CAPITULO 1
A ANTROPOLOGIA FILOSOFICA
OU FILOSOFIA DO HOMEM
1.A reflexao filoséfica sobre a pessoa humana;
2. O método da antropologia filoséfica; 3.
A antropologia filoséfica em relagao com
os outros Gmbitos da filosofia e da teologia.
1. A reflexdo filoséfica sobre a pessoa humana
Muitos Ambitos do saber se referem a pessoa humana e podem
ter como objetivo préprio elaborar uma antropologia, isto é, em
sentido etimolégico, um discurso ouum tratado sobre o homem.
Todavia, em cada ambito, utiliza-se uma abordagem setorial, no
sentido em que se poe em exame um dos aspectos da existéncia
humana. Deste modo, acrescenta-se ao substantivo “antropologia”
um adjetivo que delimita 0 alcance do estudo.
Emboraa terminologia empregada nem sempre seja univoca,
ha uma antropologia cultural, que estuda os usos e costumes das
sociedades humanas, estruturados no tempo como express6es
de determinadas relagdes com os outros e com 0 ambiente. Ja
a antropologia psicolégica, pelo contrario, examina a conduta
humana a partir do ponto de vista dos seus dinamismos psiqui-
Cos, para entender principalmente como se constitui a identi-9 | FRANCESCO Russo
José AncEL Los
o surgem 0S desequilibrios e os distirbiog
citar outro exemplo, a caleenee Socia}
i dinamicas relacionais do individuo, pat esclarece
analisa as es 4g varias formas de socieda ‘. 4 aind
at antropologia etnolgica, que estuda deta wnat,
arando seus tragos a » em Conexiig
descrevendo e comp: jas geograficas, histdricas ou climaticas.
——— osetia cada um desses saberes Cientificgg
Como é possivel notat, importante, da pessoa humana,
empre
trata de um aspecto, semp! onsegue compreender o homem
i 10 nao C!
s cada um em simesm ‘ . n
ma: toda sua riqueza € complexidade. Trata-se, de fato, de ang.
em toda
lises de tipo cientifico-experimental (baseadas sobre peaertag
cao, sobre a verificacio empirica) que nfo Cosel 2 bvesteer
a pessoa em si mesma, considerada global ente e nao apenas
segundo determinado Angulo de visio. r
‘A antropologia filoséfica, ao contrario, reflete sobre o homem
para chegar a compreendé-lo na sua integralidade, colhendo os
principios fundamentais da sua existéncia no mundo e da sua
conduta. Desta maneira, pode-se dizer que, enquanto a ciéncia
indaga sobre 0 como se manifesta 0 individuo humano em rela-
co com o ambiente e com seus semelhantes, a filosofia se inter-
roga sobre o porqué do ser humano, sobre os principios ultimos
do seu ser e do seu agir®. A diferenga entre a abordagem cienti-
fica e a filoséfica sobre a pessoa humana pode ser expressa tam-
bém dizendo que a filosofia busca responder a pergunta “quem
€a pessoa humana?”, enquanto os ja mencionados saberes cien-
tificos se questionam sobre o “como age?”, “como evolui?” ou
dade psicologica e com!
da personalidade. Para
7 Fala: é ia fisi
‘ala-se também de uma antropologia fisiol6gica ou fisica, concernente 40
tragos somaticos dos indi
viduos; de paleoantropologi da os achados
fosseis do homem; com . pologia, que estuda o'
; com perspectiva b eae wpe dé
antropologia criminal, em mais delimitada, fala-se tam!
8 CES. Palumbieri, L’
tats cana stumble, 7 oma, questa meraviglia, Antropologia filosofica Tat
a i :
pp. 51-52, ntropologica, Urbaniana University Press, Roma 19%
20A ANTROPOLOGIA FILOSOFICA OU FILOSOFIA DO HOMEM
“como interage com os outros?”. Isso nao quer dizer que se trata
de dois setores incomunicaveis, de forma alguma: o filésofo deve
Jevar em conta os resultados da ciéncia, que muitas vezes esti-
mularao outros aprofundamentos ou reformulagao de algumas
teses; o cientista, em sua autonomia metodolégica, buscaré nao
perder 0 relacionamento com essa area do saber que constitui
a fonte de sentido.
Aexpressao antropologia filosoficaé relativamente recente em
filosofia. Ainda que encontre suas origens remotas em I. Kant,
ela se firma no século XX gragas, particularmente, as obras de
M. Scheler, H. Plessner e A. Gehlen. Embora esses autores deem
a tal disciplina uma conotagao bem precisa (de uma reflexdio
sobre o homem elaborada mormente sobre a base dos dados da
biologia e a partir da comparagao com os animais), no presente
livro deseja-se apresentar uma antropologia filos6fica além dessa
delimitacdo tematica, oferecendo assim uma reflexio filosdéfica
sobre a pessoa humana, no sentido geral indicado acima’.
2. O método da antropologia filoséfica
E preciso considerar agora qual é 0 método a ser seguido na
reflexdo filoséfica sobre a pessoa humana. O método analitico
somente, com o qual se examina cada um dos fendmenos ou cada
aspecto da pessoa, nao é adequado; com efeito, se, por um lado,
haveria a vantagem de obter definigGes e resultados precisos,
por outro lado, o efeito alcangado seria desmontar o individuo
em um aglomerado que dificilmente se recomporia de modo
unitdrio. Entretanto, parece igualmente inadequado apenas 0
9 Aeexpressao antropologia filosofica é usada para designar vertentes filos6fi-
cas muito diversas entre si: uma visio panordmica interessante se pode encon-
trar em E. Conti, “Antropologia filosofica” in Italia, “La Scuola Cattolica”, 132
(2004), pp. 31-74.José Anart Lomo | FRANCESCO Russo
que estuda 0 individno come wna totalia,
pressuposta; de fato, aoa ene lado, a de
alguma era das varias dimensées humanag ee
negligenciaria a dinamicidade do individuo, que faz dele Uma
realidade aberta e nao fechada. ..
Haa necessidade de adotar, pelo contrario, uma postura que
se define como sistémica, com a qual aborda-se pessoa humana
como um “sistema” cujos elementos sao intimamente coorde.
nados: os elementos sio compreendidos em correspondéngia
com 0 todo e 0 todo requer a interacdo de cada um dos elemen.
tos. Desse modo, por exemplo, a linguagem humana nao pode
ser compreendida cabalmente se for considerada somente como
uma faculdade em si mesma, mas se pode entendé-la fazendg.
-se referéncia a existéncia de um individuo racional, relacional
e cultural; por outro lado, para o desenvolvimento do indiyi-
duo inteiro é fundamental a comunicagao linguistica (que pode
nao ser verbal).
Por respeito a postura sistémica, no estudo filoséfico da pes-
soa humana, entrelagam-se dois momentos: um momento ana-
litico-indutivo, que busca partir dos fendmenos observaveis aos
principios, e um momento sintético-dedutivo, que tenta aplicar
os principios aos fendmenos e coleta os novos dados que dai
surgem. Como ser visto, nos capitulos que se seguem, haveraa
tentativa de manter presentes ambos os momentos, porém, sem
€squecer uma importante peculiaridade de tal disciplina filosé-
fica, como se tratara adiante.
A antropolo;
humana,
método sintético, ade
gia filos6fica faz uma reflexdo sobre a pessoa
mas o ser humano nao é um objeto de estudo na
mesma medida de um besouro ou de uma rosa ou um de frag:
ora mencionados, ha uma pré-compreel™
um conhecimento prévio do que eles sao e do qv?
nao se trata de uma realidade totalmente desconhe”
Sao, ou seja,
ohomemé:
22A ANTROPOLOGIA FILOSOVICA OF FILOSOFIA DO HOWE
cidae nao é possivel prescindir completamente do que ja se sahe,
ao maximo, pode-se retificar a prépria opiniao, se se perceber
que esta errada. Mas a diferenga esta principalmente no fato de
quea reflexao sobre o individuo humano esta unida a autocom-
preensao, isto é,ao conhecimento que se tem de si mesmo como
individuo humano, e a comparacao com seus semelhantes. Tal
expe riéncia originaria e basilar nao somente nao pode ser eli-
minada, mas servira como uma ocasido a mais para um seguro
ponto de partida rumo 4 anilise filoséfica’’.
3. A antropologia filoséfica em relagao com os outros
ambitos da filosofia e com a teologia
Ja foram mencionadas as relagées entre a antropologia filos6-
fica e os outros saberes sobre o homem. Todavia, é preciso afir-
mar algo também sobre a relagao entre ela e os outros setores da
filosofia. As duas matérias que possuem uma conex4o mais evi-
dente sao a ética e a metafisica. A respeito da primeira, a antro-
pologia assume o papel de fundamento, ao passo que, a respeito
da segunda, é a antropologia que se fundamenta sobre ela.
Toda ética pressupde uma antropologia filosfica, uma con-
cepcao bem precisa do ser humano. primeiro lugar, porque
falar de ética significa considerar q homem é livre, do con-
trario nao teria sentido interrogar-se sobre o dever, as normas, a
responsabilidade e assim por diante. Em segundo lugar, porque
cada vertente da ética filosdfica d4 destaque a um determinado
10 £ util o que escreve Mounier: “Portanto, nao existem as pedras, as arvo-
Tes, os animais e as pessoas, que nao seriam outra coisa sendo arvores semo-
ventes ou animais mais astutos; a pessoa nao é um objeto, mesmo que o mais
maravilhoso objeto do mundo, que conheceriamos como os outros objetos, a
partir de fora: ela é a unica realidade que nos é possivel conhecer ¢, ao mesmo
tempo, construir a partir de dentro” (E. Mounier, Il personalismo, 4. ed. A-V.E.,
Roma 1974, p. 12).‘0 Russo
Jost AncEL Lomso | FRANCESC|
lo, a ética das virtug,
. por exemp1o; : les
aspecto da pessoa humana: p' . a uma vida fel;
considera que o individuo seja orientado lis ng
me ao bem do hom,
5 ; nite confor! em,
sentido de uma vida plename ista considera que a moralidag,
enquanto que uma ética edo sequent emente, privilegia «
4 e,
consiste na busca do prazer ¢
-rancia humana.
: ‘ existéncia 4
esfera afetiva e sensivel da osofica com a metafisica j4 est,
ia fil
A relagao da antropologia a
im Iieita no que foi explicado per ee oe te
ia com profundidade sobre o homem, bus: ‘ompreen.
ical das manifestacg,
der o seu ser na qualidade a ase ee parte ae flosofa qe
humanas. oa ee pes = ae realidade, disso deriva que uma
trata dos principios os pag dcivar de eortiaia antropoligl,
antropologia filos6fica nal nance porque teré de recone,
metafisica, pelo menos imp! ae a
a conceitos metafisicos, como poténcia, ato, materia, natureza,
pessoa. Por exemplo, a fim de nao se limitar a uma descrico do
agir livre, 0 filésofo tera de se interrogar sobre o fundamento da
liberdade, sobre sua relagao com a verdade e os valores, sobreo
problema da relagao entre liberdade e natureza humana e assim
por diante. Mesmo que, nos proximos capitulos, os acenos de
tipo historiografico serao bem limitados, pode-se dizer que, em
muitos fildsofos modernos e contemporaneos que se questio-
nam seriamente sobre a pessoa humana, 0 vinculo entre antro-
pologia e metafisica esta presente de maneira implicita, apesar
de haver neles certos destaques criticos a respeito de um deter-
minado modo de conceber o papel da metafisica’.
Além da ética e da metafisica, 6 ébvio que ha um vinculo
nasa, — are B antropologia filoséfica nas outras a
em sociedade, 4 elerentes ao agir do homem, a sua organiza¢
@ € a sociologia filosdfica, a filosofia
_
11 Isso pode ser not:
. id es ; B
Mounier, Il personaisnss Cute Sutras possibilidades, no livro citado 4
mo,A ANTROPOLOGIA FILOSOFICA OU FILOSOPTA DO HOMEM
cultura ¢ da arte, a filosofia da religiéo. Também em tais casos,
apostura dada em cada matéria sera guiada por uma determi-
nada visio do ser humano.
Enfim, valeria ainda acenar a relagéo coma teologia e, em par-
ticular,coma reflexao sobre os contetidos da Revelagio crista.O
estudo da pessoa humana leva a se perguntar, dentre tantas pos-
sibilidades, se o individuo pode ser, em tudo, reduzido ao uni-
verso material ou nele ha algo de incorpéreo, se 0 seu anseio de
felicidade é destinado a ficar sempre insatisfeito ou se dirige a
uma dimensdo transcendente, se a sua morte marca o fim irre-
vogavel de si mesmo ou o eu sobrevive 4 morte. Séo questées
que a filosofia do homem nao pode evitar a priori, porque nao
s6 restringiria o campo da sua analise, mas também correria
o risco de interpretar parcialmente algumas questées funda-
mentais. Questionando-se sobre esses e outros assuntos seme-
Ihantes, a razAo pode encontrar algumas respostas rigorosas,
mas enfrentara problemas cuja solucao, em parte, excede 0 seu
alcance, como os questionamentos que dizem respeito ao des-
tino Ultimo do homem apés a morte ou o drama do mal que sem-
pre contémum nucleo insondavel. Sobre tais temas, a Revelagao
cristd lanca uma luz a qual a razdo pode estender 0 seu campo
de investigagdo mesmo além dos préprios limites”.
Por outro lado, igualmente sobre as questées especificamente
filos6ficas, a Revelacao oferece uma ajuda valida 4 especulagao:
pode-se pensar a quanto a nogio biblica do homem como ima-
gem e semelhanga de Deus tenha tido um relevante papel para
a elaboracao da nogio filos6fica de pessoa e a compreensao da
sua universal dignidade. Nao se pode esquecer que cultura oci-
dental esta de tal forma impregnada pela contribuigao do cris-
tianismo que pretender exclui-lo no ambito da reflexaio sobre 0
ser humano seria uma operagao praticamente impossivel de se
12 Uma recente exposigdo sintética das relagbes fé-razio pode ser encon-
trada em Joao Paulo Il, Carta Enciclica Fides et ratio, 14 de setembro de 1998.an 550
Jost Anon Loano [Enancrsco Russ
realizar, Portanto, Pode-se concluir que, por uma ane eb
Pologia filoséfica oferece uma contribuigao veladac poroens
Tho teolégico de compreensdo da verdade reve ‘ ados da Reve-
Parte, a filosofia do homem é interpelada a. a
lagao, que estimulam e potencializam a tare: