Está en la página 1de 19
CO Ns iL ele s4 Cia tan) LABORHIS ‘A FORMAGAO DO HISTORIADOR ELIO CHAVES FLORES? REGINA BEHAR (ORGANIZADORES) & UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA reitor JADER NUNES DE OLIVEIRA vicereitor MUCIO ANTONIO SOBREIRA SOUTO eatertl EDITORA UNIVERSITARIA diraor Jost DAVID CAMPOS FERNANDES: viceditetor JOSE LUIZ DA SILVA Alviso de produgio 'ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR divisio de eitoragio MARTHA MARIA BARRETO DE OLIVEIRA FAIA Formagio do historador Tadigdes edescobertas/Blio Chaves Flores, Regina Behar (orgaizadore) - Joo Pessoa: Editora Universitaria, 2004 112p. 1. Historiador - formagao 2, Historia - Brasil republicano 3. Historia - Paraiba Colonial I. Flores, Elio Chaves Il. Behar, Regina. UrPB/BC CDU: 94681) Direitos desta edigio reservados a: UFPB/EDITORA UNIVERSITARIA Caixa Postal 5081 - Cidade Universitiria J. Pessoa - Paraiba - Brasil - CEP $8.051-970 ww editora-ufpb.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito 0 depdsito legal Capitulo 2 A Formagao do Historiador: tradigdes e descobertas A Dificil Arte de Ensinar e Fazer Historia Uyguaciara Veléso Castelo Branco” Ensinar compreende nao apenas a socializagio do conhecimento historicamente acumulado, mas principalmente o Processo de tornar o aluno participe da produgdo desse conhecimento, dando-lhe ferramentas importantes e necessdrias a execucéo dessa tarefa. Que ferramentas seriam essas? Certamente, instrumentalizar alguém para executar, de maneira competente, uma tarefa simples, nao parece ser dificil. Mas o mesmo nio pode ser dito para a produgdo do conhecimento. Primeizoy pressupGe que os professores sejam eles mesmos instrumentalizados. Segundo) entra em cena um instrumental que nao é fisico, concreto, mas fundamentalmente abstrato: so _caracteristicas cognitivas que tornam o aluno um pesquisador nato. "a Para entender melhor esse aspecto, achamos importante abrir \ um parénteses e discutir, brevemente, como se da a aprendizagem pelo * ser humano. Segundo Jean Piaget’, para que o individuo aprenda é necessario uma _situa¢do-problema que Provoque um conflito Lognitivo, ou seja, um processo de desequilibrio somente causado pelo contato com 0 novo ou com algo desconhecido. Para resolver o conflito provocado, o individuo passa a estabelecer hipoteses Possiveis para solucioné-lo, utilizando seu repertério de conhecimentos acumulados ou adaptando-o ao inusitado. Com essa atividade cognitiva, o individuo amplia enormemente seus recursos de cee eee iste " Professora_ do Departamento de Fundamentago da Educagto/Centro de Educag4o/UFPB e doutoranda no Programa de P6s-Graduagio em Historia UFPE/UFPB. ' PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. 21 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 1995, 29 A Formagtio do Historiador: tradiges ¢ descobertas . des cada vez entendimento, tornando-se mais apto a enfrentar situagdes cada mais complexas. Com base nesses fundamentos, voltemos ferramentas. Para tornar 0 aluno um_pesquisador, ¢ importante que 0 contetdo a ser aprendido seja novo, intrigante_e relevante para sua experiéncia de vida, estimulando-o a tentar compreendé-lo. Se esse processo de ensino-aprendizagem é importante na educagao basica, (.,)imaginemos no ensino superior... E isto que diferencia os centros de ensino da concep¢ao de Universidade. Para sair da mera transmissao € | feproducao de conhecimentos, a definigéo de Universidade passa a considerar como fundamental a articulagdo pesquisa-ensino-extensdo, ou seja, que a socializacao do conhecimento esteja em via direta, associada a sua producio tedrico-metodoldgica e a sua aplicabilidade social, politica e cultural, transformando a realidade e fazendo sentido a experiéncia.! Dessa forma, segundo Regina Toscano’, “o ensino, a grande vocagao das universidades, nao pode ser efetivado com qualidade se estiver_separado_da_pesquisa, e se os resultados da pesquisa nao servirem para transformar a comunidade perderiam o sentido”. a Corroborando com essa concepgdo, encontramos, em Pedro _Demo’, uma definigdo de educacdo como “{...] processo de formagaio de competéncia humana, com qualidade formal e politica, encontrando no conhecimento inovador a alavanca principal da / intervengao ética”. Para atender a esse processo de formagao de i \ competéncia, 0 autor reforga os nossos argumentos anteriores quando diz: as nossas A universidade poderia confirmar papel imprescindivel € gerador frente ao desenvolvimento humano, desde que se fizesse 0 signo exemplar da formagio da competéncia, indicando a gestagiio do cidadao capaz de intervir eticamente na Sociedade e na economia, tendo eee * TOSCANO, Regina F. Almeida Lyra. Articulagdo, ensino, pesquisa, extensdo: 0 Brande desafio das Universidades brasileiras. Revista de Extensdo/URPB/PRd. Jodo Pessoa: UFPB, Ano II, n, 5, ago, 1997, p33. AO URPB/PRAC. 3 Pe DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa, Campinas: Autores Asociados, 1996, p. 1. grifos nossos, : 30 A Formagao do Historiador: tradigdes e descobertas como alavanca instrumental crucial 0 conhecimento inovador", Aqui ficam claras as Preocupagées do autor no apenas com a preparacao do profissional competente, mas principalmente com a formagio do _cidadao__pautado pela_ética, capaz de duzir conh entos Novos e politicamente corretos. oS = Nessa mesma linha, 0 mesmo autor adverte, ainda, para a inadequagao_do_termo extensdo, .muitissimo utilizado no meio académico que, segundo ele, teria sido inventado [...] para mostrar a sociedade a utilidade do ensino e por_, vezes da pesquisa. O proprio termo ja € muito infeliz, Porque considera a capacidade de intervengao inovadora \ € ética como algo acrescido, agregado, anexado — QQ extensdo! -, geralmente apenas voluntario e eventual, > em vez de fazer parte intrinseca do negécio>\Na pratica € resultado de ma consciéncia de uma instituigao que nao esti sabendo comprovar-se relevante em seu processo educativo-formativo. ° Levando em conta esses aspectos, percebemos que a pesquisa | toma o ensino vivificado, atuante, num continuo processo de construgao — desconstrugao — reconstrugio e a extensio é a \aplicabilidade do conhecimento; que € fruto desse processo, numa realidade concreta que, ao mesmo tempo, motivowo e o torna relevante. Em sintese, mesmo compreendendo. seu.carater mais tedrizo-pratico, a__pesquisa consegue vincular, dialeticamente Pensamento e agdo, mantendo um didlogo ativo entre os trés pilares académicos: pesquisa-ensino-extensio. Diante das questdes iniciais colocadas, a Universidade, sob uma proposta critica ¢ dindmica, “[...] ndo tem o direito de estratificar, absolutizar qualquer conhecimento como um valor em si; a0 contrario, reconhece que toda conquista do pensamento do homem Passa a ser ee { DEMO. Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 1996, p. 55 id ibid., p. 59-60. CF. MINAYO, Maria C. de S. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrépolis: Vozes, 1994 31 ns A Formacao do Historiador: tradigdes ¢ descobertas v7 de ° my onge de ser relativa, na medida em que se espacio-te! poraliza”. Long lugar de idéias congeladas e de verdades absolutas, cate, 8 ela relativizar 0 saber, desenvolvendo no aluno, mas m no professor, a nogéo de que o conhecimento esta em permanente construgao, cabendo-lhes realizar essa tarefa movidos re uma post \critico-reflexiva e fundamentalmente ética. } Os fundamentos do trabalho académico e a “aperagao histérica A seguir, passaremos a discutir como se daa articulagao entre Pesquisa-ensino-extensdo, no — processo de construgio do conhecimento histérico. . . Inicialmente, de maneira provocativa, para suscitar a reflexao, evocamos\Michel de Certeau® quando nos coloca a seguinte questio: “O que fabrica o historiador quando ‘faz historia’? Em que trabalha?”, Tal questionamento sobre o fazer-histérico implica, necessariamente, numa relagao entre o presente e o passado, sob a mediagao de procedimentos técnicos, respeitando a particularidade do lugar de onde se fala e por onde o historiador conduz sua investigagao. O historiador_parte sempre de documentos, privilegiando_um determinado tempo e espaco, priorizando coisas e neglicenciando outras. O reconhecimento de tais prioridades tornam claras as opcdes ou_escolhas de ordem tedrico-metodoldgicas feitas pelo historiador, — fortalecendo as suas conclusées e os limites préprios de todo trabalho que intenciona atingir os moldes cientificos. Vv (A histéria nao tem um sentido, mas 0 sentido que_os homens ss dio a ela, reapropriando-se do passado com questdes do presente) Em A Escrita da Historia, Certeau afirma que “{...] uma leitura do a " LUCKESI, Cipriano, BARRETO, Eldi, COSMA, José et al uma proposta metodoldgica. 9 ed., So Paulo: Cort u e : : Cortez, 1996, p. 41 CERTEAU, Michel de, A operagio histérica. In: LE GORE. Jacques e NORA, Pierre, Histéria: novos i i is treed problemas, 2 ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, P. Fazer universidade: 32 A Formagao do Historiador: tradigdes e descobertas passado, por mais controlada que seja pela analise dos documentos, & sempre dirigida por uma leitura do presente”? - O historiador tenta efetuar sua analise e interpretagao,” balizando-as pelas produgdes existentes em determinado método utilizado, 0 que o leva a refletir sobre a pertinéncia do material utilizado e produzido. Em outras palavras, “[...] 0 gesto que conduz as =7 9 ‘idéias’ aos lugares é precisamente um gesto de historiador”!2 Em histéria, todo conhecimento ou corrente filosdfica “{...] encontra-se referido a ‘lugares’ sociais, econémicos, culturais, etc." trazendo como implicacgao que “[...] uma pratica sem teoria leva necessariamente, num momento ou noutro, ao dogmatismo de ‘valores eternos’ ou a apologia de um ‘intemporal’”!2, Essa relatividade da produgao do conhecimento reforca a importincia da relagdo entre teoria € metodologia, como inerente 4 producgdo de um trabalho académico que tenha a pretenséo de ser uma operagdo cientifica, no sentido de possibilitar o estabelecimento de um conjunto de regras, para um maior controle da produgao de seus objetos de estudo.__ _ (<—Nesse_aspecto, Certeau destaca as idéias de Serge Moscovici, (Michel Foucault ¢ Paul Veyne, na compreensio da necessidade de articulago entre teoria e pratica, ou dito por ele mesmo, “[...] teoria que, por um lado, abre as praticas sobre o espago de uma sociedade, ¢ que, por outro, organiza os procedimentos proprios de uma disciplina”.'* A historia considerada como uma operagdo pressupée} uma combinagao entre um lugar social, os procedimentos de andlise (praticas “cientificas”) e uma escrita, sendo a historia, nesse sentido, ‘ percebida como parte de uma realidade, enquanto atividade humana e enquanto pratica da qual trata. Para fortalecer a importancia dos pressupostos tedrico- metodologicos, Certeau define trés regras fundamentais da pesquisa historiografica: CERTEAU, Michel de. A escrita da historia, Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 1982, p. 34. “ CERTEAU, 1976, p. 17, grifo do autor. "Loc. cit " Id. ibid, p. 18. ” Loe. cit 33 3 A Formagio do Historiador: tradigbes ¢ descobertas 7 1)_A fabricagdo de um objeto de estudo em fungdo de um lugar de ~ “produgdo sécio-econémico, politico e cultural” particular. 2) O estabelecimento de métodos, definindo uma_topografia de interesses, organizando os dossiers € formulando as perguntas a serem “feitas” aos documentos e, por ultimo, 3) A encenagao ou produgio “subjetiva” de um relato. Essas trés regras dio a atividade de pesquisa um cardter subjetivo, nao no sentido de produzir algo sem valor cientifico ou sinénimo do senso comum, mas sim de tornd-la fruto de escolhas subjetivas bem definidas e que exijam competéncia, discernimento, erudicdo, enfim, que impliquem num processo de criagao, construgao_ ‘e reconstrugio do pesquisador. Para fortalecer seus argumentos, 0 autor acrescenta, a essas trés regras, trés momentos importantes e necessarios a discussao historiografica: a) A.critica a0 cientificismo, a historia “objetiva”, filha dileta do positivismo, que intencionava reduzir a verdade aos fatos historicos. A historia redescobriu o lugar do sujeito e a relatividade do conhecimento que é produzido. b) O periodo de(desconfianga ém que “[...] toda interpretagao historica depende de um sistema de referéncia; [...] uma filosofia implicita particular; que infiltrando-se no trabalho de analise, organizando-o sem saber, remete a ‘subjetividade’ do autor”.'* Assim, as regras validas reduzem a historia a um género literario e permitem a supremacia absoluta do prazer do historiador, tanto das suas escolhas quanto na construgio do seu relato. c) O panorama atual em que “os ‘fatos historicos’ ja se encontram constituidos pela introdugéo de um sentido na ‘objetividade’. Enunciam, na linguagem da analise, ‘escolhas’ que lhe sao anteriores, que nao resultam, portanto, da observagao — e que nao so ‘verificaveis’, mas somente ‘falsificaveis’ gragas a um exame critico”.'> Esse ultimo aspecto institui, como principio fundamental, que a narrativa historica dentro de limites claramente “Id. ibid., p. 19. 'S 1d. ibid., p. 19, grifo nosso. 34 A Formagao do Historiador: tradigdes e descobertas delimitados, que Ihe dao o sentido e a garantia de um saber diferenciado, busca nao mais a verdade mas a verossimilhanga, passando suas observagées pela rigorosa critica em busca de sua falseabilidade. Desses momentos, podemos estabelecer, como principio, a relatividade bistérica em que sio destaque miultiplas filosofias <._ individuais e caem por terra as metanarrativas, ou seja, ha um abalo_, 7 das grandes conceitualizagdes de (Marx,, Freud) e. Malthus e a7” supremacia dos instrumentos e abordagens teéricas diversificadas, | tomadas das ciéncias sociais, trazendo, como suporte tedrico, as idéias') Ha," ainda, uma recusa sistematica a aceitar uma interdisciplinaridade indulgente, defendendo-se um esforgo ativo de tradugao conceitual, sem ambigao totalizante. Em sintese, é a defesa_ de_uma_ historia especializada, de horizontes limitados e ligados a historia politica e a historia cultural. Bees Crem oo Com isso, institui-se um saber, com o nascimento das disciplinas, vinculadas a grupos ou instituigdes sociais, ou seja,a um lugar cientifico: i [...] a instituigdo social continua sendo a condicao de uma linguagem cientifica (...] cada ‘disciplina’ conserva sua ambivaléncia por ser a lei de um grupo e a lei de uma pesquisa cientifica. /A instituigdo nao apenas! fornece uma base social auma ‘doutrina’, mas, sub-...° repticiamente, torna-a possivel e a determina.'® . Constitui-se, entdo, numa questo central para o historiador, a telagéo com_o corpo social que é objeto da historia, em outras palavras, com 0 ndo-dit Em historia, é abstrata toda ‘doutrina’ que rechaga sua relagao com a sociedade. [...] © discurso ‘cientifico’ que nao fala de sua relagao com 0 ‘corpo’ social nao seria capaz de articular uma pratica, Deixa de ser cientifico. "Id. ibid, p.21. yi us 35 € ss | A anilise do conhecimento produzido, portanto, nao deve es e descobertas isar o discurso histérico a0 da qual ele A Formacao do Historiad nissnnncoe & . RA a [..] E impossivel, portanto, ana! oO can 06 independentemente da instituigao €m fun na WEAR ii siléncio, organizado_ em seria assegurada apenas ; ce ENOL ° yr et renovacaio da disciplina qu ” o pela imodificagao de seus conceitos, er cial ae dE ONE NEA | fansformagao de situagdes estabelecidas,..] 1&0 se ias, ou permitir seu : conta dessas ciénci conseguiré dar c de sua situacao atual ° : progresso, sem uma ‘teoria critica) ee | no interior da sociedade. BAS @cPlicatae de A analise do coi z i perder de vista os /ugares de sua produgao que o tornaram possivel, num dado momento histérico, Isso inclui nao apenas as contingencias Jp? Socioculturais, mas também as caracteristicas de ordem institucional e politica, que compéem o seu contexto de produgdo possibilidade. Levando em conta os aspectos anteriormente discutidos, Certeau define, didaticamente,{quatro aspectos fundamentais de uma pesquisa cientifica: 1) AACR ewe WiwTAPIO} ou seja, “[...] (uma nova interpretacao, o exercicio de métodos proprios, a elaboragao de outras pertinéncias, um deslocamento na definigao e no uso do documento, um modo de organizagao caracteristico ete.”.'* 2) A definicéo, como aspecto essencial da pesquisa, da relacio que o Um estudo particular sera definido pela relagdio que estabelece com outros, contemporaneos, com um “estado da questo’, com as problematicas exploradas pelo grupo € os pontos estratégicos constituides por elas, com os postos avangados e as disténcias assim determinadas ou tornadas pertinentes em relacao a uma Pesquisa em curso. Cada resultado individual inscreve- se num conjunto cujos elementos dependem "Id ibid.,p. 22, grifo do autor. Id ibid, p. 23. 36 A Formagao do Historiador: tradigdes e descobertas estreitamente uns dos outros, cuja combinagdo dindmica forma, num momento dado, a histéria."” ‘ 4 3) A definicdo de uma.obra de valor como “aquela que é reconhecida— > [...] Aquele que representa um progresso em. relacdo ao estatuto atual dos ‘objetos’ e dos métodos histéricos, e 7 que, ligada ao meio no qual é elaborada, torna possiveis, a partir dai, novas pesquisas”.” © Pecou ne Cpe jpn 4) A compreensio de que toda pesquisa é 0 produto de um lugar. de. Em ‘sintese,"“os quatro aspectos fundamentais da pesquisa cientifica, definidos por Certeau, apontam para a_necessidade ermanente de didlogo entre 0 fonhecimenta noyo que ¢ produzido) 0 | ¢ ar em que o Conhecimento é produzido ) ° feonhecim to | acumulado por seus pares) : - : Dessa forma, 0 trabalho que é produzido instala-se no mundo da escrita, alojando aqueles que o escreveram num circulo sociocultural (os letrados), com seus objetos (livros ou manuscritos) e seu publico (instruido). Sofre, portanto, influéncias de sua clientela e _ da cultura de massa; A universidade, massificada, nao consegue mais ser 0 lugar de. -troca entre_o ensino e a pesquisa e o professor passa a vulgarizar a sua. produefo, destinando-a ao grande piblico, enquanto o especialista”S—> resguarda-se nos fechados circulos de consumo. Assim, “a produgdo | * * histrica encontra-se repartida entre a obra literaria de quem ‘faz autoridade’ e o esoterismo cientifico de quem ‘faz a pesquisa’...”. E | teforga ainda Certeau, de modo enfatico: “Da reunido de documentos \ 4 redacao do livro, a pratica historica é totalmente relativa a estrutura } | da sociedade””!, | Nessa mesma linha de raciocinio, 0 autor da um importante alerta acerca da produgao do conhecimento quando afirma que Antes de saber o que a histria diz de uma sociedade, importa analisar como ela-ai funciona. Essa instituigdo Pe | » \ 1, £0c. cit, grifo nosso. ” Loe. cit Id. ibid., p. 24 € 25, grifo do autor. HPs Aco (STO, NAS BANCAS DE REUSTR ‘A Formagiio do Historiador: tradigdes ¢ descobertas Corroborando com o alerta explic ordem do discurso, Michel Foucault, estu exclusdo possiveis do discurso, também traz uma pr mm complexo que Ihe permite pe um i interdit . Tal é a dupla tipo de produgdes € Ihe interdita outros. fanedo Fo lugar. [..] torna possivel determinadas pesquisas[...] mas torna outras impossivels inscreve-se nu itado anteriormente, em A dando as varias formas de eciosa definicao, interligando discurso e poder, quando assim afirma: [uJ 0 discurso ~ como a psicanalise nos mostrou = nao é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo, {é, também, aquilo que € 0 objeto do desejo; [..] o discurso nfo é simplesmente aquilo que traduz as lutas 1 ‘ou 0s sistemas de dominagao, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.” As formas de exclusao, que traduzem 0 discurso que é aceito e © que € rejeitado, apoiam-se num suporte institucional, que lhes reforga ¢ Ihes da suporte, mas também pelo “{...] modo como o saber & aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuido, repartido e de certo modo atribuido”. Sob esse aspecto, Foucault traz uma ilustragdo bastante interessante quando diz que “[...] a aritmética pode ser 0 assunto das cidades democraticas, pois ela ensina as relagbes de .igualdade, mas oligarquias, pois demonstra as proporgdes na desigualdade”’ somente a geometria deve ser ensinada nas w024 Ainda se referindo ao carater de verdade atribuido ao discurso e, sobretudo, 4 ciéncia ou a quem a faz em seu discurso, Foucault questiona as regras que ordenam o discurso e afirma que “é sempre / possivel dizer o verdadeiro no espago de uma exterioridade selvagem, mas nao nos encontramos no verdadeiro senao obedecendo As regras de uma ‘politica’ discursiva que devemos reativar em cada um de nossos discursos”.”° a Id. ibid., p. 27, grifos do autor. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Sao Paulo: Loyola, 1996, p- !0- 4 1d. ibid., p. 17 € 18. 5 1d. ibid., p. 35. 38 \ A Formagao do Historiador: tradigdes e descobertas ly E preciso, portanto, haver um enquadramento do discurso dito icientifico dentro da sua épistémé, para ser garantido seu estatuto de |verdade e, consequentemente, de ciéncia. Ressalta-se, entretanto, que /as regras da politica discursiva so permanentemente atualizadas, para \poder melhor satisfazer as suas fungdes restritiva e coercitiva. O atendimento a essas funcdes visa, deliberadamente, restringir 0 acesso de todos ao poder, ou seja, ninguém entrara na ordem do discurso se nao satisfizer a certas exigéncias ou se nao for, de inicio, qualificado para fazé-lo. Mais precisamente: nem todas as regides do discurso sao igualmente abertas e penetraveis; algumas sao altamente proibidas, enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos € postas, sem restri¢ao prévia, A disposigao de cada sujeito que fala? =) \3! Retornando aos argumentos de Michel de Certeau, é dele a seguinte reflexao: ‘Fazer histéria’ é uma pratica [...] Na medida em que a Universidade permanece estranha a pratica e a tecnicidade, ai so classificadas como ‘ciéncias auxiliares’ tudo 0 que coloca a historia em relagao com as técnicas [...] A historia nao se iniciaria senao com a ‘palavra nobre’ da interpretagao. (...] O lugar concedido técnica faz a historia cair para o lado da literatura ou para 0 lado da ciéncia. Se ¢ verdade que a organizagao da historia é relativa a um lugar e a um tempo, inicialmente o € por suas técnicas de produgao.”” E continua acentuando que os novos objetos, provenientes dos novos campos abertos a histdria, s6 so constituidos como tal pela relagdo que se estabelece entre o discurso e as técnicas que o produzem, transformando os elementos naturais em culturais, fazendo deles historia. O historiador trata, segundo seus métodos, os objetos fisicos (papéis, pedras, imagens, sons etc.) distinguidos, no continuum do percebido, pela organizagiio de uma sociedade e pelo sistema de pertinéncias préprias a uma * Cf. FOUCAULT, op. cit., p. 37. 2" CERTEAU, 1976, p. 28. 39 ras A Formacao do Historiador: tradigdes ¢ descobe! ‘terial para sobre um mi ‘cigncia’, O historiador trabalha efewa entdo uma transformé-lo em historia, Efetua emt manipulagdo que, como as outras, oo ee inert polo Um trabaiho ‘histrieo’ participa do movirento pelo qual uma sociedade modificay fv" Leica toa natureza, transformando 0 exemplo, a floresta em exploragdo) ov em, esc (pr exemplo, a montanha em paisagem), ov fazendo =a uma instituigio social de um estatuto a outro (por exemplo, a igreja convertida em museu) Apesar de compreender a histéria enquanto escrita lscursive, permeada de escolhas e de subjetividade, Certeau efetua uma importante critica a histéria como uma narrativa literdria quando afirma: Constata-se hoje em dia, é verdade, que uma massa crescente de livros histéricos torna-se romanesca ou lendaria e ndo mais produz essas transformagdes nos campos da cultura, (..] sob essa forma, a histéria deixa de ser ‘cientifica’, ao passo que a literatura o vem a ser. Quando o historiador supde que 0 passado jé dado se revela em seu texto, situa-se dessa forma no comportamento dos consumidores. —_Recebe Passivamente os objetos _—distribuidos _pelos consumidores. E ‘cientifica’, em histéria como em outras disciplinas, a operagdo que transforma o ‘meio’ — ou que faz de uma organizagio (social, literdria etc,) a condigdo eo lugar de uma transformagio.” Na perspectiva de constuir uma Operacan... de...natureza— cientifica, importa utilizar-se de uma metodologia adequada ¢ sistematicamente desenvolvida. Para tal, Certeau recomenda os seguintes passos: A Forinacao do Historiador: tradigdes e descobertas a) A_-selegdo, reuniao e transformagio de objetos em documentos, produzindo-os, uma vez que se muda seu lugar e seu estatuto, ou seja, uma nova reparti¢ao cultural que implica numa operacao técnica. A historia, como qualquer ciéncia nascente, recebe, com 0 estabelecimento de novas fontes por] seus procedimentos técnicos, sua base e suas regras. ot b) O estabelecimento de fontes que requer um gesto findador, combinando um lugar, um aparelho e técnicas: “nao é somente fazer falar esses ‘imensos setores adormecidos da documentagao’, € dar voz a um siléncio, ou sua efetividade a um possivel. E transformar alguma coisa, que possuia seu estatuto e seu papel, numa outra coisa que funciona de forma diferente?” c) A definigéo da prdatica historica como um complexo de procedimentos que caracteriza um periodo ou setor da pesquisa 4) A ligago, na andlise cientifica contemporanea, do objeto estudado @ ao real e ao passado, objetivando LY [...] reconstruir o objeto a partir de ‘simulacros’ ou de ‘roteiros’, ou seja, dar a si, com os modelos racionais € as linguagens (ou metalinguagens) que ela produz, 0 meio de multiplicar ou transformar sistemas constituidos (fisicos, biolégicos ou literarios), a histéria tende a colocar em evidéncia os ‘limites da significabilidade’ desses_ modelos ou —dessas linguagens."! e) O reconhecimento, como uma lei fundamentalmente aceita em ria, de que todo pesquisador tem que ir ao arquivo. ria, di Entretanto, precisamos também instituir uma nova e importante lei que consiste em tornar imprescindivel para a pesquisa a utilizagdo do rigor fécnico. O uso da tecnologia Propicia a separagdo da construgao dos objetos de pesquisa, a acumulagao de dados e a exploragao desse material. ee errr 3, I. ibid. p. 32. Id. ibid, p. 33 41 ee cnarenneehieaneianaee f A Formagao do Historiador: tradigdes € descobertas “eS © trabalho histérico se desenvolve, pois, nos ssi, polos | extremos: da construgéo de modelos © da atibuigdo as significabilidade aos resultados obtidos pela = acumul G0. Linformatizada. Ele consistiré na descoberta de heterogeneidades, em evidenciar os desvios relativos aos modelos. Jizagdo da pesquisa tem precisamente .J a formal enc Ll ‘os* — insuficiéncias, objetivo a producao de “err faltas — tee iftamente utilizaveis. [...] hoje em dia pacatudo se estabelece a partir de unidades definidas por ele proprio, na medida em que se torna € deve Fornar.se capaz de se fixar, a priori, objetos, nivels Ctaxinomias de analise. A coeréncia inicial. A fwantidade de informagao tratavel em fun¢ao dessas Formas tornou-se, como computador, indefinida. A pesquisa muda de campo. Apoiando-se em fotalidades formais colocadas decisivamente, dirige- se para os desvios revelados pelas combinacdes logicas de séries. (...] a pesquisa nao parte mais de ‘raridades’ (restos do passado) para chegar a uma sintese (compreensio do presente), mas que parte de uma formalizacdo (um sistema presente) para dar lugar a ‘vestigios’ (indices de limites e, por isso, de um ‘pasado’ que € 0 produto do trabalho).™ A historia, no conjunto das ciéncias atuais, nao possui mais juma fungdo totalizante, revezando-se com a filosofia no papel de |,| produzir 0 sentido das coisas. “A historia intervém sob a forma de ‘\uma experimentagao critica dos modelos socioldgicos, econdmicos, Cpsicolégicos ou culturais” Ou, dito de outra maneira, ela se utiliza de Zum instrumental tedrico-metodologico de outras ciéncias socials, / saperimentando-0 “através de uma transferéncia desse instrumental | fara terrenos diferentes, [...] A histéria torna-se um lugar de ‘controle’. Ai é exercida uma ‘fungao de falsificagao”” » ” Id. ibid., p. 34-35 * Id. ibid, p. 36. 42 JA Formagais da Historiadors radietes e descobertas Como exterioriza Tae, © verdadeiro historiador-¢_na_ erdade,.o.poeta-do-detalhe, fornecends uma reflexao epistemolovica gobre 0 detalhe que faz excecdo. O fa ji to histérico nao é mais a que oferece a emergéncia de uma re, quele alidade, mas, combinado a w “I > im modelo construido, possui a forma de ume ser designado a partir de uma telacao entre ~os modelos existentes e a histéria, We CE ATE es Sob a forma do que niio estava até ha pouco tempo esclarecido, ou pensado, ou possivel, ou articulado. O Passado surge af, desde 0 inicio, como 0 ‘que falta’. A Compreensio da histéria_ encontra-se ligada a capacidade de organizar as diferencas ou as auséncias Pertinentes e hicrarquizveis porque relativas a formalizagoes cientificas atuais.** Nesse aspecto, a historia utiliza-se da sua fungao secular de ser também uma critica das outras ciéncias constituidas>° Ha, no entanto, alguns aspectos conexos da pesquisa historica com as demais ciéncias sociais, isto 6, “a mutag’o do ‘sentido’ ou do. ‘real’ na_producao de desvios significativos”,” Assistimos a uma mudanga em relagao a busca de um conhecimento totalizante, mesmo em meio as descontinuidades, para uma busca de um conhecimento, cuja capacidade seja medir os desvios quantitativos e qualitativos em telacao as construgées teéricas do presente. [..] © conhecimento histérico faz aparecer nao um sentido, mas_as excecdes surgidas pela aplicacio de modelos econémicos, demograficos ou sociolégicos as diversas regides da documentagao. O trabalho consiste—~ em produzir a partir do negativo, e que seja significativo.”* oF 2 * VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a histdria. Tradugao; Alda Baltar e Maria fxladoa Kneipp. 4 ed. Brasilia: UNB, 1998 8 BLOUH, Mace “sted da Hite Ou 0 oficio de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 89-124 : CERTEAU, op. cit., p. 39, grifos do autor. Loc. cit, grifos do autor. 43 do Historiador: tradigdes € descobertas mo 0 objeto pensado r nao é visto co 1 d J, fazendo com que a historia nao A Formagiio Nesse sentido, 0 particula mas como 0 limite do pensavel i aaa onuncie a relaggo que as regularidades estabelecem particularidades que Ihe escapam, 0” seja, 8 eed por competéncia movimentar-se sobre o fun ao: por significacao, explicita; por fungdo, ai introduzir uma interrogacdo; Lee ‘ao saber ) ieee aera area ateteoast ela 1udo quclaiDaa coma ° ao discurso”. .. at * Toda essa reflexdo sobre 0 conhecimento historico produzido jntroduz uma verdadeira fenda na coeréncia do conhecimento cientifico presente, por algo objetivavel do passado, no sentido de que 0 objeto de conhecimento passa a ter ‘a composi¢ao de um lugar que instaura no presente a figuracao ambivalente do passado e do | futuro”. A operacao histérica visa distinguir a lei do presente de seu | outro (0 passado como alteridade), historicizando_ 0 presente, por | oposigao a um passado. E, dialeticamente, “(...] a figura do passado /\guarda seu valor primeiro de representar 0 que faz falta”, ' introduzindo também a fenda de um futuro. Referéncias BLOCH, Mare. Apologia da Histéria. Ou 0 oficio de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (orgs.). Passados Recompostos: campos & canteiros da historia. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1998. CARDOSO, Ciro F. e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Dominios da Histéria. ensaios de Teoria e Metodologia. 5 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1997. CERTEAU, Michel de. A operagao histérica. In: LE GOFF, Jacques e NORA, a Historia: novos problemas. 2 ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, PP. CERTEAU, Michel de. A escrita da historia, Rio de Janeiro: Forense Universitaria, DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 1996 eet 3 Id. ibid., p, 40. Id. ibid., p. 41, grifos do autor, Pro \CIRE - AM A Formagio do Historiador: tradigdes e descobertas FOUCAULT. Michel. 4 ordem do discurso. Sao Paulo: Loyola, 1996 LUCKESI, Cipriano, BARRETO, Eldi, COSMA, José et al.. Facer universidade uma proposta metodol6gica, 9 ed., S80 Paulo: Cortez, 1997 MINAYO. Maria C. de 8. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrépolis Vozes. 1994 PIAGET. J. Seis estudoy de psicologia. 21 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 1995, REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovacdo em Historia. Sao Paulo: Paz e Terra, 2000. TOSCANO, Regina F. Almeida Lyra. Articulagdo, ensino, pesquisa, extensdo: 0 grande desafio das Universidades brasileiras, Revista de Exiensdo/UFPB/PRAC, Jodo Pessoa: UFPB, Ano Il, n. 5, ago, 1997, p. 32-39 VEYNE, Paul Marie, Como se escreve a historia, Tradugao: Alda Baltar ¢ Maria Auxiliadora Kneipp. 4 ed., Brasilia: UNB, 1998. 45

También podría gustarte