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SAL oa) ES Tea te TR ap EAS ATI) NUTS SERGIO AMADEU DA SILVEIRA (ORG.) NERO ECR cul eee aie ue eu rR Cll el Cee CEN ACU oe eT waa UCM Tce OGL Coe Mott} EYE UCU Pere Tee ELC Reece eee) Lele econémicas, politicas e culturais do alan fetes CeCe Cm RL ete CME cere co calcado fundamentalmente na tC em em LS CN Re Ce et DR Pee ELE eC Ree em Cru tly aCe mel roe ou seja, em processos de comunica- go e controle, ferramentas funda- mentais para o desenvolvimento daquilo que se tem denominado de CeO MDL uC CL do, principalmente, na coleta, no PCC OR AE RCT Cee Oem Pet AC LL vremente em redes dispersas e dis- RUC eee ue CU ee letados constantemente e utilizados Ree uae eee a em grande parte, fora de qualquer PEC TCR TOR PCR CUT Cokes lo felt RCSA) SC ORR A SOCIEDADE DE CONTROLE Manipulacdo e modulagao nas redes digitais edigdo brasileira® Hedra 2018 } organizacdo® Joyce Souza, Rodolfo Avelino e Sérgio Amadeu da Silveira i) primeira edigdo Primeira edigao edigdo Jorge Sallum coedico Felipe Musetti assisténcia editorial Luca Jinkings e Paulo Henrique Pompermaier capa Ronaldo Alves compo editorial Adano Scatoin, A SOCIEDADE DE CONTROLE Antonio Valverde, A ~ ~ an Caio Gagliardi, Manipulacdo e modulagdo nas redes digitais Jorge Sallum, Oliver Tolle, eee ate Joyce Souza, Rodolfo Avelino e Sérgio Amadeu da Silveira Ricardo Valle, 1 a Silvio. Rosa Filho, (organizagéo) ‘Tales Ab’Saber, ‘Tamis Parron Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrdfico da Lingua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasit desde 2003. 1 edigio Direitos reservados em lingua ‘portuguesa somente para o Brasil r 4 EDITORA HEDRA LTDA. R, Fradique Coutinho, 1139 (subsolo) 0416-011 Sio Paulo sp Brasil hed: ‘Telefone/Fax 455 11 3097 8304 eara editora@hedra.com.br worwchedra.com.br L 4 Foi feito 0 depésito legal. Sao Paulo_2018 Sumario Introducdo... ee eee hae been eee eee 9 Modulacao deleuzeana, modulagao algoritmicae manipulacao mididtica, .. kee eee seeeeee B Anocado de modulaco e os sistemas algoritmicos . . A modulagao de comportamento nas plataformas de midias SOCIAIS. 6. eee eee eee eee eee saneeeee A Aprendizado de maquina e modulacdo do comportamento humano .. : beeen 71 Da biopolitica & modulaga psicologia social e 2 algoritmos como agentes da assimilagio neoliberal........ ween ee 105 Os individuos tornam-se ‘dividuais’, divisiveis, e as massas tornaramyse amostras, dados, mercados ou “bancos’ (Deleuze, Post-scriptum sobre as sociedades de controle) Sublinhou-se recentemente a que ponto o exercicio do poder moderno nfo se reduzia a alternativa classica “repressdo ou ideologia”, mas implicava processos de normalizacio, de modulacao, de modelizagio, de informagio, que se apdiam na linguagem, na percepcio, no desejo, no movimento, etc., e que passam por microagenciamentos. (Gilles Deleuze; Félix Guattari, Mil platés - capitalismo e esquizofrenia, vol. 5) A expresso e a efetuacio dos mundos e das subjetividades neles inseridas, a criacio e realizacao do sensivel (desejos, crengas, inteligéncias) antecedem a producio econémica. A guerra econémica travada em um nfvel planetario é assim uma guerra estética, sob varios aspectos. (Lazzarato, As Revolugées do Capitalismo) Introducgao Este livro traz reflexdes sobre o conceito de modulacao. Re- tirado do universo deleuzeano, a perspectiva da modulacao esta longe da maturidade e de uma aplicacdo consensual. Foi em busca de uma definicao mais precisa, operacional e con- sistente que surgiu a ideia desta publicacao. As pesquisado- ras e pesquisadores aqui reunidos tentam explorar as possi- bilidades da modulacao em suas pesquisas. Assim, apresen- tam pontos de vista sobre o conceito em construcdo, nem sempre em uma mesma direc4o, muitas vezes em sentidos opostos. Mas, a motivacdo é trazer o debate, a dtividae a polémica, ao invés de mostrar apenas os pontos de concor- dancia. Nas sociedades de controle, conectadas por tecnologias cibernéticas, principalmente pelas redes digitais, emergi- ram as plataformas de relacionamento online como inter- medidrias de uma série de interesses, afetos e desejos das pessoas. A modulacdo pode ser apresentada como uma das principais operagdes que ocorrem nestas plataformas. Mo- dular comportamentos e opinides é conduzi-los conforme os caminhos oferecidos pelos dispositivos algoritmicos que gerenciam os interesses de influenciadores e influenciados. Atualmente, grandes corporacées, como o Google, Face- book, Amazon, Apple, entre outras, concentram as atencdes e os fluxos de informacao nas redes digitais. Para vencer a concorréncia, coletam permanentemente dados de seus usudrios, tragam seus perfis e tentam manté-los fiéis e atuan- tes em suas plataformas de interacao. Para algumas pesqui- sadoras e pesquisadores, somos colocados persistentemente em bolhas com pessoas que pensam e agem de modo seme- Ihante aos nossos. Para outros analistas, participamos de diversas amostras que sdo vendidas para anunciantes que querem conduzir nossas op¢des de compra e nosso modo de vida. Maurizio Lazzarato escreveu no livro As Revolugées do Capitalismo que “a empresa nao cria o objeto (a mercadoria), mas o mundo onde este objeto existe.” A modulac4o parece ser uma descrigaéo adequada para um conjunto de procedimentos realizados nas plataformas digitais. Para modular opiniées, gostos e incentivar tendén- cias € preciso conhecer muito bem aquelas pessoas que serao moduladas. Mas, nao é possivel compreender as técnicas de modulacao com o simplismo das velhas teorias de manipu- lacéo. Modulacéo é um conceito bem diferente do de mani- pulacao. Os capitulos desse livro exploram aspectos distintos da complexidade que pode adquirir 0 conceito de modulacao. No primeiro capitulo, 0 pesquisador Jodo Cassino parte da perspectiva do filésofo Gilles Deleuze para mostrar a cons- tituigéo do conceito de modulacio diferenciando-o dos pro- cessos de manipulacdo e indicando o papel dos algoritmos nessa jornada. No segundo capitulo, o professor Sérgio Ama- deu da Silveira vai descortinar o papel dos algoritmos para conduzir os olhares e a percepcao nas redes de relaciona- mento online. No terceiro capitulo, a pesquisadora Débora Machado problematiza o poder modulador das plataformas e suas possibilidades de alterar comportamentos. 10 Tratando de definir de modo rigoroso a inteligéncia ar- tificial e o aprendizado de maquina, a pesquisadora Carla Oliveira mostra, no capitulo 4, como os algoritmos prediti- vos estado sendo empregados nesse cendrio de modulacio. Ja, Cinthia Monteiro, no capitulo 5, produz uma reflexdo sobre a relacdo entre as praticas de modulagdo, a biopolitica e a atual ordem neoliberal que domina o sistema econémico e social. No capitulo 6, a pesquisadora Mariella Mian busca mostrar o papel da resisténcia nas sociedades de controle. Mesmo diante de dindmicas de modulacao, diversas resis- téncias se afirmam e se multiplicam em um confronto con- tinuo. As reflexGes iniciais e exploratérias presentes nessa cole- tanea sao possiveis porque a universidade ptiblica assegura condig6es para pesquisa sem restrig6es politicas, culturais ou econémicas. Especificamente, agradecemos e reiteramos a importancia da Fapesp que financia uma pesquisa inter- disciplinar sobre a regulacdo algoritmica no setor ptiblico. Além disso, as bolsas da Capes apoiam pesquisadoras e pes- quisadores que podem se dedicar a atividade cientifica em nosso Pais. Enfim, consideramos que o avanco das ciéncias depende do compartilhamento e da colaboracao entre aque- les que buscam compreender a realidade. Por isso, um dos grupos de pesquisa do Laboratério de Tecnologias Livres (La- bLivre), da Universidade Federal do asc (UFABC), apresenta esse esforco inicial de sistematizar 0 debate sobre um con- ceito que acreditamos ser importante para analisar a comu- nicacdo e o processo politico nas redes digitais. Esperamos contar com sua leitura critica. Joyce Souza, Rodolfo Avelino e Sérgio Amadeu da Silveira (organizadores) n Modulacao deleuzeana, modulacao algoritmica e manipulacdo midiatica Joao Francisco Cassino “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” George Orwell, 1984 “Ja deixamos a era da disciplina para entrar no tempo do controle.” Maurizio Lazzarato, As Revolucées do Capitalismo Qual é a diferenca entre os conceitos de manipulacéo e de modulagéo? Este texto tem por objetivo propor uma visao de que os dois termos, apesar de muito préximos, sao diferen- tes e ndo devem ser utilizados para definir as mesmas coi- sas. Mais do que isso, sugere diferenciar modulagéo em duas partes: a classica modulagdo deleuzeana e a modulagdo algorit- mica. Como forma de exemplificar esta proposicio serao uti- lizados casos das midias tradicional, eletrénica e digital e também do marketing corporativo. Como contexto histérico, mostrar-se-d a transic&o da sociedade disciplinar, nascida nos séculos XVIII e xIx, para a sociedade de controle, tipica do fi- nal do século xx e deste inicio do século xxi, que surge com 13 as tecnologias de comunicacdéo em massa e, mais recente- mente, com 0 advento e popularizacao das tecnologias digi- tais em rede. O grafico 1 mostra o fluxo de pensamento a ser desenvolvido nesta abordagem. Sécs. XVIII e XIX - Revolucao Industrial Sociedade Coergao Fisica / Corpos dacels Disciplinar Introjecso comportamental ‘Modulagao Sociedade || modutacéo |[ao Econo [Manipulagao / Edicao] do Controle |] Deleuzeana |] Setting {|da AtencSoh Fpesanvolvimento de Soitiere ‘Sécs. XX € XXI- Comunicagéo em Massa Grdrico 1 — Fluxo de Desenvolvimento Tedrico. SOCIEDADE DISCIPLINAR E SOCIEDADE DO CONTROLE Decorrente do pensamento de Michel Foucault (1989), a Sociedade disciplinar se caracteriza quando, com a funcdo de docilizar comportamentos, 0 poder passa a ser aplicado sobre os corpos dos individuos, inclusive pela coer¢do fisica. A ins- trumentalizacao das disciplinas precisa da existéncia de ins- tituig6es disciplinares, todas criadas, da forma mais ou me- nos como as conhecemos hoje, em meados do século xvi, para suprir as necessidades que surgem com a Revolucio In- dustrial, com o éxodo do rural para o urbano e com a apa- rigdo do operdrio fabril. Sio dessa mesma €poca as escolas, os hospitais, as casas de loucos (manic6mios) e a prisdo pan- -6ptica de Jeremy Benthan - instituicdes que teriam por fun- ¢&o docilizar e vigiar as pessoas adequando-as as necessida- des do novo modelo capitalista emergente. Aqui hd sempre uma autoridade presente, que ensina, comanda e diz o que fazer: o professor, o médico, o psiquiatra, o carcereiro. As instituic6es feitas para disciplinar os seres humanos tém por derradeiro objetivo introjetar o comportamento dentro de cada 14 pessoa, criando hdbitos, impondo uma cultura que, mesmo na auséncia da vigilancia da autoridade, garanta que o agir € 0 pensar sigam as normas previamente ditadas. Jaa sociedade de controle, como explica Lazzarato: exerce seu poder gracas as tecnologias de ago a distancia da ima- gem, do som e das informacées, que funcionam como mdquinas de modular e cristalizar as ondas, as vibragées eletromagnéticas (radio, televis4o), ou mdquinas de modular e cristalizar pacotes de bits (...) (2006, p. 85). A modulagéo, portanto, tem por poder modular, cristali- zat, uma determinada subjetividade desejada na memoria, no cérebro das pessoas. Se as disciplinas moldavam os corpos ao constituir hdbitos, prin- cipalmente na meméria corporal, as sociedades de controle modu- lam os cérebros, constituindo habitos sobretudo na meméria men- tal (LAZZARATO, 2006, p. 86). Em sintese, a sociedade disciplinar precisa da acao da auto- ridade sobre os corpos, até mesmo da punicdo fisica, para a introjecéo comportamental. Ja a sociedade de controle é mais sutil, ocorre 4 distancia, penetrando os cérebros e forjando as mentes com seus mecanismos de influéncia. Portando, o conceito de modulacdo, criado pelo filésofo francés Gilles De- leuze e amplamente utilizado pelo socidlogo Maurizio Laz- zarato, é a base da sociedade de controle. Manuel Castells (2017, p. 209) explica como funcionam os mecanismos de enquadramento da mente. Para ele, o processamento de informacées que relacionam o contetido eo formato da mensagem com molduras (frames) so ativa- dos por mensagens geradas na esfera da comunicacio. O poder de quem gera essas informac¢6es, no entanto, é limi- 15 tado por como as pessoas selecionam e interpretam essas informagGes. Citando a pesquisa Pew Global Attitudes Project, Castells ressalta que somente cerca de 7% das matérias pu- blicadas na midia nos Estados Unidos da América desperta- ram muita atencao dos telespectadores, a maioria delas é telativa 4 seguranca ou as violacdes de normas sociais. “O 6dio, a ansiedade, o medo e o grande entusiasmo sao parti- cularmente estimulantes e também sao retidos na memoria de longo prazo” (cASTELLS, 2017, p. 209), escreve. Quando mecanismos emocionais so estimulados, 0 cérebro ativa a capacidade de decisdo de nivel superior, buscando e dando mais atengao as informagées que recebe. E por isso que o enquadramento (framing) é baseado na provocacao de emo- G6es (ibid., p. 210). Como consequéncia, o jornalismo abusa do sensacionalismo e o marketing procura atingir os senti- mentos dos consumidores. Inclua-se na lista de Castells o elemento da erotizacio, fortemente presente nos contetidos midiaticos. AGENDA SETTING E ECONOMIA DA ATENGAO Para o enquadramento de mentes, uma das formas mais poderosas de influéncia da midia sobre seus consumidores € a técnica chamada de Agenda Setting. Como explica o pro- fessor Clévis de Barros Filho (1996, p. 28), o termo refere-se a hipotese na qual a agenda tematica dos meios de comuni- cacao impée os temas de discussao social. Se a midia tradi- cional veicula matérias sobre a Copa do Mundo de Futebol, por exemplo, espera-se que a sociedade, nos escritdrios, nas salas de aulas e nos bares, debatam também sobre a Copa do Mundo. Se o agendamento temiatico é a violéncia do trdfico de drogas, esta vira a pauta dos corredores, dos cafezinhos e 16 nos trens. Clévis de Barros lembra o slogan de uma extinta emissora de Tv: “Aconteceu Virou Manchete”. Logo, presume-se que se n4o virou manchete, nado aconteceu. A mesma légica pode se aplicar ao slogan “Globo e vocé, tudo a ver”. Hd aqui um duplo sentindo: pode significar conexio total com o teles- pectador, mas também que tudo o que hd para se ver, para se assistir, est4 na Globo (pelo menos o que hd de relevante). Esta constru¢do da realidade social operada pelos meios, por inter- médio de uma selegao e uma hierarquizacao arbitraria de eventos, produz efeitos: promove discussées sociais encapsuladas pela bar- reira do desconhecimento dos temas jogados no lixo das reuni6es de pauta dos jornais, ou dos que nem chegaram a ela (BARROS, 1996, p. 28). Os editores escolhem quais assuntos serio revelados ao ptiblico e quais seraéo completamente e deliberadamente ig- norados, geralmente sob a desculpa de falta de tempo (na TV e no radio) ou de falta de espaco em paginas impressas (em jornais e revistas). Mas os temas que sao de interesse comer- cial ou politico das emissoras ganham horas e horas e horas dedicadas na programacao. A modulacdo deleuzeana, base da sociedade de controle, que disputa os espacos nos cérebros das pessoas, usando para tal técnicas de enquadramento emocional (framing) e de impo- sicéo de temas na agenda de debates da vida cotidiana da sociedade (Agenda Setting) é tanto um recurso de poder poli- tico, social e ideolégico quanto um modelo de negécios al- tamente lucrativo que sustenta 0 enorme conglomerado de midia mundial. Em 1971, Herbert A. Simon afirmou que em um mundo repleto de informacées, surge um novo tipo de escassez: a atencgao do consumidor. “Portanto, uma grande quantidade 17 de informacées cria uma pobreza de atencdo e uma necessi- dade de alocar essa atencao eficientemente entre a supera- bundancia de fontes de informacao que poderiam consumi- -la”, escreve no texto Designing Organizations for an Information- -rich World (p. 40-41). Tal pensamento estimularia que varios pensadores, tais como Thomas H. Davenport e John C. Beck, passassem a utilizar o termo “Economia da Atencio” para Propagar como as organizacdes empresariais podem se be- neficiar do que eles chamam de uma “nova moeda para os negécios”. Entendem que os mercados hoje s4o “motores movidos pelo combustivel da atencfio”. A atencio é atual- mente para as empresas 0 que as fazendas e os campos fo- ram para as sociedades rurais, o que as fabricas foram para a Revolucao Industrial e o que o conhecimento é para a Era da Informacio. Mas agora, como os fluxos de informac6es desnecessdrias entopem os cérebros dos trabalhadores e das comunicacées corporativas, a atengdo é um recurso raro que verdadeiramente da poder a uma empresa (DAVENPORT; BECK, 2001, p. 17). Dizem ainda que a atengao é um recurso valioso que pre- cisa ser gerenciado como qualquer outro recurso precioso. Uma prova s&o as pesquisas chamadas Top of Mind, realiza- das anualmente, que no marketing empresarial sio usadas para qualificar quais séo as marcas mais populares nas men- tes dos consumidores. Por meio de entrevistas, pergunta- -se qual € 0 nome do primeiro sabao em pé que Ihe vem a cabeca, do primeiro refrigerante, do primeiro ténis, da primeira marca de produtos eletrénicos e assim por diante. Com isso, mede-se a eficiéncia e a eficdcia de uma campanha de publicidade. As marcas mais lembradas, mais cristaliza- das nos cérebros, séo as vencedoras desta competiciio em- 18 presarial. No Brasil, a pesquisa é realizada anualmente pelo Instituto DataFolha e resulta no prémio Folha Top of Mind. Em 2017, as marcas campeas foram, pela ordem, Omo (com 7% de mengées), Coca-Cola (4%), Nike (4%) e Samsung (4%). Por definicdo, a gestao de marketing tem por um de seus objetivos: criar ou identificar valor, produzindo inovagées estratégicas em produtos, processos e modelagem de negécios, a partir de um pro- fundo conhecimento do perfil e das demandas dos mais diferentes ptblicos e mercados (LIMA, M.; et al., 2007, p. 19, apud BRANSTAD e LUCIER, 2001). Essa descricdo vai ao encontro do que destaca Lazzarato (2006, p. 101), de que o Marketing tem como uma de suas fun- des ser capaz de criar mundos como uma das forcas de agen- ciamento de expresso. Mais do que isso, o marketing seria o centro estratégico das empresas, pois a pratica mercadolé- gica seria a de reduzir as possibilidades das criacdes e das es- colhas, com foco em forgar as op¢ées sob o jugo de decisées pré-definidas pelas corporac6es. Tais op¢ées sao limitadas, mas se mostram como liberdade de escolha aos comprado- res, mas a liberdade de escolher se resume ao que as empre- sas ofertam. As sociedades de controle caracterizam-se assim pela multiplicagao da oferta de ‘mundos’ (de consumo, de informacao, de trabalho, de lazer). Trata-se porém de mundos lisos, banais, formatados, porque sao mundos da maioria, vazios de toda singularidade (LAzZARATO, 2006, p. 101). Mas, pergunta Lazzarato (2006, p. 103), como o marketing pode produzir a mudanga na sensibilidade do consumidor e estimuld-lo a comprar? Que tipo de subjetivacdo é mobi- 19 lizada pela publicidade? Para ele, o turbilhdo de encadea- mento de imagens e sons cria uma nova sensibilidade em quem assiste aquele contetido, Revela um mundo possivel que existe, mesmo que exista somente no universo da pré- pria propaganda. Referem-se aos signos de mundos possi- veis, gerando desejos de pertencimento a esses mundos (as- sim como frustrac6es por nao conseguir integrd-los). Justa- mente ao criar mundos e propagé-los ~ e impedir que outras multiplicidades concorrentes se constituam - é quando a so- ciedade de controle assume a forma da expropriacao capitalista contemporanea (2006, p. 178). Criar mundos custa caro. O investimento em marke- ting é tao importante quanto o desenvolvimento e a fabrica- ¢4o dos préprios produtos e consome parte considerdvel da verba das empresas. A pesquisa cmMo Spend Survey 2017-2018 da consultoria Gartner, que anualmente questiona os prin- cipais executivos de marketing (Chief Marketing Officers) sobre © quanto e como gastam seus recursos, mostrou que entre os anos 2014 e 2017, os investimentos no setor estiveram em torno de 11,3% a 12,1%, em média, para cerca de 350 gran- des empresas respondentes. Note que se trata de corpora- ces com faturamento biliondrio. Dez porcento de us$ 1 bi- Ihdo s4o us$ 100 milhGes, verdadeiras fortunas. Porém, de- pendendo do setor, como o do cinema norte-americano, o investimento em divulgacao pode ser equivalente a 50% do quanto se gastou para produzir o filme. Um fato a observar aqui é a tendéncia de investimento das empresas — dois ter- sos dos cmos disseram que planejam aumentar a verba de propaganda digital, enquanto as midias tradicionais deverao perder recursos progressivamente. 20 O livro A Estratégia do Oceano Azul — Como Criar Novos Mer- cados e Tornar a Concorréncia Irrelevante, de W. Chan Kim e Re- née Mauborgne, é um best seller bastante recomendado por professores de cursos de MBA em Gestdo Empresarial ou de Gestao de Marketing. A premissa é simples: 0 oceano da com- peticao do mercado é um oceano vermelho, manchado de sangue pela concorréncia brutal (metaforicamente falando), repleto de rivais que lutam entre si por uma parcela de lu- cros cada vez menor. O segredo do oceano azul é gerar no- vos e intocados espacos de mercado prontos para o cresci- mento. “Os oceanos azuis se definem como espacos de mer- cado nao aproveitados e pela criagéo de demanda e oportuni- dades para um crescimento altamente rentdvel”, escrevem (2005, p. 5). Nos oceanos azuis, a competicao perde sua va- lidade e as regras daquele jogo ainda nao existem. Assim, oceano azul pode ser comparada com a criacdo de mundos des- crita por Lazzarato. A criacdo de oceanos azuis deve ser con- tinua. Hd cem anos, indtistrias como a automobilistica, a de aviacdo ou a petroquimica simplesmente nao existiam. Da mesma forma, um estudo da consultoria McKinsey, de 2017, afirma que, até o ano de 2030, entre 400 e 800 milhdes de profissionais vio perder seus empregos. De 800 profissées, em 46 paises, até um terco dos trabalhos atuais poderdo ser automatizados em pouco mais de uma década. MODULAGAO DELEUZEANA, MODULAGAO ALGORITMICA E MANIPULAGAO Se a modulagdo deleuzeana é ocupar espaco nos cérebros a distancia, utilizando técnicas de enquadramento mental, de agendamento tematico e de retencao da atencdo para criar mundos e vender oceanos azuis, em seu interior est4 indubi- tavelmente contida a acdo de manipular contetdos de midia, sejam tradicionais, eletrénicos ou digitais. No entanto, a mo- dulagdo deleuzeana é mais ampla do que a mera manipulagdo. O grafico 2 propée uma estrutura de conjuntos de quatro itens que compdem a modulagao deleuzeana: Modulacgao Deleuzeana { VON { Jornatismo } 4 \ nO | (Propaganda /\ (afematve Marking — J ae A iw { Manipulacao | (“de midia ){ Medulacao ) / \ Algoritmica } aN GRAFICO 2 - Subconjuntos da Modulasiio Deleuzeana. O primeiro subconjunto, o jornalismo informativo, tem. por func&o bdsica a prestacdéo de servico 4 comunidade e dar informagées relevantes Aquele povo, cidade ou pais. Quando, por exemplo, cai uma ponte que obstruia principal avenida de uma localidade, o jornalismo, até para se viabili- zar como produto de midia e ter credibilidade para disputar a Economia da Atencao, precisa noticiar aquele fato. Nem sempre 0 editor vai querer manipular a realidade, pelo con- trario, dependendo da situacao, pode pér em pritica o ideal da reportagem imparcial, que apura informacées e consulta varias fontes. O segundo item, a propaganda e o marketing nao esconde do consumidor que sua intencao é vender-lhe produtos, por- tanto, por mais que utilize técnicas de seducdo do cliente, nao ha que se falar em “manipulac4o”, pois o desejo de in- fluenciar é explicito, Por manipulacdo, entendemos, em lingua portuguesa!, o ato de preparar com as m4os, manusear, manejar, condici- onar, influenciar - geralmente em proveito proprio, adul- terar, falsificar. A manipulagdo de midia é uma técnica bas- tante utilizada tanto no meio tradicional quanto nos meios digitais. Surge, porém, com a midia broadcast (que consiste em enviar, projetar e transmitir um mesmo contetido em larga escala, atingindo o maior nimero de pessoas possi- vel). O caminho do broadcast é de mao tinica: parte de um emissor e atinge um receptor. Ha diversas teorias de co- municacdo que estudam profundamente o problema ~ da Escola de Frankfurt a Jestis Martin-Barbero, com interpreta- c6es profundamente diferentes. A relacdo emissor-receptor, portanto, guarda similaridade com as sociedades disciplinares e suas figuras de autoridade professor-aluno, médico-paciente, psiquiatra-louco, carcereiro-prisioneiro. Temos aqui as rela- ces Tv-telespectador, rddio-ouvinte, jornal-leitor. A midia limitada pelo broadcast precisa lancar mAo de estratégias e taticas diversas para atingir seus objetivos de modulagao. A manipulacéo é uma delas. Um exemplo notério do que é ma- nipular (preparar com as maos) foi a edicdo do tiltimo de- bate presidencial das eleicdes brasileiras de 1989, a primeira pos-redemocratizacéo, ocorrido em 14 de dezembro, entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inacio Lula da Silva. O caso 1, Fonte: Diciondrio Online Priberam - priberam.pt/dlpo>. 23 € estudado em praticamente todas as faculdades de jorna- lismo, um episédio quase obrigatério. No dia seguinte ao debate, a Rede Globo de Televis4o veiculou duas matérias, uma no Jornal Hoje e outra no Jornal Nacional, ambas dese- quilibradas, mas foi a segunda que gerou grande polémica. Aemissora selecionou os melhores momentos do candidato que apoiava (Collor) e os momentos com pior desempenho de Lula . Além disso, foi destinado a Collor um minuto e meio a mais do que ao candidato petista. No final da década de 1980, quando ndo existia o contraponto das redes sociais digitais, a forca do principal programa jornalistico da Globo tinha um poder de influéncia muito maior do que é hoje (e que ainda é muito forte). Naquele dia, o jn atingiu 66 pontos na pesquisa Ibope, que mede a audiéncia televisiva. Conforme publicado no site , a prépria emissora admite que: {...) 0s responsaveis pela edicdo do Jornal Nacional afirmaram, tem- Pos depois, que usaram 0 mesmo critério de edigéio de uma par- tida de futebol, na qual sdo selecionados os melhores momentos de cada time. Segundo eles, 0 objetivo era que ficasse claro que Collor tinha sido o vencedor do debate, pois Lula realmente havia se saido mal (Memorial Rede Globo, online). Desta forma, nota-se que a manipulacao se deu porque al- guém, um editor, assistiu ao debate, minuto a minuto, cap- turou trechos de seu interesse, montou uma ordem como um quebra-cabeca, com seus préprios dedos, literalmente, com 0 objetivo de induzir o voto de quem assistia. Esse é © ponto central na proposicao que é feita neste capitulo: a manipulacao ~ ressalte-se - precisa ter intenc4o de ludibriar a interag4o humana, mesmo que fazendo uso de recursos tecnolégicos de comunicacao. E preciso realizar a aclo de 24 manejar, de pér em pratica, de colocar deliberadamente em funcionamento uma dindmica que induza, que iluda. O quarto subconjunto, a modulacdo algoritmica, pode sim. ter 0 objetivo de influenciar comportamentos como a mani- pulagdo de midia, mas funciona de forma completamente di- versa. Lazzarato diz que o marketing via Internet toca os indi- viduos em sua singularidade e os reduz a mostras nos bancos de dados, diferenciando os consumidores em nichos especi- ficos de forma muito mais eficiente do que se faz com meras pesquisas de mercado (2006, p. 182). A mecAnica é simples: ao depender do contetido veicu- lado pelas emissoras televisivas (broadcast), o espectador fica restrito 4 pauta estabelecida pelos veiculos de comunicacaio (agenda setting). Na rede mundial de computadores, o con- tetido é buscado conforme o interesse direto e imediato do internauta. Por exemplo, na época em que as mtisicas eram ouvidas somente via radio ou pela emissora Mtv, os fas de uma banda ou de um mtisico mantinham seus aparelhos li- gados e esperavam muito tempo para escutar uma determi- nada cangio. Contavam com a boa vontade (e com o inte- resse comercial) de quem fazia a programacao musical. Hoje, com os servicos de streaming, como YouTube e Spotify, a mu- sica é desfrutada no momento que se quer. O consumo de contetido é sob demanda. Com esta nova realidade de mo- dulacdo algoritmica, manipular a midia torna-se uma técnica muito restrita para exercer a modulagdo deleuzeana. A Inteligéncia Artificial, operada por softwares, é a “alma” dos robés e dos dispositivos autématos. Grandes e diver- sificadas bases de dados sao os insumos que os algoritmos de inteligéncia artificial precisam para trabalhar. Quanto mais informac6es disponiveis 4s mdquinas, mais condicdes 25 elas terdo de apresentar um melhor desempenho analitico e preditivo aos seus utilizadores. JA Big Data 6 o nome dado pelo mercado para o armazenamento, integracio, processa- mento e tratamento destas gigantescas bases de dados gera- das cotidianamente pela sociedade global conectada. Como explica o professor de direito norte-americano Frank Pas- quale, em seu livro The Black Box Society (2015), o Big Data permite o funcionamento de um complexo padrio de téc- nicas de reconhecimento e andlise de massivos volumes de dados que buscam racionalizar decisées e substituir inter- medidrios. De posse da enorme quantidade de dados pesso- ais recolhidas pela inteligéncia artificial e processadas por Big Data, os profissionais de marketing e os desenvolvedores de softwares tém um colosso de oportunidades jamais visto para criar mundos e vender oceanos azuis, ampliando os lu- cros de suas empresas. O socidlogo Sérgio Amadeu da Silveira, em seu livro Tudo Sobre Tod@s — Redes Digitais, Privacidade e Venda de Dados Pesso- ais, explica que o processamento e mineracio de informa- ges envolve a agregacdo dos dados coletados e armazenados pelas tecnologias digitais, enriquecendo o perfil pessoal de cada individuo de maneira bastante detalhada (2017, eBook Kindle, posicéo 889). Estes perfis e coletas criam enormes oportunidades para novos produtos e servicos. Como es- creve Hayash: (...) as atividades do processo de gestiio de marketing dependem necessariamente de algum tipo de conhecimento de mercado. Um mundo em mudanga exige constante coleta de informagées para assegurar a capacidade de atender as demandas dos mercados (...) (2001, In: LIMA, M.; et al., 2007, p. 23). 26 Philip Kotler e Kevin L. Keller, no livro Administragao de Marketing, escrevem que: telefones celulares, video-games e a Internet estado reduzindo a atengdo dada a midia tradicional, bem como a interacdo social face a face uma vez que as pessoas ouvem musica ou assistem a um filme em seus telefones celulares. Os profissionais de marketing devem acompanhar as seguintes tendéncias tecnoldégicas (2013, p. 85). Os canais de comunicacao de marketing digital, como web- sites, e-mails, blogs, plataformas de dudio e videos digitais sdo importantes ferramentas de ponto de contato e de en- contro na rede mundial de computadores e fornecem feed- back aos seus administradores. Esta é a principal diferenca para o mundo do broadcast. Nas midias digitais, os canais sdo bidirecionais ou multidirecionais. Da mesma forma que a sociedade de controle nao substituiu a sociedade disciplinar, mas a complementou, as redes digitais interativas nado substitui- ram as redes de broadcast, mas as influenciaram e as comple- mentaram. Servicos de Internet, como os grandes portais Universo Online (voz) ou G1 (Globo.com), séo ferramentas online que tentam reproduzir a légica do agenda setting e do broadcast. O fato é que a modulagdo precisa ser feita agora mais do que pela mera manipulacdo midiatica, de um editor humano, mas pela mediacdo de algoritmos, de inteligéncia artificial, subsidiados por gigantescas bases de dados, cujos resultados de influéncia na retencao da atencdo e nas deci- sées de compra sido sim pré-definidas por profissionais hu- manos de marketing e desenvolvedores de softwares, mas que as sugestées de inducao de consumo sao efetuadas por ma- quinas que tentam prever os comportamentos dos consumi- dores fundamentadas por experiéncias anteriores. Kotler e 27 Keller (2013, p. 73) descrevem o caso da empresa Best Buy, que montou uma base de dados de 15 terabytes de 75 milhées de residéncias. Foram captadas todas as formas de intera- cao com clientes (telefonemas, cliques de mouse, cupons de desconto). Algoritmos classificaram 100 milhées de clientes em categorias (fanaticos por tecnologia, mée moderna, pro- fissional bem-sucedido, pai de familia). Com essas informa- Ges, a empresa emprega marketing de precisio para modular clientes e melhorar suas vendas. O consumidor capturado, Tanqueado e categorizado por um novo mundo, por um oceano azul, tem reforcada sua posicao de refém dos dispositivos de poder capitalista para producio e apropriacao de riquezas. CONCLUSAO Aevolucio da sociedade disciplinar, dos séculos xviii e xIx, que dependia da presenga fisica da autoridade e muitas ve- zes do castigo corporal para garantir a docilidade das pes- soas em favor do sistema dominante, soma-se nos séculos xx XxI as técnicas da sociedade de controle, que permite modu- lar cérebros a distancia. O conceito de modulacao, proposto por Gilles Deleuze e trabalhado por Lazzarato, pode ser de- composto em subconjuntos, dentre os quais os mais relevan- tes para este capitulo séo a manipulacdo mididtica e a modula- ¢do algoritmica, Enquanto a manipulacdo exige que um ser humano exerca o manejo de uma acao planejada para dire- cionar um contetido de midia broadcast, a modulac&o algo- ritmica usa as mais avancadas técnicas de inteligéncia artifi- cial para induzir os comportamentos dos usuarios das tecno- logias de informacao e comunicac4o. Por ter acesso a uma enorme quantidade de dados pessoais de cada individuo e ge- rida por cédigos computacionais, a modulacdo algoritmica 28 atua de maneira personalizada, prevendo gostos e preferén- cias de cada um, sendo a tecnologia mais eficaz para criar mundos, gerar oceanos azuis e vender produtos ou ideias. REFERENCIAS BARROS FILHO, Clévis de. Agenda setting e educagdo, In: Comu- nicac4o e Educacao - Revista do Departamento de Comuni- cages e Artes da Eca/usp. Sao Paulo, 1996, pp. 27 a 33. Dis- ponivel em: . Acesso em 7 de junho de 2018. BASTA, D.; MARCHESI, F. R. de A.; OLIVEIRA, J. A. F. de; sA, L. C. S. de. Fundamentos de Marketing ~ 7* Edic&éo. Série Gestéo Empresarial. Rio de Janeiro. Editora rev, 2006. CASTELLS, Manuel. O Poder da Comunicagéo, pp. 209-210. 2° Edicao. Rio de Janeiro/Sdo Paulo. Editora Paz e Terra, 2017. DAVENPORT, Thomas H.; BECK, John C. The Attention Economy: Understanding the New Currency of Business, pp. 17. Harvard Business Press, 2002. Debate Collor x Lula. In: Meméria Globo. Online. Disponivel em: . Acesso em 7 de junho de 2018. FOUCAULT, Michel . Microfisica do poder. 8°. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989. GREGORIO, Rafael. Omo, Coca-Cola, Nike e Samsung sdo as marcas mais lembradas no Brasil. [In]: Folha de S. Paulo, 30 de outubro de 2017. Disponivel em: . Acesso em 7 de junho de 2018.

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