Está en la página 1de 136
PRINCIPIOS DE OCEANOGRAFIA Fisica DE EsTuARIOS Luiz Bruner de Miranda Belmiro Mendes de Castro Bjorn Kjerfve PREFACIO Estudrios sio ambientes de transicao entre o continente ¢ 0 oceano, onde ries cncontram o mar, resultando na diluigao mensuravel da agua salgada, Em média, as aguas estuarinas so biologicamente mais produtivas do que as do tio e do oceano adjacente, devido as caracteristicas hidrodinamicas da circula- Go que, aprisionando nutrientes, algas ¢ outras plantas, estimula a produtivi- dade desses corpos de Agua. © estudo dos ambientes estuarinos foi iniciado ha cerca de 120 anos por pesquisadores escandinavos. Entretanto, somente nos tiltimos cinquenta anos esses ecossistemas, muito vulnerayeis a influéncia do homem, passaram a ser pesquisados mais intensamente, © conhecimento cientifico, com 0 ob- Jetivo de compreender como esses complexos sistemas funcionam, é de fan- damental importancia para 0 manejo dos ecossistemas costeiros. No domi nio da Oceanografia Fisica, 0 estudo dos estuarios fundamenta-se em traba- Ihos experimentais, utilizando os mesmos como um laboratério natural, ¢ na interpretacio dos dados com base tanto em conhecimentos te6ricos e semi- empiricos quanto cm modelagens ¢ simulacées. Cerca de 60% das grandes cidades se desenvolveram em torno dos stud rios, Por oxtro lado, a renovacio € depuracio das aguas desses ambientes depen- dem de intcragGes entre processos fisicos, quimicos, biolégicos ¢ geologicos ainda nao bem compreendidas. Portanto, a introdugao direta ou indireta de substin- cias € de energia pelo homem podem atingir niveis de elevada concentracio, causando a contaminagio das aguas estuarinas com efeitos nocivos para os re 16 © Principios de Oceanografia Fisice de Estucirios cursos vivos, perigo paraa saiide humana, obstéculos para as atividades marinbas ec de pesca, detcrioracao da agua e redugio de seus atrativos naturais. ‘Ao longo dos aproximadamente § 500 km do litoral brasileiro, existem algumas centenas de estuarios, sistemas estuarinos ¢ lagunas costeiras, com dit mensdes que variam desde poucos até centenas de quilometros. No norte do Brasil, encontramos um dos mais espectaculares sistemas estuarino deltaicos, © rio Amazonas, ¢, a0 sul, a maior laguna costeira da América do Sul, a lagoa dos Patos, Muitos desses ambientes contribufram para o desenvolvimento de gran- des e médias cidades brasileiras sofrendo, como consequéncia, modificagbes nos processos de sedimentacdo ¢ erasio, e nas caracterfsticas tais como: geometria, descarga de Agua doce, correntes de maré e qualidade da agua, que foram alte- radas por fenémenos naturais ¢ pelo homem no decorrer de séculos. Em virtude da grande importancia dos ambientes costciros, no Instituto Occanogrifico da Universidade de Sio Paulo (IOUSP), como em outras uni- yersidades brasileiras, so ministradas disciplinas abordando aspectos da Ocea- nogralia Fisica de estuétios, tanto para alunos de graduaciio, quanto de pos graduacio, Apesar disso, nao ha livros em portugués que tratem do assunto. Este livro tem a finalidade de preencher tal lacuna ¢ também contribuir para a formacao de especialistas nessa area do conhecimento. Ele foi escrito com base em disciplinas de cursos de graduacio, posgraduacio ¢ especializagao minis- trados no Brasil ¢ no exterior nos tiltimos quinze anos, principalmente no TOUSP ¢ na Universidade da Carolina do Sul (EUA). Nesse contexto, foram preparados onze capitulos com 0 objetivo de transmitir aos estudantes de gra- duacdo e de posgraduacio, também aos profissionais interessados, ama in troducdo 4 geofisica dos estudrios. O livro é, ainda, permeado pela expetiéneia que adquirimos na interpretagdo de resultados de experimentos realizados nesses fascinantes ecossistemas costeiros ao longo dos iiltimes vinte anos. ‘A Introducdo, no Capitulo 1, descreve a importancia do estudo dos siste= mas estuarinas, sua formacao ¢ idade geolégica, Nesse capitulo, também 40) apresentados 0 conceito de estusitio ¢ definig&es mais recentes de natureza €cO- Togica, bem como uma descri¢&o resumida de agSes ¢ politicas estabelecidas para a preservacio dos estuirios. No Capitulo 2, sio descritas as condicionantes (geomorfologia) ¢ forgas (descarga fluvial, gradientes de pressio, vento € mare), que geram a circulagio ¢ os processos de mistura (adveccio ¢ difusio) as esc las de espaco e tempo associadas as variagdes do nivel do mar ¢ scus efeltos sobre a circulagao da massa de agua estuarina, Nesse capitulo, faz-se ainda wm ‘estudo das principais caracteristicas de propagacio da onda de maré ao longo de um canal cstuarino unidimensional com geometria simples ¢ sem atrito, bem como da velocidade associada a esse movimento ciclico. Tendo-se em vista a importancia da comparacdo entre diferentes sistemas € a previsio de suas ea 1 Profi © 17 racteristicas gerais de circulacdo e dos processos de mistura, apresenta-se no, Capitulo 8 os critérios de classificacio dos estuarios com base em sua génese ¢ caracteristicas topograficas © geomorfolégicas, na estratificagao vertical de salinidade, O Diagrama Estratificacdo-circulagao, estado da arte para a classifi- cago dos estudrios, também é apresentado nesse capitulo. Aspectos do planejamento e da execucio de uma pesquisa oceanografica no ambiente estuarino sio apresentados no Capitulo 4, sendo descritos os prin- cipais métodos de medicdo das propriedades hidrogréficas ¢ da velocidade da corrente, Discute-se também como ordenar, editar e analisar dados experimen- tais, Os principais conceitos envolvidos na reducao € edigao de dados € no cal culo do transporte (fluxo) advectivo e dispersivo da salinidade, que também podem ser aplicados & concentracdo de uma propriedade conservativa qualquer, so estudados no Capitulo 5. © estudo dos processos de mistura no estuario tem como objetivo princi- pal apresentar métodos para o célculo ¢ estimativa do tempo de residéncia e de descarga, Como © volume de gua doce acumulado no estudrio pode ser utili- zado, em primeira aproximagio ¢ sob condicées estacionérias, para a previsio da variacio longitudinal da salinidade e dos tempos de descarga, no Capitulo 6 faz-se uma abordagem dos chamados métodos simplificados de mistura. Os principais conceitos relacionados com a aplicacao das equagdes de con- servacio de quantidade de movimento, de massa (continuidade) ¢ de sal, que constituem © ponto de partida para a formulagio hidrodinamica das equagdes que governam os processos fisicos nos sistemas estuarinos, sio apresentados nos Capitulos 7 ¢ 8. Essa formulacdo, iniciada com os modelos mais complexos tri- dimensionais, @ reduzida as suas formas simplificadas bi e unidimensionais. Exemplos de aplicago de formas integradas das equagdes da continuidade ¢ do movimento também fazem parte desse capitulo. Nos Capftulos 9 € 10 so apresentadas solucdes analiticas de modelos uni ¢ bidimensionais para o estudo da circulagio estacionaria dos classicos estudrios tipo cunha salina e verticalmente homogéneos. Goncluindo esses capitulos, essas solugdes tedricas so comparadas a resultados experimeniais. Finalmente, no Capitulo 11, s4o estudados modelos analiticos bidimensio- nais ¢ estacionarios de estudrios do tipo parcialmente misturado ¢ estabelecidos 08 fundamentos teéticos do Diagrama Circulacao-estratificagao para a classifica io de estuarios, Uma parte substancial deste livro foi escrito no The Belle W. Baruch Institute da Universidade da Carolina do Sul, durante a permanéncia do primeiro autor nessa universidade, com bolsa de pésdoutorado concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento ¢ Tecnolégico (GNPq) ¢ su- porte do IOUSP. SimBOLOS Letras ardibicas associadas & geometria A(x, 0), A(X) = dea da seco transversal e © correspondente valor estaciondrio Ap Ag, Ass Ay ~ areas estacionarias cle secdes transversais Ag, dtrea da superficie do estuario a(x, 2) ~ coordenada da margem direita b(x, z) ~ coordenada da margem esquerda B [B = a(x, 2) - b(x, 2)] ~ largura do estudio Hy ~ profundidade da superficie tivre de repouso com fundo plano h(x, ¥ 0 = Hy + 10x yt) ~ profiundidade local com fando plano H(x, y, ) = h(x, y} + 1(%, y, ©) — profimdidade local com fundo irregular h(x, £) ~ variagdo longitudinal da profundidade local h(t) ~ variacao local de profundidade h,, ou h(x) ~ valor estacionario da profimdidade fy(s, t) = h(x, t) - hy ~ oscilagio da superficie live (maré) L= comprimento do estuério ou dimensio de comprimento Oxyz.— sistema de referéncia cartesiano ortogonal com Ox orientade positiva- mente estudirio abaixo, Oy na direcio transversal € Oz no sentido ou contratio a accleragéo da gravidade, com origem na (z = 0) superficie livre ou no fundo x — coordenada longitudinal y~ coordenada lateral 20 © Principios de Oceanografia Fisica de Estuérios 2.— coordenada vertical V = volume geométrico X = x/L = distancia longitudinal adimensional % (L = 2/Ug) ~ profundidade adimensional (coordenada Sigma) Letras aribicas de propriedades ¢ varidveis fisicas 2 coeficiente médio de expansto térmica ou parametro de mistura a1(X), ag(X), ag(X), a4(X) ~ varléveis adimensionais de integragio Ang Any = Ag ~ coclicientes de viscosidade turbulenta Aya = Ay “Ay — coeficientes de viscosidade turbulenta Ag =Ay,=A, ~coeficientes de viseosidade turbulenta by (X), by(x), by(x), by (x), by» bg — varidveis adimensionais de integracio 2B — cocficiente de proporcionalidade adimensional, B,~ largura da banda espectral cLe G~ concentracao de uma propriedade qualquer camada limite costeira cy ~ velocidade de propagacio de fase ou celeridade da onda ¢, = W/Q, - concentracao inicial de um efluente lan¢ado no rio ch = W/Qq- concentracio inicial de um efluente langado na ZM (cla € (Cu ~ concentragées de uma propriedade qualquer estudtio abaixo acima, respectivamente che fH cl = rb - concentracio de agua doce nas marés alta ¢ baixa em seg: mento genérico Gy (Gye Gp ~ coeficiente adimensional de arrasto C, ~ coeficiente de Chézy Cioy = cocficiente de airito a 1m do fundo db ~ unidade de pressio em decibares (Idb = 10° barias) D ~ declinacio magnética, profundidade da camada de mistura ou coeficiente de difusio molecular de sal D,. - espessura relativa da cunha salina, escalada por constante (= 8 m) Dz — deslocamento gerado pela corrente de maré 4, — distancia relativa de penetrago da cunha salina, escalada pelo comprimento, do estuario ~fragao de agua doce na cabeceira dd = direcao da corrente dd, ~ direcao do vento F, E, ~ evaporacio, evapotranspiracio potencial (taxa) Ey ~ excursio da maré H/Hy ~ razio da altura da maré pela profundidade média a Simbolos © 21 exp(x) = e* ~ funcio exponencial F = taxa de descarga (flushing ra) ou ntimero de descarga Fy — ntimero de Froude interno Fy - taxa de descarga devido somente ao proceso de mistura Fi - niimero de Froude interfacial Fy, — (ou ¥) numero de Froude densimétrica Fy — mimero de Froude barotrépico fy — concentagio média de agua doce na seco transversal de langamento de efluente f, fa, £08, ¥, 2) = fracdo de agua doce £, — freqiiéncia de amostragem £- fracio de agua doce média na ZM £,, - fragio de agua doce em segmento genérico fy — pardmetro de Coriolis f,— tensio interfacial de atrito £(X, Z) ou F(x, Z) — gradiente vertical da salinidade adimensional (88/92) f,, — concentacdo média de gua doce na seco transversal na posicao genérica x G ~ taxa de dissipacdo da energia cinética da maré G/J = S, — mtimero de estratificagio g. e g — vetor e médulo da aceleragao da gravidade H — espessura adimensional da cunha salina (H = H,,~ altura da onda de maré 12) Hy) H,, ~ espessura adimensional da cunha salina na boca do estuario hy — altura da camada logaritimica » ~ profundidade da cunha salina na boca do estuario I~ correcdo de temperatura (erro de indice) J = taxa do ganho de energia potencial K, — componente principal da maré de periodo semidiurno b, K - coeficiente de dilatago volumétriea k —coeficiente de atrito adimensional constante (k = 2,5 x 10°) ou 0 coeficiente k=g/C} Kr coeficiente de dilatacéo volumétrica do sistema termométrico Ky Ky, K, = coeficientes de difusio turbulenta (cinematico) Kyo ~ coeficiente de difusio turbulenta cinematico longitudinal em x= 0 ©}, Ky © Qy- componentes principais diurnos da maré L- dimensio de comprimento e comprimento de cabo lancado, In — logaritmo neperiano Mp, Sp, Ny — componentes semidiurnos principais da maré Mg ~ transporte advectivo instantineo de sal M (M) = massa (partimetro de mistura da maré) 22 + Principios de Ocearografia Fisica de Estudios 1m ~ massa de sais dissociados n—mimero de Manning N ~ norte verdadeiro NM - norte magnético Np~ niimero de forma da maré N,=A,/p ¢ N,=A;,/p coeficientes de viscosidade turbulentos (cinematico) P = precipitacdo, taxa de precipitacio ou ainda o prisma de maré P(x, y, % 0) — propricdade genérica em funcdo da posicéo ¢ do tempo P,, — perimetro mothado P,,~ prisma de maré em segmento genérico Py ~ prisma de maré na boca do estuirio Pa (1kPa = I db} ~ umidade de pressio do Sistema Internacional (SI) P(Z, t) ou PQ, t) = perfil vertical instantineo de uma propriedade qualquer € PC) — valores médios de uma propriedade qualquer no tempo ¢ no espaco p= pressio Q- volume de gua do mar transportado na camada de fundo ou transporte de volume Qy (ou = F) ~ transporte equivalente de agua doce (ou taxa de descarga) Qy fou Q,(0)], Q* © gi descarga de agua doce (descarga fluvial) Q,, ou Q) - transporte de volume por unidade de largura R (R= TQ» — volume de dgua fluvial descarregado no estuario durante um perfodo de maré (T) R/P = razio de fluxo Ra ~ mimero de Rayleigh estuarine Re = niimero de Reynolds Ri - niimero de Richardson Rig ~ niimero de Richardson estuarino a Rij, - ntimero de Richardson por camada R, — rario de condutividade elétrica Ry — raio hidréulico Tye Ff — razdo de troca em segmento genérico 8, SG yz, 0. SOx ys , SCs, t) € S(0) ~ salinidade S,= = valor estacionario de salinidade " S)—salinidade uniforme em segmento genérico sit, si — salinidade nas marés alta e baixa cm segmento genérico ski, Sk = salinidade nas marés alta € baixa na boca do estudrio S,¢ S; - valores estacionarios de salinidade na superficie ¢ no fundo §)—salinidade da regio costeira adjacente (walor nao diluido ou ao Ta pluma estuarina) Sinbolos © 23 8, = - 8, - parcela baroctinica de salinidade S-$, - parcela barotrépica de salinidade S\~ gradiente longitudinal de salinidade (88/8x) S,~ gradiente transversal de salinidade (0S/ay) 8’ ~ desvio de salinidade <$> = 8 - valor médio na coluna de agua de valores de salinidade estacionarios S(t) - valor médio da salinidade na coluna de Agua variavel com 0 tempo S/Sq~ valor adimensional da salinidade $ = 8/Sp ~ valor adimensional da salinidade média na coluna de agua (8,/Sp)¥, 8,,/S9)" ~ salinidade relativa nas marés alta e baixa S,/Fy ~ razio proporcional ao parametro de mistura Sigmazt (ou 9,) - anomalia da densidade & pressio atmosférica ‘T~ temperatura (em °C ou K), perfodo da maré, ou dimensio de tempo ‘T' = leitura termométrica nao corrigida ‘Ty - wansporte advectivo instantaneo de volume (Ty)1.~ transporte advectivo de volume médio por unidade de largura ‘Ty — transporte advectivo instantineo de massa ‘Te ~ wansporte advectivo resultante de uma propriedade qualquer Tg ~ wansporte adyectivo médio de sal t= tempo (= leitura do termémetro auxiliar ty — tempo de descarga (flushing time) (tg)q ~ tempo de descarga em segmento genérico tj) th — tempo de descarga nas marés alta e baixa {u, v, w] ~ vetor velocidad ¢ componentes segundo os eixos Ox, Oy e Oz, respectivamente = flutuagio turbulenta de velocidade ¢ componentes segundo 08 eixos Ox, Oy e Or, respectivamente i — velocidade média na coluna de agua = u, = up— valor estacioniirio do componente Ox de velocidade Ua (2) uw(2) ~ pertis verticais de velocidade gerados pela descarga fluvial e vento Iw’, vw’ ring ~ Velocidade média quadratica U,= ~ ul, ~ parcela baroclinica da yelocidade u, ~ parcela barotrépica da velocidade uc(%, t) = velocidade gerada pela onda estacionaria Up up(X, ) — yelocidade gerada pela descarga fluvial ou de 4gua doce u,~ velocidade na superficie u,/up= pardmetro circulagio We —velocidade de atrito joo, Us69 — valores de velocidade a 1,0 ¢ 3,6 m acima do fundo 24 © Principios de Ocsanografia Fisica de Bstudrios U - intensidade do vento na direcao Ox Up — amplitude da velocidade gerada pela maré U, = velocidade da corrente de referéncia Uy, Vy - componentes da velocidade do vento segundo os eixos Ox ¢ Oy, res- pectivamente U, - velocidade de deriva de Stokes V ~ médulo do vetor velocidade ou volume geométrico Vy—volume de Agua do mar que entra na maré enchente ou prisma de maré (P) Vo - volume de merciirio no bulbo termométrico a 0°C. Vy—volume de agua doce da ZM (Vin - volume de Agua doce em segmento genérico vil vi, — volume de agua doce nas marés alta baixa em segmentos genéricos Vy ~ volume em maré baixa em segmento genérico Vy ~ volume em maré baixa na boca do estudirio X,~ distincia de penetracio da cunha salina W transporte de um efluente 2p — comprimento «c rugosidade dindmica ZR — zona de maré do rio 2M ~ zona de mistura ZC ~ zona costeira Caracteres gregos de propriedades e variaveis fisicas 6. (Gg) ~ volume especifico (volume especifico de referéncia) B - coeficiente de contragio salina médio (= 7,0 x 104) 7 - rotacio de cixo coordenado Af — taxa de escoamento superficial At ~ intervalo de tempo minimo de amostragem AT ~ correlacdo de temperatura (dilatagao vohuméttica At intervalo de tempo Ap —variagdo finita de densidade Ax = intervalo de distancia longitudinal Av ~ interval de profundidade AZ. ~ intervalo de profundidade adimensional ‘Ap~ incremento do volume de agua doce 88/ ou 88/8 — parametro estratificacdo, com 8S = S,- S, ni, 16% 1, N66 yD, 1x) — oscilacdes da superficie livre (maré) em relagao superficie em repouso ¢ clevacao estacionaria da superficie livre dn/dx ou On/0x ~ inclinacio da superficie Tivr Simbolos © 25 Ne — elevacdo da superficie livre em relagio a superficie em repouso (onda ex jonria) No — amplitude da onda de maré 0 — argumento trigonométrico para decomposigdo da velocidade da corrente 8 ~ argumento tigonométrico para decomposicao da velocidade do vento P (Pp) ~ densidade (densidade de referencia) Pye ~ densidade do ar Py — gradiente longitudinal de densidade (@p/2x) Py ~ gtadiente transversal de densidade (@p/8y) Py ~ densidade na superficie D—densidade média na cola de agua py ~ diferenca horizontal de densidade na ZM Apy = diferenca vertical de densidade na ZM ASy ~ diferenca vertical de salinidade na ZM 0. ~ volume especifico & (§ = upx/K,y) ~ distancia longitudinal adimensional 2. = comprimento de onda K (K = 22/4) - constante de von Karman (numero de onda) V (v= Ko{98/4x) /u;S = F,/F) ~percentual relative do fluxo difusivo/advectivo de sal vy, ~ coeficiente de viscosidade cinematico molecular © (0 = 2n/T) ~ feeqiiéncia angular @ ~ médulo da yelocidade angular da Terra 6, (ou Sigma-t) ~ anomalia da densidade & pre ‘T~ tensio de cisalhamento Tew Tay Tye Tas Typ Thur Tox Tey Te ~ tensdes turbulentas de Reynolds Tig Ot Ty — tensao de cisalhamento do vento Tye OU Ty — tensdo de cisalhamento no fundo Zo ~ valor de referéncia da tensio de cisalhamento do vento yo valor de referéncia da tensio de cisalhamento no fundo hy ‘Tp = thy/tho ~ tensio de cisalhamento adimensional no fundo 10 atmosférica iy /Typ ~ valor adimensional da tensio de cisalhamento ® ~ arco de primeira determinacao positiva do argumento @ ~ Angulo medide por um clinémetro Gy Og — fluxo de sal longitudinal advectivo ¢ difusivo @y ~ fluxo advectivo instantineo de volume 4 — fluxo advectivo instantaneo de massa %— constante de dissipacao, proporcional ao inverso do niimero de onda x W~ parimetro adimensional proporcional a intensidade do vento W = WG, 2) = funcao de corrente 26 + Principias de Occanografia Fisica de Bstuarios Y= W/QrI¥ = ¥ (X, Z)] - funcio de corrente adimensional YW =x, Z) ou (Y= ¥(Z)] funcio de corrente em fimgio da profundidade adimensional © = valor normalizado de erro toleravel INTRODUCAO AO Estupo Dos EsTuARIOS 1.1 POR QUE ESTUDAR OS ESTUARIOS? A palavra estuitio do é maré ou onda abrupta de grande altura, fazendo referéncia a um ambien- te altamente dindmico, com mudancas constantes em resposta a forgantes na- tu derivada do adjetivo latino aestuarium, cujo significa s. Esse termo € utilizado genericamente para indicar 0 encontro do rio com © mar, caracterizando uma foz litoranea, Portanto, trata-se de um ccossistema de transicao entre 0 oceano € 0 continente; a complexidade e vulnerabilidade & influéncia do homem sao caracteristicas comuns a todos os estuarios. Em condicées naturais, os estuarios sio biologicamente mais produtivos do que 03 ris € 6 oceano adjacente, por apresentarem altas concentragées de nutrientes que estimulam a producio primaria. A descarga de agua doce na parte interna, a entrada de agua do mar, € 08 transportes associados de sedimentos em suspensio e nutrientes orgiinicos € inorginicos so processos que desempenharam, € continuam desempenhando, uma grande importincia para o desenvolvimento urbano, social ¢ econdmico das regides estuarinas. Uma parte dessas substincias ¢ utilizada como alimento pelos organismos marinhos, ¢ os poluentes, que também sio tansportados juntamente com as substincias naturais, podem afetar uma grande variedade da biota marinha ¢ representar uma ameaga para a satide das populagdes que utilizam esses recursos naturais como alimento. Sendo assim, é de fundamen- tal importincia identificar os efeitos passados da influéncia do homem nos 28 + Principios de Ocvanogrofia Fisica de Estudios rocessos que ocorrem nesses ambientes € contemplar estudos sobre futuras interferéncias benéficas e predat6rias nesses importantes € fascinantes corpos de agua (Cronin, 1967) A influéncia das atividades do homem sobre os estuarios nao foi reconhe- cida como importante até a metade do século XIX. Antes dessa época, estava li- mitada aos efeitos da descarga de efluentes de natureza doméstiea e, mais remo- tamente, 4 erosio nas dreas agricolas, que ocasionavam um maior transporte de sedimentos para os rios, A partir de meados desse século, houve uma enorme expansio das atividades em complexos industriais instalados nas proximidades dos estuarios (com a fabricacio de grande diversidade de materiais e substincias), da agricultura (com a utilizacao de fertilizantes ¢ defensivos agricolas), da cons- trucdo de barragens para a instalacdo de usinas hidroelétricas ¢ da industria pesqueira, Com a conseqiiente expansio populacional nas cidades préximas aos esntdrios, aumentou consideravelmente a influéncia do homem, colocando em risco © desenvolvimento sustentavel desses ambientes, O crescimento da atividade econémica sempre esteve intimamente rela- cionado aos estuarios pelos seguintes motivos: sio locais adequados para a ins- talacdo de portos; sio férteis e podem produzir grandes quantidades de matéria organica; constituem uma via de acesso importante para o interior do continen- te; suas Aguas sio renovadas periodicamente sob a influéncia da maré. Como ecossistemas, os estuirios apresentam muitas fungdes vitais, entre as quais se pode citar (Ketchum, 1983): constituem o habitat natural de aves, mamiferos peixes, € 0 ambiente de desova ¢ de criagdo de muitas comunidades biologicas ¢, também, desempenham um papel importante nas rotas migratérias de pei- xes de valor comercial Um dos motivos para estudar 0 corpo de agua estuarine é compreender como esse complexo sistema funciona, Na 4rea de Oceanografia Fisica, esse estudo fundamenta-se em trabalhos experimentais, utilizando o estuério como um laboratério natural interpretando os resultados com base em conhecimen- tos tedricos ¢ semi-empiricos. S40 também utilizados modelos fisicos em escala reduzida ¢ simulagdes tedricas com modelos analiticos ¢ numérices. Tal como em outras dreas das ciéncias, experimentagao ¢ teoria sio atividades que intera- gem mutuamente ¢ seus resultados fornecem o embasamento necessério para © desenvolvimento da pesquisa estuarina, Além da motivacio cientifica, os estaarios tém uma importancia historia ¢ fundamental para o desenvolvimento da humanidade, Cerca de 60% das grandes cidades distri estudrios, representando em proporeao as suas dimensées uma das mais valiosas regides de nosso planeta (Geophysics Study Committee, 1977). No Brasil, 0 percentual é praticamente 0 mesmo € 0 conhecimento cientifico pode ser utiliza- uidas ao redor da Terra estao localizadas nas proximidades dos Introdurdo ao Estudo dos Estutrias © 29 do para a solucio de problemas de natureza pratica, tais como: impactos de alte- rages na bacia hidrogréfica ena geometria dos estuarios, identificagao de zonas de sedimentacio que podem prejudicar a navegacao, calculo do tempo de perma- néncia de substancias no interior do estuatio, distribuicio de propriedades fisicas, quimicas e biolégicas para suporte a projetos de aqaicultura, dentre outros. Tal como ocorreu em outros paises, as razdes para o desenvolvimento das principais cidades brasileiras nas proximicades dos estudrios foram as seguintes: facilidades para instalagdes portudrias comerciais ¢ navais, capacidade natural para renovar periddica ¢ sistematicamente suas 4guas sob influéncia da maré, comunicagao natural com regides de manguezais, abundante comunidade bio- logica © proximidade para as atividades econdmicas ¢ de lazer. Os estudrios so 0 recepticulo de substincias naturais ¢ produtos de ati- vidades do homem, os quais podem ocasionar a degradacao da qualidade da Agua. Esses produtos, agrupados de acordo com as principais fontes, foram analisados detalhadamente quanto A ameaca que representam para o laser € 0 ambiente biolégico por Schubel & Pritchard (1972). Tais produtos, ¢ suas prin- cipais fontes, sio os seguintes: * organismos patogénicos, matéria organica e nutrientes (despejos mu- nicipais) * pesticidas ¢ herbicidas (agricultura); + metais pesados, 6leo ¢ substancias quimicas toxicas (indiistrias, portos, marinas e navegacio); * calor (usinas de eletricidade); * secimentos (agricultura, payimentacao, construgio ¢ obras portuarias) A concentragao natural de sedimentos em suspensio dos rios, ocasionada pelo processo erosivo ao longo de seus cursos, pode ser bastante aumentada pelas atividades mencionadas acima. © processo de sedimentagio nos estusdrios, 20 preenchédo gradualmente, torna-se uma ameaga ao expulsar a agua do mar que contribuin para a sua formacio, podendo transformélo novamente num rio forgado por maré. Mas, igualmente importante também 6 a entrada dos produe tos estranhos ao ambiente estuarino que, associados ao processo de sedimenta- 0, podem encurtar a vida geol6gica € a satide biolégica natural do estuirio, Embora o lixo no seja um indicador de qualidade da agua estuarina, re- presenta uma ameaca ao aspecto estético € a0 meio ambiente. Tal problema pode ser minimizado por meio de educacio ambiental, Recentemente, paises como a Inglaterra investigaram a extensio dos problemas causados pelo lixo; 0s resultados so alarmantes, Centenas de garrafas plisticas, latas de bebidas fragmentos dos mais variados materiais foram encontrados a cada quilometo numa faixa delimitada ao longo de praias durante o invemno e 0 vero. Com 30 * Principios de Occanografia Fisica de Estudios base nos resultados desse estudo, desenvolvido por Williams & Simmons (1997), evidenciowse a importincia da interface rio/praia para a compreensio do pro- blema do lixo nas praias. A renovagio das aguas de um estuario e sua capacidade de assimilagio de substancias estranhas dependem de uma série de processos de naturezas fisica, quimica, biolégica e geolégica, os quais, por sua vez, interagem entre si de for- ma extremamente complexa, tornando-os extremamente vulnerdveis a alteracdes da qualidade de agua. Essas interacdes ainda nao foram estudadas compreensi- vamente de forma interdisciplinar pois, na maioria dos casos, os programas de pesquisa foram desenvolvidos em linhas espectficas. Conseqiientemente, a intro- ducdo direta ou indireta de substancias ¢ de energia pelo homem pode atingir niveis de concentracio que causam a contaminagio do estudrio, com efeitos nocivos aos recursos vivos, perigos para a satide humana, obsticulos para as atividades marinhas ¢ de pesea, deterioracio da qualidade da agua e redugio de scus atrativos naturais (GESAMP, 1995) Os processos fisicos comuns aos estuatios so seus movimentos ¢ a mistu- ra entre as massas de agua de origens contrastantes: a agua doce de origem fue vial e.a Agua do mar do oceano adjacente, Como resultado desses processos, os estnarios si0 corpos de agua no homogéneos os fendmenos no seu interior variam em amplos intervalos das escalas espacial ¢ temporal; desde dimensdes microscépicas até seus limites geométricos, ¢ intervalos de tempo com fragées de segundo até o extremo das variacdes anuais ¢ seculares. s processos que afetam a distribuicio a variabilidade de propriedades fisicas, a concentragao de substincias naturais (salinidade, nutrientes dissolvi- dos ¢ sedimentos em suspensao) e dos organismos biolégicos, bem como a con- centragao de poluentes, devem ser estudados em pesquisas interdisciplinares, abrangendo 0 estuario como um todo, destacando-se a integracio dos seguin- tes componentes prineipais (Geophysics Study Committee, 1983): * circulagdo, transporte € mistura nas dguas esturarinas € costeiras; * efeitos ambientais sobre a flora ¢ a fauna estuarina; * transporte, erosio ¢ deposigao de sedimentos. ‘A dependéncia entre esses componentes é significativa em quase todos 0s processos que ocorrem nos estuérios. Entretanto, diferengas podem ser encontra- das entre estudrios, ou em partes especificas do sistema, O conhecimento desses processos deve ser aplicado para gerenciar a tomada de decisées sobre a melhor utilizagio e a sobrevivéncia como um recurso natural renovavel e produtivo Este livro tratara apenas da pi relacionada ao conhecimento das caracterfsticas hidrograficas ¢ hidrodinamicas dos estudrios (salinidade, temperatura, densidade € circulago), dos processos neira componente que esté intimamente Introcupio ao Estudo dos Bstuérios «31 de mistura (advec¢ao e difusio), tempos de residéncia, bem como da escala temporal ¢ espacial dos diferentes fenémcnos que sio de fundamental impor tancia para uma abordagem interdisciplinar desses ambicntes. A evolucio historica das idéias sobre a circulagio estuarina, relacionando cronologicamente os resultados mais relevantes de pesquisadores escandinavos © americanos, foi apresentada no trabalho de Beardsley & Boicourt (1981). As primeiras hipsteses sobre os movimentos em duas camadas observados na re- giao estuarina do fiorde Kattegat, no mar Baltico, foram divulgadas ha cerca de 120 anos, no trabalho pioneiro de F, L, Ekman, publicado em 1876. Entretan- to, foi somente nos anos seguintes ao término da I Guerra Mundial que o in- teresse pela Oceanografia Fisica dos estuarios aumentou consideravelmente, em parte por necessidades militares ¢ também pelo fato de que esses ambientes deveriam ser protegidos contra a crescente ¢ intensa atividade do homem, Nos iiltimos cinqtienta anos, 0 acervo da literatura especializada em pes- quisas estuarinas tornou-se bastante vasto, Para a preparacio deste livro foram utilizados no somente os trabalhos ¢ livros classicos, mas também artigos e com- péndios contendo desenvolyimentos mais recentes da circulagao ¢ processos de mistura de sistemas estuarinos, 1.2 GENESE E IDADE GEOLOGICA Com algumas excesdes, 0s estudrios formaram-se em regides relativamente estreitas de transicéo entre 0 mar ¢ as massas de terra continentais. So am- bientes de época geolégica muito recente (< cinco mil anos), formado por al- teragdes seculares do nivel do mar de naturezas eustitica (variagdes do volume de agua dos oceanos) ou isostitica (variagdes do nivel da crosta terrestre), bem como por processos de origem tectonica, Suas localizagdes, formas e extensdes dependem do nivel do mar, da topografia do litoral ¢ dos rios, ¢ foram altera- das por processos erosivos ¢ deposicionais de sedimentos no inicio naturais ¢, mais recentemente, como conseqiiéncia da exploragao c explotacio das bacias de drenagem. Os principais fatores que afetam as variacdes eustitica ¢ isostatica do nivel do mar sio os seguintes: Eustitica — Variagdes da massa (por congelamento ¢ degelo) ¢ do volume por alteracdes da concentragio de calor; aquecimento e resftiamento dos occanos. Jostatica— Movimentos da crosta terrestre em relacio ao gedide, variacées da geometria das bacias occénicas, compactacio e crosio de sedimentos nao consolidados O avango inaximo de gelo da diltima fase glacial (maximo glacial) ocom reu ha cerca de quinze ou dezesseis mil anos, quando o nivel relative do mar 32 * Principios de Occanografia Fisica de Estwésios estava aproximadamente 180 m abaixo do nivel atual. A evolucio desse nivel nos tiltimos 85 mil anos é mostrada na curva eustética de Milliman & Emery (1968) (Figura 1.1), Essa curva foi complementada com amostras da plata- forma continental sul brasileira, datadas por carbono-14 (Kowsmann et al, 1977). Como resultado dessa variagio eustatica, que afetou 0 volume de agua dos oceanos como um todo, 2 linha de costa dos continentes estava localiza- da nas proximidades da borda da plataforma continental. Os sedimentos pleistacénicos, depositados durante a fase regressiva anterior, foram retraba- Thados por um periodo de tempo relativamente curto, transportados em sus pensio pela drenagem e depositados no talude continental. Mil anos antes do presente n : 0 a 2 0 s = a a: 410 ag j sg Figura Ll Curva eustties da variagio do nigel do mar va platform continental dos EUA, inferida para os “tims $5 nil anos (de ncordo com Milliman de Emery. 1968), compententads com amostras dt plataforma continental sul braslies datadss por earbono-14, segundo Kowsmann ef a. (1977). Em decorréncia de alteracdes climaticas globais, que ocasionaram 0 aque- cimento da Terra, 0 progressivo degelo das calotas glaciais elevou lentamente o nivel do mar, com a taxa média de um metro por século, A diltima transgressio marinha, denominada transgressio Flandriana, teve inicio ha cerca de quinze ou dezesseis mil anos e, até sete mil anos atrés, houve uma rdpida ascencio do nivel do mar, interrompida por estabilizacdes de curta duragio correspondentes aos niveis atuais de -110 ¢ -60 m (Kowsmann et al, 1977). Ao final desse processo transgressivo, entre sete e dois mil anos do pre- sente, quando o mar atingiu aproximadamente o nivel atual, as planicies cos tciras © 05 vales dos rios foram gradativamente inundados, dando origem aos estudrios, enseadas, bafas ¢ lagunas costeiras. Pesquisas recentes demonstraram que nos tiltimos milénios ocorreram pequenas flutuacdes do nivel do mar e a curva custitica de Fairbridge (1961), mais detalhada nese intervalo de tempo, indica oscilagdes que inclusive ultra- passaram alguns metros o nivel do mar atual. Esse fendmeno teve a sua acorrén- Introdugdo ao Estudo dos Estuarias © 33 cia confirmada nos litorais sudeste e sul brasileiro, de acordo com os trabalios de Villwock (1972) e Suguio & Martin (1978). Um modelo da evolucio holocé- cas, dados nica da plataforma continental sul, com base em relagdes estratigr’ geocronolégicos e interpretacdes ambientais das ficies mapeadas, com informa- Ges importantes sobre a formagio dos ambientes costeiros, foi apresentado em Kowsmann et al. (1977) No litoral de alguns paises, estio ocorrendo variagdes do nivel do mar devidas a oscilacées seculares da crosta terrestre (isostdticas) naturais ¢ provo- cadas pelo homem, que podem ter futuras implicagdes na sobrevivencia dos estudrios, A linha da costa da Escécia, por exemplo, cleva-se com uma taxa de trés milimetros por ano (abaixamento relativo do nivel: -0,8 metros por século}, em resposta ao decréscimo do peso sobre o continente ocasionado pelo der retimento de camadas de gelo devido ao aquecimento climatico. O oposto (subsidéncia) esta ocorrendo na Holanda, com uma taxa de afundamento da ordem de dois milimetros por ano (elevagao relativa do nivel do mar de 0,2 metros por século). A regio sudeste da Inglaterra também est sendo submetida a um processo muito sério de subsidéncia da linha de costa, pois a clevagéo natural do nivel do mar esté ocorrendo simultaneamente ao abaixamento do litoral, aumentando o movimento relativo, Um caso extremo de subsidéncia foi registrado no litoral de Bangcoc (Taikindia), ocasionada principalmente pela remogio de Aguas subterraneas € subsidéncia deltaica, com 0 aumento relativo do nivel do mar com taxa estima- da em 4,5 metros por século, Pesquisas recentes das flutmagdes anuais do do mar em Nova York (EUA) demonstraram um aumento relativo do nivel do mar de aproximadamente 0,25 metros durante quase um século, entre 1893 ¢ 1991 (Leatherman ef al. 1997) A temperatura da agua do mar e dos ambientes costeiros pode ser consi- ivel derada como uma medida da concentracéo de calor. Essa propriedade fisica apresenta variacées didrias, sazonais ¢ seculares, principalmente. As variacdes seculares sao regionalmente importantes para o nivel relative do mar, gerando mudangas de natureza eustitica. Os valores da temperatura da superficie do mar esto intimamente relacionados ao balango de calor no sistema oceano-atmos- fera e ao ciclo hidrolégico. Nos tiltimos cem anos, essa propriedade apresentou °C, devido provavelmente ao aumento da concen- tacio de gases na atmosfera (didxide de carbono, metano, clorofluorcarbono [freon], dentre outros), Esses gases tm a propriedade de absorver a radia infravermelha da superficie da Terra, foreando a re-emissio pela atmosfera ¢ causando 0 aquecimento da camada limite planetaria e da superficie do mar, Para 05 proximos cem anos foi estimado um aquecimento maior (entre 1,5 ¢ 8°C), ‘uma elevagao estimada em 0, © que, se vier a acontecer, tera uma grande influéncia no comportamento hidro- 34 © Principios de Oceanografte Fisica de Estuérios dinmico dos estudrios ¢ de outros ambientes costeiros ¢, em conseqiiéncia, na distribuicdo ¢ produtividade das comunidades biolégicas. Considerando a hipétese catastréfica de um aumento da temperatura dos ‘occanos em um curto perfodo, podem ser previstas grandes variagdes do nivel do mar de natureza eustitica. Se toda calota polar descongelar, 0 nivel do mar clevarse cerca de trinta metros (Dyer, 1973). Nesse caso, os estuirios atuais serio inundados, formandosse novos ambientes estuarinos na parte superior dos ios. A concentragdo de sedimentos de origem fluvial poder ser menor, mas devido a erosio costeira, grandes quantidades de sedimentos poderio estar dis- » poniveis para serem transportados pelas ondas ¢ correntes litoraneas, Ja uma reducao do nivel do mar resultaré em estuérios muito rasos que poderiio ser, em pouco tempo, assoreados. Em ambos 03 casos, ocorrerio variagées na geo morfologia e na profundidade e, em conseqiténcia, modificagdes nas correntes geradas pela excursio da maré. Portanto, os estitdrios sio ambientes costeiros numcrosos, bem desenvolvidos ¢ muito recentes, mas na escala de tempo gco- Iogica a situagao atual poder no perdurar por muitos séculos. 1.3. DEFINIGAO E TERMINOLOGIA Um estuario pode ser definido de varias manciras ¢ de acordo com 0 panto de vista imediato. Entretanto, essas definigées devem abranger as caracteristicas € processos essenciais, bem como © contexto no qual o estudrio esti inseride, petmitindo a aplicagao de critérios adequados de classificacio (Dyer, 1978; 1997) Para os occanégrafos, engenheiros, geégrafos ¢ ccologistas, o termo estudrio utilizado para indicar a regido interior de um ambiente costciro, onde ocorre encontro das diguas fluviais com a do mar transportada pelas correntes de maré, estendendo-se rio acima até o limite da influéncia da maré. Alguns pesquisado- res também incluem a regiao da plataforma continental adjacente, que recebe a chamada pluma estuarina, como parte integrante do sistema estuarino, Uma das definigdes mais comumente adotadas na area de Oceanografia Fisica é a clissica defini¢ao de Pritchard (1955) ¢ Cameron & Pritchard (1963) “Estudtio é um corpo de ‘gua costeiro semifechado, com uma liste ligagio com © occano aberto, no interior do qual a égua do mar é mensuravelmente diluida pela Agua doce oriunda da drenagem continental” Um exame detalhado do enunciado mostra que a circulacio, os processos de mistura ¢ a estratificagao de salinidade no estuario dependem de sua geome- tria (limitando a dimensio desses corpos de agua), da descarga de agua doce, da maré, da salinidade, da circulagio da regiao ocednica adjacente e do vento que atua remota on dirctamente sobre a sua superficie livre (Pritchard, 1967), Sendo Introdupdo ao Estudo dos Bstuarios © 35 assim, uma abordagem detalhada dos processos fisicos que ocorrem nesses am- bientes € bastante complexa. Como os processos de natureza biolégica, quimica © geoldgica sao fortemente influenciados pelas propriedades e variaveis fisicas, evidencia-se a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para melhor co- nhecimento desses ambientes no contexto de um ecossistema costeiro. efeito da descarga fluvial, constantemente adicionada pelo rio, além de gerar um componente da circulacio estuarina que naturalmente se desloca para fora do estuario (cstudtio abaixo!), ao diluir a Agua do mar produz dife- rengas de densidade ao longo do estuério, gerando movimentos estudio acima forcados pelo gradiente de pressao. A interagdo das varias propriedades e pro- cessos ~ descarga (ou vazio ) do rio, correntes de maré, gradiente de pressio, adveceao difusio turbulenta = produz, dentro da delimitacéo geomorfolégica da bacia estuarina, a distribuicio de salinidade que é caracteristica de cada es tudrio (Officer, 1983). Como na definicio acima esta explicita a condi dé que a agua do mar deve ser mensuravelmente dilufda pela Agua da drenagem continental, no balanco de agua a soma dos volumes que chegam no estuario, gerados pela precipitagio (P) e descarga fluvial (Q,), devem ser maiores do que o volume de agua transfe- tido para atmosfera pelo processo de evaporagao (E). Portanto, de acordo com a definicao classica, no estuario vale a seguinte designaldade para esses volumes, P+Q:>E. Alguns autores referemse a esse caso como estudrio positive, Em alguns ambicntes e lagunas costeiras de regides tropicais, pode ocorrer para o balanco de agua a condicio P + Qr< Ee, ao contrario da designacdo anterior, para esse am- biente pode-se encontrar o termo estudrio negative, Entretanto, esse ambiente no pode ser classificade de estudrio de acordo com a definicio de Pritchard. Uma condigao usualmente de transicio entre o estuario ¢ um sistema negativo é aquela na qual P + Qp= E, € 0 ambiente é denominado newtro, A distribui¢io horizontal da salinidade média no estuario esquematizado na Figura 1.2, indicada pelas linhas onde essa propriedade é constante (isoha- Jinas), varia entre valores extremos de 1 © 36%o (a concentragao de sal, expressa cm unidades de g kg salinidade indica que a gua do mar foi mensuravelmente diltida pela des ga de Agua do rio © que uma parcela do volume dessa agua ficou retida no , € simbolicamente denotada por %o). Essa variagao da ar interior do estuario ao formar a massa de agua estuarina. A definigio de estuario abrange ambientes com escala espacial muito menor do que, por exemplo, 0 mar Baltico na Escandinavia, caracterizado por taxas de precipitagdo e de descarga de agua doce muito maiores do que a eva- 1. Os morimentos com sentido do rio para o mar e com sentido oposto so denoininados estrio abo (ou ‘vaante) esturlo im (ou enehente), respectivamentes 36 © Principios de Occanografia Fisica de Estudios poracao, sendo que, no seu interior, a agua do mar também é mensuravelmente diluida pela agua doce, Entretanto, 0 Baltico nao se enquadra na definigdo de estudio, pois sua escala espacial € muito grande ¢ seus limites geométricos tém pequena influéncia sobre a cinematica e a dindmica desse corpo de Agua (Pritchard, 1967). As baias, como a baia de Guanabara, podem, em determina- das épocas, exibir processos tipicos ¢ caracteristicos de estuarios mas esses ambientes sio muito complexes para serem classificados simplesmente como estutirios (Kjerfve et al, 1997). Rio Isohatinass — Mave bana Maré eheia a Figura 12 Diagrama enquemético de um estuitio, As ichaiinas mostram a estratiicugie korizootal da slinidade media entre os valores S= 1 e S = 85 Se mas proximidades do vio © na regio costes adjacent, respecivamente Como a definicao anterior abrange somente a regidio de influéncia da Agua do mar ou zona de mistura, Dionne (1963) sugerin a seguinte definicao, con- templando explicitamente trés setores ou zonas ao longo do estuario: Estudtio € uma reentrincia do mar, que atinge o vale de um rio até o limite de influéncia da maré, sendo geralmente subdividido em tés setores: a) estuirio inferior on marinho, com ligagao livre com o oceano aberto; b) estudrio médio, sujeito & inten sa mistura da agua do mar com a gua fluvial; ¢) um estudrio superior ou Muvial, carac terizado por agua doce mas sujeito 2 influéncia didria da maré. Sendo assim, o estudio foi considerado como um sistema constituide da regido onde ocorre a diluigéo da agua do mar e a parte do rio sujeita & oscila- ndo a clissica definicao de Pritchard (1955). Os limites entre cesses setores a0 longo do estuirio sio variaveis ¢ dependem da intensidade da descarga fluvial, das correntes de maré ¢ da influéncia do vento. Posteriormen- te, a0 discutir quantitativamente os varios métodos analiticos e semi-empiricos para determinar os coeficientes de disperséo longitudinal, Harleman (1971) do da maré, ampli considerou 0 estudio constituide por duas regides: a de intrusao da salinidade Introducdo ao Estudo dos Estudvios © 37 (0 estuario clissico ou o estuario médio das definigdes anteriores) ¢ a de maré do tio (ou estudrio superior da definigao acima) Considerando aspectos relacionados sedlwtntacio, um estuario foi redefinido para introduzir a importincia de processos gerados pelas ondas alrymple et at, 1992): Esudrio a parte voltada para o mar de um sistema de vales inundadlos, os quis recebem sedimentos de fontes Muviais © marinhas, contendo ficies influenciadas pela rocessos fhuvias. Considerase que o estusrio se estencle desde 0 limite jes de maré, até o limite ocednico das fcies costeiras na entrada maré, onda e interno das fa Com a intensificagao dos trabalhos cientificos nas tiltimas décadas, nas reas da Oceanografia Fisica, Ecologia ¢ Engenharia Hidraulica e Ambiental, sobre © comportamento dos estuirios visando 4 solucio de uma série de pro- blemas (construcdo portua Jangamento de efluentes domésticos ¢ industriais) que tendem a ocasionar 0 desequilibrio ccoldgico, pesquisadores verificaram que as definigdes ante , Navegacdo, recreacio, suprimento de 4gna doce, res poderiam ser generalizadas para abranger uma maior variedade de ambientes costeiros intimamente relacionados, como: bafas, enscadas e a regido costei- ra adjacente influenciada pela descarga das iguas de baixa salinidade. No Sumdrio ¢ Recomendactes do Geophysics Study Committee (1977), quando da revisio das caracteristicas geofisicas de um estuario, encontrase 0 termo zona estuarina para indicar nao somente o estudio das definicées anteriores, como também ou- tros ambientes costeiros de transigao, tais como baias, lagunas costeiras, canais, deltas, dreas inundadas pela maré e areas costciras entre marés, afetadas por diferentes regimes energéticos de descarga de Agua doce, marés, ventos e ondas. Portanto, reconliecemos que esse termo (zona estuarina) foi introduzido para indicar todos os ambientes costeiros de transi¢do, com maior ou menor influén- cia da descarga fluvial e da maré. Uma outra definicao foi apresentada por Kjerfve (1987), levagdo em conta Es (fatores no somente a génese geoldgica, mas também os processos re; climaticos, sedimentagao recente e forgantes sntes € so responsaveis pelo amplo espectro de carac- ‘imicas) que contribuem para a formacao desses am! teristicas geomorfologicas e fisiograficas encontradas na natureza, Nessas con- digées, um estudrio foi definido por: Estirio € um ambiente costeiro que apresenta conexio restrita com o oceano adjacente. Tal conexio permanece aberta pelo menos intermitentemente. Esse ambiente pode ser subdividido em és zonas distintas: Zona de Maré do Rio (ZR) — parte fuvial com salinidade praticamente igual a zero, mas ainda sujeita & influéncia da maré; Zona ie Mistura (ZM) — regiéo onde ocorre a mistura da Agua doce da drenagem con tinental com a agua do mar; 58 © Principios de Oceanografia Fisica de Estudtios Zona Costeira (ZC) ~ veyido costeira adjacente que se estende até a frente da pluma estuarina que delimita a Camada Limite Costeira (CLO). Comparando essa definicdo com as anteriores (Pritchard, 1955; Dionne, 1963) verifica-se que a ZR ea ZM correspondem aos setores denominados es tudrio fluvial € médio ou a0 estudrio da definicao clissica, respectivamente. A in- clusio da ZC procura enfatizar o fato de que € essa parte da plataforma conti- nental que est sob a influéncia direta da massa de gua estuarina. Na interface entre as massas de ‘gua costeira ¢ estuarina formam-se zonas frontais ¢ frentes cuja influén exemplos notaveis da concentracdo de poluentes na regio de convergéncia (Mann & Lazier, 1991) Para um ambiente simples, como 0 vale de um rio inundado pela maré (denominado também de canal estuarino}, as zonas ZR, ZM ¢ ZC esto esquema- ticamente mostradas na Figura 1.5. Essa secao pode ser considerada como repre- sobre a producao biolégica nao é bem compreendida, mas ha sentativa para a distribuicao longitudinal ¢ vertical médias da salinidade e da ve- locidade da corrente do estudrio esquematizado na Figura 1.2. Na ZRa salinidade € praticamente zero € © movimento € tnidirecional com sentido estudrio a c abaixo durante as marés de enchente e vazante, respectivamente; o limite inte- rior dessa zona, onde cessa a influéncia da maré, é denominada cadeceira a (Harleman, 1971). Na ZM ha uma acentuada variacdo longitudinal e vertical de salinidade, pois nessa parte do estudrio a figua do mar é diluida pela descarga fluvial e a configuracao das isohalinas tem a forma de cunha, denominada cunha salina, Na tran igo entre as zonas de mistura (2M) ¢ a regido costeira adjacente (ZC) esti localizada a entrada ou boca do estuario ¢ a partir dessa regio, na pla- taforma continental, observa-se a zona costcira (ZC) formada pela pluma estuarina que delimita-se na superficie com a massa de agua de origem oceani- ca por uma frente, Como se observa, a variagio longitudinal da salinidade aumenta € diminui cstaario abaixo ¢ acima nas camadas acima ¢ abaixo do gradiente ver- tical mais acentuado de salinidade, € a circulaco média ¢ bidirecional estudrio abaixo e acima nas camadas superficial e de fundo, respectivamente. Os limites entre as diferentes zonas indicadas na Figura 1.3 sio dinami- cos, apresentando variabilidade de posi¢io ao longo do estuario ¢ temporal em diferentes escalas: no decorrer do perfodo da maré, sazonal, anual ¢ de longo perfodo sempre buscando um equilibrio em resposta a intensidade das diferentes forcantes (descarga fluvial, altura da maré, vento ¢ circulagao da regio costeira adjacente) A definigao de Kjerfve (1987) envolve todos os segmentos do sistema € a zona costeira (ZC) que, em situagdes de grande descarga fluvial, pode apresentar estratificacio de salinidade semelhante a da ZM. Assim, como a ZG é uma parte do sistema estuarino, ela no pode ser tratada separadamente quando do estudo Introdupio ao Estado dos Estudrios © 39 oceanogralico ¢ ecol6gico. Por outro lado, a ZC é a regido do oceano que sofre 0 maior impacto da aio do homem e tem um comportamento hidrodinémico sin- dos mais gular, devido aos efeitos dinamicos de correntes costciras ¢ de onda diversos periodos, Os efeitos da vorticidade, da tensio de cisalhamento do vento (cuja intensidade pode ser preponderante sobre a componente longitudinal da forca de gradiente de pressio) ¢ 0 atrito interno e de fisndo séo também impor- tantes, contribuindo para um maior contraste entre a fisica da ZCe do restante da plataforma continental. Modelos conceituais simples da ZC foram desenvolvidos simultaneamente por Csanady (1977) e Garvine (1977). ze 2M, am Frente yma estvarina Canta sana Figura 1.8 Segio longitudinal de um sistema estuaring indicandor a8 xonas de Maré do Rio (ZR), de Mis tura (ZM) e a Costeira (ZG). Sio também aprerentucas as caracteristieas da estrutura vertical de salinidade © circulagio médias, Qe denora a descarga Musial ow vavie do Tio (adaptads Sitapson, 1997), A distribuicao das propriedades na ZM é decorrente dos processos de mistura de massas de Agua de caracteristicas distintas: a agua doce ¢ a do mar. De acordo com Garvine (197), cada uma dessas massas de agua deve ser con- siderada como reseruatérie, ou seja, as propriedades fisicas (concentragao de calor € de sal) devem apresentar uma variagdio temporal lenta, quando comparadas as variaedes que ocorrem na ZM. Assim, a Agua da regio oceani deve ser considerada como um corpo de agua com temperatura e salinidade homogéneas, porém passiveis de uma variacio sazonal lenta, Na cabeceira do a adjacente estuario a ZR deye ser considerada como um reservatério de salinidade zero, porém a sua temperatura pode apresentar variago sazonal. Além da variabilidade dindmica das interfaces dos varios segmentos que compéem o sistema estuarino (ZR, ZM ¢ ZC), essas zonas podem nao ocor- rer simultaneamente sob condicées climaticas extremas. Nos sistemas estuarinos localizadas em regides aridas e com pequena amplitude de maré, a ZR pode existir em certas épocas do ano, Um outro exemplo extremo pode ocom 40 © Principios de Oceanogrofia Fisica de Bstudrias rer em épocas de grande descarga de agua doce quando a ZM pode ser advectada da regio semifechada para a zona costeira e, temporariamente, os processos de mistura da 4gua doce com a agua do mar passam a ocorrer na ZC (Kjerive, 1987). Salinidade na superficie ) ©) Profundidade (m9) bo 250 Distinea (km) Figura 14 Extensio parent da plum estatina do Rio Amazonas dentiicada pela disribuigao da sainidade ina superficie (a) € & cunha salina na pltaforma interna (b). Resulados do experimento realizae tlo em fevereiro-marco de 1990 durante © projeto A Muliducplinay Amazon Self Sfinent Sty {de acordo com Geyer etal, 1981), ‘A extensio horizontal no oceano da influéncia da descarga do rio, deno- minada por Garvine & Monk (1974) de pluma estuarina, depende da intensida- Introduydo ao Estudos das Bstuérios © 41 de do fluxo de agua doce ¢ da circulacio da regio costeira, Um caso espetacue lar de ocorréncia desse fendmeno é a descarga fluvial do rio Amazonas, a maior fonte pontual de agua doce existente nos oceanos. Sua descarga média foi esti- mada em 1,8 x 10° m® s"l, representa 20% de toda gua de origem continental descarregada nos oceanos. A pluma estuarina, com um percentual relativamen- te alto de gua de origem fluvial, estende-se para alto mar ¢ para noroeste ao Jongo da costa, e sua influéncia pode ser identificada no oceano Atlantico Nor- te por alguns milhares de quilémetros quadrados. £ a mi estuarina iclentificdvel no oceano, principalmente durante periodos de grande extensa pluma descarga de agua doce, dominando a hidrografia da plataforma continental Amazonica (Curtin, 1986; Curtin & Legeckis, 1986; Geyer et al, 1991). Esse fe- hmeno provoca o deslocamento da ZM do interior do estuario para a platafor- ma continental ¢ a mistura da agua fluvial com a massa de agua oceanica de alta salinidade ocorre na ZG (Figura 14a, 1.4b), Diretamente ao largo da costa, em frente A boca do estudrio, a estrutura vertical da salinidade é muito parecida com ade uma cunha salina, Nessas figuras observa-se que a regio de baixa salinidade ($< 10), normalmente encontrada no interior de estuarios earacterizando a ZM, est localizada na plataforma continental interna A importancia da aco quase permanente dos ventos aliseos, da maré ¢ da anisotropia do atrito de fundo sobre o comportamento dinamico da phima estuarina da circnlagio da plataforma continental Amazénica, foi estudada por Fontes (2000), que utilizou um modelo numérico tridimensional. Estudos ahordando 0 estuario como um sistema estuarino, com amostra- gens simultaneas na ZC, ZM ¢ ZC interrelacionando suas caracteristicas hidro- grificas ¢ hidrodinamicas, biolégicas, quimicas e gcol6gicas nao sio comuns, por exigirem um grande esforco experimental c logistico, Entretanto, encontramos na literatura regional o trabalho de Schettini ef al. (1998), no qual foram estu- dados aspectos ecolégicos simulténcos da zona de mistura ¢ da pluma estuarina do rio Itajar-agu durante o periodo de grande descarga fluvial. Nesse trabalho, na interdisciplinar para avaliar a a westigacdo dessas zonas foi realizada de for influéncia da pluma estuarina na regido costeira adjacente. Os resultados mos traram que a ¢levada estratificagao vertical na ZM ndo permitiu a mistura no interior do estudio da agua de origem fluvial, com alta concentracdo de nutrien- tes, com a massa de agua da cunha salina. Em conseqiiéncia, os processos biogeoquimicos ocorreram principalmente sobre a plataforma continental, imediatamente apés a formacio da phuma que estendeuse até cerca de 10 km a0 largo da boca do estuario. Outras definicdes foram recentemente apresentadas, enfatizando a nate reza ccolégica desses ambientes costeiros, dentre as quais pode-se mencionar (Perillo, 1995) 42 © Principios de Occanografia Fisica de Bstudrios Estuario é um corpo de Jigua costeiro semifechado, estendendo-se até o limite efetivo da influéncia da maré, Dentro dele a agua do mar, ou de qualquer outro corpo costeito salino de Agua entrance por uma ou mais conexdes com @ oceano aberto, € dituida significativamente com a égua fluvial proveniente da drenagem continental, podendo sustentar espécies biolbgicas eurihalinas durante uma parte ou por todo 0 set ciclo de vida. elmente a Para encerrar 0 conjunto de definicées apresentadas, po: definigao mais satisfat6ria poderia ser obtida com a seguinte adaptagao da clis- sica definigio de Pritchard (Dyer, 1997 Estuirio € um corpo de agua costeiro semifechado com ligagio liste com o oceano aberto, estendendose rio acima até o limite da influéncia da maré, sendo que em seu interior @ égua do mar é mensuravelmente diluida pela agua doce oriunda da drenagem continental De acordo com essa defini¢ao, o esturirio se compde das zonas de mistu- rae de maré do rio. Ao examinarmos 0 mapa do litoral de uma determinada regio, verifica- mos que a configuracio geomorfolégica dos estudrios pode ser bem mais com- plexa do que a apresentada na Figura 1.2. Esses ambientes podem se compor de uma rede fluvial com descarga em diferentes pontos da regitio semifechada, inclusive nas proximidades da entrada, ¢ 0 estwirio passa a ter miltiplas cabe- ceiras ¢ eventualmente varias ligagdes com 0 oceano adjacente. Os ries que formam esses ambientes podem apresentar a distribuicao de propriedades ¢ um comportamento hidrodinamico semelhante aquele dos estudrios, constituindo subsistemas estuarinos. Esses ambientes sao referidos tradicionalmente na lite- ratura com 0 termo sistema estuarino, como no trabalho de Pritchard (1952a) ao publicar resultados pioneiros de caracteristicas oceanograficas do complexo sistema da B: de Chesapeake, localizada na costa leste dos Estados Unidos. Na literatura regional brasileira também encontramos os termos sistema (ou. complexo) estuarino-lagunar, para indicar ambientes costeiros amplos de planicie costeira que se compdem de uma rede de canais interligados entre si e com 0 oceano, recebendo descarga fluvial de numerosas Fontes. Essa designagao tem sido amplamente utilizada quando do estudo das caracteristicas oceanograficas ¢ ecolégicas da regido sudeste brasileira, como o Sistema EstuarinoJagunar de Aguape, que é uma Arca de Protecio Ambiental (APA), ¢ 0 Sistema Estuarino de Santos, ambos localizados no litoral do Estado de Sido Paulo (Besnard, 1950; Tundisi, 1969; Miyao, 1977; Tommasi, 1979; Miyao et al., 198 Tessier, 1982; Schaeffer-Novelli ef al., 1990; Tessler & Souza, 1998; dentre outros). © sistema de Cananéia-Iguape interliga-se com 0 oceano principalmente por meio das barras de Cananéia ¢ Jeapara, ¢ o de Santos pela bafa de Santos ¢ 0 canal de Bertioga (Figura 1.5). Cananéia Untrodueao ao Estudo dos Estuivios * 43 Anomenclatura dos estisirios ¢ ambientes costeiros sera complementada quando do estudo dos critérios de sua classificacao, de acordo com caracteristicas geomorfol6gicas, Em seguida, apresentaremos uma descricao sucinta de proces- sos costeiros ¢ estuarinos que influenciam a dindmica desses ambientes marinhos. = : r _ Figura 15. O Sistema Estuurinotagunar de Cananéialguape (Area de Protegio Ambieial) ¢ o Sistema Exmarine de Santos no Thora) sul do Estado de S30 Pata, Na ZR 0s movimentos séo unidirecionais (rio abaixo ou acima) e a agua dessa zona € integralmente de origem fluvial. Na transi¢fo entre a ZR ea ZM, existe uma regiao onde a velocidade resultante de movimentos convergentes é praticamente nula. Como a concentragio de sedimentos em suspensio de ori- gem fluvial ¢ marinha é alta nessa regido de transigao, forma-se a chamada zona de méxima turbidee, Devido ao processo de sedimentacio, materiais de origem mineral ¢ orginica acumulam-se sobre o fundo submarino, podendo ocasionar a médio e longo prazos obstaculos para a navegacio, Esse processo, gerado pelo transporte de secimentos pela circulagio estuarina, promove o aprisionamento dos mesmos no interior do estudrio, impedindo ou retardando a sua safda para 44 © Principios de Oceanograpta Fisica de Fstuérios a ZG (Figura 1.6). A localizagio dessa zona de turbidez varia de acordo com viirios fuores, entre eles a intensidade da descarga fluvial ¢ a altura da maré. Detalhes adicionais podem ser obtides em Postma (1980). A ocorréncia de recifes na zona costeira, obscrvada ao longo do litoral nordeste brasileiro, pode representar um obstaeulo para as trocas de agua entre © estuario e a regiao costeira. O transporte litordinco gerado pela arrebentacao das ondas pode acunmular sedimentos na entrada de estuirios ¢ lagunas costei- 12s, inibindo as trocas entre a ZM c a ZC. O efeito oposto desse transporte, ou seja, 0 proceso crosivo, também pode ocorrer na entrada de estwirios, alteran- do as suas caracteristicas geomorfolégicas. Os componentes mais cnergéticos das correntes na ZC sio gerados pelo vento € pela maré; as correntes de maré tém, em geral, como principal componente de alta freqiiéncia aquela orientada ortogonalmente ao litoral. Limite do efit da mare so acima feabeccia} Rio Zona de snare da vo (sel) Inotalina (Se (579) ona do asia ‘e rbidee vf 1 Gorgbmtes eostira i fo rene te pha t Dette | ona ce stars oie mae 8 vyvyyuy yy ' vv Reciter —/ oe oe ww Figura 1.6. Delimieagio funcional de um sistema estuarine, Caracterstieas geomorfol6gicas © processos nas IR, ZM e ZC. Introducio ao Estudo dos Estuirios © 45 14 POLITICAS E ACOES PARA A PRESERVACAO DOS ESTUARIOS Aié.a metade do século passado, as alteragées nas bacias hidrogrificas que alimentavam os estuirios com agua doce foram pequenas, ¢ os efluentes das cidades langados nesses corpos de agua eram adequadamente diluidos ¢ reno- vados, com impactos praticamente despreziveis sobre os ecossistemas. Entretanto, com 0 crescente aumento das populagées das cidades, a expansio da agricultue ra. a revolucdo industrial, as obras portudrias ¢ canais de navegacao, a quanti- dade e a diversidade de sedimentos ¢ resfduos domésticos ¢ industrials passa- ram a ser cada vez maiores, ameacando as caracteristicas naturais dos estudrios Sendo assim, as atividades humanas diretas ou remotas ocasionaram variagées com diferentes graus de impacto, sendo as causas potenciais da degradagio ambiental dos estudrios. ‘Tal como em outros paises, hé atualmente no Brasil uma crescente preo- cupagio pela implantacio de politicas ¢ agdes que possibilitem o desenvolvi- mento sustentavel das regides costeiras em geral e, em particular, dos sistemas estuarinos, Os estudos pioneiros para a protegio dos estuarios e regides costei- ras foram iniciados, em 1870, quando pesquisadores escandinavos realizaram trabalhos cientificos em fiordes. De acordo com Tommasi (1994), no artigo Publicado por E. Goadoy na Revista Nature em 1870, esse pesquisador a necessidade de estudos sobre impactos ambientais para a construcdo de gran- des canais maritimos, Durante décadas, os estudrios foram ¢ continuam sendo regides de contli- tos € temas de debates politicos, geralmente envolvendo interesses industriais € previa comerciais. Nos Estados Unidos, a questo da jurisdi¢o entre os governos muicipal, estadual ¢ federal sempre foi um problema permanente. Somente em 1968 surgiu 0 Decreto de Protecao ao Estuivio, porém com sérias limitagdes sobre o real controle de seu uso (Sewell, 1978) Em 1969, foi criada nos EUA uma legislacao ambiental que culminou com a implantacao do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) a partir de 1? de janeiro de 1970. A seguir, cm 1972, apelos subseqitentes do Ministério do Interior pro- duziram a Lei Federal de Controle das Zonas Litoraneas, que concedeu foros de planejamento aos Estados ¢ exigit que acdes federal consistentes com os programas estaduais aprovados. Esse sistema nasceu para solucionar os conffitos que surgiram entre manter um ambiente saudavel e tipo de desenvolvimento desejado. Entretanto, existe um consenso geral entre os observadores politicos de que o problema bisico é a falta do apoio ptiblico para um sistema de controle dos estudrios. Muitas caracteristicas dos estuarios que necessitam de protecdo nio afe- nas areas costeiras fossem tam imediatamente seu aspecto estético, os organismos marinhos ¢ o bemestar

También podría gustarte