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I A EDUCACGAO COMO CAMPO SOCIAL DE DISPUTA HEGEMONICA A educagio, quando apreendida no plano das determinagées e relacdes sociais e, portanto, ela mesma constituida e cons- tituinte destas relagdes, apresenta-se historicamente como um campo da disputa hegemdnica. Esta disputa da-se na perspectiva de articular as concepgGes, a organizagao dos processos e dos contetidos educativos na escola e, mais amplamente, nas dife- rentes esferas da vida social, aos interesses de classe. Neste trabalho, elegemos como foco principal de preocu- pacdo retomar algumas questdes no dmbito das relagdes entre sociedade, processo produtivo, processo de trabalho e educagao ou qualificagdéo humana que tém sido tratadas por diferentes campos do conhecimento: Economia, Economia da Educagao, Sociologia, Sociologia do Trabalho, Psicologia Social e a propria Filosofia etc. Embora nossa énfase seja no 4mbito da Economia da Educacao, € impossivel eliminar a necessdria relagao que mantém com os demais campos disciplinares. Ou seja, nao ha razdes de ordem epistemolégica para fixar fronteiras rigidas, j4 que todos estes campos, mesmo reconhecendo que sua 25) especificidade nao pode ser negada, tem como objeto de andlise © compreensio 0 homem em suas relagGes e prdticas sociais. No seu dmbito mais amplo, séo questées que buscam apreender a fungao social dos diversos processos educativos na produgao e reprodugao das relagdes sociais. No plano mais especffico, tratam das relagdes entre a estrutura econémico-so- cial, © processo de produgao, as mudangas tecnoldégicas, o } processo e divisdo do trabalho, produgao e reprodugao da forga de trabalho e os processos educativos ou de formagaéo humana. Além da reprodugdo, numa escala ampliada, das miltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva nao poderia ser realizada, 0 complexo sistema educacional da sociedade é também responsdvel pela produgao e reprodugdo da estrutura de valores dentro da qual os individuos definem seus préprios objetivos e fins especfficos. As relagdes sociais de producgio capitalistas nao se perpetuam automaticamente. (Mészéros, 1981: 260) Na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educagao dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitd-los técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a funcao social da educag4o de forma controlada para responder as demandas do capital. Na perspectiva dos grupos sociais que constituem, espe- cialmente, a classe trabalhadora, a educacao €, antes de mais nada, desenvolvimento de poten- cialidades e a apropriagio de “saber social” (conjunto de conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que sio pro- duzidos pelas classes, em uma situagao histérica dada de relagdes para dar conta de seus interesses e necessidades). Trata-se de buscar, na educagao, conhecimentos e habilidades que permitam uma melhor compreensao da realidade e envolva a capacidade de fazer valer os proprios interesses econdmicos, politicos e culturais. (Gryzybowski, 1986: 41-2) De imediato, este embate aparece repleto de sutilezas, scujo risco € o de tomar-se 0 movimento da realidade na sua ae imediaticidade fenoménica ou no plano polftico-jurfdico e ideo- légico, como sendo a prépria realidade concreta. Por este ardil, acaba-se confundindo os processos hist6ricos que mudam, as vezes profundamente, a estrutura social, os processos produtivos, a diviséo e o contetido do trabalho, os processos educativos e as formas de reprodugio da forga de trabalho, como neces- sidades de refuncionalizagao das relagées sociais dominantes com as transformagdes fundamentais que mudam e alteram a natureza destas relages. Por diferentes caminhos de carter determinista e meca- nicista, este risco assume um cardter mais crucial na medida em que se tomam as mudangas tecnolégicas e “das formas da sociabilidade capitalista” — reais e profundas —, como a superagdo tout court destas relagGes sociais capitalistas.' Neste sentido, ao contrario do que postula o idedrio liberal classico, o longo processo de passagem do feudalismo para 0 sistema capitalista nao representou a superagao de uma sociedade marcada pela opressao, servilismo e desigualdade de classes por uma sociedade livre e igualitdria. A superagao do servilismo e da escravidéo nao foram pressupostos para a aboligao da sociedade classista, mas condig&o necess4ria para que a nova sociedade capitalista pudesse, sob uma igualdade juridica, formal e, portanto, legal (certamente nao legitima), instaurar as bases das relagdes econémicas, politicas e ideolégicas de uma nova sociedade de classes. O mercado, sob as relagdes das classes fundamentais capital/trabalho, de um lado, constitui-se no locus fetichizado, por exceléncia, onde todos os agentes econdmicos € sociais supostamente se igualam e podem tomar suas decisGes livres, e 0 contrato, de outro, na mistificagao legal da garantia do cumprimento das escolhas “igualitarias e livres”. 1. Como veremos ao longo deste trabalho e como analisam diferentes autores, R. Williams (1984) e R. P. Castro (1992 e¢ 1994) entre outros, este determinismo consiste em tomar-se a tecnologia como uma varidvel, um fators independente e auténomo aos interesses de classe e as relagdes de poder ew portanto, como algo supra-social. an A perspectiva critica mais atual e radical da falsidade deste pressuposto e a explicitagao da natureza classista, exclu- dente e alienadora da sociedade capitalista, na sua génese e na sua “anatomia” geral, 6, ainda, sem diivida, a obra de Marx e Engels, particularmente O capital (nao importa 0 descaso dos adeptos do mundo “pés-histérico”). Nesta critica explicita-se tanto o carater de positividade da revolugio burguesa nas relagdes de produgao e politicas, na ruptura das visOes meta- fisicas teocéntricas de conhecimento, e um amplo desenvolvi- mento da ciéncia moderna, quanto o cardter de negatividade pela cristalizagéo de uma nova relagio classista e, portanto, de exploragdo e alienagao.” As andlises de E. Hobsbawm e de Francisco de Oliveira (que retomaremos adiante) nos ajudam, ao mesmo tempo, a perceber 0 equivoco das teses do quanto pior melhor, na perspectiva de superagao da forma capitalista de relagGes sociais, como entender que tal superag&o somente pode ser construfda mediante a agao politica, nas visceras- mesmo da contradigao capitalista, mediante o fortalecimento e ampliagdo democratica da esfera ptiblica. Nesta perspectiva nado se abrem espacgos nem para o voluntarismo, nem para o otimismo ingénuo ou deter- minismo da revolugdo tecnoldgica. Este determinismo tem estado na base das teses do fim das classes, do surgimento da sociedade harm6nica e igualitaria do conhecimento e do mundo pés-histérico. Por este “‘borramento” Iégico das classes sociais acaba-se perdendo aquilo que K. Kosik define como sendo © critério objetivo para a disting&o entre mutagGes estruturais — que mudam o cardter da ordem social — e mutacdes derivadas, secundérias, que modificam a ordem social, sem porém mudar essencialmente seu cardter. (Kosik, 1986:105) 2. Nao cabe aqui retomar esta andlise nio sé pela razio de que a obra de Marx ¢ Engels nunca esteve, talvez, a pregos tio baixos — sindrome da queda slo muro de Berlim e do colapso do socialismo real mas, também, porque € pbundante a literatura no campo econémico, socioldgico, politico e educacional aque faz este resgate. mR No plano da concepgao da realidade hist6rica nao estamos, pois, diante de um embate novo, mas apenas de questdes e problemas que assumem um contetido histérico especffico dentro das novas formas da sociabilidade capitalista. Na verdade, sao quest6es que engendram um velho debate travado, nao apenas no 4mbito da economia classica liberal (Adam Smith e Stuart Mill) e classica marxista (Marx e Engels), mas, mais ampla- mente, no conjunto do pensamento que embasa o idedrio da sociedade capitalista e das perspectivas que lhe sao antag6nicas. Por esta razao, podemos perceber que a explicitagao do papel social da educagao, ou especificamente da relagao entre © processo de produgiéo e os processos educativos ou de formagéo humana, vem marcada por concepgées conflitantes e, sobretudo, antag6nicas. Desde os Manuscritos Filoséficos de 1844 e ao longo de sua obra, ao referir-se aos fundadores da economia classica liberal ou aos apologetas das relagGes sociais da sociedade capitalista nascente, Marx insiste em mostrar que suas representagdes explicitam como se produz dentro da relagao capitalista, mas nao como se produz esta prépria relagao: A economia politica parte do facto da propriedade privada. Nao o explica. Concebe 0 processo material da propriedade privada, como ele ocorre na realidade, em f6rmulas gerais e abstractas, que em seguida lhes servem de leis, nao compreendem tais leis, isto é, nao demonstram como elas derivam da esséncia da propriedade privada. (Marx, 1964: 157-8) Ao elidir as determinagdes que produzem as relagdes sociais capitalistas, estas passam a ser concebidas como naturais €, portanto, independentes da agao dos homens. A tese do mundo pdés-histérico (Fukuyama, 1992:101) constitui-se hoje na explicitagéo mais anacr6nica, vulgar, perversa e cinica da safda neoconservadora da naturalizagaéo do mercado como o “deus” regulador do conjunto das relagdes e necessidades humano-sociais. Neste texto introdutério, cujo objetivo é o de, ao situar a natureza histérica desse embate, apreender a problematicidade 99 que o mesmo engendra nas formas atuais da sociabilidade capitalista, vamos situar: os dilemas da burguesia nascente sobre a questo educativa; a estratégia reiterativa da segmentacgao e do dualismo como forma de subordinar os processos educativos aos interesses da reprodugdo das relagGes sociais capitalistas; e 0 cardter perverso desta subordinagao na realidade brasileira. Em seguida, vamos sinalizar 0 contexto em que a educacio é algada ao status de capital humano, elemento especifico da teoria conservadora do desenvolvimento, e os caminhos que assumiu a critica a esta perspectiva no campo educacional, no Brasil. Por fim, vamos expor a natureza das quest6es apresen- tadas como desafio teérico e politico-pratico na relagao traba- tho-educagao, e a “nova” fungao social dos sistemas educativos diante das novas formas assumidas pelas relagGes sociais de producao num contexto de crise do modelo de desenvolvimento que sustentou o processo de acumulacao capitalista nos tltimos cingiienta anos. 1. A segmentacio e fragmentacao como estratégias da subordinag&o dos processos educativos ao capital Na sua formulagao mais geral, a andlise das relagdes entre 0 processo de producao e as praticas educativas, desde a perspectiva classica liberal ou neoliberal, é explicitada pela concepgao de que a sociedade é constituida por fatores onde, em determinado perfodo, um destes fatores € o fundamental e determinante, como por exemplo, a economia, e em outros sera a politica, a religiao. (Ver Kosik, 1986: 99-108) Por esta perspectiva, o trabalho, a tecnologia, a educagao sao concebidos como fatores. A educagao e a formagao humana terao como sujeito definidor as necessidades, as demandas do processo de acumulagao de capital sob as diferentes formas histéricas de sociabilidade que assumir. Ou seja, reguladas e subordinadas pela esfera privada, e 4 sua reprodugao. Numa perspectiva histérica de andlise, Marx e Engels, e a escola marxista, de um modo geral, concebem a realidade an sociar como uma estrutura, uma totalidade de relagdes onde, em sua unidade diversa, 0 conjunto de relagdes sociais e econémicas, por serem imperativas na produgdo da vida material dos seres humanos, constituem-se na base a partir da qual se estrutura e se condiciona a vida social no seu conjunto. Como, em diferentes momentos, estes autores insistem, o cardter fundamental das relages sociais de produgao nao confere as mesmas a definigdo tinica e isolada das demais determinagées. As relagdes econémicas sao, antes de tudo, relagdes sociais e, enquanto tais, engendram todas as demais. O ser humano que atua na reproducio de sua vida material o faz enquanto uma totalidade psicofisica, cultural, politica, ideolégica etc. O trabalho, nesta perspectiva, nao se reduz a “fator”, mas €, por exceléncia, a forma mediante a qual 0 homem produz suas condigées de existéncia, a histéria, o mundo propriamente humano, ou seja, 0 préprio ser humano. Trata-se de uma categoria ontolégica e econémica fundamental. A educagao também nao é reduzida a fator, mas é concebida como uma pratica social, uma atividade humana e histérica que se define no conjunto das relagdes sociais, no embate dos grupos ou classes sociais, sendo ela mesma forma especifica de relacdo social. O sujeito dos processos educativos aqui € 0 homem e suas miltiplas e histéricas necessidades (materiais, bioldgicas, psiquicas, afetivas, estéticas, Itidicas). A luta é justamente para que a qualificagaéo humana nao seja subordinada as leis do mercado e a sua adaptabilidade e funcionalidade, seja sob a forma de adestramento e treinamento estreito da imagem do mono domestificavel dos esquemas tayloristas, seja na forma da polivaléncia e formagao abstrata, formagao geral ou poli- cognigao reclamadas pelos modernos homens de negécio (Ve- blen, 1918) e os organismos que os representam. A qualificacéo humana diz respeito ao desenvolvimento de condigées fisicas, mentais, afetivas, estéticas e hidicas do ser humano (condigdes omnilaterais) capazes de ampliar a capacidade de trabalho na produgao dos valores de uso em geral como condigao de satisfagao das miiltiplas necessidades al do ser humano no seu devenir hist6rico. Est4, pois, no plano dos direitos que nado podem ser mercantilizados e, quando isso ocorre, agride-se elementarmente a prépria condigao humana, Por ser 0 trabalho o pressuposto fundante do devenir humano, ele € 0 princfpio educativo e, portanto, é fundamental que todo o ser humano, desde a mais tenra idade, socialize este pressuposto. E desta compreensao do trabalho como criador da realidade humana (nado enquanto visio moralizante, peda- gogista) que Marx e Engels postulam a unido do trabalho manual, industrial, produtivo, com o trabalho intelectual. Nem Marx nem Engels definem a forma e o contetido que esta categoria antediluviana (como eles préprios lembram) vai as- sumir historicamente. Na base da andlise do seu tempo hist6rico e na perspectiva do avango tecnolégico e, portanto, da poten- ciagao das forgas produtivas, apontam a hipdtese da superacio do trabalho manual acabrunhador e a possibilidade da redugao do trabalho sob o mundo da necessidade e a dilatacao do mundo da liberdade. Esta possibilidade, na sua forma mais plena, implica a supresséo da relacao capitalista que, domi- nantemente, transforma o trabalho de criador da vida humana em alienador da vida do trabalhador. Ao tratar da funcao social e da crise da educagio, no interior da crise do capitalismo contemporineo e de suas instituigdes, Mészdéros, de forma clara, situa a questdo central mediante a qual podemos analisar o confronto das perspectivas acima: Se essas instituigses — inclusive as educacionais — foram feitas para os homens, ou se os homens devem continuar a servir as relagdes sociais de producao alienadas — é esse o verdadeiro tema do debate. (Mészéros, 1981: 272) O carater subordinado das praticas educativas aos interesses do capital historicamente toma formas e contetidos diversos, no capitalismo nascente, no capitalismo monopolista e no capitalismo transnacional ou na economia globalizada, Em boa medida, a literatura nos revela as formas especificas desta mostraré mais tarde Marx, a forma histérica capitalista de produgao e utilizagao da ciéncia e das maquinas, com o préprio progresso técnico, coloca-se numa perspectiva oposta a de Voltaire e rompe com os ideais da Ilustragao. (Nosella, 1977: 34-5) As referéncias de Smith de uma instrugaéo em doses homeopaticas e, um século mais tarde J. Mill (1848), de uma educagao nacional das criangas das classes trabalhadoras para © cultivo do bom senso e que tudo o mais é “sobretudo decorativo”, caminham na mesma diregao. Na medida, todavia, em que o sistema capitalista se solidifica e os sistemas educacionais se estruturam, assume nitidez a defesa da universalizagao dualista, segmentada: escola disciplinadora e adestradora para os filhos dos trabalhadores e escola formativa para os filhos das classes dirigentes. Desttut de Tracy, no final do século XVIII e alvorecer do século XIX, no contexto das concepgées naturalistas e organicistas, e no bojo da estruturagdo origindria do conceito de ideologia como sendo a ciéncia das idéias, expde como natural a existéncia de uma escola e de uma formagdo dualista. Defende também como natural, a subordinagio do ensino e qualificacao das classes trabalhadoras as necessidades imediatas da produgao, enquanto os filhos das classes dirigentes deveriam ser preparados para governar: Os homens de classe operdaria tem desde cedo necessidade do trabalho de seus filhos. Essas criangas precisam adquirir desde cedo o conhecimento e sobretudo o habito e a tradigao do trabalho penoso a que se destinam. Nao podem, portanto, perder tempo nas escolas. (...) Os filhos da classe erudita, ao contrario, podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; tém muitas coisas para aprender para alcangar 0 que se espera deles no futuro. (...) Esses sao fatos que nao dependem de qualquer vontade humana; decorrem necessariamente da prépria natureza dos homens e da sociedade: ninguém esté em condigdes de muda-los. Portanto trata-se de dados invaridveis dos quais, devemos partir. (Desttut, 1908) Desttut conclui que todo Estado bem administrado deve providenciar dois tipos de sistema de instrugao totalmente distintos.* Marx e Engels, embora nao tenham efetivado uma anilise especifica da questéo educacional, em diferentes momentos criticam a perspectiva unilateral da subordinagao da escola ao capital sob as relagdes capitalistas e os mecanismos de burla as parcas conquistas dos trabalhadores contempladas nas clau- sulas sobre educagéo nas leis fabris. Em suas obras, em diferentes momentos, delineiam-se as bases filos6ficas de uma concep¢ao omnilateral de educagao e de qualificagéo humana, inscrita no horizonte da instauragéo de novas relagdes sociais dentro de uma nova sociedade.* Nos séculos XIX e XX, particularmente nos paises eu- ropeus, ocorrem reformas educacionais, mudangas de perspec- tivas pedagégicas, massificagao e elevacao dos niveis de es- colarizagao. Dentre as trés mudangas mais significativas deste final de século, apontadas por Hobsbawm (1992b), uma é a da crescente intelectualizagéo e, portanto, de elevacgaéo dos patamares educacionais em todo o mundo. De forma cada vez mais dissimulada, todavia, o desenvolvimento dos sistemas de ensino solidificaram uma estrutura dualista e segmentada que perdura até o presente, ainda que de forma diferenciada, em contextos especificos nas diferentes formagGes sociais capita- listas.° Paradoxalmente, é da Franga jé no ocaso do século XX — contrastando com o idedrio da Revolugéo Burguesa que ha 3, Para uma andlise do dilema que enfrenta a burguesia na organizagio dos sistemas educacionais, ver Arroyo (1987). 4. A perspectiva de Marx e Engels sobre a questio educacional pode ser apreendida em Marx & Engels, Textos sobre educacao e ensino (1983), M. Manacorda, Marx e a pedagogia moderna (1991b) ¢ Nogueira, Educagao, saber, produgdo em Marx e Engels (1990). 5, Varios textos da histéria da educagio nos explicitam as mudangas das perspectivas pedagégicas e organizacionais dos sistemas educacionais a partir do século XVII — Luzuriaga (1971), M. Manacorda (1989), Suchodolsky (1984) ¢ Saviani (1988), 35 mais de dois séculos proclamava a defesa da escola ptblica, gratuita, universal e laica —, que nos chegam as anilises sociolégicas mais agudas que demonstram o caréter dominan- temente reprodutor, dualista e classista da educagio, com Bourdieau & Passeron (1975), Baudelot & Establet (1971) e Establet (1987). A analise da educagao no Brasil — desde o Império e a sua “boa sociedade” as démarches da Reptblica Velha e até os dias atuais da Reptiblica — nos traga um quadro de extrema perversidade. Somente em 1930 se efetiva um esforgo para a criagao de um sistema nacional de educagao, mas chegamos em 1993 colocando no texto da nova LDB, barganhada e aprovada na Camara dos Deputados, com a obrigatoriedade real apenas até o quinto ano de escolaridade. Aproximadamente 7 milhdes de criangas estdo fora da escola, mais de 20 milhdes de analfabetos absolutos e 80% da populag&o com uma alfa- betizagao precdria. As razGes desta perversidade sao de varias ordens. Apontamos aqui apenas o horizonte por onde entendemos as determinagGes mais estruturais. Num primeiro plano situam-se o fato de sermos uma sociedade que definiu sua independéncia pelas mdos do colo- nizador. Herdamos, pois, uma matriz cultural bastante peculiar, onde o colonizado se identifica com o colonizador. Apagam-se as raizes ou sao renegadas. Perfilamos uma relagao de submissao. No passado mais remoto, essa submissao se dava em relagio aos conquistadores e colonizadores. Hoje, continuamos a ser colonizados mediante a integragao subordinada ao grande capital. Nao s6 somos a sociedade que mais retardou a libertagio dos escravos, como pertencemos aquelas que os analistas situam como de Terceiro Mundo. A Revolugao de 30, embora explicite mudangas e reformas Significativas no plano do Estado, da economia e da politica, nao constituiu efetivamente uma ruptura com as velhas oligar- quias. A elite industrial que se forjou nos anos 20 e apés 30 € fragil e dependente das oligarquias agrdrias. Oligarquias que, como apontam as andlises de Bosi (1992), Villas (1991), 1% Weffort (1992) entre outros, tém a capacidade de manter a desarticulagao entre o politico e o social (democracia politica e profunda exclusao social) e de defender a modernidade e, ao mesmo tempo, de manejar, sem remorsos, a chibata senhorial. Mantém-se, até hoje, uma cultura que escamoteia os conflitos, as crises, embora a sociedade viva em crises e em conflitos. Sob o paternalismo e clientelismo, dilui-se 0 conflito capital-trabalho, minimiza-se a desigualdade social e a profunda discriminagao racial. Faz-se a apologia da conciliagaéo e da harmonia “balofa”. O préprio sistema intelectual dominante desenvolve-se com uma postura marcante de desenraizamento. No plano econémico, esta matriz explicita-se, como nos indica Francisco de Oliveira, no uso dilapidador do fundo ptiblico. O Estado € estruturado como uma espécie de deus Janus que tem uma dupla face: uma privada e a outra publica, que atua em fungao desta. Historicamente, tem se constituido no grande fiador de uma burguesia oligdrquica, protegendo latifindios improdutivos, terra como mercado de reserva, sub- sidios sem retorno e especulacao financeira. Os incentivos fiscais constituem-se na ampliacao de subsidios do fundo puiblico ao enriquecimento facil e rapido de restritos grupos. Uma burguesia que sabe ser competente quando apoiada no fundo pliblico. Nesta relagao misturam-se jogo de influéncias, formagao de quadrilhas de corrupgao no amago do aparelho do Estado, nepotismo e usura. No plano politico, como analisa Debrun no ensaio A conciliagdo e outras estratégias (1983), desde a independéncia até hoje se alternam as estratégias da conciliacéo conservadora, do autoritarismo e do apelo, no plano do discurso, ao idedrio liberal. Ha, contudo, sinais de rompimentos com esta tradicao. As manifestagdes e démarches que culminaram com o julga- mento e afastamento de Collor, explicitam um tecido de sociedade que tem novas forgas e atores sociais em jogo, sinalizando uma nova diregao. Estes novos atores sociais (novo sindicalismo, movimentos sociais urbanos, movimentos do campo, a7 movimentos das minorias), como veremos adiante, redefinem a relagio Estado-sociedade sob novas bases. No plano educacional, mostra-nos A. Candido, que até mesmo as propostas de reformas localizadas e de carter mais liberal na década de 20, como as de Lourengo Filho no Ceara em 1924, a de Francisco Campos em Minas Gerais em 1927 e a de Fernando de Azevedo, no entdo Distrito Federal em 1928, tiveram ferrenha resisténcia, especialmente da Igreja. O que aconteceu em 30 com as propostas da Alianga Liberal no plano educacional, insiste Candido, foi reprodugao dos meca- nismos dos privilégios. Nao se tratava, portanto, de uma revolugao educacional, mas de uma reforma ampla, e, no que concerne ao grosso da populaciio, a situagao pouco se alterou. Nos sabemos que (ao contrério do que pensavam aqueles liberais) as reformas na educagao nao geram mudangas essenciais na sociedade porque nao modificam a sua estrutura e o saber continua mais ou menos como privilégio. (Candido, 1984: 28) Para Candido, 0 tinico pais que realizou uma revolugao no campo educacional na América Latina foi Cuba, porque fez uma verdadeira revolugao social.° Na década de 50 e inicio da década de 60, esbogou-se, na sociedade brasileira, em todos os 4mbitos, um movimento que apontava para reformas de base e para a implantacao de uma sociedade menos submissa ao grande capital transnacional, as oligarquias e, portanto, mais democratica. Este movimento envolveu grupos importantes da sociedade: movimentos de cultura popular, de erradicag4o do analfabetismo, de educagio popular, cinema novo, teatro popular, movimento estudantil e, no plano politico-econémico, um projeto que procurava romper com a relagdo de submissdo unilateral ao capital transnacional. 6. Uma visio geral da histéria da educagfio no Brasil nos é dada por Romanelli (1990). No plano da incorporagiio das teorias e concepgdes educacionais e do ajuste da educagao ao golpe militar, ver Saviani (1988a e 1988b). aR Esse processo foi abruptamente interrompido pelo golpe civil- militar de 64,7 O que é aparentemente estranho, mas, posto na matriz cultural das elites dirigentes brasileiras j4 referidas, compreen- sivel pela sua extrema funcionalidade, é que sem conseguir a universalizagéo da escola bdsica, j4 a partir do final dos anos 30, sob a tutela e subsfdio do Estado foi montado um eficiente e amplo sistema de comunicagéo de massa, de inicio com a radiodifusao e, mais tarde, sob as sombras do regime militar, as redes de televiséo. O monopdlio (global) da midia, em particular da televiséo, constituiu, como o entende Pasolini (1990), um verdadeiro poder fascista. Os dados de expansao do sistema educacional e de entrada € permanéncia na escola e do acesso 4 televisao nos indicam uma progressao aritmética no caso da escola e geométrica no caso da TV. Para se ter uma idéia, em relagéo ao primeiro grau, em 1960 o pais tinha 86,7 mil estabelecimentos e em 1988, 28 anos depois, passou para 190,4 mil. No mesmo ano 0,9% dos domicilios dos grandes centros urbanos tinham apa- relho de TV e 20 anos depois, em 1980, esse nimero progrediu para mais de 6 vezes, 55,9 e, em 1989, para 72,6, oito vezes mais. O mesmo IBGE mostra que nestes mesmos domicilios, em 1989, 56,1% tinham filtro de 4gua em casa, 56,1% geladeira, © 72,6% dispunham de aparelho de TV (IBGE, PNAD, 1989).8 7. A leitura mais apressada deste movimento o reduz a uma espécie de quartelada quando, na verdade, tratou-se de um movimento cuja raiz mais profunda se plotava na matriz de um projeto conservador das elites que, para defender seus privilégios, 0 latifiindio e a exclusao social recorrem, de tempos em tempos, 4 tutela dos quartéis. Os organismos intelectuais coletivos deste movimento tinham. seu laboratério no IPES, CONCLAP e IBAD. 8. Varios trabalhos analisam os meios de comunicagio social e seu significado Politico € cultural, como Sodré (1990, 1991), Miceli (1972), Para a andlise do significado social, politico e cultural da relagio entre o sistema educacional inconcluso e precdrio e a universalizagiio do acesso 4 midia no Brasil apés os ‘anos 50, ver Mazione, M. C., Educagdo e meios de comunicagao de massa — escola, indtstria cultural e hegemonia burguesa no Brasil. Ao contrério do que ocorreu na Europa, onde o sistema de comunicagéo de massa se desenvolveu numa sociedade amplamente escolarizada, no Brasil universalizou-se rapidamente, onde a maior parte da populagio é analfabeta ou semi-analfabeta, Por certo a luta pelo controle democratico da mfdia é hoje um desafio tao importante quanto a erradicagao do analfabe- tismo para aqueles que lutam por uma efetiva democracia no Brasil. Veremos, adiante, como os novos sujeitos sociais vao se constituindo no tecido da sociedade brasileira, influenciando a relagao entre Estado e sociedade, materializando, no campo educacional, um embate de natureza muito diversa dos embates dos anos 30 e mesmo dos anos 50 neste Ambito. 2. A educacao algada a capital humano — uma esfera especifica das teorias de desenvolvimento Como assinalamos anteriormente, embora a relagao entre © processo econémico-social e a educagao ja estivesse presente na escola classica liberal (Adam Smith, Stuart Mill), a construgao de um corpus teérico dentro de um campo disciplinar — Economia da Educag&o — que define a educag&o como fator de produgao, se explicita somente no contexto das teorias do desenvolvimento, mais especificamente na teoria da moderni- zagao, apés a Segunda Guerra Mundial. A teoria do capital humano € uma esfera particular da teoria do desenvolvimento, marcada pelo contexto em que foi pro- duzida, uma das expressGes ideolégicas dominantes desse pe- riodo. A teoria do desenvolvimento, geral e abrangente, pelas suas caracteristicas e pela problematica abordada, é muito mais uma teoria da modernizagéo do que uma teoria explicativa do desenvolvimento capitalista, isto é, das bases materiais e das condigdes sociais em que assenta 0 processo de produgdo e reprodugdo das formagGes sociais capitalistas. (Grzybowski et alii, 1986:12) no final da década de 60 e inicio de 70, pregava ao mundo que o Brasil tinha encontrado seu caminho para o desenvol- vimento e eliminagao das desigualdades, nao pelo incentivo ao conflito de classes, mas pela equalizagao do acesso a escola € pelo alto investimento em educagao (Simonsen, 1969). O Mobral, de triste meméria, foi a grande obra, em matéria de educagao, que Simonsen criou e deixou como legado. Dois aspectos basicos ocupam a literatura que aborda a educag4o como capital humano, desde o inicio, internamente conflitantes. O primeiro é a tentativa do ponto de vista macro € microeconémico de se mensurar o impacto da educagao sobre © desenvolvimento. O pomo de discérdia aqui € de ordem metodolégica e nao de concepgao. No plano da literatura internacional destacamos, na perspectiva macro, os estudos de Harbinson & Myers (1964) e no plano nacional, os de Langoni (1974) e Simonsen (1969), que tentaram mensurar o impacto da educagao de forma agregada no desenvolvimento ou desen- volver métodos de projegdes e de previsdo de necessidades de mao-de-obra e nivel de instrugaéo, como manpower approach. No plano micro, a énfase é na andlise de custo, taxa de retorno, custo-beneficio, andlises de oferta é¢ demanda etc. Blaug (1972) e Becker (1964) sao dois dos principais representantes inter- nacionais e C. Castro (1971, 1976), no Brasil. O segundo aspecto basico, 0 mais importante para o que nos interessa na discusséo que faremos adiante, centra-se no debate sobre o pressuposto basico e mais amplo da “teoria”, que é da educagao ser produtora de capacidade de trabalho. A questéo bdsica é, pois, como e que tipo de educagio é gerador de diferentes capacidades de trabalho e, por extensado, da produtividade e da renda. Aqui, uma vez mais, sem romper com a matriz conceptual (da metafisica da cultura, diria Kosik, 1986), o embate é sobre © que de fato produz a capacidade de potenciar trabalho e o que a escola efetivamente desenvolve: conhecimento e habili- dades técnicas especificas ou determinados valores e atitudes funcionais ao mundo da produgao. Os estudos dos economistas 4? (neoclassicos) tendem a valorizar o primeiro aspecto, enquanto os sociélogos (funcionalistas), o segundo. Parsons (1961) e Dreben (1968) sao dois representantes da sociologia funcionalista que desenvolveram amplas andlises enfatizando que a maior produtividade se da pelo desenvolvimento de atitudes adequadas e funcionais ao mundo do trabalho. Autores como Bowles (1972) e Gintis (1971), conhecidos como radicais americanos, por suas andlises terem uma inspiragao marxista, enfatizam os aspectos do disciplinamento e das atitudes, focalizando nao apenas a questo da funcionalidade, mas sobretudo da reprodugao dos interesses do capital. O conjunto de postulados bdsicos da teoria do capital humano teve profunda influéncia nos (des)caminhos da con- cepcao, politicas e praticas educativas no Brasil, sobretudo, na fase mais dura do golpe militar de 64, anos 1968 a 1975. No plano da politica, de forma autocratica, 0 economicismo serviu as forgas promotoras do golpe, da base conceptual e técnica a estratégia de ajustar a educag&o ao tipo de opgio por um capitalismo associado e subordinado ao grande capital. A Reforma Universitaria de 68 e, sobretudo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional, de 1971, corporificam a esséncia deste ajuste. A critica 4 teoria do capital humano no plano internacional e nacional nao é recente. E ampla e bastante completa. No plano internacional, além das andlises anteriormente indicadas de Bowles e Gintis, destacaria os trabalhos de Carnoy (1987), Labarca (1977), Finkel (1977 e 1990) e Hirchen & Kohler (1987). No plano nacional, este debate desenvolve-se no interior do movimento de redemocratizagio da sociedade brasileira. Destacam-se os trabalhos de Rossi (1978), Galvan (1979), Salm (1980) e Arapiraca (1982). O objeto de tese de doutorado que desenvolvemos no inicio dos anos 80, publicado com o titulo A produtividade da escola improdutiva, tem como eixo central de anilise, a critica ao cardter circular e positivista da teoria do capital Aumano e a explicitagio das condigées histéricas, no interior 4a do capitalismo monopolista, que a produz. Por fim, um debate com as diferentes perspectivas “criticas” da “teoria” do capital humano no campo educacional e suas implicagées polftico-pr4- ticas para a organizagdo da educagaéo que se articula aos interesses da(s) classe(s) trabalhadora(s). (Frigotto, 1984) Sobre este aspecto, buscamos mostrar que a questao nao se situa, como as andlises insistiam, na perspectiva de um linear vinculo reprodutivista que tornava a escola um locus por exceléncia produtor de mais-valia relativa (Rossi, 1978, Galvan, 1979) ou da tese do desvinculo que postulava que o capital prescinde da escola (Salm, 1980). A escola é uma instituig&o social que mediante suas prdticas no campo do conhecimento, valores, atitudes e, mesmo, por sua desqualifi- cacao, articula determinados interesses e desarticula outros. No plano especificamente econdmico, movimenta uma fatia do “fundo ptiblico” que se constitui em pressuposto de investimentos produtivos. O Programa de Merenda Escolar exemplifica, de forma clara, a relagaéo de enormes somas de recursos desse fundo que, como demonstra Gianotti (1983:268-275), mesmo sendo uma exterioridade do capital, cumprem uma fungao crucial na realizagao da mais-valia. Uma sintese densa da trajetéria da construgdo e descons- trugdo da teoria do capital humano, no Brasil, nos anos 80, é realizada na tese de doutoramento por Luiz C. Basilio (1993). Este mesmo debate, no contexto da critica 4 matriz conceptual que embasava as politicas e a organizagéo da educagao nos longos anos da ditadura, esta fortemente presente nas andlises da Sociologia da Educagao, realizadas por Cunha (1975, 1977), Warde (1979) e Paiva (1973); na administragio e gesto educacional, Felix (1984) e Paro (1986); e, no plano mais amplo da Filosofia, Cury (1981) e Saviani (1980, 1986, 1989) Nos anos 80, nao s6 os debates dos educadores (Confe- réncias Brasileiras de Educagdo, reunides cientificas anuais da ANPEd, semindrios regionais de pesquisa), mas também as publicagées, sinalizavam que a critica, para ser efetiva, naoy 44 basta engendrar a dentincia e a resisténcia, mas necessita abrir perspectivas para as alternativas. O lema b4sico da Primeira Conferéncia Brasileira de Educagao (SP, 1980) foi: inverter o sinal. Neste processo de inversio de sinal, as andlises dos movimentos sociais e os préprios movimentos fecundam e ampliam a compreensao do educativo. Primeiramente se ampliam as andlises que buscam entender os processos educativos que se dao no conjunto das relagdes e lutas sociais e, entao, a problematica da escola é apreendida em sua relagaéo com estas lutas. No Ambito da educagao, o trabalho, na perspectiva marxista de categoria ontolégica e econémica central, constitui-se, ao mesmo tempo, num dos eixos mais debatidos tanto para a critica da perspectiva economicista, instrumentalista e morali- zante de educagao e qualificacaéo, como na sinalizagéo de que tipo de concepgao de educagéo e de qualificagaéo humana se articula as lutas e interesses das classes populares.? A perspectiva moralista e higiénica do trabalho desenvol- yeu-se, no Brasil, desde o século passado, inicialmente as Escolas de Artes e Oficios, para os desvalidos da sorte. Mais tarde, nos anos 30, foi reiterada pela Igreja catélica com o apoio do governo Vargas, nos circulos operdrios, como antidoto ao perigo da influéncia comunista. Atualmente reedita-se, como panacéia para resolver (aumentar) a penalizagao dos aproxima- damente 5 milhGes de meninos e meninas que sobrevivem nas Tuas. A Otica instrumentalista e pragmética, na vertente de adequagaéo ao mercado de trabalho, € desenvolvida nos anos 9. E importante registrar que, ao falarmos dos interesses populares, no nos filiamos na perspectiva daqueles que tomam como sendo estes interesses as mistificagdes impostas A classe trabalhadora pelos aparelhos de hegemonia, sobretudo a midia. As mistificagdes populistas do saber popular, por vezes, tem um efeito politico to perverso quanto aqueles que negam, in limine, a existéncia de um saber nas classes populares. Penso que as andlises de Gramsci sobre a questo do “senso comum” (1978a) e de Kosik (1986) sobre pseudoconcreticidade e “a metafisica da vida cotidiana”, sio balizamentos fundamentais para nao se cair nesta armadilha. AS. 40 com a criagao da rede de escolas técnicas industriais e agricolas, SENAI e SENAC e, posteriormente, com a Lei 5692/71, ainda em vigor, com varias modificagées, que define a profissionalizagao compulséria no primeiro e segundo graus. Manifesta-se, esta wiltima, numa perspectiva pedagogista do aprender-fazendo, muito em voga para justificar as escolas- produgao. No Capitulo IV mostraremos que esta perspectiva instrumentalista e imediatista continuam sendo a dominante, ainda que os homens de negécio defendam uma formagao e qualificagdo geral, abstrata e polivalente. Além do pensamento de Marx, debatido em alguns cursos de p6s-graduagao (poucos), as obras de autores como Hobsbawm (1981 e 1987), Thompson (1989 e 1991), Gramsci (1978), Vazquez (1977), Schaff (1990), Manacorda (1990 e 1991), Braverman (1977), Gorz (1980), Coriat (1989 e 1994) e Enguita (1989, 1991), entre outros, vao ter uma significativa influéncia para as andlises da relagdo trabalho-educacao no final da década de 80 e inicio da década de 90. Embora a leitura dominante, como mostra Arroyo (1991), venha demarcada por uma pers- pectiva pessimista e de negatividade do trabalho e uma con- seqiiente fixacfo na tese da resisténcia, hi um salto qualitativo na andlise pedagégica. De outra parte, a crescente e fecunda aproximagao dos pesquisadores em educagio, através dos pro- gramas de pos-graduagaéo e mediante a Associagio Nacional de Pesquisa e Pés-Graduagaéo em Educagao (ANPEd), com as Ciéncias Sociais permitiu uma abertura de andlise. Esta apro- ximacao deu-se, sobretudo, no 4mbito da Histéria, Sociologia, Ciéncia Politica, Economia e, em menor proporgao, na Antro- pologia. Esta tltima, todavia, parece penetrar no campo edu- cativo por seu elo menos denso para a compreensado da educagao no Ambito das relagdes sociais. Aparece, muitas vezes, como reificagao do singular, do diferente e da particularidade em contraposigao as andlises de cardter mais estrutural. O campo educativo, dominantemente aprisionado no plano pedagogico escolar, alarga seu locus para o plano do conjunto- das prdticas e relagdes sociais, e a educag’io, como apontamos 46 anteriormente, passa a ser concebida como uma pratica cons- titufda e constituinte destas relagdes sociais. Arroyo, um dos educadores que mais tem contribufdo neste perfodo para a apreensio do educativo no tecido das relagdes sociais, ao examinar como historicamente 0 mundo da produgao se constitui num espago onde tanto a burguesia busca fabricar e formar 0 trabalhador que Ihe convém, como este luta, mediante suas organizagGes, para superar os processos de alienagao, indaga: Se € af que a burguesia e as classes trabalhadoras colocam o locus do educativo, por que a historia da pedagogia teima em situd-lo, e até exclusivamente, na escola? (Arroyo, 1987:91) O trabalho de Kuenzer (1985), A pedagogia da fabrica — as relagdes de produgao e a educagao do trabalhador, inaugura, no 4mbito educacional, a busca de se apreender, no tecido complexo e diferenciado do mundo da produgao e do trabalho, os processos educativos em embate. O ntimero de pesquisas, especialmente dissertagdes e teses, que seguem esta perspectiva tem se ampliado significativamente. Trés trabalhos, sendo dois coleténeas, apreendem, na década de 80, 0 movimento de inversaio do eixo na apreensio da relagéo educagao, escola-trabalho para trabalho-educagdo. Uma primeira coletinea, Trabalho e conhecimento — dilemas na educagdo do trabalhador (Frigotto, G., 1987), com textos de Arroyo, Arruda, Gomez e Nosella, de um lado identifica a “superficialidade tedrica” do debate sobre traba- Iho-educag4o mediante uma homogeneizacao do discurso e a n4o-historicizagao da categoria valor-trabalho e capital-trabalho (Frigotto) e de outro explicita, no plano hist6rico mais amplo (Nosella e Arroyo) e no plano das relagdes de produgao atuais (Gomez e Arruda), como esta relacdo se produz. Na mesma época, e dentro da mesma perspectiva, Kuenzer (1987) faz um amplo balango da relagao trabalho-educagao no Brasil. Este inventdrio resulta, ao mesmo tempo, do esforgo de aprofundamento teérico e de definigao de diretrizes politicas; alternativas 4 tradigdo economicista dominante. 47 A segunda coletanea, organizada por Silva (1991), Tra- balho, educagao e pratica social: por uma teoria da formagao humana, expée andlises que focalizam a contradi¢gao da nega- tividade e da positividade do trabalho sob as relagGes capitalistas de produgio (Thompson, Manacorda, Lerena, Enguita, Silva, Arroyo); 0 sentido do trabalho como principio educativo em Gramsci (Nosella) e as bases do embate da concepgao e pratica educativa, na perspectiva de uma formagao humana dentro dos interesses unidimensionais do capital e da luta por uma formagao omnilateral ou politécnica na 6tica dos interesses dos traba- Ihadores (Frigotto). Ao mesmo tempo que este debate se delineia no 4mbito da construgao teérica, exercita-se no plano do embate politico e organizativo da educagio, tanto no contexto do processo constituinte, quanto no processo de elaboragéo e definigao da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional, que esta em gestacdo desde 1988. A luta, no plano das diretrizes e no plano das bases (condigGes de concretizagao das diretrizes), d4-se dentro de um tecido social e cultural onde as elites dirigentes fazem o discurso da modernidade, mas estao prenhes das prdticas escravocratas, estamentais e oligdrquicas. Como nos mostra Francisco de Oliveira (1992), Collor é a expressao paradigmatica da falsificagaéo da modernidade. O inicio dos anos 90 sinaliza, ao mesmo tempo, um processo de aprofundamento da relacao trabalho-educacdo, um aumento significativo de pesquisadores da 4rea que se preocupam com essa tematica!® e a busca, tanto no plano teérico, como no plano politico organizativo, da rediscussao da fungao social da escola no conjunto das lutas pela efetiva democratizagio da sociedade brasileira. Em relagao a concepgao da escola, 0 eixo basico centra-se na questdéo da escola unitéria, formagao tecnoldgica ou poli- 10. José dos Santos Rodrigues, ao levantar a participagdo das reunides anuais da ANPEd, desde 1989, mostra que no conjunto dos 13 grupos de trabalho institucionalizados na (ANPEA), 0 GT trabalho-educago, neste perfodo, agregava Participacdo de mais de 20% do total de participantes. (Rodrigues, 1993, 23-24) Ag festado de diferentes modos em relagéo 4 concep¢io de poli. tecnia. No ambito do esquerdismo, transformou-se em bandeira de palanque ou em novo jargiéo da moda e, no Ambito da burocracia e tecnocracia do MEC e dos organismos, instituigdes ou intelectuais zeladores da “formag&o” que convém aos homens de negécio, em uma perspectiva que ameaga acabar 0 que se fez e vem fazendo de bom em termos de formagao técnico- profissional. A partir de 90, uma nova categoria é incorporada ao debate da relagao trabalho-educacao: a tecnologia. Este tema tem tido sido enfatizado nas reunides anuais da ANPEd, nas Conferéncias Brasileiras de Educagao e na participacao da area nas duas tltimas reunides de SBPC (1992 e 1993). Os debates estao expostos em trés coletaneas e outros trabalhos publicados isoladamente em diferentes espagos. A primeira coletanea, Sistemas educacionais e novas tec- nologias, reine textos de educadores que examinam a natureza € o impacto das novas tecnologias sobre a sociedade, o trabalho € a educagao. (Tempo Brasileiro, 105, jul. 1991) A segunda coletanea retine textos de socidlogos, econo- mistas e cientistas politicos, trabalhando casos especificos do impacto das novas tecnologias sobre o trabalho, o sindicalismo e a formagio dos trabalhadores. (Revista Educagdo & Sociedade, abr. 1992) Finalmente, a terceira coletanea, Trabalho-educagao, con- densa um esforgo conjunto de reflexéo de socidlogos e edu- cadores na compreensdo da natureza da nova base tecnolégica € seu impacto sobre o processo de trabalho e a formagio humana. (Vérios autores, Papirus, 1992) Este esforgo de trabalho conjunto, se de um lado nos tem ajudado a avangar sobre as perspectivas mistificadoras da ciéncia e da tecnologia, tomadas como varidveis supra-sociais, € as visGes pessimistas e catastréficas, de outro tem permitido apreender as tenses das andlises em relagao 4 educagao. Desta terceira coletdnea destacamos os trabalhos de Machado (1992), Magda Neves (1992) e Rezende Pinto (1992). sn A anilise de Machado sobre as mudangas tecnoldgicas e a educagao da classe trabalhadora enfatiza, sobretudo, a natureza da qualificagao numa perspectiva marxista e a espe- cificidade da nova base técnica do processo de produgao. O trabalho de Magda Neves tensiona as andlises homogeneizadoras sobre as novas tecnologias e mostra, mediante suas pesquisas, que na realidade brasileira convivem formas tayloristas, fordistas e pés-fordistas de organizacao e gestao do trabalho. Ao ressaltar 0 carter social das novas tecnologias, Neves nos mostra que a positividade ou negatividade da nova base técnica esta inscrita nas relagdes de forga concretas no plano politico, econdmico e cultural mais amplo. O terceiro trabalho de Rezende Pinto, Pessoas inteligentes trabalhando com mdquinas ou mdquinas inteligentes substituindo trabalho humano?, inscreve-se dentre aqueles que diagnosticam as demandas da nova base técnica dos setores de ponta do processo produtivo e busca averiguar como os sistemas educacional e o de formagio técnico-profis- sional podem Ihes ser funcionais. Por este caminho entende que a formagdo para esta nova base técnica tem que tender a formagao abstrata, 4 policognig&o ou polivaléncia e vé como desintegradora a perspectiva da formagao politécnica. As andlises de Machado e Neves, assinaladas anterior- mente, séo também trabalhadas pelas contribuigdes de outros pesquisadores da drea de Ciéncias Sociais que participaram dos debates neste perfodo com os educadores. Destaco as andlises de Nadya Castro (1992), R. P. Castro (1994), Helena Hirata (1991, 1993 e 1994), M. Salerno (1992 e 1994), Freyssenet (1992 e 1993), Ferretti (1994) e Coraggio (1993). Este répido balango da critica ao reducionismo economi- cista consubstanciado na educagéo pela “teoria do capital humano”, como salientamos, teve como eixo central a categoria trabalho. Por esta via nado s6 o educativo é concebido como tendo seu locus no conjunto das relagdes e praticas sociais, como a escola, enquanto aparelho de luta hegemOnica, passa a ser entendida nao como reflexo das relagGes sociais, aparelho apenas reprodutor das relagdes dominantes, mas ela mesma 1 constituinte das relagdes sociais. No plano da anilise critica isto significou, ao mesmo tempo, uma superagaéo da visdo simplesmente reprodutora da escola e da educagio, discutido no Ambito da Economia da Educagiio, a viséo conspiratéria de Rossi e Galvan, ou aparelho ideolégico descolado da base material, como analisa Salm (1980).'* Ou seja, rompeu-se com a visdo que busca apreender o vinculo ou a falta de vinculo linear dos processos educativos com o sistema produtivo, para situd-los no plano das mediagGes concretas constitutivas dos processos sociais, onde a estrutura e superestrutura formam, na expressao gramsciana, um bloco histérico. Este percurso de duas décadas de construgao te6rica e de luta no plano politico organizativo da escola, conjuntural- mente, teve como espago de embate o complexo, tortuoso e inconcluso processo de “transigéo” democratica e, dentro dele, © processo de promulgagao de uma nova Constituigao e uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional. Inimeros sao os documentos que fazem o balango do andamento das démarches deste processo no campo da educagao. As grandes esperangas alimentadas pelas negociagdes a partir de um projeto encampando boa parte das lutas histéricas dos educadores, com a vitéria de Collor e a nova correlagao de forgas no Congresso, aumentaram a cada dia sua desfiguracao, levando Florestan Fernandes (1992), numa anilise deste pro- cesso, a afirmar que a nova LDB estava sendo mutilada, correndo o risco de se transformar num frankenstein. Como veremos no tiltimo capitulo, as definigdes que vao se solidi- 12. E nitida, nestas andlises, a influéncia da leitura althusseriana da teoria marxista de ideologia, onde a mesma € apreendida de forma descolada da base material. Portanto, ndo a tomam, ela mesma, como um elemento constitutivo da pr6pria materialidade dos processos sociais, O grande sucesso dos textos althus- Serianos e, sobretudo do texto sobre os “aparelhos ideolégicos de Estado”, mesmo o sucesso do livro de Bourdieu & Passeron — A reprodugdo — mais que outros textos importantes de Bourdieu, se de um lado podem ser interpretados por uma espécie de resisténcia ao aprofundamento das andlises, de outro deve-se reconhecer que, na conjuntura do infcio dos anos 70, sob a violéncia da ditadura, sassumiam uma espécie de efeito catartico. 1 século. O controle e monopélio do progresso técnico e do conhecimento que esté na base desta nova sociabilidade é crucial na competigao intercapitalista e na subordinagdo do trabalho ao capital. Mas o conhecimento é também uma forga (material) na concretizagéo dos interesses dos trabalhadores. Sob este terreno real opera-se a formulagao de repre- sentagdes — que nao sao maquiavélicas, mas expressdéo da forma mesma de conceber a realidade — que no plano poli- tico-ideolégico se explicitam nas teses da sociedade pés-indus- trial, p6s-capitalista, sociedade global sem classes, fim das ideologias, sociedade pés-histérica. Como demonstra Gentili (1994), a partir de uma ampla revisao de literatura internacional, estas teses tem como pressuposto que isto resulta de um novo modelo de organizacao social: a sociedade do conhecimento.'+ No plano econémico, no nivel mundial, este novo modelo de organizagao social implica um novo tipo de organizagao industrial, baseada em tecnologia flexivel (microeletrénica as- sociada 4 informatica, microbiologia e novas fontes de energia), em contraposigao a tecnologia rigida do sistema taylorista e fordista e, como conseqiiéncia, um trabalhador flexivel, com uma nova qualificagéo humana. (Gentili, 1994) Dentro desta “nova ordem”, os mesmos organismos in- ternacionais (FMI, BID, BIRD, UNESCO, OIT, UNICEF, USAID), organismos_ regionais (CEPAL, CINTERFOR, OREALC), técnicos dos Ministérios da Educagao e de insti- tuigdes ligadas 4 formagao técnica, empresdrios e mesmo pesquisadores seguiam, desde o final da década de 40, o receitudrio do CBAI para estabelecer os fatores responsdveis capitalista, Para Labini, este processo se di mediante trés formas bisicas: “A concentragio das unidades de produgao (que pode ser chamada de concentragio técnica), a das empresas (concentragio econémica) e a das empresas produtoras de bens diferenciados ou grupos de empresas ligados entre si, principalmente por participagiio aciondria (acumulagio financeira)”. (Labini, 1972: 35) 14. Dentre os autores trabalhados por Gentili destacamos as andlises de Bell (1973, 1980), Toffler (1980,1973, 1990) e Drucker (1982, 1987). e situd-la no plano da esfera ptiblica e, portanto, protegida do imediatismo interesseiro do mercado capitalista? O primeiro desafio é, pois, de qualificar a base histéri- co-social das quais emergem essas novas exigéncias educativas e de formagao humana — rejuvenescimento da teoria do capital humano — e de decifrar por que as teses de uma formagao geral e abstrata, que prepara sujeitos polivalentes, flexiveis participativos aparecem ao mesmo tempo com as perspectivas neoconservadoras de ajuste no campo econémico-social e no campo educacional mediante as leis de mercado. Nesta rede- finigdo, expresséo dos problemas que as relagGes capitalistas, sobre uma nova base cientifico-técnica enfrentam, quer no seu confronto intercapitalista na concorréncia, quer nas formas renovadas de luta dos trabalhadores, para fixar uma nova base de acumulacio, situa-se, ao nosso ver, o espago da luta por alternativas tanto nos processos quanto no contetido do edu- cativo. O terreno de embate esta, pois, no plano da natureza especifica que assumem as relagGes sociais na sociedade ca- Pitalista deste fim de século. Se esta primeira ordem de questdes traz exigéncias novas de um enfrentamento nos planos teérico e politico para nao correr o risco de deixar sucumbir a andlise 4 unanimidade das aparéncias na defesa de uma nova “qualidade” para a educagaéo e a formacao, ou a uma posigao conspiratéria, pessimista e irracionalista, a segunda ordem de questdes se apresenta como uma espécie de um xeque-mate, num complicado jogo de xadrez, para aqueles que tomam o trabalho no seu processo hist6rico como categoria central de andlise das relagSes huma- no-sociais em geral e, especificamente, no campo educacional. Aqui, o tensionamento é de outro calibre, quer pelos interlocutores, quer pela leitura que fazem da crise ou da decretagéo do fim da sociedade do trabalho e com ela o fim da centralidade do mesmo como categoria socioldgica de andlise, o fim do trabalho abstrato e com ele o fim das classes sociais fundamentais. A fungao social da educag’io e a formagio Sh humana é, para esta perspectiva, a de preparar para 0 tempo livre. Os interlocutores aqui nao sao nem os economistas neo- clissicos do capital humano, nem os homens de negécio, mas socidlogos e filésofos filiados a perspectivas criticas na andlise social, Trata-se das andlises sobre o trabalho na vida social deste final de século, como as de Offe (1989b), Schaff (1990) e Kurz (1992) com os quais dialogaremos a seguir. O enigma a ser decifrado aqui, no horizonte teérico exposto por Francisco de Oliveira (1988b), situa-se, ao nosso ver, na apreensao da crise do padrao de desenvolvimento dos tiltimos 50 anos, calcado na dilatagéo do fundo ptiblico e por essa via a uma tendéncia de desmercantilizagado da forga de trabalho. Na forma histérica concreta de desenlace desta crise, cujo contetido e custo social e humano tém se apresentado de forma diversa em diferentes regides do mundo, inscreve-se a possi- bilidade de ampliar 0 cardter social e ptiblico do fantastico progresso técnico e sua capacidade de satisfazer necessidades humanas e liberar tempo livre, mundo de fruicdo e de efetiva liberdade, ou aumentar o poder de destruigéo e ampliar o tempo liberado e aprisionado pela violéncia e alienacgéo do desemprego estrutural e subemprego. Este desenlace comporta menos profecias e mais sujeitos sociais (coletivos) concretos, agregando forgas para a positividade que a crise engendra. A intengao deste trabalho, nos limites de sua elaboragao, € de qualificar a natureza destas duas ordens de questdes no que elas se articulam, no plano teérico e politico-pratico, com a educagéo no seu vesgo neoconservador, cujo sujeito é o mercado, na perspectiva neo-racionalista ou (ir)racionalista do fim da sociedade do trabalho, fim do trabalho e das classes sociais e, finalmente, na perspectiva alternativa de situarem-se Os processos educativos e a escola no conjunto de forgas que elegem o ser humano como sujeito social no desenvolvimento omnilateral de suas possibilidades histéricas. Temos, como eixo orientador do trabalho, que as diferentes perspectivas anteriormente expostas decorrem do tipo de com- preensao da crise profunda e do colapso do modelo de desen- volvimento que serviu de resposta 4 Grande Depressao do final da década de 20. Trata-se de um modelo sobre o qual sus- tentou-se o padrao de acumulagao capitalistas neste ultimo meio século e que a literatura 0 denomina, mais comumente, de modelo keynesiano, Estado de Bem-Estar Social ou Esta- do-previdéncia, modelo fordista. Trata-se, como analisa Fran- cisco de Oliveira, de um padrao que pode ser sintetizado na sistematizagao de uma esfera publica onde, a partir de regras universais e pactadas, o fundo ptblico, em suas diversas formas, passou a ser 0 pressuposto do finan- ciamento da acumulagio do capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodugio da forga de trabalho, atingindo globalmente a populacao por meio dos gastos sociais. (Oliveira, 1988b: 20) No primeiro caso, as visdes neoconservadoras apontam como solu¢ao aquilo que historicamente se mostrou como sendo a raiz do problema: o mercado como regulador do conjunto das relag6es sociais. No segundo caso, as visdes neo-racionalistas ou irracionalistas, por fazerem uma andlise mais légica que hist6rico-dialética da crise, suprimem os sujeitos sociais em luta hegemGnica e apontam a travessia mediante solugdes de natureza meramente institucional ou alternativas idealistas ou “escatolégicas”. Trata-se de andlises de ampla receptividade e que, no caso brasileiro pelo menos, tém servido para alimentar as perspectivas do “esquerdismo infantil” incapaz de perceber mudangas na relagao entre o Estado e a sociedade. Um esquerdismo infantil impenitente julga que no fundo a educacao publica, a satide publica, a previdéncia social e outras instituig6es estruturadoras das relagdes sociais sao apenas uma ilusdo e contribuem para reproduzir o capital. (Oliveira, 1988b: 21) so

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