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Horswann, ECLA. Contos fantdsticos. Trad. Claudia Cavalcanti. Rio de Janei- +0, Imago, 1993, Ruuxe, R.M.“A pantera” In: Rites, R, M, Poemas. Seleglo, tradugioe intro- dugdo de José Paulo Paes, Sio Paulo, Companhia das Letras, 81, 1993. Ruxe, R.M.“A pantera”. In: Rake, R. M, Rilke: poesia-coisa,Introdugio, selegiioe traducto de Augusto de Campos. Rio deJancizo, Imago,25, 1994 256 Volobuef,K.~A mulher sem sombra ‘O ESTRANHO E 0 PROPRIO: PROJBCAO, DIFERENCA E REMINISCENCIA EM A MISS40 DE HEINER MULLER Florian Vapen* Abstract: From the very beginning literary discourse plays a decisive role in the ‘context of colonial discourse of power. Even Anna Seghers, a progressive socialist ‘uthoress witha fixation onthe Enlightenment, the French Revolution and the Jewish- (Christian tradition is unableto detach herself from the European claim on universality. In a tensely opposed relationship of projection and otherness, of “memoria” and intertextuality, Heiner Maller, however, understands literature inthe sense of Emanue! Lévina's respect for the other being as a work on difference, Keywords: European claim on universality; Projection; Othemess; Memoria; Intexextualty Zusammenfassung: Vom Anfang an spielt im kolonialen Machtdiskurs der Literaturdiskurs eine entscheidende Rolle. Auch Anna Seghers als fortschritlche, soaialstische Autorin kann sich mit ihver Fixierung auf Aufklénung, Franzésische Revolution und jdisch-christliche Tradition nicht vom exroptischen Universalismus- ‘Ansprich l6sen. In einem Spannungsverhiltnis von Projektion und Alleritit, von ‘Memoria und Interextuaitt vrsteht Heiner Miler dagegen Literatur im Sinne von ‘Emanvel Lévinas' Achtung des Anderen als Arbeit an der Differene, 0 autor € Professor Titular do Departamento de Germanistca da Universidade ‘de Hannover, Foi professor convidado do Depactamento de Letras Modernas, ‘Area de Alemio da FFLCH no primeiro semesue letivo de 1996. Enderego do autor: Universitit Hannover, Seminar fir deutsche Literatur und Sprache, Kénigsworther Platz 1, D-30167, Hannover. Ei hhannoverde. O texto foi traduzii i or Selma Meiteles Pandaemonium Ger. n. 4, p. 257-284, 2000 Stichwérter: Universalismus-Anspruch; Projektion; Alteritit; Memoria; Interextualitt. Palavras-chave: Reinvindicapio européin 20 universalism; Projesio; Alteridade; ‘Meméria;Interextualidade. 1. Universalismo europeu e o Caribe Para a pretensio de universalidade do assim chamado Primeiro Mundo (cujo corolério é que aquilo que é estranho nfo existe como equi- valente e complementar no sentido da alteridade, sendio como categoria de exclusao e inclusfo, de selecfo € assimilagzo e como instrumento de dominio), 0 discurso literdrio tem uma especial significagfo. Na Améri- ‘ca Latina, este discurso de poder e dominagio comega com o dirio de dordo de Cristévao Colombo e prossegue até 0s dias de hoje, Em mutes prspectivas, o Caribe desempenha no discursocolo- nial um papel importante: espacialmente, porque nesta regido comeca a Conquista da América, eem sentido temporal, porque em 1492, 0 2n0 do desembarque, comega a Conquista da América e também a Reconquista, contra os mouros, bem como o fim da politica liberal para com os judeus na Espanha. © Haiti, o lugar no qual transcomre A missdo, representaria dessa forma o primeizo genocidio da hist6ria modema de uma cultura ances- tral, © infoio da lutaanticolonal dos povos,o primeiro Bstado indepen- dente da América Latina, bem como também a primeira Reptblica ne- ‘gra da Histéria, Até hoje este pais, em fungio desta génese hist6rica especifica entre 1791 1804, € um dos mais miserdveis do mundo. Contudo, o Caribe é também o lugar de origem do “Bom Selva~ gem” ¢ espago de projegiio do desejo do homem branco pelo “exético”, ‘cujo centro apenas mais tarde estender-se-ia pelos “Mares do Sul 258 \Vaen, F —0 estranho e © préprio tanto, este pedago da América foie ¢, ainda hoje, um espago privilegiado de projegio e espelhamento para os europeus, se, por um lad do“Bom Selvagem” re © como face complement “escravo”., ta mesma moeda — do “bérbaro” e do Deve-se perguntar, portanto, em que medida Heiner Miller, com sua pega A missdo, perpetuaria, numa relagdo intertextual com a Anna Seghers das Novelas caribenhas, o discurso de poder colonial c a preten- fio de universalidade do Primeiro Mundo. 2. As imagens de Miller Neste contexto, devertammos investigar entfo se o higar, as figuras eacontecimentos em A missdo, especialmente afigura do negro Sasportas, servem apenas como superficie de projegdio do autor, ou se Miller logra de fato, através de suas imagens, fazer surgir uma alteridade real. Na literatura critica sobre Heiner Miller, encontramos via de regra uma dicotomia mal resolvida: por um lado, censura-se. Tecorrentemente em ‘Miller uma “monumentalizagao” problemitica (Usrtinas 1991; 387)e ‘uma idealizagio do “homem natural vital ¢ desfigurado pela civilizagao, um mito d: ‘quase um “racismo romantizado” (Hexzincer 1992; 214, 216, €, projegio ingénua do “Bom Selvagem” — como censura imp retensio universalista européia, Por outro, enfatiza-se que Miller for- ‘mula ¢ apreende muito bem “a outridade do Terceiro Mundo” (Firnacst 1990: 25), ou seja, em seu “jogo de diferencas” e “experiéncia do Outro” (Morter-ScHOLt 1996; 230, 233). Na. resolucdo desta dicotomia, gosta- fia de apontar para o fato de que Miller, na verdade, como nfo poderia deixar de ser, emprega claramente projecées, as quais, nfo obstante, no Ccontexto de sua concepeo de rememoreco, aparece imbricadas & ogo de alteridade, determinando uma constelagao literdria extremamente es- Pecifica, produtivae contraditéria, Pandemonium Ger. n. 4, p, 257-284, 2000 258 3. Projecio e alteridade Projegdio e alterdade sic elementos constituintes da vida humana, Assim, a projegio dos préprios desejos, esperancas e anseios, mas antes, de tudo também de sentimentos negativos e problemas sobre outr s0a5 ou coisas revela-se, no fundo, como um mecanismo psicolégico constante e inevitével tanto em nosso cotidiano como num contexto te6- rico e na produgfo estética. 0 processo da projegdo neste caso nfo é aqui entendido por mim, bem como também na discussao lteraia sobre Miller, fo apenas como “‘defesa” (sic utra pessoa ou coisa qualida- em si” (LAPLANCHE & PonTaLis Sem alteridade, ohhomem nfo consegue desenvolver qualquer iden- tidade. A consciéncia decorre fundamentalmente da experiéneia da alteridade, que é 0 pressuposto da auto-reflexio e da distiincia para con- sigo mesmo e, portanto, pressuposto da prépria linguagem e da lteratu- ra, No contexto da meméria, identidade e alteridade funcionam estreita- mente imbricadas nas reminiscéncias do cotidiano, bem como na me- méria cultural coletiva. A margem desta quase imperceptivel alteridade consciente como parte de nés mesmos, existe 0 Outro que repousa dis- tante, como, por exemplo, para além de nossa “civilizagao ocidental”, 0 assim chamado “inteiramente Outro”. O jogo de diferengas desempe- nha-se a contento no interior de nossas relagOes culturais apoiado pela diversidade de mercadorias, Quase todas as indumentérias que prote- gem a cabega, bem como os mais variados cortes de cabelo, so ora mais ‘ora menos avalizados socialmente, Mas 0 véu das estudantes mugulma- nas, origindrio de um outro horizonte cultural, é veementemente recusa- do, Em sua estranheza, ele nos parece ameagador e conduz, conseqilen- temente, a0 menosprezo e & exclusto, toma-se um “fator perturbacior” (Ramte 1998: 21), quando ndo se percebe no Outro tanto uma parte daquilo que é conhecido, quanto a particularidade como diferenga (£. Unsuncs 1991: 344). Especialmente dificil é nos colocarmos no an- 260 Valken, F.-0 estranho e 0 préprio aulo do Outro para reconhecer desta forma “a particulatidade, a relativi- dade, ¢ certamente 0 exotismo de nosso proprio modo de vida” (Ramu 1998: 20). Além disso, vivenciamos diariamente em nossa sociedade, ‘com uma clareza crescente, que 0 respeito pelo Ovtro¢ 0 reconhecimen- to de direitos sociais so recalcados e preteridos diante da crescent con- centragZo narcisista em si mesmo, da absolutizagio de um ego sem contéudo, ou seja, de uma pretensa liberagao do individuo, “Cultaracomo espeticulo” ¢ “sociedade sem escriipulos” surgem no lugar da solidarie- dade e destroem a alteridade como base da sociedade. A absolutizago do individuo esconderia desta forma por completo que a nossa prépria cconcepgio de sujeito nfo é apenas muito especifica, mas também histo- ricamente condicionada e passi to, de revistio critica. Uma ci- tagto mais longa dos Excursos sociolégicos de Adomo e Horkheimer Poderia iluminar resumidamente este aspecto da questo: Uunicamente por eles € 0 que é, entfo sua definig ‘uma indivisbilidade e unicidade primérias mas, outrossim, a do ur Paricipagio ecomunicagdo necesséria com os outros, Mesmo. ‘er um individuo, o homem ¢ tal como um dos seus semethantes (.). Com efeito, a erenga na independncia radical do ser individual em ‘elaglo ao todo nada mais 6, por sua vez, que aparénci. A prépria forme de uma sociedade que se mantém viva jo do mercado ti qual se encontrar suji- Pandaemonium Ger. n, 4, p, 257-284, 2000 261 tee o reerudescimento da capacidade de realizago produtiva” (ADoR- io & Hoexseoten 1956: 42,47, 49). Miller ndo se interessa em suas pegas por este “individuo borgu- 5”, quando muito em sentido negativo. Por isso, também suas figuras cEnicas, como jé em seu “mestre” Brecht, no so personagens, mas tipos, alegorias ou figuras artisticas sintéticas. Portanto, também Debuisson, Galloudec ¢ Sasportas em A misséo revelam-se figuras da alteridade e ndo da identidade. O primeiro representaria uma alteridade interior do psiquismo; >, aalteridade exterior, estranha ao indivi- duo, ¢ o camponés da Bretanha desempenharia uma instncia intermedi- ria para a alteridade social. olhar de Miller sobre a alteridade e diferenga deve ser lido no contexto da filosofia pés-estruturalista que se volta contra a tradigo das ““Gilosofias daidentidade” (Hewes 1998: 76, 77), Semelhante 20 sen\ido ‘empregado por Emmanuel Lévinas em sua consideracio do Outro icf Levinas 1983), tratar-se-ia aparentemente, também em Miller, de perce: ber e entender o Outro em sua “outridade”, ou, nas palavras do préprio Mier: “O que acho muito important, trata-se agora do desenvolvimento da capacidade de viverereconinecerdiferengas, ¢ esta separasto deve ser aprendida: aquilo que separae nfo aqulo que une. B também orespei to diante da diferenga ediante do Qui.” (Mote 1996: 18) 4. O pré-texto como um negativo de contraste: A projecio de Anna Seghers da Revolugo Francesa - universalismo versus alteridade ‘A Revolugo Francesa como paradigma das revoluges européias do novo tempo (cf. Disrsen 1993: 44-56) ¢ 0 socialismo, Tuminismo e rmeméria, mas também uma “espera sagrada” pelo devir revolucionétio 262 Vaften, F ~ 0 estranho e o préprio Constituem, juntos, 0 ponto de patida hist6rico da experiéncia de € sio o fundamento de sua concepeaioliteréria e petspectiva suas primeiras Novelas caribenhas: reintrodugao da escraviddo em Guadalu 1949) € A luz sobre o cada- also (1960)', um dos pré-textos centrais de A missdo, Dessa forma, imbricar-se-iam as dimensdes hist6ricas e da atuali- tudo as “paisagens” permanecerdo vivas em suas “reminiscéncias”” {Ssorens 1977: 167, 169). Com essas narrativas, contudo, Seghers nfo atendia & exigencia hegeménica da politica cultural na Zona de Ocupa- ‘lo Sovistica, ou seja, desenvolvimento politico”. Embora consciente destas expec ‘Seghers nao podia, aparentemente em fungio de suas experié der a esta demanda, Assim, questionava-se entéo: “Por que desperdigar sua forgae tempo mum tema remota. Por que ‘lo a representaglo de um processo que nos concerne ditetamente?”B respondendo e si mesma: “Porgue disso nfo decortera simplesmente ‘qualquer representagio hisirica.” DassseN 1992: 109) Seghers etende iterate como esr da Hist, como meio u io itera, enxergava-se como ums historiadora do mo- vimento operdtio e do socialismo, A literatura para ela representava a Embora os primeiros esbopos de A luz sobre o cadafalso i existssem 1949, Seghers escreveu a novela apenas aproximadamente de2. ano lo conforme Inge Diensex (1992: 109). Pandaemonium Ger. n. 4, p. 257-284, 2000 263 “meméria da Revolugo”, No desfecho de A luz sobre o cadafalso, ‘Seghers exprime-se com peculiar clareza sobre sua prépria concepgao de meméria: -mpre quis dizer com a luz. Ela nfo 4 vida de Sasportas; ela res- Sasportas; sem cujo as profundas ou nes iro de Histériae nentum “Pois agora sei também o quel honza,mas esta luz 0 celebra,elao mantém, ela o perpetua” (LG: 20), Assim como a luz do softimento e da redengfo — inteiramente im- pregnacia de ressonfincias religiosas ~que bilha para além do fracassoe da ‘morte nas narrativas de Seghers (cf. Greiner 1994: 155-171), a autora vé como sua missao precipua manter viva em sua escritura a “luz” desta me- smiria. Vitimas, mértires e taidores compoem em Anna Seghers urna cons- telagdo de motives ¢ atitudes em situaybes de suptura revolucionéria, na qual os polos daflicidade individual eda libertagocoletiva excluem se reciprocamente. Enquanto, por exemplo, Beauvais decide-se contra “afe- licidade terrena”, como afirma sua noiva na distante Franga, por “uma iba no mar do Caribe que casualmente se chama Guadalupe” e que “com & felicidade no tinha absolutamente nada a ver” (WSG: 85 ss.), em A luz sobre 0 cadafalso,ataigo de Debuisson 3 Revolugéo precede a contem- plago de um momento pleno de felicidade: “Um minuto inteiro,talver tenha sido aquele primeiro minuto, desde que desembarcou na Jamaica, no fez nada além de usufmair a vista apenas este minuto pudesse ser prolongado, © minuto n0 qv 3templou, com alegriae plenitude, sem missiio (ie meu), plano, area, a paisagem sobre aquele vale amploe majesto- so!" LG: 167) ‘Traidores como Napolego, no amplo contexto da Revoluggo mun- dial e de Debussion, — acentuado aqui diversamente ~ no espago da Re- 264 Valen, F~O estranho e 0 préprio volugdo no Haiti, permanecem em sua situago concreta figuras fracas- sadas, Entretanto, figuras leais & causa revoluciondria como Toussain Louverture, Michael Nathan ou Jean Sasportas, como personagens mo- delares e portadores da esperanga, constituem em Seghers uma constela- ‘edo simbélica, ue a despeito de seu fracasso circunstancial projetam, na propria perspectiva nacrat inuidade do trabalho revolucionério além das demrotas hist6ric » apontando para o triunfo uni- versal da liberdade, igualdade e jade, Estes herds e martires so testemunhas de um “mundo trégico” (Maver 1992: 82; of. FeHEnvany 1996: 87-105), que Ana Seghers, como cronista, busca redimir na medi- da em que conserva sua meméria, esta forma, os protagonists brancos Nathan, Sasportase Beauvais esto ao lado e, em parte, acima dos revolucionérios. negros ¢ a Revolu- sfona Antilha érepresentada, na perspectiva deste nairador europew que acompanha ¢ antecipa o limiar da Revolugo Mundial, como apenas ‘mais um capitulo da Revolugio Francesa. ‘Anna Seghers empreende nessas narrativas um estudo de fontes abrangente, cujo resultado so dois retratoshistéricos: Mir Um negro contra Napoledo (1948), como pare de uma trilogia. Na in- ‘rodugéo, Anna Seghers aponta para “trés grandes desconhecidos” nes Iutas de libertago da América Letina: Francisco Miranda sob a influén- cia de Bolivar, Toussaint Louverture como adversério de Napolefo no Haiti, e Morelos, um “padre de aldeia” no México, ts homens que so tum exemplo “para todos os outros”, que “indiferentemente sob qual firmamento estivessem, submergiram na lula sob a mesma esirela da liberdade “ (Ssovens 1947: 9). Um pouco adiante afirma-se: “A lua pela liberdade, que em todos of lugares do mundo desperta a ‘cham de qualidades excepeionais em homens exclufdos, como aI pada de Aladim desperta seu génio seezeto, néo produziv ainda, ‘gui como numa ila conhecida ou numa Localidad remota do Pacifi= ‘0 nome de um Thomas Ménzer, um Liebknecht ou um Dimitroft” ib: 8). Pandemonium Ger. n. 4, p. 257-284, 2000 265 ‘A concepgio de Historia de Seghers a partir da perspectiva dos oprimidos e da recordago dos combatentes dia liberdade desconhecidos padece evidentemente, através de uma comparagéo direta com os Iideres das fracassadas guerras camponesas, da fracassada Revolugo comu os grandes homens que fazem a Hi ‘mente impregnada de uma forte perspect s ‘Com isto, enfatiza sem restrigdo a superioridade das idéizs revoluciond- rias européias, do modelo de Histéria europeu e da cultura européia ‘Sem negar sua relevancia mundial e também para o Caribe, é surpreen- dente a acentuago extremamente parcial de Seghers. A figura idealizada do lider negro Toussaint Louverture concebi- 4a por Anna Seghers €, por exemplo, em fungdo disto, tio nitidamente superior em comparagZo 20s outros negros, justamente pelo fato de ele ser instru{do, civilizado, europeizado e, além disso, sem qualquer trago de ddio dos brancos. “Ble sabia”, escreve Anna Seghers, “o que devia 0s brancos: dois mil anos de cultura, milhares de anos de experiéncia” (HH: 42). Em outra passagem, 16-se: “Em alguns anos, ele saltara como > Sempre se enfatizou na fortuna erica, de modo recomente, que Anna Seghers xia Haas 1980; Margret ‘escatha protagonistas masculinas em suas No por exemplo, Mali em O casamento da. permanecem 2 margem da ame ‘ou desempenham papéis secundérios. As protagonists femininas de ts nove- Jas publicadas pestesiormente Trés mulheres do Haiti sio deserits por Seghers ‘com espirito de sacrifiio,erientam-se para 0 universo dos homens, emborare- de Anna Seghers. Se nesta censuraestaria embutido também um anticom subjacent, seria ainda objeto de uma in nis dothada Ul Exsvex 1996: 171-183; ef. Eva Kaumann 1986: 196-203). 266 Valen, E ~ 0 estranho e 0 préprio tum homem tinico varios estégios de desenvolvimento... (HE: ‘gualdade de ragas para Anna Seghers significaria, finalmente, a equipa- ragHo 20 nfvel dos brancos, o que, contrariando sua perspectiva, condu- ziria a um colonialismo mascarado. A partir deste posicionamento, 0 Outro nfo pode ser visto por Seghers como sujeito autéaomo em igualdade de direitos. O Haiti é es- trangeiro € também ameagador, com e justamente por causa de seu exotismo e eroticidade, que se vinculam desde Kleist até Frisch 20 co- rnhecido opos da sexualidade feminina sedutorae aprisionadora, Os acon- tecimentos politicos seria, por outro Jado, apenas a continuaydo da ‘Revolugio Francesa, exportad como um processo pedagégico de apren- dizado para o Haiti. ‘Anna Seghers retrata, de fato, em A luz sobre 0 cadafalso, “a tememoragio de uma vida passada” entre guais no houve também, consequentemente, “ainda qualquer nuptura centre passado e futuro”(LG: (g6es africanas ndo so constiu negra propria ou mesmo um sincretismo nao sfo reconhecfveis no texto. Ao invés disso, Seghers concebe uma espécie de politica de Frente Po- pular na alianga racial entre negros e brancose avalia as revoltas auténo- ‘mas dos negros de maneira extremamente negativa, A despeito de seus estudos hist6ricos, Seghers sabe aparentemen- te muito pouco sobre o Haiti; o olhar sobre o particular e sobre a peculia- ridade lhe esté completamente vedado. Ela projeta seu modelo de Hist ria e sua imagem de libertagdo e progresso sobre 0 Caribe, mediados pelas revolugdes brancas na Franca e na Riissia, aos quais se mesclam fantasias sexuais de exotismo. Em suma, o Caribe serve-Ihe apenas como superficie de projegdo da sua pretensao de universalidade européia.e so- clalista, fundada também na pretensio universal do marxismo. Nao ape- nas 08 criticos ¢ criticas da Novelas Caribenhas Erika Heas, Gestraud Gutzmann, ¢ por titimo, Herbert Ueilings, também Helen Fehervary Pandzemonium Get. n. 4, p. 257-284, 2000 267 ccaribenhas’, inviabiliza qualquer ‘a/anticolonialista distin- ide de uma constelagao coloni rio me parece convincente, A partcipagao de Seghers no discurso colonial nao é aqui for- mulada como uma censura; trata de uma avaliago moral, mas da andlise de sua particularida- que a relagio entre alteridade «© sexualidade no Noivado de So Domingos de Kleist nio coloca em ‘a qualidade poética deste texto, mas aponta para seu lugar “nas da interculturalidade” (cf. Usruines 1997), assim também & especifica uma visio universal que ndo atenta para a alteridade nas Novelas Caribenhas de Anna Seghers, sob o aspecto da Revolugio ¢ da traigo. 5, _ A fragmentagio de Miiller de texto ¢ Historia Depois da “redugo” radical (Mex 1986: 54) de Hamletmaschine ao “BLA BLA” diante das “ruinas da Europa” (Mouse 1978: 89) edo siléncio do mar profundo, Miller escreveu 4 misséo em 1979, na qual, porum lado, mais uma vez dirigia-se & Histéria como um sistema fracas- sado, mas ainda um processo inacabadoe niioresolvido de rememoragao produtiva e, por outro, abandonava a temética do assim chamado Pri- meiro ¢ Segundo Mundos, opondo agora a RevolusSo branca de papel + Bernhard Greiner, ue vinculs o nome de Sasportas& figura histrica do rabino Jakob bem Ahron Sasportas ‘que Seghers vincula os movimentos de libertago ant perseguigdo dos judeus na Espanta; (cf, Gremiex 1994), . 268 Vatien, E~0 estranho e o préprio | { | { de uma delegagio do Diretério revolucionério francés no Caribe a Revo- lugdo negra’ ‘Omnis importante pré-texto de Miller é notoriamente a novela de, ‘Seghers A luz sobre o cadafalso8, na qual Miller encontrava a fabula, as figuras ¢ a tematizaga0” pré-formados. Ao lado desta mudanga de géne- 10, Milller empreenderia, nfo obstante, mudangas radicais através de uma coutra concepgéo de meméria ede um outro olhar sobre a Revolugio, O texto de Seghers servia enfim, para Miller, apenas como um material do ‘qual ele extrafa, recombinava e sintetizava, de mode inusitado, mistura- do a fragmentos ¢ outros pré-textos como Les Négres de Jean Genet (Cf. Kats 1998: 127-137), a Morte de Danton de Buichner, A Medida de a poesia da negritude de Aimé Cé uz Fanon (ef. Vaio 1990: 3 ‘A primeira publicagio em Sinn und Form 31 (1979), H. 6 ¢ Nee Deutsche Literanur 21 (1919),H.12 coincide cronologicamente com a Revaluyao Sandini na Nicardgua ea guetrilha em El Salvador, que aqui também parecem consstir Mller ‘hum pretexto aparente para 0 emprego do “Terceizo Mundo” § Como Helen Fehervary mostou finalmente, Muller emprega também imagens ¢ aspectas de conteddo das primeiras Novelas caribenhas, mas & apenas a novela A luz sobre 0 cadafalso que desempenha a fungio estrutual do texto de Miller (Pexenvary 1998: 128 ss). que Anna Seghers no apenas apoiou intensamente sem ter podido 10 entanto impedir sua ‘comuns entre o textos de Millece Seghers. Miller "exuaiu da prosa de Seghers io apenas 0 ‘motives’, mas ekuturas dramas tires, pads ial de construgo para sua esria. Uma proximidade para com Brecht, te ode Farzer, nunca houve, (FexeRvaRy 1998: 117), Pandaemonium Ger. n. 4, p. 257-284, 2000 268 Na medida em que Miller rompe com Seghers ¢ sua perspectiva ‘européia, introduzindo novos estratos de Significacdo, relativizando e issolve também o préprio corpo do texto, com a mistura es niveis textnais como carta, relato, pantomima, teatro de clowns, texto ontrico, prosa, parédia e grotesco. Milller acaba pot produzir um fragmento sintético, cuj aberta e cuja polifonia ¢ ambivaléi tas correspondem em certa medida & realidade extra-literdria do sincretismo do Caribe. Se 0s textos de Anna Seghers cram ainda narrativas histéricas, ‘Miller rompe com sua pega a estmutura do drama histérico, estruturis ‘oniricas inundam a Historia, a cronologia desaparece em fragmentos de Jembrangas, a Histériatransforma-se em “agoridade”, “umaconstnugio” (Bewiavan: 1974 a: 701; of. Kenw 1998: 150-165). A imagem de um pas- sado preciso, aparentemente conservado na meméria, nio mais existe ara Miller € os sujitos da Hist6ria, sobretudo os “grandes homens” de Pele branca, que ainda dominam em Anna Seghers, so parodiados e saem de cena. A sexualidade ameagadora ndo é mais associada em Muller, como ‘em Seghers, a erotizagao das mulheres negras, a0 exético da natureza e as elementos estranhos do Caribe, mas sim & natureza intera do ho- ‘mem, mais precisamente & estrutura de impulses do homem (branco) Debuisson diante da agressividade sexual da alegoria feminina da trai- 40. Também 0 Primeiro Amor de Debuisson pode ser entendido como sua angiistia sexual ¢ fantasia de desejo ~ na forma alegorizada do sexualizado “castelo da familia” (Ht: 51). Num ato sadomasoquista, 0 Primeiro Amor retoma sua “propriedade” (H: 53). Debuisson padece desta fantasmagoria sexval, na qual, contra a tradigao, no domina a re- Jago de poder entre um homem branco e uma mulher negre. Pelo con- trdrio, as escravas negras ¢ Debuisson sao abusados como objetos nos Jogos sadomasoquistas do Primeito Amor. Poder-se-ia ainda enumerar, por iltino, o “Anjo do Desespero” como terceira alegoria ferinina, 270 alten, F~O estranho e 0 préprio Ao lado destas alegorias pessoais, tora. ‘concepgio de alegoria de Benjamin do Traue: texto, como um todo, aponta para uma tendénci que a alegoria, em oposigo "i totalidade orgdnica” do simbolo, é apenas um “fragmento amorfo” (BeNavin 1974b: 351; ef. Kisrer 1994) € no seu cardter fragmentério, como paradigmade uma estética de vanguarda cf. Fiscuer-Licure 1986; Borcer 1974), espelha a dilaceragdo ¢ estranhamento do modemo (ef. Marx 1998: 128). Asalegorias de Miiller de repressio e libertacéo (cf. Usruines 1997: 148) apontam, em seus tragos intertextuais, igualmente para o processo de descontextualizagio c contextualizagdo; alegoria e montagem como procedimentos estéticos dominantes no texto de Milller constituem-se, desta forma, através da diferenga, (cf. Fiscier-Licere 1997: 173-186) O titulo “A missdo” jd se encontra como conceito central da narra- tiva de Seghers, mas contém, ndo obstante, em Miller, um campometa- {rico consideravelmente ampliado. A “missfo” concreta nfl é apenas ‘suspensa e portanto “prescreve” antes que seja levada a cabo (LG: 177), cla € derrotada também em sentido hist6rico e filos6fico (of. H: 57 ss.) Osubtfulo “reminisc®ncias de uma Revolugdo” imbrica-se igual- mente & concepgdo de meméria em Seghers, mas modifica-a radical- mente, No lugar de uma meméria revolucionéria, aparece a rememoracio cde um passado nfo resolvido, ¢ ao invés da manutencio da Hist6ria real trata-se de um proceso de rememoragao coletivo, Se a concepedo de Hist6ria em Seghers orienta-se para a imagem dos “grilhdes rompidos”, na libertagio das “geragées futuras”, também Milller, em sentido benjaminiano, orienta-se pela imagem dos “antepassados oprimidos” (Bewamw 1974a: 700) ~ “quando as chances sto desperdigadas, reco- Pandaemonium Get. n. 4, p. 257-284, 2000 PT ‘mega, aquilo que jé foi a antecipago de um nove mundo, como didlogo com os mortos.” (MOLLER 1975: 7) Esta compreensto diferenciada de “missfo” em Miller conduz também a uma acentuagdo modificada da traigio. Inicialmente Debuisson, como em Anna Seghers, abandona a missio € retoma ao castelo de sua familia de senhores de escravos. Como em Anna Seghers, ele desfruta dda beleza da paisagem caribenha, Jd na poesia da fase it Motivo em Anna Seghers afirmam 0s versos finas: son na alegoria feminina de uma danga nagem a “beleza’” da traigo (H: 70). O ¥on quer seu “pedago no bolo do mondo” (Hi 68), 1i do “negro” e do “camponés” e comenta, em contraponto & esperanga do narrador de Anna Seghers sobre o devir hist bertaos investem contra ce mule- t de esperar muito para ter lugar forma o comeércio floesce,€a paz com a Inglaterra no vai tarda, 0 que une a humanidede sio os negécios, A Revoluglo alo tem mais pti.” (6). Com Emst Bloch, cujo ensaio sobre a meméria Heiner Miller ‘ecupera em relago & concepedio de rememoragtio de Benjamin, poderia ser formulado: “.Bsquever é um modo de recordar edo no perder de vista, €aquele sinda ndo foi resgatado.” (Buocu 1970: 282) m Valten, FO estranho e 0 préprio | Mas a traigao & Revolucio cm Miller nfo deveria ser apenas com- preendida como 0 genitivus objetivus no sentido da conduta de Napo- Jedo e Debuisson, mas como o genitivas i © & aulo-destruigo. O fracasso do modelo europeu revoluci apontado em Milller em Cimento e Mauser, 6 pensado até as ‘consegiiéncias em A missdo na forma de uma utopia negativa radical 2 Revolugao européia: A REVOLUGAO E A MASCARA DA MORTE. A MORTE E A MASCARA DA REVOLUCA( )- uma colo- cagio paradoxal, enfatizada através de varias repetigdes ¢ do emprego as maiisculas. Desta forma, ndo é mais possfvel diferenciar o que seja rosto ou méscara; de qualquer maneira, morte e Revolugio caminham juntas num vinculo aparentemente estreito e insepardvel, 6. Literatura como trabalho da diferenga Por este motivo, Miiller nao mais trabalha, em seu texto de rememoragiio, pelo restabelecimento da continuidade histéricacomo uma “meméria” do acontecido, mas na descontinuidade na forma de retalhos e reminiscéncias,lapsos ¢ episédios, Justamente no fragmento tornam- se visiveis “os intervalos no devir, o Outro no eterno retormo do Mesmo” 13). Miiller trabalha com seus textos literdrios na “for- ccar“processos em moviment ve como “material explosivo”, tindo 0 “retorno do Mesmo como Outro” ¢ como “diferenga”. A preten- sf de universalismo é, desta maneira, destrafda, bem como a perspecti- ‘va central; em set lugar, aparecem o sincretismo ¢ a multiplicidade de Com seu conceito de diferenga, Miller nfo se orienta nem para ‘um tempo “psicolégico” nem para.o “histérico”, como Walter Benjamin Pandaemonium Ger. 4, p. 257-284, 2000 23 odenomina, mas para o seu “conceito de diferenga temporal, no qual a imagem dialética torna-se possfvel” (Beniamin 1982: 1038), isto é, na diferenga entre passado e presente, que convergem na “agoridade” de uma meméria plena. Miller enxerga na Revolugo negra uma diferenca temporal, espacial, cltural e também textual ao fracassado e uhrapassa- do modelo de Revolugao européia, que coloca em relagdo intertextual © intercultural & concepeo psicanalitica de colonialismo de Franz Fanon em Os condenados da terra ¢ & poesia da negritude de Aimé Césaire, personificada na conversa do judew Sasportas de Anna Seghers em ne- £10. A atitude do negro Sasportas esté, em oposigao ao negro Toussain em Anna Seghers, impregnada de édio e maniqueismo, mostra uma ou- tra relagio, diversa da dos brancos, quanto & danga coletiva, & embria- guez sexual € & morte. “Quando os vivos néio mais puderem lutar, os ‘mortos lutariio” (HE: 69), A corporiedade corresponde em Miller reconhecidarnente a uma relagho especifica do negro com a natureza, ¢ conduz quase Aidentidade com este nexo cego. O Sasportas de Milier espelha-se, em relagio & De Volta @ terra do nascimento de Césaire, de acordo com a seguinte auto- descrigio nas palavres da personagem: “Eu serei bosque, montanha, mar €-deserto. Bu, istoé, a Africa, Eu, isto é,a Asia, Ambas as Américas sou eu” (H: 69), sem contudo estabelecer com isto uma relagao com a reli- gido natural e aspectos miticos. Pelo contrdrio: Miiller amplia de fato 0 Conceito de natureza em tomo das catéstrofes ecol6gicas e das “puerras de paisagem” e da “vitéria dos desertos” (H: 66). Em oposigao a conci- liagdo racial em Seghers sob o fundamento da juta ‘internacional de clas- ses, Milller enfatiza a Revolugao negra em sentido andlogo ao Foucault alta racial (cf, Foucaia 1986). Portanto, onegro Sasportas retnica 20 camponés da Bretanha Galoudec, a res, ima suposta identidade de objetivos revoluciondrios: “Nés no somos iguais, até que arranque- mos a pele um do outro” (Hf: 48). A colonizagio no texto de Miller também “se inscreve no corpo” do negro (H: 49), isto & a pele serve 'a faculdade afetiva do colonizado” concentra-se, como formulado por Fanon, “sobre a superficie da pele” (Favow 1981: 47). Ao 274 Valen, FO estranho e 0 préprio ‘mesmo tempo, porém, Miller encerra, por sua vez, este conceito de Iuta racial na imagem de um “negro de todas as ragas” (H: 69). 7. Projecto e diferenga obhar esirangeiro de sobre 0 Caribe € quebrado, frag- mentado e determinado pela alteridade, mas também por uma 4 project. e entre uma visto totalmente identificadora, tendendo ao “Bom Selvagem e a0 exstico, eunne aceitagdo da outridade, da experiéncia da estranheza. O olhar de Miller €~e como poderia ser diferente’ — um olhar europea (cf. Fiscuen 1990),?e deverfamos acrescentar: um olhar masculino, mas -rconhece esta diferenca, e nia deixa desaparecer na pretenso de modo que “a verdade esuranha fosse conservada, a verdade do Estranho” {Biancuor 1991: 117), poder-se-ia também dizer como tendéncia fun- damental do texto de Miller. ‘Miillernao nega o exotismo como estranho, também nfo se empe- ‘nha em sua realizado, mas descobre nossos desejos europeus no Outro, {sto é, 0 processo de auto-teflextio ocupa-se com o que é Préprio, como Outro e com sua diferenga, A atitude de um “contra-mundo de desejos”, como formula Hans-firgen Heinrich em relago a Michel Leits,"estd alojada na concepgao de Miiller de rememoragao. *Poderfaanos praticamente “encerra” soba etiqueta de eurocentrisma toda aite- ‘stura europsia sobre o Terceiro Mundo; mais interessante, por exemplo, seria. entender como esta vsdo mescla-s & perspectiva de alteridade te; ve negarmos nosso exatisme, perecemos, se vivemos nosso exotisno. 2ag0 de noss0s desejos, equivocamo-nas J, se vivermos, contudo, nosso exotismo como um contra-movimento da reaizag8o de nossos desejs, eto teeros dado um passo adiante” (Hsu 1985: 42). © 0 exotismo é a andlse vit Pandaemonium Ger. n. 4, p. 257-284, 2000 25 Em tomo de toda a fascinagiio de primeiro plano que deriva da figora de Sasportas e certamente ¢ uma das intengGes visadas por Miller, ‘io sedeve esquecer que Debuisson e Sasportas~protagonista antago. nista, respectivamente ~, fracassam: a Revolueio & apenas uma fememoracao: sempre, a do branco europeu, 2o final, nfo obstante seu. nicleo ut , também a do negro ¢ de fato - de modo ‘completamente dlistinto de Anna Seghers — sem martes portadores de um sentido hist6- rico. Se o Sasportas de Miller ‘Sanha seu poder, mas também sua mo- ‘numentalidade problemética da projegio do exético, da corporiedade ¢ violéncia como revolta, como em outros momentos as personagens fe- mininas de Medéia e Electra serviam de figuras de projey Mer Contrapée-Ihe, na insergdo deum texto onirico de um funciondiio branco ~ que havia extraviado sua tarefa numa viagem de elevadore que chega uma “rua de uma aldeiano Peru” (H: 60) -, além da consciéncia dilace- rada e da decepeao do branco, 0 desinteresse ¢ 0 desprezo dos nativos ‘sem qualquer trago de herofsmo revolucionério. “E (um)a viagem de medo através do Terceiro Mundo” (MOLE 1994: 297), através de uma “Paisagem que nao tem outro trabalho a néo ser esperar pelo desapareci- mento do homem” (H: 60), 0 que Miller pode apreender em imagens pas Gepois de uma estadia no México e Puerto Rico” (Mouisr 1994: Para contrabalangar ume equiparagio simplista, até agora recor- entemente esbogada na critica, entre autor e herdi, entre Miller ¢ Sasportas, gostaria de enfatizay, lis, que Miller esta tamibém comple- tamente ao lado do antagonista Debuisson, justamente em sua recusa & Revolugdo (cf. H: 65). Milller interessa-se pelo comportamento de Wilke escreve, por exemplo, que “Mille, com suas imagens us ‘0 feminina, estabelece uma analogiae projego como Terceiro Mut 1992: 67). ‘Uma penetrate andlise de Miller ¢ 0 Terceiro Mundo, especialmente a Africa, ‘encontre-se em Joachim Finch 1998: 225-240, 276 Vatien, 0 estranho eo préprio lade moral que por seu substrato Debuisson menos por sua inedmissiil uma erftica radical —comple- material, sua atitade parece ~ a despei tamente explicével, quase compreensfvel. Finalmente —e antes de tudo — no se deve esquecer que Miller ndo trabalha com a realidade imediata ou com literatura realista, mas com figuras cénicas de memeria, A Revolugdo é eneenada (sic meu) na memiéria, a teatralidade é 0 gesto dominante do texto, como fica mais ‘claro nas cenas da troca de méscaras, do Primeiro Amor ¢ na cena final da traigdo € a do “Teatro da Revolugao Branca” (H: 47 ss). gesto fundamental de A missdio de Heiner Milller~ assim pode- no tem quase nada mais em comum coma stagao em Anna Seghers. fia ser dito resumidament idéia de Revolugio e 8. O teatro de Miller no Terceiro Mundo: dois exemplos Anisséo de Miiller €, a despeito de sua temética terceiro-mundista « seus tragos intertextuais correlatos, uma pega de um intelectual euro peu,escritana RDA sob condigdes histéricas espectficas. Mas seria tam- bbémm uma pega para o Terceiro Mundo? Numa encenagéo centrada na Revoluge seus protagonistas, como © projeto teatral do Mudrooroo em Sydney (cf. FiscreR 1993), Sasportas parece ofuscar os aborigenes como figura de projecflo masculina e euro- péiadiante da realidade do Terceiro Mundo. J4 na encenagao do “Teatro La Memoria”, em Santiago do Chile, nfio estavam no centro a Revolu- glo negra e 0 negro Sasportas, mas o trabalhio de memétia como resis- ‘éncia contra seu recalque e desrealizagdo. “A explosdo dameméria numa estrutura dramética em colapso” (MULLER 1985: 14) estd em oposicio feridas ndo cicatrizadas de um pasado que nfo se “deixa domest (Apoaxo 1964: 14) — no Chile como na Alemanha, pois sem ndo existe qualquer futuro, Desta maneira desenvolveu-se, por um lado, ria Pandaemonium Get 1.4, p. 257-284, 2000 a7 ‘uma intensiva relagio de trabalho entre 0 texto de Miller ¢ 0 diretor Alexander Stillmark e, por outro, 0 grupo chileno “Teatro La Memoria” Neste trabalho conjunto, tatava-se de enfatizar 0 vacuo hist6rico surgi- do do silencio do passado sobre 0 terror da ditadura militar no Chile “Neste pafs”, afirma um comentério do diretor, “o recalque coletivo pesa sobre 0 consenso social do si (HaLLMaver 1997) e a tradutora Uta Atzpodien acrescentava: “Nosso ponto de encontro eraa meméria, 0 desentranhar da meméria, o jogo da meméria” (ArzpopiEn 1997: 26) 9. Meméria e intertextualidade Se Anna Seghers pressupe uma identidade, ou pelo menos um paralelismo entre 0 Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos, Milller traba- Jha na diferenciaggo, no desenvolvimento de contrastes. Enquanto em Seghers a meméria da RevolugGo ¢ eurocentrismo constituem um todo, Portanto, uma redueo da sensibilidade do campo de percepsao, condu- indo a tendéncia politica do universalisino, 0 potencial prodativo e a «especial intensidade do texto de Miller repousam en suas relagGes aber- tas de projecio, alteridade e trabalho de rememoragao, bem como em sua “perspectiva multifocal” No jogo combinadlo de meméria e intertextualidade, Miller logra desenvolver como trabalho na meméria coletiva um mosaico literdrio ex- ttemamente complexo de projegSes e diferengas ainda mais nitidamente, «em muitos de seus textos, nas figuras paternas, Justamente este modo de proceder extremamente intertextual de Miller seja em relagio aos mitos antigos (Prometeus, Filoctetes, Heracles, Electra, Ofélia e Medéia), a » Uma pesquisa revente demonsirava que 35% dos jovens nio sabiam 0 que ocor- rera em Santiago de Chile em 11 de setembro de 1973, 35% no sabiam nada sobre Augusto Pinochet seu regime e 42% nunca haviam ouvido falar de Sal vador Allende; ver também oFilme "Chile: meméia obstinada” (1997) de Patricio Guzman, 8 alten, F ~ 0 estranho e o préprio | ! Shakespeare (Hamlet, Macbeth, A Ternpestade, Ti i res russos como Gladkov, Maiakovski, Bek ¢ Schalochow ou alemaes: como Kleist, Bitchner ¢ Brecht e 0 surrealismo francés de Lauuréamenot a ‘Artaud, até Céscize,seja em relagio as teorias de Marx, Sartre, Foucaulte Levinas — implica ums tendncia ambivalente em relagio & identidade, & ‘um procedimento que determina uma s, fragmentos ¢ alegorias numa forma poética especifica de transformagéo. A Histéria, antes de tudo a hist da Revolugio, significa para Miller ndo mais a continuidade teleolégica, nem tampouco a negagao -xtos fi espera da Hist6- ria” (MoutER 1978: 85) — utopias na negacio, Referéncias bibliogréficas porno, Theodor W. & Horxueiwer, Max. Soziologische Exkurse, Nach Vonriigen und Diskussionen. FrankfurvMain, Suitkamp, 1956, ‘Aporno, Theodor W. “Was bedeutet: Aufarbeitung der Vergangenheit”, In Avorwo, Theodor W. Eingriffe. Newn kritische Modelle. Frankfurt/Main, Suhrkamp, 125-146, 1964. 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