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BAKHTIN concexorchave —— Problemas da pti de Doswiek. Tia. Paulo Beta. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universi, 1997, Mupvenev, BIN. Tie formal method ix lierary hola: a crcl imroduction wo ecilogical poetics. Cambridge: Harvard Universiy Pres, 1985, Mato, Pericia. O matador, Sio Paulo: Compan (BaxienN, MM). 0 fiendiome. Tea. jenera, S30 Paulo: Perpectiva, 2001 60 Enunciado / enunciado concreto/ enunciacao Beth Brait Rosineide de Melo Tocutorterminos, Bukit BAKHTINconcetos-chave Este texto tem por objetivo apresentara maneiracomo osconceitos enun- ciado fenunciado conereto | enunciaeao aparecem no conjunto das obras de M. Bakhtin edeseu Circulo, considerandoaimporcancia delesnas reflexes sobre juagem e especialmente, suasconseqiiéncias paraosestudos enunciativos e discursivos contemporineos. Para evitar as quescOes de tradugao desses ter- ‘mos, que sio abundantes e que por si dariam um ensaio, este trabalho procu- rou se restringir aos textos traduzidos para o portugués, com alguma recorréncia a verses em lingua espanhola, minimizando, tanto quanto pos- adiversidade existente, por exemplo, entre enunciado e enunciado con- exeto, enunciado e palavra, enunciado € « Levando-se em conta, também, que os term tém seu lugar garancido em diferentes teorias hi discursivas, assumindo, necessariamente, dimensdes tamente porque partem de perspectivas epistemolégicas diferentes, foi pre- iso fazer referéncia, ainda que de forma répida, & existncia ¢ a0 funciona- mento desses conceiros em algumas teorias. Com o objetivo de situar € diferenciar a concepeio bakhtiniana e sua importincia no cendio dos estu- dos da linguagem, € preciso ressaltar que as referéncias nio tém a pretensio de esgotar o alcance desses conceitos nas diferentes teorias em que aparc- ccem, na medida em que sua coeréncia é dada no interior delas Na verdade, mesmo dentro do pensamento bakhtiniano, as possibilida- des de leitura dos termos enunciado, emunciado concret,' enunciagao s6 term sentido na articulagdo com outros rermos, outras categorias, outras nogées, ‘outros conceitos que, mais do que a constitutiva proximidade, Ihes conferem sentido especifico, diferenciado de qualquer outra perspectiva te ‘0 caso, por exemplo, de signe ideoldgico, palavra, generos discussivos, inte- ragio, texto, discurso, linguagem em uso. atividade, esfera de producio, cir calagio ¢ recepca0, para restringirmos 0 elenco 2 apenas alguns. Por todas essas razdes, devemos dizer gue os conceitos enunciado/ ‘enunciagio, t20 largamente utilizados na érea dos estudos da linguagem, es- tio Jonge de promover um consenso, apresentando, a0 contrario, uma gran- de polissemia de definigdes e empregos. Se no curso da histéria dos estudos dalinguagem esses termos foram adquirindo sentidos diversos, de acordocom as teorias € tedricos que os empregaram, por outro lado, hé caracteristicas passives de serem identificadas e que, no interior de cada teoria, levam esses ica. Esse € 62 [Enuncado/enuncadoconcreo/enunciagio BETH BRAITE ROSINEIDE DE MEI) termos a serem concebidos ecompreendidos, cada um deles, de maneira dis- tinta, mas teoricamente coerente. Fica claro, portanto, que nao se trata de contrapor teorias, de fazer julgamentos fora do rigor cientifico assumido em cada uma delas, mas de alertar para o fato de que, nos estudos da linguagem, i profundas diferencas entre esses termos com conseqléncias igualmente significativas para a concepgio € o enfretamento da linguagem. A DIVERSIDADE DO TERMO ENUNCIADO. Grose modo, é possivel dizer que enunciado, em certas worias, equivale a frase ou a seqiiéncias frasais. Em outras, entretanto, que assumem um ponto de vista pragmatico, 0 termo ¢ conseqitentemente o conceito por ele gerado slo utilizados em oposigio a frase, unidade entendida como mode- Jo, como uma seqiiéncia de palavras organizadas segundo a sintaxe ¢, por- tanto, passivel de ser analisada “fora de contexto”. O enunciado, nessa pers- é icagio, como unidade de t10 de situagbes e contextos especificos, o que significa que a “frase” ganha- td sentido diferente nessas diferentes realizagGes “enunciativas”. iferentes correntes da pragmatica que prenunciaram o cai ico do enunciado, recorrendo, por exemplo, de inferéncia e contexto como requisitos imprescindiveis a seu enten mento. Para fazer um recorte radical, ¢ imperativo destacar um grande es- cudioso da linguagem, situado na perspectiva de uma pragma Foram as, iva, Ducrot estabelece a distingio entre fra- ‘ado ¢ enunciagao, como se pode observar, a lo de exemplo, nos seguintes trechos: consibuie para vida coidians 63 BAKHITIN, concenos have De uma mancira mais geal, disinguimos © material lingustico, ‘nico atraves de seus empregos, suns mils realaagbes — as ‘coréncas ~ das quais cada uma é original por mais de uma rao. Convencionaremos chamar de enunciado- sos palava enuniado Eseols de Oxford. De acrdo com eas dfinigdes, nosso primeira exemple comporta dois enunciados diferentes, ocorréncias do mesmo enunciado-tpa, e que poser, as “iene” tt Enfim, entendererot por enuncias300fatw que consti a produgio de um enunciado, {notadamence espago-temporis) ino € a aparigao da ocomtncia de um enunciado-ipo.” toca hice mune de wna (© gus designate por ese terme lenanciagd) é o acomtecimento contudo pelo apaecimento do enunciado. A ralizagio de urs ‘nunciado € de foro um aconecimento hiscrico:€ dado ei ia a alguma coisa que no ext ances de se aa © que mio xi tid depois. eta aati momentines que cham deenunciagso? Além do trabalho desenvolvido pelas diferentes pragma ‘outros estudos considerados trasnfrdsicos, de diversas proced: curam explicar a natureza do enunciado, apresentando- as, também. as, pro- em geral, como uma espécie de texto. Outras propostas teéricas, entret enunciado a texto, como € o caso da Lingiistica Textual. Também nas dife- rentes Analises do Discurso, especialmente as da vertente francesa, 0 conceito de enunciado vai aparecer, em geral, em oposigao a discurso. Nao se pode deixar de me or vezes, 0 enunciado & definido em oposigao a 98 desses casos, o enunciado é tido como o produto de um processo, isto é a enunciagio € 0 processo que produz ¢ rele deixa marcas da subjetividade, da intersubjetividade, da alteridade cenunciagao. Em mui 64 laconcreto/enunclao BETH BRAIT E ROSINEIDE DE MELO que caracterizam a linguagem em uso, 0 que o diferencia de enunciado pata ser entendido como discurso.® Mas, naturalmente, essa definigio também nao € consensual. ENUNCIADO/ENUNCIADO CONCRETO/ ENUNCIACAO EM BaKHTIN E SEU CiRCULO Se os estudos de ©. Ducror, evidentemente posteriores aos de Bakhtin, ‘encontram ai um dos pélos de inspiracao, especialmente no que diz re 2 poli também que os estudos bakhtinianos sobre enunciado/enunciacao dialogam com 0 uso desses termos e as diferentes acepgbes que Ihes foram sendo bem 4 moda bakhtiniana, de distinguir formas, nia, & presenga de muitas vozes no mesmo enunciado, € verdade ‘As nogoes enunciadofenunciagio tém papel central na concepezo de linguagem que rege o pensamento bakhtiniano justamente porque a .guagem é concebida de um ponto de vista hist6rico, culeural¢ social que para efeito de compreensio ¢ andlise, a comunicagio efetiva © 0s sujeitos e discursos nela envolvidos. Bakhtin e seu Circulo, & medida que claboram uma teoria enunciativo-discursiva da linguagem, propdem, em ciagio, de sua vinculagao com 0 signo ideol6gico, palavra, comunicacao, interacio, géneros discursivos, texto, tema e significagio, discurso, discurso verbal, polifonia, dialogismo, aco do processo enunci Como também é préprio do pensamento bakhtiniano, a concepcio de enunciado/enunciagao nao se encontra pronta ¢ acabada numa determinada obra, num determinade texto: 0 sentido ¢ as particularidades vao sendo construidos ao longo do conjunto das obras, indissociavelmente implicados ‘em outras nogdes também paulatinamente construidas. Em Discurso na vida ¢ discurso na arte ~ sobre poética socioldgica (1926), assinado por Voloshinov, os termos enunciado, enunciado concreto, enunciagao esta0 diretamente ligados a discurso verbal, & palvra e a evento. Essa perspectiva pode ser observada na propria definigao dos objetivos da obra jidade/evento e demais elementos constitutivos ivo-discursivo, 65 BAKHTIN conectorchave tum enunciado eo meiosocial cireundant presse mis faciimente Aandlve? De fato, este é um texto que, juntamente com “O enunciado na nicardo watbal", “Lingua, fae ennnciasto”, “A iomsagio verbal” «Tema ado na lingua” traz importantes esclarecimentos sobre a dimen- sio, 0 alcance € as conseqiiéncias desses conceitos para os estudos bakhtinianos. Para atingir o objetivo de reflecir sobre a comunicagio artis- reservar duas de suas part esfera art . E € justamente nesses pontos especificas do texto que se pode constatar 0 sentido assumido por enunciado/enunciado concreto/ enunciagio nos trabalhos do século passado. A partir de indagagio ~ Como o discurso verbal na vida se relaciona com a situagao extraverbal que o engendra? ~ plo bastante simples ~ Duas pesoasestéo sentadas numa silencio. Entao, uma delas diz “Bem. A outra néo responde, 0 texto di a medida da diferenga existente entre a concepsao desses termos na aborda- gem bakhtiniana da linguag. Em ‘monolex nas demais a que hoje temos acesso. ngao desse exemplo muito simples ~ Bers, um enunciado ico -, 0 texto vai construindo a idéia de que o sentido de 86 pode acontecer, s6 pode ser compreendido e conseqiie! ido porque existe uma situagao extraverbal implicada no { interlocutores que se conhecem, compartilham uni nhecimentos, pressupostos, sentimentos. Ha uma situago especifica — um tempo ruim que se prolonga—« uma simples palavra, enunci apropriado, carrega a avaliagio que € feita ida € partilhada pelo si Jo enunciador ¢ que ¢ perfeita- do interlocutor. ——Fnunclado/enusladoconeeta/enunciagso BETH BRAIT EROSINEIDE DF MEtCY Considerada a dimensio comunicativa, em foi enunciada dentro de condigées que a tornam um ent significa que esse enunciado implica muito mais do que aquilo que est ‘do dentro dos fatores estritamente linglifsticos, 0 que, vale dizer, soli- ita um olhar para outros elementos que o constituem. Nesse texto, Discurso na vida e discurso na arte ~ sobre poética socioldgica, 0 enunciado é definido como compreendendo erés erativa, avaliativa, a palavra ores: (a) 0 horizonte espacial comum dos interlocutores (a unidade do visivel ~ neste caso, a sala, a janel: b)o conhecimentoeacompreensi comum da por partedosinterlocatores, © (©) sua avaliagao comum dessa situagio. ‘Nessa perspectiva, 0 enunciado e as parti configuram, necessariamente, 0 processo inte ino verbal que integram contexto maior his laridades de sua enunciagio , ou Seja, 0 verbal € 0 !aglo €, 20 mesmo tempo, fazem parte de um , tanto no que diz respeito a aspectos (enunciados, «que antecedem esse enunciado especifico quanto a0 uagSocxraverba esi longe csr meramenteacausexter ‘enunciado ela no agesobe oenuncia de fore, como se fase uma forga mecca. Melhor dizendo,astuaio se negra 20 cnuncade como una parte cons exten da csr de a significagio, Conseqientemente um enunciado copcre come um todo signifiaive compreende duns pares) a pare percbida ou re- linda em palavesc(2) a pare presumida JA caracterica din tia dosenunciadosconcrets conse preciamentenoxo deque cles ‘estaelecem ua mirade de conexiex com o contest exravertl da vida, uma wer separador deste contest, perm quis tods ama sig- nica -umapesoa gnaranedo-contesto prigmicoimediaionso comprendes ees nunca. Se 0 enunciado concreto, visto dessa perspectiva teérica poder, 20 ngo de outras obras (¢ em diferentes tradug6es), ser substituido ou fun- de palavra, de texto, de discurso (e até mesmo de enunciagio © que no causa nenhum problema & sua compreensio, 2 enunciagio, por sua ver, aparece nessa obra (e nessa tradugio) compreen- dida como estando situada justamente na fronteira entre a vida ¢ 0 aspecto verbal do enunciado; ela, por assim dizer, bombeia energia de uma situacao da vida para o discurso verbal, ela dé a qualquer coisa lingiisticamente estd- o7 ae eae Pe es ce ee ee ene ue ene eco eee vel 0 seu momento histérico vive, o seu cardter tinico.” Dessa maneita, 0 conceito de enunciagao esté diretamente ligado a enunciado concreto ¢ & interago em que ele se dé: O enunciado concreto™ (e nao a abstragit lin- gitistica) nasce, vive e morre no processo da interagao social ensre os partici- ipantes da enunciagao. Sua forma e significado sao determinados basicamente pela forma e cardter desta interac." Também em Marxiimo ¢ filosofia da linguagem (1929), 0 estudo da enunciacio ocorre, especialmente, nos momentos em que trata de questdes duas orientagdes do pensamento filos 20, 4s formas marcadas de incorporacao da enunciagao de eracio. Desa maneira, nessa obra, uma importante perspe sio discursiva um carter interativo, social, histérico, cultural. Um dos méritos dessa obra é justamente ter difundido a idéia de enunciagao, de presenga de su- jeito e de hist6ria na existéncia de um enunciado concreto, apontando para a enunciagio como sendo de natureza constitutivamente social, histérica ¢ que, liga-se a enunciagdes anteriores e @ enunciagées post produzindo e fazend Se em outras obras, como € 0 caso de Questdes de literatura e de estsica: & teoria do romance (1975) indo e enunciagio também sio objetos de refle- xxio, especialmente no que diz. respeito a0 romance, € nos textos reunidos em Exeética da criagao verbal que a questio do enunciado/enunciado coneretol enunciacio é retomada para desenvolver 0 conceito de géneros do discus. cntativa de razer esa reflexéo para mais perto do letor, alguns cular discursos, serio apresentados, com 0 objetivo de mostrar que enunciado jo concretofenunciagao, no sentido bakhtininano, sto nogoes de tal forma implicadas, entretecidas com situagao, contexto, histéria, que podem abranger desde uma expresso monolexemitica como “Bem” até tum texto bem mais extenso, Em que condigées € possivel considerar, da perspectiva bakhtiniana, a se- agiiéncia Porque (nao) ensinar gramética na escolacomo um enunciado concreto? Em primeiro lugar, e do ponto de vista ainda exclusivamente verbal, exis- eno t a marca de pontuacio — parénteses abrigando o termo nido — {que instaura uma ambigitidade na produgio do sentido, impedindo a exclu- sividadede leiturasou, por outrolado, promovendo, ao menos, a duplicidade. Enunciado/enunclagoconcreto/enuncigao BETH BRAIT E ROSINEIDE DE MELO Nao se pode compreender, simplesmente, Por gue nao ensinar gramatica na es- cola, uma vex que estariamos subtraindo um trago significativo dado pela pon- tuagio. A idéia de por que ensinar gramatica na escola também esté relavitizada pelo fato de que nao, ainda que entre paréntescs, Os parénteses que encerram o nao in: sobre o sentido do rodo. portanco, uma marca a, apontando para uma digressGo em torno da negativa. Essa negati- va relativizada pelos parénteses deve ser tomada, afinal de conta, como uma negativa ou nao? Como considerar essa marca e sua interferéncia direta na pro- ducio de sentidos? Como deixar de compreendé-la como sinalizacio para o lei- ‘of, como uma provocagao em torno do objeto daassergao? Como compreendé- la sem levar em conta os fatores que possbilitam estabelecer as formas como 0 discurso verbal na vida se relaciona com a sieuagao extraverbal que o engendra? Em primeiro lugar, é fundamental saber que Por que (ndo) ensinar gra- ‘matica na escola € 0 titulo de um livro, 0 que significa dizer que sua com- preensio implica, minimamente, a leitura desse livro. © titulo é, sem diivi- da, um enunciado que se coloca coma a porta de entrada para um outro , um outro enunciado, do qual faz parte e cujo sentido integra. Por- sua compreensio (no sentido bakhtiniano do termo o que significa im da identificago) s6 pode se dar a partir desse outro anuncia. Para se chegar ao texto principal, ao enunciado que necessirio, mas nao obrigatério, passar por outros doi do, normalmente presentes numa obra: 0 sumdrio e a apreentagao da obra e que auxiliam a abordagem do sicul. Um outro dado que aponta para os sentidos possiveis desse incluindo sua consticutiva ambighidade, & o fato de er sido escrito por participado de uma acirrada discussio contemporinea que gira em torno da necessidade de se ensinar ou nao grama designagao do autor como os discursos sobre o ensino ou nao da gramética atravessam 0 titulo ¢ situam o leitor num momento histérica, numa reflexio sobre as fungées da escola em relacio aos usurios de uma diferentes concepgées de linguagem ede ensi enure ensinar lingua e ensinar gramitica. 1a escola, Aqui, tanto a sobre |. sobre as diferengas existentes 0 BAKHTIN” concenos-chave Essas informagées, embora nao suficientes, comegam a dar a medida do status de enunciado bakhtiniano conferido a Por que (ndo) ensinar gramadtica na excola. A compreensio de seu sentido s6 pode se dar levando-se em conta: 0 horizonte espacial comum dos interlocucores, ou seja, de todos aqueles que parcicipam de alguma forma do ensino de lingua na escola; conhecimento ¢ «4 compreensao comum da situagio por parte dessesinterlocutores, que se pode resumir no fato de que esse ensino enfrenta impasses: a valiagao comum des- sa situagio que requer uma reflexao sobre ensino, escola, gramatica essa forma, é possivel dizer que esse enunciado concreto, situado, atu- instaura um enunciador, cuja presenca jé estd dime pelaexisténcia, dentre outros aspectos, dos parenreses. Além disso (e preci mente por isso), esto instaurados também os interlocutores, os destinatdri- (0s, 0 que significa a intersubjetividade, na medida em que esse enunciado, € «essa forma de enuncis-lo, faz aparecer uma polémica que evidencia ao menos das posigoes antagénicas em relagao a0 objeto do enunciado, te instituidas e que precisam ser, nesse«itulo, reconhecidas pelos, io excludentes. Como assim? A resposta e a compreensio mais ampla do titulo s6 podem vir da leicura da obra, da participasao do leitor nesse debate, de sua inclusio na nova polémica apresentada pelo autor. Um outro exemplo pode recuperar alguns aspectos que definem 0 ‘enunciado como unidade da comunicacio discursiva, diferenciando-o das unidades da lingua. Considere-se a seqiiéncia. anc NO DINA VIT DO DE ABINU D'DONI COME KICNA, DO NO BA BASINU TERA MEAZA Em que medida ela pode ser considerada um enunciado? Qualquer um de nds tenderia, sem pestancjar, a dizer que: ou nao € portugués ¢ tem sentido em alguma outra lingua, por nés desconhecida; ou nao tem senti- do algum, se no pertencer a um outro idioma E ficarlamos estarrecidos ao saber que 0 texto, escrito por um aluno de 11 anos, da 4* séti falance do portugués, pretendeu comunicar o seguinte: No dia 22 de ab gue & uma cer comemoratemos os 500 anes do nosso Bras, rvilhoss, Esse exemplo, que faz parte do corpus organizado e estudado pela lingiis- taBernadete Abaurre, reconhecida por trabalhos na rea deaquisicao de! 70 Enuncado/enutcadoconceo/enuncagse BETH BRAIT EROSINEIDE DE MELO cescrita, dentre outras coisas, reitera a idéia de que o enunciado deve ser enfrentado na sua historicidade, na sua concretude, para deixar ver mais do que a dimensio exclusivamente linglifstica e/ou sua fragmentagao. Se a traducao, feita oralmente pelo préprio aluno para sua professora, faz sentido para qualquer falance do portugues, a nao compreensio do enunciado de partida como tal desperdisa a oportunidade de se observar virios aspectos relacionados & aquisigao da escrita, a passagem oral/escrita. Conforme os cestudos de Bernadete Abaurre, ¢ pertinente leitura feita por ela, aseqiiéncia, indecifrével para um interlocutor distanciado do processo inicial de aquisigao por exemplo, a relacao entre sons e letras estabelecida pelos iniciantes. Entretanto, esse mesmo enunciado de partida serve para oucras interpretagées, se aval contexto maior indo da perspectiva da situagao em que se deu ¢ do ue se insere, Esse aluno, o autor desse enunciado, que se \guagem escrita como um iniciante, na verdade nao se encontra icio do proceso de aquisigao da escrita. Ele tem quatro anos de escolaridade e continua no estégio inicial. Isso significa que esse enunciado— porque a sequéncia é um enunciado, configura uma enunciagio no sentido bakhtiniano — aponta para outros lugares além do referente pretendido por seu autor. Aponta, por exemplo, para a situagao do ensino brasileiro, para as formas de constituicio de um sujeito letrado, para as fungdes da escola na constituigio dos cidadaos. E, certamente, para outros rantos lugares que, devendo ser de inclusio, revelam-se como sendo de exclusio, do Bakhtin" e para dar continuidade a forma como os exempl lam a entender o conceito ea dimensio do enunciado como foi concebido pelo dice substancial do enunciado é 0 Faro ea alguém, de ado para o destinatario, Nesse sentido, 0 ios perfis, varias dimensoes. P 20 na vida cotdiana:o comunicagao, No caso do titulo, couse paréneses,guaifico os leore a quem sua obras ding Pode, ainda, ser um destinatirio presumido, Nao necessariamente presumido pelo autor (embora possa sé-lo), mas que se instala a partir irculacio do enunciado. No caso do segundo exemplo, se o texto for tomado como amostra dentro de um corpus destinado a estudar, por exemplo a 7 aquisigao da escrita, esse destinats constitui-se como 0 conjunto diferen- jo de especialiscas pertencentes a uma drea especializada da comun agio cultural. E ai, tanto pode ser © professor que avalia os conhecimentos do 10 para poder trabalhar esses conhecimentos e fazer 0 proceso evoluir, (ou 05 lingitistas e analistas de discurso que tentam, como o professor bem preparado, enxergar discurso que diz muitas coisas sobre o aluno, sobre o ensino, sobre as con- cepgoes de s diferentes formas de aqui E pode se odo absolutamente indeterm concretizado, um sobredestinatério, que esfacela front tempo. A quem se destinam enunciados de tipo emocion: de arte ou os tratados de espaco e de as grandes obras Perguntas como “A qui percebe ¢ imagina seu des descinatério sobre o enunciado?” aj compreender a compasicao € 0 estilo de quanto os tracos de autoria, para o que hé de & verbal. Daf para o estudo dos géneros do discurso, em cada uma das reas da comunicagio verbal, da cultura, € cada a m pulo, na medida em que cada esfera lade, cada campo de atuagio tem cot que, de certa forma, faz aparecere circu 0s géncros discursivos es aspectos fazem muita diferenga no sentido de conceber, por exem- tum lugar hist6rico e social, de uma posigio discursiva, que circula discursos ¢ faz circular discursos. Tanto na vida como na arte € poder demonstrar, entre outras coisas, como um itario (ou de qualquer outta n: ureza) pode caber dentro da jana de enunciado conereto, € enunciagao concreta, desde que seja lido com aux tos, nogoes € categorias. ecessariamente, de de outros concei- nteiramente articuladas, . de um projeto discursiv. ETH BRAIT ERESINEIDE DE MELO oe ee eee . para efeiro de a Além disso, vale a pena ressal importante revista semanal brasileira e nao num outro tipo de veicu- que um, informativo. Isso conta para a consideragio de que é destinado a um determinado pi ‘outros. Conta também para se observar possivel relacao intertexcual e/ou interdiscursiva estabelecida entre esse a siderando-se 0 an a esplendorosa imagem do Cristo Rede wugurado em 1931, € considerado um dos pontos curist leicas mais vi e que iodo de 960. Essa imagem esti poericamente destacada num fundo azul de um centardecer, em posi praticamente transversal em relagio pagina, su BARHTIN conctitorchare quea foro foi tiradadebaixo paracima, o queincluisuabase parte daescadaria que permitem chegar até o alto do monumento. Junto a essa imagem, que ‘ocupa a maior parte do espaco, hd uma série de outras informagoes, dispostas de forma a articular o Cristo Redentor is razbes de sua focalizasio. ‘Comesando de cima para baixo, destacam-se duas sequéncias verbais em itilico, como se fossem vetsos,formados dentro da mesma mética (redondilha jogando com termos semanticamente aparentados: Abencaado por Deus. Iuminado por nds. Essas sob 0 braco esquerda do Cristo, bem 3 altura em que a uz mais ini imagem. Blas funcionam, para os que olham e em o texto, como legendas que apontam tanto para o monuumento que paira sobre a cidade do Rio de Janciro, sua beleza, sua “divindade”, como para a luz que nele se destaca ¢ que traz uma assinatura, uma responsablidade, a partir de um De imediato, ¢ mesmo sem percorrer analiticamente o restante do sequéncias e a maneira como se relacionam. Abencoado por Deus reinstaura a cangio Pais tropical, do cantor composiror da época, 1969, se chamava Jorge Ben, € cujos pi Assim, a sequéncia remete nio apenas ao monumento do ‘mas a0 Brasil, a um “pais tropical”, & sua beleza ea0 fato de ser “abengoado”, divinizado. Essa incertextualidade, que fz do monumento uma meconimia evoca também 0 discurso do colonizador, presente, dentre tantos .0 Vaz. de Caminha. E com esse discutso e com 6 "Paraiso Perdido”, retomando discursos fandadores da nacionalidade, da identidade, fortemente presentes no imaginario brasileiro. Muminado por nés, por sua vet, articula-se com a seqiiéncia anterior, teiterando-a sintaticamente € estabelecendo 0 paralclismo entre cada um dos termos: Abengoado/Tluminado; por Deus/por nés. Assim, de um ponto de vista semantico, discursive, estabelece-se a identidade, evidenciada pelos as sequéncias que explicam o que a empresa fer por ele. 14 _____trunciado/enoncindocncretojenuneiasto BETH BRAIT E ROSINEIDE DE MELO, Também esses “versos” ‘queosexplicamdemanei 0 sustentados por legendas em tipos menores, maisinformativa, emborajogando com trocadi em relagio a luz, &iluminagio e que, num certo sentido, reiteram discursos flagrados nas seqiiéncias anteriores: Nov iluminagizo do Cristo Redentor. Um presente da GE para deixar o Brasil ainda mais cheio de luz. Aluz, a iluminago ‘ganha o centro dessas seq{iéncias verbais, corroboradas pelo destaque dado & luzna foro. Alm do sentido de iluminagio relacionado ao divino, isto, Deus Ge tém a mesma missio: abengoar/iluminar o Cristo-personagem bi Cristo-monumento ¢, consequentemente, o Rio de Janeito ¢ 0 Brasi pelo trabalho va da foro — uma gradagio que conduz o olhar doleitor/espectador e insufla discurso que, aparentemente, nada tem aver com uma informacio publicitéria, Um pouco mais abaixo, precisamente na base do monumento, esti pelo tamanho, pela perspe: estampada a logomarca da empresa quese responsabiliza pela novailuminacio do Cristo, explicando o néspresente numa dassequéncias verbais. Em seguida, nha branea, queocupa quase toda suaextensio da esquerda paraadireita da foto, separa o que esté em cima de outras informagGes organizadas abaixo idas por virias logomarcas de empresas. Entre a linha ¢ sua logo acima, 0 nome da empresa GF Iluminacio, Na verdade, se a foto tirada de baixo para cima, tendo o monumento como seu objeto, a disposi¢io das informagies permite que as logomarcas, todas, aparegam como base da sustentacao do novo Cristo Hluminado. \incio, entretanto, nao ganha sentido pleno em sua autonomia, ‘enunciado, um texto, um projeto discursivo pudessesesustentar esferas de producio, circulagao e recepgao. Ainda que possamos detalhar mais sua composicio, seu estilo, que tende para a poeticidade verbal imagética, ao mesmo tempo que povoa o espago com indices da marca que promove um produ nconcluso, sem o context ficaria incompl anacionalidade,aidentidade brasileira eo imagi a circulagio de temas e discursos que vao além do ato de iluminar um jonumento. Assim como a multiplicidade de logomarcas ¢ seu posicionamento nao deixam duividas sobre o lugar de onde o sujeito enuncia. 75 : Como indice dessas relagées, desses discursos que sustentam 0 dobserva-se que, na mesma edigio da revista, a reporcagem de capa ¢ dedi eventos relativos & comemoracao do aniversirio do Brasil em Porto Seguro — Bahia,nodia 22 deabril de 2000, suportada pela manchete "Fiasco Maravilhoso. As comemoragies dos 500 anos nauftagaram em ritmo de samba-enredo”, Ainda que a idéia de fiasco contrast, intertextualmente, com a beleza do monumento iluminado, o que poderialevar a uma série de interpreragies, a ligagao central diz respeito aos discursos sobre as comemoragdes dos quinhentos anos, que inundavam o Brasil. De uma lado os festejos. De outro, questionamentos e debates em torno do processo de descobriment Jos portugueses. Nesse sentido, € possivel dizer que 0 aniincio aborda o tema do descobrimento sob o ponto de vista de quem celebra um aniversério, nao deixando de mencionar que se trata de um presente ao aniversariante— Brasil: cracara iluminagio (velha) do Cristo RRedentor, o principal cartao postal do pats, por uma luminacio nova. Assim, considerando o destinacirio imediato desse enunciado concreto, dessa enunciagao em que uma empresa faz a publicidade de seu produto, enunciador se coloca na perspectiva de quem visita @ monumento, reconstruindoa visiodo turista que, nesse momento, sedefroni imagem, ada, fortemente iluminada, pelo projeto da empresa de iluminasio. O de bragos abertos abencoa e acolhe. Esse gesto si spor sua vea, a receptividade carioca e, conseqiientemente, a brasileira. E bem verdade, como. jdiseviu, que na base do monumento estéa logomarca da empresa, separada dos ‘outros parceiros e patrocinadores por uma linha branca,reiterando a idéia de sustentagio do monumento por parte dessa empresa Assim, 0 antincio, esse enunciado concreto, essa enunciagio publ demonstra um dislogo ditero com 0 momento ta interagir com os destinacitios, assu como compradores, fizendo circular discursos que 0s co tuem € os atingem poracaso, portanto, oantincio incegra-se oportunamente a uma revista semanal de prestigio, que nesse mimero trata das Comemonagdes dos 500 Anos. ‘O aspecto comercial ~ vender produros de iluminasao—€ escamoteado em prol daidéia de participagao insticucional epositiva na melhora do Brasil. Aidgia de venda é substicuida pela idéia de doagao, 0 que significa uma imagem institucional positiva da empresa, deinteira generosidade para com o pais. Esse apelo estabelece com o des io uma relagio que vai numa diregio ‘completamente diferente da estabelecida entre vendedor-comprador, 16 Enunciado/enencodoconeretofenuncacto BETH BRAIT EROSINEIDE DE MELO Para finalizar a abordagem desse enunciado concreto, no sentido bakhtiniano, ¢ também finalizar este texto, seria necessétio dizer que os ‘exemplos aqui destacados s6 podem ser assim compreendidos se considera- da a interacio em que se deram, com todas as suas implicagoes, € 0 contex- ‘to mais amplo que os abriga. Assim, como enunciado concreto eles permi- tem considerar a forma como a enunciacio de dé, formada por discursos que circulam socialmente, reiterando a integragio constitutiva entre 0 pla- no verbal e os demais que lhe so constitutivos. BAKHTIN concer shave "VAN, Valoshinos op. Gta da pS dem, p. 10. "Cao omimos» duo dame ar Knut can wramos «subst de REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Baxsem Mikhal. Ecce de comunicagie verbal Trad. Maria Erman Paulo: Marina Fortes, 1992, (Vovoseso), Marsime flied linguagem. Tad. Michel Lahud.¥ 7 ed, Sio Palo: Hust, 1939/1995, Paulos Cle, 1978 Prove «der lesVgicas lis argumentaivas. Trad. Mati Aparcids Bacbota e l. Sio Paulo: Global. 1981 1v.V.N. “0 dca na vids 0 dca ma ane’ Tad. Pra ws diditco por C. Tema A. Faraco. 5, d. ee Estilo Beth Bratt Onde © poets achou ese pont COnue les encontae de onde ob Uma imagem do discus ndo dea de vera imagem de wm homer que fl ‘Batvin Falar de estilo dentro do pensamento bakhtiniano pode parecer, & pri- mmeira vista, um contra-senso, dado que em Bakhtin ¢ seu Circulo a reflexio 4 fundada, necessariamente, na relagdo ¢, portant, as vozes que se defroncam para cor ide de um enunciado, de um de um discurso, de uma autoria, de uma assinatura. E nao na subj tividade, considetada como o que hé de exclusivamente particular, indi dual, pessoal, caract para o senso comum e para fica cldssica/tradicional, sinénimos de estilo. Focalizado boa parte dae

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