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NOOPOLITIK, REDES SOCIAIS E GOVERNO ELETRÔNICO:

O CASO DO PORTAL ENSINO AFRO BRASIL

RESUMO

Este artigo apresenta e analisa o caso do curso à distância Formação em História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, do projeto Capacitação de Professores para Implementação da Lei Federal 10.639 de 2003
(convênio 011/2004 MEC/SECAD) desenvolvido pela Ágere Cooperação em Advocacy, ONG de Brasília,
em parceria com o Ministério da Educação, e o relaciona com o conceito de noopolitik. Iniciativas de
governo eletrônico disponibilizam informações que são captadas e transformadas em ferramentas de
articulação política, que geram novas interações entre Estado e sociedade civil, por sua vez transformadas
em mídia disseminadora de conhecimento que irá formar novas redes sociais, em uma espiral progressiva de
participação democrática através da Internet. Neste processo, podemos observar a emergência de um Estado
em rede e de Organizações Neo-Governamentais.

PALAVRAS-CHAVE:

Noopolitik - Redes Sociais – Governo Eletrônico – Políticas da Identidade – Sociedade da Informação


– Estado em Rede – Capital Social

1. INTRODUÇÃO
“Não se pode falar sobre tecnologia ou
conhecimento sem falarmos de poder.” – Carnoy
& Castells

O desenvolvimento das Tecnologias de Informação (TI) alterou a dimensão da política, ao transformar as


bases estruturais das relações de poder dentro da sociedade. O conhecimento e a informação formam agora
novos eixos de poder, e o acesso da sociedade civil ao conhecimento relativo às diversas instâncias das
políticas públicas possibilita sua interferência nos processos de tomada de decisão política de maneiras mais
diretas e participativas. A partir do livre acesso a portais governamentais que fornecem informações
importantes sobre diversos processos e tramitações da administração pública, atores organizados da
sociedade civil podem definir estratégias de advocacy, de promoção e reivindicação de direitos humanos e
ambientais. A publicação de emendas constitucionais e leis federais on-line logo após sua proposição ou
promulgação pelos portais governamentais federais tem fornecido às Organizações Não Governamentais
(ONGs) informações cruciais para a definição de suas agendas de ação política. O acesso praticamente em
tempo real permitido pelas TI aos processos legislativos dá às ONGs ferramentas práticas na cobrança pela
implementação de benefícios sociais previstos em lei. O acesso às novas leis e emendas através de portais
governamentais facilita a organização das iniciativas da sociedade civil, e favorece a formação de redes
eletrônicas de articulação política.

De acordo com Poster (1995), as TI trazem novas formas de expressão política, criam novas vozes coletivas,
novas interatividades que são os principais elementos das formas contemporâneas de engajamento político.
As TI também fornecem às ONGs canais de comunicação e mídia alternativa que conectam diversas
organizações ao redor de uma mesma causa ou objetivo comum. Temos assim a formação de redes sociais
eletrônicas de natureza política, entre elas: as que atuam paralelamente ao Estado, as que são representativas
do Estado, e finalmente as que promovem a interação entre o Estado e a sociedade civil, geralmente
compostas por ONGs. Muitas vezes, as novas possibilidades oriundas desta interação serão exploradas
democraticamente também através da Internet. Esse é o caso da parceria da Ágere Cooperação em Advocacy
com o Ministério da Educação.

Como um exemplo do tipo de resultado social concreto obtido pelas redes que atuam como pontes entre
sociedade civil e Estado, este artigo aborda o caso do curso à distância “Formação em História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana”, do projeto Capacitação de Professores para Implementação da Lei 10.639 de
2003 (convênio 011/2004 MEC/SECAD) desenvolvido pela Ágere Cooperação em Advocacy, ONG de
Brasília. A Ágere atua diretamente junto ao Congresso Nacional, abordando parlamentares e acompanhando
propostas legislativas, usando diariamente em seu trabalho informações obtidas através dos diversos portais
governamentais: “ciente de que é preciso uma legislação favorável à execução de políticas públicas para que
projetos sociais, de fomento à cultura e de preservação do meio ambiente se efetivem, a equipe de advocacy
da Ágere atuou incisivamente no Congresso Nacional durante todo o ano, sensibilizando parlamentares,
mapeando e acompanhando proposições” 1. Este mapeamento e acompanhamento é complementarmente
feito através do monitoramento institucional de sites governamentais.

O conceito de advocacy é definido pela organização como ações de auxílio à “formulação e execução de
políticas públicas em prol de uma causa, por meio de acompanhamento de proposições no Congresso,
buscando influenciá-las positivamente; mobilização da sociedade civil; participação e atuação em eventos
relacionados a questões sociais e ambientais (...)”2. Todo este trabalho baseia-se no livre acesso às
informações contidas nos portais legislativos. O curso à distância “Formação em História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana”, parte do projeto Capacitação de Professores para Implementação da Lei 10.639 de
2003, é conseqüência direta desse acompanhamento legislativo. O curso, por outro lado, constitui uma
estratégia de advocacy por excelência, no âmbito municipal e estadual: visa empoderar os professores a
cobrarem dos gestores educacionais a aplicação da política pública de promoção da igualdade racial via lei
10.639, ao invés de gestões diretas do governo federal com os governos estaduais ou municipais para a
implementação do dispositivo legal. E tudo isto usando o ciberespaço como plataforma educacional.

A Lei 10.639 de 2003, estabelece que:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e


particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo


incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do
Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira


serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História
Brasileiras.”

(D.O.U. de 10.1.2003)

Para garantir a implementação desta lei, uma rede de articulação política, contando com lideranças negras na
área educacional e legal, coordenada pela Ágere, desenvolveu a proposta do curso “Formação em História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana”, que foi realizado à distância em 2005 através da Internet para 5000
professores de todo o país, tendo sido financiado pelo Ministério da Educação.

2. O PORTAL http://www.ensinoafrobrasil.org.br

1
Sites como www.planalto.gov.br, www.camara.gov.br, www.senado.gov.br e sites dos
ministérios são periodicamente consultados.
2
São exemplos de mobilizações que a Ágere está envolvida: III Dia da Faixa Branca – CarroÇato
(http://www.chamadacontrapobreza.org.br/carrocato.html) e Campanha Nacional pelo Direito à
Educação (http://www.campanhaeducacao.org.br/)
2.1 A página inicial do portal

O portal Ensino Afro Brasil foi criado em 2005 como política pública de implementação da Lei
10.639/2003, que veio como resposta a demandas sociais relativas à promoção da igualdade racial no Brasil.
Estas demandas tiveram como modelo o Movimento pelos Direitos Civis ocorrido nos anos 50/60 nos
Estados Unidos, que por sua vez originou a formulação de políticas de ação afirmativa nas décadas
subseqüentes. As políticas de ação afirmativa “foram experimentadas como forma de garantir direitos a
grupos historicamente excluídos de sua cidadania plena” e “denunciaram que a igualdade abstrata não
significou, necessariamente, a garantia de relações justas” (Moehlecke 2004). A justiça baseada no mérito se
torna falha diante das desigualdades no acesso à obtenção deste mérito. A igualdade de direitos
constitucionais esbarra na desigualdade histórica de oportunidades de ascensão social, tanto para os negros
americanos quanto para os brasileiros.

O Brasil tem uma população onde 45% são negros (pretos + pardos), que constituem 65% dos pobres, 70%
dos miseráveis e 55% dos analfabetos funcionais (IBGE). Mais de 70% dos 45% de negros da população
estão abaixo da linha de pobreza. Se não existe consenso nacional em relação às políticas de ação afirmativa,
ele sem sombra de dúvida existe em relação às desigualdades existentes entre brancos e negros no país.
Também é fato comprovado que o povo brasileiro em sua maioria não reconhece ou fala de sua ascendência
africana. O governo brasileiro tardou a adotar políticas de ação afirmativa. Moehlecke (2004) traça um breve
histórico das ações afirmativas do governo federal, de 1968 até agora:

“Um primeiro registro do que hoje chamamos de ação afirmativa


data de 1968, quando o Ministério do Trabalho manifestou-se em
favor da criação de uma lei que obrigasse empresas privadas a
contratarem uma porcentagem de empregados negros. (...) Foi
somente nos anos de 1980, com a redemocratização do país, que o
então deputado federal Abdias Nascimento formulou o primeiro
projeto de lei propondo uma “ação compensatória” ao afro-
brasileiro em diversas áreas da vida social como reparação pelos
séculos de discriminação sofrida. (...) Em 1995, pela primeira vez,
o presidente da República reconhece que o Brasil é sim um país
racista (...) No entanto, seria preciso esperar mais oito anos para
que o assunto entrasse na agenda política nacional, como ocorreu
por meio do programa de combate ao racismo apresentado pelo
governo federal na Conferência Internacional contra o Racismo,
Xenofobia e Intolerância, realizado em Durban, na África do Sul,
em 2001. Desde então, políticas de ação afirmativa direcionadas à
população negra espalharam-se pelo país”.

Em 2003, temos a aprovação da Lei 10.639, que foi um marco rumo ao resgate da história do povo negro
brasileiro, pois com a inclusão no currículo escolar do estudo sobre História e Cultura Afro-Brasileira há a
valorização de uma cultura ancestral e o comprometimento governamental na construção de políticas
multiculturais no Brasil. Nenhuma outra política pública tem força maior do que a educação na promoção de
novos valores de igualdade, justiça e cidadania plena. Com esse objetivo, é preciso “vestir a pluralidade de
culturas, raças e nacionalidades e encontrar um lugar para essa pluralidade no currículo escolar e no Estado”
(Willinsky 1998). É nesse espírito que o portal Ensino Afro Brasil foi criado.

Os professores brasileiros, em sua grande maioria, não estavam capacitados para trabalhar o tema de maneira
correta, uma vez que a maioria dos livros de história brasileira dá pouca ênfase à cultura africana. Após a
aprovação da Lei, era preciso capacitar os professores para que pudessem colocá-la em prática. Uma
pesquisa realizada pela Unesco, em parceria com o Instituto Paulo Montenegro, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e o Ministério da Educação divulgada em 2004 acerca do perfil
dos professores brasileiros do ensino fundamental e médio, em escolas públicas e privadas de área urbana
revelou que em geral nas escolas públicas 49,5% dos professores possuem computador em casa, 40,4% usa
correio eletrônico e 41,6% navega na Internet. Se levarmos em consideração que 40% do total dos
professores em áreas urbanas apresentados no quadro acima têm acesso a Internet teremos cerca de 600.000
pessoas. Nesse contexto, surge naturalmente a idéia de realizar essa capacitação através da Internet, para
atingir professores de todo o país.

2.2 A plataforma educacional interativa do curso

O curso à distância “Formação em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, teve início em abril de
2005 e finalizou-se oficialmente no mês de setembro de 2005, com mais de 3 mil professores certificados.
Destacou-se por um universo de professores sendo formados em 505 das 558 microrregiões brasileiras, o
que só foi possível por seu caráter a distância via Internet, que permitiu estudar e realizar as atividades sem
horários pré-estabelecidos. Uma característica importante do curso é que professores podiam baixar/salvar os
conteúdos e estudar os mesmos sem estarem conectados à Internet, voltando depois para responder as
atividades. Isto facilitou a participação dos professores que somente tinham acesso discado a Internet, o que
é caro. Também estavam a disposição dos professores chats, fóruns de discussão e uma central de tutoria
com tutores e supervisores para auxiliar em dúvidas relacionadas a parte tecnológica e de conteúdo do curso.
As inscrições foram abertas no portal Ensino Afrobrasil - http://www.ensinoafrobrasil.org.br (criado
especificamente para o curso) e em cerca de um mês se inscreveram mais de 23 mil candidatos para 5 mil
vagas. A divulgação do curso foi feita em sites na Internet e por meio de anúncio na revista Nova Escola.
Ainda hoje o site recebe um grande número de novos visitantes e muitos professores continuam enviando e-
mails solicitando participar do curso.

Professores de escolas públicas nas áreas de história, artes e literatura/língua portuguesa tinham preferência,
porém sem impedimento da participação de profissionais das demais áreas, visto que a educação das
relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana constituem tema a ser tratado
de maneira transversal no currículo escolar. Professores de escolas privadas também foram admitidos, mas
em menor proporção. Os conteúdos foram estabelecidos conjuntamente por membros dos Núcleos de
Estudos Afro Brasileiros (NEABs) de várias universidades federais, entre elas a UnB, UFRJ, UFAL e
UFMG. Estes conteúdos, desenvolvidos especificamente para o curso, foram dispostos na plataforma de
educação divididos em 5 unidades, sendo que ao final de cada unidade os professores deveriam responder
algumas atividades de verificação de leitura. Buscando dinamizar as aulas foram incluídos comentários,
imagens, glossário, links e bibliografia. Para um aprofundamento maior dos conhecimentos apresentados, ao
longo do curso disponibilizou-se 54 textos de material de apoio dentre artigos, materiais visuais, etc. As
unidades estudadas pelos professores foram:

1- Currículo, Escola e Relações Étnico-raciais

2- O Ensino da História da África em Debate - Uma introdução aos estudos africanos

3- O Negro no Brasil

4- A Incisiva Marca Africana na Cultura Brasileira

5- O Direito É Legal no Combate ao Racismo

As tabelas e gráficos abaixo fornecem um panorama dos diversos dados relativos aos participantes do curso
e à sua abrangência nacional:

Distribuição de inscritos por UF


9000
8067
8000

7000

6000

5000

4000

3000
2566

2000 1661
1247 1547
1239
1059
659 978
1000 430 689
381 436 428
153 186 340 207 277 142 156
20 89 60 194 79 23
0
AM MA MS RO
AC AL AP BA CE DF ES GO MG MT PA PB PE PI PR RJ RN RR RS SC SE SP TO

2.3 Dados dos 23 mil inscritos por UF


Distribuição por Rede de Ensino
(inscritos)

16%

privada
publica

84%

2.4 Inscritos por rede de ensino

Distribuição por UF
(matriculados)

1200

1000

800

600

400

200

0
MT

TO
MG
GO
AC

PR

RN

SC
RR
RO
AM

MA

MS
AL

RJ
DF
AP

PA
PB

RS

SE
SP
PI
BA
CE

ES

PE

2.5 Professores participantes/matriculados no curso por UF


Distribuição dos matriculados por Rede de Ensino

6,9%

Privada
Pública

93,1%

2.6 Dados dos matriculados por rede de ensino

Número de Microregiões % Número de Municípios %


Microregiões Representadas Municípios Representados
AC 5 1 20,0% 22 1 4,5%
AL 13 7 53,8% 102 14 13,7%
AM 13 6 46,2% 62 7 11,3%
AP 4 2 50,0% 16 2 12,5%
BA 32 32 100,0% 417 80 19,2%
CE 33 26 78,8% 184 45 24,5%
DF 1 1 100,0% 1 1 100,0%
ES 13 11 84,6% 78 23 29,5%
GO 18 17 94,4% 246 48 19,5%
MA 21 10 47,6% 217 21 9,7%
MG 66 52 78,8% 853 123 14,4%
MS 11 10 90,9% 77 18 23,4%
MT 22 20 90,9% 139 33 23,7%
PA 22 16 72,7% 143 22 15,4%
PB 23 11 47,8% 223 15 6,7%
PE 19 18 94,7% 185 31 16,8%
PI 15 12 80,0% 222 19 8,6%
PR 39 33 84,6% 399 83 20,8%
RJ 18 16 88,9% 92 44 47,8%
RN 19 11 57,9% 167 17 10,2%
RO 8 6 75,0% 52 12 23,1%
RR 4 2 50,0% 15 3 20,0%
RS 35 30 85,7% 496 68 13,7%
SC 20 20 100,0% 293 49 16,7%
SE 13 5 38,5% 75 8 10,7%
SP 63 62 98,4% 645 225 34,9%
TO 8 6 75,0% 139 16 11,5%
Total 558 443 79,4% 5560 1028 18,5%
2.8 A Abrangência Nacional do Curso

2.8.1 O curso teve 5.988 professores matriculados, dos quais 1.912 (31,93%) não iniciaram nenhuma
atividade e foram considerados desistentes. Por tanto, dos 4.427 professores que iniciaram
efetivamente o curso 3.121 (70,5%) realizaram as atividades propostas e foram certificados em 443
microrregiões brasileiras (79,4%), sendo 1.028 municípios (18,48%) contando com professores
formados. Um dos pontos levantados pela Ágere e que destaca o diferencial da EAD é que mesmo sem
concluir o curso, os 1.306 não-certificados tiveram aproveitamento do conteúdo na plataforma e
interação com outros participantes nos mesmos níveis dos que receberam o certificado. Tal fato é
constatado uma vez que estes professores tiveram um total mínimo 10 horas de acesso, e por uma
questão não explicitada resolveram não finalizar o curso. Este fato no entando conta positivamente
considerando que para além da certificação despertou-se o interesse pelo tema em questão.
3. AS REDES SOCIAIS E AS POLÍTICAS DA IDENTIDADE
NEGRA NO BRASIL
“Não basta criar um novo conhecimento, é
preciso que alguém se reconheça nele.“ -
Milton Santos

Lipnack & Stamps (1994) apontam como características principais das redes sociais: objetivos e valores
comuns, interdependência entre membros independentes, troca de links entre os membros (a rede está em
constante expansão), lideranças múltiplas e pluralidade de mecanismos de integração. Ao contrário das
organizações sociais tradicionais, que possuem estruturas hierárquicas bem definidas, nas redes sociais
eletrônicas tal não existe. A hierarquia formal é substituída por formas plurais de parceria em projetos e
apoio mútuo a causas específicas, fundamentados em um mesmo senso ético. Como exemplo desse tipo de
parceria plural, no caso estudado neste artigo observamos a formação de uma rede social eletrônica entre
diferentes agências governamentais e ONGS de Direitos Humanos, que interliga-se através de links dentro
do portal http://www.ensinoafrobrasil.org.br, entre elas: Câmara dos Deputados, Comunidade Bahá´í do
Brasil, DHNet, Criola, Biblioteca Virtual de Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da
Cultura, Senado Federal, etc. Todas estas organizações estão interligadas ao redor de um mesmo valor
compartilhado: a importância da educação multicultural e a necessidade de promover o conhecimento sobre
a identidade cultural da raça negra no Brasil.

O auto-conhecimento, sob a forma de identidade cultural, é empoderador (Carnoy & Castells 1999). Saber
de onde se veio, conhecer as origens de uma raça e de um povo é fundamental para fortalecer a sua auto-
estima e seu senso de identidade. Identidade política, aqui entendida, é uma categoria social formada pela
combinação entre posicionamentos culturais coletivos que podem ou não estar baseados em premissas
étnicas ou raciais. Podemos assim construir sensos de identidade que se baseiam na diferença, ou, ao
contrário, no que existe de comum entre diversas coletividades. Em um país como o Brasil, em que a intensa
mestiçagem sugere a inexistência de identidades políticas baseadas em diferenças de raça, é mais importante
ainda reconhecer como “as categorias pelas quais conhecemos e nomeamos uns aos outros foram formadas,
categorias essas que fornecem todas as indicações de continuar a servir, dentro da política da identidade,
como forma de diferenciar a distribuição de poder na sociedade” (Willinski 1998).

O Portal Ensino Afro Brasil forneceu os subsídios necessários a um melhor entendimento da identidade
negra e trouxe como resultado concreto para a população brasileira o início de uma mudança paradigmática
no seu sistema educacional. Essa mudança de um paradigma eurocêntrico, que justifica que o conteúdo
integral do currículo escolar se baseie na cultura dominante de um país, está mudando aos poucos para outro,
multicultural e inclusivo. Graças a iniciativas como essa, vai-se pavimentando o caminho da justiça social,
adaptada a uma realidade global geradora de discursos comuns e de coletividades supranacionais que se
organizam ao redor de identidades culturais compartilhadas. O primeiro passo para que esse reconhecimento
de pontos em comum possa acontecer é a educação multicultural.

Não basta uma lei que afirme a inclusão de um determinado conteúdo no currículo escolar. É preciso
disponibilizar o acesso a este conteúdo, para que a lei não se torne letra morta. Para milhares de professores
que foram beneficiados pelo programa, o curso de Formação em História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana desperta reflexões que contribuíram para a formação de educadores mais conscientes sobre o
legado cultural trazido da África, resgatando a identidade cultural da raça negra no Brasil. Estes profissionais
da educação estão agora capacitados a influenciar na forma e conteúdo de apresentação de suas disciplinas,
de forma a efetivamente incluir os múltiplos aspectos da história da África e da história afro-brasileira no
currículo de suas disciplinas. Talvez um dos mais importantes aspectos do curso, além da disseminação de
conhecimento relativo ao valor de uma identidade cultural específica, seja a formação, através dele, de uma
rede social de indivíduos unidos ao redor de um mesmo senso ético. Podemos observar, em alguns
depoimentos de professores que participaram do curso, todo o potencial mobilizador desta iniciativa:

Edilene de Almeida Cardoso Felix (Areia/ PB) - Estou extremamente feliz por ter
participado deste curso. Foi uma oportunidade única. Para vocês terem uma idéia,
próximo a minha cidade existe uma comunidade negra chamada Zumbi. Infelizmente foi
preciso fazer o curso para despertar e conhecer essa comunidade tão falada na minha
região. Já estou entrando em contato com o prefeito, para conseguir o transporte e
colocar em prática levando meus alunos, para que eles aprendam valores e despertem
para a cidadania. Que mais cursos como esse sejam oferecidos. Tinha momentos que eu
tinha vontade de desistir, mas graças a Deus minha vontade de aprender foi maior.
Obrigada e parabéns pela equipe que organizou.

Francisco Mauro de Sousa (Milagres/CE) - Estou mandando o meu projeto


desenvolvido no Curso Ensino Afro Brasil. Sou professor multiplicador do NTE (Núcleo
de Tecnologia na Educação). O meu CREDE 20 (Centro Regional de Desenvolvimento
da Educação) tem sob sua jurisdição 22 escolas públicas estaduais e fiz divulgação do
projeto com todas elas. Acredito que teremos bons resultados. Já apresentei na SEDUC -
(Secretaria de Educação do Estado do Ceará) e no dia 16 de novembro irei a capital do
estado apresentar os resultados já conseguidos. (moro a 500 km da capital). Mais uma
vez agradeço a oportunidade que me foi dada a participar deste curso tão bom.

José Bispo da Rocha e Silva (Bom Jardim de Goiás/GO) - A realização do Curso


"História e Cultura Afro/Brasileira e Africana a distância, nos revela que a Internet
ultrapassou a barreira do tempo e transformou a terra em uma "aldeia global". O Saber e
a Cultura adquirem cada vez mais um caráter universal. A realização desse curso, nos
mostra que o momento em que vivemos pede muito mais do que reformas nas escolas e
no ensino. A escola deste século exige invenção e adaptação. O saber escolar deste
século é necessário que esteja em consonância com a tecnologia. Por isso mesmo eu
gostei muitíssimo desse curso.

Estes são apenas exemplos do tipo de reação social gerada pela disseminação democrática do conhecimento
através de meios eletrônicos. Não é “a densidade de organizações cívicas que determina a capacidade para a
ação coletiva” (Frey 2003), mas sim o grau de coesão e consenso relativo ao objetivo comum. O valor
relativo a essa interação coletiva em rede é chamado por vários teóricos de capital social, que seria entendido
como “a capacidade de os indivíduos produzirem suas próprias redes, suas comunidades pessoais” (Costa
2005).

Um dos mais importantes fatores deste empoderamento social é o uso da Internet como mídia, que permite a
criação de discursos alternativos ao discurso hegemônico tradicional, e assim agregar pessoas
comprometidas com esses novos discursos. Buscando dar continuidade ao trabalho iniciado com o curso a
Ágere criou o grupo Ensino Afro (http://br.groups.yahoo.com/group/ensinoafro) e deste modo os professores
continuam mantendo contato e trocando experiências. O conhecimento sobre a identidade cultural da raça
negra continuará a ser compartilhado através desta nova rede, que por sua vez criará mais conhecimento, que
por sua vez formará novas redes fortalecedoras de um mesmo patrimônio cultural.

4. A NOOPOLITIK E O ESTADO EM REDE

O conceito de noopolitik, derivado do conceito de noosfera criado pelo célebre Teilhard de Chardin (1964) e
desenvolvido por Castells (2003), Arquilla & Rondfelt (1999), e Martinuzzo (2005), entre vários outros, nos
parece ser o mais adequado para entendermos estes novos fenômenos, pela sua maior abrangência. A
noosfera se refere ao conjunto de idéias e conhecimento que ao ser compartilhado entre os seres humanos
gera alternativas de evolução social. Pierre Lévy (1993) parte da idéia de noosfera para elaborar o conceito
de inteligência coletiva, norteador da maioria dos estudos contemporâneos sobre redes sociais. A noopolitik
é mais do que tudo a política das redes sociais conectadas pela noosfera.

A noopolitik se refere à reconfiguração dos eixos de poder causada pelo advento da noosfera e todas as suas
implicações políticas. Se a realpolitik se baseia em disputas de poder baseadas na força bruta ou econômica,
a noopolitik se baseia em novos eixos de poder baseados na força do conhecimento e da sua disseminação
através das redes sociais. Enquanto na realpolitik a ênfase está no uso do hard power (poder econômico e
militar), na noopolitik a ênfase está no uso do soft power (poder cultural, educacional, comunicacional e
representativo). O poder na noopolitik vem menos da coerção e mais do consenso, formado através de
valores comuns compartilhados pelas diversas redes sociais.Podemos afirmar que a força política
contemporânea reside muito mais nas redes sociais organizadas globalmente do que no Estado quando
considerado de forma isolada.

Vivemos a erosão do significado tradicional atribuído ao Estado, à cidadania e à democracia. De repente,


tudo isso se tornou pequeno demais diante das novas formas de organização social engendradas pela
revolução das TI. Nunca existiu tanta indiferença e ceticismo em relação à política, na grande maioria dos
países do mundo. Existe um sentimento generalizado de desconfiança em relação ao Estado-Nação e à velha
idéia desgastada de democracia. Frey (2003) afirma que “a democracia eletrônica certamente não substituirá
a forma tradicional do processo político representativo, mas pode sim complementá-la de uma maneira que
novos padrões democráticos possam emergir, ampliando o envolvimento público na deliberação
democrática”. No caso do Portal Ensino Afro Brasil temos um Estado aberto e reativo às demandas da
sociedade civil organizada, em que podemos enxergar uma variação no eixo do poder político, que pende em
direção às redes sociais, em um exemplo de empoderamento através das TI.

A estrutura política tradicional tem se alterado de maneira tão rápida e a crise da democracia representativa é
tão profunda que não existe outra saída para a política formal a não ser criar canais de interação com outros
atores sociais. A tecnologia da informação traz uma infinidade de novos mecanismos de representação
política, como os mencionados no caso do Portal Ensino Afro Brasil e que caracterizam o trabalho de ONGs
como a Ágere. Graças às TI e ao processo acelerado de virtualização da política, atores políticos como as
ONGs não estão restritos a limitações relativas a fronteiras e território. São atores que agem
independentemente e para além dos rótulos da política centrada no Estado-Nação, e que possuem,
conseqüentemente, um discurso global centrado no reconhecimento de uma ética comum, baseada na troca e
disseminação de informações em rede, sem exclusão da ação política tradicional. As redes sociais, tanto
locais quanto globais, emergem como pilares de novas relações de poder dentro da sociedade de informação.
A iniciativa e coordenação dos esforços políticos necessários, tanto para a elaboração da Lei Federal 10.639
quanto para a sua implementação parcial através do curso de formação analisado, foram provenientes de
ações de advocacy organizadas através de redes sociais civis. Enquanto que as redes são conseqüência direta
da formação de uma nova sociedade baseada fundamentalmente no poder do conhecimento, o Estado-Nação
é fruto de velhas configurações de poder históricas baseadas em estruturas típicas do capitalismo industrial,
em sua origem mercantilista. Castells (2003) compara a Internet ao chão de fábrica da sociedade industrial: é
na rede que está a infra-estrutura da organização social contemporânea. Isso não quer dizer que o Estado
perde sua importância, apenas quer dizer que ele perde seu papel de centralizador da legitimidade, que passa
a ser distribuída entre diferentes redes de articulação política. Estamos vivendo a transição de uma prática
política Estado-cêntrica para outra Net-cêntrica, centrada nas interações entre redes sociais (Arquilla &
Rondfelt 1999).

Se a transmissão e produção de conhecimento se tornam cada vez mais importantes para o Estado, ao mesmo
tempo ele começa a perder o controle sobre esses processos. Como podemos observar no caso do Portal
Ensino Afro Brasil, toda a produção dos conteúdos educacionais e o controle sobre os seus mecanismos de
disseminação estavam nas mãos da sociedade civil organizada. O Estado apenas financia a iniciativa,
ocupando um papel secundário. Ou seja, podemos observar que o Estado passa a encorajar a
descentralização de ações sociais e a buscar parcerias com o terceiro setor. Tudo indica que o Estado está se
voltando mais e mais para as redes sociais em busca de parceiros que contribuam para legitimar suas ações.
Para Carnoy & Castells (1999), uma nova forma de Estado está surgindo. O Estado da sociedade da
informação é um Estado em rede. Um Estado que compartilha atribuições, um Estado negociador que
interage fortemente tanto com outros Estados quanto com diversas instituições supranacionais e “neo-
governamentais”(Carnoy & Castells 1999). Mais uma vez a Ágere é um exemplo perfeito de organização
“neo-governamental”: atua conjuntamente ao governo, de forma interdependente.

5. CONCLUSÃO
Se a Internet é uma rede eletrônica de informações, as redes sociais são redes de indivíduos e organizações.
Somando as duas coisas, temos redes sociais eletrônicas, que através da Internet geram conteúdos, adquirem
conhecimento, compartilham valores, disseminam informações, mobilizam segmentos sociais e interferem
nos mais variados tipos de atividade política e cultural. Esta conectividade inerente à multiplicação de
iniciativas de engajamento cívico através da Internet representa um aumento de força política para a
sociedade civil. Somente a partir da articulação e negociação de estratégias comuns de ação social, ou seja,
através da formação de redes, é que um maior impacto político pode ser alcançado no contexto da sociedade
da informação.

Com o curso de Formação em História Afro-brasileira, mais de 3000 professores de todo o Brasil se
tornaram agentes multiplicadores de conhecimento e cultura. Iniciativas como essa geram um aumento do
poder político das comunidades, um empoderamento da sociedade civil via Internet, que se torna
independente da mídia convencional para a obtenção de informações estratégicas, negociação e formação de
consenso e veiculação de seus conteúdos e reivindicações. O potencial da Internet é revolucionário quando
possibilita aos integrantes da rede serem, além de meros consumidores da informação, também produtores
de informação. Cada ponto receptor da rede se torna por sua vez um canal de propagação. Jamais uma mídia
foi tão democrática e participativa, mesmo levando-se em consideração todo o problema da exclusão digital.

Considerando-se que “a noopolitik enfatiza a importância dos atores não-estatais, e exige que estes assumam
papéis fortes” (Arquilla & Rondfelt 1999), vemos que o curso de Formação em História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana é um claro exemplo da prática da noopolitik no empoderamento social gerado a partir
do conhecimento. Usando estratégias de soft power como o advocacy e o acesso a informações-chave via
portais de governo eletrônico, temos ações políticas que garantem a disseminação do conhecimento, que por
sua vez gerará mais articulação política, e assim por diante, em uma espiral contínua de expansão da
participação social ativa na formulação e implementação de políticas públicas verdadeiramente
representativas e democráticas.

REFERÊNCIAS
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