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A Crise da Cultura e o Liberalismo

Neste texto foi mantida a grafia original


FLORESTAN FERNANDES
Especial para a "Folha da Manhã"

O tema do momento é a crise de cultura no ocidente. Artigos, ensaios e profundas a


nálises sociológicas têm sido escritos sôbre os aspectos e as graves consequências da muda
nça; poucos autores, entretanto, viveram tão de perto o drama da transição como Karl Man
nheim, que conheceu na Alemanha totalitária o rebento espúrio do liberalismo e viu p
essoalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos outro lado do desenvolvimento da
sociedade liberal-democrática. Porisso tem especial interêsse para nós um de seus ensa
ios ("As Causas da Crise Contemporânea da Cultura", in Libertad y Planificación"), e
m que analisa a crise da cultura nas sociedades liberais-democráticas, partindo de
dados fornecidos pela sociologia.
Há uma estreita dependência entre sociedade e cultura, entre estrutura social e vida
intelectual (Mannheim toma o termo neste sentido restrito), de modo que qualque
r modificação ou transformação sofrida pela primeira, reflete-se nas esferas da segunda.
Ora, a sociedade liberal-democrática do ocidente está em crise; ela passou ou está pa
ssando de seu estado de sociedade liberal-democrática de minorias para o de massas
. Em consequência, os fatores sociais que agiram nessa transformação vão também agir sôbre
vida intelectual: a produção e a utilização (consumo, diz Mannheim) da cultura e as rel
ações entre o autor e o público, que dependem estreitamente de certas condições sociais se
transformam à medida que aquelas condições se modificam. Porisso, a vida intelectual
também está ameaçada pelos dois princípios, mutuamente antagônicos, o liberal "laissez- fa
ire" e a regulamentação, que lutam no campo econômico. Êle se arrisca a todos os perigos
que decorrem do funcionamento sem nenhuma direção das sociedades democráticas de mass
as, que se tornam mais graves e agudos quando as formas liberais são substituidas
por formas ditatoriais de regulamentação.
Numa sociedade democrática, sabemo-lo, a cultura depende de "normas peculiares de
uma ordem social não regulamentada". Há apenas um mínimo de organização artificial, aparec
endo essas sociedades, à primeira vista, como "um conjunto casual e inarticulado".
Uma análise mais profunda, todavia, mostra que mesmo nas esferas não econômicas há proc
essos similares ao da livre-concorrência, com um ajustamento automático entre a clas
se que produz e a que assimila a cultura, através de atividades inorganizadas e pr
ivadas.
Uma análise da cultura, encarada sob êste ponto de vista, deve começar, está claro, por
aquêles que criam a cultura, isto é, os intelectuais e por sua posição dentro da socieda
de, considerada como um todo. Verificamos, então, que os intelectuais se constitue
m, na sociedade liberal-democrática da minoria em "élites" reduzidas, cuja missão esse
ncial consiste não só em criar a cultura, mas em lhe dar uma forma, um significado s
ocial e institucional. Elas estimulam o desenvolvimento do conhecimento objetivo
e as tendências à introspecção, à contemplação e à reflexão. Quando estas "élites" são des
encontram obstáculos à sua organização, as condições sociais necessárias ao aparecimento da
ltura e sua manutenção desaparecem. A crise contemporânea da cultura se explica justam
ente a partir dos obstáculos aparecidos na seleção das "élites" criadoras em consequência
da transição da sociedade liberal-democrática de minorias para a de massas: "a crise d
a cultura na sociedade liberal-democrática é devida em primeiro lugar ao fato de que
os processos sociais que antes favoreciam o desenvolvimento das minorias seleta
s criadoras, agora produzem o efeito contrário, isto é, chegam a ser obstáculo à formação d
s "elites", porque seções mais amplas da população, ainda que se achem em condições sociais
desfavoráveis, tomam uma parte ativa nas atividades culturais" (pgs. 78-79). Aí se a
presentam os processos de "democratização negativa", de "seleção negativa", etc., que re
sultam da democratização da cultura, a qual deu amplas oportunidades para um número mu
ito grande de indivíduos que procuraram se orientar preferencialmente, para êsses gr
upos seletos e criadores.
À medida que êsse fenômeno se firma, vemos a história dramática da sociedade democrática do
ocidente repercutir no desenvolvimento de sua vida intelectual. As minorias sele
tas aumentam em número, devido ao crescente afluxo de indivíduos, e perdem grande pa
rte de seu poder, tendendo a exercer cada vez menos suas funções e suas influências di
retoras. Paralelamente, o público organizado que se punha entre o autor e a minori
a como intermediário, desaparece, ficando o autor sujeito, bruscamente, à influência d
ireta das massas, que aumenta de importância. Este público _ um público _ massa, desin
tegrado, reunindo-se em função de estímulos sensoriais - não influe no autor como aquele
outro que, selecionado em grupos estáveis, tinha determinados gostos e tipos de r
eação. E assim, uma excessiva democratização da cultura e a consequente ascensão de indivíd
os e grupos que não estão educacionalmente preparados para ocupar aquelas funções intele
ctuais, faz com que seus valores predominem e haja uma consequente queda no nive
l cultural médio.
Êsses processos sociais, porém, apresentam dois aspectos distintos: na primeira fase
de transição os resultados sempre foram favoráveis e positivos (por exemplo: indivíduos
provenientes de outras classes sociais levavam às "élites" novos interêsses e pontos
de vista, ampliando seu horizonte cultural; serviam de intermediários entre aquela
s minorias e a maioria, reajustando a cultura à sociedade, etc.). Mas, o mecanismo
liberalista não permite parar aí o processo _ êle ampliou-se demasiadamente e sem ori
entação, ganhando continuamente em massa e perdendo em qualidade.
Dessas facilidades de aquisição da cultura resultou uma proletarização da "inteligentsia
", aparecendo no mercado de trabalho intelectual mais oferta do que procura. O s
ignificado desta proletarização seria a perda do valor social das profissões liberais
e consequente atribuição de menor importância a essas atividades por parte da opinião públ
ica. Diminuido o valor do intelectual, é lógico que também diminuisse o valor do produ
to de seu trabalho _ a cultura. Isto não aconteceu imediatamente após a passagem da
sociedade aristocrática para a liberal-democrática porque esta, em seu primeiro períod
o, apareceu sob a forma de minorias seletas (a riqueza era condição indispensável para
a vida intelectual). Mas, passou-se para a sociedade de massas e com a democrat
ização da cultura aparecem aspectos novos nos processos de formação e de seleção das "élite
que, apresentando inicialmente ótimos resultados culturais, acabaram por levar às su
as consequências negativas inevitáveis.
Restam duas perguntas, que Mannheim procura resolver: por que só agora a cultura a
dquiriu seu caráter de massas e não quando apareceu o proletariado? Por que a decadênc
ia cultural se tornou visível só quando a democratização da cultura afetou as classes não
proletárias? A mentalidade de uma classe, diz Mannheim, depende de sua situação frente
à produção econômica. Porisso o proletariado, que deve a sua existência ao progresso da i
ndustrialização e à racionalização técnica, procura desenvolver a sociedade de massas nesse
sentido. A classe que ficou com o poder, nas sociedades liberais-democráticas de m
assa pertence à burguesia _ aos seus mais baixos estatus: pequenos funcionários, hom
ens de negócios pouco importantes, pequenos lavradores e comerciantes, etc. Ora, o
invento técnico, a racionalização, a produção em grande escala são seus inimigos naturais
por êles são combatidos incondicionalmente, com a finalidade de impedir o aparecime
nto das grandes fábricas, das grandes emprêsas, etc.; mas, nada se pode alterar numa
das esferas da sociedade sem alterar as demais esferas sociais, e qualquer tent
ativa de regressão social e econômica a uma éra precapitalista precisa ser acompanhada
de uma modificação da mentalidade existente também para formas precapitalistas. Essa
classe média procurará resolver o impasse agindo artificialmente sôbre a racionalização téc
ica, esforçando-se por atenuar a industrialização, a organização em grande escala e impedi
r a proletarização crescente nas sociedades democráticas de massa. Isso não se efetua po
r si mesmo, automaticamente, mas só pela interferência da fôrça ou de um plano: o desenv
olvimento da sociedade liberal-democrática desorganizada culmina na ditadura, impl
icando todos aquêles inconvenientes da substituição de formas livres por outras impost
as artificialmente.
É claro que essa é uma etapa do desenvolvimento social das sociedades modernas que s
em dúvida, vencendo a crise, acabarão por modelar seus elementos em formas culturais
estáveis. Contudo _ e a crítica de Mannheim é contra isto _ aplicamos atualmente os p
rocessos de seleção a suas correlatas instituições de um modo inadequado, já que não visamo
mais a seleção limitada de intectuais. Êste e outros defeitos de funcionamento da soc
iedade liberal-democrática podem levar ao naufrágio da civilização; mas, a ditadura, de
forma alguma pode ser oposta a estas tendências negativas do liberalismo, porque e
la mesma "nasce da atuação negativa das fôrças da democracia de massas, e não é mais que um
tentativa violenta para estabilizar uma etapa do desenvolvimento da sociedade l
iberal que por sua natureza era transitória".

Fonte: Publicado na Folha da Manhã, quinta-feira, 16 de março de 1944

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