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Capitulo V A INVENGAO DO PATRIMONIO URBANO Haussmann, que em sua época teve tantos inimigos como ainda hoje os tem, refutava a acusagio de vandalismo que lhe diri- giam alguns amantes da velha Paris: “Mas, boa gente, que do fundo de suas bibliotecas parece nada ter visto [do estado de insalubri- dade da antiga Paris e da metamorfose que se fez], cite pelo menos um monumento antigo digno de interesse, um edificio precioso para aarte, curioso por suas lembrancas, que minha administragio tenha destruido, ou de que ela se tenha ocupado senao para desobstr lo e dar-lhe o maior valor e a mais bela perspectiva possivel”! O barao tinha boa-fé e a ele devemos efetivamente a conservagio de numerosos edificios que, como Saint-Germain-l'Auxerrois, es- tavam fadados a demolicao. Nesse sentido, esse burgués esclare- cido era bem 0 contemporaneo de Mérimée, com quem, alids, ele se encontrava no palacio do imperador. Destruiu, contudo, em nome da higiene, do transito ¢ até da estética, partes inteiras da malha urbana de Paris. Mas também af ele era homem de seu tempo: a maioria daqueles que a época defendiam, na Franca, os monumentos do passado com a maior convicgdo ¢ energia concordavam também sobre a necessidade de uma modernizagio radical das cidades antigas e de sua malha urbana. Assim, Guilhermy publica, em 1855, um Itinéraire 1, Mémoires, «IM, Paris, 1893, p. 28. 175 archéologique de Paris, no qual faz. um inventério minucioso de todos os monumentos individuais que considera ameacados pelos, novos tempos, sem se preocupar minimamente com os conjuntos a malha urbana em si. Théophile Gautier, que no mesmo ano prefacia o livro de E, Fournier sobre a velha Paris, nao pode se impedir de saudar o desaparecimento dessa Paris demolida como tum progresso: “A Paris moderna seria impossivel na Paris de ou- trora (...). A civilizagao abre largas avenidas no negro labirinto das ruelas, das encruzilhadas, das ruas sem saida da cidade velha; ela derruba as casas como o pioneiro da América derrubava as arvores (..). As muralhas apodrecidas desmoronam para fazer surgir de seus escombros habitagées dignas do homem, nas quais a satide entra com 0 ar € 0 pensamento sereno com a luz do Sol”. Para Haussmann, assim como para Gautier e para 0 conjunto das boas almas francesas da época, a cidade nao existe como objeto patri- monial auténomo. Os velhos quarteirées, ele s6 os vé como obsti. culos a salubridade, ao transito, 8 contemplacdo dos monumentos do passado, que € preciso desobstruir. O préprio Victor Hugo, o poeta da Paris medieval, que es- carneceu cruelmente dos largos espacos haussmannianos e da monotonia das novas avenidas da capital, nunca critica em seus artigos ou em suas intervengées na Comissio dos Monumentos Hist6ricos a transformagio geral da malha das velhas cidades, Como 0 colega Montalembert, ele se limita, se for 0 caso, a pro- por algum desvio das vias projetadas, a fim de poupar nao a conti- nuidade do conjunto urbano, mas de um monumento: “Assim, em Dinan, numa cidadezinha da Bretanha onde talvez nao passem vin- te veiculos por dia, para alargar uma rua das menos movimentadas, nao destrufram a bela fachada do asilo e de sua igreja, um dos monumentos mais curiosos dessa regio? (...) Em Dijon, a Igreja Saint-Jean foi mutilada de forma vergonhosa: eliminaram nada menos que 0 coro, como o galho de uma drvore intitil, e uma pare- de que une os dois transeptos separa a nave da rua por onde pas- sam os veiculos. $6 se age assim com os monumentos piiblicos e sobretudo os religiosos — a situag’o seria muito diferente se se tratasse de interesses privados. O fato de que as casas vizinhas atra- palham tanto ou mais a via publica € um mal que se tolera (...). 176 A wvenho bo ra Em Paris, aprovamos de todo 0 coragao as novas ruas da Cité mas sem admitir a necessidade absoluta de destruir o que restas das antigas igrejas de Saint-Landry e de Saint-Pierre-aux-Boeufs, cujos nomes se relacionam aos primeiros dias da histdria da capi. tal;e se o prolongamento da rua Racine chegasse um pouco mais a direita ou a esquerda, de modo que nao resultasse numa linha absolutamente reta do Odéon a rua La Harpe, parece-nos que constituiria uma compensacio suficiente a conservagao da precio- sa igreja de Sio Cosme, que, apesar de conspurcada por sett uso moderno, nem por isso deixa de ser a tinica com sua idade e seu estilo em Paris" Balzac sintetiza bem um sentimento implicito na Franga em sua época quando descreve a sobrevivéncia de Guérande como um anacronismo e quando prevé que as cidades antigas, condena- das pela histéria, s6 serio conservadas na “iconografia literéria” Nao se pode negar que a maioria dos rominticos franceses se traumatizou com a atuagao dos “alargadores” e viu com nostalgia o desaparecimento das cidades antigas de que celebravam o encan- to ea beleza. Em compensagio — e isto para a historia das menta- lidades € um ponto essencial —, nao ha diividas de que para eles, no caso, nao se tratava de um patrim6nio especifico, que pudesse ser conservado da mesma forma que um monumento histérico. Por razdes que se prendem a tradig6es culturais profundas, essa atitude devia se manter por muito tempo na Franga, onde na verdade ainda nao desapareceu. Contudo, a nogao de patriménio urbano histérico, acompanhada de um projeto de conservacio, nasceu na propria época de Haussmann, mas, como ja vimos, na Gra-Bretanha, sob a pena de Ruskin. Em seguida, ela conheceu uma evolugdo ¢ um desenvolvimento dificeis, cujas modalidades merecem ser analisadas. Por que essa distancia de quatrocentos anos entre a invengao do monumento histérico ea da cidade histérica? Por que esta tiltima teve que esperar tanto tempo para ser pensada como um objeto de 2, Montalembert, Du vandalisme et du catholicisme dans Vart, op. cit. supra, p. 215-6. CE. cap. 1V, nota 22. 4. Montalambert, ibid., p. 216: W7 10 por inteiro, endo redutivel 4 soma de seus monumen- toe? Numerosos fatores contribuiram para retardar de uma s6 vez.a bjetivacdo e a insercio do espaco urbano numa perspectiva histéri- ca: de um lado, sua escala, sua complexidade, a longa duracio de uma mentalidade que identificava a cidade a um nome, a uma comu- nidade, a uma genealogia, a uma hist6ria de certo modo pessoal, mas que era indiferente ao seu espaco; de outro, a auséncia, antes do inicio do século XIX, de cadastros e documentos cartograficos confidveis’, a dificuldade de descobrir arquivos relativos aos modos de produ- Gao e as transformagées do espaco urbano ao longo do tempo. Até o século XIX, inclusive, as monografias eruditas que des- crevem as cidades sé falam de seu espaco por intermédio dos mo- numentos, simbolos cuja importancia varia segundo os autores os séculos. Quanto aos estudos histéricos, até a segunda metade do século XIX, eles se preocuparam com a cidade do ponte de vista de suas instituigses juridicas, politicas e religiosas, de suas estru- turas econémicas € sociais; 0 espaco é o grande ausente. Fustel de Coulanges trata da Cidade antiga (1864) sem jamais evocar os lugares ¢ os edificios insepardveis das instituig6es juridicas e religio- sas na Grécia e em Roma. H. Pirenne nao é mais elogiiente em Les Villes du Moyen Age (1939), sua obra maior sobre as origens econdmicas do fendmeno urbano no Ocidente. De sua parte, a his- t6ria da arquitetura ignora a cidade. Site nota, de forma pertinen- te, em 1889: "Nem mesmo nossa histéria da arte, que trata dos vestigios mais insignificantes, reservou um lugar, minimo que fos- se, A construgao das cidades”®, Entre a Segunda Guerra Mundial ¢ a década de 1980, ainda se podem contar os historiadores ¢ os his- toriadores da arte que trabalharam a propésito do espago urbano’, conservagai 5. O primeiro cadastro da Europa ¢ 0 milanés, no fim do século XVIII. A cartogr fia, que conheceu grandes progressos naquele século, é entio utilizada essencial- mente para as fortificagdes e pragas de guerra. E a Haussmann que se deve 0 primeiro plano operacional e global de Paris, com curvas de nivel. Op. cit, infra, p. 90 Raros sio os estudos de historiadores da arte como Rome, Profile ofa City, 312: 1308, Princeton University Press, 1980, ¢ The Rome of Alexander VII, Princeton University Press, 1985, de R. Krautheimer, ou ainda como o Systeme de Varchitecture urbaine: le quartier des Halles a Paris, de F. Boudon, A. Chastl, H. Couzy e F. Hamon, Paris, Editions du CNRS, 1977 178 ‘A NENGAO DO MATIIMONIO URRANO Hoje, assiste-se, no entanto, a um florescimento de traba- Ihos sobre a morfologia das cidades pré-industriais* e das aglome- rages da era industrial. Esse movimento foi impulsionado pelos estudos urbanos, de que devemos ressaltar o papel que desempe- nharam na génese de uma verdadeira histéria do espaco urbano ‘A conversio da cidade material em objeto de conhecimento histérico foi motivada pela transformacio do espago urbano que se seguiu 4 revolucao industrial: perturbagio traumatica do meio tradicional, emergéncia de outras escalas vidrias e parcelares. E, entio, pelo efeito da diferenga e, conforme a expressio de Pugin, por contraste, que a cidade antiga se torna objeto de investigacio. Os primeiros a considerd-la em perspectiva histérica, e a estudé-la segundo os mesmos critérios que as formagées urbanas contem- pordneas, sao os fundadores (arquitetos e engenheiros) da nova disciplina’, 4 qual Cerda dé 0 nome de urbanismo. O mesmo au- tor propée a primeira histéria geral e estrutural da cidade". Contrapor as cidades do passado a cidade do presente nio significa, no entanto, querer conservar as primeiras. A histéria das doutrinas do urbanismo e de suas aplicagdes concretas nao se confun- de, de modo algum, com a invengio do patriménio urbano hist6rico e de sua protecao. As duas aventuras sao todavia solidarias. Quer 0 urbanismo se empenhasse em destruir os conjuntos urbanos antigos, quer procurasse preservi-los, foi justamente tornando-se um obsté- culo ao livre desdobramento de novas modalidades de organizagao do espago urbano que as formacées antigas adquiriram sua identi- dade conceitual. A nogio de patriménio urbano histérico constituiu- 8. No que diz respeito a0 papel dos arqueslogos na nova historiografia da cidade, ver especialmente as publicagdes da Escola Francesa de Roma, Les Cadastres aanciens dans les villes et leur traitement par informatique, Roma, 1989, n. 120, fe Diune ville a Vautre: structures matérielles et organisation de U'espace dans les villes européennes (séculos XIF-XV1), Roma, 1989, n. 122 9, Em seguida virio os ge6grafos, como por exemplo P. Lavedan, que sob o titulo discutivel de Histoire de P'urbanisme, Paris, Laurens, 1926-1952, escreveu uma histéria da organizagio planificada das cidades a partir da Renascenga, 10. Em sua Teoria general de lurbanizacin, Madi, 1867, traduzida para o francés ¢ adaptada por A. Lopez de Aberastur, Paris, Le Seuil, 1985, que pretende fundar ‘6 urbanismo como ciéncia da cidade e de sua producio. Cerdi mostra como a ‘evolugio das formas urbanas estéligada i dos modos de circulacio ¢ de transporte. 179 sk auscoma 00 PATHIMONIO lo processo de urbanizacio dominante. Ela 69 regu, Iética da histéria e da historicidade que se Processy (ou abordagens) sucessivas da cidade antiga, Ch .ctivamente de memorial, histérica e historia) se nacontramio tado de uma dial entre trés figuras marei essas figuras respes A figura memorial ‘A primeira figura aparece na Inglaterra, saida da pena de Raskin. J4 no comeco da década de 1860, exatamente na épaca em que tem inicio as "grandes obras de Paris", o poeta de Pedyas de Veneza insurge-se e alerta a opiniao ptiblica contra as intervengses que lesam a estrutura das cidades antigas, isto 6, sua malha, Pare ele, essa textura é a esséncia da cidade, de que ela faz um objeto patrimonial intangivel, que deve ser protegido incondicionalmente Ruskin é levado a essa tomada de posigao pelo valor ¢ pelo papel que atribui A arquitetura doméstica, constitutiva da malha urbana. Sao a contigiiidade e a continuidade de suas habitagdes modestas, a beira de seus canais e de suas ruas, que tornam Veneza, Florenga, Rouen ¢ Oxford'' irredutiveis a soma de seus grandes edificios religiosos e civis, de seus palicios e colégios, e fazem desses conjuntos urbanos entidades especificas. A cidade antiga considerada como um todo parece, pois, desem- penhar, no caso, o papel de monumento histérico. Trata-se, porém, de uma ilusio, e 0 préprio Ruskin fornece os meios para corrigi-la por comparacao. Com efeito, em The Seven Lamps of Architecture, que trata da arquitetura, e nao da cidade, 0 monumento histérico funciona quase como um auténtico monumento intencional. Por um lado, ele desempenha imediatamente, no presente, um papel memorial gracas ao valor de reveréncia de que é investido; por ou- 11. CE-cap. IV, notas 32 e 34, Em seu folheto sobre o Crystal Palace, Ruskin evoca “3s rmudangas que aconteceram durante (sua] prépria vida nas cidades de Venez Florenca, Genebra, Lucema ¢ sobretudo Rouen: uma cidade de uma qualidade absolutamente inestimivel pela forma como conservou seu cariter medieval em suas ruasvariadas de modo infinito, em que metade das cass existentes habits das datam dos séculos XV e XVI. Era a ultima cidade da Franga onde ainda se Podiam ver conjuntos da antiga arquitetura doméstica francesa” (grifo nosso) 180 A NeVENGAO bo rATIMAO URANO tro, subsiste a distincia que, desde a Renascenga, aprendemos a estabelecer em relagio as antigdidades. Ora, “quase como” nio se aplica a0 caso da cidade antiga, que é um verdadeiro monumento, Sem chegar a formulé-la de modo explicito, Ruskin faz uma descoberta que nossa época ainda hoje continua a redescobrir. Ao longo dos séculos e das civilizacdes, sem que aqueles que a cons- trufam ou nela viviam tivessem intengao ou consciéncia, a cidade desempenhou o papel memorial de monumento: objeto parado- xalmente nao elevado a esse fim, e que, como todas as aldeias an gas € todos os estabelecimentos coletivos tradicionais do mundo, possuia, em um grau mais ou menos restrito, o duplo e maravilho- so poder de enraizar seus habitantes no espaco e no tempo!” Essa descoberta insigne, Ruskin nao chega a colocé-la numa perspectiva histérica. Para ele, é sacrilégio tocar nas cidades da era pré-industrial; nés devemos continuar a habité-las, habité-las como no passado. Elas sio as garantias de nossa identidade, pes- soal, local, nacional, humana. Ele se recusa a compactuar com a transformacao do espaco urbano que esté em vias de se realizar, nao admite que ela seja uma exigéncia da transformagio da socie- dade ocidental e que essa sociedade técnica persiga de um projeto inscrito em seu passado. Querendo viver a cidade histérica no pre- sente, Ruskin na verdade a encerra no passado e perde de vista a cidade historial, a que est engajada no devir da historicidade. Cegueira? Seria antes moralismo impenitente e apaixonado, que leva a dificuldades insoltiveis. Ele se encontra, a propria reve- lia, num mundo de duas velocidades e dois tipos de cidades. Aque- las que ele ama e cita com mais freqiiéncia, em geral quase intactas e de dimensoes reduzidas, mantém-se préprias a0 exercicio da 12. Sobre esses poderes do espaco, reportemo-nos especialmente a C. Lévi-Strauss, Anthropologie structurale, Paris, Plon, 1958, cap. VIL ¢ VII, € a P. Bourdieu ¢ A. Sayad, Le Déracinement, Paris, Editions de Minuit, 1964, no que se refere aos estabelecimentos nao urbanos; H. Coing, de sua parte, Rénovation urbaine et changement social, Paris, Editions ouvritres, 1967, contrapée o funcionamento dos espagos urbanos pré-industriais ¢ atuais. Quando falo do papel memorial, rio intencional, das cidades antigas, € evidente que excluo os casos excepcionais fem que uma cidade é construida de forma monolitica para celebrizar um indivi- duo (de Bagda a Karlsruhe). Além disso, nio se deve confundir a nogio de com- posigio urbana (obra de arte) com a de monumento. 181 wow meméria ¢ da reveréncia, sem que de resto sejam especificadas Tecriminadas as condigSes respectivas daqueles que as habitam « dos que apenas passam por elas. As outras, as metrépoles do séculy XIX, com suas vastas avenidas “copiadas dos Champs-Elysée Seus hotéis, seus edificios de escritérios © seus conjuntos habits” Cionais, parecem-lhe como um fenémeno que nao tem lugar na, tradigdese orem urbanas: seu Tugar natural € 0 nove mundo sem memoria, os Estados Unidos ou a Austrdlia Em muitos aspectos, especialmente quando prevé a estandar. dizagio planetiria das grandes cidades, Ruskin revela uma sensi. bilidade de visiondrio. A causa que defende, porém, e que com cle e depois dele William Morris haverd de defender, nio 6, no sentido préprio, a da conservagio de cidade e de conjuntos hits. ricos, Os dois combatem pela vida e sobrevivencia da cidade oci. dental pré-industrial. A figura histérica: papel propedéutico ‘Assegunda figura encontra uma expressao privilegiada na obra do arquiteto ¢ historiador vienense Camillo Sitte (1843-1903). A cidade pré-industrial aparece entdo como um objeto pertencente ao passado, ea historicidade do processo de urbanizago que trans- forma a cidade contempordnea é assumida em toda a sua exten- sio e positividade. Essa visio é, pois, absolutamente contrdria a de Ruskin, ¢ também 4 de Haussmann: a cidade antiga, tornada ob- soleta pelo devir da sociedade industrial, nem por isso deixa de ser reconhecida e constitufda em uma figura histérica original, que requer reflexao. Em 1889, Site desenvolvia estas idéias em uma obra que logo ficou famosa e posteriormente sofreu constantes distorgdes em razio de leituras tendenciosas: Der Stadtebau nach seinen iinstlerischen Grundsatzen, traduzido para o francés com o titulo jf enganoso de L’Art de construire les villes [A arte de construir as 13. The Opening of the Crystal Palace, op. cit, § 14, p. 11S. 182 ‘ WVENAO BO PATER URLANO cidades}"*. Em nome da doutrina dos ClAM, $. Giedion ¢ Le Corbusier fizeram de Sitte a encarnacao do passadismo mais re. trégrado", 0 apéstolo da trilha dos burros'®, inimigo declarado do urbanismo moderno. Contra a doutrina dos CIAM, havia quin- ze anos 0 Stadtebau constitufa o livro cuja autoridade endossava todos os pastiches ¢ variages diversas sobre o tema da cidade redescoberta. As duas apreciagées opostas baseiam-se no mesmo contra-senso que fez do Staidtebaw uma obra dogmitica de passa, distas, quando na verdade ela trata dos problemas da cidade pre- sente ¢ futura, em relagio a qual a cidade velha possui a dignidade de objeto histérico no pleno sentido do termo. O livro de Sitte origina-se de uma constatacio limitada e precisa: a feitira da cidade contemporinea ou, antes, sua caréncia de qualidade estética. Nao se trata absolutamente de uma conde- naco geral e moral da civilizagdo contemporinea, como no caso de Ruskin. Ao contrério, essa critica faz-se acompanhar de uma tomada de consciéncia aguda das dimensdes técnicas, econémicas e sociais da transformacio operada pela sociedade industrial e da necessdria transformacao espacial que ela implica. O progresso técnico modela nosso mundo — ele confere ao espaco urbano construido uma extensio e uma escala sem precedentes e Ihe atri- bui novas funcées, entre as quais o prazer estético parece nao ter mais lugar. “Sao, antes de tudo, as dimensées gigantescas assumi- das por nossas grandes cidades que rompem, por toda parte, 0 limite das formas artisticas antigas (...); 0 urbanista, da mesma forma que 0 arquiteto, deve elaborar uma escala de intervengio 14 Viena, Graeser. A primeira tradugio para o francts se deve a Camille Martin, Genebra, 1902. Apesar de imprecisa e truncada, ela consagrou o titulo que D. Wieczorek haveria de retomar em sua nova e excelente tradusio comentada, LAr de batir les villes, Paris, LEquerre, 1980, relangada em formato de bolso, Paris, Le Seuil, 1996, & qual remetem nossas citagdes, 15. Enotério que o Stddtebau se abra com uma evocagio nostilgica do Forum de Pom- péia. Que eu saiba, essa abertura nunca foi comparada ao primeiro pardgrafo de “The Lamp of Memory", do qual, a0 que me parece, Sitte tomou de empréstimo tum tom poético e confidencial que nio volta aparecer na sequéncia de seu livro. 16. A expressio é de Le Corbusier, que entretanto havia ldo e admirado Sitte, antes de vilipendii-lo. Cf. B Turner, The Readings of Le Corbusier, traducio francesa de P. Choay, La Formation de Le Corbusier, Pais, Macula, 1987. 183 x po Para adequada a cidade moderna, de varios tes habitantes (5) neces aceitar esas ransformagses como frcas das oy anista devers levé-las em conta, da mesma forma que © arquitets leva em conta a resistencia dos materiais ¢ as leis da estatica (..), Nossos engenheiros realizaram verdadeiros milagres (...) para g bem-estar de todos os cidadaos (...) [mas] a construcao e a extensio das cidades tornaram-se questdes quase exclusivamente técnicas"! ‘A constatagao de caréncia feita por Sitte nao tem, para ele, um interesse em si mesmo. Longe de se limitar a uma critica lastimo. sa, constitui-se num trampolim para um questionamento, Estariam, as metrépoles contempordneas condenadas a esse nivel zero da beleza urbana? Pode-se conceber ¢ preparar 0 advento de uma arte urbana ajustada ao devir da sociedade industrial? Tais sio as interrogagdes que determinam a dinamica do Stddtebau. Elas pas. sam por uma andlise preliminar das disposices espaciais de que as cidades antigas tiram sua beleza, a qual faz de Sitte o criador da morfologia urbana: a partir do paradigma do lugar puiblico, ¢ valendo-se de diversas plantas feitas por ele mesmo em dezenas de sitios e de centros antigos, descreve e explica como, desde a cidade antiga até a barroca, diferentes configuragdes do espago, nao cessaram de irradiar uma beleza que os lugares contempori- neos nunca logram oferecer. O interesse dessas andlises nao é, contudo, apenas histérico A cidade antiga pode também nos dar ligées (0 termo “ensina- mento” é muito recorrente no Stédtebau). Ao contrario de uma abordagem que em geral se atribui a Sitte, ou que se justifica com base em sua autoridade, nao se trataria de copiar ou de reproduzir esas configuracdes que correspondem a condigées sociais desa- parecidas e hoje desprovidas de sentido". A solugio da antinomia entre presente e passado, historial e histérico, é todavia possivel, desde que se recorra a um tratamento racional e sistemético da anilise morfoldgica: “Nao temos outro meio para combater a insi- diosa doenga da inflexivel regularidade geométrica, senio 0 antido- to de uma teoria racional. E a tnica sada que nos resta para 17. Op. cit,, p. 112-3, 117, 2. 18. “Nem a vida moderna nem as nossas técnicas de construgao permitem uma imi- tacio fiel dos aglomerados urbanos antigos”, ibid., p. 119. Cf. também p. 175 184 AtnvengAo 00 Para URBANO reconquistara liberdade de concepcio dos mestres antigos ¢ utili- zar —mas com plena consciéncia — os procedimentos que orien- taram os criadores, sem que disso tivessem consciéncia, nas épocas em que a pratica artistica ainda era uma tradigio"!. Sob a diversi- dade das configuragées espaciais, portadoras em todas as épocas, antiga, medieval, barroca, de efeitos estéticos préprios, buscar- jo regras ou princfpios constantes ao longo do tempo. Sabe-se que esses principio” [Griindsiitze] (palavra-chave do Stddtebau, acom- panhada ou nao do qualificativo "artistico” [ktinstlerisch] as vezes substituida por “sistema””) consistem em um conjunto de caracte- res formais, comuns aos diferentes exemplos de espagos publicos antigos, apresentados por Sitte: fechamento, assimetria, diferen- ciagdo e articulacao dos elementos. Eles sao, por sua propria intem- potalidade, aplicéveis pelo urbanismo do fim do século XIX. O estudo morfoldgico das cidades antigas e, portanto, a his- toria formal de seu espaco constituem um instrumento heuristico inigualivel para o urbanista. As regras de organizacdo dos cheios e vazios que foram demonstradas abrem-lhe 0 caminho de uma es- tética urbana experimental. O papel pedagdgico que essa postura atribui ao estudo da cidade antiga e aos problemas que ela suscita requerem uma aproximacao com a propedéutica proposta duas décadas antes por Viollet-le-Duc em seus Entretiens sur l'architec- ture”, Com efeito, na segunda metade de sua carreira, este foi, a exemplo de Sitte no que diz respeite 2 arte urbana, obcecado pela busca de uma arquitetura “verdadeiramente contemporinea”. Ele faz um impiedoso discurso de acusagdo contra o historicismo € 0 ecletismo dos arquitetos de sua época, condena todas as formas de cépia ou imitagao do passado® e nem por isso deixa de funda- 19, Ibid. 20. tbid,, p. 150-1. Cf. também p. 2, 11, 120 21. Por exemplo, “Systéme complet de fermeture des places", ibid.,p. 44 22. Paris, Morel e Co., 1863-1872, 2. reed. Bruxelas-Litge, Mardaga, 1977, 23. “Parando de se preocupar antes de tudo com a alianga da forma com as necessi- artes e com os meios de construgio (..) [a arquitetura] se fez neogrega, neo roménica, neoitica (|. Elasesujitou moda”, op, cit, ¢. 1, “Dixitme entretien", p51. De sua parte, Viollet-le-Duc, assim como Sitt, nio tem “a pretensio de [presentar modelos para serem seguidos, mas deseja apenas expor principios", ibid, t. 2, “Teiaiéme entretien", p. 140. 185, smentar sua pesquisa num trabalho hist6rico. Com efeito, aanslse racional dos grandes sistemas arquitetdnicos do passado (grego, romano, romanico, gético, etc.) permite descobrir neles “esses mutaveis que continuam verdadeiros ao longo dos sé. Pilos (..), [sao] aplicados de maneira diversa por civilizagoes di- ferentes’! ¢ ajudar-nos-io a elaborar um novo sistema a partir das condigées histéricas novas, que so as nossas. Na verdade, o racionalismo comum a Viollet-le-Duc ea Sitte faz parte de um parentesco profundo, mas ignorado pelo conjun- to dos historiadores’, que liga os dois autores, com uma geracéo de distincia, e permite explicar um pelo outro. As obras Entretiens sur l'architecture e o Stdtebau — uma pela arquitetura, a outra pelo urbanismo como arte — propdem-se identicamente procu- rar os caminhos de uma criagdo contempordnea que corresponda as exigéncias originais de uma civilizagao avassalada por uma com- pleta transformagao técnica, econdmica e social. As duas obras sio organizadas segundo a mesma oposigao bindria entre um pas- sado consumado ¢ um presente em gestacao, pensam e esbogam essa ruptura histérica com a mesma dolorosa acuidade e no mes- principios i 24, Entretiens. “Simples aveux aux lecteurs’, p. 6 ¢ 7. Para formulaces idénticas, cf. também t. 1, p. 99, 324, 391, 432, 447, 456, 458, 476. 25. A primeira vista, tudo parece distanciar os dois autores, Viollet-le-Duc (1814 1879), a principio desenhista, € o grande restaurador das edificios relgiosos da Idade Média francesa, Descoberto, formado ¢ apoiado por Mérimée, de quem recebeu a incumbéncia dos trabalhos de Vézelay quando tinha 26 anos, é proce ido e cumulado de favores pelo poder. Com apenas uma excegio, a cidade de Carcassonne, ele se interessou essencialmente pela arquitetura e por edifcios individuais, a principio como restaurador, depois como arquiteto,idealizador de formas e de edificios de seu tempo. Sitte, embora também arquiteto, focalizaa atengio sobre a cidade e sua organizagio espacial. Constesi pouco, dedica-se 4 pedagogia e sobretudo i historia e a0 estudo das cidades antigas. Em Viena, onde Critica os projetos e realizacoes de Otto Wagner para o Ring, ele € marginalizado Foi s6 tardiamente, como tedrico e autor do Stadtebau, que, em 1889, adquiriu uma celebridade subita, que logo se tornaria internacional. Nao é, pois, surpre- endente que a literatura critica pouco se tenha preocupado em aproximar Ville le-Due ¢ Sitte. Constitui uma excesao, porém, um breve e notavel artigo de D. Wieczorek: “Sitte et Viollet-le-Duc, jalons pour une recherche", Austriaca, 12, 1981, cuja abordagem, diferente da nossa, concentra-se na abordagem meto- dolégica epistemoldgica dos dois autores. Nao obstante, o autor desenvolve ‘uma parte dos pontos de nossa argumentacio. 186 A teven0 00 Pareto UaBAN mo horizonte urbano. Viollet-le-Duc nao ficou confinado ao cam po da arquitetura. Na medida em que nunca a dissocia do s : Pontexto mental, social e técnico, a cidade nao pode ser estranha t auas preocupacses. Ele também a aborda segundo uma perspec. tiva morfoldgica, e encontram-se até, no grosso volume dee Eire. tiens, sucessivas andlises que, em uma vintena de péginas, evocam a maioria dos temas’ desenvolvidos no Stadtebau vinte anos de. pois, tomando ainda mais fecunda a confrontagio dos dois textos Antes de voltar ao problema urbano, é preciso desde jé regis- trar que esse racionalismo histérico nao é isento de dificuldades te6ricas e coloca os dois autores diante de uma nova antinomia — a da arte e da razio. Com efeito, eles reconhecem que a criacao artistica deriva do que, na falta de um termo mais apropriado, ambos chamam de instinto”, Seu livre desenvolvimento caracte- rizava um estado de sociedade cujo modelo ¢ dado pelo da cidade grega. E esse instinto ou desejo de arte, sufocado e talvez perdido por nossa sociedade técnica, que a anélise racional pretende subs- tituir. Mas como pode a permanente consciéncia de si, inerente 4 nossa época e 3 nossa civilizacdo, pretender substituir a inocéncia 26, Especialmente 1. Beleza das cidades antigas e paradigma da cidade antiga: para Viollet-le-Duc, assim como para Sitte, a organizacio da dgora e do {6rum oferece uma quali dade estética sem equivalentes nos tempos modernos. Na Idade Média, ape- nas as cidades italianas puderam rivalizar com esses exemplos. 2, Tragos morfolbgicos das cidades antigas: mise en scéne dos monumentos, fe chamento ¢ simetria dos espacos. 3. Erro moderno da retirada dos centros a 4 Feira da cidade moderna, cujos tragos so 0 inverso dos da antiga: grandes tunidades e blocos habitacionais, regularidade, simetria, estandardizacéo que geram a monotonia. 5, Razdes hist6ricas: advento de uma cultura diferente. 6. Razdes técnicas: papel negativo da prancha de desenho. Devemos nos reportar principalmente aos Entretiens de mimeros 7, 8 ¢ 13. ‘A semelhanga de formulagio € impressionante. 27. Viollet-le-Duc, op. cit.,t. 1, “Premier entretien", p. 17: “A arte € um instinto, ido espirito que emprega, para se fazer compreender, diversas ssim como existe apenas a RAZAO", ¢ p. 28: ite, op. cit., p. 23 ‘uma necessidade formas, mas existe apenas a ARTE, a *O instinto mais delicado no homem talvez seja 0 da arte", (na qual se trata do Kunstrieb) 187 que elas perderam? A questo torna-se ainda mais pert}. nente ao se considerar que as andlises hegelianas da bela totalida. re heleniea nao sio estranhas nem a Viollet-le-Duc, nema Sitte, cr que este sltimo retomou as teorias de Fiedler sobre a espci. cidade da criacio artistica € sobre 0 fato de que a histéria da arte poderia vir em sua ajuda Nao deve causar estranheza, pois, que Sitte reconheca 9 artificilismo das estruturas urbanas construfdas segundo as re- incipios depreendidos da andlise racional das formas Historicas, Ele confessa: "Pode-se deliberadamente imaginar e cons- truir no papel formas que os acasos da histéria produziram ao longo dos séculos? Seria realmente possivel recorrer a essa ino- céncia dissimulada, a esse natural artificial? Certamente no. As serenas alegrias da infancia sao negadas a uma época que nao cons- tréi mais de forma espontinea””. Viollet-le-Duc nao € menos sensivel ao caréter aleatério do método que preconiza. Ele nao exclui completamente a hipdtese de um desaparecimento da arte arquiteténica e néo tem nenhuma ilusio quanto aos efeitos ini- bidores da consciéncia de si e do peso da mem6ria histérica que cla carrega. ‘Apesar da lucidez dos dois autores, ambos recusam-se a aban- donar toda a esperanga no sucesso de seu método heuristico. O pessimismo de determinadas passagens nao os impede de procu- rar outras safdas para sua postura racional e de agir como se ela pudesse trazer um novo hausto ao espirito. Nem um nem outro renunciam a seu projeto™. Mas, diferentemente de Site, Viollet- le-Duc orienta-se em direcio a uma solugio que 0 instala mais solidamente na grande subversio da era industrial. Apés ter aber- to para si uma estrada real entre os sedimentos da meméria hist6- rica, ele envereda, quase sub-repticiamente, pelo caminho estreito, escarpado ¢ érduo do esquecimento. A descoberta da “arquitetu- artistica nio gras ¢ os pri 28. Cf. D. Wieczorek, Camillo Sitte et les débuts de l'urb 1e moderne, Bruxelas, uta ite et les débuts de U'urbanisme moderne, 29. Op. cit, p. 119. 30, Entretiens t. 1, “Huitiéme entretien", p. 324, “Nio, a decadéncia nio fatal ‘mente inevitavel (...)", e Stadtebau: “Nao é preciso renunciar (...)", p: 119. 188 ‘A NENCAO bo araNdNO UREANO ra do futuro” passa por esse duplo encaminhamento: o raciona- lismo histérico que mostra com clareza a sucessao dos sistemas arquiteténicos exige em seguida o esquecimento de suas particu- laridades, e talvez ainda mais. Tal é o itinerério, feito em pontilha- do, no fim do terceiro “Entretien". A passagem surpreendente em que Viollet-le-Duc faz 0 pesado inventirio das realizagées da meméria histérica termina com uma apologia do esquecimento: ‘A todos aqueles que nos dizem hoje ‘Tomem uma arte nova que seja de nosso tempo’, nés respondemos ‘Fagam que esquecamos esse enorme actimulo de conhecimento e de critica; déem-nos instituigdes monoliticas, costumes e gostos que nao se liguem ao passado (...). Fagam que possamos esquecer tudo 0 que foi feito antes de nés. Teremos, entdo, uma arte nova e faremos o que ja- mais se viu; porque se para o homem é dificil aprender, é muito mais dificil esquecer'”’. A verdade desse pessimismo se revela numa nota do oitavo “Entretien” sobre Les Halles Centrales, construidos por Baltard, em Paris. Pois é justamente o efeito be- nigno de um tal esquecimento das referéncias aceitas, dos esque- mas histéricos consagrados, das abordagens teéricas transmitidas por uma tradigio secular que Viollet-le-Duc cré vislumbrar nesse edificio, cuja vigorosa beleza ele contrapée a insipidez das produ- Ges académicas®. Para Baltard, obrigado a inovar sob a pressio combinada de Napoledo III e Haussmann™, tratava-se apenas de um esquecimento circunstancial € nio metédico. Nem por isso ele deixa de ilustrar 0 papel estético que essa pratica teria, se assumida de forma deliberada. A concepgao de uma tal prope- déutica, igualmente aplicdvel ao urbanismo, marca uma etapa na teorizacao das disciplinas do espaco. Articulada a um racionalismo histérico que constitui sua condigao prévia e necessaria, ela no 31. Em harmonia com os valores da era industrial, op. cit, tI. “Quinziéme entretien”, p. 213. 32. bid, 1 33. Ibid,, 1, “Huitizme entretien’, p. 323. 34, Op. cit, t. IIL, Baltard apresenta dois projetos convencionais de mercado a ser construfdo com pedra, mas depois ¢ obrigado a aceitar o croqui de Napoledo Ill, ‘que exige simples “guarda-chuvas” de metal, p. 479 e ss. 189 A AH DO PATEONIO deve ser confundida com um aistoricismo, preconizado pelos Clay uitetos do movimento moderno. Estes negam a utilidade ia das formas e créem em comegos absolutos. A proposta FF Yjolle-le-Duc conserva & historiografia um papel Fundador, mas desmistificado ¢ libertado de todo dogmatismo. Além disso, ela permite ndo mais dissociar 0 problema da beleza, em arquite- tura, das questdes colocadas pela solidez e pela comodidade”. Que repercussio tiveram essasidéias na concepgao que Viollet- Je-Duc tinha da cidade do futuro? A resposta € provavelmente dada pela rapidez com a qual trata do tema que ocupa toda a obra de Sitte: para ele, a mutacdo que a arquitetura ainda est por so- frer j4 aconteceu com a cidade, Instaurou-se um novo espago, cuja escala, incompativel com a dos conjuntos antigos, ndo apenas im- pede que sobrevivam, mas bane deles a arte, tal como se ela mani- festou no curso da histéria urbana. Viollet-le-Duc nao considera o surgimento de uma arte em outra escala, como o imaginava na mesma €poca outro tedrico do esquecimento estético, Emerson®. Ele também nao prevé a conservagio das cidades antigas, mas ain- da assim cabe inclui-lo neste capitulo, Os Entretiens ajudam nao 35. F. Choay, Le regola eil modelo, sobre o papel da “historia da arquitetura” em De re edificatoria; a terceira parte desta obra, relativa as regras da beleza, “funda- menta-se" na histria da arquitetura. Depois de Alberti, todos os tratadistas até 0 século XIX retomaram essa abordagem destinada a atenuar a exclusio date digio num dominio que nio se encontra no Ambito da anslise racional. Viollet-le- Duc havia lido Alberti. Pode-se pensar que, sem ter consciéncia disso, ele desen volve, como seu “esquecimento sistemitico", uma estética muito préxima da que esti subentendida na segunda parte do tratado De re eedificatoria. Sobre 0 papel atribuido a historiografia na obra dos historiadores do movimento moder- no, cf. P. Tournikiotis, Historiographie du mouvement moderne, tese de doutors- do, Universidade de Paris VIII, 1988, inédita. 36. “Beauty will not come at the call ofa legislature, nor will it repeat in England or ‘America its history in Greece. It will come, as always, unannounced, and spring up between the feet of brave and earnest men. It is in vain that we look for genius to reiterate its miracles in the old arts; it is its instinct to find beauty and holiness in new and necessary facts, in the fields and roadside, in the shop and rill. Proceeding from a religious heart it will raise to a divine use the railroad, the insurance office, the joint-stock company; our law, our primary assemblies, our commerce, the galvanic battery, the electric jar, the prism, and the chemists retort in which we seek now only an economical use”, R. W, Emerson, Complete Works, Collected Essays, t. I, XII, P. 342 (grifo nosso). 190 apenas a compreender melhor a obra de Sitte. Por um lado, am- pliam ao limite extremo a nocio de cidade histérica, por outro, suugerem uma propedéutica do esquecimento: assim Viollet-le-Duc trouxe aportes que tiveram papel decisivo na construcio da ter- ceira figura da cidade antiga. Sitte, por sua vez, ficou na incerteza. Nenhum dos espacos urbanos concebidos segundo os principios do Stddtebau poderia, a seus olhos, encontrar na cidade moderna algo mais do que a hos- pitalidade pontual e precéria que convém ao seu status simbélico de dentilhées, Do Stéidtebau fica uma tinica certeza com relacao as cidades do passado: seu papel acabou, sua beleza plastica permanece Conservar os conjuntos urbanos antigos como se conservam os objetos de museu parece, pois, inscrever-se na légica das andlises do Stadtebau. Contudo, Sitte néo militou pela preservagio dos centros antigos. Ele sé manifesta a preocupagio de “salvar, se ain- da houver tempo, nossas velhas cidades da destruigio que as amea- a cada vez mais””” em duas ocasides, de forma répida, a0 longo de seu livro, que trata de problemas de outra natureza. Outros que nao ele desenvolveram a filosofia conservadora implicita em seu trabalho histérico e critico, atribuindo, assim, uma fungdo museal cidade antiga. A figura hist6rica: papel museal ‘A cidade antiga, como figura museal, ameagada de desapare- cimento, é concebida como um objeto raro, frigil, precioso para a arte e para a histéria e que, como as obras conservadas nos mu- seus, deve ser colocada fora do circuito da vida. Tornando-se histérica, ela perde sua historicidade. Essa concepcao de cidade histérica fora preparada por gera- cies de viajantes, cientistas ou estetas. Os arquedlogos, que des- cobriam as cidades mortas da Antigitidade, assim como os autores 37. Op.clt, p.4 191 14 00 rarR MONO de guias e de ciceroni, que aa oe art europa em fatias Saat eee para que s Sse Pensar na musej. cacao da cidade feta ae mim nao deixa de ser ambigua, A cidade com entidadde assimilsvel a um objeto de arte € comparivela uma oh sorieiseu nao deve ser confundlida com a cidade-museu, conten’ {Fabre de arte. A nocdo de cidade como obra de arte, nase, ie sieada do século, € vaga demais para englobar as duas acepcces Ela €, porém, no mais das vezes, caracterizada pela qualidade ¢ pelo ntimero™ de tesouros de arte, monumentos histéricos com ee condo pintado e esculpido, museus e colecdes que ela ga neira de um imenso museu a céu aberto, encerra, Por isso, anorig de cidade como obra de arte é aplicével a categorias heterogénen de cidades, capitais ¢ de interior, gigantes € mindsculas, transbor. dantes de vida ou adormecidas, ¢ muitas vezes sem que a préprg configuracao desse continente seja levada em consideracio, Acidade, 0 centro ou bairro urbano museais,tais como a an} lise de Sitte nos aponta, impdem-se, a0 contrério, por si mesmoe como totalidades singulares, independentemente de seus compo. nentes. Paradigma: a grande praca de Bruxelas € salva da haussmon, nizagao da cidade e preservada gracas a seu burgomestre, Charles Buls®, fervoroso admirador de Sitte. A propésito, Buls nao se li. mita a conservar, ele restaura a praca hist6rica e reconstitui as partes que faltam*'. A abordagem tem um sentido contririo ao da conservacao reverencial de Ruskin. O historicismo de Violletle. Duc marca a conservacio museal da grande praca da mesma for ma que haverd de inspirar a de numerosos centros ou fragmentos urbanos antigos na Europa ocidental. A metéfora do objeto museal continua, porém, sendo apro- ximativa. As cidades antigas ndo podem ser colocadas numa 38, Cl. Citta d'arte, Atti dell'incontro di studio “La citta d'art: significa, rac, prospettive in Europa” (Florenga, 1986), Florenga, Giunti Barbera, 1988. 39. Op. cit, p. 4. V. Franchetti Pardo, “Introduzione’, 40. Autor de L'Esthétique des villes, Bruxelas, Buylant-Christophe, 1893, e da “Lt conservation do caeur des ancignnes villes”, Tekne, n. 64-6, Bruxchs, 1912. 41. Ver M. Smets, Charles Buls, Litge, Mardaga, 1995. 192 A WevENGhO 0O PArAIMOHIO URBANO, redoma, como Viollet-le-Duc dizia, gracejando, ser 0 desejo inconfessado dos habitantes de Nurembergue. Com efeito, como se poderia efetivamente conservar ¢ isolar fragmentos urbanos, a menos que fossem privados de seu uso e de seus habitantes? Como regulamentar o seu percurso ou a visita museal? O problema co- mega a se delinear. Ele s6 seré formulado em termos explicitos ¢ juridicos depois da Segunda Guerra Mundial. No curso das primeiras décadas do século XX, contudo, a figu- ra ¢aconservagao museais adquirem uma dimensio nova, etnolégica, por ocasiiio da experiéncia colonial. Quando Lyautey, fortemente influenciado pelo exemplo inglés na india, empreende a urbanizacao do Marrocos, decide conservar as criagées urbanas, os bairros mu- culmanos antigos — as medinas — daquele pais. Ao contrério da politica adotada na Argélia, a modernizagdo do Marrocos respeita as fundagGes urbanas tradicionais, e criam-se cidades que seguem 0s novos critérios técnicos ocidentais. Essa opcio traduz a vontade de preservar, com seu suporte espacial original, modos de vida e uma visio do mundo diferentes ¢ considerados incompativeis com a urbanizagao de tipo ocidental. Mas a apreciagdo estética também faz parte, secundariamente, dessa vontade de conservagao e talvez cla propria a integre numa prospectiva do turismo de arte. Nao é de surpreender, pois, que num movimento de ida ¢ volta a experiéncia etnolégica de uma realidade urbana diferente, exética, tenha sido transposta para as cidades familiares da Euro- pa. Ainda estd por ser escrita a historia dessa conversio do olhar, de que sio exemplo, entre outros, os urbanistas Prost, Forestier € Danger, formados por Lyautey. Depois de deixar o Magreb, eles descobriam, com um olhar estrangeiro ¢ na sua legitima estranhe- za, o ancestral continente europeu — territério a organizar em escalas inéditas que puderam ser testadas na Africa, mas também territério a proteger. A estrutura urbana pré-industrial e sobretu- do as pequenas cidades ainda quase intactas passavam a ser vistas como frageis e preciosos vestigios de um estilo de vida original, de uma cultura prestes a desaparecer, que deviam ser protegidos incondicionalmente e, nos casos extremos, postos de lado ou trans- formados em museu. Na mesma época, os CIAM rejeitam a nogao de cidade his- 193, mplar, 0 Plan Voisin®, de Le Corbusier (1925), propoe-se destruir a malha See es bairros de Paris 1928) por areanho-céus padronizados, conservando apenas Jguns monumentos heterogéneos, Notre-| ame de Paris, 0 Arco aes fo. 0 Sacré-Coeur ea Torre Eiffel: inventério que jé anun. fa Tn go miditica dos monuimentos signos. Essa ideologia i ale raza, aplicada ao tratamento dos centrosantigos durante srdécada de 1950, s6 deixou de prevalecer 99 Franga coma cri. Gio, por André Malraux, em 1962, da lei sobre as dreas proteg Sas, Modificada depois em sua redagao e em sua orientagio, essa aos aims verdade, em sua origem, uma medida de urgénciainsp. rada pela figura museal da cidade. Contestados na Europa, ne por isso os CIAM deixariam de prosseguir em sua obra iconoclasta nos paises em desenvolvimento € a trabalhar na desconstrugio de Alguns dos mais belos bairros antigos do Oriente Médio, como aconteceu em Damasco ¢ Alepo. No Extremo Oriente, sua influén. aco ntinuou Forte, Pode-se-lhe imputar, notadamente, adestry Gao de uma parte da antiga Cingapura. térica ou museal. Exet A figura historial ‘A terceira figura da cidade antiga pode ser definida como a sintese e a superacao das duas precedentes. Ela constitui 0 alicer- ce de toda indagagio atual, nao apenas sobre o destino das antigas malhas urbanas, mas também sobre a propria natureza das forma- ges que ainda hoje chamamos de cidades. Essa figura apareceu, sob uma forma ao mesmo tempo aca- bada e precursora, na obra te6rica e na pritica do italiano G. Gio- vannoni (1873-1943), que atribui simultaneamente um valor de uso e um valor museal aos conjuntos urbanos antigos, integrando- os numa concepgio geral da organizacao do territério. A mudanga de escala imposta ao meio construfdo pelo desenvolvimento da 42, Do nome do construtor de avises, Gabriel Voisin. 194 A ROVENGAO bo raTNMGHO URBANO técnica ("O urbanista, assim como 0 arquiteto, deve elaborar uma escala de intervengio adequada a cidade moderna de varios mi- Ihdes de habitantes”)* tem por corolério um novo modo de con- servacio dos conjuntos antigos, para a historia, para a arte e para a vida presente. Esse “patriménio urbano", assim nomeado pela primeira vez. por Giovannoni, adquire seu sentido e valor nao tan- to como objeto auténomo de uma disciplina propria, mas como elemento e parte de uma doutrina original da urbanizacao. Du- rante muito tempo se escamoteou a importancia de Giovannoni em razao de paixdes politicas e ideolégicas*’. Por isso mesmo, & necessdrio restituir-Ihe o lugar que merece no campo da histéria. Jano primeiro artigo de 1913, de que conservou o titulo “Vecchie cittd ed edilizia nuova” para seu grande livro de 1931, Giovannoni adota uma atitude prospectiva. Ele avalia o papel inovador das no- vas técnicas de transporte e de comunicagao e prevé seu crescente aperfeigoamento. Um recuo de algumas décadas lhe permite pen- sar, a partir daf, num contexto de “redes” [rete] ¢ de infra-estrutu- ras a mutagao das escalas urbanas que constituiam o nticleo das reflexées de Viollet-le-Duc e de Sitte. O urbanismo deixa de se aplicar a entidades urbanas e circunscritas no espago para se tornar territorial. Ele deve atender & vocacio para o movimento e para a comunicacio por todos os meios, caracteristica da sociedade na era industrial, que se tornou a era da “comunicagao generalizada”. A cidade do presente e, mais ainda, a do futuro estaréio em movimento. 43. Vecchie citta ed edilizia nuova, Turim, Unione tipografico-editrice, 1931, p. 113, tradugio francesa das Editions du Seuil, 1997. 4, Ibid, p. 113, 129, ete 45. Uma parte da carreira de Giovannoni se deu sob o regime de Mussolini. Por essa razio, ele se viu injustamente envolvido, depois da guerra, no processo contra 0 fascismo, tendo sido criticado com violéncia por B. Zevi (Storia dell'architettura ‘moderna, Milio, Einaudi, 1955). Além disso, nio tendo cortejado determinadas estrelas do movimento modern como Le Corbusier, foi acusado de passadista, ‘quando na verdade desenvolvia, na érea de urbanismo, teorias mais avangadas ¢ tecnicamente mais elaboradas. Assiste-se, hoje, na Itélia, a uma reabilitagio da cobra de Giovannoni (cf. G. Zuconi, “La naissance de V'architecte intégral en Italie", tradugio francesa em Annales de la recherche urbaine, por C. Gaudin, Paris, 1990, assim como a reedigio critica de Vecchie citté por F. Ventura, Tarim, Citta Studi Edizioni, 1995). 195 Diante desses “organismos cinéticos"™, Giovannoni levantg ucidamente a questo que tantos urbanistas, autoridades ¢ polit, os ainda hoje escamoteiam: néo teria acabado o tempo da edad dlensa e centralizada e nio estaria esta comecando a desapareces dlando lugar a uma nova forma de agregacio? Ja nao € posse} imaginar “0 fim do grande desenvolvimento urbano” e mesmo ung verdadeira antiurbanizagdo™? (O termo se transformars mais de em desurbanizagao.) Ele é praticamente o primeiro a Perceber a fragimentagao e a desintegracio da cidade, em proveito de ung urbanizacio generalizada e difusa. Com cingtienta anos de ante cedéncia, ele vé surgir a nova era, que Melvin Webber cha the post city age, “a era pés-cidades”*, A. questio se coloca ainda com mais pertinéncia e acuidade ao se considerar que Giovannoni baseia seu raciocfnio na dualidade essencial dos comportamentos humanos que Cerdé consideraya 9 motor da urbanizagao: "O homem repousa, o homem se move" Os circuitos da comunicagio generalizada nao oferecem Porto seguro para o repouso. Os seres humanos, contudo, sempre tin, necessidacle de parar, de se reunir, de morar. “A vida na casa" deve poder conservar seu lugar, a0 mesmo tempo que “a vida de mone mento”. Mas os progressos da técnica tornam possivel uma nova mara de 46, Ibid, cap. IL, subcapitulo: “La citta come organismo cinematico’ p. 87 ¢ 47. Ibid. A cidade do fim do século XX “dipende infatti ai mille previdibiliin parte no, della tecnica e dellindustria, Neé da es vengano a segnare la fine del grande sviluppo cittadino ed a lazione sui campi “liberi e fecondi” ita", p. 66 (grifo nosso). Progress, in pate cludersiche questi Hiportare, la popo- Lera dell'urbanesimo modern sari aller: Da mesma forma, considerando as conseqtiéncias que haveriam de ter, no fur turo, o desenvolvimento dos transportes pablicos ripidos, assim come do tomével, Giovannoni imagina “un tipo nuovo di fabbricazione diffusa nelle campagne e realizando veramente la antiurbanizzazione”, ibid, p. 90 (rio nosso), 48. “The Post City Age”, Daedalus, Nova lorque, 1968. 49. “A vida urbana compoe-se de dois elementos essenciais, que englobam todas 3 fungoes e todos os atos da’vida. O homem descansa, se move: isso & tudo. Nio existe senio repouso e movimento”, Teoria general de la urbanizacién, Mads, 1867, p. $95, trad. e adap. para o francés, Paris, Le Seuil, 1979, p. 149. 50. Giovannoni contrapie “vias de movimento [vie di movimento] e “vias de habit 40" [vie di abitazione), op. cit., p. 95 196 figura da tradicional relagio entre o movimento ¢ a estabilidade. Nas grandes redes, principalmente nas de transportes, que estru- turam o espaco territorial, pode-se agora conectar ¢ articular pe- quenas unidades espaciais, nticleos de moradia. ‘A “antiurbanizagio” toma, pois, a forma de uma organizacio dual*', em (ao menos) duas escalas, complementares e igualmente fundamentais: de acordo com a metafora expressiva de Vecchie citta, de um lado, ha “a sala de mAquinas, de movimento frenéti- co, vertiginoso e barulhento”; de outro, os “saldes e os espagos domésticos”, Logo de saida Giovannoni ultrapassa o urbanismo unidimensional no qual Le Corbusier se encerrou sem ter com- preendido que sua ville radieuse é uma nao-cidade*. Mas ele foge também a modelizacao dos desurbanistas, para os quais, de Soria y Mata® a Miliutin e aos soviéticos da década de 1930®, os espa- cos de habitagao e de lazer mantém uma relagao de subordinagao € de inclusio, mas nao de complementaridade, com as redes que realizam a supressio da diferenca entre a cidade e 0 campo. Para Giovannoni, a sociedade de comunicagio multipolar, essa que, A época, ainda nao é nem informatizada, nem midiitica, nem “de lazer”, essa sociedade que entretanto nao pode funcionar ape- nas em escala territorial e reticulada, exige, pois, a criacdo de uni- dades de vida cotidiana sem precedentes. Os centros, os bairros, Op. cit, p. 109. “Lo sdoppiamento tipico che si & affirmato necessario tra i grande sistema di circolazione ¢ linterna trama dei quartieri", grifo nosso. Cf. também ibid, p. 75 ¢ p. 93, “una rete di grande traffico ben determinati como tracciato [...] ed una trama di vie minori relativamente tranquille.” 52. Ibid, p. 108. 53. Giovannoni nao cortejou os criticos a maneira de Le Corbusier, notadamente no que diz respeito a suas concepcbes do habitat e do trinsito; considerava-se, com razio, que estas eram elementares ¢ no levavam em conta a complexidade dos problemas reais, op. cit., p. 112 ¢ 116. 54. A. Soria y Mata, ¢ 0 artigo de El Progresso, Madri, 1882, em que ele cria a expressio “cidade linear”. Cf, sobre sua “ciudad lineal”, G. R. Collins, Jounal of the Society of the Architectural Historians, n.2, Nova lorque, 1959. 55. Sobre a planificacéo linear em geral, cf. G. R. Collins, op. cit.,n. 3, 2" parte. A obra sobre a construgio linear das cidades na Uni3o Soviética, publicada por Miliutin ‘em 1930, foi traduzida, anotada e comentada por G. R. Collins ¢ W. Allis sob o titulo The Problem of Building Socialist Cities, Cambridge, Mass., ¢ Londres,1974 197 aurcoms 00 PArEIMO ‘os conjuntos de quarteiroes antigos pee responder a essa fun. cao. Sob a forma de zonas isoladas, de fragmentos, de Mticleos, Siey podem recuperar uma atvatidade que thes era negada poy Voller le-Duc e por Sitte: sua prépria escala indica que estao ap. deca desempenhar a funcio dessa nova entidade espacial, Com y condicao de que recebam o tratamento conveniente, isto é, desde que neles nao se implantem atividades incompativeis com sua sir fologia, essas malhas urbanas antigas ganham dois novos priv. légios: elas sio, da mesma forma que os monumentos histéricos, portadoras de valores artisticos € histéricos, bem como de valor Pedagégico e de estimulo imaginados por Viollet-le-Duc e por Sitte, verdadeiros catalisadores no processo de invengao de novas configuracées espaciais. Eles também tém, na edilizia nuova de Giovannoni, um papel que nem Viollet-le-Duc, apesar de sua teoria do esquecimento e de sua descoberta da ruptura da escala urbana tradicional, nem Sitte, nao obstante a finura de suas anilises morfol6gicas, poderiam he atribuir. E é a esse titulo que foi pos. sivel integré-las numa doutrina sofisticada®® da conservagao do patriménio urbano. ‘A relacio original que Giovannoni imaginou entre organiza- cio do territério e patriménio urbano pode ser atribuida a duas particularidades do contexto italiano. Por mais precursora que seja, sua visio “antiurbanistica” inscreve-se numa tradicdo lombarda fundada no fim do século XVIII por Cattaneo”, na esteira da fisiocracia francesa; desde essa época, partindo a0 mesmo tempo de consideragdes demogrificas e da solidez da estrutura urbana italiana, Cattaneo preconizava um equilibrio das atividades urba- nas e rurais, baseado em sua estreita associagao € no controle do crescimento urbano, numa concepgao territorial da economia. Além disso, uma formacao profissional que mais tarde ele 56. Ela € desenvolvida em Viecchie citta..., mas também na Carta del restauroitalia- nia que ele redige em 1931 para o Consiglio superiore per le antichitie belle arti, e na sua colaboragio para a Conferéncia de Atenas sobre a conservacio, em 1931. Sobre todos esses pontos, cf. C. Ceschi in op. cit., € a reedigao, jé citada, de F. Ventura, nota 45. Ver D. Samsa, “Un ipotesi di funzionamento territoriale:cittd, ideologia e scienza nel pensiero di Carlo Cattaneo”, Storia in Lumbardia, 1986. 198,

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