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TULSA ELV oe) aa Ces PAS] O SUJEITO ADOLESCENTE E 0 CORPO: UMA LEITURA PSICANALITICA The Adolescent Subject and the Body: A Psychoanalytic Reading El Sujeto Adolescente y el Cuerpo: Una Lectura Psicoanalitica Le Sujet Adolescent et le Corps : Une Lecture Psychanalytique © 10 s020/23500777 15 x20%Esp2 09311 Pollyana Silveira de Almeida © Paicnaita specs om Teoria Clie Paienaliis (UFR) Mast Piooaia dos én do Can Lanna - ei) [UPRA). Mimro do FSnam Satvador (Escola de Peale Pucanalsta, Doutora em Psiopatologia Fundamental e Psicandlise Pars 7), Pis-dovorado no Programa de POs-eraduacio em Paicoogia (UFS), Memo do GT: Peicandlise, Clinica o Politica da ANPEDP, Anlis Monto da EPECL, Memtro do Férum Salvador (EPFCL Bras). Resumo A questo da infincia e do que resta de infantil na estratura do sujeito esti posta desde Freud e é partilbada por diversos autores até hoje. E quanto a0 “sujeito adolescente”? O que se pode dizer sobre a sua relacio com o inconseiente? Entende-se que 0 termo “sujeito adolescente”,embora nto enka sido utilizado pelo esiruturedo como uma linguagem. Enquanto 0 individuo adolescente (pibere) indica wma pessoa que se encontra em uma determinada faixa etria (nso undnime), na qual so esperadastransformagdes bioldgica,o sujeito adolescente indica oefeto, a resposta aos impasses di vida nutema que se muamdfesuam araves Uas formagoes do imcousclene. No eMtanlo MAO Ha CoML AD Se depurar com a quESGO Cas transformages pubertirias em um determinado momento da vida. Propde-se que a adoleseéacia exsist & puberdade, no sentido deter om ela poatos de convergencia, mas, a0 mesmo tempo, ser ndo-toda circunscrita pelas vansformacdes anatomofisiolégicas, Diante disso, aleumas quest6es tormam-se pertinentes, especialmente aps mais de um siculo da publicagao dos Trés Ensaios de Freud, em aque 0 autor fala da puberdade a partir dos marcadores biolégicos, mas também para além deles, evidenciando as exigéncias do trabalho de subjetivagio, que se impéem com as transformagies corporais. Dessa maneita, este trabalho parte das seguintes questBes: coma articular essa passagem temporal diacrénica que promove maturardo biol6gica a temporslidade légica da adolescéuci? O que € o corpo adolescente? E 0 que dizer do encontro com 0 corpo do Outro? jones, et em consoniineia como ensino de Freud ede Lacan sobre inconsciente Palavras-chave: adole. cia; corpo; syjeito; Ouro. The question of childhood and what remains of children in the sructure of the subject has been raised since Freud and is shared by several authors wut code: Whew abou the “teeneage guy"? Whau can you sey’ abow ts relattonshap wh the unconscious? 11s undersioad tha the term “adolescent a structured like a language. While the adolescent (pubescent) indvidual indicates a person who is in a certain age group (not unanimous), inwhich biological transformations are expected, the adolescent subject indicates the effect the response to the impasses of human life that are manifested through training unconscious. However: there is no way not to face the issue of pubertal changes ata certain time in life. tis proposed that adolescence extends to pubery, inthe sense of having points of convergence with it, but, at the same time, not being circumscribed by anatomy physiological transformations. Because of this, some questions become pertinent, especially ater more than a century of the publication of Freudls Three Essays, in which the author speaks of puberty based on biological markars, but also ubject”, although not used by the canons, isin line with the teaching of Freud and Lacan on the unconse Revista Subjetvidedes, 0(Espsciai2)- 8911, 2020 1 Polivan Siveira de mci e Andrés Horio Fernandes Dexond them. highlighting the demands of subiecivation work. which impose themsalves with bodily transformations, Thus. this work starts with the following questions: how to articulate this dtachronic temporal passage that promotes biological maturation fo the logical temporality of adolescence? What isthe teenage body” And what about the encounter with the Other § body? Keywords: adolescence; body; subject: Other: Resumen 1a cues deta nies do que que de infant en ta estructura del sujeto esti puesta desde Freud y es compa por muchos ures hasta has. c¥ cuanto al "sjeto alesconte”? cud se puede dec sobre su react con el inconscinte? Se etende que et sérmino “seta aolescente,aungue no haya sido utizad ports noes, esti de acuero con la enseanea de Frew y Lacan sobre al inconscienteesructurado como un lengua. Mientras el iniduo adolescent (pibere) ica na persona que se encueira ent wn determinado grape etario unanie), en ual se experan ransformactones lds. suet adlescente naka el efecto, la respuesta alos problemas de a vida hanana que se manfstan por medio de las formaciones de inconscint. Sin embargo, no hay céno no encontrarse con la cuestion de las transformaciones de la pubertad en wn determinado momento de la vida. Se propone que la adolescencia “existe” al pubertad, onl sentdo de tener puntos de convergencia con ela peo, a msn tempo, no ser totalmente cicunserita por tas transfermaconesandtomo fsiolSgieas. Ate et, algunas custone se ponenpertinenes, especialmente después de mds de wn sigio daa publicacn datos Tres Ensayos de Freud en qua el tor habla de la puerta a partr doles marcadors biolgies, pro también para alld de ellos, evidenciando las exigencias del trabajo de subjetivacién, que se imponen con las transformaciones corporales. De esta Jorma, este abajo parte de las siguientes cuestones: ;Cmo artutar este paso temporal daernico que promuevematractn Dotgtca «tla emporalidad igca de a adolescencia? {Qui eel erp alescante? ,Qud decir del encuanio con el curpe del Ciro? Palabras claves adolescencla; cuerpo; sero; Orr. Résumé La question de Uenfance et de ce qui reste des enfants dans la structwe du sujet est posée depuis Freud et est partagée par plusieurs atewsjusqu’d aujourd hui. Eile «sujet adolescent » ? Que peus-on dive de ler ylation avec l'ncanscient ? Le terme «sujet adolescent »» bien qu'il nat pas été wiltsé par les canons. a suivi 'enseignement de Freud et de Lacan sur V'nconscient structuré en langage. individu adolescent (pubescent) désigne une personne appartenant d wn certain groupe dage (non unanime), dans lequel certaines transformations biologiques sont atendues. Le swiet adolescent, @ son fois, indique Weft, la réponse auc impasses de la vie humaine (ne se manifectont & travera los formations de V'inconacient. Copendani, il n'y a aucun meyen de ne pas faire face & dec ch ‘Pubertaires dw certain moment de la vie. On propose que Vadolescence s'étende d ta puberté, dans te sons d'avoir des points de convergence avec elle, mais, en méme temps, ne pas éire entiérement circonserite par des transformations auatomophysiologiques. ‘Devan cela, certatnes questions devtennen perinendes, surtout apres plus d'un siecle de publican des «Trois essats» de Freud, dans lequel Vauteur parle de la pubertéd partir de marqueurs biologiques, mais aussi au-deld de ces marqueurs, en mettat en évidence lee exigences de subjectivation, dans lesquelles sont mposées avec des transformations corporelles. Désormais, ce travail part des questions suivantes : comment articuler ce passage temporel drachronique qui favorise la maturation biologique 4 la temporalité logique de adolescence ° Qu'es-ce que le corps de adolescent ? Et quot dire sur ia renconire avec le corps de I'Autre ” Motsctés : adolescence ; corps ; mate ; Autre Podemos considerar a adolescéncia como um fendmeno bumao complexo ¢ plural de concepcdes, a depender do momento histérico © do contexto cultural, ott mesmo socioeconémics, tuma ver que & questiondvel se © que se chama adolescéncia ¢ permeado dos mesmos significantes entre as classes sociais. Apesar de diversos autores estarem atentos a essa ‘multiplicidade conceitual, 0 que se percebe é que ainda cireula um discurso que naturaliza a adolescéncia como vivencia Uuuiveisal, a despeity das unukuyas hisiGricas, cullurais, sociais €, aerevcentamios agora, siugulwes. Couforme Schiveu- Ferreira, Aznar-Farias, & Silvares, 2010, p. 228), “a adolescéncia, hoje, nio é mais encarada apenas como uma preparacdo para a vida aculta, mas passou a adgquirir sentido em si mesma’ cabendo, entretanto, questionar esse sentido, uma vez que os modos de subjetivagao dos sujeitos revelam, de alum modo, 0s diseurs0s de uma epoca, Lacan, segundo a trilha de Frew, que nao se furtow a pensar a culrara do seu tempo, diz: 2 Rensta Subjetvicases, 20(Especial 2): €9311, 2020 0 Suiete Adolescente e o Como: Uma Letura Psicanaltica (Que antes renuncie a isso [A psicanalise], portanto, quem ndo conseguir alcangar em seu horizonte a sujetividade de sua época, Pois, como poderia fazer de seu sero eixo de tantas vidas, quem nada soubesse da dialétca que o compromete com. essas vidas num movimento simbelico, Que ele conhega bem a espiral a que o arrasta sua época na obra continua de Babel, @ po eonkos (Lacan, 19980, p. 222) 12 fang da intSnprots na dizoSrin doo lis Acontemporaneidade, apés a dupla virada de século e milénio, ¢ marcada pelo advento da internet pelo avango das, ‘ecuvlogias digitais, como v apareeinieato © expausdy day ehannadas reds soviais, emt que prolifera a selfes. Euubora transformacées importantes tenham ocorrido em diversos campos, néo ha como negar que o estabelecimento de um mundo online tenha instaurado uma nova discursividade, de mancira a inffuenciar os lagos sociais, as relagdes de poder @ 05 modos de subjetivagao. Se a individualidade € a categoria fundamental que define o ideério da modernidade (Birman, 2006), a sociedade ocidental pés-modema tem como traco fundamental a estetizacio de si, “ou seja, uma plena e extensa consciéncia, decididamente focada 20 tratamento de si como uma meteadoria” (Kyrillos & Dunker, 2004, p. $8). Essa ideia do individuo como empreendedor de si mesmo esté intimamente ligada ao advento do capitalismo, que transformou o mundo, modificou radicalmente e “continta a modificar 0s meios de producdo (..)subverte a economia biolégica do planeta e, mais importante, modifica as subjetividades” (Soler, 2018, p. 27). No que tauge & adolescéucia, enquanto produgao discursiva no mundo capitalista, ela se toma um tempo de indeterminagao em que todas as escolhas “ainda estio pendentes enquanto o organismo completon sua manuracao” (Soler, 2017, p. 36). ‘Ao longo dos anos, romou-se perveptivel que a adolescéncia & um produto da subjetividade produzida pelo capitalismo. Historicamente, 05 adolescentes tendem a constituir agrupamentos na tentativa de pleitear uma identidade de grupo. por meio da construc de habitos comuns de conctuta e de consumo. Assim posto, para além dos lagos entre eles, o que os Une €0 laco de cada adolescente com um objeto passivel de responder pelo pertencimento ao grupo. Encontramos, em tal modo de funcionamento, a base daquilo que Jacques Lacan protagonizou a0 propor o discurso capitalista. Em algum momento da historia, houve uma transformagto no discurso do mestre e, a partir do que Lacan chamou de “mutagto capital”, howe um esvaziamento da imporéncia do mestre. Como diz, “por terem sido dissipadas as nuvens da impoténcia” (Lacan, 1992, p. 189), 0 discurso capitalista faz erer que tudo pode, que é possivel fazer existr a relagao sexual dada a relagao direta entre 0 S$ €.0 objeto (a) nesse discurso (S/S, ®a/ S,), numa tentativa sempre fracassada de uma completude fantasinética. ‘Assim, a caracterstica fundamental que este tempo histérico marcado pelo discurso do capital apresenta aos jovens & segundo Soler (2017), a do tempo do suspense, o qual implica, necessariamente, a5 expectativas ainda nao sujeitas a qualquer teste de realidade, grandes souhos e até potencialidades utdpicas. Diz a autora que este tempo é téo determinado pelo discurso capitalista que conhecemos sociedades nas quais @ adolescéncia, enquanto discursividade, nfo existe. Dessa fmaneira, os impasces dos sujeitos adolescentes em responder pelo desejo e 0 go20 0s levam a hecitar na operagio de desalienagdo dos ideais sociais aos quais esti apalavrados, por neles se alojarem. ‘A psicandlise lacaniana, ao partir da hipétese de que o inconsciente ¢ estruturado como uma linguagem, leva em cousidemiao que w ecouomia capitalista iusiaure uu uideur discursive yue 9e ius uu iulividuus que esiae deuto dessa economia. Os estudos de Freud (1921/1996g, 1923/1996h) sobre a psicologia das massas e sobre a segunda tépica do aparelho psiquico enfatizaram que 0 individuo ¢ o social s8o solidarios ao discurso do seu tempo. No que tange aos swjeitos adolescentes, ha uma travessia a ser teita no nivel das identiticagdes. As primeiras identificagdes, com as autoridades familiares © sociais, citcunserevem sujeitos apalavrados a um discurs0, a0 qual ‘lease al jane coe oa gunit-xe coo lgraie icdeidades de giv. nese sentido, também, que WpoRElvel archer adolesceacia como uma forma de subjetividade produzida pelo capitalismo. Os sujeitos adolescentes, ao promoveremt a queda das primeiras identficacdes, constroem outros ideais, outros idolos, que, mesmo pela negativa, terminam por reprodu7ir os discursos aos quais eles tornaram-se apalavrados. Counudo, pelo fato de ser franqueada aos sujeitos adolescentes a possibilidade de vivenciar a sexualidade, 0 engodo da tentativa de completude fastamuitica fracassa e leva & subjetivacio da falta no Outwo. A sexualidade em causa desmonta a possibilidade de coldagem entre 0 sujeito e seus objetos, pois estes s40, desde sempre, metonimicos. A no complenide relanca a condicio de sujeito desejante e intérprete para além dos marcadores biolégicos. ‘esse cenério, o mal-estar, que € constitutive do ser humano, apresenta-se em modos de sofrimento, cujos noves euiciadds remeieun wun uliauge enue v Uiscusy capituista © 9 deteuinisn bivldyicy, desemibucaude ein une psiquiatrizacio da vida. Na clinica, percebe-se a reproducio de ditos como: “Eu sou portador de TDAH”: “Vi no Googie que isso que ela tem é bipolaridade”; “Descobri que o problema ¢ TOC”, ¢ imimeras eutras categorias sobre as quais nao hha muita retlexdo critica. Assim, 0 siyeit, solidario com o discurso do seu tempo, ajusta-se as exigencias do laco social, € as disposigdes psicolégicas sto tratadas como meios mercantis (Soler, 2018). Esse discurso do capital, em parceria com cetto discurso da ciéncia, favorece a fabricagdo de pacotes diagnésticos cada vez mais centrados em sintomas e menos em Revista Subjebvidedes, (Especial): 9311, 2020 3 Polivan Siveira de mci e Andrés Horio Fernandes quadros elinicos, 0 qne esta intimamente ligado a disponibilizacdo de medicacdes especificas para cada queixa do sujet, tomada agora una patologia. Acesse respeito, Moreira ¢ Coutinho (2018, p. 61) mostram que a cultura contemporduea “vem promoveudo a fixacdo de questdes eimpacces presentificados na adolescéncia a diagnécticos e a outras nomeaeSes patologizantes/marginalizantes, que esvaziam o Ingar de fala do sujeito”, nio favorecendo que cada um possatratar seu préprio mal-estar de maneira singular ‘Além disso, as autoras acreditam que a medicalizacdo também esvazia “a responsabilidade dos diversos atores sociais Cevvol, ful, comunidad et.) comy importantes interlocutor 1a eousiiuvao dese discuiso prdptiv plu aluleseenite™ (Moreira & Coutinho, 2018, p. 61). Dada a conjuntura atual, cabe localizar o posicionamento da psicanilise nesse campo de didlogo do que seria a adolescéncia. No ambito de tim discurso que entendemos como o da psicandlise, trabalhamos, neste artigo, com a hipotese de que a adolescéncia ex-siste’ a puberdade, no sentido de ter com ela pontos de convergéncia, mas, ao mesmo tempo, ser niotoda circunscrita pelas transformagdes anatomofisiolégicas. Diante disso, algumas questdes tornam-se pertinentes, especialmente apés mais de um século da publicagao dos Tres ensaios sobre ateoria da sexualidade de Freud (1905/1996d), no qual o autor fala da puberdade a partir dos marcadores biolégicos. mas também para além deles, evidenciando as exigéncias de trabalho de subjetivacto que se impdem com as transformagées corporal Desse modo, o presente texto parte de alguns questionamentos que advem da clinica com sujitos adolescentes, em especial sobre questées que tangenciam o corpo: como articular essa passagem temporal diacrénica que promove maturagdo biolégica & temporalidade ldgica da adolescéncia? O que € 0 corpo adolescents? E o que dizer do encontro com o corpo do Outro? ‘05 procedimentos da pesquisa foram estabelecidos numa estreita articulagio entre a clinica e a teoria psicanaliticas Frend (1912/1996e) ja havia declarado que pesquisa e tratamento coincidem na execucio da psicandlise, na medida em que 0s casos intesrogam a teoria. As reflexes propostas neste texto surgiram, inicialmente, a partir da realizacao da pesquisa de ‘mestrado de Almeida (2019), intinulada Tranicar e tecer a feminilidade na adoleseéncta: 4 construgdo do caso clinica em sicanélise, defendida no Programa de Pés-Graduacdo em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, ‘A partir dos casos construidos na pesquisa de mestrado, uma nova questo se apresentou e movimentow @ escrita deste texto, cuja hipétese central diz respeito a concepedo da adolescéncia enquanto uma producto diseursiva instaurada com o capitalismo. Tal perspectiva buscou examinar em que medida o fato de os sujeitos estarem sempre apalavrados a0 diseurso de sua época contribu para 0 aparecimento de wma forma de subjetividade dita adolescente, que se apresenta para além da puberdade, como marco biotégico. Pelo exposto acima, as auroras foram levadas a construir um artigo teérico-clinico no qual buscaram realizar uma andlise critica de um tema abrangente de investigagto, acerca do corpo do sujeito adolescente numa leitura psicanalitica, assunto de grande importincia e interesse para as reas de psicologia, psicanilise, educacdo e said. Taicialmente, no t6pico denominado “Adoleseéacia: como abordar?” cert realizada a apresentagdo do estado da arte do tema, numa interlocudo de como a adolescéncia é permeada pelas mudancas morfolégicas da puberdade, ao mesmo tempo em que toda uma nova organizacdo da subjetividade se coloca em funcionamento. A partir da premissa formulada por Freud (1905/1996W), de ye a tafe ais importante w set ealicada pelos wolescentes € v desligamenty ds auloridade pareutal que impulsiona uma nova organizacio subjtiva, duas questoes nortearam as elaboragées construidas nests parte do texto: o que podemos dizer da relacdo do sujeito adolescente com o inconsciente? E como o sujeito adolescente lida com a diferenca sexual? ara tanto, ¢apresentada e tundamentada a definigao da expressao “sueito adolescente” (Albert, 2009) em conexao com 0 fato de a psicanilise considerar 0 sujeito como efeito do significante e dele se presentificar nas formagdes do inconsciente, que sio produgdes da linguagem, especificidade do humano, para além da fisiologia molecular de todo corpo vive. Aadolescéncia, ao ser entendida pela psicandlise como uma forma de subjetividade resultante do capitalismo, convoca que a clinica psicanalitica leve em consideracdo os tempos de eferuacao da estraturagao psiquica e tente dar voz aos sujeitos adolescentes. Dessa forma. o discurso do psicanalista assume a tarefa de acolher a suhjtividade de cada época. abrindo espaco para as elucubracées de saber prépria a cada um em particular, o que pode franquear aos sujeitos adolescents lidarem com seus corpos, Esse discurso tem como agente o objeto a, por iss0 esta parte foi intitulada Adolescéncia: como (a)bordat? “Acegunda parte do texto dedica se ao exame da relagto entre 0 Corpo préprio ¢ 0 corpo do Qumro. Para a pisanilise, & na relacio com 0 Outro da linguagem que a crianga pode vir a construir uma imagem do sen corpo. a partir ena confiuéncia da imagem do outro que & um arauto do Outro. O outto ¢ 0 semelhante, outro ser vivo, e € através dele que a crianca pode Facer sus ental a inguegen Entre o sujito e o Outro todo, o campo pulsional e libidinal pode se formalizar na tentativa de criar condiedes de lacos entre os falantes. Nunca haverd uma reciprocidade completa entre 0 sujeito ¢ 0 Outro, dado o tisco de submissio do sujeito 7 "Neslogisi usado por Lacan # defini por ele como “ess fra que nao € um néo-dento”(Lacsn, 20072) Otero ésustentado pes logic co, a qual o prndone espacial &aceita. 4 Rensta Subjetvicases, 20(Especial 2): €9311, 2020 0 Suiete Adolescente e o Como: Uma Letura Psicanaltica aos designios deste itimo. O texto argumenta que o sintoma, para a psicandlise. seria uma maneira dos sujeitos adolescentes se questionarem sobre sua relagdo com o Outro, na busca de encontrar formas de lidar com seus fincionamentos psiquicos, que estd articulada com a maueira como subjetivam seus corpos. ‘A teoria dos diseursos traballiada por Jacques Lacan é retomada nesta parte para contrapor certa patologizagao da adolescéncia que insiste em se fazer presente na confiuéncia entre o discurso do capitalismo e do discurso mestre. primeiro, a tentativa de fazer relagdo direta com os objetos desconsidera que o sujeito néo & uma substincia, mas sim tau efeto dat Linge, No segundo, hi a tentative de patulogizar winavéd de Uiguudsticos que se upuiai ma Ubseivaya0 de comportamentos em descontinnidade com a fala dos sujeitos. Os disgnésticos tentam dar substancia ao que hi de ingubstancial no corpo do ser falante,atravessado pela libido c pelas pulsdes. Alguns recortes de casos clinicos, nesta parte, ‘tentam dar tratamento a essas questdes. Adolescéncia: Como (4)Bordar? ‘Temsidofrequente, na contemporancidade, diferentes discursos fabricarem pacotes classifcatérios em fungdo de conjunturas ¢ de problemas que supostamente se relacionam com as etapas da vida, Embora a psicanélise se coloque na contramao disso, procedendo de tim a um, “ela ndo se excetua na fabricagao de catezorias, como nas estriuras clinicas: neurose, psicose, perversio; mas hé também as mulheres e as maes, muito na moda, ¢igualmente as criangas e adolescentes” (Soler, 2017, p. 35) ‘A autora considera que, de todas, essas duas‘iltimas “esto mais ajustadas ao que Freud revelou quando descobrin 0 inconsciente” (Soler, 2017, p. 35). A questio da inféncia e do que resta do infantil na estrutura do sujeito esté posta desde Frend e 6 partilhada por diversos autores até hoje. Mas, e quanto ao “sujeito adolescente"? O que podemos dizer sobre a sua relago como inconsciente? E ainda: como o sujeito adolescente lida com a diferenea sexual? Entendemos que o termo “sujito adolescente” (Albert, 2009), embora nto tenba sido utilizado pelos cdtones, etd em consondncia com o ensino de Freud e de Lacan sobre o inconsciente estruturado como uma linguagem. O sujeito tomado em sua relagdo com 0 significante nao designa “o substrato vivo de que precisa 0 fenomeno subjetivo, nem qualquer especie de substéncia” (Lacan, 20088, p. 126), mas sua constituigdo diz respeito divisto propria da linguagem entre o dito eo dizer. 0 sujeito é, portato, efeito, endo substincia, Na psicandlise, 0 sujeito ndo se confunde com a pessoa nem com 0 eu, ¢ “deve ser distingtido tanto do individuo biolégico quanto de qualquer evohicao psicologica classificével” (Lacan, 1998b, p. $90). ‘Enquanto o individno adolescente (piibere) indica uma pessoa que se encontra em uma determinada faixa etéria, eujo limite cronolgico varia muito, conforme o érgao ou documento legal, e na qual se constata transformacdes biolégicas. 0 suijeito adolescente indica 0 efeito, @ resposta aos impasses da vida humana, que se dé a ver pelas formagdes do inconsciente, Embora Frend (1905/1996d) tena sempre utilizado o termo puberdade e isso merega uma atualizagio, faz-se necessério que estejamos advertides de que as construgdes freudianas sobre a questo tranccendem a dimensto estitamente orginiea, haja vista 0 conceito de pulsio, que subverte a divisto estanque entre 0 psiquico ¢ © somitico. Feita essa ressalva, encontramos em Freud algumas pistas sobre o que poderiamos considerar como especificidade dy teupe lGgivy cleanly aloleseéucia. Una das unais embleusticas € a idea de que uesse feimpu “ Cousuunt-se une das realizages psiquicas mais sigificativas, porém também mais dolorosas,(..) 0 desligamento da autoridade dos pais” (Freud, 1905/19964, p. 214). Isso quer dizer que o sujeito é convocado a dar sua resposta, em nome proprio, ao fato de estrutura, escrito por Lacan pela tormtla S(A), signticante da falta no Outro, ot seja, a0 tato que indica que o Outro ¢ inconsistente, € faltante tal qual o sujeito. ‘No que conceme a essa tarefa de “desligamento da autoridade parental” (Gerbase, 2010, p 26), 6 importante ressaltar que 0 outro parental € tio somente um arauto do Outro, este sim traumético por estrunura, Segundo Gerbase (2015, p. 54), as formacdes do inconsciente sto fatos de linguagem, formagdes do significant, e, por isso, “fazer condensagao deslocamento nao depende da familia. mas da fala. ainda que da fala de papai e mame”. Por eonsegninte,tratanda-se da estrutura de linguagem, para se examinar a questio da alteridade na psicandlise, ¢ fundamental o par sejasujeito-Outro. Para tanto, as operagdes de causagdo do sujeito —alienacdo e separacdo —, formuladas por Lacan, ajudam a peasar esse movimento. Enguamto a alienagio diz reopeito a uma escolha forgada de entrada na linguagem. que implica a divisto do sujeito (- $ - )~ “uma vida decepada” (Lacan, 2008a, p. 207), a separacao diz respeito a tm retorno da alienacdo. Isso come porque a relacdo entre o sujeito € o Outro & circular € no reciproca, pois nao hi simetra, justaposicdo ou correlagao ‘do sujeity clade aw Out, wo sujet pelo que ele viu asi usm aparecer uv campy dy Outky, do Ouuy que ld retetL™ (Lacan, 2008a. p. 196). Assim, & quando se depara com a falta do Outro, com a sua inconsisténcia, que 0 sujeito responde com sua prépra falta, ou seja, com aquilo de mais radical na sua constituicao, a divisio ‘Aguilo que Freud chamou de “desligamento” ja se coloca para a crianca e podemos pensar nos tempos de etetuagao da estrutura como marcos desse encontro do real. No entanto, o que se passa na infincia, enquanto instante de ver, resta como trago a ser elaborado num sédepois, como apresentado na tese fendiana sobre a sexualidade infantil: “nenhuma experigncia Revista Subjebvidedes, (Especial): 9311, 2020 5 Polivan Siveira de mci e Andrés Horio Fernandes sexnal produ qualquer efeito enquanto 0 snieito ignora toda e qualquer sensacio sexual — quer dizer. em geral antes do inicio da puberdade” (Freud, 1895/1996e, p. 385). Dito isso, parece que a especificidade da adolescéucia tem alguma selaco com o saber, pois, apds o “instante de ver", hi uma convocagio 4 tavecsia na fantasia (S © a)! ee antes a erianga ccupava 0 lugar de objeto para um sj cla ¢ chamada a assumir 0 lugar de sujcito em relacdo (conjuncio, disjuncio) a scus préprios objetos. Dessa maneira, sem planejamento prévio, sem um manual que possa prepari-lo, o sujeto ¢ langado no “jogo de escolhas” que é a vida, nas palavras de uit joven anslisante, O sujeito € joualy no “iexupo de compreeuder” (Lacan, 1998e), tempo de eoustiuit un haga par i, conforme Costa (2014). Tempo em que “hipdteses sio construidas (..) sobre o que se ignora de si. Entretanto, nio se pode dar garantias sobre as pressuposicdes, pois nfo existe um significante que consiga fixaro sujeito em seu ser” (Costa, 2014, p. $10) Freud (1895/19%6c, p. 411) taz uma interessante analogia: “cada individuo adolescente porta tragos de memoria que s0 ‘podem set compreendidos com a manifestacao de suas priprias sensagdes sexuais; todo adolescente, portanto, traz dentro de si o germe da histeria”. O que seria o germe da histeria? Aproveitando o rastro deixado por Freud, poderiamos propor, utilizando a teoria dos discursos de Lacan (1992), que a adolescéncia, enquanto tempo ldgico emblematico de encontro com a falta no Outro, teria como paradigma o discurso da histerica, no qual o sueito dividido (S) esta em posigdo de agente interpelando o outro, enquanito significante mestre (), para produzir tm saber (, deixando um residuo (a) na operacto. ‘Qual o saber que se pretende produzir nesse discurso? Lacan (1992, p. 98) diz que o discurso da histérica tem o meérito de “manter na instituigdo discursiva a pergunta sobre o que vem a ser a relagio sexual, ou seja, de como um sujeito pode sustenté-la ou, melhor dizendo, nfo pode sustent-la”. N2o pode sustenté-la, porque é da ordem do impossivel fazer, de dois, lum; e 0 objeto a, aparecendo no lugar da verdade nesse discurso, atesta essa impossibilidade, tanto pela sua dimensto de perda —"é isto que designa a letra que 18 como sendo objeto a” (Lacan, 1992, p. 13)— quanto pela caracteristica da verdade enquanto um lugar ~“nunea se pode dizé-la a nfo ser pela metade” (Lacan, 1992, p. 36) Tomar esse como o discurso paradigmitico do suieite adolescente favorece. ainda, a tica do euidado, uma vez que supor que, no grito, na rebeldia, na escarificacdo, no sintoma, hd um sujeito, toma possivel manejar tudo isso como um apeto. £ esse viés que a psicandlise pode ser til no pereurso de elaboracao dessas turbuléncias, uma vez que se opera pelo diseurso chamade do analista, o qual, assumindo a fungdo de semblante de objeto (a), possibilita que o sujeito($) comparecae produza seus significantes () em associagdo livre, mostrando que nao hé um saber () que responda pela verdade, jé que ela € nio-toda, Esse discurso favorece que o sentido deslize, operando justamente nas cristalizagdes embutidas em todos 05 “eu sou” para promover giros. O analista, assim, cria condic6es para que o sujeito tena desejo de saber. Abre, com isso, um campo de invencao para que ele consiga tanto fazer borda nas experincias mais mortiferas que o fazem se sentir & deriva no vazio de seutido quanto, caso seja possivel, bordar, com seus significantes, uma nova tram dos fios deixados pelo romance familia Este se mostra, passo a passo, insuficiente para dar conta dos enigmas do amor e da morte e, também, de uma questio incisiva, que é a de como (ajbordar © corpo do Outro. Devenvolveremos esse iltime ponto a seguir © Corpo Préprio ¢ Corpo do Outro ‘Nao hi como nao se deparar com a questio das transformacSes pubertérias em um determinado momento da vida. No que tange A adolescéncia, parece haver um ponto de disjuncio entre esta ¢ a puberdade, denunciado pela propria existéncia Jogica da temporalidace inconsciente, Hssa nao contormagao puberdade-adolescencia, aclusive, fica evidente nas discusses contemporaineas sobre o que Birman (2011, p. 2) chama de “alongamento da adolescéncia”, a qual “eomeca hoje bem mais cedo do que ontrora e que se prolonga tamiém bastante, no campo que se denominava antigamente de idade adulta”. Talvez ossamos questionar se h4 mesmo un alongamento — 0 que sup6e que algo comecou em um ponto especificoe se estendeu — 01 se 0 sujeito pode passar pela puberdade, mas 36 se deparar com a adolescéncia enquanto tempo légico de convocagdes em um s6-depois das transformacies pubertarias © corpo objeto da medicina no levanta suspeitas, a que esse diseurso faz equivaler compo e organismo, e todo furo no saber é pretensamente tamponado a cada desvoberta das tecaologias e da ciucia, Todavia essa suspeita se impte nesse dizeurso quando, no corpo, nfo 22 encontra evidéncia, por ona vez entendida como prova etiolégica pela Fisiologia ou pela anatomia. Pocemos dizer que foi nesse ponto que a psicandlise comecou ¢ de onde partiu Freud, neurologista, que, sob infivéncia da escola francese, especialmente pela experiéncia com Charcot, pode questionar sobre o que faz com que alguéim apreseute siutoumy mivlotes seul que isso seje efeilo de Uisfuuydu ou lesdu nes Celules ei voses. “ues sues pataivies € e1L otras manifestacdes, a histeria se comporta como se a anatomia no existisse, ou como se nio tivesse conhecimento desta” (Freud, 1893/1996b, p. 212). Assim, o sintoma histérico escancara esse “mistério do corpo falante” (Lacan, 2008), p. 140)¢ Freud for suficientemente sensivel para petmitir que 0 dado clinico se sobrepujasse a teoria localizacionista ‘No texto Tratanmento psiquico ou aninico, Freud (1890/1996a, p. 272) discute a divisto entre o somitico e o psiquico, fazendo uma critica medicina de sua época, que insistia em “representar © animico como determinado pelo fisico e 6 Rensta Subjetvicases, 20(Especial 2): €9311, 2020 0 Suiete Adolescente e o Como: Uma Letura Psicanaltica dependente deste”. recuando ante a possibilidade de antonomia do registra psiquicn “como se com isso fossem abandanaro terreno da cientificidade”. O corpo humano, dessa maneira, nfo respeita o mapa anatOmico, fo é um dado de natureza, mas se fabrica com o discurso e isso 0 define como “corpo sensivel a um dizer” (Lacan, 2007b, p. 18) ¢ o separa radicalmente do organismo puramente animal no qual “ha instinto, ox sea 0 saber que sua cobrevivencia implica” (Lacan, 2003, p. $10) Pela intrusdo da linguagem, que marca defnitivamente a carne do ser falante, se transforma radicalmente a relacio do sujeito com seu corpo, posto que o sujeito nfo é um corpo, mas cré que o tem. “Na realidade ele nfo o tem, mas seu corpo é sixties consistent, evusisteucie mieuta, € clay, pois seu eorpe sei fore & todd instaute, U copy Useerto LY Se evapOre e nesse sentido ele & consistente” (Lacan, 2007b, p. 64) ‘Nessa mesma aula, Lacan define consisténcia pelo que mantém junto, ¢ por isso que ela é simbolizada pela superficie. “So temos ideia de consistencia pelo que se constitu aco, Mesmo 0 corpo nds o senttimos como pele retendo em set s2c0 ‘um monte de 6rgios” (Lacan, 2007b, p. 63). Desse modo, aquilo que 0 sujeito acredita possuir, 0 que sente como corpo proprio, é similar a0 eu em sua consisténcia e, como demonstra Freud, ambos sio “entidade de superficie", dai vem a ideia de que tanto 0 compo quanto 0 et sao instancias que conferem alguma ideia de unificagao. Segundo Freud (1923/1996h, p.39),“o cu, primeiro ¢ acima de tudo, um eu corporal, ni é uma cntidade de superficie, mas é, 0 proprio eu, a projecao de uma superficie”. Na nota de rodapé do mesmo texto, ele afirma que o eu pode ser encarado como nia projecao mental da superficie do compo, Essa tese freudiana estéalinhada a0 complexo ético que Lacan chania de estédio do espelho, 0 qual foi definido por ele como “a transformacio produzida no sujeito quando ele assume uma imagem” (Lacan, 19984, p. 97). A fundacao do eu, via imagem especular, confere a assuncao imagindsia de um corpo. E e350 articulagdo freudo-lacaniana esté na base do argumento da “adolescéncia como s6-depois do estidio do espelho”, que 0 psicanalista francés Jean-Jacques Rassial propée. (© estidio do espelho ¢ 0 momento — légico, tanto quanto cronolégico — em que o sujeito constiui num eu este objeto separado da mae, dependente, defsituoso, representado por um corpo, fechado pela pele e eapaz de um minimo de autonomia ‘Momento, pois, de fechamento ilusério (mas decisive) do sujeito num corpo € ao mesmo fempo de abertura para o mundo ‘objetal e as dimensdes do outro e do Outro. (Rassial, 1999, p. 45) Isso seria o que acontece na infancia: “um fechameoto decisive mum corpo. No entanto, quando Lacan fala de “assumir uma imagem”, é importante que se diga que uma imagem nao ¢ encerrada no imagindrio, ela comporta uma cota de real que resta inapreensivel. Assim, podemos argumentar que o estédio do espelho nao garante wnidade corporal nem tampouco do 20, Todavia, evidentemente, hi algo dessa ordem, una sedimentaco feta via sentido que constr certa botda de fato, as © contomo segue poroso, borrado. E a barreira entre o eu e o Outro chega a adolescéncia por fazer. “Aquestio & que, conforme Rassial (1999), a estruturaglo da imagem do corpo, que jf aconteceu, uma vez que a puberdade fsiolégica perturba essa imagem construida na inféncia. Diante dessa colocacdo, cabe perguntar: seriam a aparicdo dos caracteres secundarios e a ebuligo hormonal que desarrumariam 0 que ali ja estava pronto? Ou o ploptio complenu ew-cowporal € pucial © Gaguentalo unesiuy desde a infarc? ‘A relacio do ser humano com seu corpo, apesar de este ser absolutamente capturado pela sua imagem, 6 marcada pela estranheza e pelo mal-estar (Rinaldi, 2011). O corpo dito préprio é, na verdade, um estranho, Uma série de experiéncias que se escuta na clinica atesta 1850, como quando uma analisante chama de “despersonalizagao” se olhiar no espelho ndo se ver, gerando tuma série de questdes sobre sua identidade: ou quando alguém em franca tristeza que diz sobreviver apesar desse “corpo” de tmulher que sente como fardo desde a puberdade. A prépria experiencia invasiva da alucinagio na psicose, a conversio histérica, a cisalha do peusamento obsessivo, 0 fendmeno psicossomitico, a euurese wotumma, a encoprese nas criangas, a sindrome do membro fantasma em amputados, a anorexia etc, s20 diversos os exemplos que indicam que a relacao do mmano com sen corpo esté longe de ser natural. “Sua consisténcia. na verdade. s6 pode ser ‘mental, em que a sexualidade, ao se dizer, mente e deixa um resto. Por isso 0 corpo escapa a todo instante € s6 pode ser tocado como sintoma” (Rinaldi, 2011, p. 442) © cintoma, modo da aceze0 a alguna vardade do eujeito, toca 0 corpo a qualquer tempo da vid Pasa Racal (1999, p. 19), no entanto, pelas modificacées que excedem o corpo imaginario, “a puberdade pode ser vivida por alguns adolescentes como uma doenga”. Pensamos que nfo € necessirio a psicandlise sustentar essa ideia ov, do contrétio, comremos o risco Ue vain ma putologizayao da experigucia adulescente. AV couudaiy de “docu”, v couveito de “intone” inuica ues said singular, o modo que cada um encontrou de se sustentar e que tem um sentido conforme descoberto por Freud, e uma relacdo coma realidade sexual do inconsciente (Lacan, 1998c), Sabemos que nem tudo de que o swerto se queixa ¢ um sintonta, nem mesmo todos os problemas dos quas talam os adolescentes sto sintomas (Soler, 2017) Para Soler (2017), a tese fundamental é que todo sintoma clinico é um sintoma sexual, e, por sexual, podemos dizer que é © que tangencia as relacées entre sujeito & 0 Outro. Alguns antores vém ora posta A prova, Revista Subjebvidedes, (Especial): 9311, 2020 7 Polivan Siveira de mci e Andrés Horio Fernandes trabalhando nessa direcdo e apontam. por exemplo, a anorexia como “a recusa do sujeito a saisfazer o Ontro da demanda” (Fuks & Pollo, 2010), a escarficagdo “como experiéncia que vincula, pela corporeidade, o sujeito ao Outro” (Oliveira, 2016), ¢ a5 tatuagens e piercings como “aiarcas que buscam fazer borda, sdo recortes que tém a ver com a erotizacto e stia necessidade de cuporte no Outro” (Costa, 2003 citado por Moreira, Teixeira, & Nicolst, 2010, p.SE8). ‘Assim, mais do que um movimento a posteriori de “se reapropriar de uma imagem do corpo” — que segue pendente durante a vida —-nesse sdepois proprio da adolescéncia, a especificidade maior é que “ha umm desmoronamento da consisténcia arcutal iumgiuétia dy Out” (Rassial, 1999, p49). sso uve pelo proprio movineuty pendular ulienagdoseparayay. 19 qual, no fechamento do cireuito, ha tum recobrimento das das faltas. O que é revelado a partir da extracio do objeto é que a divisdo do sujeito também esté para o Outro, © a este também falta um significante (Lacan, 2008a). E 0 encontro faltoso sobre o qual Lacan (2005) se retere com trequéncia e que pode ser tomiado como um encontro bemsucedido com a inconsisténcia do Outro, S(A). (© encontro com o real, entendido em psicanilise como o iredutival a linguagem, s¢ di em todos os momentos da vida do sujeito, no entanto, a puberdade aparece como um momento paradigmitico desse encontro, Nele, o sujeito adolescente pprecisari criar uma solugio prépria para lidar com 0 néo saber fazer com essa dimensio real que emerge a partir do corpo. (Guerra, Cunha, Coste, & Silva, 2014, p. 171) Desse modo, “a adolescéncia éa dade do encontro com o coxpo do Outro” (Soler, 2017. p. 36), ¢ desenvolveremos essa frase nas préximas péiginas. Essa formulagdo no quer dizer 0 encontro com outro organist, individuo ou aparato genital, © compo do outro, assim escrito com minisculs, 8 aquele do qual o sujeito supde gozar e isto é s promessa da puberdade. Conforme Backes (2004), na interdieo da sexualidade da erianca também esté insevito uum juramento de que ndo se pode gozar do corpo dos pais, mas que, em outro tempo, erd permitido gozar de outro corpo, ou melhor, que seré possivel fazé-Lo. Essa promessa se liga a ideia de um primado da genitalidade com o advento da puberdade. Conforme Rassial (1999, p18), embora o compo da crianga também tenha sofrido transformacdes importantes no curso do seu desenvolvimento, na adolescéncia, “este corpo muda de estaruto essencialmente porque a genitalidade ocupa wma ‘posicio dominante para o sujeito”. O autor coloca énfase no fato de que, com a puberdade, haveria a assunedo de umm “corpo genitalmente maduro”, e essa ideia nos parece tm pouco problemética, merecendo algumas ponderacdes, Para comecar, a idcia da assuncio da genitalidade nao ¢ de Rassial (1999), mas de Freud, ¢ aparece nos Trés ensaios sobre a teoria da sexwalidade, em que ele apresenta “as fases de desenvolvimento da organizacao sexual”. Nesse esquema, a vida sexual infantil (essencialmente autoerdtica e formada por pulsdes parcias, independentes entre si) segue um percurso que culmina com a puberdade, em um aparelho que atingiu o seu propésito: “a pulsio sexual coloca-se agora a servigo da fuse reproditora [atifo nosso}; toma se altrusta, por aocim dizes” (Freud, 1905/1996d, p. 196). (O desfecho do desenvolvimento constitui a chamada vida sexual normal do adulto, na qual a obtengdo de prazer fica a servigo ‘Ga funugdo reproduwera, ¢ as pulsOes parciais, sob o primado de uma dnica zona erOgena, forza ue organizaya Solida para ceonsecucdo do alvo sexual num objeto sexual alheio. (Freud, 1905/1964, p. 186) A concepedo de Freud, nesse momento, ¢ a de uma evolugao que inia do autoerotismo a0 ato copulatorio, passivel de acontecer porate as Zonas genitais “assumiram seu papel preponderante”. Essa tese é comentada por Lacan no Seninrio XI: ‘A descrigdo dos estigios, formadores da libido, no deve ser referida a una pseudomaturagdo natural, que permanece sempre ‘opeea, Os estigios se organizam em torne da angistia de castraydo. O fato copulatorio da introdugao da sexualidade é traumatizante = ai esti tim fisgamento de vulto ~ tem rma fume arganizadore para o desenvalvimenta. A angiistin de eastragio & como um flo que perfura todas as etapas do desenvolvimento. Ela orienta as relagBes que s4o anteriores & sua aparip2o propriamente dita ~desmame, disciplina anal etc, Ela cristaliza cada um desses momentos numa dislética que tem por centro um mau encontro, Se ontes, om fungi do ou ro 2 possival om tormoe do mau envontro. (Laoaa, 2008, p. 68) E preciso atualizar o que Lacan ai chama de “angistia de castracao” para S(A), de modo que é o “mau encontro” 0 cemme do moblenu, Seyuindo esa indivayao de Lacan, yodeios vol, endo, a Fisud e nota que esse descompaso vei Uewle vseguinte postulado: “uma s libido” (Freud, 190S/1996d, p. 207), independentemente dos “caracteres sexuais fisicos", “caracteressexuais imentais” ou “tipo de escolha de objeto™. Atualizariamos o postulado de Freud, para um s6 signficante,o falo, ou hé-Um, ai ‘rend (9201996f, p 182) faz esa ciferencardo no texto 4 Paicogeese do Caso ce Homossesualismo de uma Mulher« pondera que “ess casstvstias et oorto pons, vanam independonements nme de ontea © am indvisdass diferentes fo encontradas em pemnitaptes mil 6 Rensta Subjetvicases, 20(Especial 2): €9311, 2020

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