Reflexões sobre as alterações propostas para a legislação florestal
brasileira: Ciência, política e meio ambiente
assegurar o bem estar de populações
humanas. Gabriele Souza Valadão Outra terminologia importante As florestas e as demais que tem sua origem antes mesmo da formações vegetais são bens de elaboração do código e teve sua interesse comum a todos os função modificada pelo mesmo é a habitantes do país, devendo o direito Reserva legal. Que de acordo com a de propriedade ser exercido com as legislação florestal vigente é a área limitações estabelecidas em lei (artigo localizada no interior de uma 10, Código Florestal Brasileiro, 1965). propriedade ou posse rural, excetuada Mas a questão é: os cidadãos a de preservação permanente, conhecem as leis? Sabem por que elas necessária ao uso sustentável dos existem? recursos naturais, à conservação e Ainda obscura para grande reabilitação dos processos ecológicos parte da população brasileira a à conservação da biodiversidade e ao legislação florestal tem suscitado abrigo e proteção de fauna e flora discussões devido à proposta de nativas. revisão recentemente apresentada O projeto de lei supracitado, nº pela bancada ruralista, tendo como 1.876 de 1999 e apensos (4524/2004, redator o deputado federal Aldo 4091/2008, 4395/2008, 4619/2009, Rebelo (PC do B). No entanto para 5226/2009, 5367/2009, 5898/2009, elucidar quais as alterações mais 6238/2009, 6313/2009, 6732/2010) polêmicas e alguns dos argumentos propõe várias modificações contudo as científicos e políticos levantados, mais radicais dizem respeito às APP’s conceitos básicos devem ser e à Reserva Legal. esclarecidos. Uma das alterações foi a criação Primeiramente o que são áreas de uma nova largura mínima de de preservação permanente e qual sua proteção para matas ciliares (APP’s) , função? Segundo o artigo 10 parágrafo 15m ao invés dos 30 m estabelecidos 20 do Código Florestal APP’s são áreas pela lei atual. O argumento contrário cobertas ou não por vegetação nativa, levantado pelos cientistas é de que com a função ambiental de preservar dado o caráter multifuncional das os recursos hídricos, a paisagem, a áreas de preservação permanente os estabilidade geológica, a critérios usados para delimitá-la biodiversidade, o fluxo gênico de devem basear-se na função mais fauna e flora, proteger o solo e exigente, a fim de que todas sejam contempladas, sendo esta a parâmetros ecológicos disponíveis presevação da biodiversidade. hoje para estabelecer as porcentagens Segundo Metzger (2010) mínimas de hábitat necessária para mesmo a largura mínima estabelecida preservação da biodiversidade (e.g. pelo código em vigor não é suficiente limiares de percolação e para conservar efetivamente a fragmentação) a área da RL realmente biodiversidade, tendo capacidade de poderia ser reduzida no bioma preservar apenas 60% das espécies. A amazônico, contudo preferencialmente largura mínima necessária seria de para 60% e não 50% e mantida nas 50m formando um corredor ecológico demais regiões. de 100m, minimizando o efeito de Propõe, ainda, que as áreas de borda. preservação permanente possam ser Corredores ecológicos são de computadas para efeito do cálculo do extrema importância para conservação percentual da reserva legal quando a de fauna e flora em paisagens soma das áreas de APP e reserva legal fragmentadas, como exceder a 25% em pequenas as existentes hoje propriedades e 50% devido às intensas nos demais casos. “Segundo Metzger (2010) Contudo devido às ações antrópicas, pois mesmo a largura mínima permitem o fluxo de suas características estabelecida pelo código em geológicas, climáticas espécies que não vigor não é suficiente para conseguem usar áreas e à sua dinâmica conservar efetivamente a hidromorfológica abertas e alteradas biodiversidade” pelo homem. ímpares, a APP possui Entretanto a largura uma composição de destes corredores é um fator limitante espécies muito para sua funcionalidade devido ao distinta da RL e, portanto não efeito de borda, que é causado pela preserva a mesma diversidade, sendo influência das perturbações externas crucial para uma estratégia eficiente (como por exemplo excesso de luz, de conservação reconhecer essa vento ou até mesmo queimadas) heterogeneidade. sobre o hábitat limitando o n0 de Não obstante, permite a espécies capazes de sobreviver neste. recomposição da reserva legal por O projeto prevê também a meio do plantio de espécies arbóreas redução da área da reserva legal de exóticas, intercaladas com espécies 80% para 50% no bioma amazônico e arbóreas nativas de ocorrência de 35% para 25% no bioma cerrado, regional. O que de acordo com a base circunscritos na Amazônia Legal e científica existente hoje seria manutenção dos 20 % previamente aconselhável apenas em regiões onde estabelecidos nas demais regiões. a paisagem ainda apresenta boa parte Neste caso empregando-se cobertura florestal nativa, visto que esta área necessita de uma fonte causando um grande prejuízo externa de espécies para manter sua econômico ao país. diversidade. Ou seja, seria uma boa alternativa para o bioma amazônico, Entretanto o código foi contudo seria temerária para a Mata modificado ao longo dos anos a fim de Atlântica. adequá-lo aos avanços científicos feitos na área de ecologia para No entanto se há uma base compreensão da dinâmica da científica consistente para os paisagem e das comunidades, logo parâmetros estabelecidos pela não foram mudanças displicentes ou legislação florestal quais as razões desnecessárias. existentes para propor mudanças? Além disso, analisando-se a Alguns dos argumentos estrutura fundiária brasileira podemos levantados pela bancada ruralista são: observar que historicamente a que o atual código põe a maior parte agricultura se desenvolveu em (92,6% do universo de 5,2 milhões) grandes extensões territoriais e que dos agricultores na ilegalidade, até hoje a concentração de terras é tornando-se um muito intensa, 63,5% entrave para da área total do país agricultura e esta nas mãos de “63,5% da área total do país esta conseqüentemente apenas 7,5 % dos nas mãos de apenas 7,5 % dos para o proprietários rurais, proprietários rurais” desenvolvimento do em contrapartida os país; que este foi pequenos produtores inadequadamente alterado por que perfazem 92,6 % dos imóveis decretos, portarias, resoluções, existentes, detêm apenas 28,4 % da instruções normativas e medidas área ocupada pela agricultura provisórias que descaracterizam o (Apuração Especial do SNCR – INCRA, código original; que os pequenos e 2003). Portanto a maior parte das médios proprietários praticantes de áreas a serem preservadas e uma agricultura quase de subsistência revegetadas, em cumprimento das leis seriam os principais prejudicados, do código florestal, são de tendo em vista a baixa lucratividade responsabilidade dos grandes da atividade econômica que latifundiários e não de pequenos e desempenham, causando um grande médios proprietários dependentes da problema social já que estes detêm agricultura familiar (Anexo). quatro milhões das 5, 2milhões de propriedades rurais existentes no país Outro fator de grande e que para os grandes produtores a importância é: O Brasil realmente legislação funcionaria como uma carga precisa desmatar para expandir sua tributária extra diminuindo sua agricultura e tornar-se mais competitividade no mercado, competitivo no mercado internacional? Segundo Sparovek (2010) a resposta benefícios, principalmente para os é simplesmente não. Realmente o países subdesenvolvidos. aumento da produção agrícola demandará novas áreas, visto que a Sustenta ainda que os países maior parte da agricultura realizada desenvolvidos não assumem no país já é intensiva, contudo essas compromissos no sentido de mudar áreas não precisam vir das áreas de sua economia extremamente vegetação nativa. poluidora, mas propõem, através de suas organizações não As áreas de média ou elevada governamentais instaladas nos países aptidão agrícola que estão sob subdesenvolvidos , limitar o acesso vegetação nativa é pequena se aos recursos naturais nesses países. comparada à ocupada pela pecuária Tornando-se assim obstáculo para a extensiva (32 Mha) ou às que já foram expansão agrícola necessária para o abertas (29 Mha). O uso dessa imensa crescimento da economia desses extensão territorial atualmente países. subutilizada, visto que já dispomos de Contudo essa tecnologia acessível “O Brasil realmente precisa posição tomada pela para intensificação da desmatar para expandir sua bancada ruralista vai pecuária, permitiria agricultura e tornar-se mais frontalmente contra o que a produção competitivo no mercado ousado compromisso praticamente internacional? Segundo internacional de dobrasse sem nenhum Sparovek (2010) a resposta é redução nas emissões desmatamento. simplesmente não” de carbono (de 2,7 Gt de CO2, para 1 Gt) No que diz assumido em 2009 respeito à crescente preocupação pelo Brasil durante a conferência de mundial com as questões ambientais Copenhague. Principalmente se devido à hipótese do aquecimento consideramos que a maior parte das global decorrente das predatórias emissões brasileiras são provenientes ações antrópicas, a comissão que da destruição da cobertura vegetação elaborou as modificações no código (Abramovay, 2010) e que as sustenta que diante da incerteza das alterações propostas para o atual previsões científicas a respeito do código legitimariam o desmatamento “colapso” ambiental que acometeria o de grandes áreas aumentando planeta, conter a destruição dos consideravelmente a quantidade de ecossistemas florestais em detrimento carbono emitida. de expandir a área agrícola e suscitar o desenvolvimento econômico traria Muitas são as questões que custos sociais e econômicos permeiam a discussão sobre a desproporcionais aos possíveis legislação florestal brasileira, o que torna o assunto nada trivial e sua compreensão extremamente difícil. 6.938, de 31 de agosto de 1981, Contudo como cidadãos no real 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e sentido da palavra precisamos nos 11.428, de 22 de dezembro de 2006; comprometer com os assuntos que revoga as Leis nº 4.771, de 15 de dizem respeito ao nosso país e não setembro de 1965, e nº 7.754, de 14 podemos deixar apenas a cargo dos de abril de 1989, e dá outras especialistas a defesa dos nossos providências. direitos e ideais. Sendo assim, mesmo não possuindo capacitação técnica 3. GANEM, R. S.; TORRES, S. V. A.; para fundamentar uma opinião sólida 2006. Florestas conflitos entre a podemos e devemos questionar quais legislação federal e a legislação são os argumentos levantados por estadual- Análise sucinta. ambos os lados, afinal somos nós os Seminário sobre legislação principais afetados pelas decisões concorrente em meio ambiente. tomadas por eles. 4. GIRARDI, E. P.; Atlas da questão agrária Referências Bibliográficas: brasileira.http://www4.fct.unesp.br/ nera/atlas/estrutura_fundiaria.htm. Acessado em 10/12/2010.
Desenvolvimento sustentável: O código florestal ao arrepio da qual a estratégia para o Brasil? ciência. Unespciência Novos estudos 87, p. 97-113. 6. METZGER, J. P.; 2010. O Código 2. BRASIL; Projeto de lei nº 1.876, Florestal tem base científica? de 1999(apensos os projetos de lei Conservação e Natureza, 8:1 4524/2004, 4091/2008, 4395/2008, 4619/2009, 5226/2009, 5367/2009, 7. NERA; Grupo de Estudos e 5898/2009, 6238/2009, 6313/2009, pesquisas em Reforma Agrária. 6732/2010). Dispõe sobre a proteção http://www4.fct.unesp.br/nera/boleti da vegetação nativa, altera as Leis nº m.php
8. SPAROVEK, G.; 2010.
Considerações sobre o Código Florestal brasileiro. Dados não publicados.
9. VIOLA E.; 2002. O regime
internacional de mudança climática e o Brasil. Revista brasileira de ciências sociais 17: 50 Anexo: