sangrenta
capital; a agitação alcança, no topo, as profissões liberais
repressão de S. Petersburgo ocasionava gigantescas greves
e a pequena burguesia, empregados comerciais, dos bancos,
de massas e greves gerais em todos os centros industriais
33
32
engenheiros, comediantes, artistas, e penetra na base, nas suas conseqüência, sem se preocupar com as lições dos
conquistando os criados, os agentes subalternos da polícia, e que a si próprios se instituíram como mestres
até as camadas do «sub-proletariado», estendendo-se A brusca sublevação geral do proletariado em Janeiro,
simultaneamente, aos campos, batendo mesmo à porta das desencadeada pelos acontecimentos de S. Petersburgo era,
casernas. Eis o painel imenso e variado da batalha geral na sua acção exterior, um acto político revolucionário, uma
do trabalho contra o capital; vemos reflectir-se nele toda a declaração de guerra ao absolutismo. Mas esta primeira
complexidade do organismo social, da consciência política luta geral e directa de classes provocou uma reacção tanto
de cada categoria e de cada região; vemos desenvolver-se mais poderosa que a anterior, quanto acordava pela primeira
toda uma gama de conflitos desde luta sindical, conduzida em vez, como um choque eléctrico, o sentimento e a cons-
boa e devida forma pelo bem treinado exército de elite ciência de classe em milhões e milhões de homens. Este
do proletariado industrial, até à explosão de uma revolta despertar da consciência de classe imediatamente se mani-
anarquista de um punhado dê operários agrícolas e ao festa do seguinte modo: uma multidão de milhões de prole-
levantamento confuso de uma guarnição militar, até à revolta tários descobre de súbito, com um sentimento de acuidade
discreta e distinta, de punhos de renda e colarinhos altos insuportável, o carácter intolerável da sua existência social
numa mesa de jogo e, aos protestos a um tempo tímidos e e econômica, do qual era escravo há decênios, sob o jugo
audaciosos de polícias descontentes, secretamente reunidos do capitalismo. De repente, desencadeia-se uma sublevação
num posto enfumarado, obscuro e sujo. geral e espontânea para sacudir esse jugo, para quebrar as
Os partidários das «batalhas ordenadas e disciplinadas» algemas. Sob mil aspectos, os sofrimentos do proletariado
concebidas segundo um plano e um esquema, os que em moderno reavivam a recordação destas feridas sempre
particular querem sempre saber com antecedência como sangrentas. Aqui luta-se pelas 8 h. de trabalho, ali, contra
«será preciso fazer», consideram que foi um «grave erro» o trabalho incerto; aqui, sobre as charruas manuais, trans-
retalhar a grande acção da greve política geral de Janeiro portam-se os senhores brutais, após terem sido metidos
de 1905 numa infinidade de lutas econômicas, visto que isso num saco; algures, combate-se o infame sistema de multas;
conduziu, a seus olhos, a uma paralisação da acção e à sua por toda a parte luta-se por melhor salário; aqui e ali, pela
transformação num fogo fátuo. O próprio partido social- supressão do trabalho ao domicílio. As profissões anacrô-
democrata russo que sem dúvida participou na revolução, nicas e degradantes das grandes cidades, as pequenas cidades
mas não foi o seu autor, e que deve aprender as leis ao adormecidas num sono idílico, até então, a aldeia com o seu
longo do seu desenvolvimento, se encontrou desorientado sistema de propriedade de escravatura hereditária, — tudo
por algum tempo com o refluxo aparentemente estéril da isto é bruscamente despertado pelo raio tempestuoso de
primeira maré de greves-gerais. Contudo, a história, que Janeiro, tomando consciência dos seus direitos e procurando
cometera este «grande erro», concluía assim um gigantesco recuperar febrilmente o tempo perdido. Aqui a luta econô-
trabalho revolucionário tão inevitável quanto incalculável mica foi na realidade não um fraccionamento, não um esbo-

34 35
roamento da acção, mas uma mudança de frente; a primeira radical, pequeno-burguês, conservador e reaccionário; isso
batalha contra o absolutismo transforma-se em breve e implica o despertar para o conhecimento, para a consciência
naturalmente num ajuste geral de contas com o capitalismo, e de classe não só das camadas populares, mas ainda das camadas
este, em conformidade com a sua natureza, assume a forma de burguesas; estas últimas não podem constituir-se nem ama-
conflitos parciais em favor dos salários. É falso dizer-se que durecer senão na luta, no curso da revolução em marcha, na
a acção política de classe em janeiro foi destruída, porque a
escola viva dos acontecimentos, no seu confronto com o
greve geral se repartiu em greves econômicas. É exacta-
proletariado e entre si num confronto contínuo e recíproco.
mente o contrário: uma vez esgotado o conteúdo possível
Esta divisão e esta maturação das classes na sociedade
burguesa, assim como a sua acção na luta contra o absolu-
da acção política, feito o balanço da situação e da fase em
tismo, são, ao mesmo tempo, travadas e dificultadas por um
que a revolução se encontrava, esta fragmentou-se, ou antes,
lado, estimuladas e aceleradas por outro, pelo papel domi-
transformou-se em acção econômica. De facto, que mais
nante e particular do proletariado e pela sua acção de classe.
podia obter a greve geral de janeiro? É preciso ser-se
As diversas correntes subterrâneas do processo revolucio-
inconsciente para esperar, de uma só vez, o esmagamento
nário entrecruzam-se, criam mutuamente obstáculos, avivam
do absolutismo com uma só greve geral «prolongada»,
contradições internas da revolução o que tem por resultado,
segundo o modelo anarquista. É pelo proletariado que o
no entanto, a precipitação e intensificação da poderosa
absolutismo na Rússia tem de ser derrubado. Mas para
explosão. Assim, este problema, tão simples na aparência,
tanto, o proletariado tem necessidade de um alto grau de
tão pouco complexo, puramente mecânico: a queda do
educação política, de consciência de classe e organização.
absolutismo, exige um completo processo social; é neces-
Não pode aprender todas estas coisas em brochuras ou em
sário que o terreno social seja arado de alto a baixo, que o
folhas volantes; tal educação ele a adquirirá na escola política
que está por baixo venha à superfície, o que está por cima
viva, na luta e pela luta, no decorrer da revolução em marcha. seja profundamente enterrado, que «ordem» aparente se
Aliás, o absolutismo não pode ser derrubado, seja quando transforme em caos e que a partir da aparente anarquia seja
for, com a exclusiva ajuda de uma dose suficiente de criada uma nova ordem. Ora, neste processo de transfor-
«esforços» e «perseverança». A queda do absolutismo mação das estruturas sociais da antiga Rússia não foi unica-
não é mais que um sinal exterior da evolução interior das mente o «trovão» de janeiro que desempenhou um papel
classes na sociedade russa. Dantes, para que o absolutismo insubstituível, mas principalmente as grandes tempestades
fosse derrubado, era preciso que a estrutura interna da da Primavera e do Verão. A batalha geral e encarniçada
futura Rússia burguesa fosse estabelecida, que a sua estru- dos assalariados contra o capital contribuiu, ao mesmo
tura de moderno Estado de classes fosse constituída. Isso tempo, para a diferenciação das várias camadas populares e
implica a divisão e a diversificação das camadas sociais e dos das camadas burguesas, para a formação de uma consciência
interesses, a constituição, não somente do partido revolu- de classe no proletariado revolucionário e também na
cionário operário, mas ainda dos diversos partidos: liberal,
37
36
burguesia liberal e conservadora. Se, nas cidades, as reivin- Karmanski, Damiecki, Gromel, Szerbinski,
dicações salariais contribuíram para a criação do grande Trenerovski, Horn, Bevensee, Twarkovski, Daab e Martens,
partido monárquico dos industriais de Moscovo, a grande 10 empresas ao todo, os grevistas obtiveram no dia 23 de
revolta campesina na Livónia levou à rápida liquidação do Fevereiro o dia de trabalho de 9 h.; entretanto, não se
famoso liberalismo aristocrático e agrário dos Zemtvos. contentaram com isso e mantiveram a exigência do dia de 8
Simultaneamente, o período das batalhas econômicas na horas, que conseguiram obter uma semana mais tarde, ao
Primavera e Verão de 1905, permitiu ao proletariado das mesmo tempo que um aumento de salários. Toda a indústria
cidades tirar lições do prólogo de Janeiro e tomar consciência da construção se pôs em greve a 27 de Fevereiro,
das tarefas futuras da revolução, graças à intensa propaganda reclamando, segundo a palavra de ordem dada pela social-
conduzida pela social-democracia e graças à sua direcção democracia, o dia de trabalho de 8 h.; em II de Março
política. A este primeiro resultado acrescenta-se um outro obtinham o dia de trabalho de 9 h., um aumento de
de carácter social durável: a elevação geral do nível de vida salário, pagamento regular do salário por semana, etc. Os
do proletariado no plano econômico, social e intelectual. pintores de construções, os carpinteiros, os seleiros e os
As greves da Primavera de 1905 tiveram, quase todas, um ferreiros, conquistaram juntos o horário de trabalho de 8
fim vitorioso. Citemos, somente a título de exemplo, esco- h. sem redução de salários. Os empregados dos telefones
lhidos numa colecção de factos importantes, de que não se fizeram greve durante 10 dias, obtendo assim o dia de
pode medir ainda a amplitude, um certo número de dados trabalho de 8 h. e um aumento de salário de 10 a 15%.
de algumas greves importantes que se desenrolaram em A grande fábrica de tecelagem de linho de Hiele e
Varsóvia, sob a direcção da social-democracia polaca, e lituana. Dietrich (10 000 operários) conquista, após 9 semanas de
Nas maiores empresas metalúrgicas de Varsóvia — Sociedade greve, a redução de 1 h. no dia de trabalho e um aumento de
Anônima Lilpop, Rau e Lowenstein, Rudzki & C.ª, Bormann salário de 5 a 10%. Constatam-se resultados análogos com
Schwede & C.ª, Handtke, Gerlach e Pulst, Geisler Irmãos, infinitas variantes em todas as outras indústrias de
Eberhard, Wolksi & C.ª, Sociedade anônima Conrad e Varsóvia, Lodz, Sosnovice.
Jarmuskiescicz, Weber e Daehm, Gwizdzinski & C.ª, Na Rússia, propriamente dita, foi obtido o dia de
K. Brun & Filhos, Fraget, Norblin, Werner, Buch, Kenneberg trabalho de 8 h.:
Irmãos, Labor, fábrica de lâmpadas Dittmar, Serkowski,
Weszynski, ao todo 22 empresas, — os operários obtiveram, — em Dezembro de 1904, por várias categorias dos
após uma greve de 4 a 5 semanas (iniciada em 25 e 26 de operários da nafta em Bakou;
Janeiro), o dia de trabalho de 9 h. assim como um aumento — em Maio de 1905, pelos operários das refinarias de
nos salários de 15 a 25%; obtiveram também diversos melho- açúcar do distrito de Kiev;
ramentos de menor importância. Nos maiores estaleiros — em Janeiro, no conjunto das tipografias da cidade de
da Indústria de madeira em Vazsóvia, nomeadamente Samara (ao mesmo tempo que um aumento de salários à peça
e a abolição das multas);

38 39
— em Fevereiro, na fábrica de aparelhos de medicina O dia de trabalho de 10 h. é adoptado em quase todas
do exército, numa fábrica de móveis e na fábrica de S. Peters- as fábricas de Lodz, Sosnovice, Riga, Kovno, Reval, Dorpat,
burgo. — Ainda mais: criou-se um sistema de trabalho por Minsk, Kharkov; é adoptado pelos padeiros de Odessa;
equipes de 8 h. nas minas de Vladivistok; pelas oficinas artesanais de Kichinev, em várias fábricas de
— em Março, na oficina mecânica da tipografia dos chapéus em S. Petersburgo; pelas fábricas de fósforos de
papeis de Estado, pertencente ao Estado; Kovno (e um aumento de salário de 10%); em todos os
— em Abril, pelos ferreiros de Bodroujsk; estaleiros navais do Estado e por todos os operários do
— em Maio, foi adoptado igualmente o horário de 8 h. porto.
e meia na enorme empresa de tecelagem de lã em Morosov Os aumentos de salários são geralmente menos substan-
(ao mesmo tempo, abolia-se o trabalho nocturno, e os ciais que a redução do tempo de trabalho, mas nem por isso
salários aumentavam 8%); menos importantes; assim, em Varsóvia, no decorrer do mês
— em Junho, adoptava-se o dia de trabalho de 8 h. de Março de 1905, as oficinas municipais estabelecem um
em vários lagares de azeite em S. Petersburgo e Mos- aumento de 15%; em Ivanovo-Voznessensk, centro de
covo; indústrias têxteis, os aumentos de salário oscilam entre 7
— em Julho, o horário de trabalho de 8 h. e meia, para e 15%; em Kovno, 75% da população operária total bene-
os mecânicos do porto de S. Petersburgo; ficia de um aumento. Instaurou-se um salário mínimo fixo
— em Novembro, todas as tipografias particulares da num certo número de padarias em Odessa, nos estaleiros
cidade de Orei, adoptam o dia de trabalho de 8 h., assim marítimos da Neva em S. Petersburgo, etc. Na verdade, estas
como alcançam um aumento de 20% no salário/hora e vantagens foram mais de uma vez retiradas, ora num sítio,
de 100% nos salários por empreitada; instituía-se igualmente ora noutro. Mas tal acontecimento deu origem a novas
um comitê directivo composto por igual número de patrões batalhas, a «desforços» mais encarniçados ainda; foi assim
e operários; que o período de greves da Primavera de 1905 criou por
— em Fevereiro, o dia de trabalho de 9 h. em todas si uma série infinda de conflitos econômicos cada vez mais
as oficinas dos caminhos de ferro; em muitos arsenais nacio- vastos e mais encadeados, que ainda duram. Nos períodos de
nais de guerra e estaleiros navais; na maior parte das fábricas acalmia exterior da revolução, em que os comunicados não
de Berdjankz; em todas as tipografias de Poltava e Minsk; contêm qualquer notícia sensacional da frente russa, em que o
o dia de trabalho de 9 h. e meia nas bacias marítimas, no leitor da Europa Ocidental guarda o seu jornal, constatando
estaleiro e na fundição mecânica de Nicolaiev; em Junho, com decepção que não há «nada de novo» na Rússia, a revo-
após uma greve geral dos empregados de café em Varsóvia, lução prossegue sem tréguas, dia após dia, hora após hora,
foi introduzido na maior parte dos restaurantes e cafés, seu imenso trabalho subterrâneo, minando as profundezas de
simultaneamente, um aumento de salário de 20 a 40% todo o império. A imensa luta econômica faz passar rapida-
e férias de quinze dias por ano. mente, por métodos acelerados, do estádio de acumulação

40 41
primitiva da economia patriarcal fundada na pilhagem, a um lista senhor em sua casa é praticamente suprimido.
estádio de civilização mais moderno. Actualmente, a Rússia Vimos constituir-se espontaneamente Comitês operários,
está à frente, no que se refere à duração real do trabalho, únicas instâncias que negociam com o patrão, nas
não somente da legislação russa que prevê um dia de trabalho maiores fábricas de todos os centros industriais mais
de 11 h. e meia, mas também das condições efectivas de importantes. E, por fim, ainda mais: as greves aparentemente
trabalho na Alemanha. Na maior parte dos ramos da grande caóticas e a acção revolucionária «organizada» que
indústria russa, adopta-se o dia a de trabalho de 8 h., o que sucederam à greve geral de Janeiro transformam-se no
constitui, aos olhos da social-democracia alemã, um objectivo ponto de partida para um precioso trabalho de organização.
inatingível. Ainda mais, este «constitucionalismo indus- A história ri-se dos burocratas apaixonados por esquemas
trial» tão desejado na Alemanha, objecto de todos os votos, «pré-fabricados» guardiões ciumentos da felicidade dos
em nome do qual os adeptos duma táctica oportunista sindicatos. As sólidas, organizações concebidas como
queriam manter as águas paradas do parlamentarismo fortalezas inexpugnáveis e cuja existência tem de ser
— única via possível de salvação — ao abrigo de todo o assegurada, antes de eventualmente se pensar na realização
sopro de ar um pouco vivificante, apareceu na Rússia, em de uma hipotética greve de massas na Alemanha — são,
plena tempestade revolucionária, ao mesmo tempo que o pelo contrário, fruto da própria greve de massas. E enquanto
«constitucionalismo» político. Na realidade, o que se os ciumentos guardiões dos sindicatos alemães temem,
produziu não foi unicamente um aumento geral do nível antes de tudo, ver quebrar em mil bocados essas
de vida da classe operária, nem do seu nível de civilização. organizações, qual porcelana, no meio do turbilhão
O nível de vida, sob a perspectiva de bem-estar material revolucionário, a revolução russa apresenta-nos um
durável, não tem lugar na revolução. Esta está cheia de quadro completamente diferente: o que emerge dos
contradições e contrastes, ora consegue vitórias econômicas, turbilhões e da tempestade, das chamas e do braseiro da
ora sofre as vinganças mais brutais do capitalismo; hoje ó greve de massas, qual Afrodite surgindo da espuma dos
dia de trabalho de 8 h., amanhã os lock-out em massa e a mares, são... sindicatos novos e jovens, vigorosos e ardentes.
fome para centenas de milhares de pessoas. O resultado mais Citemos mais uma vez apenas um pequeno exemplo, mas
precioso, porque permanente neste brusco fluxo e refluxo típico para todo o Império. No decurso da 2.ª Conferência
da revolução é de ordem espiritual: o crescimento intermi- dos Sindicatos Russos, realizada em fins de Janeiro de 1906
tente do proletariado no plano intelectual e cultural é uma em S. Petersburgo, o delegado dos sindicatos de S. Peters-
garantia absoluta do seu irresistível progresso futuro, tanto burgo apresentou um documento sobre o desenvolvimento
na luta econômica, como na luta política. dos organismos sindicais na capital dos czares, em que dizia:
Mas não é tudo: as próprias relações entre operários «O dia 22 de janeiro de 1905, que destruiu a associação
e patrões sofrem transformações; após a greve geral de de Gapone, marcou uma etapa. A massa dos trabalhadores
Janeiro e as greves seguintes de 1905, o princípio do capita- aprendeu a apreciar, pela força dos acontecimentos a impor-
tância da organização e compreenderam que podiam criar

42 43
sozinhos as suas organizações. É em ligação directa com o sindicato, a eleição de uma comissão constituída por 12
movimento de Janeiro que nasce em S. Petersburgo o primeiro membros encarregada de redigir os estatutos e de convocar
sindicato: o dos tipógrafos. A comissão eleita para o estudo uma assembléia Geral de Sapateiros. Os estatutos foram
das tarifas elaborou os estatutos e o dia 19 de junho foi o redigidos, mas não se pôde até agora imprimi-los nem
primeiro da existência desse Sindicato. Os sindicatos dos convocar a Assembléia Geral».
contabilistas e guarda-livros nascem mais ou menos na Tais foram os difíceis começos dos sindicatos. Surgiram
mesma altura. Ao lado destas organizações, cuja existência seguidamente as jornadas de Outubro, a segunda greve geral,
era praticamente pública (e legal), surgem, em Janeiro e o édito de 30 de Outubro e o curto «período constitucional».
Outubro de 1905 sindicatos legais e semi-legais. Citemos, Os trabalhadores lançaram-se com entusiasmo nas ondas da
entre os primeiros, o dos ajudantes de farmácia, e o dos liberdade política, para utilizá-la no trabalho de organização.
empregados comerciais. Entre os sindicatos legais deve A par das actividades políticas quotidianas — reuniões, discus-
mencionar-se a União dos Relojoeiros, cuja primeira sessão sões, criação de grupos — empreende-se o trabalho de orga-
secreta teve lugar em 24 de Abril. Todas as tentativas para nização sindical. Em Outubro e Novembro quarenta novos
convocar uma Assembléia Geral pública fracassaram ante sindicatos foram criados em S. Petersburgo. Criou-se imedia-
a obstinada resistência da polícia e dos patrões represen- tamente um «gabinete central», quer dizer, uma união
tados pela Câmara do Comércio. Esta derrota não impediu sindical; surgem vários jornais sindicais, e a partir de
a existência, dos sindicatos que realizam assembléias secretas Novembro um órgão central: O Sindicato. A descrição do
dos seus aderentes em 9 de Junho e 14 de Agosto, sem que se passou em S. Petersburgo aplica-se a Moscovo e
contar as sessões do departamento dos sindicatos. O Sindi- Odessa, a Kiev e Nicolaiev, a Saratov e Voronej, a Samara
cato dos alfaiates foi fundado na Primavera de 1905, no e Nijni-Novgorod, a todas as grandes cidades da Rússia
decorrer de uma reunião secreta realizada em plena floresta e mais ainda à Polônia. Os sindicatos destas cidades procuram
à qual assistiram 70 alfaiates. A seguir à discussão do problema encetar contactos entre si; realizam-se conferências. O fim do
da fundação, foi eleita uma comissão encarregada de elaborar «período constitucional» e o regresso à reacção em Dezembro
os estatutos. Todas as tentativas da Comissão para assegurar de 1905, põe fim provisoriamente à enorme actividade
ao Sindicato uma existência legal resultaram num fracasso. pública dos sindicatos, sem contudo levar ao seu desapare-
A sua acção limitou-se à propaganda e ao recrutamento nas cimento. Mantêm-se clandestinos como organizações e pros-
diferentes oficinas. Sorte semelhante estava reservada ao seguem ao mesmo tempo oficialmente as reivindicações
Sindicato dos sapateiros. Numa noite de Julho foi convocada salariais. É uma mistura original da actividade sindical
uma reunião secreta num bosque dos arredores. Reuniram-se ao mesmo tempo legal e ilegal, correspondendo às contra-
mais de mil sapateiros; foi apresentado um relatório versando dições da situação revolucionária. Mas no seio da própria
a importância dos sindicatos, sua história na Europa Ocidental, luta prossegue-se o trabalho com seriedade, mesmo com
e a sua missão na Rússia. Decidiu-se a fundação de um um pouco de pedantismo. Os sindicatos da social-democracia

44 45
polaca e lituana, por exemplo, que no último Congresso de fazer reivindicações salariais. Daqui em diante a
do Partido (Julho de 1906) estavam representados por cinco maior parte das lutas econômicas são dirigidas pelos
delegados e compreendiam 10000 membros cotizados, são sindicatos (8).
providos de estatutos regulares, de cartões impressos para É assim que a grande luta econômica, cujo ponto de
os aderentes, de selos móveis, etc. E os mesmos padeiros partida fora a greve geral de Janeiro e que continua, até
e sapateiros, metalúrgicos e tipógrafos de^Varsóvia e Lodz, agora, constitui o intróito da revolução de onde se vê,
que em Junho de 1905 estavam nas barricadas e, em Dezembro ora brotarem explosões isoladas, ora rebentarem imensas
esperavam a palavra de ordem vinda de S. Petersburgo para
descer à rua, têm tempo para reflectir calmamente entre (8) Só nas duas primeiras semanas de Junho de 1906, os sindicatos
duas greves, entre a prisão e o lock-out, em pleno estado empreenderam as seguintes lutas reivindicativas:
de sítio, e para discutir profunda e atentamente os estatutos — os tipógrafos de S. Petersburgo, Moscovo, Odessa, Minsk,
sindicais. Mais, os que se batiam ontem e se baterão Vilna, Saratov, Moghilev, Tambov, pelo dia de trabalho de 8 h. e pelo
descanso semanal;
amanhã nas barricadas, várias vezes nas reuniões censuraram
— greve geral dos marinheiros em Odessa, Nicolaiev, Kertch,
severamente os seus dirigentes e os ameaçaram de aban- Crimeia, Cáucaso, da frota do Volga, em Cronstadt Varsóvia e Plock,
donar o partido, porque não puderam imprimir rapidamente pelo reconhecimento do sindicato e pela libertação dos delegados presos;
os cartões sindicais — nas tipografias clandestinas e sob a — dos operários dos portos em Saratov, Nicolaiev, Tsaritsima,
ameaça constante das perseguições policiais. Este entusiasmo Archangelsk, Ninji-Novgorod e Ribinsk;
— a greve dos padeiros em Kiev, Arkangelsk, Bialystok, Vilna,
e esta seriedade ainda hoje se mantêm. Ao longo das
Odessa, Kharkov, Brest-Litovsk, Radom, e Tiflis;
primeiras duas semanas de Julho de 1906 fundaram-se —- por — dos operários agrícolas dos distritos de Verkhné-Dnieprovs,
exemplo — quinze novos sindicatos em Ekaterinoslav; 6 em Borinsovsk, Simferopol, dos governos de Todolsk, Toula, Koursk, dos
Krostoma, outros em Kiev, Poltava, Smolensk, Tcherkassy, distritos de Kozlov, Lipovitz, na Finlândia, nos governos de Kiev, do
Proskourov —, e até nas mais pequenas localidades dos distrito de Elisabethrad;
— em várias cidades a greve estendeu-se num certo período a
distritos provinciais. Na sessão realizada a 3 de Junho
todas as profissões ao mesmo tempo; por exemplo, em Saratov, Arkan-
último (1906) pela União dos Sindicatos de Moscovo, dos gelsk, Kertch e Krementchoug;
acordo com as conclusões dos artigos apresentados pelo — em Backhmout, greve geral dos mineiros em toda a bacia;
delegado de cada sindicato, decidiu-se que estes deveriam noutras cidades o movimento reivindicativo atingiu sucessivamente,
velar pela disciplina dos seus associados, e tinham de impedí- nessas duas semanas, todas as profissões, por exemplo em S. Petersburgo,
Varsóvia, Moscovo, em toda a província de Ivanovo-Volsnesensk.
los de tomar parte nos combates de rua, porque a greve de A greve em toda a parte tinha como objectivos: a redução do
massas é considerada inoportuna. Em face das eventuais tempo de trabalho, o repouso semanal, reivindicações relativas aos
provocações do governo têm de velar para que as massas salários. A maior parte das greves conduziram à vitória, as relações
não desçam à rua. Por fim, a União decidiu que, quando locais fazem ressaltar que elas atingiram parcialmente categorias de
operários que pela primeira vez participaram numa luta reivindicativa.
um sindicato decreta a greve, os outros devem abster-se

46 47
batalhas de todo o proletariado — sob a influência conjugada então pagos por unidade e cujo dia de trabalho era de 11 h.,
e alternada da propaganda política e dos acontecimentos representando, portanto, uma enorme perda de salários o
exteriores. Citemos algumas destas sucessivas explosões: em dia de trabalho de 8 h., o aceitam sem hesitação. Numa
Varsóvia, no dia l.° de Maio, por ocasião da festa dos traba- semana, o dia de trabalho de 8 h. foi adoptada por todas as
lhadores, rebenta uma greve geral, total, até então sem fábricas e oficinas de S. Petersburgo, ocasionando uma
precedentes, acompanhada de uma manifestação de massas alegria sem limites no proletariado. Em breve, contudo,
perfeitamente pacífica, que termina com uma confrontação o patronato de início desmantelado se prepara para a resposta:
sangrenta da multidão desarmada contra as tropas; em por toda a parte, a ameaça de fechar as fábricas. Um certo
número de operários aceita negociar, obtendo, aqui o
Lodz, em Junho, dispersão de um ajuntamento pelo exército,
horário de 10 h., o horário de 9 h. além. Mas, a elite do
motivando uma manifestação de 100000 operários por
proletariado de S. Petersburgo, os operários das grandes
ocasião do funeral de algumas vítimas da soldadesca, um novo
fábricas metalúrgicas nacionais permanecem inabaláveis:
recontro com o exército e, finalmente, uma greve geral
segue-se o lock-out, 45 a 50 000 operários são despedidos
— conduzindo esta, em 23, 24 e 25 de Maio, a um combate
por um mês. Daí que o movimento a favor do dia de trabalho
de barricadas, o primeiro no Império dos Czares; em
de 8 h. prossiga na greve geral de Dezembro, desencadeada,
Junho rebenta, no porto de Odessa, a primeira grande
em grande parte, pelo lock-out. Entretanto, tem lugar em
revolta dos marinheiros da frota do Mar Negro devido a
Outubro, em resposta ao projecto de Douma de Boulygine,
um pequeno incidente a bordo do couraçado Potemkine
a segunda poderosíssima greve geral desencadeada pela
o que provocou, como contragolpe, uma enorme greve de
palavra de ordem vinda dos ferroviários, estendendo-se a
massas em Odessa e Nicolaeiv. Esta revolta teve ainda
todo o Império. Esta segunda grande acção revolucionária
outras repercussões: uma greve e revoltas dos marinheiros em
do proletariado reveste-se dum carácter sensivelmente
Cronstadt, Libau e Vladivostok.
diferente da primeira greve de Janeiro. A consciência polí-
Em Outubro, tem lugar em S. Petersburgo a experiência
tica desempenha aqui um papel muito importante. Na ver-
revolucionária da instauração do dia de trabalho de 8 h..
dade, o motivo que desencadeou a greve de massas foi aqui
O Conselho dos Delegados Operários decide criar por ainda acessório e aparentemente fortuito: trata-se do con-
métodos revolucionários o dia de trabalho de 8 h.. É assim flito entre os ferroviários e a administração, a propósito
que numa data determinada todos os operários de S. Peters- da Caixa de Aposentação. Mas o levantamento geral do
burgo declararam aos seus patrões que se recusavam a traba- proletariado industrial que se seguiu assenta num pensa-
lhar mais de 8 h. por dia e abandonariam os seus locais de mento político claro. O prólogo da greve de Janeiro fora
trabalho à hora assim fixada. Esta idéia deu ocasião para uma uma súplica dirigida ao czar para obter a liberdade política;
intensa campanha de propaganda, sendo acolhida e executada a palavra de ordem da greve de Outubro, era: «Acabemos
entusiàsticamente pelo proletariado que não olhou aos com a comédia constitucional do Czarismo!» E graças ao
maiores sacrifícios. É assim que os operários têxteis, até

49
48
sucesso imediato da greve geral que se traduziu no mani- inevitável numa revolta geral aberta; no entanto, esta só pode
festo czarista de 30 de Outubro, o movimento não refluiu produzir-se após uma experiência adquirida numa série de
sobre si mesmo como em janeiro, regressando ao início da luta revoltas parciais e preparatórias, conduzindo provisoriamente
econômica; mas transvasa para o exterior, exercendo com a «derrotas» exteriores e parciais, podendo cada uma aparecer
ardor a liberdade política recentemente conquistada. Mani- como «prematura».
festações, reuniões, uma nova imprensa, discussões públicas, 1906 é o ano das eleições e do episódio da Douma.
massacres sangrentos, pondo fim aos regozijos, seguidos de O proletariado, movido por um poderoso instinto revolu-
novas greves e de novas manifestações, tal é o movimentado cionário que lhe permite ver claramente a situação, boicota
quadro das jornadas de Novembro e Dezembro. Em a farsa constitucional czarista. Por alguns meses, o libera-
Novembro, por apelo da social-democracia, é organizada a lismo ocupa de novo o primeiro lugar da cena política. Parece
primeira greve demonstrativa de protesto contra a repressão o renovar da situação de 1904: a acção cede lugar à palavra
sangrenta em S. Petersburgo e à proclamação do estado de sítio e o proletariado reentra na sombra por algum tempo,
na Livónia e Polônia. O sonho da Constituição é seguido de consagrando-se à luta sindical e ao trabalho de organização
um despertar brutal. A surda agitação acaba por desen- ainda com mais ardor. Cessam as greves de massas, enquanto
cadear a terceira greve geral de massas em Dezembro, a qual dia após dia os liberais fazem brilhar o fogo de artifício da
se estende a todo o Império. Agora o desenrolar e o fim sua eloqüência. Por fim, a cortina de ferro cai brusca-
são completamente diferentes dos casos precedentes. A acção mente. Os actores são dispersos, do furor da eloquência
política não cede lugar à acção econômica como em janeiro, liberal não resta mais que fumo e poeira. A tentativa da
mas também não alcança uma rápida vitória como em Outu- social-democracia para organizar uma quarta manifestação
bro. A camarilha czarista não renova as suas tentativas para de greve de massas em favor da Douma e do restabelecimento
instaurar uma verdadeira liberdade política, e a acção revo- da liberdade de expressão cai por terra. A greve política de
lucionária choca assim, pela primeira vez em toda a sua massas esgotou o seu papel, enquanto tal, e a passagem da
extensão, com esse muro inquebrantável: a força material greve ao levantamento geral do povo e aos combates de rua
do absolutismo. Pela evolução lógica interna dos aconteci- não é possível. O episódio liberal acabou, o episódio prole-
mentos em curso, a greve de massas transforma-se em tário de rua não é possível. O episódio liberal acabou,
revolta aberta, em luta armada, em combates de rua e o episódio proletário não começou ainda. A cena fica
barricadas, em Moscovo. As jornadas de Dezembro em provisoriamente vazia.
Moscovo são o auge da acção política e do movimento de
greves de massa, fechando assim o primeiro ano laborioso
da revolução. Os acontecimentos de Moscovo são uma
imagem reduzida da evolução lógica e do futuro do movi-
mento revolucionário no seu conjunto: a transformação

50 51
pacíficas ou batalhas de rua, combates de barricadas — todas
estas formas de luta se cruzam ou se tocam, se interpenetram
ou desaguam umas nas outras: é um mar de fenômenos eterna-
mente novos e flutuantes. E a lei do movimento destes
4. fenômenos surge claramente: não reside na própria greve de
massas, nas suas particularidades técnicas, mas na relação
entre as forças políticas e sociais da revolução. A greve
Nas páginas anteriores tentamos esboçar, em traços de massas é tão somente a forma adquirida pela luta revolu-
sumários, a história da greve de massa na Rússia. Um cionária e qualquer deslocamento na relação das forças em
simples e rápido olhar por esta história dá-nos uma imagem acção, no desenvolvimento do Partido e na divisão das
que não se compara em nada ao que habitualmente na Alemanha classes, na posição da contra-revolução, influem imediata-
se diz sobre a greve de massa no decurso das discussões. mente sobre a acção da greve por inúmeros meios invisíveis
Em vez do esquema rígido e vazio que nos apresenta uma e incontroláveis. Entretanto, a própria acção da greve de
«acção» linear, executada com prudência e segundo um massas não pára um só instante. Adquire somente outras
plano aprovado pelas instâncias supremas dos sindicatos, formas, modifica a sua extensão, os seus efeitos. Ela é a
vemos um fragmento da vida real feito de carne e sangue, pulsação viva da revolução e ao mesmo tempo o seu motor
que se não pode arrancar ao meio revolucionário, ligado mais poderoso. Em resumo: a greve de massa, de acordo
por mil laços a toda a organização revolucionária. A greve com o modelo que dela nos oferece a revolução russa, não é
de massas tal como nos é apresentada pela revolução russa, um meio engenhoso inventado para reforçar o efeito da luta
é um fenômeno tão móvel que reflecte em si todas as fases proletária, é o próprio movimento da massa proletária,
da luta política e econômica, todos os estádios é todos os é a força de manifestação das massas proletárias no desenrolar
momentos da revolução. O seu campo de aplicação, a sua da revolução. Partindo daí, podemos deduzir alguns pontos
força de acção, os factores do seu desencadear, trans- de vista gerais que permitem julgar o problema da greve
formam-se continuamente. De súbito, abrem-se novas de massa.
perspectivas à revolução no momento em que esta parecia
atravessar um impasse. Ela recusa-se a actuar no momento l.° — É absolutamente falso imaginar a greve de mas sas
em que se pensa poder contar seguramente com ela. Ora como acção única. A greve de massas é antes um termo
a vaga de movimento invade todo o Império, ora brota do que designa globalmente todo um período da luta de
solo como uma fonte viva, ora se perde na terra. Greves classes que se estende por vários anos, às vezes por decê-
econômicas e políticas, greves de massa, e greves parciais, gre- nios. Se considerarmos as inumeráveis e diferentes greves
ves demonstrativas ou de combate, greves gerais abrangendo de massa que sucederam na Rússia desde há quatro anos,
sectores particulares ou cidades inteiras, lutas reivindicativas uma única variante, e esta de importância secundária, corres-

52 53
ponde à definição de greve de massas como acto único e pontos minúsculos e isolados numa grande superfície. Se
breve de características puramente políticas, desencadeado considerarmos as coisas cronologicamente, nota-se o seguinte:
e suspenso arbitrariamente segundo um plano pré-concebido: as greves demonstrativas que, ao contrário dás greves de
trata-se da pura greve demonstrativa. Ao longo de um luta, exigem um nível de disciplina de partido muito elevado,
período de cinco anos, vemos na Rússia só algumas greves uma direcção política e uma ideologia política conscientes e,
deste gênero, em pequeno número e, facto notável, ordi- portanto, aparecem segundo o esquema como a forma
nariamente limitadas a uma cidade. Citemos entre outras: mais elevada e mais reflectida da greve de massas, são
a greve geral anual do l.° de Maio em Varsóvia e Lo dz — na sobretudo importantes no início do movimento. Assim a
Rússia propriamente não está largamente espalhado o hábito arrancada geral no dia l de Maio de 1905 em Varsóvia,
de celebrar o l.° de Maio com uma suspensão do trab alho —; primeiro exemplo da aplicação perfeita duma decisão do
a greve de massas em Varsóvia a II de Setembro de 1905 por Partido, foi um acontecimento de grande envergadura para
ocasião das exéquias do condenado à morte Martin Kasprzak; o movimento proletário da Polônia. Da mesma maneira, se fez
a de Novembro de 1905 em S. Petersburgo como protesto notar a greve de solidariedade de S. Petersburgo em Novem-
contra a proclamação do estado de sítio na Polônia e na bro de 1905, primeiro exemplo duma acção de massas organi-
Livónia; a de 22 de Janeiro de 1906 em Varsóvia, Zodz, zada. Também a «greve de massas experimental» dos camara-
Czenstochau e na bacia mineira de Dombrowa, assim como das de Hamburgo, em 17 de Janeiro de 1906, desempenhará
em certas cidades russas em comemoração do domingo um papel considerável na história da futura greve de massas
sangrento de S. Petersburgo; em Julho de 1906 realiza-se na Alemanha: é a primeira tentativa espontânea para usar
uma greve geral em Tiflis como manifestação de solidariedade essa arma tão discutida, tentativa aliás conseguida, que
para com os soldados condenados por rebelião e, por testemunha a combatividade dos operários de Hamburgo.
fim, pelo mesmo motivo em Setembro deste ano no decorrer Também o período de greve de massas, uma vez iniciado
do processo militar de Reval. Todas as outras greves de seriamente na Alemanha, certamente conduzirá à instauração
massas parciais ou greves gerais foram greves não desmons- da festa do l.° de Maio com uma suspensão geral do trabalho.
trativas, mas de luta; como tais nasceram espontaneamente A festa do l.° de Maio poderá ser celebrada como a primeira
por ocasião de incidentes particulares, locais e fortuitos, e demonstração sob o signo da luta de massas. Neste sentido,
não a partir de um plano preconcebido e deliberado e, com este «velho cavalo de batalha», como apelidaram o l.° de
o poder de forças elementares, adquiriram dimensões dum Maio no Congresso Sindical de Colônia, tem ainda um grande
movimento de grande envergadura; não terminavam com uma futuro à sua frente e será chamado a desempenhar um
retirada em ordem, mas transformavam-se ora em lutas eco- importante papel na luta da classe proletária na Alemanha.
nômicas, ora em combates de rua, ora se esboroavam por si. Contudo, devido ao desenvolvimento das lutas revolucioná-
Neste quadro de conjunto, as greves de pura demons- rias, a importância de tais demonstrações diminui rapida-
tração política desempenharam um papel menor — o de mente. Os mesmos factores que tornavam objectivamente

54 55
possível o desencadear das greves demonstrativas, de acordo de 1905 — passaram insensível mente do domínio das reivin-
com um plano concebido anteriormente e a partir das pala- dicações econômicas ao da política, se bem que é quase
vras de ordem dos partidos, nomeadamente o desenvolvi- impossível traçar fronteiras entre umas e outras. Mas
mento da consciência política e da educação do proleta- cada uma das greves traça, por assim dizer em miniatura, a
riado, impedem esta espécie de greve; hoje, o proletariado história geral das greves na Rússia, iniciadas por um conflito
russo, mais precisamente a vanguarda activa das massas, sindical puramente reivindicativo ou pelo menos parcial,
já não quer saber de greves demonstrativas; os operários percorrendo em seguida todos os graus até à manifestação
já não estão para brincadeiras e só querem lutas sérias política. A tempestade que abala no sul da Rússia em 1902 e
com todas as suas conseqüências. Se é verdade que no 1903 começou em Bakou, vimo-lo, por um protesto contra o
decorrer da primeira grande greve, em Janeiro de 1905 o desemprego; em Rostov por reivindicações salariais; em
elemento demonstrativo desempenhou um grande papel Tiflis, por uma luta dos empregados do comércio, a
— sob uma forma não deliberada, mas instintiva e espon- fim de obterem uma redução no horário de trabalho; em
tânea — em contrapartida a tentativa do Comitê Central Odessa por uma reivindicação de salários numa pequena
do Partido Social-Democrata russo para chamar à greve a fábrica isolada. A greve de Janeiro de 1905 principiou por
favor da Douma, em Agosto, fracassou, entre outros motivos, um conflito no interior das fábricas Poutilov, a greve de
por causa da aversão do proletariado consciente a acções Outubro, pelas reivindicações dos ferroviários a favor da
frouxas e puramente demonstrativas. Caixa de Aposentação; a greve de Dezembro, pela luta
dos empregados dos correios e telégrafos para obterem o
2° — Mas se não considerarmos já esta variedade menor direito de reunião. O progresso do movimento não se
representada pela greve demonstrativa, e atentarmos na manifesta, porque o elemento econômico desapareceu, mas
greve de luta que hoje constitui na Rússia o suporte da sim pela rapidez com que se percorrem todas as etapas
acção proletária, somos surpreendidos pelo facto do elemento até à manifestação política e pela posição mais ou menos
econômico, e o elemento político estarem aí indissoluvel- extrema atingida pelo desfecho da greve de massas.
mente ligados. Novamente, a realidade se afasta do esquema Porém, o movimento no seu conjunto não se orienta
teórico; a concepção pedante que quer fazer derivar unicamente no sentido de uma passagem do econômico ao
logicamente a greve política de massas da greve geral econô- político, mas orienta-se também no sentido inverso. Cada
mica, transformando-a no estádio mais perfeito e mais uma das grandes acções políticas de massas se transforma,
elevado, e que separa cuidadosamente as duas fases, é desmen- após ter atingido o seu apogeu, numa imensidade de lutas
tida pela revolução russa. Isso é demonstrado historica- econômicas. Isto não é somente válido para cada uma das
mente pelas greves de massas que — após a primeira grande grandes greves, é-o também para a revolução no seu conjunto.
greve reivindicativa dos operários têxteis de S. Peters- Quando a luta política se estende, se clarifica e intensifica,
burgo em 1896-97 até à última grande greve de Dezembro não só a luta reivindicativa continua como se estende, se

56 57
organiza e se intensifica paralelamente. Há uma completa 3.° — Por fim, os acontecimentos da Rússia mostram-nos
interacção entre ambas. que a greve de massas é inseparável da Revolução. A história
Cada novo arranque e cada nova vitória da luta política da greve de massas na Rússia, confunde-se com a história da
impulsionam poderosamente a luta econômica, alargando as revolução. Na verdade, quando os campeões do oportunismo
suas possibilidades de acção exterior, e dão novas forças ao ouvem falar da revolução na Alemanha, pensam imediatamente
proletariado, para melhorarem a sua situação aumentando no sangue vertido, nas batalhas de rua, na pólvora e no
a sua combatividade. Cada vaga de acção política deixa chumbo, e daí deduzem com toda a lógica que a greve de
atrás de si um terreno fértil, onde em breve surgem mil massas conduz inevitavelmente à revolução — e a partir daí
rebentos: as reivindicações econômicas. E, inversamente, concluem que é preciso evitá-la. E de facto constatamos
a incessante guerra econômica que os operários travam na Rússia que quase todas as greves levam a um confronto
com o capital mantém alerta a sua energia combativa, mesmo sangrento contra as forças da ordem czarista; isto é tanto
nas horas de acalmia política; de certo modo, constitui um verdade para as greves pretensamente políticas, como para os
reservatório permanente de energia, onde a luta política conflitos econômicos. Mas a revolução é outra coisa, é mais
busca sempre novas forças; ao mesmo tempo, o infatigável que um simples banho de sangue. Com excepção da
trabalho de luta reivindicativa provoca, ora aqui ora ali polícia, que entende a revolução como uma simples batalha
conflitos agudos a partir dos quais bruscamente rebentam de rua e tumulto, quer dizer a «desordem», o socialismo
batalhas políticas. científico vê na revolução uma profunda transformação
Em suma, a luta econômica apresenta uma continuidade, interna nas relações de classe. Nesta perspectiva há entre a
é o fio que une os diferentes nós políticos; a luta política revolução e a greve de massas na Rússia uma relação bem
é uma fecundação periódica que prepara o solo para as mais profunda que a estabelecida pela constatação trivial, ou
lutas econômicas. Causa e efeito sucedem-se, alternam-se seja a de que a greve de massas termina, geralmente, por um
incessantemente, e assim os factores políticos e econômicos, banho de sangue.
longe de se distinguirem claramente ou de se excluírem Estudamos o mecanismo interno da greve de massas
reciprocamente como pretende o pretensioso esquema, cons- russa, baseada numa relação de causalidade recíproca entre
tituem no período da greve de massas dois aspectos comple- o conflito político e o conflito econômico. Mas esta relação
mentares da luta da classe proletária russa. É precisamente de causalidade recíproca é precisamente determinada pelo
a greve de massas que dá forma à sua unidade. A subtil período revolucionário. Só na tempestade revolucionária
teoria disseca artificialmente, com a ajuda da lógica, a cada luta parcial entre o capital e o trabalho atinge as propor-
ções de uma explosão geral. Na Alemanha todos os anos,
greve de massas para obter uma «greve política pura»:
todos os dias, se assiste aos conflitos mais violentos, mais
ora, uma tal dissecação — como todas as dissecações
brutais entre operários e patrões sem que a luta ultrapasse
— não nos permite observar o fenômeno vivo, entrega-
os limites do ramo industrial, da cidade ou mesmo da
nos um cadáver.

58 59
fábrica em questão. A suspensão de operários organizados mica à luta política, e vice-versa, que se traduz pela greve
em S. Petersburgo, o desemprego em Batou, as reivindica- de massas. O esquema vulgar só compreende a relação
ções salariais em Odessa, as lutas pelo direito de reunião entre greve e revolução nos combates sangrentos a que
em Moscovo: tudo isto se produz diariamente na Alemanha. conduzem as greves de massas; mas, um exame mais profundo
Mas nenhum destes incidentes origina uma acção de classe dos acontecimentos russos obriga-nos a detectar uma relação
comum. Mesmo que estes conflitos se estendessem e se inversa: na realidade, não é a greve de massas que produz a
transformassem até em greves de massas de características revolução, mas é a revolução que produz a greve de massas.
vincadamente políticas, não provocariam um levantamento
geral. A greve geral dos ferroviários holandeses que, não 4.° — Basta resumir o que atrás dissemos, para desc obrir-
obstante as ardentes simpatias que suscitou, se extinguiu mos a solução para o problema da direcção e da iniciativa da
na imobilidade absoluta de todo o proletariado, é um exemplo greve de massas. Se a greve de massas não representa um
gritante. acto isolado, mas todo um período da luta de classes, e se
Inversamente, só rio período revolucionário, em que este período se confunde com o período revolucionário,
são abalados os alicerces sociais e as muralhas que separam é claro, que não se pode desencadear arbitrariamente a
as classes sociais, qualquer acção do prolteriado pode em greve de massas, mesmo se a decisão vier de instâncias
poucas horas arrancar da indiferença as camadas populares supremas do mais poderoso partido socialista. Tanto não está
até então na sombra, o que se manifesta naturalmente numa ao alcance da social-democracia suscitar ou travar revo-
batalha econômica tumultuosa. Os operários electrizados luções a seu belo prazer, que o entusiasmo e a impaciência
bruscamente pela acção política reagem de imediato no mais fogosa das hostes socialistas não conseguiram
campo que lhes está mais próximo: insurgem-se contra a provocar um período de greve de massas que fosse um
sua condição de escravatura econômica. O gesto de movimento popular poderoso e vivo. A audácia da direcção
revolta que é a luta política faz-lhes sentir com uma do partido e a disciplina dos operários podem ocasionar,
intensidade inesperada o peso das suas cadeias econô- sem dúvida, uma manifestação única e de fraca duração: foi
micas. Enquanto que na Alemanha a mais violenta luta o caso da greve de massas na Áustria, ou ainda a greve
política: a campanha eleitoral ou os debates parlamen- de 17 de Janeiro em Hamburgo. No entanto, estas greves
tares a propósito das tarifas alfandegárias, têm uma influência assemelham-se tanto a um verdadeiro período de greve,
mínima no curso ou na intensidade das lutas reivindicativas revolucionária como as manobras navais num porto estran-
conduzidas simultaneamente; na Rússia qualquer acção se geiro, quando as relações diplomáticas estão tensas, se
manifesta imediatamente por uma extensão e uma intensi- assemelham a uma guerra. Uma greve geral simplesmente
ficação da luta econômica. produzida pela disciplina e pelo entusiasmo só desempe-
Assim, é a revolução que cria por si só as condições nhará, no melhor dos casos, o papel de um sintoma de
sociais permitindo uma passagem imediata da luta econô- combatividade dos trabalhadores, após o que a situação

60 61
regressará ao calmo rame-rame cotidiano. Mesmo durante a riais e psicológicos, de tal maneira que nenhuma delas pode
revolução, as greves não caem do céu. É preciso que ser definida ou calculada como um exemplo aritmético.
sejam feitas, duma maneira ou doutra, pelos operários. Mesmo se o proletariado, com a social-democracia à cabeça,
A resolução e a decisão da classe operária desempenham desempenhar o papel dirigente, a revolução não é uma
também o seu papel, mas é necessário frisar que à iniciativa manobra do proletariado, mas uma batalha que se desenrola
e a direcção de ulteriores operações naturalmente dizem enquanto que à sua volta se desmoronam e se deslocam sem
respeito ao sector mais esclarecido e melhor organizado cessar todos os alicerces sociais. Se o elemento espontâneo
do proletariado, à social-democracia. Mas essa iniciativa desempenha um papel tão importante na greve de massas
e essa direcção só se aplicam na execução de tal ou tal acção russa, não é porque o proletariado esteja «deseducado», mas
isolada, de tal ou tal greve de massas, logo que o período porque as revoluções não se aprendem na escola.
revolucionário esteja em curso, e mais freqüentemente no Por outro lado, constatamos na Rússia que esta revolução
interior de uma dada cidade. Já vimos, por exemplo, que tanto dificulta a direcção à social-democracia, que ora
a social-democracia, mais duma vez, dar expressamente, lhe rouba, ora lhe estende a batuta de maestro, em contra-
e com sucesso, a palavra de ordem para a realização duma greve partida resolve todas as dificuldades, dificuldades essas que o
em Bakou, Varsóvia, Lodz, S. Petersburgo. Tal iniciativa esquema teórico, como é discutido hoje na Alemanha,
tem menos probabilidades de sucesso se for aplicada a movi- considera a principal preocupação da direcção: o problema
mentos gerais que englobem todo o proletariado. Por outro do «abastecimento», das «despesas», dos «sacrifícios mate-
lado, a iniciativa e a direcção das operações têm os seus riais». Sem dúvida, não os resolve da maneira como são
limites determinados. Justamente durante a revolução, é discutidos, lápis em punho, no decorrer de uma pacífica
extremamente difícil a um organismo dirigente dó movi- conferência secreta, dirigida pelas instâncias superiores do
mento operário prever e calcular a ocasião e os factores que movimento operário. A solução de todos estes problemas
provoquem ou não o levantamento. Tomar a iniciativa e a resume-se no seguinte: a revolução faz entrar em cena uma
direcção das operações, também aqui, não consiste em dar tão enorme massa popular que qualquer tentativa para
ordens arbitrariamente, mas sim em adaptar-se à situação compensar de antemão ou calcular o custo do movimento
o mais habilmente possível, mantendo o mais estreito — como se avaliam as despesas de um processo civil — surge
contacto com o moral das massas. O elemento espontâneo como um empreendimento sem esperança. Também na Rússia,
desempenha, como vimos, um enorme papel em todas as os organismos directivos tentam alimentar o melhor possível
greves de massas na Rússia, quer como elemento motor, as vítimas do combate. Assim, por exemplo, o Partido ajudou
quer como freio. Este facto não é motivado por a social- durante semanas as corajosas vítimas dos gigantescos lock-out
democracia russa ser ainda jovem e fraca, mas porque cada de S. Petersburgo, em consequência da campanha a favor
operação particular é o resultado de uma infinidade de do dia de trabalho de 8 h.. Mas todas estas medidas, no
factores econômicos, políticos, sociais, gerais e locais, mate- imenso balanço da revolução, são uma gota de água no

62 63
oceano. O preço que a massa proletária paga por cada revo- energia e à precisão, mas que, ao contrário, ultrapasse este
lução é com efeito um oceano de privações e sofrimentos nível; assim a direcção política transformar-se-á automatica-
horríveis. Um período revolucionário resolve esta difi- mente, e em certa medida, numa direcção técnica. Uma
culdade aparentemente insolúvel, desencadeando na massa táctica socialista consequente, resoluta, vanguardista, provoca
um tão grande idealismo que esta se mantém insensível aos na massa um sentimento de segurança, de confiança, de
sofrimentos mais atrozes. Não se pode fazer uma revolução combatividade; uma táctica hesitante, fraca, alicerçada na
nem uma greve com a psicologia de um sindicalizado que só subestimação das forças do proletariado, paralisa e desorienta
consentiria em suspender o trabalho no l.° de Maio' na as massas. No primeiro caso, as greves de massas explodem
condição de poder contar, se for despedido, com um subsídio «espontaneamente» e sempre «oportunamente»; no segundo
determinado com precisão, anteriormente. No entanto, na caso, é em vão que a direcção do Partido chama directa-
tempestade revolucionária, o proletário, prudente pai de mente à greve. A revolução russa oferece-nos exemplos
família, desejoso de assegurar o subsídio, transforma-se num sugestivos dum e doutro caso.
«revolucionário romântico» para quem o bem supremo
— a vida — e com mais razão o bem-estar material têm uma
importância diminuta em comparação com o ideal de luta.
Se é pois verdade que ao período revolucionário cabe a
direcção da greve no sentido da iniciativa do seu desenca-
deamento e da responsabilidade nas despesas, não é menos
verdade que noutro sentido a direcção das greves de massas
cabe à social-democracia e aos seus órgãos directivos. Em
vez de ser posta perante o problema da técnica e do meca-
nismo da greve de massas, a social-democracia é chamada,
no período revolucionário, a tomar a sua direcção política.
A tarefa mais importante de «direcção» no período de greve
de massas, consiste em dar a palavra de ordem da luta, em
orientá-la, em dirigir a táctica da luta política de tal modo
que em cada fase e em cada instante do combate, seja reali-
zada e posta em acção a totalidade do poder do proletariado,
já comprometido e lançado na batalha, e que este poder se
exprima pela posição do Partido na luta; é preciso que a
táctica da social-democracia jamais se encontre aquém do
nível da relação das forças em presença no que respeita à

64
massas assim como o seu carácter elementar e espontâneo
explicam-se, por um lado, devido à atrasada situação política
da Rússia, por outro lado, devido à falta de organização e
educação do proletariado russo. Num país em que a classe
5. operária tem atrás de si trinta anos de experiência da vida
política, com um poderoso partido socialista com três milhões
de votos e com um grupo sindicalmente organizado que
Põe-se agora a seguinte questão: em que medida as atinge um milhão e um quarto, é impossível que a luta política,
lições tiradas da greve geral na Rússia se aplicam à Alemanha? que as greves de massa se revistam do mesmo carácter
As condições sócio-políticas, a história e a situação do movi- tempestuoso e elementar que num Estado semi-bárbaro
mento operário diferem profundamente na Alemanha e na acabado de transitar da Idade Média para a ordem burguesa
Rússia. À primeira vista poder-se-á pensar que as leis moderna. Tal é a idéia que geralmente têm os que querem
internas das greves de massa na Rússia, tal como as expu- medir o grau de maturidade da situação econômica dum
semos, resultam de condições especificamente russas, que de país a partir da interpretação das suas leis escritas.
nenhum modo são válidas para o proletariado alemão. Na Examinemos os problemas um a um. Primeiro, é inexacto
revolução as lutas política e econômica estão unidas pelas querer fazer remontar o início da luta econômica à explosão
mais estreitas relações internas; a sua unidade revela-se no da revolução. De facto, as greves e os conflitos salariais
período grevista. Mas não é isso uma simples conseqüência estavam cada vez mais na ordem do dia, desde o início
do absolutismo russo? Num Estado em que todas as formas dos anos 90 na Rússia propriamente dita, e na Polônia russa
e todas as manifestações do movimento operário são proibidas mesmo a partir do fim dos anos 80, tendo praticamente adqui-
em que a mais simples greve é um crime, qualquer luta econô- rido o direito de cidadania. É verdade que ocasionavam
mica se transforma necessariamente em luta política. frequentes e brutais repressões da polícia, contudo faziam
Por outro lado, se inversamente, a primeira explosão parte dos acontecimentos quotidianos. É assim que em
da revolução conduziu a um ajuste de contas entre a classe Varsóvia e Lodz, a partir de 1891, existia uma importante
operária e o patronato, foi pelo facto do operariado russo Caixa Sindical colectiva; o entusiasmo pelos sindicatos fez
ter até então o mais baixo nível de vida, e de jamais ter até nascer por algum tempo na Polônia as ilusões «econo-
travado a mais pequena batalha econômica para melhorar a mistas» que, anos mais tarde, reinaram em S. Petersburgo
sua sorte, "O proletariado russo tinha de começar por se e no resto da Rússia. Também existem muitos exageros
libertar da mais ignóbil condição: o que há de espantoso na idéia que se fazia da miséria do proletariado no Império
em ter tomado um ardor juvenil quando a revolução trouxe czarista antes da revolução. A categoria dos operários actual-
o primeiro sopro vivificador à atmosfera sufocante do absolu- mente mais activa e mais ardente na luta econômica e política,
tismo? Finalmente, o decorrer tumultuoso da greve de a dos trabalhadores da grande indústria nas grandes cidades,

66 67
tinha um nível de vida só levemente inferior ao das lutas pelos salários? Tomemos como exemplo a miséria dos
categorias correspondentes do proletariado alemão; num mineiros: mesmo no mais calmo rame-rame quotidiano, na
certo número de profissões encontram-se salários iguais e fria atmosfera da rotina parlamentar alemã — aliás como
por vezes superiores aos adoptados na Alemanha. Também, noutros países, mesmo na Inglaterra, paraíso dos sindi-
no que respeita à duração do trabalho, a diferença entre as catos — a luta dos mineiros só se manifesta por golpes, por
grandes empresas industriais dos dois países é insignificante. fortes erupções, por greves de massas com características de
Assim, a idéia de um pretenso ilotismo material e cultural forças elementares. Esta é a prova de que a oposição entre
da classe operária russa não tem fundamento. Se reflectirmos o capital e o trabalho está demasiado exacerbada, é dema-
um pouco nesses factos, a idéia é refutada pela própria revo- siado violenta para permitir a divisão em lutas sindicais
lução e pelo eminente papel que o proletariado desempe- parciais calmas e metódicas. Mas esta miséria operária de
nhou. Não é com um sub-proletariado miserável que se carácter eruptivo que, mesmo em tempo normal, constitui
fazem revoluções com esta maturidade e esta lucidez políticas. um foco de tempestade donde provêm abalos violentos,
Os operários da grande indústria de S. Petersburgo, Varsóvia, deveria desencadear de repente e inevitavelmente um
Moscovo e Odessa, que ocupavam a primeira fila do combate, conflito político e econômico brutal, por ocasião de qualquer
estão, no plano cultural e intelectual, muito mais próximo acção política de massas na Alemanha, de qualquer choque
do tipo ocidental do que imagina quem considera o parla- relativamente violento. Tomemos agora como exemplo a
mentarismo burguês e a prática sindical regular a única, miséria dos operários têxteis: também aqui a luta econômica
a indispensável escola do proletariado. O moderno desen- se manifesta por exasperadas explosões, inúteis na sua
volvimento industrial na Rússia e a influência de 15 anos de maioria, que, sacudindo o país todos os dois ou três anos,
social-democracia, dirigindo e encorajando a luta econômica, dão somente uma débil idéia da violência eruptiva pela
realizaram um importante trabalho civilizador, mesmo sem qual reagiria a enorme massa aglomerada dos escravos da
as garantias exteriores da ordem legal burguesa. grande indústria têxtil associada no momento de uma
Mas as diferenças atenuam-se ainda se considerarmos explosão política por ocasião de uma poderosa acção das
outro aspecto da questão e examinarmos mais de perto o massas proletárias alemãs. Vejamos ainda a miséria dos
verdadeiro nível de vida da classe operária alemã. As grandes trabalhadores ao domicílio, dos operários da confecção, da
greves políticas de massas sacudiram, logo no primeiro electricidade — focos eruptivos onde, ao menor abalo
instante, as mais largas camadas do proletariado russo, que político, rebentariam tanto mais certamente conflitos polí-
se lançou febrilmente na batalha econômica. Mas não existem ticos violentos, quanto o proletariado se empenha aqui
na Alemanha, no seio da classe operária, categorias
mais raramente na luta em tempo de paz social, quanto
vivendo numa obscuridade que a benfazeja luz sindical
a sua luta é cada vez mais em vão, e quanto o capi-
mal aqueceu, categorias que mal, tentaram ou tentaram sem
tal lhe impõe de novo com mais brutalidade o seu
detestável jugo.
sucesso, sair do seu ilotismo social, travando diariamente

68 69
Consideremos agora as grandes categorias do proleta- políticos ou defender os antigos, o grande exército de
riado que, no geral, em «situação normal» não podem travar ferroviários e de empregados dos correios tomará necessa-
uma luta econômica pacífica para melhorar a sua condição, riamente consciência da sua vergonhosa situação e acabará
e que são privados do direito de associação. Citemos, como por se revoltar para se libertar desta porção de absolutismo
exemplo, a miséria chocante dos empregados dos caminhos russo que foi criada especialmente para ele na Alemanha.
de ferro e dos correios. Estes funcionários de Estado da A pretenciosa teoria que pretende fazer desenrolar os
Alemanha, em pleno país de legalidades parlamentar, estão grandes movimentos populares segundo um esquema e
na mesma situação que os funcionários russos — mesmo receitas vê na conquista do direito de associação pelos
antes da revolução, quando reinava um absolutismo sem ferroviários condição prévia sem a qual é inútil pensar-se
peias. A partir da grande greve em Outubro de 1905 a em greve de massas. O curso verdadeiro e natural dos
situação do ferroviário russo, num país onde reinava formal acontecimentos só pode ser inverso: somente por uma
mente o absolutismo, no que se refere à sua liberdade de acção de massas vigorosa e espontânea, o direito de associação
movimento econômico-social, era bastante superior à situação será conquistado pelos funcionários dos correios e pelos
do ferroviário alemão. Os ferroviários e os empregados ferroviários alemães, e este problema insolúvel na actual
dos correios conquistaram, efectivamente, o direito de situação alemã encontrará bruscamente a sua solução e a
associação, por assim dizer, em plena tormenta revolucio- sua realização sob a pressão e a impressão de uma acção
nária e, mesmo que chovam processos sobre processos, geral do proletariado. E, por fim, a maior e a mais importante
despedimentos sobre despedimentos, nada pode tirar-lhes das misérias: a dos operários agrícolas. Dado o carácter
a solidariedade interna. Portanto, seria fazer um cálculo específico da economia inglesa, e o papel mínimo desem-
psicológico inteiramente falso, se se pensasse, como o fez penhado pela agricultura no conjunto da economia nacional,
toda a reacção alemã, que a obediência incondicional dos pode compreender-se que os sindicatos sejam organizados
ferroviários e dos empregados dos correios duraria eterna- para uso exclusivo dos operários industriais. Na Alemanha,
mente, qual fortaleza inabalável. De facto os dirigentes
uma organização sindical por mais maravilhosamente orga-
sindicais alemães estão de tal modo acostumados à situação
nizada que seja, que só compreenda operários industriais,
vigente que, descontentes por sofrerem sem perturbação esta
seria inacessível ao imenso exército dos operários agrícolas
vergonha sem exemplo na Europa, podem contemplar com
e não daria mais que uma pálida e parcial imagem da condição
alguma prazer os progressos da luta sindical no seu país;
proletária no seu conjunto. Mas, por outro lado, seria também
mas se houver um levantamento geral do proletariado
uma ilusão perigosa crer que as condições no campo são
industrial, a cólera surda e acumulada por muito tempo
imutáveis e eternas, e ignorar que o infatigável trabalho de
no coração destes uniformizados escravos do Estado explo-
educação levado a cabo pela social-democracia, e mais ainda
dirá inevitavelmente. Mas, quando a vanguarda do proleta-
toda a política da Alemanha, não acabassem por minar a
riado, os operários industriais, quer conquistar novos direitos
aparente passividade do operário agrícola; não seria razoável

71
70
pensar que no caso do proletariado industrial empreender aspectos dolorosos da existência operária. Destas reflexões
uma grande acção de classe, fosse qual fosse o objectivo resulta, em primeiro lugar, que a greve de massas pura-
fixado, o operariado agrícola permaneceria de fora. Ora mente política, tema preferido em todas as discussões,
a participação dos operários não pode manifestar-se de.início, também para a Alemanha, é um simples esquema teórico
senão por meio de uma luta econômica tempestuosa, por e sem vida. Se as greves de massas nascessem duma grande
meio de poderosas greves de massa. fermentação revolucionária, e se transformassem natural-
Temos assim uma imagem completamente diferente da mente em lutas políticas resolutas do proletariado urbano,
pretensa superioridade econômica do proletariado alemão dariam com certeza lugar, como na Rússia, a todo um
em relação ao proletariado russo se, pondo de parte a lista período de lutas econômicas elementares. Os receios dos
das profissões industriais ou artesanais sindicalmente orga- dirigentes sindicais assentam numa concepção escolástica
nizadas, nos voltarmos para a grande quantidade de e gratuita do desenrolar dos acontecimentos ao temerem
operários que estão à margem da luta sindical, ou cuja parti- que, num período de greve de massas, a batalha pelos
cular situação econômica não tem lugar no estreito quadro objectivos econômicos seja desviada ou sufocada. Um período
da pequena luta sindical cotidiana. Mas mesmo que nos revolucionário transformaria antes, mesmo na Alemanha,
voltemos de novo para a vanguarda organizada do proleta- o carácter da batalha econômica e intensificá-la-ia a tal ponto
riado alemão e, por outro lado, retivermos no espírito os que a actual pequena guerrilha sindical surgiria em compa-
objectivos econômicos actual mente prosseguidos pelo opera- ração como um jogo de crianças. E, por outro lado, esta explo-
riado russo, constatamos que de modo nenhum se trata de são elementar de greves econômicas de massas daria um novo
combates que os mais antigos sindicatos alemães tenham impulso e novas forças à luta econômica. A interacção
razões para desprezar como sendo anacrônicos. Assim, entre a luta econômica e a luta política, que hoje constitui
a principal reivindicação geral das greves russas a partir o motor interno das greves de massas na Rússia e ao mesmo
do 22 de Janeiro de 1905: dia de trabalho de 8 h., não é um tempo o mecanismo regulador da acção revolucionária do
objectivo ultrapassado para o proletariado alemão, pelo con- proletariado, produzir-se-ia igualmente na Alemanha como
trário, na maior parte dos casos, ele surge como um belo e consequência natural da situação.
longínquo ideal. Pode dizer-se o mesmo da luta contra a
«situação do patrão senhor em sua casa», da luta pela criação de
Comitês operários em todas as fábricas da luta pela extinção
do trabalho sem contrato, pelo repouso dominical, pelo reco-
nhecimento do direito de associação. Mas vendo-os mais de
perto, todos os objectivos econômicos que o proletariado
russo hoje põe na ordem do dia da revolução são também
da maior actualidade para o proletariado alemão e atingem

72 73
atitude fundamenta-se no postulado implícito de que toda
a classe operária alemã até ao seu último homem, até à
última mulher, deve entrar na organização para que sejam
«bastante forte» para arriscar uma acção de massas: então
seria provável que, de acordo com a velha fórmula, ela
6. fosse supérflua. Esta teoria é perfeitamente utópica pela
simples razão de que enferma de uma contradição interna
e se move num círculo vicioso. Antes de executar uma acção
Segundo esta perspectiva o problema da organização directa de massas os operários devem estar organizados na
nas suas relações com o problema da greve de massa na sua totalidade. Mas as condições, as circunstâncias da evolução
Alemanha adquire uma fisionomia totalmente diferente. capitalista e do Estado burguês fazem com que, numa situação
A posição adoptada, por numerosos dirigentes sindicais, «normal» sem violentas lutas de classes, certas categorias
quanto a este problema limita-se quase sempre à seguinte — e de facto trata-se precisamente do grosso das hostes,
afirmação: «Não somos ainda bastante poderosos para das categorias mais importantes, das mais miseráveis, das
podermos arriscar-nos a uma prova de força tão teme- mais esmagadas pelo Estado e pelo capital — não possam
rária como a greve de massas». Ora este ponto de vista é organizar-se de maneira nenhuma. Assim constatamos que,
indefensável: com efeito, é um problema insolúvel quando mesmo na Inglaterra, um século inteiro de trabalho sindical
se quer apreciar a frio, por um cálculo aritmético, em que infatigável, sem «perturbações» — excepto no início do
momento o proletariado estaria «bastante forte» para desen- período cartista — sem todos os desvios e tentações do
cadear a luta qualquer que ela fosse. Há trinta anos os sindi- «romantismo revolucionário», conseguiu unicamente orga-
catos alemães contavam 30000 membros: número que, nizar uma minoria entre as camadas privilegiadas do prole-
manifestamente, a partir dos mais altos critérios estabelecidos, tariado.
não permitia sonhar com uma greve de massas. Quinze Por outro lado, com o tempo, os sindicatos, como as
anos mais tarde os sindicatos eram oito vezes mais pode- outras organizações de combate do proletariado, só podem
rosos, contando com 237000 membros. Todavia se nesta manter-se pela luta, e uma luta que não é unicamente uma
altura se perguntasse aos dirigentes actuais se á organização pequena guerra entre rãs e ratos nas águas paradas do parla-
do proletariado possuía a maturidade necessária para levar mentarismo burguês, mas um período revolucionário de
a cabo uma greve, eles certamente responderiam que ainda violentas lutas de massas. A concepção rígida e mecânica
estavam longe, que a organização sindical deveria agrupar da burocracia só admite a luta como resultado da organi-
milhões de aderentes. Hoje há mais de um milhão de zação que atinja um certo grau de força. Pelo contrário,
operários sindicalizados, mas a opinião dos dirigentes é a evolução dialéctica, viva, faz nascer a organização como
sempre a mesma — e isto pode durar indefinidamente. Esta produto da luta. Vimos já um exemplo magnífico deste

74 75
fenômeno na Rússia, onde um proletariado quase desorga- para que a luta seja coroada de êxito, têm de transformar-
nizado começou a criar uma vasta rede de organizações se num verdadeiro movimento popular, quer dizer, têm de
depois de um ano e meio de lutas revolucionárias tumul- arrastar para a batalha as mais largas camadas do proletariado.
tuosas. Um outro exemplo é-nos fornecido pela própria Mesmo no plano parlamentar, o poder da luta das classes
história dos sindicatos alemães. Em 1878 os sindicatos proletárias não se apoia num pequeno núcleo organizado,
contavam 50000 membros. Segundo a teoria dos actuais mas sim na vasta periferia do proletariado com simpatias
dirigentes sindicais, vimo-lo já, esta organização não era revolucionárias. Se a social-democracia quisesse conduzir a
«suficientemente forte» para se comprometer numa luta batalha eleitoral com o exclusivo apoio de algumas centenas
política violenta. Mas os sindicatos alemães, por mais fracos de milhares de organizados, condenar-se-ia a si própria ao
que fossem na época, envolveram-se contudo na luta — refe- fracasso. Se bem que a social democracia deseje fazer
rimo-nos à luta contra a lei de excepção — e reveleram-se entrar nas suas organizações quase todo o contingente dos
não só «suficientemente fortes» para obterem a vitória, seus eleitores, a experiência de 30 anos de eleitorado
mas também quintuplicaram o seu poder. Após a supressão socialista mostra que o eleitorado socialista não aumenta
da lei de 1891, contavam com 227659 aderentes. Para dizer em função do crescimento do Partido mas, pelo contrário,
a verdade o método utilizado pelos sindicatos, e graças ao são as camadas operárias recentemente conquistadas no
qual obtiveram a vitória na luta contra a lei de excepção, curso da batalha eleitoral que constituem o terreno que
não corresponde em nada a um ideal de trabalho de formiga, seguidamente será fecundado pela organização. Ainda aqui
calmo e paciente; começaram por soçobrar na batalha, para não é só a organização, que fornece as tropas combatentes, é
depois subir e renascer na vaga seguinte. Esse é precisa- também a batalha que fornece, numa maior escala,
mente o método específico de crescimento das organi- recrutados para a organização. Isto é, evidentemente, muito
zações proletárias: avaliam as suas forças na batalha e dela mais válido para a acção política directa de massas, que para a
saem renovados. Examinando com mais atenção as condi- luta parlamentar. Se bem que a social-democracia, núcleo
ções alemãs e a situação das diversas categorias operárias, organizado da classe operária, esteja na vanguarda de toda a
vemos claramente que o futuro período de violentas lutas massa de trabalhadores e o movimento operário busque a sua
políticas traria aos sindicatos não a ameaça do desastre que força, a sua unidade e consciência política nesta mesma
se teme, mas pelo contrário, a perspectiva nova e ines- organização, o movimento operário nunca deve ser conce-
perada de uma extensão intermitente da sua esfera de bido como movimento de uma minoria organizada. Toda
influência. Todavia, este problema tem outro aspecto ainda. a verdadeira e grande luta de classes deve alicerçar-se no
O plano que consistiria em desencadear uma importante apoio e colaboração das mais largas camadas; uma estratégia
greve de massas a título de acção política de classe com a de luta de classes que não tivesse em conta essa colaboração,
exclusiva ajuda dos operários organizados é absolutamente e não visse mais que os desfiles bem ordenados da pequena
ilusório. Para que a greve, ou melhor, as greves de massa, parte do proletariado arregimentada nas suas fileiras,

76 77
estaria condenada a uma lamentável derrota. Na Alemanha que na Alemanha, França, Itália, Holanda, os conflitos sindi-
as greves e acções políticas de massas de modo nenhum cais do proletariado não ocasionam uma acção geral do
podem ser conduzidas exclusivamente pelos militantes orga- proletariado — nem mesmo do seu grupo organizado — na
nizados nem podem ser «comandadas» por um estado-maior Rússia, o menor incidente desencadeia uma violenta tempes-
saído de um organismo central do Partido. Como na tade. Isso significa o seguinte: por mais paradoxal que possa
Rússia, num tal caso, há menos necessidade de «disciplina», parecer, o instinto de classe no jovem proletariado russo,
de «educação política», de uma avaliação tão precisa quanto deseducado, pouco esclarecido e ainda menos organizado,
possível das despesas e subsídios do que de uma acção de é infinitamente mais vigoroso que na classe operária orga-
classe resoluta e verdadeiramente revolucionária capaz de nizada, educada e esclarecida, da Alemanha ou de outro
atingir e arrastar as camadas mais extensas das massas prole- país da Europa Ocidental. Isto não se explica por qualquer
tárias desorganizadas, mas revolucionárias pela simpatia e virtude do «Oriente, jovem e virgem» em oposição ao
pela sua condição. A sobrevalorização ou a falsa apreciação «Ocidente apodrecido»; muito simplesmente é o resultado
do papel organizativo do proletariado na luta dê classes está da acção revolucionária directa das massas. No operário
ligada geralmente a uma subvalorização da massa proletária alemão esclarecido, a consciência de classe incutida pela
desorganizada e da sua maturidade política. Só num período social-democracia é uma consciência teórica latente: no
revolucionário, na efeverescência das grandes lutas de classe período do domínio parlamentar burguês, geralmente não
tempestuosas se manifesta o papel educador da rápida tem ocasião para se manifestar por uma acção directa de
evolução do capitalismo e a influência socialista nas grandes massas; é o resultado ideal das 400 acções paralelas das cir-
camadas populares; em tempo normal, as estatísticas das cunscrições durante a luta eleitoral, dos numerosos conflitos
organizações, ou até as estatísticas eleitorais, não dão mais econômicos parciais, etc. Na revolução em que a própria
que uma pálida idéia dessa influência. massa aparece na cena política, a consciência de classe
Vimos que na Rússia, há mais ou menos dois anos, o mais torna-se concreto e activa. Assim, um ano de revolução
pequeno conflito, a mais pequena brutalidade, por parte das deu ao proletariado russo essa «educação» que trinta anos
autoridades governamentais locais, podem ocasionar imediata- de lutas parlamentares e sindicais não podem artificialmente
mente uma acção geral do proletariado. Toda a gente se dar ao proletariado alemão. Por certo, esse vivo e activo
apercebe desse facto e acham-no natural, porque precisamente instinto de classe que anima o proletariado decrescerá
na Rússia existe a «revolução»; mas, que quer isso dizer? sensivelmente, mesmo na Rússia, uma vez acabado o período
Quer dizer que o sentimento, o instinto de classe está de revolucionário e uma vez instituído o regime parlamentar
tal maneira vivo no proletariado que qualquer assunto parcial, legal burguês, ou pelo menos transformar-se-á numa cons-
interessando um grupo restrito de operários lhe diz directa- ciência escondida e latente. Mas inversamente, não é menos
mente respeito como se fosse um assunto geral, um assunto certo que, na Alemanha, um período de acções políticas
de classe, e imediatamente reage na sua totalidade. Enquanto enérgicas, um instinto de classe revolucionário, vivo, ávido

78 79
de agir, apoderar-se-á das camadas mais vastas e mais pro- e da situação política, explodindo, com a violência de
fundas do proletariado; isso far-se-á tanto mais rápida e uma força elementar, em conflitos, quer econômicos, quer
energicamente, quanto mais poderosa for a influência educa- políticos, e em greve de massas: a tarefa da social-democracia
dora da social-democracia. Esta obra educadora, assim consistirá então não na preparação ou direcção técnica da
como a estimulante acção revolucionária da actual política greve mas na direcção política do conjunto do movimento.
alemã manifesta-se no seguinte: num autêntico período A social-democracia é a vanguarda mais esclarecida e
revolucionário, a massa dos que actualmente se encontram mais consciente do proletariado. Ela não pode nem deve
num estado de aparente apatia política e são insensíveis a esperar com fatalismo, de braços cruzados, que se produza
todos os esforços dos sindicatos e do Partido no sentido uma «situação revolucionária» nem que o movimento popular
de os organizar, enfíleirar-se-á atrás da bandeira da social- espontâneo caia do céu. Pelo contrário, tem o dever como
democracia. Seis meses de revolução contribuirão mais sempre de preceder o curso dos acontecimentos, de procurar
para a educação dessas massas actualmente desorganizadas precipitá-los. Não o conseguirá, se entregar a palavra de
do que dez anos de comícios públicos e de distribuições de ordem de greve ao acaso de qualquer momento, oportuno
panfletos. E quando a situação na Alemanha tiver atingido o ou não, mas deve fazer compreender às camadas mais largas
grau de maturidade necessário a um tal período, as categorias do proletariado que a chegada de um tal período é inevitável,
hoje mais atrasadas e mais desorganizadas constituirão, explicando-lhes as condições sociais internas que a isso
naturalmente, o elemento mais radical, mais fogoso e mais conduzem, assim como as suas consequências políticas. Para
activo da luta. Se se produzirem greves de massa na Ale- arrastar as camadas mais largas do proletariado para uma acção
manha não serão seguramente os trabalhadores melhor política da social-democracia e, inversamente, para que a
organizados — por certo não serão os trabalhadores da social-democracia possa tomar e manter a verdadeira direcção
imprensa — mas os operários pior organizados ou completa- do movimento de massas, e possa estar à cabeça de todo o
mente desorganizados — tal como os mineiros, os operários movimento no sentido político do termo, precisa saber
têxteis, ou ainda os camponeses — que manifestarão maior fornecer com toda a clareza e com resolução, uma táctica
capacidade de acção. e objectivos ao proletariado alemão para futuros períodos
Assim, no que se refere ao papel de «direcção» da social- de luta.
democracia nas greves de massas na Alemanha, chegamos à
mesma conclusão que na análise dos acontecimentos na
Rússia. Assim, púnhamos de parte a teoria pedante de uma
greve de demonstração artificialmente encenada pelo Partido
e sindicatos e executada por uma minoria organizada, e
atentemos no vivo quadro de um verdadeiro movimento
popular originado pelo desespero dos conflitos de classe

81
80
formais, por um proletariado moderno com uma desenvolvida
consciência de classe, num ambiente internacional colocado
sob o signo da decadência burguesa. A burguesia não é
hoje o seu elemento motor, como acontecia outrora nas
7. revoluções ocidentais, enquanto a massa proletária, afogada
no seio da pequena burguesia, servia como massa de
manobra à pequena burguesia, — pelo contrário é o prole-
Vimos que na Rússia a greve de massa não é o produto tariado consciente que constitui o elemento activo e dirigente,
artificial de uma táctica imposta pela social-democracia, enquanto as camadas da grande burguesia se mostram, ou
é antes um fenômeno histórico natural gerado no solo da abertamente contra-revolucionárias, ou moderadamente libe-
actual revolução. Ora, quais são os factores que provocaram rais; só a pequena burguesia rural e a intelligentsia pequeno-
esta nova forma de encarnação? A revolução? A revolução burguesa das cidades adoptam uma atitude francamente
russa tem por primeira tarefa a abolição do absolutismo e o opositora e até revolucionária. Mas o proletariado russo
estabelecimento de um Estado legal moderno de regime chamado assim a desempenhar um papel directivo na revo-
parlamentar burguês. Formalmente, é a mesma tarefa que lução burguesa envolve-se na luta no momento em que a
a revolução alemã de 1848 tinha por objectivo, assim como oposição entre capital e trabalho está particularmente
a grande Revolução Francesa nos fins do século XVIII. Mas definida e em que está desiludido da democracia burguesa;
estas revoluções, que apresentam analogias formais com a em contrapartida possui uma aguda consciência dos seus
actual revolução, realizaram-se em condições e num clima interesses específicos de classe. Esta contraditória situação
histórico inteiramente diferentes dos da Rússia actual. manifesta-se, porque nesta revolução formalmente burguesa
A diferença essencial é a seguinte: entre estas revoluções o conflito entre a sociedade burguesa e o absolutismo é
burguesas do Ocidente e a actual revolução burguesa no dominado pelo conflito entre o proletariado e a sociedade
Oriente, desenrolou-se todo um ciclo do desenvolvimento burguesa; porque o proletariado luta simultaneamente contra
capitalista. O capitalismo não tocou somente os países da o absolutismo e a exploração capitalista; porque a luta
Europa Ocidental, atingiu igualmente a Rússia absolutista. revolucionária tem ao mesmo tempo por objectivo a liber-
A grande indústria com todas as suas seqüelas — a moderna dade política e a conquista do dia de trabalho de 8 h., assim
divisão de classes, e os contrastes sociais denunciados, como um nível material de existência aceitável para o prole-
a vida das grandes cidades e o proletariado moderno, — tariado. É esta dupla característica da revolução russa mani-
tornou-se na Rússia o modo de produção dominante, quer festada na união e na interacção entre a luta econômica e a
dizer, decisivo para a evolução social. Daí resultou uma luta política que os acontecimentos da Rússia nos deram
situação histórica estranha e cheia de contradições: primeiro, a conhecer e que se exprimem precisamente pela greve
a revolução burguesa é realizada, quanto aos seus objectivos de massa. Nas anteriores revoluções burguesas foram os

82 83
partidos burgueses que se encarregaram da educação profetizado pelos oportunistas da social-democracia alemã
política e da direcção da massa revolucionária, e, por outro os Bernstein, os David e consortes. Na verdade, eles imagi-
lado, tratava-se pura e simplesmente de derrubar o antigo navam esta luta de classes «atenuada», «civilizada», segundo
governo; então o combate de barricadas, de curta duração, era os seus votos, através de ilusões pequeno-burguesas e demo-
a forma mais apropriada de luta revolucionária. Hoje a classe cráticas: pensavam que a luta de classes se limitava exclu-
operária é obrigada a educar-se, a unir-se, a orientar-se a si sivamente à batalha parlamentar e que a revolução — no
própria no decorrer da luta e assim a revolução é dirigida tanto sentido de combate de ruas — seria muito simplesmente
contra a exploração capitalista como contra o antigo abolida. A história solucionou o problema a seu modo, que é
regime do Estado; se bem que a greve de massas surja como ao mesmo tempo mais profundo e mais subtil: fez surgir a
meio natural de recrutar, de organizar e preparar as camadas greve de massa revolucionária que, evidentemente, não
mais vastas do proletariado para a revolução, é substitui nem torna supérfluos confrontos directos e brutais
simultaneamente um meio de minar e abater o antigo na rua, todavia reduziu-os a um momento do longo período
Estado e de travar a exploração capitalista. O de lutas políticas e ao mesmo tempo liga à revolução um
proletariado industrial urbano é hoje a alma da revolução na gigantesco trabalho civilizador no sentido restrito do termo:
Rússia. Mas para empreender uma acção política de a elevação material e intelectual de toda a classe operária,
massa, é preciso primeiro que o proletariado se una em «civilizando» as formas bárbaras da exploração capitalista.
massa; para isso, é preciso que saia das fábricas e das A greve de massas aparece assim não como um produto
oficinas, dás minas e dos altos fornos, e ultrapasse a específico do absolutismo russo, mas como uma forma
dispersão e a fragmentação a que o jugo capitalista o universal de luta das classes proletárias, determinada pelo
condena. Deste modo a greve de nessas é a primeira forma estádio actual do desenvolvimento capitalista e das relações
natural e espontânea de qualquer grandiosa acção de classe. As três revoluções burguesas: a grande Revolução
revolucionária do proletariado, quanto mais a indústria se francesa em 1789, a revolução alemã em 1848, e a actual
transformar na forma predominante de economia numa revolução russa constituem, segundo este ponto de vista,
sociedade, tanto mais o proletariado desempenha um papel uma cadeia de evolução contínua: reflectem a grandeza e
importante na revolução, tanto mais a oposição entre a decadência do século capitalista. Na grande Revolução
trabalho e capital se agudiza e tanto mais as greves de massas Francesa os conflitos internos ainda latentes da sociedade
necessariamente adquirem amplitude e importância. O que burguesa dão lugar a um longo período de lutas brutais em
antes era a principal manifestação da revolução: o combate que as oposições, rapidamente germinadas e amadurecidas
nas barricadas, o confronto directo com as forças armadas no calor da revolução, rebentam com uma violência extrema
do Estado, só constitui na revolução actual o ponto culmi- e sem qualquer freio. Meio século mais tarde a revolução
nante, uma fase no processo da luta de massa proletária. da burguesia alemã, explodindo a meio caminho da evolução
Assim, a nova forma da revolução permitiu alcançar capitalista, é travada pela oposição dos interesses e pelo
o estádio «civilizado» e «atenuado» das lutas de classe

85
84
equilíbrio entre capital e trabalho, é abafada por um compro- lutas revolucionárias de massa não imaginam que o grau
misso feito entre o feudalismo e a burguesia, reduzindo-o de maturidade da situação de classe e o poder do proleta-
a um breve e lastimoso entreacto rapidamente amordaçado. riado alemão não se reflectem nas estatísticas sindicais nem
Mais meio século, e rebenta a actual revolução russa, fruto nas estatísticas eleitorais mas nos acontecimentos da revo-
da evolução histórica situado já na outra vertente da montanha, lução russa. O grau de maturidade das lutas de classe na
passado o apogeu da sociedade capitalista: a revolução França sob o domínio da Monarquia de Julho e as batalhas
burguesa não pode já ser abafada pela oposição entre a de Junho em Paris mediu-se na revolução de Março de 1848 na
burguesia e o proletariado; pelo contrário, estende-se por Alemanha, na sua evolução e no seu fracasso. Hoje, também
um largo período de conflitos sociais violentos que fazem a maturidade das oposições de classe da Alemanha se reflecte
parecer irrisórios os velhos ajustes de contas com o absolu- nos acontecimentos e no poder da Revolução russa. Os
tismo, quando comparados aos novos exigidos pela revolução. burocratas espiolham as gavetas da sua secretária para
A revolução realiza hoje, no caso particular da Rússia absolu- encontrar a prova do poder e da maturidade do movimento
tista, os resultados do desenvolvimento capitalista interna- operário alemão sem verem que o que procuram está na
cional; aparece-nos menos como herdeira das velhas revolu- sua frente, numa grande revelação histórica. Porque, histo-
ções do que como precursora de uma nova série de revoluções ricamente, a revolução russa é o reflexo do poder e da
proletárias. O país mais atrasado, precisamente porque maturidade do movimento operário internacional e, em
agiu com um atraso imperdoável a levar a cabo a sua revo- primeiro lugar, do movimento alemão. Seria reduzir a
lução burguesa, mostra ao proletariado da Alemanha e dos revolução russa a um resultado bem medíocre, grotesca-
países capitalistas mais avançados as vias e os métodos da mente mesquinho, se dela tirássemos a simples lição que
futura luta de classe. É completamente errado, mesmo os camaradas Frohme, Elm e outros tiraram: ir buscar à
segundo esta perspectiva, avaliar à distância a revolução russa revolução russa a sua forma exterior de luta, a greve de
como um grandioso espectáculo, como qualquer coisa especi- massa, e pô-la de reserva num arsenal para o caso de ser
ficamente russa, contentando-se em admirar o heroísmo dos abolido o sufrágio universal, quer dizer, reduzi-la ao papel
combatentes, quer dizer, os acessórios exteriores da batalha. passivo de arma de defesa do parlamentarismo. Se nos
Pelo contrário, importa que os operários aprendam a tirarem o direito de sufrágio no Reichstag, defender-nos-
revolução russa como «seu assunto próprio»; não basta emos. É sem dúvida um princípio. Mas para mantê-lo, é
que sintam uma solidariedade internacional de classe para inútil tomar a pose heróica de Danton, como fez o camarada
com o proletariado russo, devem olhar essa revolução como Elm, no Congresso de lena; a defesa dos modestos direitos
um capítulo da sua própria história social e política. Os parlamentares que já possuímos não é uma inovação sublime
dirigentes sindicais e os parlamentaristas que pensam que que exija, para encorajar a sua execução, as terríveis
o proletariado alemão é «demasiado fraco» e que a situação hecatombes da revolução russa. Em período revolucionário
na Alemanha está pouco «amadurecida» para se efectuarem a política do proletariado não deve em caso algum reduzir-se

86 87
a uma simples atitude defensiva. Sem dúvida, é difícil prever não se acantonaria na exclusiva defesa deste direito. Um tal
com precisão se a abolição do sufrágio universal na Alemanha golpe de Estado desencadearia inevitavelmente uma explosão
ocasionaria uma situação que provocasse imediatamente uma de cólera elementar num lapso de tempo mais ou menos
greve de massa, certamente seria impossível à social-demo- longo: uma vez acordadas, as massas populares ajustariam as
cracia manter a sua táctica de simples defesa dos direitos contas políticas com a reacção, levantar-se-ia contra o preço
parlamentares. A social-democracia não tem poder para usuário do pão, contra o artificial encarecimento da carne,
determinar à priori a ocasião e o momento em que poderão contra os encargos impostos por ilimitadas despesas feitas
desencadear-se as greves de massas na Alemanha porque com o militarismo e marinha, contra a corrupção da política
está fora do seu poder fazer gerar situações históricas por colonial, contra a vergonha nacional do processo de
meio de de simples resolução de Congresso. Mas está no Koenigsberg, contra a suspensão das reformas sociais;
seu poder, e é seu dever, precisar a orientação política dessas levantar-se-iam contra as medidas que tinham como fim
lutas, quando se produzem, e traduzi-las numa táctica reso- privar os ferroviários, os empregados dos correios, os
luta e conseqüente. Não se orienta os acontecimentos histó- operários agrícolas, dos seus direitos; contra as medidas
ricos a seu belo prazer impondo-lhes regras, mas pode-se repressivas tomadas contra os mineiros, contra o julgamento
calcular previamente as suas prováveis conseqüências de Lobtau e toda a justiça de classe, contra o sistema brutal
e pode-se regular a sua própria conduta em função deles. do lock-out — em resumo, contra toda a opressão exercida
O perigo político mais iminente que espia há anos o ao longo de vinte anos pelo poder aliado dos fidalgotes da
movimento operário alemão é um golpe de estado da reacção Prússia Oriental e do grande capital dos cartéis.
que pretendesse privar as mais largas camadas populares Uma vez posta a pedra em movimento, ela não pára
do seu mais importante direito político: o sufrágio universal de rolar, quer a social-democracia queira quer não. Os
para as eleições do Reichstag. Apesar da importância que adversários da greve de massas recusam a lição e o exemplo
um tal facto teria, é impossível predizer com rigor, repetimo- da revolução russa como não aplicáveis à Alemanha sob o
lo, que imediatamente houvesse uma resposta popular pretexto de que na Rússia, era preciso saltar primeiro,
directa a esse golpe de Estado, sob a forma de uma greve de sem transição, do regime oriental despótico para a moderna
massa: ignoramos hoje com efeito, a infinidade de circuns- ordem legal burguesa. Esta diferença formal entre o
tâncias e factores que, num movimento de massas, contri- antigo regime político e o moderno bastaria para explicar
buiria para determinar a situação. Contudo, se conside- a veemência e a violência da revolução russa. Possuímos há
rarmos o desespero dos antagonismos de classe na Alemanha muito tempo na Alemanha as formas e as garantias de um
e se por outro lado considerarmos as múltiplas consequências regime de Estado fundado no direito; assim um desen-
internacionais da revolução russa, assim como de uma situação cadeamento tão elementar de conflitos sociais é impossível
russa semelhante no futuro, é evidente que a agitação política a seus olhos. Os que assim raciocinam esquecem que em
provocada na Alemanha pela abolição do sufrágio universal contrapartida, uma vez iniciadas as lutas políticas na Alemanha

88 89
o seu objectivo histórico seria diferente do actual objectivo no interior de cada país se encontram diversas camadas da
na Rússia. Justamente, porque na Alemanha o regime cons- mesma classe operária. Mas a história não espera paciente-
titucional existe há muito este teve tempo de enfraquecer e mente que os países e as camadas mais atrasadas tenham
de chegar ao seu declínio e porque a democracia burguesa alcançado os países e as camadas mais avançadas, a fim de
e o liberalismo chegaram ao seu termo, não pode pôr-se que o conjunto possa pôr-se simetricamente em marcha,
a questão de uma revolução burguesa. Também um período em colunas cerradas. Há explosões nos pontos mais eferve-
de lutas políticas frontais na Alemanha, só teria necessa- rescentes, desde que a situação esteja apta, e bastam alguns
riamente por objectivo histórico a ditadura do proletariado. dias ou alguns meses de tormenta revolucionária para com-
Mas a distância que separa na Alemanha a actual situação pensar os atrasos, corrigir as desigualdades, pôr em anda-
deste objectivo é muito mais considerável do que a que mento todo o progresso social de uma só vez. Na revolução
separa o regime legal burguês do despotismo oriental. russa, todos os estádios de desenvolvimento, toda a escala
É por isso que esse objectivo não pode ser atingido duma de interesses das diversas categorias operárias estavam repre-
só vez; só pode ser realizado a partir de um longo período sentados no programa revolucionário da social-democracia
de gigantescos conflitos sociais. e o infinito número de lutas parciais desembocava na imensa
Mas não haverá flagrantes contradições nas perspectivas acção comum de classe do proletariado; acontecerá o mesmo
que abrimos? Por um lado, afirmamos que no decorrer de na Alemanha, quando a situação se proporcionar. A tarefa
um eventual futuro período de acções de massas, serão as da social-democracia consistirá em regular a sua táctica a
camadas sociais mais atrasadas da Alemanha, os operários partir dos estádios mais avançados da evolução, e não a
agrícolas, os ferroviários e os empregados dos correios partir dos estádios mais atrasados.
quem começará por obter o direito de associação e que
bastará suprimir desde logo os mais odiosos excessos
da exploração capitalista; por outro lado, o objectivo político
deste período seria a conquista imediata do poder político
pelo proletariado. Por um lado, tratar-se-ia de reivindicações
econômicas e sindicais tendo em vista interesses imediatos,
por outro lado, tratar-se-ia do objectivo final da social-
democracia. Por certo há aí contradições flagrantes, contra-
dições essas que ressaltam não da nossa lógica, mas daevolução
do capitalismo. O capitalismo não evolui seguindo uma bela
linha recta, segue um percurso caprichoso e cheio de bruscos
zigue-zagues. Assim como os diferentes países capitalistas
apresentam os mais diversos estádios de evolução, também

90 91
naquela ocasião, neste ou naquele momento, grandes lutas
políticas, greves de massa, elas abrirão simultaneamente um
período de violentas lutas sindicais, sem que a história peça
aos dirigentes sindicais a sua aprovação ou reprovação.
8. Se os dirigentes sindicais tivessem de ficar à margem do
movimento, ou se lha opusessem, esta atitude teria uma
No período de grandes lutas que se abrirá, mais tarde única conseqüência: seriam ultrapassados pela vaga dos
ou mais cedo, para o proletariado alemão, uma das condi- acontecimentos e as lutas econômicas ou políticas prosse-
ções mais importantes para alcançar o sucesso será, além guiriam sem eles; num caso análogo aconteceria o mesmo aos
de uma táctica resoluta e conseqüente, maior unidade dirigentes do partido. Com efeito, a distinção entre luta
possível na ala avançada do proletariado, a social-democracia, econômica e luta política, a autonomia destas duas formas
unidade sem a qual é impossível o máximo de eficácia de luta não são mais que um produto artificial, embora
Contudo, desde as primeiras tímidas tentativas para historicamente explicável, do período parlamentar. Por
empreender uma acção de massa com certa importância, um um lado, na ordem «normal» da sociedade burguesa a luta
estado realmente deplorável se revelou: a divisão e a auto- econômica está dispersa, fragmentada numa infinidade de
nomia completa das duas organizações do movimento lutas parciais em cada empresa, em cada ramo da produção.
operário, o partido social-democrata por um lado, os sindi- Por outro lado, não são as massas que conduzem a luta polí-
catos por outro. Olhando atentamente as greves de massa na tica por uma acção directa, mas conformemente às normas
Rússia e a situação alemã, vemos claramente que é impossível do Estado burguês, a acção política exerce-se por via repre-
encarar uma importante acção de massas, qualquer que ela seja sentativa, por uma pressão exercida nos corpos legislativos.
— a menos que se limite a uma manifestação breve e única — Desde que se inicie um período de lutas revolucionárias,
segundo os critérios do que normalmente se chama greve quer dizer, desde que essas massas apareçam no campo de
política de massas. Uma tal acção reclamaria tanto a parti- batalha, essa dispersão de lutas econômicas cessa, assim como
cipação dos sindicatos como do partido socialista: e não a forma parlamentar indirecta da luta política: numa acção
— como se afigura aos dirigentes sindicais— porque o revolucionária de massa, a luta econômica e a luta política
Partido, dispondo de uma organização numericamente inferior unem-se numa só, e as barreiras artificiais erguidas entre os
aos sindicatos, seria obrigado a recorrer à colaboração do sindicatos e a social-democracia, considerados como duas
milhão e um quarto dos sindicalizados, sem os quais nada formas distintas perfeitamente autônomas do movimento
poderia fazer, mas por uma razão muito mais profunda: operário, caiem pura e simplesmente. Mas estes fenômenos
porque qualquer acção de massas e qualquer período de que se manifestam com uma surpreendente evidência no
luta de classes teriam ao mesmo tempo um carácter político curso dos movimentos revolucionários de massa são uma
e econômico. Que se produzam na Alemanha, nesta ou realidade objectiva mesmo no período parlamentar. Não

92 93
existem duas espécies distintas de luta de classe operária -democracia parece limitar-se à luta parlamentar. Mas a
uma de carácter político, outra de carácter econômico, luta parlamentar, paralela e complementar da luta sindical,
existe uma única luta de classe, tendo em vista simul- coloca-se, como esta última, no terreno da ordem social
taneamente limitar os efeitos da exploração capitalista e burguesa. Ela é por natureza um trabalho de reforma política
suprimir ao mesmo tempo esta exploração e a sociedade como a luta sindical é um trabalho de reforma econômica.
burguesa. Se é verdade que num período parlamentar os Ela representa um trabalho político no dia a dia, como os
dois aspectos da luta de classes se distinguem por razões sindicatos cumprem um trabalho econômico diariamente.
técnicas, nem por isso representam duas acções paralelas, Como a luta sindical ela é uma simples fase, um simples estádio
mas tão somente duas fases, dois graus da luta pela emanci- na luta global da classe proletária, cujo objectivo final ultra-
pação da classe operária. A luta sindical abarca os interesses passa pois, e do mesmo modo, a luta parlamentar e a luta
imediatos, a luta política da social-democracia os interesses sindical. A luta parlamentar está para a política do partido
futuros do movimento operário. Os comunistas, está escrito social-democrata como a parte está para o todo, exactamente
no Manifesto Comunista, defendem em face dos Grupos de como o trabalho sindical. O partido social-democrata é
interesses diversos (nacionais ou locais) interesses comuns precisamente o ponto de encontro da luta parlamentar com
a todo o proletariado e em todos os estádios de desenvol- a luta sindical. Reúne em si os dois aspectos da luta de classes
vimento da luta de classes o interesse do movimento no que visam a destruição da ordem social burguesa.
seu conjunto, quer dizer, o objectivo último: a emancipação A teoria da «igualdade de direitos» entre os sindicatos
do proletariado. Os sindicatos representam o interesse de e o partido socialista não é portanto um simples mal-enten-
grupos particulares e um certo estádio do desenvolvimento dido, uma pura confusão teórica: exprime a tendência bem
operário. A social-democracia representa a classe operária conhecida da ala oportunista do Partido que efectivamente
e os interesses da sua emancipação na totalidade. As liga- pretende reduzir a luta política da classe operária à luta
ções dos sindicatos com o partido socialista são portanto a parlamentar e pensa transformar o carácter revolucionário
de uma parte ao todo; se a teoria da «igualdade de direitos» da social-democracia para dele fazer um partido reformista
entre sindicatos e a social-democracia encontra eco nos pequeno-burguês (4 ). Se o partido socialista aceitasse a
dirigentes sindicais, isso provém de um desconhecimento
profundo da natureza dos sindicatos e do seu papel na luta (4) Como a existência de tal tendência no interior do Partido
geral pela emancipação da classe operária. socialista alemão é geralmente negada, temos de prestar homenagem
Esta teoria da acção paralela do Partido e dos Sindicatos à franqueza com a qual a ala oportunista recentemente definiu os seus
objectivos e os seus votos. Numa reunião do Partido realizada em
e da sua «igualdade de direitos» não é contudo uma invenção Mayence, em 10 de Setembro último, o Dr. David apresentou a seguinte
completamente gratuita: tem raízes históricas. Com efeito, resolução que foi adoptada:
baseia-se numa ilusão nascida no período calmo e «normal» «Considerando que o partido social-democrata concebe a noção
da sociedade burguesa em que a luta política da social- de «revolução» não no sentido de levantamento violento mas no sentido

94 95
teoria da «igualdade de direitos» aceitaria assim indirecta Contudo, uma tal mudança nas relações de forças no
e implicitamente essa transformação do seu carácter, interior do movimento operário alemão é menos conce-
que há tanto tempo esperam os representantes da linha bível do que em qualquer outro país. A relação teórica
oportunista. que faz dos sindicatos uma simples parte da social-democracia
encontra na Alemanha uma ilustração clássica nos factos,
pacífico de evolução, quer dizer de construir um novo e progressivo na prática viva; manifesta-se aí de três modos:
sistema econômico, a assembléia do Partido, reunida em Mayence,
recusa qualquer «romantismo revolucionário». 1) Os sindicatos são o produto directo do partido
A Assembléia vê na conquista do poder político somente a conquista da socialista: é ele que está na origem do movimento sindical
maioria da população pelas idéias e exigências da social-democracia,
alemão, foi ele que velou pelo seu desenvolvimento, é ele
conquista feita não pela violência mas pela revolução nos espíritos
efectuada por uma propaganda ideológica e por um trabalho concreto que ainda hoje lhe fornece os seus dirigentes e militantes
de reforma em todos os domínios da vida política, econômica e social mais activos.
Convencida de que a social-democracia ganha mais, empregando
métodos legais do que métodos ilegais e a sublevação violenta, a assem- 2) Os sindicatos alemães são ainda um produto do
bléia rejeita o princípio táctico da acedo directa de massas e opta pelo
partido social-democrata no sentido de que é a doutrina
princípio da acedo parlamentar para a reforma; quer dizer, ela deseja
que o Partido continue a esforçar-se para atingir progressivamente socialista que anima a prática sindical; o que imprime aos
os nossos objectivos por via legislativa e pela evolução orgânica. sindicatos uma superioridade em relação a todos os sindicatos
O postulado fundamental deste método de luta pela reforma é burgueses e confessionais, é a idéia da luta de classes;
de que não seja prejudicada a possibilidade das massas trabalhadoras os seus sucessos materiais, o seu poder são devidos ao facto
participarem na legislação do Reich e dos diferentes Lander, mas pelo
da sua prática ser esclarecida pela teoria do socialismo cien-
contrário que esta participação se estenda até à perfeita igualdade
de direitos. tífico, elevando-se assim acima de um empirismo mesquinho
Por essa razão, a assembléia considera como direito imprescri- e limitado. A força da «política prática» dos sindicatos alemães
tível dos operários a suspensão do trabalho por um lapso de tempo reside na sua inteligência das causas profundas, das condições
mais ou menos longo como protesto contra os atentados aos seus sociais e econômicas do regime capitalista; ora essa inteli-
direitos legais ou para obter direitos mais vastos, se os outros meios
gência, é devida unicamente à teoria do socialismo científico
de defesa se revelarem insuficientes.
Mas como a greve política de massas só pode ser coroada de sucesso
na qual a sua prática se baseia. Neste sentido, quando os
se for mantida em vias estrictamente legais e se a atitude dos grevistas sindicatos procuram emancipar-se da teria social-democrata,
não der aso a uma intervenção armada, a assembléia considera que a quando buscam uma nova «teoria sindical» oposta à da
única preparação para uso deste meio de luta é a extensão da organi- social-democracia, entregam-se a uma verdadeira tentativa
zação política, sindical e cooperativa. Porque só assim poderão ser de suicídio. Destacar a prática sindical da teoria do socialismo
criadas na massa popular as condições que garantem o sucesso de uma
científico equivaleria, para os sindicatos alemães, a perder
greve de massas; uma disciplina consciente dos seus objectivos e um
apoio econômico apropriado». imediatamente a superioridade em relação a todos os sindi-

96 97
catos burgueses, e a descer ao nível de um empirismo vulgar pode satisfazer-se com a adesão à sua organização. Tudo
e titubeante. isto encontramos na minoria mais esclarecida e mais inte-
ligente dos operários socialistas das grandes cidades onde a
3) Enfim, mesmo que os seus dirigentes tivessem vida do Partido é rica e atraente, onde o nível de vida dos
perdido pouco a pouco a consciência disso, são ainda os operários é muito elevado. Mas nas camadas mais vastas da
sindicatos, quanto ao seu poder numérico, um produto do população operária das grandes cidades, e também na provín-
movimento e da propaganda socialistas. Não há dúvida que cia, em localidades de modesta importância, em que a polí-
propaganda sindical precede em muitos campos a propa- tica local, longe de ser independente, não faz mais que
ganda do partido, e por toda a parte o trabalho sindical reflectir os acontecimentos da capital, onde a vida do Partido
prepara o caminho ao trabalho do partido. Do ponto de é pobre e monótona, onde o nível de existência dos operá-
vista da acção sobre as massas, os sindicatos e o partido rios é na generalidade miserável, é muito difícil encontrar-se
trabalham de mãos dadas. Mas se considerarmos a luta de essa dupla filiação na organização sindical e no Partido.
classes da Alemanha no seu conjunto e nas suas relações Para a massa dos operários que possuem convicções
mais profundas, as coisas mudam. Muitos dirigentes sindicais socialistas, o problema está resolvido por si: aderem ao seu
contemplará do alto do seu milhão e um quarto de aderentes, sindicato. Para satisfazer os interesses imediatos da luta
não sem um certo sentimento de triunfo, os 500000 reivindicativa não há outra solução, pela própria natureza
aderentes inscritos no Partido, divertem-se a lembrar-lhes da luta, senão aderir a uma organização profissional. A quota
o tempo, há dez ou doze anos, em que nas fileiras do paga pelo operário, geralmente com pesados sacrifícios,
Partido se vislumbrava sombriamente o futuro sindical. traz-lhe vantagens imediatas. Quanto às suas convicções
Mas não vêm que entre estes dois factos: o número socialistas, pode exprimi-las mesmo sem pertencer a uma
elevado de sindicalizados e o número inferior de membros organização específica do Partido: pelo seu voto, assistindo
inscritos no partido socialista, existe uma relação directa às reuniões públicas do partido socialista, seguindo as notícias
de causa-efeito. Milhares e milhares de operários não aderem dos discursos socialistas no Parlamento, lendo a imprensa
às organizações do Partido precisamente porque estão nos do Partido, — basta comparar o número de eleitores socia-
sindicatos. Em teoria, todos os operários deveriam estar listas e o dos assinantes do «Vorwarts», com o número dês
duplamente organizados: assistir às reuniões das duas orga- membros inscritos no Partido em Berlim. E, ponto decisivo:
nizações, pagar duas quotas, ler dois jornais operários, etc. o operário médio que possui preferências socialistas, que,
Mas tal actividade implica um grau de inteligência e um como homem simples, nada compreende das complicadas
idealismo que, consciente dos deveres para com o movi- e subtis teorias das «duas almas», tem o sentimento de
mento operário, não recuasse ante qualquer sacrifício coti- pertencer a uma organização socialista estando inscrito no
diano de tempo ou dinheiro: implica enfim um interesse sindicato. Mesmo que as federações sindicais não arvorem
apaixonado pela vida do Partido propriamente dita, que só a insígnia oficial do Partido, o operário médio de todas as

98 99
cidades, grandes ou pequenas, vê à cabeça do seu sindicato dar no mesmo, os sindicatos socialistas. Numa palavra, a apa-
como dirigentes mais activos precisamente os mesmos rente neutralidade de que muitos dirigentes sindicais fazem
colegas que ele sabe na vida pública serem membros do condição sine qua non, não existe para a massa dos aderentes
partido social-democrata; sejam eles deputados ao Reichstag ao sindicato. É essa a grande oportunidade do movimento
ou ao Landtag, ou eleitos municipais, ou sejam ainda homens sindical. Se essa aparente neutralidade, se essa distância
da confiança do Partido, presidentes dos comitês eleitorais, tomada em relação à social-democracia se realizasse, e sobre-
redactores de jornais, secretários das organizações do tudo se se tornasse real aos olhos da massa proletária, os
Partido, ou simplesmente oradores e propagandistas cio sindicatos perderiam imediatamente todas as vantagens
Partido. Encontra nos temas de propaganda evocados no frente às organizações concorrentes da burguesia e, por
seu sindicato as mesmas idéias familiares que lhe são queridas isso mesmo, perderiam o seu poder de atracção, a chama
sobre a exploração capitalista e as relações de classe; além que os anima. O que acabamos de dizer é demonstrável
disso, a maior parte dos mais populares oradores que usam por factos universalmente conhecidos. À aparência de
da palavra nas reuniões sindicais, são conhecidos sociais- «neutralidade» política dos sindicatos poderia exercer com
democratas. efeito uma certa força atractiva num país em que a social-
Assim, tudo concorre para transmitir ao operário médio democracia não possuísse crédito junto das massas, em
consciente o sentimento de que ao aderir a uma organização que a sua impopularidade prejudicasse mais uma organização
sindical, adere igualmente ao seu partido operário, à orga- operária do que servisse uma organização operária, em
nização social-democrata. É aí precisamente que residem que, numa palavra, os sindicatos tivessem de recrutar os
a força atractiva e o poder de recrutamento dos sindicatos seus aderentes no seio de uma massa absolutamente deseduca-
alemães. Não é a aparência de neutralidade, é o seu carácter da, cujas simpatias fossem para a burguesia. No último século,
verdadeiramente socialista que permitiu às federações e em certa medida ainda hoje, o modelo exemplar dum tal país
sindicais atingir o seu poder actual. Este facto é simplesmente é a Inglaterra. Mas na Alemanha, a situação do partido é
confirmado pela própria existência de diferentes sindicatos completamente outra. Num país em que o partido socialista
burgueses, de dependência política ou confessional: sindi- é o mais poderoso, em que a sua força de atracção é atestada,
catos católicos, sindicatos de Hirsch-Duncker, etc., pela qual por uma falange de mais de três milhões de proletários,
se pretende provar a necessidade dessa pretensa «neutra- é ridículo falar de uma impopularidade que desviaria as
lidade» política. Quando o operário alemão livre de aderir massas da social-democracia, e da necessidade, para uma
a um sindicato cristão, católico ou evangélico, ou mesmo organização de combate da classe operária, de manter um
liberal, não escolhe nenhuma destas organizações e opta carácter neutral. Basta comparar o número de eleitores
pelo «sindicato livre», ou abandona um dos primeiros para socialistas ao número de organizações sindicais na Alemanha
aderir a este último, é porque vê nas federações sindicais para convencer até uma criança, de que os sindicatos alemães
as organizações da luta de classes moderna, ou o que vem a não recrutaram os seus aderentes, como na Inglaterra, nas

100 101
massas deseducadas com simpatias burguesas, mas no seio de confundidos na unidade espiritual constituída pela consciência
um proletariado já esclarecido pela social-democracia e dessa enorme massa. Assim, a pretensa oposição entre
conquistado para a idéia da luta de classes na massa dos elei- Partido e sindicatos reduz-se à oposição entre o Partido
tores socialistas. Muitos dirigentes sindicais repudiam com e um certo grupo de dirigentes sindicais; mas essa mesma
indignação — corolário obrigatório da teoria da «neutrali- oposição existe no interior dos sindicatos, entre o grupo
dade» — a idéia de que os sindicatos seriam escolas de dos dirigentes e a massa dos operários sindicalizados.
recrutamento para o socialismo. De facto, esta hipótese O enorme desenvolvimento do movimento sindical na
que lhes parece tão insultuosa e que, na realidade, seria Alemanha no decorrer dos últimos quinze anos, e especial-
extremamente agradável, é puramente imaginária, porque mente no período de prosperidade econômica entre 1895
a situação é inversa no geral: é a social-democracia que na e 1900, ocasionou naturalmente, uma maior autonomia dos
Alemanha constitui uma escola de recrutamento para os sindicatos, uma especialização dos seus métodos de luta
sindicatos. O trabalho de organização sindical é ainda difícil e da sua direcção, originando assim uma verdadeira casta
e penoso: para que a colheita seja abundante, é preciso de dirigentes sindicais permanentes. Todos estes fenômenos
não só — salvo em certos casos e em certas regiões — que são o resultado historicamente explicável do desenvolvimento
o terreno tenha sido lavrado anteriormente pela social- dos sindicatos durante quinze anos, são o produto da pros-
democracia, mas é necessário ainda que a semente sindical peridade econômica e da acalmia política na Alemanha.
e os semeadores sejam socialistas, sejam «vermelhos». Se Embora inseparáveis de certos inconvenientes não deixam de
compararmos portanto o número de sindicalizados, não ser um mal necessário. Contudo a dialéctica da evolução
com o dos militantes socialistas, mas com o dos eleitores quer que esses métodos indispensáveis ao desenvolvimento
socialistas — única comparação correcta — chega-se a uma do sindicato, se transformem num obstáculo à continuação
conclusão muito diferente da geralmente propagada. Nota-se desse mesmo desenvolvimento, quando a situação histórica
com efeito que os «sindicatos livres» só representam actual atingir um certo nível de maturidade.
mente na Alemanha uma minoria da classe operária cons- Os funcionários sindicais tornam-se vítimas da buro-
ciente, visto que o seu milhão e um quarto de aderentes cracia e de uma certa estreiteza de perspectivas devido à
não atinge sequer metade da massa abrangida pela social- especialização da sua actividade profissional e à mesquinhez
democracia. A mais importante conclusão que dos factos dos seus horizontes, resultado de um fraccionamente das
aqui expostos podemos tirar é a seguinte: a completa unidade lutas econômicas em período de calma. Estes dois defeitos
do movimento operário sindical e socialista, indispensável manifestam-se em diversas tendências que podem ser fatais
às futuras lutas de massas na Alemanha, está desde já realizada; para o futuro do movimento sindical. Uma delas consiste
está concretamente encarnada na enorme massa que cons- em sobrevalorizar a organização transformando-a, pouco a
titui ao mesmo tempo a base do partido socialista e dos pouco, num fim em si e considerando-a um bem supremo a
sindicatos; os dois aspectos do movimento operário estão que os interesses da luta devem ser subordinados. Assim

102 103
se explica a confessada necessidade de repouso, esse temor fazer dele um panegírio absoluto e mostrar um entusiasmo
em aceitar uma seção importante perante os pretensos perigos ilimitado por ele. Mas como o ponto de vista socialista
que ameaçariam a existência dos sindicatos, essa hesitação consiste precisamente em combater este incondicional
ante o fim incerto das realizações de massas de certa ampli- optimismo sindical, do mesmo modo que combate o incon-
tude e enfim a sobrevalorização da própria luta sindical, dicional optimismo parlamentar, atacam por fim a própria
das suas perspectivas e do seu sucesso. Os dirigentes sindi- teoria socialista: procura-se às apalpadelas uma nova teoria
cais, continuamente absorvidos na luta econômica cotidiana, sindical, uma teoria que, contrariamente à doutrina socia-
que se dão ao trabalho de explicar às massas o valor inesti- lista, abrisse ilimitadas perspectivas de progresso econômico
mável de um aumento de salários ou da mais pequena redução às lutas sindicais no próprio campo da ordem capitalista.
no horário de trabalho, acabam por perder pouco a pouco o Na verdade, uma teoria assim existe há muito tempo: é a
sentido das grandes realizações de conjunto e da situação do professor Sombart; foi inventada com o fim expresso
geral. Assim se explica, por exemplo, que acentuem com tanta de semear a discórdia entre os sindicatos e o partido social-
satisfação os sucessos dos últimos quinze anos, os milhões democrata alemão, e de atrair os sindicatos para o terreno
de marcos dispendidos no aumento de salários, em vez de da ordem burguesa. Essas tendências teóricas são acom-
insistirem, ao contrário, no reverso da medalha: o decrés- panhadas de uma mudança nas relações entre os dirigentes
cimo simultâneo e considerável do nível de vida dos operá- e a massa. A direcção colegial constituída por comitês locais
rios, causado pelo preço do pão, por toda uma política fiscal — que sem dúvida apresentavam enormes limitações —
e alfandegária, pela especulação sobre os terrenos, fazendo é substituída por uma direcção profissional constituída por
subir os preços de modo exorbitante, numa palavra, por funcionários sindicais. A iniciativa, a decisão, transformam-se,
todas as tendências objectivas da política burguesa que por assim dizer, em competências técnicas especializadas,
anularam parcialmente as conquistas de quinze anos de enquanto a massa passa a exercer uma passiva disciplina de
lutas sindicais. Em vez de partilharem a verdade global socia- obediência. Estes inconvenientes do funcionalismo esten-
lista que, sublinhando o papel e a necessidade absoluta de dem-se até ao partido: assim a recente inovação de criação
um trabalho cotidiano, acentua sobretudo a crítica e os de secretários locais do partido constituiriam um perigo
limites desse trabalho, não defendem mais que uma meia- se a massa de aderentes não velasse constantemente para que
verdade sindical, revelando somente o aspecto positivo da os secretários não fossem mais que puros órgãos executivos,
luta cotidiana. E, no fim de contas, o hábito de silenciar os sem jamais serem considerados especialistas encarregados de
limites objectivos traçados pela ordem social-burguesa à iniciativas e da vida local do partido. Mas, na social-democra-
luta sindical, transforma-se numa guerra aberta contra cia, pela própria natureza das coisas, e pela característica da
qualquer crítica teórica que acentue esses limites e luta política, o burocratismo está necessariamente encerrado
lembre o fim último do movimento operário. Consi- em limites mais estreitos que na vida sindical. Nesta, a espe-
dera-se como dever de todo o «amigo do movimento sindical» cialização técnica das reivindicações salariais — citemos entre

104 105
outras a elaboração de acordos complicados sobre as tarifas — elementos mudaram de natureza. Da neutralidade política
contribui para que seja negado às massas dos operários sindi- dos sindicatos, estado de facto imposto pela pressão policial,
calizados a possibilidade de ter «uma visão de conjunto da extraiu-se por fim uma teoria da sua neutralidade volun-
vida corporativa»; baseiam-se nisso para constatar a sua tária de que se fez uma necessidade pretensamente baseada
incapacidade para avaliar a situação. A lógica desta concepção na própria natureza da luta sindical. E a autonomia técnica
tem por resultado o seguinte absurdo: qualquer crítica dos sindicatos, baseada numa divisão do trabalho prático no
teórica das perspectivas e possibilidades da prática sindical interior de uma única luta de classes, de carácter socialista,
deve ser banida, visto que constituiria um perigo para a conduziu ao separatismo dos sindicatos que se desligaram do
cega devoção das massas pelos sindicatos. Baseiam-se no partido social-democrata, das suas idéias e da sua direcção, in-
argumento de que só uma fé cega e pueril na luta sindical, vocando uma pretensa «igualdade de direitos» com o partido.
único meio de salvação, pode ganhar e conservar as massas Ora esta autonomia e esta aparente igualdade entre
operárias na organização. É o contrário do socialismo que sindicatos e partido enraízam-se especialmente nos funcioná-
fundamenta a sua influência na inteligência e no sentido rios sindicais, são concretizados pelo aparelho administrativo
crítico das massas, revelando-lhes as contradições da ordem dos sindicatos. Exteriormente, a existência de todo um corpo
existente e a natureza complicada da sua evolução, exigindo de funcionários, de comitês centrais absolutamente inde-
delas uma atitude crítica em todos os momentos e em todos pendentes, de numerosos jornais corporativos e congressos
os estádios da sua própria luta de classes; pelo contrário, sindicais dá a perfeita ilusão de um paralelismo com o aparelho
a partir da falsa teoria sindical, os sindicatos baseiam a sua administrativo do partido social-democrata, com a sua
influência e o seu poder na falta de decisão e de sentido crítico direcção, com a sua imprensa e congressos. Esta aparência
das massas: é preciso manter intacta a «fé do povo». Deste de igualdade entre partido e sindicatos, ocasionou a mons-
princípio partiram numerosos funcionários sindicais para truosa consequência de que os congressos do partido e os
qualificar de ataque contra o movimento sindical qualquer congressos sindicais discutindo ordens do dia semelhantes,
análise crítica das limitações desse movimento. Por fim, conduziam a resoluções diferentes do mesmo problema, ou
como resultado último dessa especialização e desse buro- mesmo absolutamente opostas. As respectivas tarefas do
cratismo, citemos a forte tendência para a autonomia e a congresso do partido — defender os interesses dos sindi-
«neutralidade» dos sindicatos em relação ao partido socialista. catos — cujo campo de acção, muito mais limitado, é o dos
A autonomia externa da organização sindical é o produto interesses e problemas particulares da luta corporativa
natural do seu desenvolvimento, nasceu da divisão técnica do diária — deixaram de ser o resultado de uma divisão natural
trabalho entre as formas de luta política e sindical. A «neutra- do trabalho; cavou-se um fosso artificial entre uma pretensa
lidade» dos sindicatos alemães é, por seu lado, um produto concepção sindical das coisas e uma concepção socialista
da legislação reaccionária das associações e do carácter em relação aos mesmos problemas e aos mesmos interesses
policial do Estado prussiano. Com o tempo, estes dois gerais do movimento operário. Assim se gerou este estranho

106 107
estado de facto: o mesmo movimento sindical que, na base, suprimir os atritos que se produziram entre o partido socia-
na vasta massa proletária constitui um todo com o socia- lista e uma parte dos sindicatos, de fazer coincidir as suas
lismo, separa-se deste no cume, na superestrutura adminis- relações recíprocas com a consciência que delas têm as
trativa: ergue-se face ao partido socialista como uma segunda massas proletárias: ou melhor, trata-se de subordinar de
grande potência autônoma. O movimento operário alemão novo os sindicatos ao partido. Sendo assim exprimir-se-á
reveste assim a forma estranha de uma dupla pirâmide cuja somente a síntese da evolução dos factos: os sindicatos,
base e cujo corpo são formados pela mesma massa mas anexados de início ao partido socialista, destacaram-se dele
cujos vértices se vão distanciando um do outro. para preparar em seguida, através de um período de franco
Do que ficou exposto, as conclusões impõem-se com desenvolvimento, tanto do partido como dos sindicatos,
evidência: vemos por meio de que método, o único natural o período futuro das grandes lutas de massas; este mesmo
e eficaz, se pode criar essa unidade compacta do movimento facto implica a necessidade de reunir Partido e Sindicatos
operário alemão, absolutamente necessária nas futuras lutas para interesse próprio das duas organizações. Não se trata,
políticas e no próprio interesse do desenvolvimento sindical bem entendido, de destruir toda a estrutura sindical no
ulterior. Nada seria mais falso e mais ilusório do que querer Partido; trata-se de restabelecer entre as direcções do
essa unidade por intermédio de negociações esporádicas ou Partido socialista e dos sindicatos, entre os congressos do
regulares entre a direcção do partido e a direcção sindical, Partido e dos sindicatos, uma relação natural que corresponda
sobre as questões particulares do movimento operário. São de facto à relação entre o movimento operário no seu
precisamente as instâncias superiores das organizações das conjunto e o fenômeno particular e parcial chamado sindicato.
duas formas do movimento operário que encarnam, vimo-lo Uma tal transformação não se operará sem provocar a
já, a sua autonomia e separação; são essas instâncias que dão a oposição violenta de uma parte dos dirigentes sindicais.
ilusão da igualdade de direitos e da paralela coexistência do Mas já é tempo da massa operária socialista mostrar se é
partido socialista e dos sindicatos. Querer realizar a unidade capaz de decidir e agir, já é tempo de manifestar a sua matu-
das duas organizações pela aproximação entre o secretariado ridade para períodos de grandes tarefas e de grandes lutas
do Partido e a Comissão Geral dos Sindicatos seria querer futuras; nestes períodos é ela, a massa, que será o coro
edificar uma ponte onde o fosso é mais largo e a passagem actuante e as direcções terão somente o papel de porta-
mais difícil. Não é no alto, no cume das organizações, numa voz, de intérpretes da vontade das massas.
espécie de aliança federativa, é na base, na massa dos prole- O movimento sindical não é o reflexo das ilusões, de-
tários organizados, que se encontra a garantia de uma verda- certo explicáveis, mas erradas, de uma minoria de dirigentes
deira unidade do movimento operário. Na consciência de sindicais; ele traduz a realidade viva existente na consciên-
milhões de sindicalizados, o partido e os sindicatos constituem cia dos proletários conquistados pela ideia da luta de classes.
um só, encarnam a luta da emancipação socialista do prole- Nessa consciência, o movimento sindical é um elemento par-
tariado sob formas diferentes. Daí a necessidade, para cial da social-democracia. — «Pois que ouse parecer o que é».

108 109

También podría gustarte