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ESPAÇO DA METRÓPÓLE: SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL EM
FORTALEZA.
Alexandre Sabino do Nascimento (Mestrando em Geografia/UFC
alexgeo_uece@yahoo.com.br)
Edson Oliveira de Paula (Bolsista CNPq/UFC, Geografia
edsonoliveirapx@gmail.com)
Raimundo Jucier Sousa de Assis (Bolsista CNPq/UFC, Geografia,
juciersousa@yahoo.com.br)
Forma de apresentação:
( ) Pôster
(X) Apresentação Oral
Sessão Temática:
( ) ST1
( ) ST2
(X) ST3
O FRENESI DAS RELAÇÕES DE CLASSES NA PRODUÇÃO DO
ESPAÇO DA METRÓPÓLE: SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL EM
FORTALEZA.
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivos analisar a construção e o processo atual de
segregação sócioespacial em FortalezaCe a partir de 1973, quando instituise as
regiões metropolitanas. Partindo da compreensão de que toda relação social é
passível de materialização, entendemos que discutir a (re)produção do espaço da
metrópole, resultante das práticas sociais realizadas no modo de produção
capitalistas, remetenos a buscar a compreensão da própria sociedade vigente.
Dessa forma, com o intuito de ultrapassar o âmbito da mera descrição da paisagem
e das analises dos dados, buscamos enfocar as relações sociais que a produzem,
suas implicações espaciais na leitura do processo de uso e ocupação do solo
metropolitano, especificando em nossa crítica o que se refere à luta pelo o direito à
cidade. A produção social da cidade contrapõese a apropriação de seu resultado
pelos próprios agentes sociais que a constroem, emergindo neste quadro elementos
fundamentais, como a propriedade privada e a divisão social do trabalho, para essa
compreensão. Depreendese que é impossível discutir criticamente a cidade
capitalista sem que a percebamos como mais uma mercadoria a venda na
sociedade de consumo em que vivemos.
Forma de apresentação:
( ) Pôster
(X) Apresentação Oral
Eu sabia que cidades eram construídas
Não fui até lá.
Isto pertence à estatística, pensei.
Não à história.
Pois o que são cidades, construídas.
Sem a sabedoria do povo? (Brecht)
Introdução
Um aspecto, ainda, não discutido o bastante é o processo de agravamento das
contradições sócioespaciais da cidade de Fortaleza, advindo de seu processo de
integração competitiva no mercado global, seguindo o modelo econômico
preconizado pela globalização, que reestrutura a produção e o espaço no Brasil,
atualmente, sendo que, uma vez que se processa essa modernização
“conservadora” ela acentua a histórica desigualdade sócioespacial e cria novas
desigualdades.
Repensadas e relidas pela lógica da formamercadoria, as cidades têm sido
pensadas e produzidas com vistas à ampliação de sua inserção no circuito mundial
de valorização, notadamente através da adequação de suas formas de gestão e
produção de seus espaços. Competitividade, “empresariamento”, planejamento
estratégico ii por projetos intervenções pontuais, entre outros enunciados, passam
a compor o rol das iniciativas a serem adotadas pelos administradores urbanos dos
mais diversos matizes políticoideológicos.
Os anos passam e a retórica continua a mesma, os agentes hegemônicos
produtores do espaço, principalmente, incorporadores, proprietários dos meios de
produção, proprietários fundiários e o Estado coadunamse num projeto de
economia espacial do urbanismo iii que transforma o espaço urbano em uma das
principais mercadorias da economia, no nosso caso, dando destaque para essa
espacialização para o turismo e especulação imobiliária. Vale salientar que, muitas
vezes, uma mesma pessoa ou grupo concentra todas essas funções e poderes na
produção do espaço.
Existem vários fatores que em conjunto explicam a realidade de Fortaleza de
metrópole de “excluídos” como: a forte concentração e especulação de terras, a
reestruturação produtiva no campo e também na capital, as secas periódicas, o
discurso ideológico da capital como local das oportunidades, que com uma
conseqüente maior mobilidade da população no Ceará, devido aos meiotécnicos
implantados no mesmo, que facilitam essa busca pelo um “El dourado” na capital.
Isso fez com que Fortaleza virasse a atração de todos os migrantes expulsos do
campo, que vieram somente engrossar as fileiras de um “exército de reserva” que, a
cada dia, perde mais essa característica e passa a se transformar, sim, em um
agrupamento de “incluídos precariamente”. Algumas dessas pessoas, ainda,
conseguem se inserir em um mercado de trabalho cada vez mais exigente, mas, na
sua maioria como subcontratados, empregados precariamente e terceirizados, isso
sem falar do grande número que caminha para o chamado por Milton Santos de
circuito inferior da economia. Com essa divisão social do trabalho surge
simultaneamente uma divisão social e funcional da cidade.
O espaço urbano é projetado cada vez mais para buscar se ajustar ao “tempo
único”, ditado pelo mercado, e que se diferencia nas diferentes partes da cidade.
Políticas de revitalização para tornar algumas áreas mais importantes e atrativas
para negócios, inclusive para o turismo, uma reestruturação para uma nova fase de
acumulação capitalista – em Fortaleza temos: Projeto Novo Centro, Centro Dragão
do Mar de Arte e Cultura, Projeto Costaoeste etc. Processos espaciais como os de
fragmentação, homogeneização e hierarquização e processos econômicos
diretamente ligados com a formação, realização e distribuição da maisvalia
coexistem na formação do espaço urbano fortalezense.
Devese atentar que este processo fica cada vez mais difícil de captar, pois a
extrema velocidade das mudanças devido a compressão espaçotempo relatada por
Harvey (1992), com a especialização cada vez maior da divisão do trabalho, deixa
estatísticas e métodos de análise obsoletos muito rapidamente, sem contar com o
fato de que a produção do conhecimento sobre a realidade nunca consegue
acompanhar a produção desta mesma realidade. Por isso, achamos que só uma
análise baseada no método do materialismo dialético e na categoria da totalidade é
possível de captar esses fenômenos, entendoa a partir de Harvey que sobre a
mesma afirma:
A totalidade busca moldar as partes de modo que cada parte funciona
para preservar a existência e estrutura geral do todo (...) Uma
conseqüência que se segue é que cada elemento reflete dentro de si
todas as características da totalidade porque ele é o lugar de uma série
de relações dentro da totalidade (HARVEY, 1980, p.250).
Sendo assim as desigualdades socioespaciais das metrópoles estão de forma
inexorável ligadas ao processo de reprodução ampliada do capital, sendo que cada
parte fragmentada da metrópole reflete as contradições do sistema, principalmente
a contradição capital/trabalho.
Carlos a esse respeito e falando sobre o processo de produção da metrópole
afirma:
(...) esse processo se realiza reproduzindo a cidade, que assume, neste
momento histórico, a forma da metrópole. A nosso ver o termo ‘metrópole’
revela um momento histórico do processo de reprodução da cidade,
portanto não estamos diante de um novo processo, mas de
transformações históricas no processo de constituição do espaço urbano.
(CARLOS, 2001, P.12).
Cabe ressaltar que, em Fortaleza, o uso e ocupação do solo são injustos e
desiguais em sua forma, refletindo uma contradição básica do sistema capitalista,
pois no mesmo a produção é socializada, mas a apropriação é privada, sendo que
em Fortaleza isso se dá de forma mais latente e explícita por sua extrema
concentração de renda e conseqüente desigualdade socioespacial, que se
desenvolveu historicamente. Desta forma essa intencionalidade de ingressar no
mercado mundial de cidades, que tem como conseqüência a reestruturação
espacial da cidade, que seletivamente escolhe os lugares já portadores de
vantagens de mercado – ou portadores de sistemas técnicos, levando a segregação
sócioespacial, já existente, a ficar cada vez mais gritante.
A desigualdade do desenvolvimento capitalista metropolitano é funcional às
necessidades de acumulação na metrópole, pois a mesma organiza o processo de
metropolização da área em estudo, no qual fundamentalmente se acumulam
espaços deficitários, social e urbanisticamente, que logo atuam como reservas
urbanas.
Outro fato a se destacar, é o de que as políticas públicas resultam de
determinados projetos políticos, em alguns casos conflitantes (Município e Estado),
e que trazem consigo uma noção de espaço e desenvolvimento implícitos em suas
ações, que obedecem a uma intencionalidade hegemônica. Quais são neste caso
as necessidades que o atual projeto político atende? Quais os limites e alcances
das atuais políticas públicas de cunho “democrático”, em uma metrópole
fragmentada e vulnerabilizada socialmente como Fortaleza, para resolver seus
problemas? E, por fim, uma questão básica, o planejamento urbano é solução de
problemas da vida cotidiana ou é a proposta de solução para o capital?
Analisar o papel dos agentes produtores do espaço diante da nova conjuntura
do mercado e suas imposições, e as devidas reações da sociedade neste espaço
que para Lefébvre é um espaço “conflitivo e dialetizado”, contradições essas que
devem ser analítica e dialeticamente reveladas, para que se possa ter um
entendimento real da dinâmica urbana de Fortaleza e do seu processo de
reprodução do espaço urbano.
Sendo que esse processo de reprodução do espaço urbano de Fortaleza deve
ser correlacionado ao desenvolvimento capitalista periférico e suas contradições
inerentes, sendo uma delas a segregação sócioespacial característica da
(re)produção da cidade, se dando concretamente na cidade e sendo vivida no seu
cotidiano.
Lafargue no impagável “Direito à preguiça” nos dá algumas pistas para
compreender, por meio de uma linguagem bem agradável, a lógica da produção
capitalista, da reprodução de Capital, onde o trabalho atua como um elemento
fundamental na estruturação das classes, através da divisão social do trabalho.
Através desta divisão podemos entender o porquê das diferenças impressas no
espaço, onde são expressam as características das classes que dele usufruem e os
usos que dele fazem. O Aprofundamento desta divisão dá origem ao processo que
buscamos aqui enfocar: a segregação sócioespacial.
Um outro fator essencial na constituição do processo de segregação sócio
espacial é a divisão social do espaço, que decorre do primeiro fator. Esta deriva das
condições sociais de reprodução, onde as relações sociais de produção se refletem
diretamente na renda vislumbrada por cada classe e se impõem como meio
determinante da apropriação de diferentes parcelas do espaço por seus diversos
grupos constituintes (KOWARICK, 1985).
A segregação sócioespacial, segundo Carlos (2006), se expressa como um
sintoma da crise urbana, no bojo do processo de desenvolvimento capitalista
periférico, no qual o Brasil se insere. Neste desenvolvimento assistimos a uma
acentuação das desigualdades sociais, em quadros onde a realidade já era
bastante complicada. Se por um lado temos de fato, um forte aumento dos ganhos
nas riquezas “do país”; de outro, vemos o aumento da espoliação das classes
sociais desfavorecidas, principalmente nas últimas décadas.
Nos últimos anos, a reestruturação pode ser percebida mais facilmente, pela
mudança de significado dos setores produtivos. Assim, os sustentáculos da
economia global hoje se firmam, segundo Carlos (2005), não mais na produção de
mercadoria nos setores produtivos de bens materiais, mas no setor financeiro, onde
o espaço figura como elemento primordial para a realização do ciclo de reprodução
do capital, principalmente ao que concerne aos espaços de lazer, onde a inserção
no mercado turístico se impõe como nova condição para sua realização. Emerge
neste momento uma nova lógica: a cidade mercadoria iv . Esta reestruturação faz
com que nasça uma “nova economia”, onde temos como elementos constituintes os
setores financeiros, de comercio e de serviços. Esta reestruturação se apresenta
também no mercado de trabalho, que passa a empregar cada vez menos pessoas,
precarizando cada vez mais as condições de reprodução social – pelo menos para
as classes desfavorecidas. (CARLOS, 2005).
que não vem estritamente da exploração do trabalho, mas da exclusão
da produção, são os desempregados permanentes: vaise do
desemprego temporário e dramático ao permanente. Com isso há uma
circulação de massa de dinheiro irrisória entre os pobres, dinheiro na
forma meio de circulação [o que garante a sobrevivência a níveis
precários].
Esta “nova pobreza” que Damiani relata pode ser enquadrada dentro da
metodologia do observatório das Metrópoles grupo de pesquisa ao qual somos
vinculados – como parte integrante da Tipologia sócioespacial inferior.
Para atingirmos uma melhor visualização do que entendemos por Tipologia
sócioespacial. Esta é um conceito desenvolvido dentro do projeto observatório das
metrópoles, que divide a metrópole fortalezense em seis tipologias Superior,
Médiosuperior, Médio, Popular Operário, inferior Popular Periférico e Rural , que
possuem como base para sua construção a análise de alguns fatores sócio
econômicos, como as condições sociais de reprodução, onde o trabalho, ou melhor,
a divisão social do trabalho tem papel central na estruturação social do espaço,
onde se desenvolve o conceito de Categoria sócioocupacional, tendo este como
pano de fundo um embasamento em métodos utilizados pelo IBGE, nos Censos.
na medida em que, em razão da exclusão de grande parte da
população do mercado imobiliário formal, a 'solução' do
chamado déficit habitacional tem sido a inserção marginal na
cidade. [...] Assim, quem está fora do mercado [podendo ser
entendido aqui como o mercado de trabalho formal, bem como o
mercado imobiliário] somente tem acesso à moradia à margem
da cidade! (RIBEIRO – grifo nosso)
Só para ilustrar o que Ribeiro mostra temos que o preço da terra torna
inacessível o estabelecimento da população com um nível de renda mais baixo, em
áreas mais valorizadas, por meio do mercado formal, o que explicita o fator solo
urbano como meio necessário à segregação, ou seja do solo urbano enquanto
obstáculo. Dados do SINDUSCONCE (2006) mostram o preço do m² edificado em
bairros clássicos da elite, como o Meireles, a Aldeota e a Praia de Iracema, atinge
R$ 88, 42, nas menores residências (que chegam a 55m²), o que torna inviável a
inclusão por meio do mercado imobiliário formal o estabelecimento de uma família.
As questões do acesso e do direito a cidade merecem uma análise mais
acurada, a qual faremos a seguir.
O direito à cidade e/ou à Metrópole.
“O movimento da reprodução da metrópole revela (...) uma
contradição fundamental no movimento do processo de reprodução da
cidade entre valor de uso e valor de troca do espaço impressa nas
possibilidades de apropriação do espaço da vida”.
Ana Fani Alexandri Carlos
Encontrase desde o início da década de 1980 à vontade dos “donos da
cidade x ” de construir um espaço urbano que venha combinar esteticismo com lazer,
buscando no espetáculo mercantilizado da natureza e das artificialidades a imagem
vazia do direito à liberdade. É assim que surge o slogan de Fortaleza como a Terra
do Sol; e é nessa mesma perspectiva, que o litoral fortalezense está em processo
de “limpeza do lixo, de pobres repulsores de turistas”, sendo aqueles “varridos”
pelos planos do Estado e pelos interesses dos especuladores imobiliários.
Grande parte da área litorânea da metrópole Fortaleza já está marcada
pela construção de grandes edifícios “quadrados” e “espelhosos”, que juntamente
com o mar e os fenômenos naturais, fazem a tripla privatização: da água (assim, do
lazer coletivo e aquilo que chamamos de natureza), das brisas (amenizadoras das
altas temperaturas nordestinas, sendo agora barradas pelos edifícios) e do solo
urbano (grande parte dessa área litorânea como é o caso da avenida beiramar e
dos bairros Aldeota e Meireles é construída para “turista ver” e consumir.
Como próprio pensava o filósofo Lefébvre (...) “a natureza, ou aquilo que é
tido como tal, aquilo que dela sobrevive, tornase o gueto dos lazeres, o lugar
separado do gozo, a aposentadoria da criatividade”, acrescentando ao dizer que “a
cidade (...) não é mais do que um objeto de consumo cultural para os turistas e para
o estetismo, ávidos de espetáculo e do pitoresco”. (p. 116)
O Planejamento Urbano não abarca o ato do habitar, pois não busca ele
mesmo extinguir a propriedade privada do solo urbano, ao contrário, busca
continuar a sua luta incessante, no que se refere à venda da produção da cidade
enquanto mercadoria. Para Carlos, “o ato de habitar esta na base da construção do
sentido da vida, realizada nos modos de apropriação dos lugares da cidade, a partir
da casa, na vida cotidiana enquanto prática sócioespacial”. (p. 140)
O direito à cidade não diz respeito a um Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano Participativo xi , nem muito menos a formulação e acesso as políticas
assistencialistas e habitacionais. Nas palavras de Lefébvre, “o direito à cidade se
afirma como um apelo, como uma exigência”. (p. 116), compreendido esse como a
quebra desse modelo exibidor da cidade como mercadoria e das pessoas enquanto
coisas, ou seja, da terra e da vida enquanto propriedade privada do capital, o
rompimento da produção do espaço social enquanto “exterioridade” e
estranhamento a sua própria (re)produção.
No pensar de Carlos (2004),
“O direito à cidade é a negação do mundo invertido, aquela das cisões da
identidade abstrata, da indiferença da constituição da vida como imitação de
um modelo de felicidade forjado na posse de bens; na propriedade privada;
na importância da instituição e do mercado; do poder repressivo que induz a
passividade pelo desaparecimento das particularidades; da redução do
espaço cotidiano ao homogêneo, destruidor da espontaneidade e do desejo.
Assim espaço amnésico e tempo efêmero caracterizadores do momento
atual, mas que podem ser superados, pois os sujeitos se insurgem
contestando e confirmando suas diferenças e, nesta ação, descobrindo
possibilidades.” (p. 150)
O entendimento do estatuto da cidade sobre o direito à cidade
Buscamos alavancar essa discussão pelo motivo de entender sobre o que
o estatuto da cidade diz em respeito ao direito à cidade, e como isso é
compreendido, ou faz parte, de nosso entendimento.
É digno de nota lembrar que o estatuto da cidade foi aprovado pela Lei nº
10. 257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988.
“Para todos os efeitos, essa lei, denominada de estatuto da cidade,
estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso
da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem
estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. (p. 25)
Durante a leitura, várias são as páginas que citam o estatuto da cidade
como uma vitória para a construção de uma cidade mais justa, organizada, “bonita”
e que a partir do planejamento urbano participativo possa vir a construir a cidade de
e para todos os habitantes. Achamos que não é bem assim. Em nossa apreciação
critica à respeito do estatuto da cidade, achamos que não se pode ser esquecido ou
“mascarado” que essa “vitória”, no nosso entender, não ocorre pela generosidade
do Estado e da Burguesia à população pobre, ou pela luta incessante ou
valorização dos movimentos sociais pelos “donos da cidade”, mas, como próprio
está escrito no estatuto, ele é a água para apagar a “bomba relógio” construída pela
miséria que está prestes (se já não estiver) a explodir nas grandes cidades.
“As elites estão sendo verdadeiramente engolidas pelos dramas urbanos e
estão sendo obrigadas a aceitar a mudança” (p. 6), essas são algumas das
descrições na apresentação do próprio estatuto da cidade inscritas pelo Deputado
Federal Inácio Arruda.
Achamos que não precisa ser nenhum grande intelectual para entender que
as ações do governo em relação à criação do estatuto da cidade no século XXI, é
estratégica, tornandose perceber que o que está em jogo é a malestar da
burguesia e a crise do seu Estado, e não os séculos de sofrimento de milhares de
povos mundiais provocados por essa dupla inseparável.
O estatuto da cidade, no que tange o seu entendimento acerca do direito à
cidade, segue a vertente de raciocínio citada acima. Nessa breve análise,
entendemos que o direito à cidade discutido pelo estatuto perpassa por quatro
características principais, a saber:
I) A luta pela Reforma Urbana (...) expresso em políticas e ações
mobilizadoras na busca insistente pelo direito de morar e aí viver dignamente,
fazendo com isso a cidade mais justa e democrática.
II) Atenuar a especulação imobiliária, para amenizar o caos generalizado
que tem sido morar na cidade.
III) Busca por melhorias das qualidades de vida da cidade, que possam
possibilitar mais a indução do que a normatização das diversas formas de uso do
solo e o controle das iniciativas públicas e privadas sobre o urbano.
IV) Urbanização e regularização fundiária das áreas faveladas e
loteamentos ilegais; programas de construção de moradias populares por parte dos
estados e municípios; utilização das terras públicas ociosas para assentamentos da
população de baixa renda.
O direito à moradia, a saneamento básico, o direito a uma melhor qualidade
de vida baseada no bemestar mercadológico e o direito de permanecer na área de
ocupação não é em nossa concepção o que entendemos por direito à cidade.
Como explica Carlos (2004):
O que existe concebido no estatuto da cidade é um sentido reduzido e
simplificado do direito à cidade identificado com o direito à moradia mais
serviços que dizem respeito ao mundo do habitat. (...) a luta pela moradia,
não é apenas a luta por um “teto mais serviços”, mas a luta pela vida contra
as formas de apropriação privada. (...) e nesta direção se trata de mudar a
cidade e não reajustála [a partir do planejamento urbano] para o mercado
e aos interesses dos segmentos que sustentam o estado. (p. 141)
Fazse necessário ainda discutir que compreensão de qualidade de vida e
de bemestar é discutida pelo estatuto da cidade. Dessa forma, o que discutíamos
anteriormente sobre o direito à cidade, como o direito à liberdade das práticas
sociais e da vida, que estava oposto à propriedade privada do solo urbano e ao
controle da sociedade sob a égide do Estado e da burguesia, foi o contrário ou o
“incompleto” do que encontramos ou entendemos após a leitura da Lei 10. 257.
Entretanto, é preciso salientar que durante a leitura ficou claro para nós que
a realização do que está inscrito no estatuto da cidade deverá ser acompanhada e
pressionada pelos movimentos sociais. Mas, quais os papéis dos intelectuais e
críticos para a organização desses movimentos? Não seriam estes organizados o
motivo de uma mudança maior que a construção de casas ou saneamentos
básicos? Não seriam esses a base para a construção de uma sociedade
radicalmente livre?
A construção de uma sociedade radical é o caminho para a apropriação da
cidade a partir da extinção do solo urbano enquanto mercadoria e da libertação do
trabalhador enquanto mera força de trabalho.
Talvez seja necessário lembrar que todos nós somos iguais perante a lei
desde 1988, sendo necessário frisar que o desenrolar da vida no processo histórico
fica mais complicada e sendo que cada vez mais o diferente não é a igualdade
social ou a libertação da exploração capitalista, e sim, é a crescente massa de
pessoas pobres que estão se formando e sobrevivendo nesse mundo de lógica
perversa consumista e inútil, o que põe em jogo a própria existência da
humanidade.
Notas
i
Nesse ponto compartilhamos com o pensamento de Carlos quando diz: “A análise do processo de
produção do espaço urbano requer a justaposição de vários níveis de realidade, momentos diferenciados
da reprodução geral da sociedade, como o da dominação política, o da acumulação do capital, da
realização da vida humana (...) A materialização do processo é dada pela concretização das relações
sociais produtoras dos lugares. Esta é a dimensão da produção/reprodução do espaço, o passível de ser
vista, percebida, sentida, vivida”. (CARLOS, 2001, p.12)
ii
Aqui nos referimos ao novo paradigma de gestão urbana chamado de Empreendedorismo urbano. Sobre
o mesmo ver (HARVEY, 2006; COMPANS, 2006).
iii
Sobre o termo economia espacial do urbanismo Harvey (1980) fala que “o urbanismo, necessariamente,
surge com a emergência de um modo de integração econômica de mercado de troca com suas
concomitantes estratificações sociais e acesso diferencial aos meios de produção”. (HARVEY, 1980,
p.205)
iv
CARLOS, A. F. A. A Repr odução da Cidade como “ negócio”. In: Urbanização e Mundialização:
estudos sobre a metrópole. São Paulo: Contexto, 2005
v
CAT’s Superiores: correspondem aos empregos de grande significação econômica e, algumas vezes,
também de status. São elas: Grandes empregadores, dirigentes do setor público, dirigentes do setor
privado, profissionais autônomos de nível superior, profissionais empregados de nível superior,
profissionais estatutários de nível superior e professores de nível superior.
vi
As ocupações a que aludimos são: trabalhadores da indústria moderna, trabalhadores da indústria
tradicional, trabalhadores dos serviços auxiliares, trabalhadores da construção civil, trabalhadores do
comércio, prestadores de serviços especializados, prestadores de serviços especializados, prestadores de
serviços não especializados, trabalhadores domésticos, ambulantes e catadores.
vii
Produção a partir de Lefebvre em seu duplo sentido strito sensu representada pela produção de
mercadoria e de bens materiais; e lato sensu, que diz respeito à produção de relações sociais e que dá
continuação a vida.
viii
Convergimos com o pensar de Henry Lefebvre quando escreve, em sua obra “O direito à cidade”, que
o “urbano não pode ser definido nem como apegado a uma morfologia material nem como algo que pode
se deparar dela. Não é uma essência atemporal. (...) É uma forma mental e social, a forma da
simultaneidade, da reunião, da convergência e do encontro ou encontros”. (p. 81)
ix
Lefebvre se refere à cidade enquanto valor de uso; uso dos prédios, das ruas, das praças; no qual geraria
o prazer derivado da apropriação .
x
Referimosnos ao estado burguês e seus burgueses parceiros, como os especuladores imobiliários, os
“latifúndiaristas” urbanos e os grandes empresários.
xi
Nós do Laboratório de Planejamento Urbano e Regional – LAPUR – participamos no ano de 2006 dos
encontros nos bairros referentes ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da Cidade de Fortaleza –
PDDU e discutimos com a população as possibilidades de participação dentro daquele documento, no
qual poderiamos vir a ajudar a discutir e solucionar os problemas do bairro. Na nossa opinião, a
construção de planejamentos urbanos participativos, elaboram nada mais que uma mesma farsa no que se
refere a falsa democratização urbana e o reforço na criação de “etiquetas urbanas” para o próprio
desenvolvimento ou sustentação do capitalismo.
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