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A LUTA DA MULHER NEGRA NA SOCIEDADE BRASILEIRA:

TRAJETÓRIA, VIVÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO MERCADO DE


TRABALHO EM ITUIUTABA - MG NO FINAL DO SÉCULO XX

Maria Donizeti de Andrade1


Renata Costa Silva2

Resumo: O presente artigo tem como tema a mulher negra. Abordando sua luta para inserir-se
no mercado de trabalho em Ituiutaba – MG no final do século XX. Portanto tem como objetivo
geral apresentar a questão da oportunidade da mulher negra no mercado de trabalho fazendo um
parâmetro com a mulher branca a nível nacional e local. O objetivo específico é analisar a
trajetória de luta de mulheres negras no mercado de trabalho na cidade de Ituiutaba MG. A
metodologia utilizada foi a pesquisa teórica (revisão de literatura e dados do IBGE e IPEA) e
pesquisa de campo realizada através de depoimentos de mulheres negras que travaram uma luta
para estudar e conseguiram entrar para o mercado de trabalho público e privado da cidade e por
meio de pesquisa no mercado público e privado denominada como “mapeamento” investigando a
concentração de mulheres negras empregadas nesses setores. A pesquisa de campo por um lado,
reforçou a evidência secular de uma sociedade que ainda é altamente preconceituosa e racista.
Por outro lado mostrou a existência de mulheres que lutaram e conseguiram entrar no mercado de
trabalho em Ituiutaba.

Palavras-chave: Mulher Negra, Discriminação Racial, Mercado de Trabalho.

1
ANDRADE, Maria Donizeti de. Formada em História pela UEMG/Campus de Ituiutaba MG. Professora da Rede
Estadual de Ensino em Uberlândia MG. Cursando Pós-Graduação em Educação, História e Cultura Afro-brasileira
na Faculdade Católica de Uberlândia MG. Foi professora do PREVESTI (cursinho de preparação para o vestibular
de alunos negros e carentes –Ituiutaba MG).
2
SILVA, Renata Costa. Pedagoga, Supervisão Escola, Pós-Graduada em Psicopedagogia-UEMG. Professora
atuante no CIME Sarah Silveira, e na equipe pedagógica da Escola Estadual Arthur Junqueira Almeida Ituiutaba –
MG. Participa do Núcleo de Estudos Étnico-Racial da UFU- Universidade Federal de Uberlândia e Núcleo de Estudo
Étnico-Racial CEMAP (Centro Municipal da Assistência Pedagógica e Aperfeiçoamento de Professores). Núcleo de
Estudo e Alfabetização UFU – NEAB. Fazendo Especialização em Educação, História e Cultura Afro-brasileira na
Faculdade Católica de Uberlândia MG.
2

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, as discriminações raciais têm atuado como eixos estruturantes dos padrões de

exclusão social. Esta lógica se reflete no mercado de trabalho, no qual as mulheres, especialmente

as mulheres negras, vivenciam as situações desfavoráveis. Nesse contexto, as mulheres negras

sofrem tripla discriminação no mercado de trabalho brasileiro: racial, de classe e de gênero.

Esse artigo propõe compreender a luta da mulher negra na sociedade brasileira tendo

como viés de investigação sua inserção no mercado de trabalho em Ituiutaba – MG no final do

século XX, abordando trajetória, vivências e perspectivas.

Para tanto, tem como objetivo geral apresentar a questão da oportunidade da mulher negra

no mercado de trabalho fazendo um parâmetro com a mulher branca a nível nacional e local e em

forma específica analisar a trajetória de luta de mulheres negras no mercado de trabalho na cidade

de Ituiutaba MG.

A condição da mulher negra é um assunto que exige discussões de todas as áreas do

conhecimento e campos profissionais, sendo nesse sentido de especial responsabilidade das

pessoas que estão ligadas è educação, visto que o docente é também um formador de opinião e

por isso traz em sua função educacional e social, o compromisso de se debruçar sobre assuntos e

discussões que contribuam para produção de conhecimentos que mudam posturas ainda

preconceituosas e racistas que ora excluem, ora dificultam a inserção da raça negra em forma

geral no sistema de ensino, no mercado de trabalho os impedindo de exercer sua cidadania.

Pela compreensão citada é que este estudo se torna relevante, pois trata da mulher negra

na sociedade brasileira apontando dados sobre oportunidade e condição de trabalho, assim como
3

mostra a trajetória de luta de mulheres negras na cidade de Ituiutaba – MG para conseguirem se

qualificar e entrar para um mercado de trabalho diferenciado daqueles considerados de baixo

prestígio que estiveram relegadas mesmo depois da abolição da escravatura, ou seja, trabalho

doméstico por exemplo.

A realização da pesquisa foi possibilitada pela revisão de literatura e dados (IBGE e

IPEA) sobre a condição da mulher negra no país e por uma pesquisa de campo, por meio de

depoimentos3 de mulheres negras que travaram uma luta para estudar e conseguiram entrar para o

mercado de trabalho público e privado da cidade e por meio de pesquisa no mercado público e

privado denominada como “mapeamento” investigando a concentração de mulheres negras

empregadas.4

A estruturação do trabalho contou com considerações teóricas sobre a condição da mulher

negra abordando as transformações e permanências ocorridas na sua vida ao longo dos tempos. E

através da pesquisa de campo é apresentado e discutido a luta dessas mulheres enfatizando suas

trajetórias, vivências e perspectivas para chegarem ao mercado de trabalho em Ituiutaba – MG no

final do século XX.

3
Os depoimentos aqui utilizados fazem parte da monografia de final de curso de: ANDRADE, Maria Donizeti de.
A MULHER NEGRA E O MERCADO DE TRABALHO EM ITUIUTABA: TRAJETÓRIA, VIVÊNCIAS E
PERSPECTIVAS - 1985 – 2000. UEMG-UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS/CAMPUS
ITUIUTABA. 2002.
4
Vale ressaltar que nem as entrevistas e nem as empresas e instituições pesquisadas permitiram que citassem seus
nomes em função disso foram usadas pseudônimo para as entrevistadas. E não mencionado nome das empresas e
instituições pesquisadas tendo sido estas classificadas em mercado público e privado.
4

2 - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CONDIÇÃO DA MULHER


NEGRA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

O Brasil, que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de mais de quatro séculos,

colocou à margem o seu principal agente construtor, o negro, que passou a viver na miséria, sem

trabalho, sem possibilidade de sobrevivência em condições dignas. Nesse contexto se encontra a

mulher negra que por ser negra, mulher e pobre sua exclusão se dá de forma mais acentuada e

gritante.

2.1 A Mulher Negra na Sociedade Brasileira Transformações e Permanências

Desde a chegada da mulher negra no Brasil, na condição de escrava, iniciou-se a luta em

prol de vida com dignidade na sociedade brasileira. Assim mesmo sendo a discriminação racial

ou racismo5 declarada crime, a sociedade, ainda age em relação ao negro, camufladamente de

forma bastante preconceituosa e racista. Nesse contexto estão as mulheres negras e as mulatas

que em geral, sofrem de tripla discriminação: sexual, social e racial. Portanto tudo o que se

coloca como problemático para a população negra atinge especialmente as mulheres.

(VALENTE,1994 p.56).

A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua

realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último

lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do

país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta

menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que
5
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado 1988. (Capítulo I:
Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Art. 5º parágrafo: XLII, p.17).
5

conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente.

(MARIA NILZA DA SILVA, 2003).

Segundo Márcia Lima (1995) o fato de 48% das mulheres pretas ...estarem no serviço

doméstico é sinal de que a expansão do mercado de trabalho para essas mulheres não significou

ganhos significativos. E quando esta barreira social é rompida, ou seja, quando as mulheres

negras conseguem investir em educação numa tentativa de mobilidade social, elas se dirigem

para empregos com menores rendimentos e menos reconhecidos no mercado de trabalho.

A discriminação racial na vida das mulheres negras é constante; apesar disso, muitas

constituíram estratégias próprias para superar as dificuldades decorrentes dessa problemática.

As mulheres negras que conquistam melhores cargos no mercado de trabalho despendem

uma força muito maior que outros setores da sociedade, sendo que algumas provavelmente

pagam um preço alto pela conquista, muitas vezes, abdicando do lazer, da realização da

maternidade, do namoro ou casamento. Pois, além da necessidade de comprovar a competência

profissional, têm de lidar com o preconceito e a discriminação racial que lhes exigem maiores

esforços para a conquista do ideal pretendido (Maria Nilza da Silva, 2003).

Embora o contexto adverso, algumas mulheres negras vivem a experiência da mobilidade

social processada em “ritmo lento”, pois além da origem escrava, ser negra no Brasil constitui um

real empecilho na trajetória da busca da cidadania e da ascensão social. Bernardo (1998), em seu

trabalho sobre a memória de velhas negras na cidade de São Paulo, mostra como é difícil a

mobilidade ascensional da negra - especialmente na conquista de um emprego melhor, pois a

maioria das negras trabalhava na informalidade, ou como empregadas domésticas.


6

3- MERCADO DE TRABALHO EM ITUIUTABA:


DA QUALIFICAÇÃO À INSERÇÃO

A história oral foi o procedimento privilegiado para a realização das entrevistas,

possibilitando uma percepção profunda das várias dimensões da experiência de vida escolar e

profissional das entrevistadas, visto que a fonte oral possibilita trazer à luz do presente o

significado do vivido no passado conforme Portelli (1997, p. 32) ... a utilidade específica das

fontes orais ... revela o esforço dos narradores em buscar sentido no passado e dar forma às

suas vidas.

Dessa forma tiveram voz algumas mulheres negras que enquanto sujeitos do

processo histórico por um longo período foram deixados de lado pela prática

historiografia oficial brasileira, isto é não eram consideradas agentes ativos da história da

formação da sociedade e economia nacional e sendo assim, não mereciam destaque nas

produções historiográficas.

3.1 Mulher Negra: A Luta Pela Qualificação Profissional

Através de depoimentos de mulheres negras que estavam inseridas no mercado de

trabalho (público e privado) em Ituiutaba MG, foi possível observar suas luta para conseguirem

estudar, traduzidos em superação de dificuldades e situações que em muito demonstra obstáculos

a uma aluna negra que ganha bolsa de estudos em uma escola particular, elitezada e em quase

totalidade branca. Letícia6 então narra seu sonho e suas perspectivas:

6
MENDES, Letícia Maria. Entrevista realizada em abril de 2001. É formada em Pedagogia, fez supervisão escolar e
pós-graduação. Foi professora da rede pública municipal e estadual, hoje é aposentada, mas ainda trabalha na área de
educação.
7

Se meu sonho era de formar no colégio... tudo que elas queriam eu fazia com muito amor. Olha eu
ajudei a limpar o colégio, final de semana: ‘você pode vir amanhã Laura?’ Posso!...
então eu sentia toda , mais podendo servir na mediada do possível... terminei e fui
oradora da turma, eu fui a única que formei como negra, outra desistiu eu fui a
única negra até o 3º normal né?!...

A busca por uma vida melhor acontece em todas as etapas de sua trajetória, vive uma luta

constante. Demonstra uma enorme vontade de modificar seu destino, parecendo não se

incomodar com o fato de ser convidada a limpar a escola no final de semana sem nunca se negar

a isso, dizendo que fazia com muito amor.

Demonstrando também a busca por um futuro melhor, outra interlocutora, Mariana7, fala

da sua luta para entrar para a faculdade:

... estudei no primário foi na Escola Estadual Lions... e o segundo grau eu concluí no
Municipal... E durante esse tempo... eu trabalhava como doméstica, mas era
aquela doméstica assim... bem dedicada, ganhava menos do que a metade do salário
mínimo. E eu sempre pensei grande. Eu nunca me vi a vida inteira como doméstica,
eu não estou desfazendo de quem seja doméstica, mas a gente tem sempre que pensar
grande! Pensar assim que um dia você vai conquistar seu espaço na sociedade.
[grifo nosso]

Nesse outro trecho relata sua luta para entrar para a Faculdade e a decepção ao se deparar

com a indiferença de sua patroa com relação à promessa que lhe fizera, caso fosse aprovada no

vestibular e ao mesmo tempo realça a solidariedade familiar:

Minha mãe sempre deu muita força pra estudar, meu pai não, na cabeça dele mulher
aprendendo lavar, passar, arrumar e cozinhar é ótimo... i... Deus me ajudou que meu
primeiro vestibular que eu prestei eu passei. E eu trabalhava para uma pessoa e ela
falou que se conseguisse passar no vestibular ela ia dá o material e pagar minha
mensalidade. Mas eu percebi que ela falou aquilo por falar, ela não acreditava no
meu potencial, eu uma simples doméstica tentar um vestibular?... e deu certo eu
passei só que ela não cumpriu com a palavra dela. Aí meus pais ficaram
emocionados por eu ter passado no vestibular e conseguiu o dinheiro da matrícula.

Os depoimentos das entrevistadas demonstram uma realidade enfrentada pela mulher

negra no final do século XX e ainda nesse início de século, trata-se do fato de que geralmente a

7
OLIVEIRA, Mariana Lima. Entrevista realizada em janeiro de 2002. Formada em Pedagogia e Supervisão escolar e
pós-graduada em Psicopedagogia. É professora da rede pública municipal.
8

mulher negra só consegue chegar à formação acadêmica com exclusivo apoio da família, pois a

sociedade apenas tenta desmotivar.

Vê-se então, a não passividade destas mulheres diante de uma situação que é

historicamente desfavorável à mulher e certamente mais ainda a mulher negra. Como estudar e

trabalhar, por exemplo. A procura pelo estudo que parece ser vista como sendo “a porta que se

abre” para o futuro.

3.1 Mulher Negra: Inserção no Mercado de Trabalho

Compartilhando do dizer a Yara Aun Khoury (2001, p.80) que nossos sujeitos vivem

...experiências de trabalho, construindo modos de viver e de reorganizar.. na sociedade, é que

busca-se compreender o significado que dão à conquista do espaço no mercado de trabalho,

contudo agora com uma maturidade sobre a realidade encontrada.

Mariana8, fala sobre o fato de ser negra perante a sociedade ... a sociedade é assim,

sabe? Ela cobra mais do negro. Se você é uma excelente profissional, você tem que ser mais

ainda, pra você ter um valor de bom, não um valor de excelente né? [ grifo nosso ]

O relato da entrevistada Mariana caminha ao encontras do pensamento defendido pela

professora Maria Nilza da Silva (2003) que a mulher negra, portanto, tem que dispor de uma

grande energia para superar as dificuldades que se impõe na busca da sua cidadania. Poucas

mulheres negras conseguem ascender socialmente.

Em outro trecho Mariana9 fala sobre a exigência que a sociedade faz ao negro e realça

que se não cumprir as exigências estará “destruído”:

A sociedade cobra mais do negro ... ela cobra muito você tem que andar na linha
certinha, igual sempre falei! o negro tem que faze de tudo pra ser o melhor pra ser

8
OLIVEIRA, Mariana Lima. Entrevista realizada em janeiro de 2002. Formada em Pedagogia e Supervisão escolar e
pós-graduada em Psicopedagogia. É professora da rede pública municipal.
9
(OLIVEIRA, Mariana Lima. Ib. id.)
9

considerado bom, e Deus me livre se ele der um desvio, aí ele tá com a vida destruída.
[ grifo nosso ]

A fala de Mariana demonstrando sua concepção sobre a cobrança que a mulher quando

negra está submetida demonstra é reforçada por Ana Lúcia Valente (1994, p. 48) ao ressaltar que

os negros:

A todo instante... se vêem obrigados a provar que são os melhores. O fato de alguém ser
negro aparece socialmente como uma característica desabonadora,... è como se os
outros exigissem dos negro uma compensação por esse ‘pecado’. E essa
exigência acaba por criar a necessidade de comprovação.” Então “ o negro não
pode ser apenas bom; ele deve ser o melhor.

Nesse sentido, acabam por carregar em suas trajetórias as experiências que evidenciam

mais uma vez que o negro tem que ser mais que certinho para ser aceito na nossa sociedade,

então deixam transparecer em sua falas uma certa preocupação em estar enquadrando ou

enquadrar dentro dos valores sociais impostos pela sociedade.


10

4 – MAPEAMENTO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE


TRABALHO NA CIDADE DE ITUIUTABA MG

Nesse momento com base no mapeamento e as impressões obtidas no seu decorrer, foi

discutido como a presença da mulher negra é vista pelo mercado de trabalho, a questão da

inserção ou não da mulher negra nesse mercado, sendo demonstrando ainda o preconceito que

muitas pessoas não admitem ter e os meios considerados pela mulher negra, menos difíceis para

inserir-se no mercado de trabalho em Ituiutaba.

Os posicionamentos racistas presentes no cotidiano do ambiente de trabalho e na

sociedade surgiram de forma tão espontânea que ao foi possível perceber está tão enraizada que a

pessoa nem percebe que a forma como elaboram seus relatos estão agindo de forma racista.

Assim a elaboração do mapeamento sobre a mulher negra no mercado de trabalho em

Ituiutaba, mostrou que a sociedade, mesmo não sabendo ou não querendo ser ainda é

extremamente preconceituosa. A maioria dos estabelecimentos visitados e pesquisados agiram

ora com um pouco de desconfiança ora oferecendo dificuldades em fornecer os dados, embora

colaboraram com a pesquisa.

Surpreendente foi o comportamento de algumas pessoas, as quais passaram os dados 10

pedidos, pois muitos, quando tiveram que dizer que ali não trabalhou nenhuma mulher negra,

parecem que sentiram necessidade de se explicarem e nesse momento acabaram por

demonstrarem racismo embora certamente nem se dessem conta disso devido a naturalidade com

que falavam.

10
A quantidade de mulheres brancas e negras com nível médio e superior que o estabelecimento tinha trabalhando
ali, dentro do período abordado por essa pesquisa: 1985-2000.
11

Assim durante a realização da pesquisa foi possível notar a presença de um discurso

justificando a ausência de mulheres negras trabalho naquele local, uma delas diz respeito a falta

de qualificação. Contudo é sabido que a falta de qualificação profissional constituiu mais um dos

problemas ligados à raça negra conforme salientado por Ana Lúcua Valente (1994).

Em síntese, o quesito "boa aparência", um eufemismo sistematicamente denunciado pelas

mulheres negras como uma forma sutil de barrar as aspirações dos negros, em geral, e das

mulheres negras, em particular, revelava em números, no mercado de trabalho, todo o seu

potencial discricionário.

Contudo mesmo diante das justificativas, o resultado do mapeamento denunciou a

dificuldade gerada à mulher negra que por séculos perdura na sociedade racista e que se torna

explícito no momento em que tenta conseguir um emprego. Viu-se que conforme diz Ana Lúcia

Valente (1994), o velho padrão da “boa aparência”, ainda sobrevive:

Todo negro tem uma história para contar sobre discriminação que tenha sofrido no
mercado de trabalho. A exigência de “boa aparência” ou o pedido de fotografia nos
anúncios de emprego pode ser traduzida também como ‘não dever ser negro’.

Nessa mesma direção Bruschini (1985, p. 69), argumenta que a discriminação racial...

estende-se a todas as trabalhadoras, sempre concentrada nas ocupações de mais baixo prestígio e

remuneração. Isso pode ser conferido no gráfico abaixo:


12

MAPEAMENTO DA MULHER NEGRA NO


MERCADO DE TRABALHO EM ITUIUTABA

2000
1500 m ulheres
1000 brancas
500 m ulheres negras
0
s etor s etor
privado público

Entre algumas das explicações ouvidas teve umas que foram mais marcantes. Um senhor11

justificou a ausência de funcionárias negras naquele recinto: aqui nunca trabalhou nenhuma

preta, não porque a gente tem alguma coisa contra preto não... [ grifo nosso].

Em um outro estabelecimento, o empregador respondeu que ...mulher negra mesmo, não

teve, teve morena mais negra não, não existe procura por parte de mulher negra, homens

negros tivemos, e por sinal muito bom de serviço. [ grifo nosso ].

Através dessas colocações “preta” e “bom de serviço” , já é possível perceber o quanto o

negro no geral enfrenta dificuldades no mercado de trabalho. É certo que muitos dizem que não

11
Para estar referindo às falas ou impressões que tive dos empregadores ou representantes das empresas e
instituições onde foi realizado o mapeamento, está sendo utilizado: Senhor ou Pessoa, pois por exigência da maioria
dos lugares, sob a alegação de que não tinham permissão para estarem fornecendo tais dados e que o lugar tinha
hierarquias administrativas em fim. Foi feito compromisso de não mencionar o nome de nenhum recinto pesquisado,
sendo assim o nome da pessoa que me recebeu também não poderá ser citado.
13

há procura é sabido que deve-se levar em consideração que o negro enfrenta dificuldades também

em estudar e com relação à mulher negra a situação certamente não é diferente como foi

percebido através de seus depoimentos ao relatarem suas buscas para entrarem na escola e ou na

faculdade.

Com relação a argumentação de alguns lugares em dizer que não há procura por parte de

mulher negra e que essa “não procura” possa estar relacionada com a falta do estudo. É sabido

que trata-se de uma realidade, mas nesse sentido Valente (1994, p.50), fala do fato do negro não

ser qualificado, mas salienta que isto é apenas uma desculpa, pois a falta de estudos também é

mais um dos problemas a que está submetido:

As dificuldades enfrentadas pelo negro brasileiro no processo seleção do mercado de


trabalho são geralmente explicadas por empregadores racistas como sendo
conseqüência de sua ‘falta de aptidões’, ...falta de um bom currículo ... Essa
afirmação pode até ser verdadeira, porém só parcialmente. Além disso o porquê da
falta de estudo é outro ponto importante” [grifo nosso]

Essas argumentações justificam um fato constatado através do mapeamento, isto é, que a

maior parte das mulheres negras com formação no ensino médio e ensino superior estejam

realmente empregadas no setor podendo ser pelo fato como disse Ana Maria de no concurso

público não ter como ver quem são os candidatos.

Entretanto é válido salientar que se por um lado a grande dificuldade para se qualificar e

alcançar espaço no mercado de trabalho é uma realidade visível e preocupante, por lado há que se

considerar segundo a professora Maria Nilza da Silva (2003) que a pobreza e a marginalidade a

que é submetida a mulher negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de

inferioridade, que em muitos casos inibe a reação e luta contra a discriminação sofrida. O

ingresso no mercado de trabalho do negro ainda criança e a submissão a salários baixíssimos

reforçam o estigma da inferioridade em que muitos negros vivem. Contudo, não se pode deixar
14

de considerar que esse horizonte não é absoluto e mesmo com toda a barbárie do racismo, é

mostrado aí uma parcela de mulheres negras que conseguiram vencer as adversidades e chegar à

universidade, utilizando-a como ponte para o espaço profissional.

5 – MULHERES NEGRAS NA CIDADE DE ITUIUTABA: EXEMPLO


DE LUTA E CONQUISTAS PARA O SÉCULO XXI
15

A situação da mulher negra no Brasil de hoje, ainda manifesta um prolongamento da sua

realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último

lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do

país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta

menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que

conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente

têm menos possibilidade de encontrar companheiros no mercado matrimonial (Maria Nilza da

Silva, 2003).

Assim como é uma realidade que pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher

negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, que em muitos casos

inibe a reação e luta contra a discriminação sofrida.

O ingresso no mercado de trabalho do negro ainda criança e a submissão a salários

baixíssimos reforçam o estigma da inferioridade em que muitos negros vivem. Contudo, não

pode-se deixar de considerar que esse horizonte não é absoluto e mesmo com toda a barbárie do

racismo há uma parcela de mulheres negras que conseguiram vencer as adversidades e chegar à

universidade, utilizando-a como ponte para o sucesso profissional (Maria Nilza da Silva, 2003).

Por este contexto entendeu-se pertinente trazer para o presente trabalho o exemplo de luta

e vitória na adversidade, trata-se de mulheres negras que têm toda sua história de vida na cidade

de Iuiutaba MG. Lutaram, estudaram e atualmente ocupam espaço que não os considerados de

baixo prestígio e remuneração, refletindo conquistas. São elas a saber:

Adirce Maria dos Santos - Professora de História, faz parte do grupo de estudo Consciência

Negra. Atuante na luta pela conquista da raça negra especialmente na educação.

Marta Rosa – Presidente da Fundação Zumbi dos Palmares.


16

Oneida Auxiliadora Costa Silva – Diretora da Escola Estadual Arthur Junqueira de Almeida.

Pedagoga.

Neide Lúcia do Carmo – Detetive (polícia civil)

Isa Costa – Professora de História. Funcionária da Prefeitura na Área da Saúde.

Luciane Riberio Dias Gonçalves – Pedagoga. Mestra em Educação pela Universidade Federal

de Uberlândia. Professora Universitária e Assessora da Secretaria de Educação de Iuiutaba.

Maria Jose Silva - Pedagoga

Lucimar Mendes Ferreira – Fonoaudióloga.

Miramar Mendes Ferreira – Professora de química.

Contudo a luta dessas mulheres é uma constante. O fato de conseguir romper com o lugar

que a sociedade dominante vem determinando por séculos ás mulheres negras (doméstica,

faxineiras, por exemplo) não confere a elas plenitude em seus direitos. Na realidade quando

conquistam cargo de trabalho melhores, iniciam uma outra luta, a de permanecer e ser respeitada.

Nesse aspecto é possível compartilhar do dizer de Maria Nilza da Silva, (2003) ao

salientar que as mulheres negras que conquistam melhores cargos no mercado de trabalho

despendem de uma força muito maior que outros setores da sociedade, sendo que algumas

provavelmente pagam um preço alto pela conquista, muitas vezes, abdicando do lazer, da

realização da maternidade, do namoro ou casamento. Pois, além da necessidade de comprovar a

competência profissional, têm de lidar com o preconceito e a discriminação racial que lhes

exigem maiores esforços para a conquista do ideal pretendido.

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS
17

Pesquisar sobre relações raciais, discutir as lutas da comunidade e das mulheres negras e

dar visibilidade aos sujeitos sociais não implica em um trabalho a ser realizado na sociedade em

forma geral, implica mudança cultural em uma nova postura profissional, numa nova visão das

relações que permeiam o cotidiano social e profissional. Significa, também, a ampliação dos

trabalhos e discussões que abrem a mente e mudam a forma de pensar e agir das gerações.

Contudo trabalhar para eliminar da sociedade brasileira a discriminação racial que se

manifesta explicitamente nas práticas cotidianas é uma tarefa difícil. Essas mulheres negras, que

conseguiram cursar ensino médio ou superior, “saíram do seu lugar”, isto é, do lugar predestinado

por um pensamento racista e pelas condições sócio-econômicas da maioria das mulheres negras

brasileira, o lugar da doméstica, da lavadeira, da passadeira, daquela que realiza serviços gerais

para ocuparem posição que não as de baixo prestígio e remuneração.

A história de vida dessas mulheres negras mostra que é preciso reconhecer e respeita-las.

É necessário romper com as posturas preconceituosas e racistas arraigadas na sociedade e

reconhecer sim a diferença, e deixar de subestimar as capacidades.

7 - FONTES
18

Entrevistas citadas nesse artigo

Letícia, entrevista concedida em abril de 2001. Pedagoga, Supervisão Escolar e Pós-Graduação.

Ana Maria, entrevistada em março de 2002, Professora.

Mariana, entrevistada em janeiro de 2002 formada em Pedagogia, Supervisão Escolar e Pós-

Graduada em Psicopedagogia.

8 - REFERÊNCIAS
19

BERNARDO, Terezinha. Memória em branco e negro: um olhar sobre São Paulo. São Paulo:
Educ, 1998.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado. 1988. (Capítulo I: Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Art. 5º parágrafo:
XLII. p.17).

BRUSCHINI, Cristina. Mulher e trabalho: uma avaliação da década da mulher. São Paulo:
Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985. (Década da mulher).

KHOURY, Yara Aun. Narrativas Orais na Investigação da História Social. Projeto História –
História e Oralidade. N 22. São Paulo: EDUC, 2001, p. 79-104.

LIMA, Márcia. Trajetória educacional e realização sócio-econômica das mulheres negras


brasileiras. Revista Estudos Feministas. IFCS/UFRJ, vol. 3, n. 2, 1995.

PORTELLI, Alessandro. O que faz a História Oral diferente. PROJETO HISTÓRIA, São
Paulo, nº 14, pp. 25-39, fev/1997.

SILVA, Maria Nilza da. A Mulher Negra. Revista Espaço Acadêmico. Ano II, nº 22. Março de
2003. Disponível em < http://www.espacoacademico.com.br/022/22csilva.htm>. Acesso em
18/05/2006.

VALENTE, Ana Lúcia E. F. Ser Negro No Brasil Hoje. 11ed. São Paulo: Moderna, 1994. 87p.
Col. Polêmica.

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