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Para qué poetas? Traduséio Bernhard Sylla Vitor Moura “.€ para qué poetas em tempo indigente?” pergunta a elegia de Hélderlin Pao ¢ Vinho, Hoje mal conseguimos compreender a questio. Como poderemos entio compre ‘ender a resposta dada por Hélderlin? ““..¢ para qué poetas em tempo indigente?” A palavra ‘tempo significa aqui a era do mundo & qual nés ainda per- tencemos. Com 0 surgimento € 0 sacrificio mortal de Cristo teve inicio, segundo a experigncia histérica de Hél- derlin, 0 fim do dia dos deuses. A tarde vai avancando. Desde que a “trindade”, Héracles, Dionisio e Cristo, dei- xou 0 mundo, a tarde do tempo do mundo foi-se aproxi- mando da noite. A noite do mundo estende a sua escuri- dio. Esta era do mundo caracteriza-se pela auséncia de Deus, pela “falta de Deus".A falta de Deus que Hélderlin experiencia nio nega, no entanto, o persistir de uma rela so com © Deus cristio, quer individualmente quer na Igreja, nem despreza essa mesma relagio. A falta de Deus significa que ja no existe um Deus que reiine em si, visi- vel € univocamente, as pessoas e as coisas e que, com base . Nio 56 se foram os deuses ¢ Deus, como também se apagou na historia do mundo o fulgor da divindade. O tempo da noite do mundo é o tempo indi- gente, porque se tornard cada vez mais indigente. Ele tor- nou-se tio indigente que jé nem é capaz de notar que a falta de Deus é uma falta. ‘Com esta falta, fica fora do mundo 0 fundo como aquilo que fandamenta. Originariamente, abismo [Abgnind] [309] [248] [249] significa 0 solo e o fundo em direc¢io a0 qual tende, encosta abaixo, algo que esti pendurado, Contudo, 0 Ab seri pensado, doravante, como a auséncia completa de fundo. O fando é 0 solo de um enraizar e de um erguer- -se.A era do mundo, que carece de fandamento, encontra~ ~se suspensa no abismo. Supondo que se encontra ainda reservada uma viragem para este tempo indigente, ela ape- nas poder surgir se 0 mundo virar radicalmente, ou seja, dito de uma forma mais precisa, se ele virar a partir do abismo, Na cra da noite do mundo, tem que se experi- ‘mentar ¢ suportar o abismo do mundo, Mas para tal, seri necessario que haja quem consiga chegar até ao abismo. A sabita entrada em cena, saindo do seu esconderijo, de mais um deus ou do velho deus nio é suficiente para que se propicie esta viragem na era do mundo. No seu Tegresso, pata onde poderia ele dirigir-se, se os homens nio Prepararam previamente a sua estincia? Como poderia alguma vez haver uma estincia 3 medida do deus, sem que antes comegasse a brilhar em tudo o que existe o fulgor da divindade? Os deuses, que “outrora existiram”, apenas “regres- sam” “no tempo certo”, nomeadamente, quando se tiver dado, com os homens, uma viragem no lugar certo do modo certo, Por isso diz Hélderlin no hino incompleto Mnemisina, que surge logo apés a elegia Pio e Vinko, 0 seguinte (IV (Hellingrath) 225): de nem tudo ‘io capazes os celestes, Pois so antes ‘0s mortais que chegam 20 abismo, Por isso & com estes que se dé a viragem. Longo é © tempo, porém, acontece © verdadeiro, Longo é 0 tempo indigente da noite do mundo. Teri que demorar muito até esta chegar ao seu meio proprio. (319) Na meia-noite desta noite serio apogeu da indiggncia do tempo. Entio, o tempo em declinio deixari de experien- ciar a sua propria caréncia. Esta incapacidade, através da qual a propria caréncia do indigente cai na escuridio, é a indigéncia, por exceléncia, do tempo. O obscurecimento ch caréncia torna-se completo por jf s6 ser capaz de apare- cer como a mera necessidade que quer ser satisfeita, Con tudo, deve pensar-se a noite do mundo como um destino, que acontece aquém do pessimismo ¢ do optimism. Tal- vez se aproxime agora a noite do mundo da sua meia~ -noite. Talvez a era do mundo se torne completamente um tempo indigente. Por outro lado, pode set que nio, talvez ainda nfo, sempre ainda nio, apesar da miséria incomenst- rivel, apesar de todos 0s softimentos, apesar do sofrimento sem nome, apesar da propagacéo da auséncia de paz, apesar da confusio crescente. E longo o tempo porque mesmo o horror, tomado como um fundamento da viragem, nio é capaz de nada, enquanto nio se der uma viragem com os mortais, Ora essa viragem apenas se dari quando os mor- fais encontrarem a sua propria esséncia. Pertence 3 sua esséncia 0 facto de serem eles, ¢ nio os celestes, a chegar primeiro ao abismo. Eles permanecem, se pensarmos na sua esséncia, mais préximos da auséncia, porque se encon- tram tocados pelo estar-presente, como desde hi muito 0. ser & chamado. Mas porque o estar-presente simultanea~ mente se encobre, é ele proprio auséncia. Deste modo, 0 abismo alberga e percebe tudo. No Hino Titdnico (IV, 120), ‘Hélderlin chama ao “abismo” o “que tudo percebe”. Quem dos mortais, primeiro ¢ de uma forma diversa, tiver de chegar a0 abismo, experimentaré os sinais que 0 abismo anotou. Estes constituem, para 0 poeta, os vestigios dos deuses foragidos. De acordo com a experiéncia de Hélder- lin, é Dionisio, o deus do vinho, que traz este vestigio aos homens sem-Deus envoltos pela escurido da sua noite do mundo, Porque 0 deus das videiras guarda nestas € nos fru~ Ist) 250) [251] tos destas, simultaneamente, a co-pertenca origindria da terra € do céu como o terreiro festivo onde se celebra a unio entre os homens ¢ os deuses, Apenas no dominio deste local poderio ainda ter ficado, se & que ficaram, vesti Bios dos deuses foragidos para os homens sem-Deus. € para qué poetas em tempo indigente? Timidamente, Hélderlin responde através da boca do seu amigo Heinze, a quem tinha sido colocada a questio: ‘Mas eles sio, dizes tu, como os sacerdotes consagrados 20 Deus do Vinho, ‘Que iam de terra em terra na noite sagrada, Os poetas so os mortais que, cantando com seriedade © Deus do Vinho, sentem os vestigios dos deuses foragidos, permanecendo sobre estes vestigios e assim apontando aos seus irmios mortais o caminho da viragem. O éter, no entanto, onde somente os deuses sio deuses, é a sua divin dade. O elemento deste éter, no qual a propria divindade ainda se essencia [west] & 0 sagrado. O elemento do éer para a chegada dos deuses foragidos, 0 sagrado, & 0 vestigio dos deuses foragidos. Quem seri, porém, capaz de sentir tal ‘Yestigio? Os vestigios so geralmente pouco visiveis, sendo sempre o legado de um aviso mal pressentido, Ser poeta em tempo indigente significa: cantar, tendo em atengio 0 vestigio dos deuses foragidos. & por isso que, no tempo da noite do mundo, o pocta diz o sagrado. E por isso que a noite do mundo é, no idioma de Hldetlin, a noite divina. A csséncia do poeta que, em tal tempo do mundo, é verdadeiramente poeta, pertence o facto de, para ele, de antemio ¢ a partir da indigéncia do mundo, 0 poetar ¢ a Yocagdo postica se tornarem questées poéticas. Por iss0, os “poetas em tempo indigente” tém que poetar a propria (312) esséncia da poesia. Onde isto acontecer, deve supor-se um Poctar que se conforma com o destino da era do mundo. 'Nés temos de aprender a escutar a fala destes poetas, desde que no nos iludamos em relagio 2o tempo que encobre o ser, 20 albergi-lo, de modo que calculamos o tempo par- tindo do ente ¢ dissecando-o, Quanto mais a noite do mundo se aproxima da sua meia-noite, tanto mais hegeménico é 9 dominio da indi- Béncia, de tal modo que subtrai a sua esséncia. Nao apenas se vai perdendo o sagrado como vestigio que conduz 4 divindade, como também se vo quase cxtinguindo os ves- tigios deste vestigio perdido. Quanto mais se apagam os vestigios, mais dificil se torna para um mortal que tenha chegado ao abismo, aj atender aos sinais e adverténcias. ‘Toma-se assim mais rigoroso dizer-se que cada um chega © mais longe possivel quando nao ultrapassa os limites do caminho que Ihe foi destinado. A terceira estrofe da mesma clegia, a que pergunta “e para qué poetas em tempo indigente”, profere a lei sob a qual estio os seus poetas: Una coisa &certa sea 20 meio-dia ou caminhe-se Ji para a meia-noite, uma medida sempre se mantéz, ‘A todos comum, embora a cada um seja concedida uma propria, Para li vai de i vem ead um como pode Na sua carta a Boehlendorf, de 2 de Dezembro de 1802, escreve Hélderlin: “e a luz filoséfica na minha janela € agora a minha alegria. Quem me dere guardar 0 modo como até aqui chegu Pensando, 0 poeta entra na localidade, que se define a partir daquela clareira do ser, que se tem vindo a estabele- cer como o dominio da metafisica ocidental em vias de se consumar. A poesia pensante de Hélderlin ajudou a cunhar este dominio do pensamento poético. O seu poetar vive (313) [252] nesta localidade tio familiarmente como nenhum outro poctar do seu tempo. A localidade a que chegou Hélderlin € um estar-revelado do ser que pertence ele mesmo 20 destino do ser e que, a partir deste, esti votado a0 poeta Mas talvez este estar-revelado do ser no interior da metafisica consurmada seja, ji e simultaneamente, 0 esque- 10 cxtremo do ser. E se este esquecimento fosse a esséncia encoberta da indigencia do caricter indigente do tempo? Entio nio haveria certamente tempo para uma escapadela estética até & poesia de Hélderlin, Entio nio seria este o instante apropriado para fazer da figura do pocta um mito artificial. Entio nfo haveria qualquer opor- tunidade para abusar da sua poesia como se esta consti- tuisse um filio para a filosofia. Mas haveria, e hi, esta necessidade tinica, de experimentar pensar sobriamente aquilo que, dito na sua poesia, permanece como nio dito. Esta é a via da histéria do ser. Se caminharmos por esta via, ela conduziré 0 pensamento a um didlogo com 0 poe- tar, didlogo esse que pertence 3 hist6ria do ser. Inevitavel- mente, este didlogo é visto pela ctitica hist6rico-literéria como uma violentagio nio cientifica daquilo que ela toma por factos. A filosofia, por seu turno, considera 0 didlogo uma aberragio da perplexidade que conduz a exaltacio. ‘Mas o destino prossegue a sua via sem se deixar perturbar por tudo isto. Seré que n6s, hodiernos, encontraremos sobre esta via, um poeta hodierno? Ser4 que encontraremos aqucle poeta que hoje em dia, frequente e apressadamente, se vé arrastado para a proximidade do pensamento que esti escondido por debaixo de muita filosofia mal pensada? Coloquemos, porém, estas questdes com o rigor que lhes & adequado. Seri R.M. Rilke um poeta em tempo indigente? Como é que se comporta o seu poetar em face da indi- géncia do tempo? A que profandidade do abismo chegari B14] ele? Para onde vai o poeta, sabendo-se que ele ira tio Tonge quanto Ihe é possivel? ‘A poesia auténtica de Rilke resume-se, numa paciente antologia, aos dois pequenos volumes das Elegias de Duino € dos Sonetos a Orfeu. © longo caminho até esta poesia €, cle proprio, uma interrogacio poética. Sobre este caminho, Rilke experiencia mais claramente a indigéncia do tempo. tempo permanece indigente, ndo apenas porque Deus est morto, mas também porque os mortais j4 no conhe- cem nem dominam 2 sua propria mortalidade. Os mortais ainda nio estio em posse da sua esséncia. A morte retira-se para o enigmitico. O segredo da dor permanece velado. O amor nio se aprendeu. Mas hi mortais. Hi-os na medida em que hi linguagem. Demora-se ainda 0 canto sobre a terra indigente. A palavra do cantor retém ainda 0 ves- jo do sagrado. A cangio dos Soneios a Orfeu di-lo (L Parte, XIX): Quao ripido se muda também 0 mundo Como formas de nuvens, Por sobre © mudar e o andar, ‘Mais largo e mais livre Dura ainda o teu pré-cantar, © deus da lira No se Conhecem as dores, [Niio se aprenden o amor, Bo que na morte nos afta io esté desvelado, $6 a cangio sobre a terra cconsagea e celebra, [315] 253] (254) Entretanto, até mesmo o vestigio do sagrado se tor- nou desconhecido. Fica por saber se nés ainda experien- ciamos o sagrado enquanto vestigio que nos conduz 3 divindade do divino ow se apenas deparamos com um ves tigio do sagrado. Nio fica claro 0 que poderia ser 0 vesti- gio para o vestigio. Fica a questio de saber como um tal vestigio se nos poderia revelar, tempo € indigente porque Ihe falta 0 nio-estar- ~encoberto da esséncia da dor, da morte e do amor. A pré- ria indigéncia é indigente porque se esconde o dominio essencial no qual a dor, a morte e o amor pertencem uns 0s outros. Hé 0 estar-encoberto na medida em que 0 dominio da sua miitua pertenca & 0 abismo do ser. Mas mantém-se ainda o canto que nomeia a terra. O que é 0 canto cle mesmo? Como & que um mortal dele capaz? De onde canta o canto? Quio profiandamente mergulha ele no abismo? Para avaliar se e quanto Rilke € um poeta num tempo indigente, e para assim saber para que servem os poetas, rocuremos marcar o atalho para o abismo com alguns ostes de orientagio. Por tais postes tomemos algumas palavras-chave da poesia auténtica de Rilke. Elas apenas se deixam compreender no contexto a partir do qual sio ditas, Este contexto é a verdade do ente, tal como ela se desenvolveu desde a consumagio da metafisica ocidental por Nietzsche. A sua maneira poética, Rilke experienciow € suportou o niio-estar-encoberto do ente saido desta con sumagio. Vemos agora como, para Rilke, o ente se apre- senta como tal na sua totalidade. Para trazer & vista este dominio, tomemos em atengio um poema que surge na Orbita da mais conseguida poesia de Rilke e, em termos cronolégicos, depois dela Nés nao estamos preparados para a exegese das Elegias € dos Sonetos porque o dominio a partir do qual eles falam ainda no foi, no que diz respeito a sua constituigo e uni B16) dade metafisicas, suficientemente pensado a partir da esséncia da metafisica, Pensar isto continua a ser difici diuas razdes. Em primeiro lugar, porque a poesia de Rilke fica atrés da de Héldetlin, na via da histéria do ser, quanto a categoria © 3 posi¢ao. Em seguida, porque nés mal conhecemos a esséncia dz metafisica e mio somos versados 1a fala do ser. Nio estamos preparados para uma exegese das Elegias © dos Soneios, nem tal exegese se justfica, porque o domi- nio essencial do didlogo entre a poesia e o pensamento apenas lentamente poderi ser indagado, atingido ¢ bem pensado. Quem é que, hoje cm dia, se atreve a considerar- ~se familiarizado com a esséncia da poesia, bem como com a esséncia do pensamento ¢ achar-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as esséncias & mais extrema das discérdias, assim estabelecendo a sua concérdia? Rilke nio publicou cle mesmo 0 poema que a seguir seri comentado, Este surge na pagina 118 do volume Anto- legia Poética, publicado em 1934, e na pigina 90 da antolo- gia Poemas Tardios, editada em 1935. O poema nio tem titulo, Rilke esbogou-o em Junho de 1924, Numa carta a Sra. Clara Rilke, de 15 de Agosto de 1924, enviada de ‘Muzot, escreve 0 poeta: “Mas eu nio me atrasei nem pre~ guicei em todos 0s aspectos, felizmente, pois o bario Lucius recebeu 0 seu belo Malte ainda antes da minha partida em Junho. A sua carta de agradecimento hi muito que estava Pronta para te ser enviada. Remeto também os versos improvisados que escrevi para ele no primeiro volume da bonita encadernagao em couro”. Os versos improvisados ¢ aqui mencionados por Rilke sio, de acordo com uma anoragio dos editores das Cartas de Muzot (p. 404), os seguintes: Tal como a Natureza abandona os sezes a0 risco do seu prazer abafado sem que nenhum B17) 255) Seis especialmente protegido, nas glebas e ramadss, assim também nés ndo temos, do mais pofiside do nowo ser, uma atengio especial; ele pe-nos em risco. $6 que nds, queremo-lo, e por vezes também arriscamos mais (¢ nfo por interes perio), cconcede-nos, fora de proteccio, lum estar seguro, af onde actua a forga de gravidade das forcas pars; 0 gue p 6 onosso desamparo, ¢ que 20 aberto assim @ virémos, vendo-o ameagar, ‘onde a lei nos toca, o a tarefa para um pensamento, aprender neste instante do como um ensaio de meditagi Poem é simples. As articulagéies si0 Partes: verso 1-5; verso 5~ cis © que ainda temos de mundo. Tomemos 0 poema verso 10-12; verso 12-16. Ao corresponde o “assim também 4/5. Ao ‘“nés” refere-se também 0 limita mas 4 maneira de uma distin RO verso 5-10. O verso 10-12 diz igo. Esta seri nomeada também” do inicio, o ser do Poema. A comparagio destaca 40s Outros seres. Estes sio og homem torna-se o tema © ser do homem em relagio setes vivos, as plantas e os ani {ia refere-se, na mesma comparagio, aos seres, através do nome “as criaturas”, ‘Uma comparacéo coloca o diferente no semelhante, com 0 objectivo de tornar vistvel a diferenca. Os diferen. fs, as plantas e os animais por tum lado, e os homens pot outro, sio semelhantes na medida em que participam do mesmo. Este mesmo € a relagio que eles tém, enquanto entes, com o seu findamento, © fitndamento dos seres é » natureza. O fandamento do homem nio é apenas do mesmo tipo que o fundamento das plantas e dos animais, O fandamento é, aqui como ali, o mesmo. Ele a natureza enquanto “a natureza plena” (Soneios, segunda parte, XIN), Neste ponto, devemos pensar a Natureza num sentido amplo essencial, tal como Leibniz empregou o terme Natura, escrito com maitiscula. Ele significa o ser do ente O set essencia-se como a vis primitive ain Esta & a afeicio [Mégen] que inicia, aquela que, reunindo tudo em i mesma, envia, deste modo, cada ente a si mesmo. O ser do ente € a vontade. A vontade & a reunifo, contendo-se a si mesma, de todo e qualquer ens para si mesmo. Todo o ente & enquanto ente, na vontade. Ele é como algo voluntari_ oso, Com isto quer-se dizer que o ente nio é nem pri- meira nem unicamente, como algo que se quer, mas antes que na medida em que ele mesmo é, 6 maneita da von fade. S6 enquanto algo voluntarioso, é que ele, 4 sua mancira, é aquele que, na vontade, quer, Aquilo a que Rilke chama Natureza nio € posto em contraste com a Historia. Sobretudo, ela nao é entendida como campo objectual da Ciéncia da Natureza, A Natu reza tambérn nio € oposta a Arte. Fla € o fiandamento para a Histéria e para a Arte, e para a Natureza no sentido res. ttito. Neste uso da palavra Natureza ressoa ainda o eco do fermo antigo Pious, também identificado com Lan}, que hoje se taduz por vida. A esséncia da vida, antigamente pensada, no €, porém, representada biologicamente, mas B19) [258] antes como @¥ors, o que brota. No verso 9 do poema, “a Natureza” é também nomeada como “a vida”. A Natureza, a vida, nomeiam aqui 0 set no sentido do ente na totali- dade. Nietzsche escreve num apontamento do ano de 1885/86 (Vontade de Poder, A. p. 582):"O ser ~ nio temos nenhuma outra representasio para tal a nio ser ‘viver’ Entio, como € que algo motto pode ‘ser’?” Rilke chama 4 Natureza, na medida em que ela é 0 fandamento daquele ente que nds proprios somos, o fanda- mento origindrio. Isto aponta para o facto de o homem chegar 20 findamento do ente mais profundamente do que qualquer outro ente, Desde tempos zemotos que o homem chama “ser” ao fandamento do ente. A relagio do ser fan dante para com os entes fandados é, tanto com os homens como com as plantas ¢ os animais, igual. Ela consiste no facto de o ser, em cada caso, “abandonat 20 risco” o ente, O ser larga o ente, langando-o ao risco. Este largar e lancar é 0 verdadeiro arriscar. O ser do ente é esta relagio do largar e langar para com 0 ente. Cada ente que existe & o atriscado. O ser & por exceléncia, 0 préprio risco, Ele pée-nos em isco, a.n6s, os homens, Ele pde em risco os seres vivos. O ‘ente é,na medida em que permanece como aquele qué, em cada caso, esti em risco, Permanece, porém, attiscado para dentro do ser, ie., para dentro do riseo. E por isso que 0 ‘ente se arrisca a si mesmo, esti entregue ao risco. O ente enquanto caminha com o risco, ao qual foi deixado. O ser do ente € o risco. Este reside na vontade que, desde Leibniz, se foi anunciando, com mais nitidez, como o ser do ente desvelado pela Metafisica. Neste contexto, nio se deve c ceber a nogio de vontade como sendo a generalizacio abs- facta do querer, em sentido psicoldgico. Antes pelo contra rio, 0 querer metafisicamente experimentado do homem Permanece como constituindo apenas a contrapartida voli- va da vontade como ser do ente. Na medida em que [520] representa a Natureza como risco, Rilke esti a pensila metafisicamente, a partir da esséncia da vontade. Esta essén- ia encobre-se ainda, tanto na vontade de poder como na vontade como risco. A vontade essencia-se como vontade de querer. "Sobre o fundamento do ente, nomeadament sobre 0 ser enquanto risco por exceléncia, o poema no diz nada directamente. No entanto, se o ser enquanto risco constitui a relagio, que se manifesta no acto do lance, englobando assim o langado, i. 0 arriscado dentro do processo de lan- ‘at, entio © poema diz-nos indirectamente algo sobre 0 isco, uma vez que fala do arriscado. d os seres “sem que nenhum seja ”.Do mesmo modo, nao ha prefe- xéncia ou amot especial em relagio a nés, os homens, por parte do risco que nos arrisca. Em ambas as frases esti patente: faz parte do risco o langar para o perigo. Arriscar é por em jogo. Heréclito pensa o ser como tempo do mundo, ¢ este como o jogo de criangas (Frg. 52): A’1ov nais ton raitov, neccsbiav: nade # Paothnin. “O tempo do mundo € uma crianca jogando gamio; 0 dominio pertence a um jogo infantil”. Se o ser-langado ficasse fora de perigo, entio ele nio estaria arriscado. O ente, porém, ficaria fora de perigo se fosse protegido. Schiitz (proteccio), Schiltze, (0 atiradot) e schiltzen (prote- get), tém que ver com schigfen que significa atirar, dsparer, do mesmo modo que Buck (corcunda) e bicken (dobrar-se) tém que ver com biegen (curvar-se, dobrar-se). Schiefen sig- nifica schieben (empurrat), como por exemaplo em einen Riegel vorschieben, empurrar um ferrolho, O telhado atira-se (schieBt aber] para além das paredest. Ainda hoje se diz, na 8 NCL Das Dath schiet ter die Mauer A fase alem’ descreve um ‘ipo de casa cujo telhado, amplo e ingreme, cobre ¢ abriga as proprias paredes da moradia, como é habieval, por exemplo, nae consrrugdes da B21) [259] Provincia, que a camponesa atira, quando ela atira [ein massa enformada para dentro do forno, para cozen tecedo 6 o que se empurra de antemio para a frente de algo. Impede que © perigo possa fazer inal a0 amea- sado, ou sequer que possa ro¢é-lo. O protegido é confiado 20 Protector. A nossa lingua antiga e mais rica diria: permi- do, comprometido: amado. Ein contrapatida, o desprote- gido nao usuftui de um amor especial, As plantas, 03 ani- mais ¢ © homem, se € que sio porventura entes, ie, arriscados, participam do facto de nio serem particular ‘mente protegidos. Mas porque eles se distinguem, de facto, no seu ser, existicé também uma diferenca no seu estar des. protegido. Enquanto arriscados, os desprotegidos nio sio, apesar disso, abandonados. Seo fossem, serine too pouco arisca- dos, como se fossem protegidos. Entregues apenas 4 ani- auilacao, jf no estariam sobre a balanga. Na Idade Média, a Palavra Wage (balanca) ainda significava o mesmo que Perigo. Essa é a situacio na qual algo pode pender ‘para este ou para aquele lado. E por isso que o instrumento que se move desta maneira, inclinando-se de um lado pata 0 puto, se chama balanea. Ela joga ¢ equiibra-se. A palivea balanga, tanto no sentido de perigo como enquanto nome de instrumento, provém de wiigen, wegen, fazer um We,um camino, ic, ir, estar a caminho. Be-weigen (pesar) significa 6s 4 caminko ¢, assim, em movimento: wiegen (pesat). Aguilo que pesa, chama-se assim porque consegue trazer balanga, de uma mancira ou de outra, 20 jogo do movin mento. © que pesa, tem peso. Arriscar significa: trazer ao curso do jogo, depor sobre a balanca, langar ao perigo, O Jogo de palavras © de sentido, ma toda esta tequén- uma traducio portuguesa que manteaha, coerentes -mente,os matizes € correspondéncias do aleanio. [322] Deste modo, 0 arriscado fica sem proteccio, mas, porque esti sobre a balanga, ele & abarcado pelo risco [Wagnis]. E suportado. Encontra-se sobre um fandamento ¢ perma- nece nele albergado. Enquanto ente, o arriscado tem a par- ticularidade de querer e ser-querido?. Abarcado pela von- tade, cle proprio permanece 4 maneira da vontad arrisca-se a si mesmo. Deste modo, o arriscado é des- dado, sine cura, secuum, i.c., seguro. E apenas na medida em que 0 arriscado reside seguramente no risco que ele podera seguir 0 risco, ou seja, seguir até 3 desproteccio do arriscado, A desprotecgio do arriscado no apenas io 0 impede de estar seguro no seu fundamento, como até 0 torna necessirio. O arriscado vai com o risco. © ser, que mantém todos os entes em risco sobre a balanga, atrai assim o ente constantemente para si ¢ em. direegio a si, enquanto.€ 0 centro, O ser, enquanto risco, mantém todos os entes, enquanto arriscados, nesta cone-. xio. Mas, simultaneamente, o centro desta conexio de atracglo retira-se de todo e qualquer ente, Deste modo, 0 centro abandona 0 ente 20 acto de se arriscar, consistindo precisamente neste o ficto de o ente ser arriscado. Neste abandono reunificador encobre-se a esséncia metafisica da vontade, pensada a partir do sex. O risco, enguanto centro do ente que atrai e medeia tudo, é a capacidade de pro~ porcionar peso, i.e., gravidade, ao arriscado. O risco é a forga de gravidade. Dela se diz, num poeme tardio, intitu- lado com a expressio “Forga de Gravidade” (Poemas tardios p.156): 2 NTA forma do patticipio perfeito gewill wsada por Heidegger no existe em aleunio, Neste contexto, das Guile exprime a nogio de tum ente com a caracteristica de querer mas também de um ente ue € gerado como algo que quer. 23] [260] Forga de Gravidade Centro, como tu te nutres de todos, e mesmo dos que voam te recuperss, centro fortissimo, (© que esti ein pé: como a bebida a sede Atravessa-o na queda a gravidade, ‘Mas do que dorme cai como de nuvema jacente abundante chuva de gravidade A forca de gravidade que aqui € mencionada é, diver- samente da gravitagio fisica, a que habitualmente nos refe- mimes, 0 centro do ente na totalidade. Rilke chama-lhe, Por isso, “o centro inaudito” (Sonetos, Segunda Parte, XXVIMl). Ela € 0 fandamento enquanto “com”, a ligacio que um mantém com outro ¢ que a todos reiine no jogo do risco. O centro inaudito é “o eterno parceizo” no Jogo mundano do ser. O mesmo poema, no qual o ser é pocti_ zado como sendo 0 Tisco, refere-se (versos 11 ¢ 12) a rela~ s40 mediadora como “a forga de gravidade das forcas puras”. O risco & a forea de gravidade pura, o centro insu. dito de todo 0 arriseado, o eterno parceiro no jogo do ser. Ao mesmo tempo que o lanca, o risco retém o artis, cado sobre a balanga. O risco larga o arriscado, de tal modo que aquilo que ¢ langado apenas € lancado numa atraccio em direceio a0 centro. O atriscado ¢ investido desta atraceio em dizeccao ao centro. Em cada C480, 0 Tisco recolhe em si o arriscado nesta atracgio. Recolher qual. ‘et coisa ¢ ir buscar algo a qualquer sitio, mandar vir, a isto chamamos nés: es bezichen (obté-lo regularmente). Este 0 significado originério da palavra alema Bezug (cone. ¥20). Ainda hoje falamos da obtencio da mercadoria, do (324) ordenado, da corrente eléctrica?. A atracgio [der Zug] que, enquanto risco, afecta 0 ente com a sua forga atraente, re -ferindo-o e retendo-o na corrente da atracgio [Zug] em direcrio a si, é a conexio por exceléncia. A palavra “‘cone- xo” € um termo fundamental da poesia auté: Rilke e, nomead: , A mesma conexio sob outra perspectiva). ‘ompreendemos apenas em parte 2 palavra “cone xio” em Rilke, o que quer dizer que nio se entende de todo naqueles casos em que apenas se apreende a conexio no sentido de relacionamento [Beziehung], entendendo-se este no sentido de ra lation]. A incompreensio aumenta se se representar este relacionamento como a teligio do eu humano para com o objecto. Este signifi- cado, nomeadamente 0 de “relacionar-se cot em termos de histéria da lingua. Na verdade. a palavra “conexio” cm Rilke também compreende este significado, io o apresentando, porém, em primeiro lugar, mas apenas em relagio com o fundamento do significado or expressio “a conexio completa” nio é sequer pensivel se se representar a conexio como uma meta relatio.A forca de gravidade das forcas puras, 0 centro inaudito, a conexdo ura, a conexio completa, a natureza plena, a vida, o risco, sio 0 Mesmo. Todos os nomes aqui referidos nomeiam o ente como tal na totalidade. A linguagem habitual da metafisica utiliza também “o ser” para o designar. Segundo 0 poema, a Natureza deve ser pensada como 0 risco. O termo “risco” nomeia aqui, simultaneamente, 0 fundamento arriscante ¢ © arriscado na sua totalidade. Esta ambiguidade nem & 3 NT. Obviamente, perde-se na tadugio uma parte da ligagio ‘entre 0s significados actuais e remotos destes termos. [325] 262) casual nem sera suficiente apenas aponti-la, Nela fala explicitamente a linguagem da metafisica Enquanto este ou aquele ente, cada arriscado é inse- Tido na totalidade do ente e repouse sobre o funndamento dh totalidade, Cada ente particular é nz medida em que Participa da atraceio [Anziehung], a qual o retém, ¢ se encontra envolvido na corrente atraente [Zug] da conexio gue © arriscado se encontra na corrente de atraccio em: sirecglo a0 centro. Deste modo, o arriscado encontra-se, Ros varios casos, no seio do ente na sua totalidade A conexio completa, aquela a que se vé entregue todo 0 ente enquanto arriscado, Rilke gosta de chama“o aberto”. Este termo constitui-se como outro termo funda. mental da sua poesia. “Aberto” significa, na linguagem de Rilke, aguilo que no impede. Nao impede porque nao restringe. Nao restringe porque esta intrinsecamente livre de todas as restriges. O aberto & 2 grande totilidade de tudo aguilo que ndo esté restringido. Ele permite que os 4 fnio da conexdo completa, continuem a sua via, de maneira que todos, sendo por un Prosseguem a sua via, numa multi iproca, sem enftentarem limites. Deste modo atraidos ¢ atraindo, sio absorvidos pelo ilimitado e pelo infinito. Nao se dissolvem no nada nulo mas sedi. mem-se na totalidade do aberto. O que Rilke quer dizer com esta palavra no seri, de modo algum, definido através da abertura no sentido do nio-estar-encoberto do ente, a qual deixa o ente estar pre~ sente enquanto tal. Se se procurar esclarecer o que Rilke quer dizer com “aberto” no sentido de nio-estar-enco. berto € daquilo que nao esté encoberto, entio deveria 1326) E dizer-se: 0 que Rilke experiencia como o aberto é antes o fechado, o obscuro, o que prossegue no ilimitado de modo que nem algo desconhecido, nem mesmo qualquer coisa poderio ir a0 seu encontro. Quando se en-contra algo, ~ surge logo ai uma barreira. Onde existe restricio, aquilo que € restringido é empurrado para si mesmo e curvado sobre si proprio. A restti¢io torce, tranca a relagio com 0 aberto ¢ transforma ¢sta mesma relacio em algo de tor- cido. A restrigio no interior do ilimitado é estabelecida Pela representagio humana. O oposte defronte nio per- mite que o homem esteja imediatamente no aberto. Em certo sentido, ele exclui o homem do mundo e coloca-o erante © mundo, significando aqui mundo o ente na totali- dade. Ao invés, 0 mundano (Welle € 0 proprio aberto, a totalidade do que nio se ope. Contudo, também o nome aberto se apresenta, enquanto nome metafisico e tal como o termo risco, num sentido ambiguo. Ele tanto significa a totilidade dos nexos ilimitados da conexio pura, como a abertura no sentido da ilimitagio que em tudo vigora. aberto deixa entrar. Mas deixar entrar nio significa: p Permitir a entrada € 0 acesso a0 encerrado, como se algo encoberto se devesse desencobrir para assim surgir como nio estando encoberto. Deixar entrar significa: recolher ¢ integrar na totalidade obscura dos feixes da conexio pura, O deixar entrar tem como modo o modo como o aberto 6,0 caricter do que é recolhido 4 maneira da forga de gra~ vidade das forcas puras. Quanto menos for impedida 20 arriscado a entrada na conexdo pura, tanto mais ele per- tence a grande totalidade do aberto. E por isso que Rilke nomeia os seres que se arriscaram directamente nesta gran~ deza, ¢ nela se baloigam, as “coisas habititadas ao grande” + NAT A interpretagio que Heidegger faz do verso de Rilke ‘elaciona-se, nesta passagem, com a nogo de aaberto» como dimensio gue abrange muito mais do que a tradigio, referindo-sc também A (327) (263) (Poemas iandios, p, 22). Mas o homem nio pertence a elas. 0 canto que exprime esta relacio diferenciada dos seres vivos € dos homens para com 0 aberto é a oitava Elegia de Duino A diferenga repousa sobre os diferentes graus da conscién- cia. A diferenciaczo do ente segundo esta perspectiva tor nou-se corrente na metaffsica moderna desde Leibniz, © que Rilke exprime com a palavra “aberto” pode set documentado através de uma carta, pot ele escrita no Gltimo ano da sua vida, a um leitor russo que o tinha srogado sobre a oitava Elegia (cf. M. Betz, Rilke in Fran- Kercich, Erinnenangen — Briefe — Dokumente, 1938, p. 289). Escreve Rilke: Deve compreender 0 conceito de “aberto”, que procurei propor nesta Elegia, de tal modo que o grav de consciéncia do animal 0 insere no mundo, sem que ele coloque o mundo diante de si, como nés o fazemos a cada momento, O animal esté no mundo. Nés ficamos diante dele através da viragem e do desenvolvimento caracteristi- 0s da nossa consciéncia.» E continua Rilke: «O “aberto” nio se refere, portanto, a0 c&u, 20 ar ou 20 espago, também cles si, para quem observa ¢ julga, “objectos”, logo “opa- fl ques” ¢ fechados. O animal, a flor, admitamo-lo, é tudo isso, sem se dar conta, ¢ tem, por iso, diante de si e sobre si 4 esta liberdade indescritivelmente aberta, a qual apenas nos primeiros instantes de amor, quando um homem vé no outro, no amado, a'sua propria imensidio, ou na ascensio 2 | Devs, terd (muito transitoriamente) um equivalente entre nds.» Natureza.As scoisase do verso de Rilke sio aquelas que se enconteam, desde sempre, no aberto. Dai que estejam habituadss a0 «grandes, Esdio habituadas e habitam-no.A extranhera da expressio que escolhe- ‘mos na trducio para o Portugués reflecte a cardcter estritamente poe fico, ¢ igualmente pouco habitual, do verso de Rilke. S NUT. francés no texto [328) Fria do ser, {E metafisica atenuada de Nietzsc! As plantas ¢ os anirmais estio inseridos no aberto. Eles esto «no mundor. O fica: inseridos obscura- mente na rede de feixes da conexio pura. A relacio para com o aberto (se € que se pode falar ainda de um “para com") é um entrelagamento inconsciente no seio do ente, | varacterizando-se meramente pelo processo de ser puxado pe de intencionar. Com a ascensio da consciéncia, cuja esséncia é, para a metafisica moderna, a representacio, ascende a posigio € a oposigio dos objectos. Quanto mais g clevada for a consciéncia, tanto mais exclufdo do mundo E estard o ser conscie segundo a linguagem da carta,“diante do mundo”. Ele no Assim se encontra 0 homem, se-insere no aberto. © homem encontra-se em frente do mundo. Fle nao habita directamente na corrente e no vento da conexio completa. O passo da carta faculta, em particular, a compreensio do aberto, porque Rilke nega ai expressamente que se possa pensar 0 aberto, no abertura do céu ou do espaso. Por outro lad F mais incoerente estabelecer uma ligacio entre a ideia do aberto, no sentido da clareira essencialmente mais origind poesia de Rilke, que ficou na sombra da © que pertence imediatamente 20 aberto é assimilado por este na corrente de atraccio do centro. Deste modo, de [- tntte todos os arriscados, pode, com maior facilidade, per- tencer 20 aberto aquele que foi atordoado, conforme a sua propria esséncia, de tal modo que, sob tal atordoamento, ele jamais ambiciona algo que the possa fazer fiente. Aquilo que desenvolve deste modo 0 seu ser esti “num prazer abafado” Tal como a Natureza abandona of seres 20 risco do seu prazer abatido, Abafado tem aqui-o sentido de velado: aquilo que nao se desprende da corrente do prosseguir irtestrito, que nio [329] (255) ficard perturbado pelo infatigivel relacionamento de tudo com tudo, pelo qual se precipita a representagio consci- ente. Abafado significa, tal como 0 som abafado, aquilo que repousa sobre uma profundidade e que tem a especifici- dade de ser um suporte. Abafado mio tem o sentido nega- tivo de bafiento ou de carregado, Rilke ndo pensa 0 prazer abafado como algo de baixo ou de inferior. Ele testemu- nha a pertenca das coisas, habituadas em grande, da Natu- era 4 totalidade da conexio pura. Portanto, pode Rilke dizer, num poema tardio: aseja-nos grande 0 set-flor» (Poc- | mas tartios, p. 89; cf. Sonetes, segunda parte, XIV). Tal como a carta antes mencionada pensa os homens € os seres vivos a partir da perspectiva sobre a sua relagio consciente e | diversa para com 0 aberto, assim 0 poema nomeia os “seres” e“n6s” (os homens) na perspectiva do seu compor tamento diverso para com 0 risco (¥.5 56.): =-S6 que nbs, ‘mais ainda que a planta ou 0 animal, Que © homem, mais do que a planta ¢ o animal, vi com 0 risco, poderia por enquanto significar que 0 homem teria ainda menos entraves, relativamente a qual- quer outro ser, em ser inserido no aberto. © “mais” deveria inclusive significar isto mesmo, se o “com” nao estivesse acentuado, A acentuagio do “com” nio significa um reforco do ir sem entraves, significando antes: para 0 it com 0 risco é algo propriamente representado ianto proposto, & o seu propésito. O risco © 0 seu arriscado, a Natureza, o ente na totalidade, 0 mundo, estio colocados de fora para o homem, fora do abafo da conexio inrestrita. Mas onde € que posto 0 que é assim colocado, € através de qué? A Natureza € trazida diante do homem através da representagio [Vor-steller] do homem. O homem 4 [330] pée [stellt vor] o mundo diante de si como a objectualidade na sua totalidade e pde-se a si diante do mundo. O homem. coloca a Natureza i sua beira e levanta 0 mundo de tal modo que este 0 enfrenta. Este colocar 4 beira, este elabo- rur®, devernos entendé-lo na sua esséncia lata e multiplice. © homem cultiva a Natureza quando ela nio basta para responder 3s suas expectativas representativas. O homem. elabora coisas novas quando elas Ihe fazem falta. © homem muda as coisas de lugar, quando elas 0 incomodam. O homem remove as coisas quando elas se desviam do seu propésito. O homem expe as coisas, quando as reco- menda para compra ou para utilizacio. O homem expée quando exibe as suas proprias capacidades e quando faz propaganda do seu oficio. Em todas estas formas multiface- tadas do produzir, o mundo é posto de pé e trazido a uma posicio. O aberto torna-se objecto ¢, assim, é rodado para enfrentar 0 homem. Enffentando o mundo como objecto ‘posto, o homem expie-se a si mesmo, ¢ levanta-se como aquele que consegue impor propositadamente todo este elaborar. Trazer algo diante de si, de tal maneiza que isto assim apresentado determine, como algo anteriormente represen- tado, todos os modos da produgio, é uma caracter damental da atittude que conhecemos como “o querer” [Wollen]. © querer de que aqui se fala é a e-laboragio, nomeadamente, no sentido de imposicio propositada da objectivacio. As plantas e os animais néo querem, © NIT.O verbo alemao heniellen significa produzir, eaborar. No entanto, com a introdugio do hifea em her-stlle,¢ tendo em conta 0 contexto, a forma verbal significa nisidamente “colocar & beira”. De facto, nesta pasagem, Heidegger explora os diferentes matizes de signi ficagio da acgio de pér ou colécar (seller) determinades pelos respec tivos prefixos wr-, her, aye, be-, um, er, au e heans-. Consulte-s6,a ‘este propésito, o Glossixi. [31] [266] [267] em que eles, abafados no prazer, nunca trazem para diante deles 0 aberto como objecto. Eles nio podem ir com o isco, enquanto representado. E porque eles estio inseridos no aberto, a conexio pura jamais seri o Outro objectivo deics mesmos. Pelo contririo, o homem vai “com” 9 isco, Porque ele € 0 ser que quer, no sentido referido: +86 que nés, ‘mais ainda que a planta ou o animal, vamos com 0 risco, queremo-o... O querer aqui referido & 0 impor-se, cujo propésito 4 instauron © mando como totalidade dos objectos elabo- riveis. Este querer define a esséncia do homem moderno, sem que ele conhesa a partida o seu aleance, sem que ele Possa saber, jé hoje, a partir de que vontade, enquanto ser do ente, este querer quer. Em tal querez, 9 homnem moderno ex-pde-se como aquele que se revolta, em todas 38 relagdes, com tudo 0 que existe, e portanto também na telacio consigo préprio, como o que se imp3e como pro- dutor, organizando este Jevantar-se em revolta com vista 3 clominagio incondicional. A totalidade da existéncia [Bes- ‘and objectiva, que € como 0 mundo aparece, & depen- dente do parecer € da ordem da elaboragio imposit sendo assim submetida 20 mando desta. O querer con em si a forma do mando, pois o impor-se propositado um modo no qual a situatividade [Zustindliche] do elaborar © 2 objectividade do mundo se con-tém um ao outro, numa unidade incondicionada e, por isso, completa. Nele, no conter-se, anuncia-se 0 caricter de mando da vontade. Com este é revelada, no decurso da metafisica moderna, a esséncia, hi muito encoberta, da vontade, que se essencia desde hé muito enquanto ser do ente. Em conformidade com isto, também o querer humano apenas pode existir 4 maneira do impor-se, se forgar tudo (332) de antemio, antes mesmo de tudo dominar, a entrar no seu dominio. Para este queter, tudo se torna, 4 partida, em seguida de uma forma irresistivel, material da elaboraci0 que se impée. A terra ¢ a atmosfera tornam-se matéria- -prima. O homem torna-se material humano que é colo- cado ao servigo dos objectivos propostos. A instalagio incondicionada do impor-se incondicional da elabora¢io propositada do mundo vai-se configurando necessaria- mente nos moldes do mando humano, num processo que © surge da esséncia oculta da técnica. E apenas a partir da era moderna que esta esséncia comeca 2 desenrolar-se como destino da verdade do ente na totalidade, 20 passo que, até agora, a6 suas manifestagdes dispersas e as tentativas pon- tunis se mantinham integradas no extenso dominio da cul- tura e da civilizagi A cigncia moderna e 0 estado totalizante constituem- ~se como consequéncias necessirias da esséncia da técnica ¢, igualmente, como os seus seguidores. © mesmo é vilido Para os meios e para as formas que so pertinentes para a organiza¢io da opiniao piblica do mundo e das represen tages quotidianas dos homens. Nio s6 a vida esti a ser tecnicamente objectivada, na sua criagio e exploragio, como também o ataque da Fisica Atémica aos fenémenos a vida enquanto fal esti em pleno curso. No fando, pre~ tende-se que a esséncia da vida se deve entregar ela mesma 4 elaboragio técnica. Que se encontrem hoje em dia, com todo 0 desplante, nos resultados na posigio da Fisica Atomica, oportunidades para provar a liberdade humana e para estabelecer uma nova teoria dos valores, eis aqui algo de significativo para a supremacia da representagio técnica, cujo desenvolvimento hi muito se desprendew das opini- Ges ¢ posicdes pessoais. A forca dominadora inerente a esséncia da técnica tevela-se, ainda, quando se tenta, em terrenos secundirios ¢ com a ajuda das valorages até hoje vigentes, domar a técnica, acabando-se, porém, por utilizar 1333] (268) (08 meios técnicos, os quais so tudo menos formas exterio~ tes, Isto porque, de todas as formas, a utilizago de maqui- naria e a fabricagio de méquinas nio constituem, s6 por si, a técnica ela mesma, mas apenas um instrumento que Ihe 6 conforme, com vista a0 estabelecimento da sua esséncia na objectividade da sua matéria-prima, Mais ainda, a transfor macio do homem em sujeito e do mundo em objecto é uma consequéncia do estabelecimento da esséncia da téc~ nica, € no 0 contririo, Na medida em que 0 aberto é ex; ado por Rilke como 0 inobjectivado da Natureza plena, o mundo do homem que quer surge-lhe em oposigio, necessaria~ mente ¢ de modo correspondente, como sendo 0 objecti- vado. Ao invés, um olhar sobre a totalidade integra do ente é susceptivel de observar, a partir da invasio do progresso técnico, de que lado poderia surgir uma ultrapassagem da técnica, portadora de mais originalidade. As construgécs cegas, sem imagem, da produgio téc- nica impedem o acesso ao aberto da conexio pura. As coi- sas outrora crescidas desvanecem depressa, Flas deixam de poder mostrar a sua proptia identidade através da objecti- vagdo. Numa carta de 13 de Novembro de 1925, escreve Rilke: Para 05 nossos avés,a “casa”, 0 “pogo”,a torre que conheciam incimamente, até mesmo 2 sua propria roupa, 0 sew manto, eram infinitamente mais, infinitamente mais familiares, Praticamente, cada coisa era um recipiente, dentro do qual eles encontravam algo de hhumano, ¢ onde se acumulava algo de humano. Agora, a América | nos quais entraram a esperanga e os pensamentos dos nossos ante- ppassados... (Cartas de Muzot, p 335 ss.) [334] ‘Mas este americanismo nio é, decerto, sen3o o recuo conjunto da esséncia moderna e do querer do que € curo- peu até uma Europa, cujos contornos se encontram pensi~ dos na consumacio da metafisica nietzscheana e que, pelo ‘menos em certos dominios, chegou a evidenciar a questio~ nabilidade de um mundo no qual 0 ser como vontade de ‘vontade comeca a dominar. Nao é licito pensar que a ame- aga que nos rodeia, a nés, hodiernos, tenha comecado com. © americanismo. Ela comecou antes, com a esséncia nio experimentada da passados e as suas cois kkeana no residem na sua tentativa de salvar ainda as coisas dos antepassados. Nés devemos, previdentemente, reconhe- cer 0 que é isto, o que € que se torna digno de ser questio— de Margo de 1912: «O mundo retrai- Porque, por seu lado, as coisas também fazem o mesmo, transferindo a sua existéncia, cada vez mais, para a vibracio do dinheiro, e desenvolvendo ai uma espécie de espiritualidade que ultrapassa j a sua realidade tangivel. Na época de que me ocupo [Rilke refere-se a0 século XIV], o dinheiro era ainda ouro, era ainda metal, 4, .213,.) E ja cerca de uma década antes, da Peregrinagao (1901), 0 segundo de tes versos altamente proféticos (Obras Esto velhos os res do mando sem que venham a ter herdeios. (Os filhos mosrem ainda infanes, 8 plidas filhas cederam as coroas doentes violencia A plebe parte-as em dinheiro, © oportuno dono do mundo (335) 269) ao fogo em miquinas as estende, uais, furiosas,a sua vontade cumprem; 56 que a sorte nio esté com elas. ‘© metal tem saudades. E quer deixar ‘As moedas e as roldanas, 4que Ihe ensinam uma vida pequenina, Das fabricas ¢ das caixas I regressar 20s veios ‘Das montanbas esventradas, que attis dele se fecham. ___© lugar daquilo que nos ofereceu, a partir do seu interior, o contetido mundano das coisis outrora guarda- dis, vai sendo ocupado, cada vez mais depressa, cada vez mais irreverentemente ¢ mais completamente, pela objec~ tualidade do dominio técnico sobre a terra, Ela no apenas coloca todos os entes como algo de elaborivel no processo de produgio, como também distribui os produtos da pro- dugio através do mercado. No interior da elaboracio que se impée, a humanidade do homem e a coisidade das coi- sas dissolvem-se no valor calculado de um mercado, que no abarca apenas a terra enquanto mercado mundial, como também faz comércio, como vontade da vontade, na esséncia do ser, assim trazendo todos 05 entes a0 comércio de um calculo, 9 qual domina com maior tenacidade quando nio necessita da conta, O poema de Rilke pensa o homem como aquele ser que € arriscado para um querer, o qual, sem antes 0 expe- rienciar, ganha o caricter de querer através da vontade de vontade. Querendo de tal modo, o homem pode ir com o isco, de tal maneira que ele préprio se antepde a tudo 0 que faz e deixa fazer, como aquele que se impde. Assim, homem @ aquele que arrisca mais do que a planta ou 0 animal. Em conformidade, ele também esti em perigo, de um modo diferente destes. 1336] De entre os seres (plantas ¢ anirnais) nenhum € parti- cularmente protegido, ainda que sejam inseridos no aberto af assegurados. Pelo contririo, o homem, enguanto aquele ‘que se quer 2 si mesmo, nio apenas nio & especialmente protegido pela totalidade do ente, como esti desprotegido (v.13). Sendo aquele que representa ¢ elabora, ele esti diante do aberto obstruido. Por isso, ele proprio, bem como © as suas coisas, sio expostos ao perigo crescente de se torna- [tem matéria bruta c fiungio da objectivacao. O propésito do F impor-se alarga o Ambito do perigo de o homem perder a Fu mesmidade na elaboracio a todo o custo. A ameaga, que » afecta a esséncia do homem, emerge a partir desta mesma E essincia. Isto repousa, no entanto, na sta relagio com 0 ser. Assim, através do seu querer-se a si mesmo, o homem esti, num sentido essencial, ameagado, i, carente de proteccao. Contudo, devido a esse seu modo essencial de querer, ele esti igualmente des-protegido. Este “nosso ser desprotegido” m igual medida, do nio~ ido das plantas ¢ dos animais tal como o seu “prazer abafado” se distingue do querer-se a si mesmo do homem. A diferenga 6 infinita porque nfo existe qualquer passagern ser abafado para a objectivagio }0r-se no apenas coloca o homem “fora de pro tecgio”, como também a imposicio da objectivagio do mundo elimina cada vez mais resolutamente a propria pos- ! sbilidade de proteccio. Ao mesmo tempo que o homem constr6i o mundo, tecnicamente, como objecto, ele tapa, voluntiria e completamente, 0 caminho para 0 aberto, 0 ‘qual jd se encontrava, aliés, impedido. OQ homem que se inipde € o fancionirio da técnica, independentemente de cada um pessoalmente 0 saber ou no, 0 querer ou nio. Ele nao apenas fica fora e diante do aberto, como também se afasta expressamente da “conexio pura” através da objectivagio do mundo. © homem separa-se da conexio (337) (272) pura. O homem da idade da técnica esti, nesta despedida, contra o aberto. Esta despedida nio € uma despedida de... mas uma despedida contra... A técnica @ a instala¢io incondicional, posta pelo impor-se do homem, do absoluto estar-desprotegido sobre © fundo da aversio que reina em toda a objectividade con- tra. a conexio pura que atrai a si, enquanto centro inaudito do enre, todas as forcas puras. A producio técnica é a orga~ nizagio da despedida. A palavra despedida, no sentido agora mesmo esbocado, é uma outra palavra fundamental a poesia auténtica de Rilke, Nio é a tio falada bomba atémica que é, enquanto maguinaria especial de morte, 0 que é mortal. O que hi muito ameaga o homem de morte e, em particular, da morte da sua esséncia humana, é 0 incondicionado do ‘meto. querer, no sentido do impor-se propositado contra tudo. O que ameaca o homem no seu ser é 2 opiniao voli- tiva segundo a qual basta a exploragio, a transformagio, a armazenagem e a condugio pacificas das energias naturais para que 0 homem possa tomar a condigio hutnana supor- tavel para todos e, na generalidade, feliz. Mas a paz deste caricter “pacifico” é simplesmente o ffenesim impertur bado da fairia do impor-se orientado, propositadamente, apenas para e por si mesmo. O que ameaca o.homem na sua esséncia € a opinio segundo a qual poderia arriscar-se sem perigo esta imposigio da produgio, desde que, além disso, outros interesses, por exemplo os de uma f, perma- necessem vilidos. Como se pudesse haver, num qualquer ‘compartimento anexo, uma espécie de estincia separada do relacionamento essencial do homem, devido i vontade técnica, para com a totalidade do ente, estincia essa que pudesse oferecer algo mais do que efémeras escapadelas. pata 0s auto-enganos, das quais faria parte, entre outras, a faga em direcgao aos deuses gregos. O que ameaca o homem na sua esséncia é a opiniio segundo a qual a pro- (338) dugio técnica poe 0 mundo na ordem, 20 passo que & pre- cisamente esta maneira de pér na ordem que nivela, na uniformidade da produgio, qualquer ordo, .e., qualquer hierarquia, destruindo deste modo, 3 partida, o dominio de ‘uma possivel proveniéncia de uma hierarquia e de um. reconhecimento a partir do ser. ; Nio que a totalidade do querer seja, 66 por si, 0 perigo, mas antes 0 querer ele mesmo, sob a forma do impor-se no interior do mundo, que apenas ¢ admitido como vontade. O querer que quer a partir desta vontade decidiu-se j4 a mandar de um modo absoluto, Com esta decisio, entrega-se prontamente A organizagio total. Mas antes de tudo, a propria técnica impede qualquer experi- éncia da sua esséncia. Pois, enquanto se desdobra plena- mente, ela desenvolve nas ciéncias uma espécie de conhe- cimento, o qual permanece impedido de alguma ver aceder & esfera essencial da técnica, ou sequer de repensar a sua proveniéncia essencial. A ess@ncia da técnica apenas lentamente vem 4 luz do dia, Este dia € a noite do mundo remodelada como dia téenico. Este dia 6 o dia mais curto. Com ele surge a ame- aga de um ‘inico e infinito Inverno. Agora, nao $6 se priva © homem de proteccio, como também o incélume de todo o ente fica na escuridio. A cura [Heile|? afasta-se. T NUT. Os termos alemies «das Hele, «das Unheiley, eheil-lots/ ‘/adas Heil(-Jose® € shells, que, conforme 0 contexto, serio teaduzides, respectivamente, por «cura» 04 ssio (¢ salvo}, sinsion, «in( Jian, € ‘s30 € salvos, possuem, na lingua alemi, uma relagio com «das Hei- lige, o santo ou sagrado, tendo a mesmna raz. Deve notar-se, porém, que esta familia de termos congrega uma gama de sentido bem mais abrange 2 propria nogio de salvagios e de agracas despraga (edas'Unheiles). No entanto, 0 uso de «l= vagios como tradugio mais apropriada para «Rettungs, bem como 0 facto de aquele termo se situar demasiadamente préximo do universo [339] © mundo fica na inctiria [heil-los]. Com isto, nio s6 0 sagrado [Heilge], como vestigio da divindade, permanece encoberto, como até mesmo o vestigio do sagrada, a graca, Parece ficar apagada. A nio ser que alguns mortais sejam ainda capazes de ver essa incGria como inciria em toda a sua ameasa, Eles deveriam descortinar 0 perigo que afecta © homem. © perigo consiste na ameaga que diz respeito 3 esséncia do homem na sua relacio com o préprio ser ¢ no em perigos casuais. Este perigo € o Perigo. Ele enco. bre-se no abismo para todos os entes. Para ver o perigo ¢ para o mostrar tém de existir aqueles mortais que chegam primeiro ao abismo. Porétn, onde esti o perigo, cresce também a salvagdo (Hélderlin, IV, 190) Pode ser que qualquer outra salvagio que no prove nha de onde esti 0 perigo seja ainda desgraca [Unheil]. Toda a salvacio conseguida através de uma ajuda, por mais bem intencionada que esta fosse, ndo seria para o individuo, ameasado na sua esséncia no percurso do set desting, senio uma aparéncia inconsistente, A salvagio teri de vir do lugar onde se dé a viragem no interior da esséncia dos mortais. Haverd mortais que mais cedo alcancem o abismo do indigente © da sua indigéncia? Es dos mortais seriam os mais arriscados, ainda mais do que o ser humano que se impée, o qual se arrisca j mais do que as plantas e os animais, fe sentido eristio, condicionam a opgio de «curs» pare a tadugdo de «das Heiler neste context, B49] Rilke diz nos versos 5 ss.: 86 sais ainda que a planta vamos comm o tisco, queremo-o,. E Rilke continua na mesma linha: « por vezestambéra ariscamos mais (¢ nfo por interesse préprio), do que a prépria vida arrscamos por um sopro mais. © homem nio é apenas, na sua esséncia, capaz de arriscar mais do que as plantas ¢ os animais, Q homem. Etirisca, por vezes, mais «do que a propria vida»-A vida aqui E significa: o ente no seu ser: a Natureza, Q homem arrisca 5 por vezes mais do que o risco, e é mais ser do que o ser do F ente. Mas o ser € 0 fandamento do ente, Quem arrisca mais do que o fundamento, atreve-se a chegar aonde se F eatece de qualquer fundamento, a0 abisino. Se 0 homem & Fo arriscado, aquele que acompanha o risco a0 queré-lo, F- entio aqueles homens que, por vezes, ainda arriscam mais, tém também de queret mais. Havers, porém, um aumento deste querer para além do incondicionado do impor-se piopositado? Nio ha. Entio, aqueles que, por vezes, mais artiscam s6 poderio ter um querer maior se 0 seu querer, nna sua esséncia, for outro. Entio, querer ¢ querer nio seriam © mesmo, Estes, que a partir da esséncia do querer tém um querer maior, mantém uma maior conformidade i Correspondem mais 0 ser que se manifesta como vontade. Tém um querer maior na medida em que io mais volitivs. Quem serio os mais volitivos que arriscam mais? A esta pergunta, 0 poema parece no dar uma resposta explicita. B41] Contudo, os versos 8-11 dizem algo, sob a forma da negagio ¢ de um modo vago, sobre os que arriscam. Os que mais arriscam no se arriscam por egofsmo ou por interesse pessoal, no pretendem nem atingir proveito pré- prio nem entregar-se ao egoismo. Tampouco se podem gabar de grandes éxitos, apesar de arriscarem mais, Pois arriscam apenas um pouco mais: « ... um sopro mais ...», seu mais» em risco é tio insignificante como um sopro fagar ¢ imperceptivel. A partir de tal alusio nio é possivel deduzir quem sio aqueles que arriscam mais. Por outro lado, 0s versos 10-12 dizem 0 que este isco traz, o que se atreve a ir para além do ser do ente: -~-Ibto concede-nos, fora de proteccio, ‘um estar seguro, ai onde actua a forga de gravidade ds forgas puras 'Nés, como todos os seres, somos apenas entes, sendo arriscados no risco do ser. Na medida, porém, em que nés, enquanto seres que querem, acompanhamos o risco, arris- camos mais e, portanto, estamos mais expostos 20 perigo. Na medida em que © homem se agarra a0 impor-se pro- positado, instalando-se através de uma objectivagio incon- dicional na despedida contra o aberto, exerce ele mesmo a sua propria desproteccio. Pelo contririo, 0 arriscar que mais arrisca concede- “nos um estar seguro. Isso, no entanto, nio acontece por se montar paligadas a volta do indefeso, pois deste modo a defesa seria apenas montada onde falta a proteccio, Para isso seria preciso, novamente, uma elaboragio, Esta & apenas Possivel na objectivacio que, por seu lado, nos isola do aberto. O arriscar que arrisca mais nio produz qualquer protecgio. No entanto, concede-nos um estar seguro. Seguro, securus, sine cura, significa: sem cuidado [Sorge]. O cuidar neste caso do mesmo género que o impor-se pro- [343] positado nos caminhos e com os meios do produzir incon dicional. $6 nos libertaremos deste cuidado se no levan- F tarmos a nossa esséncia exclusivamente na dea do elaborar © e-do encomendar, do atil ¢ do protector. Em seguranca estaremos apenas naquele ponto em que nio contemos E nem com a desproteccio nem com uma proteccio erigida sobre o querer. Fi apenas um estar seguro fora do processo a ape seey [ que, ao objectivar, se afasta do aberto, «fora da protecgio», fora da despedida contra a conexio pura. Esta conexio fF pura é 0 centro inaudito de toda a atrac¢o que atrai toda qualquer coisa para o ilimitado, relacionando-a com 0 f centro. Este centro € o «ali» onde actua a gravidade das for- 25 puras. O estar seguro é 0 repousar a coberto na rede dos feixes [int Geziige] da conexio completa. ( arriscar que mais arrisca, aquele que tem um que~ rer maior do que qualquer imposigio, porque é volitivo, cria-nos um estar seguro no aberto. Criar significa: hau- Haurir da fonte significa: absorver o que brota, e trazer Fo recebido. O arriscar que mais artisca do querer volitivo nada produz. Recebe ¢ da o recebido, Traz, na medida em © que faz desabrochar 0 recebido na sua plenitude. O arriscar que mais artisca consuma, mas nfo elabora. Apenas um arriscar capaz. de arriscar mais, na medida em que é voli~ | tivo, é capaz de consumar, ao receber. Os versos 12-16 definem aquilo em que consiste 0 arriscar que mais arrisca, aquele que se atreve para além da | ptotec¢io, pondo-nos ali em seguranca, Isto nio elimina de modo algum a desprotec¢io, 0 desamparo que € posto com © impor-se propositado. Na medida em que a esséncia humana se esgota na objectivagio do ente, fica desampa~ rada no meio do ente. Assim desamparado, ¢ precisamente por isso, o homem mantém-se, no modo de carecer, relaci- ‘onado com a proteccio, mantém-se dentro da proteccio. Pelo contrrio, o estar seguro situa-se fora de toda a religio com a proteccio: «fora da protecciov. 143} Consequentemente, seguro, © de nés 0 cons de qualquer relacio cor Parece que faz parte do estar ‘eguirmos, um arriscar que desiste mM a proteccio e a desproteccio, f; sia esséncia. O caricter distinto do virar consiste no facto ‘de termos visto o desamparo como ameaga. Apenas um tal {ter visto faz ver 0 perigo. O ter visto vé que o desamparo, “enguanto tal, ameaga a nossa esséncia com a perda da nossa ertenga 20 aberto. E neste ter visto que tem de se basear o irado. O desamparo estari, entio, virado para “o "-Visto 0 perigo como perigo essencial, jf devemos ter levado a cabo a inversio do afastamento contra o aberto, Ai esti subjacente: 0 proprio aberto ter-se-i de tal ‘modo voltado ele mesmo para nés que somos capazes de the virar 0 desamparo, -© gue por fim nos alberga, €0 nosso desamparo Como € que o desamparo nos poderd albergar, se Bins © aberto propicia abrigo, enquanto o desampare Sonsiste numa constante despedida contra o aberto? © dlesamparo apenas poderi albergar quando 0 afsens contra o aberto for invertido, para dentro dele. Assim, o desamparo, enquanto inwertido, & © que alberga. Albergar significa aqui, em primeiro lugar, ahs se realiza o albergar na inversio da despedidy e, can Segundo lugar, que, de certo modo, 0 proprio desamparo oferece um estar seguro. © que ata o aceitar, no cieculo mas vasto, algures, onde 2 lei nos toca. © , virando-se para o aberto, que éA circunscricio f circun-une todo o ente, sendo que, deste modo, 40 unit tunindo, ele € 0 ser do ente. Que significa, porém, eentes? | Embora o poeta denomine o ente na sua totalidade através ‘dos nomes «a nature2as, ea vida», «0 abertor, «a relagio completa», chegando mesmo a chamar «o ser» a esse todo tedondo do ente, como é habitual na linguagem metatl. f_Sica, ilo ficamos a saber qual a esséncia do ser. Ou sera que jo esté implicito, quando Rilke fala do ser como risco H que tudo arrisca? Com certeza que sim, Deste modo, ten. f timos repensar as palavras de Rilke, enquadrando-2s na F esvéncia moderna do ser do ente, na vontade de querer, De ‘repente, porém, © que se diz sobre o cfrculo mais vasto nao nos diz nada de conereto, se tentarmos compreender o ; asim dito enquanto 0 ente no seu todo, ¢ 0 que o circums. ‘ever enquanto o ser do ente. Ora, enquanto pensadores, temos em consideragio ue, jf de inicio, o ser do ente 6 pensado com vista 3 sun € 0 noo desamparo, e que 30 aberto assim 0 virimios, vendo-o ameagar.. O s+ conduz i explicagio que diz de que forma é Baa] B45) circunscrigio. Pensanos, porém, este caricter esférico do ser demasiado desleixadaiente e sempre apenas 3 superfi- ie, se ainda ndo tivermos perguntado ¢ experimentado como inicialmente se essencia o ser do ente. O éév, 0 sendo, dos &évra, do ente na sua totalidade, chama-se 0 “Ev, 0 Uno que une. Mas que seri este unir circunscre- vente como traco fandamental do ser? Que significa ser? 26v, sendo, significa: presente, nomeadamente, presente no que no esti encoberto, No entanto, no estar-presente encobre-se: acpresentar 0 ndo-estar-encoberto que faz essenciar-se algo que esti presente enquanto tal. Na ver- dade, porém, presente esti apenas o proprio estar-presente, que esté em todo o lugar como sendo 0 Mesmo no seu Préptio centro, e sendo como tal a esfera. O caricter esfé- rico no consiste num dar a volta que acabe por abranger, mas antes num centro que desencobre, que, clareando, alberga o que esta presente, O esférico do uno e este mesmo uno tém o cardcter do clarear que desencobre, dentro do qual o que esta presente € capaz de estar pre sente. E por isso que Parménides (frgm. VII, 42) denomina © aév, o estar-presente daquilo que esti-presente, como ebxuxkos opalpn. Esta esfera bem arredondada deve ser Pensada como 0 ser do ente no sentido do Uno que, simultaneamente, desencobre e clareia. Isto, que une em toda a parte, segundo a forma acima exposta, leva-nos 2 denomini-to de érbita que clareia, ¢ que, precisamente na sua qualidade de desencobrir, no abrange de modo algum, mas antes pelo contritio, possibilita ele mesmo, de um modo que clarcia, o surgimento de algo no estar-pre- sente. Jamais deveremos representar esta esfera do ser e 0 seu esférico como objectos. E como nio-objectos? Tam- bém nio. Isso constituiria mero subterfiigio de uma forma de falar. O esférico deve ser pensado a partir da esséncia do ser inicial, no sentido do estar-presente que desencobre, (B46) Quando fala do circulo mais vasto, seri que Rilke esti a referir-se a este esférico do ser? Nao apenas nio temos E quaisquer indicios a favor disto, como também 2 caracteri- [ zagdo do ser do ente como risco (vontade) contraria, f decerto, essa possibilidade. Contudo, 0 mesmo Rilke fal, ama vez da «esfera do sem, e isto num contexto que diz _imediatamente respeito 3 interpretagio do conceito do cir- ‘culo mais vasto. Rilke escreve numa carta do Dia de Reis = de 1923, (eft. Inselalmanach 1938, p. 109): «como a lua, a vida tem também, decerto, um lado que nos esti perma- nentemente escondido, ¢ que ndo é 0 seu oposto, mas sim Eo seu complemento para a perfeigio, para 0 acabamento, para a esfera verdadeira, si e salva [heil], plena do ser, Embora nio possamos fazer uma interpretagio forcada da relagio plistica face a0 corpo celeste representado como objecto, contimua a ser evidente que Rilke nio esti aqui a pensar 0 esférico a partir do Angulo que visa 0 ser no sen tido do estar-presente clareador que tune, mas sim a partir do Angulo que visa 0 ente no sentido do acabamento de todos os seus lados.A esfera do ser aqui mencionada, isto é, do ente na sua totalidade, é o aberto enquanto coesio das [ forcas puras que fluem sem limites umas nas outtas, intera gindo entre si. O circulo mais vasto é a totalidade da cone- xo completa da atraceio. A este circulo mais vasto corres ponde, enquanto centro mais forte, o wcentro inatdito» da [fora pura da gravidade. Virar 0 desamparo para 0 aberto signifi | modo afirmativo” 0 desamparo dentro do vasto. Umi tal dizer-que-sim apenas é po: onde a totalidade do circulo for em todos os seus aspectos com- pleta, tanto no que se refere 4 totalidade numérica das suas artes como também, simultaneamente, & sua igualdade numérica, estando como tal ja presente constituindo, por cconsequencia, o positum. A este pode apenas corresponder a inca a negacio. Também os aspectos da vida B47] ue estio escondidos para nés deverio ser, na medida em que séo, percebidos positivamente, Na carta j6 referida de 13 de Novembro de 1925, diz-se:“A morte & o lado da vide escondido de nés ¢ nunca por nés iluminado”, (Carta de ‘Muzot, p. 332).A morte ¢ o reino dos mortos pertencem, como 0 outto lado, i totalidade do ente. Este dominio € “a outra conexio”, isto é,0 outro lado da conexio completa do aberto. No circulo mais vasto da esfera do ente hi regides ¢ lugares tais que, escondidos de nds, aparentam algo negativo. Deixam de o aparentat, porém, se pensarmos tudo para dentro do circulo mais vasto do ente. Visto a partir do aberto, também o desamparo, enquan- to despedida contra a conexdo pura, parece ser algo negi- tivo. A imposicio, com caricter de despedida, da objectiva- so quer, em qualquer parte, a permanéncia dos objectos roduzidos, ¢ reconhece apenas estes como entes e como Positives. A imposigio da objectivagio técnica é a perma nente negagio da morte, Através desta negacio, a propria morte torna-se algo negativo, algo pura e simplesmente nio-permanente e nulo. Se, porém, virarmos 0 desamparo Para 0 aberto, viri-lo-emos para dentro do circulo mais vasto do ente, dentro do qual nés nio poderemos senio dizer que sim ao desamparo. A viragem para 0 aberto sig- nifica prescindir de ler negativamente aquilo que é. Mas 0 ue seri mais ente ou ~ na terminologia moderna — mais certo do que a morte? A jé referida carta de 6 de Janeiro de 1923 diz que hd que “ler a palavra ‘morte’ sem negacio”, Se nés virarmos o desamparo como tal para o aberto, entio voltamo-lo na sua esséncia, isto é, como despedida contra toda a relagio, de tal modo que este desamparo se voltaria para 0 circulo mais vasto. Af, resta-nos apenas dizer que sim ao que se voltou. Este dizer-que-sim, porém, nio significa reverter 0 Nio num Sim, mas antes reconhecer 0 Positive como o ji subjacente ¢ presente, ocorrendo isto de tal modo que deixamos o desamparo invertido perten- [B48] » _ cer-Aquele lugar dentro do circulo mais vasto “onde a lei nos toca”. Rilke no diz: uma lei. Ele tampouco se refere a 10s toca”. Quem somos € 05 que levantam 0 thundo como object, sob a forma da imp # sada. Quando somos tocados por algo pertencente a0 ‘culo mais vasto, entio isto toca-nos na nossa esséncia. To. significa: pr em movimento. A nossa esséncia € posta em movimento, O toque abala o querer de tal modo que comente desta forma emerge a esséncia do querer, pondo- -se em movimento, S6 assim 0 querer tornar-se-4 volitivo. Contudo, o que é que nos toca de modo imediato a ‘partir do circulo mais vasto? © que & gue, no querer habi- F tual da objectivacio do mundo, se nos mantém vedado e imacessivel por nossa propria causa? Bi a outra conexio: a f morte. £ cla que toca os mortais na sua esséncia, condu- ido-os dese modo 20 caminho para o outro lado da | vida, ¢, assim, 3 totalidade da conexio pura. A morte reine, | assim, na totalidade do j4 posto, no positum da conexio / completa. A morte, sendo esta reuniio do pér, é a Iei ou posicio-legal [Ge-setz], tal como a cordilheira reine as © montanhas no todo do seu encadeamento®. La onde a lei nos toca, € © ponto dentro do circulo mais vasto onde ; podemos deixar entrar 0 desamparo virado, de modo posi- _ tivo, na totalidade do ente. Afinal, o desamparo, virado assim, alberga-nos no aberto, fora da proteccio. Como é que este virar é, porém, possivel? De que modo pode ‘ocorrer a inversio clo afastamento que se despede contra 0 9 NAT. Heidegger relaciona, etimologicamente, ¢ de forma difi- cclmenve traduzivel setzen e Gesetz, a acgio ¢ acto de por ¢ & sua con- centrago naquilo que & lei, 0 conjunto coeso do, asim, posto em Posicdo. Esta letra aclara-se por analogia com o parentesco entre Bery (montana) ¢ Cebigg(conitheira, serra), enquanto conjunto de monta- ‘has unidas numa configuragio (Gezige) ou estrutura, 49] (ps1 aberto? E provavel que isto aconteca somente de forma que esta inversio nos volte de antemio para o citculo mais vasto, permitindo-nos a nds mesmos, na nossa esséncia, entrar nele. A regio do estar seguro tem de primeiro nos ser mostrada, temn de nos ser acessivel enguanto espaco de Jogo onde a inversio se pode dar. © que nos traz, no entanto, um estar seguro ¢, no fundo, a dimensio da segu- Tanga, € esse artiscar que, por vezes, arrisca mais do que a ptOpria vida. Mas este arriscar que arrisca mais no opera, aqui ¢ alia volta do nosso desamparo. Nao procura modificar este ow aquele modo de objectivacio do mundo. Muito mais do que isso, ele vira © desimparo como tal. O arriscar que arrisca mais, no fundo, conduz © desamparo para o seu proprio dominio. Qual a esséncia do desamparo, se este consiste na objectivacio que se baseia na imposigio propositada? Aquilo que nos enfienta como objecto do mundo torna-se Permanente na elabora¢io representativa. Este representar presentifica [prisentier]. Mas este presente [das Prasenie] esti presente [prdsent] num representar de indole calculista, Este Tepresentar no tem nada de intuitivo, Perde-se 0 intuivel do aspecto das coisas, a imagem, que estas oferecem 3 inta- igo imediata dos sentidos. A elaboragio calculista da téc. nica € um “fazer sem imagem" (Elegia IX). A imposigdo Propositada, nos seus projectos, obstruti a imagem intuitiva, colocando a sua fiente a proposta duma formacio [Gebilde] apenas calculada. Quando o mundo entra na objectuali- dade da formacio inventada, entio é colocado no insens/- vel e invisivel. Aquilo que, assim, ganha um caricter cons tante, deve a sua presenga a um pertence a res cogitans, ie., A consci objectividade dos obj da conscigncia. O invisivel d rior da imanéncia da consciéncia, [350] permanece limitada a0 interior | objectos pertence a0 inte- 4 Ora, sendo 0 desamparo a despedida contra o aberto, € consistindo a despedida, por seu turno, na objectivacio que pertence 20 invisivel ¢ interior da consciéncia calcula dora, entdo a esfera da csséncia do desamparo é 0 invisivel ¢ 0 interior da consciéncia. Contudo, na medida em que a inversio do desamparo para o aberto tem, a partida, a ver com a esséncia do desam- | Paro, assim a inversio do desamparo é uma inversio da ‘consciéncia, mais precisamente, dentro da esfera da conscién- cia. A esfera do invisivel e do interior determina a eséncia do desamparo, mas também o modo da viragem deste para © citculo mais vasto. Por isso, pode ser somente o mais invi- sivel do invisivel ¢ © mais interior do interior aquilo para ‘onde o essencialmente interior e invisivel se tem de virar | para encontrar o que lhe é proprio, Na metafisca moderna a esfera do interior invisivel determina-se como 0 dominio ch presenga dos objectos calculados. Descartes define esta esfera como sendo a consciéncia do ego cogito. Quase em simultineo com Descartes, Pascal descobre a Togica do coragio que sc opie 3 logica da razio calcula dora. O interior ¢ 0 invisivel do espago interior do coragio nio sb intetior do que o interior da representacio calculadora ¢, por conseguinte, mais invisivel, como tam- bém se estende para além do dominio dos objectos apenas elaboriveis. Somente no intimo invisivel do coragio, o homem se inclina para aquilo que deve ser amado: os ante~ Passados, os mortos, a infincia, os vindouros. Isto pertence ‘a0 circulo mais vasto que agora se revela como sendo a ‘sfera da presenga da conexdo completa, si e salva. Apesar de também esta presenga, tal como a da consciéncia comum ¢ utilizadora da elaboragio calculadora, ser uma presenga da imanéncia, o interior da consciéncia nlo-utili- zadora mantém-se como sendo 0 espaco interior, no qual toda € qualquer coisa, para nés, transcende 0 numérico do cileulo, podendo, iberta de tal limitagio, fluir para a totali- [351] fe) consumidos, mais necessério se torna substitui-los, cada vez mais ripida e facilmente. O que fica da presenga das coisas-objecto no consiste no facto de elas repousarem em si mesmas, no seu proprio mundo. O constante das coisas claboradas como meros objectos de consumo & substituigio, ‘Tal como, para o nosso desamparo, faz parte 0 desva~ necer das coisas familiares dentro da supremacia da objec tualidade, também o estar seguro da nossa esséncia exige ue as coisas sejam salvas da mera objectualidade. A salva o consiste em que as coisas dentro do circulo mais vasto a conexio completa possam repousar em si mesmas, ¢ isto significa umas nas outras sem serem limitadas. Pc mente, até mesmo a viragem do nosso desamparo para a existéncia mundana dentro do espago interior do mundo deverd iniciar-se com 0 acto de virarmos o precirio e, por i880, © provisério das coisas-objecto, a partir do interior ¢ | invisivel da conscigncia apenas elaboradora para 0 verda deiro intetior do espago do coragio, deixando-as ai nascer invisivelmente. Em ‘consonancia, na carta de 13 de Novem bro de 1925 (Cartas de Muzot,p. 335) lé-sez 4 nosso mister gravarmos esa tera provishra e pasagcia de ‘odo to profindo, to sofiedor e apaixonante, que a ava exéncis essuscite em nés. Nés somes as abethas do ini Nous butinons Eperdument le miel du visible, pour Vaccumuler dans la unde riche d'or de Vbwisbe. (Nox sugamnos sem parar o mel do vist vel para © acumolar na grande colmeia dourada do Invisivel) A re-cordacio inverte a nossa esséncia que apenas se quer impor, bem como os seus objectos, para 0 fntimo invi- sivel do espago cordial. Aqui, tudo é, entio, virado para 0 interior, ndo sendo apenas virado para o interior da consci- éncia propriamente dita, acontecendo antes que, dentro deste interior, um se vira para o outro sem haver limitagSes. [354] Esta interioridade do espago interior do mundo ilimita-nos ‘aberto. Desta forma, apenas aquilo que retemos interior- ente (par coeur) € 0 que sabemos de cor [auswendig)?. ‘Nesta interiotidade somos livres, para Ii da relagio com o jObjectos colocados a nossa volta, os quais apenas aparente- ‘mente nos protegem. Na interioridade do espa¢o interior do mundo hi um estar seguro fora da proteccio. 2) Porém, desde sempre colocamos a questio de como deri realizar-si Pois tanto aquilo que é re-cordado como aquilo para onde é re-cordado so j de tal natureza. A recordacio € a inversio da despedida, f) regressando ao circtilo mais vasto do aberto. Quem dos [ mortals seri capaz de recordar, provocando esta inversio? On, por um lado, 0 poema diz que o estar seguro da nossa nos transmitido, porque os homens “por do que a propria vida, um sopro Que & porém, aquilo que arriscam, 08 que arriscam Ao que parece, 0 poema cala a resposta. Por essa tazio, pensando, tentaremos ir a0 encontro do poema. Pars ‘os ajudar, recorreremos também a outros pocmas. Perguntamos; Que se poderia ainda arriscar, que arriscasse mais do que a prépria vida, ie., 0 proprio risco, que arriscasse mais do que o ser do ente? Em qualquer caso e segundo qualquer ponto de vista, o arriscado ters gue ter tal natureza que diga respeito a todo o ente na ‘medida em que é um ente. Ora, é 0 ser que participa de tal f natureza, néo constituindo este um género particular entre outros, mas sim © modo do ente como tal ° NCTA expressio alemi enves euswendig wisen (saber de cor), ‘tadurida literalmente, sgnificaria “saber pelo lado exterior”. 1555] © que é que ainda poderi superar o sex se o ser cons- titui 0 nico e singular do ente? Apenas através de ai mesmo, através do seu proprio, ¢ isso de tal modo que ele entre, propriamente, no sew préprio. O ser seria entio ¢ tinico ¢ singular que, simplesmente, se superaria (0 transcen. fds por exceléncia). Mas esta transcendéncia nem vai pare i dele nem sobe para um outro, antes retorna a ele mecno € para a esséncia da sua verdade. O ser mede e percorte ele Proprio esse retorno, ¢ & ele mesmo a dimensio deste, Seguinds experienciamos no pré- 'm “mais” que lhe pertence, constitu idade que também li onde o ser é Pensado como sendo o risco, poderé vigorar algo, que arrisca mais do que o préprio ser, na medida em que habi- tualmente o imaginemos a partir do ente. © ser mede ¢ Percorre, como ele préprio, o seu recinto, o qual é demar, cado (sEuvery, tempus) pelo facto de se essenciar na pals wn. A linguagem recinto (templum), a saber, a casa do sex. A essncia da linguagem nio se exgota na significagao nem € ela apenas algo de género do signo ou do mimero, Sendo a linguagem a casa do ser, chegamos 20 ente pas. sando constantemente por essa casa Pose, quando passeamos na floresta, passimos ji pela pala. Juando vamos a0 vra “pogo”, pela palavra “floresta", mesmo quando nio Pronunciamos estas palavras nem pensamos na linguagem, Pensando a partir do templo do ser, poderemos supor aquilo que arriscam os que por vezes arriscamn mais do. que © ser do ente, Eles arriscam 0 recinto do ser. Arriseun linguagem. Todo e qualquer ente, os objectos da conscid cia, as coisas do coragdo, os homens que arriscam mais ¢ ue se impGem mais, todos os seres se encontram, con- soante a sua natureza, como entes, no recimio da lingua Bein. Por isso, se em algum lado © retorno da regiio dos cobjectos ¢ da sua representacio para o intimo do espaco do. | coragdo for exequivel, enizo st-lo-d apenas neste recinte, (356) Para a poesia de Rilke, o ser do ente é determinado Ponto de vista metafisico como a presenga mundana, a il se mantém relacionada com a teptesentificagio na esta tenha o cardcter da imanéncia do dor, quer 0 caricter da inversio interior © aberto, acessivel pelo coracio. A esfera inteira da presenga est actualmente presente 10 dizer [sagen]. A objectualidade da claboragio manifesta se na enunciagio das frases calculadotas e dos axiomas da oa qual se prolonga de fase em fiase. O imbito do nparo que se impde & dominada pela razio, Esta nio Ep estabcleceu, para o seu dizer, para 0 16y0g como predi- cagdo esclarecedora, um sistema bjectivo, corresponde ao dizer da re-cordacao a légica do agao. Tanto num como noutro dos ambitos metafisica- ‘mente determinados, vigora a logica, porque a re-cordagio ideverd criar um estar seguro a partir do proprio desamparo ise fora da proteccio. Este albergar diz respeito a0 homem 0 0 tal ser que tem a linguagem, Ele tem-na dentro do er metafisicamente cunhado, de tal modo que ele pega na iguagem de antemio apenas como um haver e, portanto, mo um auxiliar Gtil para o seu representar ¢ para 0 seu scomportar-se. Por isso, 0 ASyog, o dizer como organon, pre- isa da organizacio através da légica. A Logica apenas iste no intcrior da Metafisica. Or, se © homem, ao criar um estar seguro, é tocado | Pela Ii de todo o espago interior do mundo, tocado ele - pebprio na sua essincia, de modo que ele ao querers,&jé aquele que diz. Na medida, porém, em que a criagio de f sam estar seguro provém dos que arriscam mais, deverio f estes expor-se a0 risco da linguagem. Os que arriscam f omais arriscam o dizer. Mas se 0 recinto deste risco, a lin~ 357)

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