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apresenta

A noite de
uma cidade
grande pode
esconder
muito mais do
que diversão

Do autor de A Ilha dos Anêmicos


Jorge Curvello – All Right Reserved.
Hoje, mesmo me julgando ainda
um cético teimoso sei que existem mais
segredos entre o céu e a terra do que reza a van
filosofia ou não estaria escrevendo este livro ,
uma continuação de uma história que hoje já
não sei se terá um fim que não o do seu próprio
escritor.

Angelino Pierangelli
Repórter

São Paulo 12 de Abril de 2004


Fazem dois anos que voltei de Ilha tor daquele hospital e sanatório que
Dourada, uma ilha antes apagada do mapa, descobriu uma vacina para curar a
existente na costa brasileira de Santa Catarina, leucemia sem transplantes de medula, um
mas que hoje resplandece de um pesadelo, soro baseado no incrível sangue de não
ressurgindo de um passado nebuloso que a mortos, assim chamados pelo povo daquela
obrigou por séculos ao isolamento. Faz ilha, mas dito por ele de serem apenas
apenas um ano que Luiza, uma linda mulher doentes de uma estranha catalepsia com
que tornei minha noiva me deixou aqui em efeitos mentais psicóticos. Devo falar de
São Paulo para estudar pintura e artes em acontecimentos estranhos que nunca
uma faculdade de Toulouse na França, tiveram uma explicação lógica, mas
prometendo casar comigo assim que se aconteceram e me fizeram duvidar da
formar. Dois anos fazem também que vivi o ciência dos homens e até da minha
pior pesadelo acordado de minha vida de capacidade de entender o mundo em que
repórter acostumado a cobrir fatos inéditos, vivemos. Naquela ilha vi acusados de louco
mas nada igual aquele que me levou a serem assassinados sem que os culpados
começar um livro que agora tento finalizar fossem entregues para as autoridades
porque, a história que naquela ilha pequenina porque eram considerados fanáticos por
começou, promete ainda não haver se lendas sobrenaturais e se defendiam
encerrado. eliminando supostos causadores de uma
doença ou maldição que os perseguia por
Para que meus possíveis leitores séculos de existência, compactuei com eles
entendam do que estou narrando tenho que ao me calar para o mundo porque como
retroceder no tempo e falar de personagens eles não poderia jamais provar estarem
como Jairo, um rapazola sardento e de cabelos errados de livrar o mundo de seres
de fogo que conheci em Ilha Dourada, um amaldiçoados e capazes de o destruir, seres
reduto antes privado a visitações por causa de que hoje, passados dois anos de que tudo foi
um quase secreto hospital de leucêmicos. julgado terminado parecem ameaçar a
Tenho que fala do Dr. Honório, o médico dire minha cidade, seres que não sei o que são.
Jornal para o qual trabalho e que iniciou
Para completar necessárias
uma pesquisa que dura até agora, mesmo
explicações tenho que falar também de Julio,
depois de tudo novamente dado por
um amigo irmão que por haver aceitado o amor
acabado.
falso de uma mulher que era minha, me fez
desgostar até do trabalho que amo e pedir férias
Cheguei um pouco cedo a
antecipadas, para então fugir rumo a um
redação do Correio de São Paulo
destino bem mais atribulado do que se tivesse
encontrando ainda minha sala vazia e sem
ficado aqui e enfrentado minhas dores de
serviço para fazer. Enquanto esperava
cotovelo, me esconder em um lugar distante e
começar a hora do expediente remexi pelas
longe de Helena, um furacão de ambições e
gavetas de minha escrivaninha atrás de
interesses para quem amor era palavra de
algo para distrair e por acaso encontrei
otário, justamente a mulher que me traiu com
dobrado dentro de uma delas um exemplar
ele. Mas Julio e helena são passados
velho de nosso jornal, retirando-o de lá e
esquecidos, ele retornando para mim
começando a folheá-lo sem grande
arrependido do que me fez, maldizendo uma
interesse. Enquanto passava as páginas
nefasta paixão que também o traiu e ela, a
uma após a outra sem me interessar por
mulher que nos desuniu, desaparecida no
nada, me sentia orgulhoso de ter sido eu o
mundo talvez atrás de algum caixa forte. Mas
permissor de muitas daquelas coisas
não é sobre nenhum desses personagens em
escritas ali por meus assessores,
especial que irei narrar, mesmo com alguns
supervisionando as matérias antes da
deles retornando nesta narrativa que
edição como agora era minha função de
sinceramente não sei como narrar a não ser
diretor de redação, cargo que assumi por
contando como tudo começou, uma simples
mérito de ter escrito para o Jornal uma
manchete de um exemplar antigo de um
importante matéria que intitulei de A Ilha
periódico largado por esquecimento no fundo
dos Anêmicos, também um livro de sucesso
de uma gaveta em meu escritório na redação
do
candidato a best seller e que versava sobre os que me fez retroceder e novamente pegar
feitos de um brasileiro descendentes de naquele jornal para comparar com a
húngaros, diretor de um hospital na ilha que notícia que ele trazia duas outras novas e
serviu de título. necessárias de minha aprovação para
futura edição, uma falando de
Eu estava para devolver aquele alastramento da anemia infantil e a outra
traste amarrotado para uma lata de lixo de um corpo encontrado degolado dentro
quando meus olhos bateram sobre uma do rio Tietê, mas exangue. Ao bater o olho
pequena coluna intitulada “Crianças naquelas duas constante na pauta de
anêmicas apavoram São Paulo”, uma revisão algo em mim se modificou e meu
pequena notícia dessas sem muita interesse subitamente cresceu para
profundidade que algum repórter achou de investigar até onde estaria ali naquelas
colocar ali para encher espaço, me notícias uma ligação apagada no tempo,
aprofundando no que vinha escrito abaixo uma velha suspeita de que o mal de Ilha
do cabeçalho e me inteirando de que uma Dourada continuava vivo e nos enganou.
epidemia de anemia, se é que assim se podia
chamar uma doença nada transmissível, Eram duas da tarde quando
assolava a periferia da capital com diversas depois de almoçar com Julio em um
crianças se sucedendo apresentando restaurante da cidade segui para um
sintomas de anemia aguda e mostrando hospital público a fim de falar com um
estranhos ferimentos nos pulsos, nos médico a respeito do flagelo da anemia,
tornozelos ou artérias dos pés. Sem dar mais não sendo difícil para mim repórter de um
importância do que simples curiosidade conceituado Jornal conseguir uma
conhecendo bem das artimanhas dos entrevista e em poucas horas conseguir
repórteres para apresentar serviço, fechei o um dossieur completo do que vinha
jornal e o atirei no lixo. Foi minha acontecendo na cidade com seus bebês,
secretária chegando pouco depois e já me uma maioria de crianças menores de um
trazendo o que fazer em um monte de papéis ano de vida e todas apresentando anemia
depois de mordidas por ratos, ou morcegos,
não havia certeza médica. A partir daquele A noite morna de um inverno
dossieur segui para o necrotério da cidade e paulistano eu me sentei no espaçoso
lá fiz uma visita ao corpo de um vagabundo terraço de minha cobertura situada na
achado nu dentro do rio Tiete, com o Avenida Paulista a uma altura de mais de
pescoço seccionado por lâmina afiada e o cem metros, vendo toda São Paulo
corpo apresentando completa ausência de abaixo de mim com sua iluminação
sangue, posto no relatório da autópsia como feérica e sua poluição que nem a noite
drenagem automática do rio por efeito de desaparecia. Eu era um privilegiado,
correnteza. Ao ver a desagradável imagem podendo ter um lugar assim para morar
de um corpo esbranquiçado pela falta do em um dos mais altos prédios da
sangue e uma ferida enorme em seu pescoço paulicéia e em uma de suas mais
quase decepando sua cabeça, não pude elegantes avenidas, não longe de um de
deixar de notar perto dela dois pequenos seus considerados pulmões de oxigênio
furos semelhantes a espetadela de espinhos, natural, o Parque Trianon, nem muito
ou marcas de caninos afiados, mas calei afastado de um de seus mais belos
minha curiosidade e deixei o IML jardins, o Ibirapuera. Em noites como
completamente cismado de que aquele aquela eu gostava de me sentar ali,
assassinato não era o que parecia, mas sim bebendo um bom wisky escocês e
uma queima de arquivo de um perigo maior. escutando música suave, sem ter visinhos
Sinceramente ao sair para aquelas visitas, para me olhar em trajes sumários ou
não sabia porque fazia aquilo, mas algo mesmo nu quando o calor apertava e
dentro de mim me impelia a fazer e se ligava então assim eu me banhando na
a meu terror de ver recomeçado um novo pequena piscina que ficava a passos de
pesadelo. Que os anos nunca me fizeram onde eu me sentava. Vendo tanto
esquecer. conforto a minha volta eu agradecia ao
rompimento que tive com Helena e Julio
e que me fez sair em busca de um
esconderijo que me
revelou um incrível mistério e uma historia Julio me recebeu com
de abnegação, esforços, méritos e patriotismo contentamento ao reconhecer minha voz
capaz de me transformar em um homem bem do outro lado lado da linha telefônica.
sucedido e bem pago, dono de gorda conta Nem pensou em recusar minha proposta
bancária e de um imóvel como aquele. quando lhe convidei a irmos farrear em
um dos muitos bares que freqüentávamos
Visto de longe um avião passou juntos desde nossos tempos de solteirões
no horizonte piscando suas luzes de inverterados, coisa que agora depois de
navegação e alternando sua imagem entre Luiza mesmo continuando, eu não me
algumas nuvens que um luar fazia prateadas sentia mais, deixando esse sentimento só
nas bordas e acinzentadas no miolo.. Ao ver o para ele depois que rompeu com Helena e
avião associei a imagem dele a saudade que retornou para minha compreensão de
sentia de Luiza e meu pensamento voou para amigo fiel. Depois que desliguei o
ela no dia em que fomos pela primeira vez telefone não levei mais do que duas horas
visitar sues pais depois que la deixou o para ver sua cara sorridente me acenando
hospital do Dr. Honório completamente de uma mesa de canto em um requintado
curada da leucemia que a impediu de realizar bar de calçada nos Jardins, já com uma
um grande sonho por toda a sua garrafa de Chivas Regal, um balde de
adolescência. Relembrei dias maravilhosos gelo sobre a mesa e muita vontade de
passados com ela na casa de sues pais que me paquerar. Aquele sim era o Julio que eu
receberam muito bem e fizeram gosto em amava, o irmão que não tivera e o amigo
nosso noivado, recordei de nossas promessas dedicado de todas as surubas, de todos os
e juras de amor e do dia amargo que a tesões que as mulheres que pegávamos,
coloquei dentro de um avião rumo a França. aliviavam.. Naquela noite mesmo saímos
Não sei se o luar, a solidão ou a saudade da ali com duas delas, uma loura como Julio
mulher amada fez despertar em mim um preferia e eu uma mulata porque não
tesão repentino e excitado deixei o terraço queria confundir com a de uma loura de
em busca de um telefone. programas, a imagem pura de Luiza.
Em se tratando de lógica ele bem
que poderia ter razão, mas meu faro de
repórter dizia que como em Ilha Dourada eu
precisava ter certeza. Não querendo insistir
mais naquele momento procurei falar de
outros assuntos sem importância e depois
desliguei o telefone desculpando-me pelo
incômodo, indo em seguida me distrair um
pouco vendo televisão. Qual não foi minha
surpresa ao ligar em um canal de debates ver
uma mulher do povo teimando com outros
convidados que seu filho doente de anemia
tinha ficado assim depois que ela viu um
desconhecido mordendo seus pés dentro de seu
barraco Imediatamente corri novamente para
o telefone e procurei com a produção do
programa descobrir o endereço daquela
----- Não doutor, Luiza está ótima e me mulher.
escreveu faz pouco tempo. São coisas que
começaram a acontecer por aqui, mas que
estão me deixando suspeitar que tem
conexão com antigos fatos de Ilha
Dourada.

O médico fez um segundo de


silencio e logo depois perguntou meio
curioso.

----- E o que são estas coisas?


Fazia um tempo ruim para se ----- O moço veio falar do tarado
visitar uma favela que no momento de minha é? Pois chegou tarde. Dodô deu um pau nele
chegada estava sendo invadida pela polícia. e botou pra correr.
O tumulto era geral e com muito esforço
consegui me infiltrar dentro dela usando Sentindo que iria ter dificuldades
como passe a minha identidade da Imprensa, com aquela mulher se quisesse obter
sendo levado por um garoto sob propina até informações seguras, pedi para entrar no seu
um barraco humilde, quase desabando barrado, sendo então permitido depois que
construído de tábuas velhas, papelão e folhas ela abriu totalmente a porta, mostrando
de zinco, o endereço da mulher pela qual eu muita pobreza espalhada por todo canto onde
procurava. Para chegar até ele, sempre em o único móvel que se salvava era um berço
suspense por causa da polícia, cruzamos por onde um infante de meses dormia
vielas cobertas de mato, dejetos fecais, lixo e tranqüilamente. De onde estava dava para
muita lama, atingindo a casa da mulher ver no pé esquerdo da criança uma
depois de algum sofrimento., sendo então bandagem de gaze com esparadrapo e sem
recebidos uma velha senhora desgrenhada e esperar que eu lhe perguntasse mais alguma
suja, com um rebento de dois anos pendurado coisa, a velha apontou para uma janela
no colo e tendo uma menininha maior pregada com ripas e rindo seu sorriso
escondia atrás dela segurando sua saia. Ao desdentado balbuciou.
ver a velha o garoto foi logo se adiantando.
----- Foi ali por aquela janela
----- Ai vó, esse homem tá que o tarado entrou. Minha filha pregou com
procurando a Dodô, ele é do Jornal. ripa. Mas é bem feito pra ela porque sempre
avisei que trazer homem pra dentro de casa
A velha sorriu para mim dá nisso.
mostrando uma feia boca desdentada, depois
mostrando evidentes sinais de desequilíbrio
mental, perguntou.
Olhei para o moleque parado a dele que o que li no jornal foram fatos
meu lado e perguntei se ele sabia de mais distorcidos e que ele jamais atestou em seu
alguma coisa, mas ele preocupado com o que exame que o homem sofreu drenagem do
poderia estar acontecendo lá fora foi breve na sangue por causa da correnteza. Ele nunca
resposta, mostrando desejos de ir embora. foi entrevistado a respeito do morto e se
fosse diria ser impossível tal acontecimento
----- Sei o que todo mundo sabe, porque em contato com o ar o sangue
que tem um cara tarado pegando criança por coagula depressa, ficando impossível um
aqui. Mas vamos embora moço, que a coisa tá processo de drenagem como se gasolina de
fervendo lá fora e eu quero ver. um tanque de automóvel. No ato me contou
que também descobriu orifícios de dentadas
Saí do barraco dando algum perto do lugar do corte, mas que isso não foi
dinheiro para a velha e deixando com ela meu publicado. Convicto de que tinham relações
cartão com pedido para a filha me telefonar. os casos de anemia com amorte4 daquele
Na saída mais segura da favela que o garoto homem, segui do necrotério para o lugar
indicou, dei algum dinheiro para ele também e onde ele foi encontrado e lá também tive
procurei pelo meu carro deixado fora da área sorte ao descobrir que houve uma
de perigo, rodando para o necrotério onde sabia testemunha, um vagabundo morando em
ter sido feita a autópsia do cadáver achado no um barraco de papelão na beira do rio.
rio Tietê, esperançoso de que aquele corpo iria
me ajudar a provar para mim mesmo que O vagabundo era um homem
estava no caminho certo de minhas suspeitas. velho, cego de um olho e rodeado de cães de
rua, morando precariamente em uma casa
Para um repórter experiente, de papelão dentro de um capinzal bem perto
conseguir informações fica fácil e assim no do lugar onde o homem foi encontrado meio
necrotério, eu poucos minutos, consegui falar submerso na águas do rio. Ao me ver,
com o médico que fez a autópsia no corpo do falante ele foi dando o recado, dizendo que
homem assassinado no Tietê, sabendo através viu quando o defunto chegou com uma
mulher de cabelos negros, bonita e de fino vagabundear na noite a procura de
trato entrando o matagal e se escondendo para aventuras extras sexuais, mas culpava disso
trepar, mas que depois de alguns minutos ela meu sangue latino, uma mistura de italiano
saiu sozinha e quando ele foi ver mais de perto, o com brasileiro que acendia coisas que ela,
homem estava morto, meio boiando na lama do estando tão longe de mim jamais poderia
rio e com os olhos arregalados de terror. Com satisfazer. Estávamos justamente
medo de ser incriminado pela polícia ele disse conversando sobre isso quando vimos ao
que se ausentou da casa de papelão até que tudo mesmo tempo a mulher parada no outro
foi descoberto pela polícia e deixado novamente lado da rua, vestida com um costume
em paz. Voltei para a redação já com o vermelho olhando para nós. Surpreso pela
expediente se encerrando e fiquei sozinho em visão não reprimi u elogio.
minha sala matutando sobre os fatos que havia
descoberto quando Júlio me ligou.
A noite estava agradável, sem ----- Olha lá meu, que gata !
nebulosidade no céu que mostrava estrelas e Ela estás olhando para nós, quem vai
quando Julio apareceu para me encontrar em primeiro?
um movimentado bar de calçada do Arouche eu Julio mais do que de pressa se
me sentia com vontade de beber um tonel. levantou, fazendo sinal para um garçom
Ficamos conversando por horas antes de nos pedindo mais chopp e respondendo
decidirmos a paquerar alguém para o grande enquanto se adiantava na direção da ruiva
motivo de nosso encontro, mais uma noite de separada de nós pelo asfalto.
orgia sexual com alguma garota de programa,
cada qual sentindo pulsar em si o desejo da
carne tão acostumado a ser satisfeito daquela
---- Já era, amigão, eu levantei
forma, caçadas noturnas. As vezes eu me
primeiro! Logo ela vai estar debaixo de
perguntava de como gostando tanto de Luiza e
meus lençóis..
comprometido com ela eu me dava ao defrute de
Dito isso ele se adiantou, Julio sorriu e concordou com a
cruzando a rua e indo ao encontro da mulher cabeça, sabia que minha proposta incluía
que continuava parada, estranhamente um ménage a trois como de tantas outras
olhando em nossa direção. Julio era um tipo vezes participamos, entendendo meu recado
de homem atraente, louro e de estatura e consentindo com um gesto de quem
mediana, mas forte, com olhos claros que perdeu. Não demorou muito e duas gatas
seduziam com facilidade e uma lábia de fazer sentaram em uma mesa perto da nossa e ao
inveja e assim, assim quando ele saiu, vi sair daquele bar tínhamos a companhia que
perdida qualquer chance de ter aquela deusa fomos lá para buscar.
ruiva na cama. Mas qual não foi minha
surpresa ao desviar o olhar para o garçom Voltando ao meu trabalho e aos
nos servindo os chopp novos e quase que em meus novos problemas, não hesitei de ligar
simultâneo ver Julio voltando sem que a novamente para o Dr. Honório, desta vez
ruiva estivesse mais ao alcance do olhar, mais forjado em coincidências que pensava
vendo meu amigo como um derrotado se lhe faria me dar mais crédito quanto as
derrubando na cadeira ao meu lado e suspeitas de que em São Paulo estávamos
suspirando desiludido. começando a ter os mesmos problemas de
sua ilha e ao ser atendido novamente por ele
----- Que pena, ela não fala fui direto ao assunto.
lhufas de português.
---- Desculpe me doutor, se volto
a falar em um assunto tão desagradável, mas
Engoli o gole de chopp co u cada vez mais as coisas se complicam em
sorriso de deboche nos lábios, maldosamente São Paulo e me arrastam a pensar que
falando a seguir. estamos tendo aqui os mesmos mistérios de
----- Tivesse você me dado tempo Ilha Dourada, com proporções mais
de ir até lá e ela seria nossa. Eu falo diversas avassaladoras e mais perigosas. Escute só o
línguas , ou se esqueceu?
que tenho para lhe contar e veja até onde tenho e esta remota possibilidade era de aqueles
razões de preocupar-me. dois que vimos, não serem os mesmos que
procurávamos, mas sim dois substitutos
Sem papas na língua contei facilmente confundidos com eles porque
novamente o que ele já sabia e alonguei no que pouco os conhecíamos. Envergonhado de
descobri depois, fazendo comparações, poder estar sendo ousado demais, calei e
especialmente a respeito de que, todos os casos preferi fingir aceitar que ele tinha total
tinham nas vítimas estranhas marcas de razão em sua teimosia.
mordidas. Quando terminei, ele com uma voz
que mostrava também preocupação escondida, A mulher da televisão não me
tentou me acalmar com uma de suas tão ligou logo em seguida aos dias passados
manjadas saídas. depois da minha visita a seu barraco, mas
em uma manhã de sábado ela me chamou
----- Tudo bem, suponhamos que de um telefone público, me informando que
você esteja certo, o que eu continuo duvidando. estaria em seu barraco a minha disposição
Como explicar que aqui na ilha tal problema para saber o que desejasse sobre o atacante
acabou, que eu precavido na época isolei todo e do filho naquela tarde e por todo o domingo
qualquer meio de alguém sair daqui e o seguinte.. No sábado mesmo, na hora que
principal, o que você mesmo viu como todos nós ela me autorizou, segui para aquela favela
acontecer, aquelas figuras serem destruídas dos horrores encontrando desta vez a
diante de nossos olhos, o velho e a maldita irmã mulher a minha espera, mas cercada de
que até eu desconhecia? curiosos como é comum em quem se torna
celebridade instantânea, me fazendo usa-lá
Realmente era difícil explicar o que para uma entrevista entre um bando de
ele me pedia, mas havia ainda uma remota outras mulheres e crianças, todos favelados.
possibilidade que na ocasião, por medo de estar Com meu caderninho na mão comecei
bancando um lunático e sendo contra o meu indagando a respeito do suposto tarado que
lado cético de acreditar nas coisas, guardei
comigo
foi visto atacando seu bebê.

----- Uma senhora que me ----- Daqui ele não era e se


recebeu aqui outro dia me falou que a alguém viu, como saber? Na favela
senhora espantou de sua casa um tarado que ninguém fala nada seu moço, ficam com
molestava sua criança, isto é verdade? medo. Só sei que dei tanta porrada de pau
nele que ele escapou parecendo um
Começamos então um diálogo morcego, saiu pela janela quase se rasgando
cheio de controvérsias, com ela falando e desapareceu.
primeiro.. ----- Então quer dizer que ele
ficou com medo da senhora?
----- Que tarado coisa nenhuma,
o homem era maluco. Flagrei o sacana ----- Medo de mim eu não sei,
chupando os pés de meu filho e meti mas que fiz um escarcéu isso eu fiz e acho
poorrrada nele. A velha é minha mãe, mas ela que foi por isso que ele fugiu.
é doida seu moço.

----- Mas como era o tipo do ----- Mas me fale mais do tipo
homem que a senhora espancou? dele, era novo, velho?
----- O cara que eu vi era um
---- Ah, sei lá. Na hora nem vi
branco de meia idade, até parecia um
direito, só vi que ele estava de preto e era
bacana, mas era tarado e estava chupando o
branco. O put9o saiu pela janela que o
pé do meu neném. A favela aqui tá cheia de
senhor viu reforçada dentro de meu barrado.
casos como o meu, só que as mãe não viu
quem fez, mas eu vi.
---- Mas ele não era conhecido
desta área, nem seu ou de alguém daqui? E
ninguém mais além da senhora viu esse
homem?
A entrevista acabou ali porque as Julio não me ligou como de
mulheres a volta começaram um monte de costume e sua ausência já acontecia por
pedidos e reclamações e algumas contando mais de uma semana. Das diversas vezes
coisas a respeito do tal homem de negro que que tentei contato telefônico com ele não
chegavam a parecer história para assustar obtive resposta nem através de seu celular,
meninos. Entendendo o drama daquela gente e começando a supor que estivesse viajando,
sem poder ajudar a mais do que uma uma coisa que ele fazia as vezes sem me
reclamação que talvez nunca seria lida pelos avisar. Sem a companhia de Julio passei a
interessados, deixei a favela com mais certeza ficar mais em casa porque sair sem ele era
de que o que desconfiava estava certo, o terror meio aborrecido quando o negócio era
de ilha Dourada estava acontecendo em São bares e mulheres. Dentro de mim um
Paulo. vulcão de suspeitas infundadas pelo
absurdo da proposta fervia e mesmo
ficando em casa eu ficava pensando em
todos os acontecimentos estranhos e na
extrema possibilidade de ter alguma
ligação com o que se sucedeu em Ilha
Dourada.

Em outra noite solitária


sentado em minha varanda escutei o
telefone e fui atender, me surpreendendo
com a voz de uma telefonista querendo
completar uma ligação internacional. Em
São Paulo os ponteiros marcavam nove
horas de uma noite calma e em Toulouse ,
local de onde me anunciavam ser aquela
chamada,devido a diferença de fusos
horários já devia ser o começo do dia
seguinte, uma hora imprópria a uma jovem Brasil e que nada de mal lhe aconteceria
caseira e que eu sabia gostar de dormir agora que Ilha Dourada era somente tristes
cedo, a minha Luiza. Preocupado mandei que lembranças. Ela pareceu ceder, mas ainda
completassem a ligação e quando Luiza não convencida de que estaria livre de
finalmente se fez ouvir quase que não pude sonhar de novo daquela forma e me disse
entender o que me dizia devido a tanto que foi esse o motivo de sua ligação, me
atropelo, como se ainda estivesse presa de fazendo para acalmá-la e transmitir mais
forte pavor. Foi preciso primeiro que eu lhe confiança, falar com ela ainda por muitos
explicasse que não estava me incomodando, minutos, até que a senti calma o bastante
que no Brasil ainda a noite começava e que pata voltar a dormir. Depois que ela
ela se acalmasse para poder falar comigo, o desligou fiquei pensando em seu sonho e
que ela fez em minutos de silencio onde eu sem precisar de esforços o ligando a
somente ouvia sua respiração. Finalmente, minhas atribulações a respeito de meu
mais calma e controlada ela me disse que temor absurdo de que o mal de Ilha
estava acordando de um horrível pesadelo e Dourada não morreu com aqueles dois
que nele, aquele homem que vimos no meio infelizes que vi ser trucidados dentro de
dos jovens barulhentos no dia de nossa caixões.
partida de Ilha Dourada, insistia atrozmente
para que ela lhe revelasse seu paradeiro, a Na manha seguinte, intrigado
fazendo sofrer muito com a pergunta que pelo desaparecimento de Julio resolvi ir
parecia lhe arrebentar o cérebro, causando- visitá-lo em sua casa antes de comparecer a
lhe fortes dores de cabeça, Sem entender redação do Jornal e depois de insistir muito
como ela o porque de um desconhecido que em uma campainha de porta ele finalmente
vimos tão rapidamente estar aparecendo em veio me atender, me provando que sua
seus sonhos, procurei lhe explicar que ausência afinal não era viagem ou
pesadelos eram montagens do cérebro e que afastamento da cidade. Ao abrir a porta
as vezes apavoravam, mas que na realidade Julio estava desarrumado, como se não
ela nada devia temer porque estava longe do tomasse banho por dias a fio e tinha na
face um ar de cansaço impressionante.
cabelos estavam embaraçados pela sujeira da
falta de um shampoo e mesmo tentando ser Julio nem se deu ao trabalho de
cordial ele parecia aborrecido com minha contestar novamente, permaneceu como estava
visita, me mandando entrar e sentando em quase que ignorando minha presença. Foi
um sofá como se estivesse bastante cansado. então que notei em seu pulso esquerdo uma
Sem rodeios ao ver meu amigo naquele gaze enrolada e nela dois pontos de sangue
estado, perguntei assim que me sentei a seu seco me lembrando dos ferimentos que vi em
lado.. Luiza quando na ilha dos anêmicos.

----- O que está acontecendo com ----- E esta gaze em seu pulso, o
você meu amigo? Pelo seu estado físico, acho que significa? ----- Perguntei sem esperanças
que está precisando procurar um médico. de que ele me explicasse.

----- Nada de sério, apenas me feri


Julio não me olhou nos olhos, respondeu no trabalho. Mão tenho saído de casa porque
olhando para a parede a nossa frente com ando cansado de aventuras e além do mais,
uma voz cansada que parecia de quem estava estou apaixonado.
enfermo..
Quase cai do cavalo querendo
----- Médico para que? Eu estou saber desta vez quem seria a próxima Helena,
bem, apenas não tenho sentido vontade de mas a resposta veio no prosseguimento do que
sair. ele continuou falando.

Decididamente isso era que ele ---- Lembra da ruiva gostosa que
não estava e continuando achando ao encontramos no bar? Minha paixão é ela, a
contrário insisti na proposta deusa ruiva que falou comigo e desapareceu.
Tenho tido sonhos fantásticos com ela, sabia?
----- Mas olhe só para você...
Ainda acho que deve estar doente ou coisa
assim.
Minha cabeça rodou como se
----- Você acha que o que foi
eu tivesse levado uma pancada, num
terminado naquelas caixas no pier de Ilha
segundo passando por ela a ruiva estranha
Dourada pode ter a ver com tudo isso que
que ele me disse não falar nosso idioma, as
acaba de me contar?
marcas iguais as de Luiza em seu pulso e os
fatos em Ilha Dourada. Sacudi a cabeça
Com alívio de saber que não
para afastar mais uma idéia maluca e
estava mais sozinho, respondi me sentindo
procurei não impressionar Julio com
um tanto confuso.
minhas desconfianças, parando por ali e
continuando a conversa por outro rumo,
----- Se lidamos com coisas que
mas quando o deixei sabia perfeitamente
nos negamos a acreditar, eu diria que sim.
de duas coisas: Ou meu amigo necessitava
urgentemente consultar um psiquiatra ou
Honório permaneceu uns
então eu teria que deixar meu ceticismo de
segundos em silencio enquanto eu do lado
lado e passar a pensar na existência de
de cá da linha telefônica continuava
vampiros povo de Ilha Dourada.
assustado com o meu atrevimento. Por
todo aquele tempo, mesmo nunca
Impressionado com o que vi
entendendo o que vi acontecer naquela ilha
em Julio na noite seguinte liguei
eu acreditei ser obra do sobrenatural, mas
novamente para o Dr. Honório, não o
agora diante das coincidências se
encontrando no hospital e sim em sua
avolumando em São Paulo eu lutava para
fazenda onde o progresso da ilha instalou
continuar sendo Lino, o cético ou então
telefone convencional e inaugurou
Jairo, o rapazola da ilha que acreditava na
transmissão por celular. Assim que ele me
existência de não mortos chupadores de
atendeu procurei não ir direto ao assunto,
sangue humano. Minha luta foi quebrada
mas quando o fiz esperando escutar seu
pela interrupção do silêncio na voz de
descrédito ele apenas me surpreendeu com
Honório dando continuação a nossa
uma pergunta.
conversa maluca.
----- O que, por exemplo, lhe faz
pensa que haja continuação? ---- Na nova Novamente senti que o
pergunta havia um tom de quem iria duvidar médico estava inseguro, mesmo
do que poderia ouvir. querendo afirmar que ninguém teria
deixado a ilha naqueles dias de caçada
----- Essas coisas impossíveis que ao monstro. Quis saber o que tinha a
aconteceram aí na ilha, coisas que até hoje ver o pesadelo de minha noiva com esse
ainda não entendi direito, mas que sinto estar perigo.
continuando a minha volta. Já pensou na
possibilidade de havermos sido enganados? ----- Mas o que o leva a
A voz do médico voltou a ficar pensar que Luiza possa estar
irredutível, mas sem aquela convicção minha relacionada no pesadelo com tudo isto?
conhecida no passado.
----- Com estes fatos, em
---- Ora Lino, supor que aquele nada. Mas em se tratando de uma moça
velho que caçamos possa ter sido tão que também viveu aqui é bom prevenir
inteligente a ponto de enganar com um ato antes do que remediar. Agora vou ter
teatral é ir longe demais. Nós dois vimos o que desligar, mas por favor, me
casal dentro daqueles caixões e o que minha mantenha informado.
gente fez com eles, mudando o destino desta
ilha ilha assim que se acabou aquela Honório desligou e eu
perseguição louca que empreendemos. Acho fiquei ainda alguns minutos com o
que estamos ficando loucos ao pensar que telefone na mão, pensando no que ele
uma superstição desta ilha em que vivo esteja quis dizer com a palavra remediar e se,
acontecendo aí em São Paulo. Só posso lhe mesmo mostrando tanta segurança, não
aconselhar ficar de olho em seu amigo e a me estaria agora como eu, duvidando de
avisar caso Luiza volte a ter aquele tipo de que seu povo não estivesse tão errado
pesadelo. assim ao acreditar naquele terror.
Coloquei o telefone no gancho ,
mas eu não me desliguei do que ele pediu fantes que provocava constantes debates
ante4s de desligar. Estaria o médico pela televisão entre severos críticos e nos
começando a acreditar no que seu povo obrigava a melhores fontes de notícias. Com
contava a respeito de antigas lendas de uma a televisão chegando a Ilha Dourada depois
terra fria que originou histórias fantásticas da mudança, desta vez foi Honório que me
até para famosos escritores? Estaria ele ligou também alarmado e ao perguntar-me
deixando sua ciência de lado para pensar sobre a saúde de Julio me dei conta de que
que ela não seria capaz de responder a todas havia esquecido de meu amigo, me fazendo
as dúvidas da medicina e que entre o querer ir procurá-lo novamente ainda na
explicável e o inexplicável poderia haver manhã seguinte.
pontos que somente a fé que ambos não
sentíamos poderia explicar, a existência do Julio me recebeu como da outra
demônio agindo entre nós personificado em vez, ou até pior a julgar por sua fisionomia
criaturas com poderes até de se comunicar depauperada, pálido e desarrumado, quase
por telepatia a grande distâncias? Eu que fedendo por falta de banho. Desta vez
mesmo já tivera a impressão de haver não lhe fiz perguntas, apenas aconselhei que
provado aquilo quando no nevoeiro das ruas procurasse um médico e quando tive uma
de Ilha Dourada e quem sabe até durante os oportunidade deixei com sua empregada
pesadelos sofridos naquela ilha esquisita, ou meu telefone e uma orientação de me ligar
não seria assim os sintomas que senti ao caso seu estado piorasse. Antes que eu
despertar e me lembrar deles, aquela quase deixasse aquela casa escutei de Julio certas
certeza de que meu cérebro foi bombardeado passagens de seus sonhos que me aturdiram
por ordens vindas de alguém neles presente? ainda mais. Como se sentindo prazer
imenso em me revelar o que sonhava, ele
Os dias continuaram e eu me começou uma série de revelações
atribulando com o trabalho na redação do impossíveis a uma pessoa em pleno gozo de
Jornal intensificado pelos alardes dos seu domínio mental, contando que a tal
últimos acontecimentos com a anemia dos ruiva de sua louca paixão
in
o visitava toda noite, entrando e saindo pela çada um casal. a mesma mulher ruiva
janela de seu quarto como uma aparição e que Julio tentou cantar e não conseguiu,
que nos sonhos fazia amor com ele de forma agora acompanhada de um jovem. Assim
selvagem e alucinante, o levando em delírios que ambos notaram que me dei conta de
para mundos estranhos onde a escuridão era que estavam olhando para mim os dois
deliciosa e excitante, o fazendo gozar começaram a descer a rua e me pareceu
seguidas vezes sem exaurir, mas o deixando no gesto, um convite que não recusei,
prostado quando ia embora e sem vontade de pagando a bebida e saindo logo atrás
fazer mais nada que senão dormir o dia deles, mas mantendo distância com
inteiro. De tudo que escutei dele, ao sair receio de estar enganado. Ajudado pelo
novamente de sua casa eu tinha duas nevoeiro leve caminhei não sei quanto
horríveis suspeitas: Ou meu amigo estava tempo até me dar conta de que estava em
enlouquecendo ou então algo de bastante uma das ruas desertas do centro onde
inacreditável estava realmente acontecendo ficava um albergue para desocupados,
com ele . vendo estranhamente aqueles dois
entrando ali e desaparecendo pela
A noite estava bonita apesar de portaria, me fazendo parar em uma
um certo nevoeiro habitual das noites de São esquina com medo de estar sofrendo um
Paulo ter aparecido, saí da redação com golpe manjado de vigaristas.
vontade de ir no mesmo bar onde uma vez Desconfiado, fiquei sozinho no nevoeiro
Julio conheceu de relance o motivo de sua pensando no que fazer e de repente, como
paixão sinistra, me sentindo sem hora para se saindo do nada o jovem apareceu a
voltar para casa e procurando no bar uma meu lado me olhando com olhos
mesa afastada para indicar que queria estranhos, quase hipnóticos, e
solidão, pedindo uma bebida ao garçom e subitamente eu já não estava mais ali e
passando a refletir sobre tudo que vinha sim dentro de um desses banheiros de
acontecendo. Em dado momento ao olhar praça pública onde acontecem atos de
para a rua, vi parados no outro lado da cal pederastia.
No novo cenário o jovem que apenas me viu sozinho gesticulando e
estava me abraçando com um dos braços pensou que eu queria um táxi. Horas mais
pelo pescoço, a boca quase que colada nele tarde, ainda sem poder conciliar o sono e
e sua outra mão procurava meu pênis como pensando na ilusão, vi que desta vez não
se para me masturbar, enquanto eu, dava mais para me enganar e que coisas
incapaz de reagir, lutava contra a idéia de muito estranhas estavam de novo
permitir tal ato hediondo, mas sobre forte acontecendo e teria que contar com
pressão de uma súbita e desconhecida Honório novamente para me ajudar.
vontade de colaborar. No momento crucial
e quando em mim restavam apenas desejos Luiza me ligou mais uma vez,
anormais, um táxi dobrou na esquina do não em horas impróprias para ela, mas
cenário real de onde estávamos e atirou para novamente me contar que havia
sobre nós seus faróis, fazendo o jovem sofrido mais um pesadelo com o velho do
retroceder com as mãos protegendo os aeroporto e que ele entrava em seus
olhos e me livrando do encantamento, me sonhos normais começando então os
vendo retornado a esquina do albergue e pedidos de revelar onde ela se encontrava,
sentindo por aquele rapaz um ódio enorme. pedidos quase ordens que doíam na
Sem pensar avancei em sua direção, mas memória. Ao despertar daquele sonhos ela
ele recuou como um animal e desapareceu se sentia ofegante e enjoada em sua luta
no nevoeiro que de repente se tornou mais interior mental de não revelar ao estranho
forte. Ainda tonto do encantamento sofrido o lugar onde estava hospedada. Sem
e nunca por causa da bebida que não quere dizer a ela de que em São Paulo eu
chegou a ser muita dentro do bar, começava a suspeitar que a maldição de
embarquei naquele carro e mandei que o Ilha Dourada nos perseguia, aconselhei de
motorista tocasse para o meu apartamento, que fosse procurar um médico e falasse
durante o trajeto indagando do motorista se com ele de seus sonhos, guardando em
ele havia visto algo anormal, ao que ele mim o desejo de telefonar urgentemente
respondeu que não e para Honório e contar a ele o que ouvi de
Luiza, além de informar sobre o estado de o casal e depois aquele jovem me provocar
Julio e quem sabe conseguir que ele mesmo ilusões que abomino na vida real porque
viesse examiná-lo em São Paulo. Em minha nunca jamais seria um homossexual? E os
cabeça não descansava o pensamento de que pesadelos de Luiza, eram ou não
o velho dos sonhos de Luiza era o mesmo semelhantes a filmes de terror como
estanho que vimos embarcando no dia de diversas vezes em Ilha Dourada comparei
nossa partida e que se assim fosse, aquela reações quando me vi diante de lendas que
ruiva misteriosa bem poderia ser a sua irmã ram juradas de serem verdadeiras,
de olhar faminto. Vibrei de alegria quando acontecendo ao vivo e a cores ao meu
ao me atender e ouvir a minha história redor? Mesmo sem acreditar totalmente eu
Honório me prometeu que viria me visitar me vergava a aceitar a idéia de que estava
assim que pudesse. passando por uma experiência de que o
mundo moderno jamais passou, mas estava
ameaçado de começar a passar sem saber.

XXXXXXXXXXXXX Honório chegou no seu jatinho


em companhia de dois outros pilotos que
iriam levar o avião de volta para a ilha. Eu
o peguei no aeroporto de Congonhas e em
Era estranho que eu, um eterno poucos minutos ele estava alojado em
cético desafiador e guerreiro como sempre fui minha cobertura em um quarto de
estivesse tão fragilizado diante de fatos sem hóspedes. Durante aquela noite após o
comprovâncias, mas algo em mim como um jantar começamos a falar dos assuntos que
sexto sentido criava relações de tudo que o trouxeram a São Paulo e começando a
acontecia agora em São Paulo com aquela falar Honório mostrava que ainda admitia
maldita doença que assolou Ilha Dourada todos aqueles fatos a uma terrível doença,
por séculos a fio. Dentro de mim a razão do assim como a que atacou a ilha onde
cético impedia de aceitar a idéia de que havia nasceu.
um velho agindo nas sombras com sua
----- Escute Lino, na viagem para haja uma explicação científica e
São Paulo pensei muito a respeito de tudo o coincidências, vou examinar seu amigo e
que você me relatou estar acontecendo por depois algumas das crianças atacadas, se
aqui e ainda acho improvável que tenha houver ligação com a antiga doença dos
ligações com aqueles problemas de Ilha ilhéus, avisaremos as autoridades.
Dourada. Depois daquilo que você assistiu no
cais, ninguém mais adoeceu por lá. Como avisar as autoridades,
dizer o que? Que vampiros andavam a
Podia até ser que sim, mas como solta chupando pés e pulsos de seres
explicar os fatos extraordinários? Os meus humanos? Não, isto não seria possível em
delírios, o sonho de Luiza e as marcas pleno século em que vivíamos, um século
encontradas no pulso de Julio que se dizia onde o amor ao próximo desaparecia dia a
apaixonado por uma mulher misteriosa? Pedi dia e os interesses pela felicidade alheia
ao médico explicações para aquilo também. necessitavam de ajuda. Como se dando
asas a minha imaginação de escritor,
----- Doutor, homens como nós perguntei mais.
não acreditam no sobrenatural, mas como
explicar agora o delírio que sofri, os sonhos de ----- Me responda uma coisa,
Luiza, a súbita doença de Júlio depois que se doutor. Alho, cruz, água benta, estacas de
disse apaixonado por uma ruiva misteriosa e madeira... Acredita que isto possa servir
todas estas crianças sendo molestadas? contra seus vampiros doentes?

Honório coçou a cabeça ----- Ora Lino, isso é pura


mostrando aturdimento, mas respondeu. tolice.

----- Sinceramente não sei e é por Mas não foi tolice o que vi na
isto que estou aqui. Acredito que para tudo isso casa de Jairo nem era o que sabia ser
costume na ilha quando a visitei e por isso
continuei insistindo na pergunta.
----- Mas em sua ilha o povo Saímos no dia seguinte bem
acredita nisto e foram eles que reviveram a lenda cedo para visitar Julio chegando a seu
do vampiro. O senhor mesmo consentiu em apartamento muito antes da empregada dele
muita dessas crendices ao deixar que atirassem e ficamos como bobos tocando a campainha
vítimas no mar, cortassem cabeças e como vi, da porta sem obter resposta até que ela
matassem dois anciões dentro de caixas chegou e nos deixou entrar usando suas
medievais. chaves. O apartamento estava numa
bagunça sem limites, apesar da empregada
Honório se remexeu inquieto, nos dize que ao sair na véspera deixara tudo
passou a mão no rosto olhando para o chão. arrumado. Havia roupas pelo chão,
cadeiras fora do lugar e almofadas de sofá
----- Consenti naquilo tudo porque atiradas fora dele. A cozinha estava um
aquela gente precisava acreditar que seus mortos caos, com louça suja por todo lado e até
não voltariam jamais. Mesmo as autópsias que vomitado sobre a pia, como se alguém
fiz e as cremaçõe4s foram em prol de sossegar o procurasse por comida e enojasse dela. Ao
espírito de minha gente. Aqueles doentes abrirmos a porta do quarto de Julio
retornavam depois de um estado cataléptico e encontramos o meu amigo deitado nu de
confundiam a cabeça de gente leiga sendo través na cama, com marcas de esperma
preciso fazer o que fiz ou a lenda não acabaria. ressecado nos lençóis e em suas coxas e em
No terreno das dúvidas, ainda acho melhor dar ambos os pulsos mostrando pequenas
tempo ao tempo e ver o que acontece. feridas iguais as encontradas em Luiza no
dia da crise de anemia que quase a matou.
Calei dali para diante e mudei de Ao ver Julio naquela situação Honório
assunto, esperando oportunidades melhores para correu em sua direção, checou seus pulsos e
voltarmos a falar dos supostos vampiros e ela gritou para mim.
veio quando no dia seguinte Honório foi comigo
examinar Julio. ----- Depressa, chame uma
ambulância ou Julio morrerá.
Julio foi transportado as pressas Eu não sabia o que ele iria
para um hospital, internado em uma CTI onde perguntar, mas deu para sentir que não era
sofreu diversas transfusões de sangue. Honório nada muito lógico. Fiz que sim com a
com suas credenciais assumiu o comando de cabeça e ele continuou.
seus exames e neles constatou que o sangue
injetado em suas veias não funcionava, ----- Estive examinando
necessitava sempre de nova transfusão para algumas das crianças que apresentaram
renovação porque não se renovava aquelas marcas, mas nelas encontrei
biologicamente, diferente de seus doentes e do indícios de recuperação instantânea, como
que aconteceu com Luiza, mas mostrando se os ataques que sofreram fossem únicos e
enormes semelhanças. O médico ainda pensou não repetidos Andei checando os resultados
em remover Julio para sua ilha onde seria do exame do sangue delas e neles nada se
tratado com a vacina que curava os leucêmicos, assemelha ao que acontece com Julio, nem
mas desistiu depois de constatar que realmente sequer o sangue de Luiza quando depois da
havia em São Paulo uma continuação do mal, transfusão que sofreu apresentou aqueles
isso depois de examinar também algumas das sintomas. Algo foi diferente com ele e me
crianças anêmicas da cidade e checar antigos confunde, me fazendo sem certeza de que
diagnósticos. Uma tarde, chegando em casa seja o mesmo atacante quem molestou
depois de um último exame em Julio, com uma Luiza, as crianças e o seu amigo. Se foi, ele
voz pesarosa e sem esperanças, ele me revelou ou eles estão agindo agora diferente e pelo
um incrível desejo. que vejo, desejando acabar com Julio.
Gastaria de encontrar outro diagnóstico
----- Acabo de vir do hospital e Julio para estes casos, mas em todas as vítimas ele
não está nada bem O sangue que recebe sempre é o mesmo, todas foram vítimas de um
precisa ser renovado e isto me preocupa. agente parasita, que busca sangue humano
Gostaria de lhe perguntar uma coisa, mas vou para se alimentar.
precisar de muita compreensão. ----- Vampiros! ----- Minha
exclamação soou como uma pergunta.
----- De certa forma sim, mas é
cedo para firmar que não sejam doentes Debilitado se manteve calmo em minha
como os que encontrei em minha ilha e caso cobertura por algum tempo, mas com a
sejam iguais aqueles só existe uma progressiva melhora começou a mostrar
explicação. Alguém escapou de lá trazendo sinais de impaciência, se enervando
este male agora, bem mais esperto do que lá, freqüentemente conosco e querendo sair
tenta dissimular suas ações. para a rua mesmo com a proibição do
médico que ainda achava inadequada
Para mim aquela era a opinião sua saída. Uma noite após não tocar no
mais acertada, só não aceitava a chance de jantar ele se levantou da mesa afirmando
serem atacantes diferentes em todos os casos que iria sair para passear e discretamente
e para mim, a ruiva fantasma de Julio, o fazendo um sinal para mim, Honório
homem dos sonhos de Luiza e os personagens concordou. Assim que ele saiu, saímos
do meu delírio na porta do albergue em São atrás dele mantendo uma distância
Paulo estavam interligados. protegida por um fraco nevoeiro habitual
em noites úmidas da paulicéia, achando
----- Pode ser que seja como o estranho que ele tomasse o rumo do
senhor diz, mas continuo achando que tem parque Trianon. Na concepção de
muita ligação com tudo que passamos e que Honório, o que Julio fazia era tentar
se querem de fato como o senhor sugeriu distância de nós para se encontrar com
acabar com Julio, é porque ele ameaça alguém que, na filosofia de Honório
identidades. Quer saber de uma coisa estaria se comunicando mais
doutor? Assim que Julio sair daquele freqüentemente com ele por telepatia.
hospital virá para esta cobertura. Certos de que aquela noite
encontraríamos quem sugou o sangue de
Tempos depois Julio recebeu Julio, não o perdemos de vista.
alta, com as freqüentes transfusões de sangue
sendo interrompidas porque ele começou a O parque Trianon, assim
reagir e o seu sangue começou a se renovar como muitos redutos de lazer de São
sozinho novamente. Ao se recobrar Julio, Paulo se transformava a noite em reduto
de desocupados e pederastas, todos atrás de sem ver sobra de Julio, saímos novamente
viverem suas aventuras. Assim que para a calçada da rua em frente e lá
entramos no parque deparamos com muitos tivemos uma surpresa ao ver do outro lado
homens, solitários ou acompanhados da calçada, a pouca distância de onde
caminhando pelas alamedas mal iluminadas estávamos, um casal encostado em um
ou mesmo em atos de sodomia ou falação dos muitos automóveis ali estacionados no
em cantos escuros, nos confundindo com meio fio.
semelhantes e nos import6unando com
olhares ou gestos obscenos. Em nenhuma Julio estava debruçado de
das alamedas vimos Julio caminhando costa sob o capo de um carro, com um dos
embora víssemos quando ele entrou ali na braços erguidos amparado de encontro ao
nossa frente. Ao passarmos por um pequeno para brisas e uma mulher, que
grupo de sombras se agarrando em frenética classificamos de ruiva por causa da cor de
troca de carinhos e sexo, Honório cochichou seus cabelos, estava debruçada sobre ele
ao meu ouvido abismado com tanta pouca como se estivesse beijando seu pulso. Ao
vergonha. ver aquela cena, sem explicações Honório
desabalou a correr em direção ao casal e a
----- Veja só aquilo Lino, mulher pressentindo nossa chegada tratou
aqueles homens parecem animais no cio. de largar Julio e sumir no nevoeiro que
Não há controle policial para esta estranhamente se intensificou por um
aberração? momento, desaparecendo de nossa visão e
deixando meu amigo prostado como
Controle até que havia, mas não estava. Temendo o pior nos aproximamos
com o fim de acabar com liberdades, mas dele, mas ao chegarmos perto ele nos
sim de extorsão e mesmo participação surpreendeu com agressividade.
porque como repórter eu sabia que a polícia
de São Paulo era um órgão desestruturado. ----- Mas que merda é essa?
Tratei de puxar o médico pelo braço e
prosseguimos em nossa busca sem encontrar
Honório ainda tentou se
explicar, mas Julio não deixou, continuando Quando Julio abotoou o
a ser agressivo. punho da camisa deu para notar mesmo
no escuro da rua manchas de sangue no
----- Vocês estão me tratando tecido e quando chegamos em casa ele,
feito criança, não tinham o direito de me sem falar conosco se trancou no quarto de
seguir nem estragar o meu barato. Que hospedes, nos deixando sozinhos na ala
porra estão querendo de mim. sem se explicar melhor. Sem ter uma
resposta sobre a cena que assistimos na
Não podíamos contar para ele porta do parque, nos servimos de wisky e
porque o seguimos nem de nossas suspeitas e começamos a conversar, com Honório
Honório encontrou uma saída melhor ao se preocupado a respeito da identidade
pronunciar pesaroso. daquela mulher.

----- Desculpe-nos rapaz, mas a ----- Quem seria aquela


distância pensamos que você estivesse em mulher que vimos com Julio, você a
apuros. Seguimos você com medo de passar conhece, Lino?
mal na rua e não querendo impedir um
passeio. E aquela moça, você a conhece? ----- Pela cor dos cabelos deve
ser a tal ruiva de que ele falava e vi se
Julio não respondeu, era como escondendo no albergue. Ela lhe parece
se não soubesse como explicar have-la conhecida, doutor?
encontrado ali, apenas ajeitando o punho da
camisa desabotoado e resmungando ----- Não sei direito porque
enquanto caminhava de volta para casa. havia aquele nevoeiro, mas algo nela me
lembrou o tipo de uma ilhéu antiga. Uma
----- Bolas! Estragaram o meu coisa ficou provada, Julio saiu daqui
barato. propositalmente para encontrá-la e sabia
até aonde fazer isso.
----- O senhor acha que ele ----- Venha logo meu amor,
sofreu um ataque telepático para agir como venha. Estou precisando daquilo, não
agiu depois do jantar? agüento mais.

----- provavelmente sim e isto pela voz ele parecia estar


muda tudo. Se não tivéssemos chegado lá a sonhando, mas a freqüência de chamados
tempo talvez a estas horas o seu amigo já não aumentava enquanto modificava os termos.
existisse mais. Viu as marcas sangrando no
pulso dele? ----- Ai que bom, você virá.
Não vejo a hora de viajar de novo, conhecer
----- Deu para ver. O que acha coisas que nunca conheci. Venha que estou
disso também? lhe esperando.

----- Acho que estão querendo se A coisa era tão real que não me
livrar dele e muito me engano, ou farão isso contive e abri uma fresta da porta enquanto
logo logo. Precisamos ter muito cuidado. Honório se afastou sem me dizer o que
pretendia fazer. Pela abertura olhei para
A conversa prosseguiu noite dentro e vi Julio deitado de barriga para
afora, com nos dois insones e querendo cima na cama, completamente despido e
reconfortar cada vez mais em doses de wisky excitado como se estivesse em êxtase sexual.
a nossa aflição conjunta. Já passava de meia Um facho de luar clareava a sua imagem e
noite quando de pileque resolvemos nos deixava o resto do quarto as escuras,
recolher, mas ao passamos pela porta do entrando pela janela escancarada onde uma
quarto de Julio a voz dele vindo lá de dentro brisa movimentava as cortinas. Foi então
nos chamou a atenção, nos fazendo como que das sobras ela surgiu, ruiva e
dois garotos voyeur colar nossos ouvidos na exuberante em uma roupa transparente que
madeira. Dentro do quarto Julio murmurava deixava ver seu corpo através, olhos
falando sozinho. brilhando na escuridão do rosto fora do
luar
e uma sensualidade que fazia exaltar até em
mim, desejos pecaminosos. Os três. Um jato de esperma brilhou na
luz do luar sendo expelido do pênis de
A ruiva saiu das sombras e Julio e meu amigo gemeu tão alto que
caminhou devagar para Julio, se sentando a nos assustou, fazendo com que Honório
seu lado na cama e estendendo seus braços me empurrasse para o lado e avançasse
em forma de cruz, levando devagar seus na direção dele empunhando uma cruz
lábios a cada pulso dele em movimentos brilhante na mão esquerda enquanto
alternados de um para o outro e com a outra, de dedo em riste, ordenava
demonstrando que os sugava devagar. em voz alta.
Enquanto ela fazia isso Julio se contorcia de
prazer na cama, sempre murmurando ----- Afasta dele satanás, eu
aquelas frases estranhas, parecendo envolto te esconjuro !
em um longo delírio sexual. Senti atrás de
mim o corpo de Honório se espremendo ao Nesse exato momento os
meu, querendo observar também, e quando três seres sobre Julio, em movimento de
olhei para ele o médico fez um sinal com o sincronia, saltaram felinamente de cima
dedo sobre os lábios pedindo silencio, mas dele, caindo em posição de ataque do
ao me voltar de novo para Julio algo havia outro lado da cama com as bocas
se modificado na cena de seu colóquio escancaradas e emitindo estranhos
porque agora, deitados ao comprido a seu esgares. Os lábios contraídos como cães
lado, um dominando cada uma de suas raivosos mostravam caninos afiados e os
pernas nuas estavam dois jovens rapazes olhos faiscavam no escuro como se
vestidos com roupas modernas que dominados por fogo do inferno. Sem se
contrastavam ao luar, ambos colados em intimidar Honório corajosamente
seus tornozelos como sangue sugas e todos, continuou avançando, brandindo a cruz
inclusive a mulher massageando Julio pelo e proferindo palavras de esconjuro e foi
corpo, incluindo o pênis que era tocado sob então que as três criaturas levaram
revezamento entre simultaneamente um dos braços a fren
te do rosto e se atiraram para o espaço O enterro de Julio foi simples,
vazio fora da janela escancarada, apenas acompanhado de alguns dos
desaparecendo na noite lá fora. Eu funcionários da Imobiliária que possuía e um
congelado onde estava não acreditava no velho parente, um tio distante seu único
que acabava de ver, me recordando herdeiro conhecido que mandei buscar para a
daquelas figuras que vi esfumarem diante cerimônia e tramites legais de abertura de
de meus olhos como uma inacreditável inventário de seus bens por herança. Sem
lembrança de criaturas semelhantes vistas pompas ele foi enterrado em um jazigo
penduradas no teto de uma caverna cheia perpétuo comprado no cemitério de
de morcegos em Ilha Dourada. Pinheiros, entre outros sem luxo ou coisas
desnecessárias após a morte. Depois do
Um silencio sepulcral e um enterro eu e Honório voltamos para casa e
cheiro desagradável bailava depois da cena começamos a falar do que vimos matar Julio
dantesca dentro daquele aposento. sem muitas certezas porque ambos na noite
Automaticamente acendi a luz e iluminei o em que se deu a tragédia, estávamos meio
corpo der Julio estendido imóvel enquanto embriagados. Foi o médico que com voz triste
Honório o examinava tentando sentir sua começou a discussão.
pulsação no pescoço e não foi preciso mais
do que um abanar da cabeça do médico ----- Foi muito triste perdemos o
para me certificar de que meu amigo seu amigo, apesar de pouco ter lhe conhecido,
estava morto. ele ainda era bastante jovem para um fim tão
absurdo. O que seriam aquelas coisas que
vimos no quarto com ele, meu Deus?

----- Até agora eu ainda penso


que aquilo não aconteceu, que Julio morreu
como o senhor atestou no certificado de óbito,
de morte por insuficiências múltiplas e não
da forma verdadeira que somente nós dois ninguém testemunhou uma metamorfose
sabemos. do que eu julgava até agora ser apenas
----- Fizemos a coisa certa, assim doentes psicóticos. Eu ouvia histórias da
como foi bom eu ter autopsiado o cadáver e boca de anciãos, mas realidade nunca
retirado dele o coração. Não podemos arriscar testemunhei além daquele casal de velhos
depois daquilo, de ver Julio novamente que eliminamos no cais. Mesmo eles eu
vagando pelas ruas de São Paulo. O que não vi ferver na água porque eles
matou Julio não era humano e pela primeira afundaram rapidamente e aquela moça que
vez desde que lido com estas coisas, me mataram degolada, a louca que você viu
convenço de que meus avós tinham razão a sugando o garotinho dentro do parque, dela
acreditarem no demônio . também não vi o corpo depois de morta e
jogada ao mar. Para mim, juro que até
----- Eu não acredito em deus e agora acreditava ser apenas uma doença o
para mim o demônio é apenas a maldade nos motivo desse terror, mas aqueles três
homens, mas sou obrigado a concordar que se mudaram o meu conceito e acho que
não estávamos delirando, o que vimos sumir estamos lidando com criaturas perigosas,
daquele quarto não se tratavam de seres como capazes de tudo para se manter no
nós nem dos supostos doentes catalépticos de anonimato. Acho que temos que começar a
sua ilha. A empregada de Julio falando pensar que as lendas de meu povo, tem uma
comigo me disse que Julio andava de origem verdadeira, embora fantástica.
encontros com essa mulher ruiva em plena luz
do dia nas imediações do apartamento antes Eu também sentia isso, fosse
dele ser atacado pela primeira vez. O que o difícil ou não acreditar na existência do
senhor pensa disso? sobrenatural, mas ficou provado na nossa
----- Não sei o que pensar, a não frente que ele existia e que doravante era
ser que eles hajam modificado seus hábitos e melhor pensar que existia um Deus
poderes porque na ilha isso nunca aconteceu e olhando por nós.
........
asasas
O enterro vimos no quarto de Julio certamente foge a
qualquer explicação.

----- Eu também não acredito,


doutor. Mas o que foi que vimos acontecer
dentro daquele aposento?

---- Não sei, eu ainda estou


atônito pois nunca vi nada acontecendo como
aquilo. Somente sei que com o que lidamos
agora não é doença, mas sim algo pior, que
pensa, planeja e mata porque acredito que a
morte de Julio foi premeditada.

Eu sabia o que vi, mesmo


querendo não aceitar a idéia de que aquelas
máscaras de ódio eram semelhantes aos
vultos que vi na caverna dos morcegos antes
de desmaiar. Não entendia somente onde o
médico queria chegar com suas ultimas
palavras.

----- Premeditada, mas porque e


por quem?

----- É apenas uma idéia, mas


encaixa. Digamos que aquelas criaturas, ou
alguém que as comanda, não queriam
ainda
testemunhas de suas ações. Imaginemos corpo e com as marcas de assassinato
que, por uma forma inusitada aquele casal como seria com Julio. Aquelas marcas
supostamente morto naquelas caixas tenha de mordidas desaparecem depois que a
fugido da ilha. Com que propósito seria de vítima morre, mas aí então ela volta,
senão começar fora dela um novo flagelo como um deles. Na ilha foi assim,
ameaçado nas ilha por nossa descoberta. mesmo que eu me negasse a acreditar e
Fatalmente se pensou nisso, pensou também considerasse tud9o fantasia de leigos e
em não deixar vestígios aqui fora. Eu já uma doença. Agora, depois do que vi,
havia pensado nisso quando das crianças arrependo-me de não ter dado crédito a
atacadas, bebês que não podem delatar meus antepassados e acreditar em suas
ninguém porque não falam ou entendem lendas.
nada. Já com Julio foi diferente e depois
que o salvamos daquele primeiro ataque, Honório falava convicto,
passou a ser uma ameaça a quem não deseja tão convicto que me assustava porque se
ter uma. ele, um médico renomado como era
passava a acreditar em vampiros, eu
Apesar de incrível, havia lógico também deveria e o que vi, no quarto de
naquele pensamento, mas havia o homem do Julio e na caverna da ilha, provavam
rio Tietê, o degolado exangue. isso para mim. Cansados e meio
embebedados de wisky resolvemos dar
----- Mas e o homem do rio término a conversa maluca e ir dormir,
Tietê que lhe contei, ele também virou deixar para depois de um bom sono
ameaça? pensar de como lutaríamos contra o
inusitado.
----- Se foi com Julio, foi com
ele também, mas só que no caso dele a coisa
estava começando e não existíamos nós, daí
talvez o pouco cuidado de não sumir com o
Nossa luta começou depois de sem a presença do homenzinho careca de
uma semana de planos e conjecturas de onde bigodes nosso anfitrião porque, o que
estariam escondidos aqueles monstros. A luz iríamos fazer caso achássemos la dentro
do sol ficou provada de não mais afetá-los quem procurávamos, seria deveras
depois de que a empregada de Julio me macabro.
garantiu que a ruiva o andou visitando
durante o dia. Sabe se lá quantas mais A manhã estava gostosa, com
surpresas teríamos dali para a frente e de uma temperatura agradável e com bastante
quão perigosas aquelas criaturas seriam se gente na rua nas imediações do albergue.
acuadas. Partindo da ignorância e nos O homenzinho e bigodes não estava de
valendo de usar como nos filmes e livros plantão e ao voltarmos ali pela segunda vez
porque eles eram nossas única indicações do bolando um plano de conseguir entrar no
contra o que lutávamos, saímos a luta porão, isso facilitou porque sem levantar
armados com alho, água benta, cruzes e suspeitas e poucos olhares de mendigos que
serrote cirúrgico. ainda se abrigavam no local, chegamos ao
local da busca arrombando a porta com
O albergue onde vi uma vez a facilidade, entrando lá e nos trancando por
ruiva e um dos rapazes se esconder foi o dentro, iluminando tudo com uso de
primeiro ponto visitado, um lugar triste, sujo, lanternas um ambiente esquisito com
sem guardas além de um serviçal relapso que diversos móveis velhos espalhados por todo
se importava mais em ler revistas pornôs do canto sem arrumação e um cheiro de mofo
que fiscalizar o movimento. Mesmo assim e podridão exalando forte. Devagar e
conseguimos dele ajuda para uma busca sempre em suspense de sermos
completa e descobrimos que além de cômodos surpreendidos fomos iluminando cada
com camas sujas e cheias de piolhos, havia metro do local sem acharmos nada, mas ao
também lá um porão com guardados de chegarmos a um canto onde uma brecha na
velharias quase nunca visitado. Aquele ficou parede demonstrava ter havido uma
sendo o nosso primeiro objeto de busca, mas ruptura
por vazamento, encontramos duas das criaturas ----- O senhor não está
que procurávamos. pensando em....

A ruiva nem o rapaz que me Não cheguei a completar o


provocou ilusões homossexuais estavam ali, mas que ia dizer porque Honório me passando
sim dois outros, uma moça e um rapaz, todos os uma cruz começou a seccionar a cabeça
dois vestidos com requintes modernos que os da moça que estranhamente não se
espantariam de entrar em um albergue e ser defendeu até que o serrote atingiu o osso
aceitos, mas ali deitados no mofo parecendo do pescoço, fazendo com que então os
mortos. As poses eram as mesmas de quando olhos dela se abrissem e o de seu
achamos o casal dentro daquelas caixas velhas companheiro também, revelando os dois
no pier da ilha, barrigas para cima, braços um ódio que apavorava, os dois se
dobrados e mãos crispadas nos ombros. Pelos contorcendo sem poder no entanto fazer
lábios entreabertos brotavam pontas de presas mais do que isso como ameaças. Tanto os
alvas como porcelana e nelas manchas de olhos como a boca mostrando caninos
sangue seco indicavam um banquete de sangue afiados se moviam ameaçadores, mas o
feito na véspera, duas figuras tiradas da resto do corpo parecia preso onde estava
imaginação de qualquer cineasta bom de seu deitado sem poder impedir o serrote de
negócio. Com sangue frio exagerado para mim continuar cortando o pescoço da moça.
Honório puxou de uma maleta que levávamos o Quando ele foi separado do corpo dela,
serrote, me indicando o que iria fazer e me apenas o rapaz continuava apavorado e
fazendo reclamar. ameaçando, mas logo ele teve o mesmo
final e tão impotente como ela, se
---- Pare doutor, o que pensa fazer? deixando degolar por Honório. Uma paz
contagiante pareceu dominar aquelas
O grito saiu de minha garganta fisionomias grotescas de degolados e por
quase delatando nossa presença para quem por breve momento pensei reconhecer nos
ventura estivesse nos ouvindo do lado de fora. dois, acompanhantes do casal de velhos
Honório se recompôs, limpou as
que vi no aeroporto da ilha no dia de minha
lágrimas e me perguntou.
partida. Apavorado por mais uma impressão de
ter cometido um crime mesmo não sendo eu
----- Você acredita mesmo que os
quem degolou os jovens, deixamos aquele porão
dois eram vampiros, assim como eu?
como entramos, secretamente e lá dentro, a
espera de uma descoberta, dois corpos de
----- Sim, depois do que vi
adolescentes com as cabeças cortadas. Fora do
naqueles olhares eu acredito. Nenhum ser
albergue dentro de meu carro Honório cobrindo
humano por mais frio que fosse traria tanto
o rosto com as mãos, começou a soluçar.
ódio dentro de si e ainda por cima, aqueles
dentes.... Decididamente doutor, aquilo lá
----- Eu amparei aquele dois do
dentro não eram seres humanos, não antes do
ventre de suas mães quando vieram ao mundo
senhor dar a eles a paz dos mortos de verdade.
em minha ilha, dentro de meu hospital. Eu os
Sou obrigado a acreditar que o fantástico
conhecia Lino. Que maldição será esta, me
existe, porque desta vez e por mais uma vez,
Deus!
eu vi o diabo na minha frente quando olhei
para aqueles dois., igual senti quando do
Procurei confortar Honório mesmo
assassinato de Julio.
sem ter como.
----- Mas o que faziam os jovens
aqui em São Paulo, porque teriam saído da
------ Não se sinta assim doutor,
ilha?
sabemos que o que fez foi necessário. Logo os
corpos serão encontrados, mas ninguém
----- Talvez tenham vindo com o
desconfiará de que vampiros foram eliminados
velho e sua irmã maligna. Me lembro de que
naquele porão e a polícia logo dará o crime
no dia em que Luiza ficou esquisita no
como sem solução. Vamos embora daqui e
aeroporto ao virmos embora da ilha ela olhava
procurar esquecer aquele horror porque ainda
para um casal de velhos acompanhado de
há mais três para caçar.
moças e rapazes barulhentos que pensei não
estar com eles. Agora vejo que me enganei.
----- Você viu o comportamento
do jovem ao lado da moça enquanto eu a
destruía? Parecia que ele sentia o mesmo
que ela, até depois que ela morreu. Será que
eles são um só em vários corpos?

----- Como assim, que loucura é


esta?

----- Sei lá, foi algo que me


ocorreu, que o velho e a irmã, agora estes
novos acompanhantes e quem sabe todos que
destruímos na ilha, sejam um só, ele
multiplicado como acontece na fantasia.

----- O senhor acha mesmo isso


capaz? Se for assim, o velho e os demais já
sabem que acabamos com dois deles.

----- É isso que temo porque,


assim for, acho que estamos de agora em
diante correndo perigo de vida porque irão
querer nossas cabeças.

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