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ROLAND BARTHES COMO VIVER JUNTO Simulagées romanescas de alguns espacos cotidianos Cursos e semindrios no College de France, 1976-1977 t Texto estabelecido, anotado e apresentado ‘por Clasde Coste “radu Ley Prone Miss Martins Fontes Sé Paulo 2003 | Rolend Barcer | de nada: vai depender do que terei aprendido eu mes- mo nas exposicdes dos outros: é o principio do se- mindrio) algumas anélises de “senir discoun”. j Sdemarg ——L.Marin. | 16 de marco. Falhaule? 294 5 ‘© DISCURSO-CHARLUS ESBOGO DE ANALISE DE UM DISCURSO' DISCURSO-CHARLUS* A dupla-diferenga Tipo de discurso Método: S/Z? D) Cinética Acaso Légica silogistica ‘Mergulhia! ‘Marcas sucessivas rexcoanaisdo ¢ uma longa fla do Baron de Chadus drgia ao naztador, ma segu «da parte de Fin duce de wempa perdido de Mazel Proust (N. aT) Ficha cada, anerada is nots de aul arches, Pcs, Sei, 1970, Anise da novela eran, de Baltac [ead bes, Rio de Jneio, Nova Frontera, 1992]. (N. dT) | Em francés, mororage Em pornguss, mergulisx: ipo de eeprcdsgto vege que consi teem enrerar um ram de plana, ainda preso 3 ea, pars consti, dapois de eraizado, hove expla, uma vex separado da pantnmde (Noto Diino dard) (N. da) 295 1 Roland Barthes | 2) Desencadeadores 3) A instancia alucutéria Andromagueé Discurso-Charlus. Os inflexemas, AAS forgas “Psicologia”. Explosemas. “Psicandlise” Intensidades Conclusito 5. Andromague: gia dia de Racine. (N.da"T) 296 Macigae sul | Aula do dia 23 de marco de 1977 | C DISCURSO-CHARLUS Discurso feito por Charlus ao Narrador, que lhe faz uma visita noturna, depois do jantar na casa dos Guermantes: Le cété de Guermantes, II, Pléiade, Il, 553-561 ~ discurso de reprimenda e de ruptura +a ticulo de complemento: Andromague, Il, 4. Desde® a >rimeira leitura, uma impressio con- traditéria, paradoxal: 1) Por um lado, discurso mantido, denso, con- tinuo, fluent, irtitado, dirigido ao Narrador, que se limita a intervir brevemente; algumas veres; parece 6. Comega de um longo seco sizado no manuscio 27 | Relond Barer | realizar 0 sentido original do “senir discours’: com- pacidade ¢ tensio. 2) Mas por outro lado a0 mesmo tempo: curso muito mével, cambiante como uma paisagem sob nuvens. Espécie de ondulacao sutil de inflexdes: is: 1 Come vive jus | inventétio completo dos elementes de estrutura, mas apenas colocar questées de método ~ ou, para ser ainda menos ambicioso: quest6es operatérias. Como ‘operat (n0 futuro) para analisar um discurso como este de Charlus? discurso inflexivo. Nesse sentido, poderfamos dizer, Dest Eliminar, de antemao, um engano metodolégi- por causa daquelas duas caracteristicas: of 0 tecido “co: 0 discurso de Charlus nao ¢ am exemplo, uma musical wagneriano, continuo ¢ inflexivo, macico € amostra. Ele ndo representa uma massa tipica, que solto: mobilidade dos gestos musicais; aquilo que | seria a dos “discours senus”, Ele apresenta uma dife- Nietzsche chamava de Ton-Semiot# e que ele conde- | renga ~ ¢ para mim (antigo analista estruural), uma nava, como expresso de decadéncia. | dupla diferenca: 1) com relagao ao discurso da doxa, O caso Wagner: “Em Wagner, hi inicialmente fe- Qateune do esterestipo, 2) com relagio a uma andlise ante némenos de alucinagao, nao :ons, mas gestos. E pe- los gestos que ele busca primeiramente a semiologia ‘musical; se quisermos admiré-lo, € aqui que devemos vé-lo em acac em pequenas unidades, como ele as poe em destaque, como ele as torna vistveis! Mas nisso se esgota sta como ele decompde, como ele separa poténcia: o resto nao vale nada”, E essa relagéo entre a massa (que escorre) e 0 ‘gesto, a extensio € a inflexo, que me inreressa. Daf um percurso de andlise sobretudo metodolégico: ini- iativas grosseiras, um primeiro destrinchamento, nem minucioso, nem exaustivo, Nao vou fazer um rior: SIZ. 1) E provavel (hipétese intuitiva de pesquisa) que haja um tipo ou varios tipos de “tenir discoun’. Intuiséo que temos, por exempla, quando escuta- mos discuzsos politicos = um tipo, um eédigo endo- xal = discursos estruturdveis segundo as vias cléssicas da andlise estrutural: um corpus de discurso > tita- se dele @ descrigdo de um tipo (de uma gramédtica). % Discurso de Charlus: parece atipico. Pademas re- conhecer pedagos, mas no o conjunto. Ora, logo que hd reconhecimento, ha signo (0 signo € reconhecido, Benveniste). Ha, pois, algo de semisico no discurso de Charlus (¢ 0 sentido da intervergao de Nietzsche sobre Wagner). Mas esse discurso ¢ tinico (teconhe- 2. Ton-Semiert (alma): semidica musica 8, Le Grp oes opi 1 cido # batido): ¢ o “Discurso-Charlus”. Esbarramos 298 299 | Roland Barter | aqui num problema epistemolégico: como estrutu- rar 0 Unico? O Unico, quando ele nao se joga para fora da escruturacao, isto é, no inefavel; 0 Unico = 0 Texto. O "Discurso-Charlus = um Texto, dito por uma voz, um corpo, e que corpo! O de Chatlus € muito presence, muito figurado, ao longo de todo 0 romance de Proust, Esse ponto de vista sobre 0 Tex- +0 atfpico, que deve ser captado fora de qualquer cor ‘pus: aquele retido ¢ afirmado em S/Z. 2) Entreranto, os cédigos do “Discurso-Charlus” no podem ser romados na mesma perspectiva (na mesma odlem) que os de Sarvasine, Se Balzac recor- re a um cédigo cultural (alusbes & arte, por exem- plo): unidades foscas, ¢ como que denotadas, € 0 es- tar-ali, a naturalidade da cultura que é dada: cédigo manejado sem conotagio. # Charlus: cédigo cultu- ral (estilo das cadeiras, por exemplo’) + um suplemen- to afetivo, emotivo, enunciativo. O sujeito Charlus se coloca na unidade cultural: arrogincia, agresséo. © cédigo cultural ¢ usado por ele para colocar-se diante do outro, ¢ entrar num jogo rectproco de ima- gens, de lugares. As dangas, de Velasquez": pintura + 9. Charla exarnece o Nvrador,dizondo que exe nfo reconhece o estilo das cadens WaT) 10, A renigt de Bred ou At langon, quadco de 1635. Chatus diz a Maree: “Como nas “ence Velasquer, 0 vencedor sedge tqusle qu & mais humlde, e como deve fi 2er too nob, que en era td evoct nfo era nad fu que des primeiros pas- sos em sua diregio". (N da T) 300 1 Como iver fo | cédigo cavalheinesco + teatralizagio’ da relagio, etc. => “Discurso-Charlus": um tecido banal de cédigos (of Sarrasing) + suplementos. A cultura, por exem- plo, néo é aperas uma referéncia, uma origem (como em Balzac), mas um lugar de enunciacio. Assim: cre- cho acerca do jovem berlinense que, pelo menos, co- nhece Wagner e A Valqutria': a) cédigo musical, + 8) modernidace de Charlus (Wagner comecava a ser conhecido na Franga, nessa época), + gosto de Charlus pela Alemanha, + d) cédigo da ligio dada. E 0 deslanchar polifénico dos cédigos que constitui nosso problema metodoldgico (problema subesti- mado em S/Z)". Para segu.t esta primeira (¢ grosscira) explora- go de um novo método (de um novo problema), vou partir do conhecido a fim de entreabrir uma porta para o menos conhecido. O conhecido: a analise estructura, isto é, 0 levantamento de unida- des, de morfenas do discurso. © menos conheci- do: o aparecimento da nogio de forca no campo de analise. 11, Censurando Marcel por se engnat de cadet, e por nfo peso atengio em deteric ‘ada decoragio flora, diz Cha: "Os joven franecses conbecem mals obras de ate ‘de noso pls. Que driars dem jver berlinense que nfo eonbecase A Valgui". OT) 12, Fim do trecho rade no manssricn, 301 1 Rabo Bareher | A MANEIRA ESTRUTURAL” 1) CINETICA, Anilise escrutural (da narrativa): no comeco. Normal, porque a nova anilise é dificil = tendéncia a reencontrar a “construgio" do texto (influenciada pela explicagao de texto), o plano; reconsticuir “uni- dades” (aparigdes de cédigos) ¢ uma combinatéria, tum arranjo, ~ Caréter tabular dessa primeira anzlise. ‘Tabular = carder imével, panorimico, planimésrico do texto como objeto. Entretanto, muito rapidamente: consciéncia do verdadeiro problema. Como € que o texto avanga? Como, uma vex iniciado, ele germina, prolifera? Como se opera a mutagio ¢as situacées, dos sitios (situs) de discurso (seria jé um progresso falar de si- tios, preferentemence a unidades)? Qual ¢ 0 segredo do desenvolvimento, da difisio, do modo como um discurso “pega” (of, Tenus de discour); da trans- lagio das unidades (dos sitios)? — Essas perguntas diriam respeito a uma ciéncia cinética do discutso: uma mecinica (quais sio os motores do discurso, do cursus que ha em dis-cursut) E também uma arte da viagem. Como € que o texto viaja? (Reencontra- 13, No manuserio, tuo fi salgsdo com um marcafor 302 Aco | Come sve junto | riamos aqui hodé:, que estd em hodoiporta, viagem, ¢ em método). In abstracro, pelo menos quatto ope- rages, quatro motores possiveis (é uma primeira aproximacio): 1) O Acaso: nao deve ser excluido. Alids, 2 mo- demidade jogou fieqiientemente com 0 acaso das conseqtiéncias verbais. Palavras, frases, lexemas (uni- dades de qualquer espécie): jogados num chapéu. A continuacio seria tirada & sorte = procedimento es- tocdstico"’. A mecanica mais simples, mas também o resultado mais insosso, pois produzitia uma seqilén- cia eujos elementos seriam indiferencidveis (nenhu- ma pertinéncia de lugar). Uma vez dado, 0 acaso nao pode, no interior de si mesmo, gerar diferencas tipicas. Encretanto: a) seria talvez interessante fazer a experiéncia com frases (as do “Discurso-Charlus”); 0 acaso poderia fazer sairem pedagos de seqiiéncias I6- gicas: um bom objeto de observagio; 8) nfo esque- cer: muias formas estéricas nasceram do principio do acaso cortigido, do acidente controlado; 0 acaso dé inicio & cadeia — e 0 inicio é sempre dificil. Trés outros motores (o que resta quando néo é © acaso): 14. Hod (ego: camino, eseada 15, ‘Termo musical “Dizse de um exilac de uma tenica de composigio musical lngae sds pelo greg Yannis Xenakis (1922) fim de opor-e xo fouls da sical, «nos quis 9 compositor introdus a teria matemaica ds grobablidades” (Nove Di- siondva Aurel) (N.daT) 303 Envimems Mergulhia 1 Rolend Bates 2) Como lembrete, porque nao foi bem estuda- do, salvo na Retérica de Perelman’: motor légico: discurso avangando por articulagdes de raciocinio. Uma proposi qjiente, sob 2 lei de um constrangimento légico. A acarreta ou impée a proposi¢io conse- mais praticada: Iégica silogistica ou entimemética. (Nossos discursos correntes: certamente muito mais entimeméticos do que pensamos. A explorar: teste interessante, pois desembocaria sobre 0 discurso do ensaio e as novas legibilidades.) 3) Mergulhia, ou rebento. Principio dos forma- listas russos: se tim prego é fixado no inicio, & para que o heréi se enforque nele no fim”. Supe uma es- pécie de ldgica endoxal, difusa, ancestral, depésivo de experiéncias, légica empitica: bater na porta > abrir / nfo abrir; pergunta — resposta (ou no). Ha um rebento ~ ou alporque ~ porque unidades mais ou menos numerosas, vindas de outras seqiiéncias, podem se interpor entre o primeiro ¢ 0 segundo —> Entrelagamento de seqiiéncias = eranga, cexto. Para tudo isso, ver S/Z. Motor privilegiado na narrativa classica. Te. Ch, Perlman c Lucie Mbuechte-Fteca, La Noelle Rong, Tie dl Fargumen ‘aon 3 vol, Pars, PUR, 1958 [Tia bra, Ttado da rgomentd, So Paulo, Mar tins Fonte ed, 2002) 17, Pasece que Barthes ansforma uma clebre Fru de Tehekhov: "Nao s¢ deve oolo- aan dena urn fst ereqado se ninguém tem 2 incengio de ule” (era de 1? de overrode 1889 a Lazrev-Grovzink 304 1 Como iver ja | 4) Em tudo isso (salvo recurso ao acaso), a ins- tincia postulada pela andlise: espécie de Idgica “em «i? — paracientifica ou empirica ~ que faz. avangar 0 discurso por si 56, com pelo menos a ajuda minima de um manager, autor ou discursador. Bstrutura im- pessoal, nica relagio de uma lingua légica e de uma fala que a performe: andlise que nfo faz intervir 0 sujeito ~ isto é 0 outro. 5) Eis um quarto motor (classico) que faz inter- vir 0 outro, estruturalmente (¢ nao implicitamente): sistema das marcas sucessivas: = Modelo dado por Platéo; entra na oposi¢io Mé Recérica (Sofistas) # Boa Retorica'™: retérica ft loséfica, ou ditlética, ou psicagogia (Formagio das almas pela fala). — Discurso psicagégico: nfo do escrito, mas da fala: busca de interlocugio pessoal, ad hominem. Exemplo tipice: 0 didlogo do mestte e de aluno, uni- dos pelo amor inspitado. Pensar em comum, tal & 0 um didlogo de motor do discurso. Essa retérica amor. — Exemplo de “desenvolvimento” (entender sempre essa palavra um pouco no sentido ciclista = regime de marcha). Na busca da verdade, partir de uma unidade global, imprecisa, e descer, segundo as, articulagbes (escadas) naturais, segundo as espécies 18. Ver Gégias de Platt. 305 | Rolond Bother | como patamares, até atingir a espécie indivisivel = es- cada. A cada degrau, uma alternativa: é preciso esco- Ther um termo em prejuizo de outro, para retomar a descida, Exemplo: definigao progressiva do sofista’’: Caprura da caga Selvagem / domes ‘A mio armada / por persuasio Em pablico (em privada ‘Como dom fem troca de beneficio Para comer I por dinhiro Bajoladores /sofisas ~ Essa estrucura dinamizada se assemelha & es- trutura paradigindtica da linguagem: marcado / nao marcado. E 0 marcado que fiz prosseguit a descida, (Ora, a marca é garantida por uma concessio daque- le que responde (o aluno). Sao necessétios dois in- terlocutores, ¢ que um aprove, com um movimento de cabega ou com seu equivalence verbal: todas as par- ticulas um pouco ridiculas ou tediosas dos didlogos socriticos. Na verdade, essas particulas = afinal, atos de amor e operadores retéricos. Isso introduc a nosso preblema: avango do dis curso por marcas de afeto, ou o afeto como operador. 19, Burthes comentou um quadeo muito semelhance em LAncionte Rhéerigoe 306 20. O verbo banter rem doit i inteaduivl (N. ds T) 1 Come vive junto | 2) DESENCADEADORES Devemos admitis, « minimo, que existem mo- dos de discurso (de discursividade) que sé avangam porque, na situaggo alocutéria, hé acontecimentos (palavras-acontecimentos) que, em determinados mo- mentos, desencadeiam (bruscamente) um novo cur- s0 do discutso. So os starters, inctadores, embrea- gens, espécies de shifters interlocucstios. Embrear = “estabelecer uma comunicagéo entte 0 motor ¢ 0s Srgios que ele deve por em movimento”, O shifter interlocutério coloca bruscamente #m comunicacao © motor afetivo © os drgios retéricos do discusso: 0 carro discursivo funciona. Os desencadeadores po- dem exprimir as sacudidas do discurso. Evidente no caso do Discurso-Charlus: Charlus tem um discurso que rateia (catear = cortar por sobressaltos, no caso de certas ferramentas, agir por golpes sucessivos, em se tratando de um freio, de uma embreagem, de uma maquina). A metifora (rateat) exprne bem aquela dialética especial de que eu falava ne inicio: massa + inflexdes rpidas. Charlus fala como um cortador de gfama, como uma britadeira: cle rumina® o discurso de modo voraz. dos raat €rumiaa, dao uoeadilho de Barthes, 307 | Roland Bares 1 Desercadeadores tipicos: 1) Gestos, Sentar-se na cadeira errada > iscur- 50 desprezivo ¢ inflamado, Ou: gesto de denegacéo — retomado duramente 2) Palavras do outro. A palavra em si, na sua for- ma significance tipica, desencadcia uma vaga de dis- curso-afeto: estar ligado, ofender". Esquilo: palavras como chicotadas (Orestia). As vezes nfo é a palavra, é a idéia, o significado, que passa através de uma interpretagéo: “Eu jurei ao senhor que nao disse nada” + “Entdo ett estou mentindo!”®. Mas a ondulagio afetiva é tio cambiante, 0 motor tio caprichoso, que pode mudar bruscamente de regime, de modo abso- Jistamente inesperado, ~> Reviravolta espantosa: “En- ganaram o senior” ~> “E posstvel” (vem bruscamen- te, no lugar de “Entio eu sou um idiota”), = Defla- gées: elemento certamente importante dessa semio- logia das forgas de discurso, que estamos tentando exbosar 3) Palavras pronunciadas pelo prdprio sujeito, ¢ que se tornam desencadeadores. Uma palavra minha me duplica ¢ me orienta para outro discurso: cf 21, Manel pena que Chucks ext zangado porque ee inba dite a Madame de Guer- rmantes qu eles eram “igadoe’, «que provoca ura nora onda de indignagioe dsp to por pace de Charu "Nao acedito que voc? teaha dito, ou pensado, qu somos ligadas” ON. &xT) 22, No eax proustane: tio cu estou mentind! excnou ele num som serve, € dando um salto tl qu: fi pate de pa dois pasos de mim.” (N. dT) 308 1 Come ove jr tly, Mareeline Desbordes-Valmore: “Aos vinte anos, s0- Prews Pm mentosprofundos me fogaram a enuncia 20 ean ¢0, porque minha vor me fazia chorat"s ¢ Werther: veri “E eis que choro como uma ctianga a0 relembrar F125 ise eGo vivament:”, = Emogio de Chatlus, que cres- ce até chegar & beira das légrimas, quando ele desen- vyolve 0 tema: voct poderia ao menos ter me escrito = auto-emogio = desdobramento do sujeito, em lo- cutor e ouvinte de si mesmo. 4) Na ordem dos aurodesencadeadores, ques- tio a aprofundar: a das “construgdes sintéticas”. Pe dagos de frases feitas, esteredtipos sintaticos: “Nao me cabe dizer...”, “Nao nego que. ...” Essas constru- Ges sintéticas = vazias, s6 adquirem um contetido depois; inicios de desenvolvimento prontos de ante- méo. Dossié: lembram as alucinac6es verbais (Freud, Lacan) que enxameiam nos sonhos (¢f seminétio dobre 0 Discurso amoroso* ¢ Safouan, Oedipe, 43, 110”), Frases truncadas que se limitam & parte sin- Br Gia a ctieadas por Barthes cut Phgnentar dea dco arora CR Inge. 3) 24, Banhes fr ssi a um deseavesimento consagrado a “Euteam" (Seminitio 1975. 1976), asazer holotsin do Evers. Reaeio com o gio, Sobre o gra, Freud texomade por Mousapha Safouan (Le sructmaliome em pychnaye, Paris, Seu 1979), Grit de apelo: porque eianga 6 no ini, incapaz de provocs go xpe~ ifn ue 6 pode serveizada com ajuda exterior: vox (descarga). Freud Eno rita {de apto que se cumpreaalucinagio'. De fto, eae lucia 2 respossa "Eto bin’, "Enguanco ito, Boars exh de negsvidad” (fous. 25, Ende ser Ledge, Introduction a une shoe sje, Pais, Sui, 1974 309 | olend Barer | tatica: “Embora vocé seja...”, “Se vocé ainda pre- cisasse...” De modo geral, os desencadeadores internos, ou starters internos do discurso, poderiam permicir — talvez ~ uma primeira classificagio dos “aparelhos dis- cursivos”. Narrativas (incluindo talver as “narrativas intelectuais”, os raciocinios-narrativas: a verificat) # cenas (discussos com desencadeadores internos). No discurso-cena, a mola da mudanga (da progressio) & a repercussio: resposca imediata de todo o imaginé- tio a um significante-estimulo, E exatamente a situa- ‘gio do sujeito diante do logro ~ do touro diante da capa vermelha, O discurso-cena (e principalmente 0 de Charlu gesto, giro sintitico, interpretandunt®) sna rauromaquia, -> O logro (palavras, yma ima- gem violenta, imagem do outro e/ow imagem que 0 outro tem ou terd de mim, ou imagem de mim que ofetego a mim mesmo como teatro sob 0 olhat sob a instancia do outro. Isso me leva | Aula do dia 30 de margo de 1977 | © DISCURSO-CHARLUS (continuacio) 3) A INSTANCIA ALOCUTORIA jogo dos lugares entre o outro e eu: objeto da pesquisa psicanalitica. Mas como da: a esta pesquisa ‘uma versdo (ou uma vertente) semidtica? Como ana- lisar um discurso-cena? Cama classificar os ngates, seus graus de proximidade, como determinar posi- bes de enunciagio ~ de interlocugéo? Objeto dessa nova lingiifstica (ou semiologia) que se busca, Ou ain- da: jé que se trata de lugates (méveis: ondulagdo') no 1. A palava sada por Buches & mei, que designs a ondalgio es iridesctnca do ecko 26, sInepreuandm (lati incenpet. de afeté moire (N. de. T) 310 Bl | Roland Barts | discurso = tética, Apontar “tactemas”, manifestos, ope- radores de lugares, De fato, na pragmética (# andlise estrutural propriamente dita), exibir um lugar é des- locar outro: toda exibigio é aqui transitiva. Nao me arriscarei a propor uma classificacio desses “tactemas’, Somente, para come- gar, uma distingao grosseira: a) discurso de titica ar- razoada, calculada: manipulacio politica do outro; isca ou uma era o préprio campo da antiga retérica (persuadir, transformar 0 julgamento, a decisio do outro) (An- dromagué’, Il, 4); # discurso selvagem, pontuado de explosdes expressivas; discurso sem titica, mas no sem efeitos: 0 Discurso-Chatlus. (Distingio pro- viséria, d'scutivel:talver todo discurso seja tético: of infra) a) Andromaque Discurso que visa a obter alguma coisa: que Her- mone! intervena junto a Pirro para salvar seu fi Iho. Toda a vitica: evitar as feridas narcisicas, provo- car uma cumplicidade, uma solidariedade (situagio muito comum: precisar obter evitando ferir, ou en- to: lisonjear sem ferir; situagio minada por um 1 Como ser juno | risco de gafe; aliés, a estudar: a gafe cotito acidence analisével do discurso). ~ Discurso inteiramente centrado no alocuté- rio, Hermione. Caso em que 0 alocutirio é 0 alvo absoluto. Nenhuma divagagio, nenhum desperdicio: nfo exprimir nada de si mesmo, pensar apenas no que se receberi do outro; espécie de alocugio oblati- va, pura. ~ Andrémaca decompée estritamente Hermfo- ne em papéis e, tendo fixado os papéis, adapta em céncavo seu préprio lugar nesses papéis. O “em con- cavo": discurso muito vigiado da nio-agressio, Dis- curso verdadeiramente titico: cede futuramense em todos os pontos ésperos, isto ¢, responde de antemao aos discursos implicitos de Hermione, a seus discur- sos de lugar: Rial Renken visi | | a Thiunfance ‘Humilharse TA tnimiga Prope a paz A Ameo Fromae demparcer A Mie - ‘Camplicidade Apenas a segunda coluna ¢ “discursivizada” = 2. Traps de Racine, eprsentada em 167, inspiada a Exide de Virgo Prsonsica de Piro, Andsmaca pretend arse flo, Asiana, 0 que pode conseguir csando- se com seu veneedr. (Nd T) 4 3. Hermione é a noivsdesrezadn por Pit. (N. da) ciagio). colocada em entinciados (mas com a primeira = enun- 312 313 a da divida, 0 apelo ao reconhecimento, 2 troca (ja- casa dos Verdurin, em “O tempo reencontrado” (Em busca do tempo perdido). A reescritura do “je” sob a forma de “on’: abertura possivel de uma estilistica da escrevéncia, que seria muito necessaria (supondo- se que se admita a distingio proposta entre escritura ¢ escrevéncia’), Escrevéncia, cientifica: 0 texto se es- creve sob o olhar acerrorizante de Madame Verdurin. De modo difuso, revezado, por substituto problema do “je” / “su” (j4 que todo discurso inci © pensamento, se néo a estratégia de sua resposta, of infid) reescrito em formas impessoais, ausentes. E todo o problema da enunciagao. A vantagem, no comeso, de restringi-lo 4 reescritura do “je” “on, & que, do imenso dossié légico, psicanalitico, prag- mais obrigar o outro a ser agradecido). Resposta de Hermione: deixa de lado codos os papéis e s6 conserva um: o da Rival em posicéo de forga. Em certo sentido, ¢ ela quem faz 0 discurso: seu discurso nao ¢ titico, mas expressivo, tenso, afir- mando uma forca. Os “tactemas” de Andrémaca dispéem de inseru- mentos gramaticais e estilsticos muito finos, com os quis elajoga como se fossem um conjunto delicado de timbres: os pronomes encatregados de se referit aos parceiros. H4 uma reescritura dos pronomes: — “Eu” ~ a vitiva de Heitor (of “meu Heitor”). Acentua a conjugalidade, retira Andrémaca do jogo (do eu). ~ *Nosso”, “nds” > cumplicidade materna. | Role Bete | 1 Come sine | Um “tactema” duvidoso (perigoso): a lembran- artigos de Brichot durante a guerra: of discussio em rético (lugar do sujeito na enuncizeZo, entre 0 Ou- tro € 0 outro’), isso apresenta uma pequena abertu- ~ “Bles” (“querem tiré-lo de nds"; “de que eles tém medo?”): eufemisa Pirro e Agamémnon, apaga © papel negativo que eles representam. Pelo contririo, Hermione é posta, brutalmente, anu: “eu” / “eu? Sobre’ “je" | “on”, ou melhor: “je” > “on?” (rees- crito como “on”). Exemplo célebre ¢ elementar, os ra abordével pela semiologia. De fato, reescritura do ‘je’ como “on: no fundo, € 0 estilo. O “estilo” (no- 20 que foi muito rebaixada, assim como a estilisti- ca, volatilizada) apazeceria na menor inflexio discur- : siva (esta aliés, pode ser lexical e no apenas sincéti- t ca) que transforma “je” em “on”: Andromague, slo- TR im franck “crit” “éerivance.(N, da) Acre dss dingo, ver “Eseritoet€ 4, No texto, encontr-s pronome indefinido "on, que no tem contespondent em por On eed iinen cone nein oweror rugs na pose de iit e pode se eraisid pore por "nou ata o tm pronominal do verb, conforms ocx (N. ea) i gratings como en Bi 5. Tne de um sso rid no manu. 7, Rates mpeg i posi como ums lbrang de Laan: o Ou emer uk rio outro a um inelocutorparccuar. a 315 | Rolo Barthes | gans de greve. Daf entrever uma nova concepgao da denotacio (of comeso de S/Z). Nao 0 tracado neu- tro, abstrato, do enunciado, desembaracado hipote- ticamente de seus ornatos estilisticos (a mensagem em si), mas pelo contrétio: ordem e campo do “je’, © texto reescrito na primeira pessoa, “/é” nao é 0 es- tado primitivo, esponténeo, expressivo do texto (isso no exists), mas seu estado amalgamado, e nisso in- dissociavel como uma cola (uma coalescéncia): forca do desejo + forga do desconhecimento ("je"t prono- me do desconhecimento # “on”, pronome da men- tira, da capeacio, da exibigao tdtica)® b) Discurso-Charlus Esse discurso nfo procede de uma tética simples (céleulo direto). Tatica obscura, enigmética,talvez nfo decerminada pelo proprio sujeico (cf infia sobre “ex- pressio”, “explosio”). No entanto, tenho certeza: té- tica = obter, agarrar o Narrador. Afinal, existe um Ainico discurso sem tética? Todo discurso: idéia im- plicita ou inconsciente de mirar 0 outro (0s outros) como alvo, isto , como objeto que se pode posstii transformar. Nao haveria discurso sem esperanga: fa- lar & esperar. Se ha cargncia de titica = siléncio, queda da palavra na inutilidade (esquizofrenias? autismos?) 8 Fim do echo riseado no manscre, 316 1 Come sve juts | ‘Tatica de Charlus: néo pode ser analisada como ade Andrémace: a) pode ser inconsciente, 6) segue vias tortuosas: retorcidas, denegativas, reviradas. De- sejo oferecido sob forma de agressio. Por isso, nfo desencadeadores ditetos, simples, mas inflexionado- res do discurso. Impeto de afeto determinando uma nflexemas’. inflexao do discurso: 1) Devolugio da responsabilidade: “Vocé é que sabe”. “Problema seu”: forma freqiiente de agressio, Ato verbal de separagéo, de no-comunicacao; dei- xa-se 0 outro sotinho ¢ faz-se com que ele o saiba = “isolema”. 2) Apresenta-se uma proposicio contando com {sico). ‘um protesto (que nos traré um proveito nar Muito freqiiente: “Estou envelhecendo” > “Nao & verdade!” etc. Aqui: “Vamos nos separar definitiva- mente.” > “Néo, vamos nos rever.” (A proposigéo pode ser dita sinceramente; nesse caso, ela se corna um autodesencadeador: de tristeza. Mas ela é dita também, e 20 mesmo tempo, com um grio infinite- simal de esperarsa.) 3) Acusag6cs: “suas invengoes caluniosas”, Ofen- sas: “que ignora o valor”, “no sentido da mais eficaz prorecio” —> solicitam denegagées, explicagées, obri- gam o outro & passividade ou & resposta. 9, Teche do dscns resiminatva de Oars (N. da) 317 | Ralend Bethe | 4) Acaricia-se, por meio de refinamentos de lin- guagem, a descricao da relacio: “declaracionismo”. Va- riam-se, refinam-se as palavras-ecrans. Aqui, Charlus 0 faz de forma agressiva, mas © prazer de tocar é 0 ‘mesmo: “simpatia’, “benevoléncia’: mscaras que di- zem o desejo (Larvatus prodeo"). 5) Coloca-se 0 discurso praticado como meta- discurso: “a conversa <...> marcard o ponto final” “metemas”. Forma sutil - 01 deslocada ~ de declara- cionismo: a caricia da caricia, a consciéncia da cari- cia como caricia, Segundo prazer, decorrente da cons- ciéncia do primeiro prazer. Isto € apenas um esbogo de classificagao intuiti- va, Petmite-me entretanto norar, em geral, se obser- vo esse discusso: — Haveria uma generalidade, uma tipologia das agressGes discursivas: remeter 0 outro & sua respon- sabilidade, & soliddo de sua responsabilidade, Rup- tura de anaclitismo”, frarura da inresponsabilidade infantil: obrigé-lo a perder a mie, Charlus quer obti- gar outro a reconhecer sua responsabilidade: 1) a tuptura ocorre por culpa sua, 2) problema seu, 3) “Parece-me, apenas, que vocé teria podide.. 1 Como ever junto | = A attibuigio de responsabilidade fanciona como uma separagio de comunicagio. No entanto, cla mesma constitui uma comunicacéo, na medida cem que todos esses “inflexemas” de ruptura consti- ruem demandas, pedidos de resposta. Charlus colo- a 0 outro em posigao de ter de responder ~ mesmo se ele nao Ihe da tempo para isso. Tedo discurso alo- cutério seria, assim, um constrangimento de respos- ta, O discurso = essa performance de fala na qual hé resposta. > Metodologicamente (esteuturalmente), nfo poderemos analisar semioticamente 0 discurso sem levar em conta unidades implicias de resposta. ‘A resposta = rubrica obrigatéria do discurso. Notar: teoria do double bind, o duplo constran- gimento! (recebo duas ordens imperativas rigorosa- mente contradieérias) — situagio propria a gerar @ psicose (“The effort to drive the other person crasy”, Searle”). Charlus esté nessa posigéo: responda / néo responda. Ora, essa linguagem ¢ a ds todo poder po- licial = muito exatamente, conversa de tira: “Vocé ¢ responsavel por isto.” —> “Sim, mas...” ~ “Nada de sim, mas.” Nesse ponto da cadeia, o sujeito interpe- lado é constrangido & revolta (vias de fato contra 0 10. Larvats prdeo (atm): Avango mascarad, Ver Deseares, Ocwons plileephiguen * “Préambls". Barthes eempeeg fegientemente ea Fema (est O gra cnr, ge 1. Ver not em “Flog do um, 9a ala do dia 23 de mare. rents den dscane amare.) 13, "0 forge para lear o out &loucus. arches ctu esa fase na bibliograia dos 11. Ver comentrio de Barthes na aula do dia 9 de mayo de 1977, elaive a outro trecho Fragments de won dicrso amare, com 2 seginte rfeincc: Nowell Revue de Py ara de Pros, (N. dT) hana © 12, La yc, Gallimard 318 319 | Roland Barthes | policial) ow & passividade, covardia. Ele cem de esco- Iher entre deteriorar sua pessoa (pelo tisco) ou sua imagem. Notar que 0 Narradot ~ que 2o longo de todo 0 romance se coloca fora do jogo, em situasio de resposta suspensa ~ € aqui levado a um acting, aut* (0 nico, no livto todo): ele pisa no chapéu. Ele respond: a Charlus, entra em comunicacio — 0 que acalma Charlus. 4) AS FORCAS Adivinha-se!® que toda essa andlise € orientada pela idéia de colocar o discurso (o “Discurso-Char- lus”) menos como uma tabela de unidades submeti- das a tegras de agenciamento (semioldgico, clissico, taxionmico) do que como um campo, um jogo de forcas, intensidades médveis (idéia do moiré, dos dlesencadeadores, dos “tactemas”, dos “inflexemas’, Entre nto, do ponto de vista da andlise, essas forcas nfo sio diretamente captaveis. Elas passam por eta- pas intermediérias analiticas (descritivas) ~ das quais nenhume ¢ falsa, ou melhor, invalida, So como esta- dos descritivos de forcas, dispostas em etapas inter- mediatias. Vejo trés delas. A. Acing ut Ging) pasagem 20 a0 15. Comego de um echo ritcado no manus 320 1 Come seer june a) “Psicologia” E possivel utilizar esse discurso para descrever clogicamente” Charlus, © que parece escapat & anilise do Discurso-Charlus como encadeamento (cinética) de “tactemas” (pensamento do lugar com relagio 20 outro), sio os momentos em que, dentro de Charlus, algo parece explodir e exprimir (no sen- tido forte) um ser que se encontra “em si”, dentto de Chatlus, independentemente de qualquer tética. Por exemplo: “Vocé actedita que a saliva envenenada de quinhentos amiguinhos seus <...> chegaria a babar até meus augus:os artelhos?” Uma “ofensa” parece decerminar um movimento de orgulho (uma paixéo) que explode, como a exteriorizagio de uma espécie primitiva do se:-Charlus. Temperamento, alma de Charlus = sua verdade, sua sinceridade = suspenséo miraculosa ¢ excepcional da titica. Orgulho: tiltimo fundamento. Entreranto; esses “explosemas” 96 ficam fora da tética para uma psicologia “natural”, que admite que, em certos momentos verdadeiros, 0 outro & posto ‘entre parénteses, Mas ha psicologias que recusam qualquer “em si’ da psique , por conseguinte, reco- locam todas as partes do discurso num trabalho de dlaboragao do locutor ~ trabalho dirigido para 0 ou- tro (jogo de imagens, portanto titico). Esse trabalho pode ser intenc.onal ou inconsciente. 321 | Rolend Barthes 1 Intencional? Isso nao quer dizer forgosamente consciente, no sentido comente. Pensar em Sartre, Exquisse d'une théorie des émotions. “desmaio”, “c6le- ra" (0 que assenta bem a Charlus): comportamen- tos de fuga diante do intolerével. Na verdade, inten- cionalizamos nosso desmaio, nossa célera, Eles ser- vem para alguma coisa. Ocupam um lugar na econo- mia ditigida do sujeito: sio condutas proveicosas, Toda célera é tética. Inconsciente? > Uma interpretagio dos “explo- semas” de Charlus é possivel. » Outro nivel de for- as se descobre. b) “Psicanalise” (No sentido restrito de psicandlise interprecati- vat vulgata.) Naturalmente, nao se trata de psicana- lisar Charlus (nfo hé nenhuma pertinéncia em psi canalisar um ser de papel: a psicanilise literéria ndo existe). Trata-se apenas de postular uma ségunda eta- pa, para chegar perto das forgas do discurso. ~ 08 “explosemas", os atos in-téticos do discurso nio pertencem mais ao “em si”, no sdo expresses irredutiveis, mas interpretanda”, sintomas. Por exem- 1 Came sive unto plo: envio do livro com miosétis": mensagem claris- sima para Charlus (Nio me esqueca), ¢ complera- mente obscura para 0 Narrador “Havia uma mane! ra mais limpida de he dizer: ‘Nao me esquesa?” Es- pécie de excesso de interpretagio que pode ser ele ‘mesmo interpretado, isto é, recolocado numa tipo- logia. O fundamento precedence (“orgulho”) seré des- Jocado, recuado ¢ integrado num quadro mais vasto: quadto clinico, jogo complexo de sincomas. © pré- prio Proust dé os componentes da sindrome-Char- lus; orgulho, homossexualismo e loucura — tipo clés- sico: 0 paranéico. — Cercamente, nao reduzirei a psicandlise a um sistema interprecativo, a uma hermenéutica que teria feito recuar as bases da interpretagio psicolégica (or- gulho + parandia). Mas é verdade que, segundo a vulgaca (que itriga as conversas habituais), 0 discur- s0 analitico ou “des-analitico” (discurso degradado) funciona como uma intexpretacio. Ela pretende ter por fungio (nesses discursos) levantar cortinas, ecrans. © problema (meu problema) = no teatro infinito da linguagem, quando se levanta uma cortina, aparece tum fundo, isto é, outa cortina. Eis como vivo atual- mente a psicanilise: ela mesma como uma tela trans- 16, Equi ane théviedesémoton, Pacis, Hermann, 1995. Sobre 0 deszsio, ver p. 45 sobre eles, ver em parla . 30, o 17, Amerindian: coisas interpreta, objets ce inerpreao 18, Chasis havia envio ao Narrador ur live decor com miosoti ores existenes a ica de Balbec, achand que odetinactio compreenderit a mencagern (N- da) 322 323 | Rolend Barts | parente que esconde (ou esconde em parte, ou vela) alguma coisa, ¢ essa coisa esta talver na frente, Idéia de um ecran que esconde © que esti na frente: opo- sigdo de onar(o sonho vulgar) e /yjpar: 0 grande so- ho claro, a visio proférica em que nunca se eré (Pi- tia"). Gf Discurso amoroso, “Compreender”. ~ E nfo ¢ tudo. Vivo a psicanslise como uma tela, ma: sobre a qual podem ser pintadas e sfo pin- tadas coisas ~ lindas, e que me sio necessérias ~ neste tempo que é 0 mel ima ficcio de que tiro provei- to, um grande véu pintado: a maie®, coberta de no- mes, de Sormas, de tipos, c) Intensidades O grande sonho claro (/yjpar): aboligio do es- condido / aparente™, Forgas do discurso, néo obriga- toriamerte tomadas numa tipologia (desligamentos de espagos segundo a profundidade e o movimento), mas segundo uma intensidade. 1) Anogéo de excesso ou de pobreza (raridade) ~& mod Zen — (estados, marcas discursivas) torna- se pertinente, Por exemplo: o Narrador estima Char- Erie Marty | Como ver juno | lus exatamente em razéo de seu excesso, A mie € amada em raza de sua diserigo (discreia: certa forca de distincia, de descontinuidade) 2) Pertinéncia na nogao de moiré, iridescéncia sutil de intensidades diferences. Uma arte se encarre- ga, estatutariamente, dessa ondulagao de intensida- de: a musica. 4) A miisica é simbolizante, mas néo simbolizavel. Nao podemos, portanto, interpreté-la Segundo o movimento de um espago hermenéutico (nao ha semiologia da miisica). 4) A miisica: funda- mental em Proust. Nao no plano do discurso Peque- na-Frase-Vinteuil (flosofia da meméria), mas no da lingua, a lingua como miisica plano da misi Atengfo apaixonada, insistente, prestada por Proust as vores: a mie lendo Francois le Champi®. Deseri- fo das vozes em sua mobilidade: fineza ¢ acuidade dos altos ¢ baixos das vozes. Charlus, precisamente: 0 lugar de Chatlas (sua identidade de forgas): sua vor. + O objeto da semidtica das forgas, da filologia ati- vva dos discurses, seria: a declamagio, a promunciatio. Exemplo (entre outros): “Ele sorriu com desdém, ele- ‘you suit vox até os mais extremos registros € af, ata- cando a nota mais aguda ¢ mais insolente...” Tudo patece aqui transcendido ~ ou anulado ~ por um 19. Sxcerdon de Apolo om Dt, pita (NT) 20, Amie eet a conhno dos enémenos, Pa bud 0 wu dma ree 2o mando como lus fara rama 20 cnc ea damn mans ‘da esstncia do mundo “= 21, Fim do eco cad no manus. ferencial melédico das intensidades. 22. Ver Ns caminhe de Susann, *“Combray". 324 325 Plnimetia 1 Roland Barthes | PARA NOS DESPEDIR E PARA MARCAR ENCONTRO- Embora eu tenha falado pouco, na verdade, do “Discurso-Charlus”, era nevessirio, para mim ~ e significativo ~ apoiar-me ~ mesmo que ligeiramente — sobre um texto (nfo ha fa sem um texto de apoio: monges, Tao). Pois um texto ~ este texto, este dis- curso na medida em que ele foi inscrito na ficgao — apresenta a triple via do texto metédico (o meu, no passado ¢ no futuro) 1) A anilise eserutural de tipo cldssico: descri- 640, anatomia da Coisa-Discurso: 0 que é 0 discur- 0, descrito segundo um procedimento cartogrifico. discutso (de Charlus) (nfo 0 fiz, mas teria podi- do fazé-lo): exibido como uma tabela, na qual se léem as regides, os limites, as propriedades, —> Anilise ta- bular e planimeétrica® 2) Logo que hé ~ na andlise ~ consideragao da enunciagio, a andlise no é mais planiméttica, tabu- lar, Enunciagio: leva em coasideragio o lugar dos sujeitos no discurso, Quer sejam o sujeitos ficcionais (Charlus e seu alocutério), quer (¢ ao mesmo tem- o) 0s sujeitos da leitura. Ito: uma nova anélise, to- 25, Buches junta esas nota dis coquis pouco lei. Inpirado pela ese de YA. Bois Gobze a concepgo do espago em Lissieky e Malevich, jf refeida na aula do dia 16 de mago), ess crogusfiguram a "pexspectiva ores” e“perpectivaocidenal 326 1 Come vse jane poldgica, ou perpectivista: colocagio em perspectiva (complexa) dos pontos de vista que agem no discur- so. Essa orientagdo, largamente explorada pelos con- ferencistas deste ano: uma semiologia dos lugares do discurso (no discurso). 3) A essa semiologia anunciada, requerida e jé desembaragada, uma inflexio suplementar pode ser dada (ela procuta dar-se, talvez com um malogro no fim): a visto das forgas, das intensidades, dos exces- sos e das deflagdes, dos enrubecimentos ¢ palores da- quele que fala, escuta, escreve. Percep¢ao cujo mode- lo nao seria mais diretamente a lingiistica, mas antes a mtisica. > Levantamento complexo dos planos (1), dos cortes (2) ¢ das elevagdes (3). Espécie de axono- metria do texto ou perspectiva chinesa (porque as pri meiras aplicagbes regeadas da axonometria nos vém da China), mas também arquitetura € pintura mo- dernas. Escolher um ponto de vista mével ¢ abran- gente: olhar com passeios e safdas; apreciando & von- tade distincias ¢ papéis das partes reservadas: ordem de leitura sem violéncia, ete. Naturalmente: dossié reservado. ‘Naturalmente, 0 corte epistemolégico (na esca- Ja da ltima década semiolégica) esta entre 1) € 2 + 3). O trabalho a ser feito esta na dialética do 2 e 3. E af que vamos marcar um enconto (ndo num semi. ndrio, mas numa pluralidade de pesquisas, as quais © 327 1 Roland Baths | semindrio deste ano, coletivamente, dew algumas en- tradas). Fodemos colocar esse trabalho sob o signo da pragmitica, ou lingtiistica das relagées de interlo- cugio, da qual Récanati falou (no semindtio do dia 2 de fevereiro), retomando a palavra e a idéia aos in- gleses, Mas talver ainda (seria minha inclinagio) sob 0 signo da Nova Filologia ou Filologia ativa, deseja- da por Nietzsche: filologia do quem e no do qué. 328 Resumo de Roland Barthes para o anuatio do Colldge de France | SEMIOLOGIA LITERARIA. Profesor Roland Barthes Curso: COMO VIVER JUNTO: SIMULAGOES ROMANESCAS DE ALGUNS ESPAGOS COTIDIANOS Na aula inaugural desta cétedra, postuldramos a possibilidade de ligar a pesquisa ao imaginétio do pesquisador. Cesejamos, este ano, explorar um ima- do todas as formas do “viver jun- gindrio particular: 0” (sociedades, falanstérios, familias, casais), mas principalmente o “viver junto” de grupos muito res- ititos, nos quais a coabitacio nio exclui a liberdade 329

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