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RESPONSABILIDADE CIVIL DO MEDICO Dimas Borelli Thomaz Junior Juiz de Direito em Sao Paulo Professor de Direito Civil I- Legislacdo: 1° noticia sobre a atividade médica: Cédigo de Hamurabi (1790-1770 a.C., artigos 215 e segs.); Digesto (1, 18, 6 7); Cédigo Civil (artigos 159 e 1.545); Cédigo de Defesa do Consumidor (artigo 14, § 4°). II- Generalidades - Conceito de Medicina- -Quem a exerce- Respon- sabilidade Civil - Obrigagao de meio e/ou de resultado. A Medicina nao s6 é a arte de estudar as doengas e fixar procedimentos curativos necessdrios a fazer as pessoas voltarem ao estado saud4vel anterior ao mal que as acometeu, como também a de estabelecer as formas e condutas preven- tivas tendentes aevitar a eclosao de males ¢ ataques a satide humana. Em sintese apertada, desdobra-se em medicina preventiva e medicina cura- tiva, ambas voltadas ao bem estar das pessoas. Aquela antecipando-se para pre- venir as agress6es & satide dos individuos, esta cuidando de quem nao se safou daqueles ataques e cuidando para que tenha a satide restabelecida. Seria caso, nos dias que correm, tiltimos dias do Século XX, de se responsa- bilizar os governos ¢ os governantes por muitas das mazelas a satide da populagao. Na maioria das vezes, 0 cidadao, nao aquele com dinheiro para o médico particular nem com “carteirinha do convénio”, mas aquele pobre diabo que ja nas entranhas da mae mal alimentada vinha se formando mal, para nascer mal num. DIMAS BORELLITHOMAZ JUNIOR hospital puiblico e crescer mal numa sociedade que afronta a dignidade do cidadao antes mesmo que cle venha a luz, no tem sequer a quem recorrer quando sua combalida satide deteriora-se a ponto de impedi-lo para qualquer atividade. N§o tendo a quem recorrer primariamente, teria apenas a quem responsabi- lizar por tanta miséria, mas ndo ha na hist6ria brasileira a ocorréncia de medidas judiciais tendentes a obrigar o Poder Publico pér para funcionar as chamadas poli- ticas piblicas de atendimento. Essa responsabilidade por deficiente alimentagio, por deficiente educacao, por absoluta falta de condigGes de vida digna, nao é nunca exigida pelos meios juridicos coercitivos. Fica-se mais na panfletagem, na retorica, no discurso ocasional, sem que a legislacfio fornega modos e meios para exigir que as promessas cleigociras sejam efetivamente cumpridas. HA até indicagao de algumas medidas mfnimas elencadas na Lei 8.069/90, Estatuto da Crianga e do Adolescente (artigos 7° a 14 e 208), mas isso € assunto para outro momento. Enquanto isso, avilta-se também a profissao médica, tido e havido o médico, em tempos j4 remotos, como verdadeiro semideus, que ia do bom e amigo conse- Iheiro ao salvador de vidas. Eram outros tempos, em que havia 0 “médico da familia” sem muita especi- alizagao, mas com forte conhecimento até do que ia pela alma de seus pacientes. A massificagdo do ensino em todas as areas, a caréncia de bons professores, que fogem das cétedras aviltadas por saldrios infimos, também atingiu, inequivoca- mente, as salas das faculdades de medicina. No entanto, e de h4 muito nao se aponta esse grave erro, a proliferagao de escolas médicas veio como tentativa de se dar bom quadro estatistico aos servi¢os de satide. Como seria possfvel nao se estar em Estado de Direito, embora se vivesse sob férrea ditadura, com tantas faculdades de Direito, formando milhares de ba- charéis todos os anos? Como haveria problema de satide num pais com tantas escolas de Medicina? Era a pedra de toque para a drea da satide. Easescolas de Pedagogia? Eas de Engenharia? Sempre a busca de se dourar a pilula, pois sim? Formam-se no pais cerca de 10.000 médicos/ano, vindos muitas vezes de cursos fraquissimos, situagao como sabido que nao é sé da area médica, que atuaréo 182 RESPONSABILIDADE CIVIL OO MEDICO. em rea absurdamente sucateada. Os hospitais, salvo rarfssimas exce¢Ges, também esto pela hora da morte e poucos, muito poucos, escaparao dela. Os hospitais morrem, muitas das vezes, de infecgo gravissima, advinda de notérios atos de corrupgio. O sistema previdenciario piblico, sustentado por emperrada burocracia e por desmandos administrativos, também deixa a satide do brasileiro pelahora da morte. Surgem os oportunistas, verdadeiros mercadores da satide alheia: os convé- nios médicos. Vistos pela propaganda que alardeiam seus beneficios ou pelos patrocinios de atléticas equipes esportivas, tem-se a nitida idéia de que por um punhado de tostdes 0 “conveniado” jamais, nunca mesmo, padecerd em filas ou por qualquer falta de atendimento. Idiossincrasias a parte, seja a medicina exercida pelos médicos particulares, seja pelos médicos do sistema previdencirio péblico ou particular, nenhum profis- sional estd livre de, por esta ou aquela, incorrer em resultado danoso para situa¢io que se antevia as vezes como de facil solugao. Por vezes, sao os invios meandros do destino que fazem desviar a atengao, o conhecimento, o cuidado, o melhor estudo. De repente, surge o resultado dano- So. Na formagao universitaria brasileira apenas podem exercer a medicina aque- les habilitados por escolas médicas reconhecidas pelo Ministério da Educagao e Cultura. O titulo e a profissao de médico sé podem ser concedidos a esses forma- dos. Profissdes havidas como complementares, afins, auxiliares da arte médica exigem outro tipo de formagio e no se confundem, em absoluto com a profissao de médico. Para os fins e efeitos de responsabilidade civil do médico exige-se, pois, seja o agente formado em Faculdade de Medicina. O pratico, o curioso, 0 charlatao, nao podem exercer a medicina, como € curial, mas também nao a pode exercer quem nio tenha 0 registro da habilitagio, nao bastando ter encerrado 0 curso ou obtido o diploma se nao se o registrou devidamente. , Postas essas premissas, insta-se andlise de quando ocorre a questo da res- ponsabilidade civil do médico. DIMAS BORELLITHOMAZ JUNIOR Para se aquilatar se houve responsabilidade civil tem-se que verificar sobre a conduta do profissional, a ocorréncia de dano, lesao, prejuizo a alguém por ele atendido, a etiologia entre aquelae um destes ea inexisténcia de causas excludentes da responsabilidade. Assim é porque a responsabilidade civil do médico surge como surge a res- ponsabilidade civil de qualquer profissional ou de quem quer que, por agao ou omissAo voluntéria, negligéncia ou imprudéncia, violar direito, ou causar prejuizoa outrem, na reza do artigo 159 do Cédigo Civil. Quem quer que cause prejuizo a outrem, violando direito, fica obrigado a reparar 0 dano (ainda o artigo 159 do Cédigo Civil). Abstraidas as questGes até sem4nticas sobre ser disjuntiva ou copulativaa idéia do legislador (rectius violar direito ou causar prejuizo-violar direito e causar prejuizo), tem-se que diante de lesao a direito, o causador ha de repara-lo. Nem se perquira aqui pelo quantum, ou se cuida de reparagao punitiva, exemplificativa, emulativa, eqiiitativa, equivalente, restauradora ou reparadora de situagdo. Legem habemus: causado 0 prejuizo, o causador indenizara. Sempre? Nao, apenas quando houver situa¢ao tipificada, genericamente no artigo 159 do Cédigo Civil ', ou, no caso dos médicos, também expressamente no artigo 1.545 do Cédigo Civil * Ora, a responsabilidade civil, em qualquer das situagdes legais vem sempre sob a rubrica “ato ilicito”. Responsabilidade civil, sabe-se, decorre da ilicitude da conduta do agente. Logo, pode ser por descumprimento de contrato ou por acontecimento extra- contratual, pois aqui como ali ha sempre a ilicitude. Contratos hao de ser cumpridos -pacta sunt servanda- e seu nao cumpri- mento pode sugerir indenizacio ou reparacao; atos ilicitos propriamente ditos tam- bém exigem, ou autorizam o lesado, a buscar indenizagao ou reparacao. Na questo da arte médica, como em geral deriva de todas as atividades profissionais, acrescente-se plus a esses conceitos por se presumir que alguém habilitado e perito em determinada profissdo nao va concorrer para prejuizo ou dano. “Aquele que, por ago ou omissio voluntiria, negligéncia, ow imprudéncia, violar dizeito, ou causar prejufzo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificagio de culpa e a avaliagio da responsabilidade fegulam-se pelo disposto neste Cédigo, arts, 1,518 a 1.532 ¢ 1.537 a 1.553", 2 "Os médicos, cirurgides, farmacéuticos, parteirns ¢ dentistas sio obsigados a satisfazer 0 dano, sempre que da imprudéncia, negligéncia ou impericia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitagio de servir, ov ferimento”. 184 RESPONSABILIDADE Civil D0 MEDIC, Eexpressiva acolocagéio de CARVALHO SANTOS: “presume-se perito e habilitado todo aquele que exercita publicamente uma arte, oficio ou profissao, de sorte que se devido a uma impericia, resultar qualquer dano, tem 0 prejudicado o direito de exigir a devida indenizagao, precisamente porque tinha razGes para acre- ditar na habilitago de que exercia publicamente a arte ou profissao respectiva” * Esse 0 plus a ser considerado; exige-se mais de quem se apresenta bem qualificado a determinado mister. Nao se descure, no entanto, de se saber que relacao juridica surge na atividade médico-paciente. Num primeiro lanco nao € de ser olvidado que a atividade médica é daquelas de meio, nao de resultado. Em regra, é esse 0 consenso; a nao ser quando h4o dissenso em determina- da drea da Medicina, pois se em regra a sua atividade é de meio, quando se cuida daquela especialidade “cirurgia pléstica” tem-se como atividade de resultado. O médico nao se obriga a dar, conseguir ou obter o resultado querido tanto por ele quanto pelo paciente. Sua obrigagao, sendo daquelas de meio, fixa-se apenas pela diligénciacom que se puser a trabalhar em favor da recuperagao e restabelecimento da satide de quem o procurou. N§o obtido o resultado ou até mesmo havendo dbito do paciente, se empre- gou toda sua diligéncia, pericia e prudéncia, a obrigacao, resumindo-se nesse com- portamento positivo, cumpriu sua obrigagao. Nao se dara énfase a indenizagao ou reparagdo por nao obtido este ou aquele resultado -tampouco se livra o pacien- te ou quem por ele de pagar pelos servigos médicos-. Fosse de resultado, como por vezes é possivel que seja, 0 paciente teriao direito de exigir do médico a produgao de resultado determinado e previamente ajustado. Nao obtido tal desiderato, nem se impée o pagamento ¢ até surge a possibilidade de indenizago ou reparagao. A responsabilidade civil do médico, deveras, nao surge, como regra, se hou- ve ou no o resultado almejado pelo paciente ¢ até mesmo pelo profissional. Para SILVIO RODRIGUES, no entanto, “no campo da cirurgia plastica, ao contrario do que ocorre na cirurgia terapéutica, a obrigacdo assumida pelo cirur- gifio, € uma obrigagdo de resultado, e nao de meio”. Eexplica essa distingo porque na intervengao terapéutica a pessoa esta 3 Cédigo Civil Brasileiro Imerpretado, Livraria Freitas Bastos $.A., 13° Edigio, vol. XXI, pig. 247, + Direito Civil,Editora Saraiva, vol. 4 (Responsabilidade Civil), pag, 271. DIMAS BORELLI THOMAZ JUNIOR doente ¢ busca cura enquanto na cirurgia plastica o paciente é pessoa sadia que almeja remediar uma situagdo desagradavel, mas nao doentia. Conquanto a explicagao nao seja de boa técnica médica, pois é sabido que muitos defeitos fisicos doem na alma e no espifrito tanto quanto ou até mais que uma lancinante dor provocada por doengas ou patologias outras, a melhor doutrina pa- trianavega nessas 4guas. Assim entendem também AGUIAR DIAS, CAIO MARIO DA SILVA PE- REIRA. Miguel Kfouri Neto, no entanto, em sua brilhante monografia sobre 0 assun- to, faz distingSes outras para fixar obrigagao de meio “se a cirurgia tiver por finali- dade a reparaco de graves defeitos -causados por acidentes de automével, do trabalho, queimaduras, v.g.-”*. No entanto, o ilustre monografista refere boa ligao de mestre e jurista platino de que toda e qualquer intervengao sobre 0 corpo humano é aleatéria, tanto que ele, como adoutrina e jurisprudéncia francesas, tém-se orientado em que 0 “cirur- gidio plastico nao esté obrigado a obter um resultado satisfatério para o cliente, mas somente a empregar todas as técnicas e meios adequados, conforme o estado atual da ci€ncia, para o melhor resultado da intervengao solicitada pelo paciente” (op. cit., pag. 156). Isso sem considerar, é evidente, 0 carater subjetivo do resultado de cirurgias plasticas. Orelhas de abano no ornamentam bem qualquer rosto, a nao ser que a pessoa ache seu aquilino nariz a fonte de todos os seus problemas... A tese preferivel, no entanto, é a de que em regra a obrigag4o do médico é de meio, aquela em que “a propria prestagdo nada mais exige do devedor do que pura ¢ simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar 0 resultado” e nao ade resultado em que “o devedor se obriga a alcangar determinado fim sem o qual nao tera cumprido sua obrigagao .. . ou consegue o resultado ou ter que arcar com as conseqiiéncias”. Para bem se entender a obriga¢ao de meio: estao sujeitos a ela, v.g., os médicos, os advogados, os contratos de propaganda e publicidade. As obrigagdes de resultado esto vinculados, v.g., o tansportador, que se compromete nao sé ao transporte mas a entrega; 0 mecinico de autos, que se compromete a consertar 0 veiculo. O médico, seja pelos conceitos técnicos ou pelos conceitos laicos, que pro- mete determinado resultado em regra estar ferindo 0 razodvel, a ética, o Direito e * Responsabilidade Civil do Médico, Editora Revista dos Tribunais. 1994, pag. 155 186 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MEDICO, a propria Medicina. Sua obrigagao, pois, é de meio. IJ- O fundamento da responsabilidade civil do médico: a culpa. Conclui-se ser a obrigacao do médico, como regra quase absoluta, daquelas de meio. Como assim 6, e como decorre dos artigos 159 e 1.545 do Cédigo Civile do artigo 14, § 4°, do Cédigo de Defesa do Consumidor ‘, a responsabilidade civil do médico s6 surge se nao se houver ele com diligéncia, atencio e cuidado necessarios 4 obtengao nao de resultado curativo, mas sim de bom atendimento e do mejhor desempenho profissional possfvel. Bom atendimento nao quer dizer educagio, carinho, respeito ou outros atri- butos das pessoas de bom comportamento social. Aessas qualidades, sempre interessantes no atendimento médico, como € Obvio, deverdo estar acompanhadas da boa formagio profissional. De nada adiantam aquelas condigGes sociais isoladas se nao se tem profissi- onal dedicado ao estudo, a pesquisa, ao trabalho cientffico. Aliadas todas essas qualidades ao bom empenho no desenvolvimento da atividade médica ter-se-4, inequivocamente, cumprida a obrigagao de meio, sem que surjam danos, prejufzos, lesdes, ao cliente. Fica excluida qualquer idéia de responsabilidade civil do médico. Ao contrario, faltando a boa dedicagao profissional, incorrendo o médico em impericia, imprudéncia ou negligéncia, é inequivoco poder acontecer mal ao paciente, advindo ofensa a direito seu, fazendo surgir a responsabilidade civil. O Cédigo Civil e o Cédigo de Defesa do Consumidor, como se infere da letra da lei, ainda invocam a teoria subjetiva, vale dizer, aquela que exige culpa para fixar responsabilidade civil. Eo Cédigo Civil, que entrou em vigor em 1917, ainda refere a triade “impru- déncia, negligéncia ou impericia”’ para caracterizagao da culpa, no artigo 1.545, embora no artigo 159 nao refira sobre impericia. O Cédigo de Defesa do Consumidor exige verificagéio de culpa para apu- rac4o de responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, incluido af o médico. Embora na moderna dogmatica juridica seja preferivel a conceituagao de “Art, 14, § 4° cde : “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais seré apurada mediante a verificagio de culpa.” DIMAS BORELLITHOMAZ JUNIOR culpa como “descumprimento de dever de cuidado”, por vezes € dificil refugir aos comportamentos imprudentes, negligentes ou imperitos para se a caracterizar. Se a conduta é culposa é evidente a existéncia, entdo, de conduta livre e voluntéria, ato yoluntério no inicio de que origina aquela conduta tida como culposa, embora 0 resultado perigoso, danoso ou lesivo, nao seja querido pelo agente, caso em que se transmudaria para conduta dolosa, livre e consciente de obtengao de certo resultado. Naconduta culposa, em sintese apertada, o agente nao previu o resultado lesivo, mas poderia e deveria ter previsto. E aprevisibilidade com auséncia de previsdio, pois se ocorresse esta tiltima de novo enfrentarfamos situag4o dolosa. Talvez se entrevisse na negligéncia o género necessario para se definir e ca- racterizar a culpa porque estariam no seu conceito os de imprudéncia e impericia. Ato voluntério inicial, previsibilidade (antevisao do resultado), auséncia de previsio ¢ resultado involuntério lesivo formam a conduta culposa. Assim, negligéncia pode ser conceituada como total auséncia de cuidados no agir; éafaltade cautelanaconduta. Imprudéncia é conduzir-se desnecessaria- mente de forma perigosae a impericia é a falta de habilidade para exercer determi- nada conduta. A distingdo, como se vé, por vezes é tormentosa, mormente se se considerar, com CARVALHO SANTOS, ser impossivel tracar regras fixas como limites da responsabilidade que surge da culpa. Além disso, afirma esse autor ser ténue a linha que separa a conduta culposa daquela errénea, pois “nao se considera erro profissional o que resulta da impreci- so, incerteza ou imperfeigao da arte, sendo objeto de controvérsias e duividas” (op. cit. pag. 258). Erro no diagnéstico nao causado por culpa caracteriza erro profissional e nao faz surgir a responsabilidade civil do médico, pois se se conduziu ele com todo empenho e arte, desincumbindo-se com todo dever de cuidado, nao ficou fora da chamada falibilidade profissional decorrente de outras circunstancias. O diagnéstico € o parecer final do médico sobre o estado de satide do paci- ente ap6s aanamnese. Pressupde indagagdo sobre as mais variadas situagdes fisicas e psfquicas do paciente, envolvendo carga hereditaria, para buscar a defini- gio médica de determinado estado patolégico, -se é que ele existe mesmo-e fixar co tratamento exigido para a recuperagaio da satide abalada, Em suma apertadissima, é essa a conduta profissional do médico, considera- 188 RESPONSABILIDADE CIVIL OO MEDICO do 0 prognéstico, no entanto, dentre aquelas obrigagdes de resultado, como ja visto. Assim, 0 erro de diagnéstico € escusdvel, a nao ser que se cuide de erro grosseiro. Oerro sem imprudéncia, negligéncia ou impericia, é relevado porque aciéncia médica € incerta e conjectural. Os mesmos sintomas podem indicar diversas situagGes patolégicas. A boa razSo indica dever o médico ir eliminando cada qual com novos exames, laboratoriais e clinicos, para se chegar ao diagnésti- co correto. Estard af aplicando empenho e cuidados exigiveis na situagio; logo, nao in- correré em conseqiiéncias outras se 0 paciente padecer qualquer gravame. Em situagdes assim, nao se perquire sobre o erro profissional sen4o pela conduta do médico, buscando-se esclarecer se houve ele com todo empenho ne- cess4rio a afastar culpa. Mesmo com erro profissional, se a conduta foi extremada em cuidados ao percorrer os meios necessérios e possiveis para se apurar as cau- sas do mal e buscar debela-las, ndo houve culpa. Sem culpa, nao ha responsabili- dade civil. Indagagiio de boa medida é sobre a possibilidade de se estipular cldusula de nao indenizar no tratamento médico. Para alguns, ela surgiria quando 0 médico, que nao pode obrigar o doente a este ou aquele tratamento, obtém a devida autorizagiio do paciente ou de quem de direito por ele, para aquela ministragao. O assentimento do paciente, contudo, pode ser expresso ov técito, como vem posto, v.g., no artigo 49 da Lei 3.268/57, que 0 exige para a intervengao cirirgica. O consentimento, deveras, é para a intervengdo, nunca para abstrair eventual resultado lesivo. Nao se confunde, pois, com aclausula de nao indenizar. Alias, sobre pressupostos, elementos constitutivos e condi¢Ges de validade desse consentimento nao hd como refugir ao estudo feito por JOSE HENRIQUE PIERANGELIem sua festejada monografia “O Consentimento do Ofendido”’. Os conceitos, postos em termos da dogmatica penal, aplicam-se como luva também na andlise ora feita, pois nao € de se olvidar inexistir distingao Gntica entre culpa civil e culpa penal, pois onde existir esta existe aquela. Afastado o consentimento do paciente como excludente da responsabilidade civil, tem-se também com AGUIAR DIAS ja haver certa excludente aos médicos, com aquela ténue distincao entre erro de diagnéstico ¢ culpa. 7 2 Edigdo, Editora Revista dos Tribunais, pags. 186/190 DIMAS BORELLITHOMAZ JUNIOR Para esse grande tratadista brasileiro, o médico j4 goza de uma cléusula taci- ta de irresponsabilidade, na proporgdo da margem de erro tolerada pela imperfei- cdo da prdpria ciéncia. E prossegue em que onde se poderia convencioné-la ela ja existe -e fora daf verifica-se absoluta impossibilidade, pelo respeito devido ao ser humano. Alguns julgados, como s6i acontecer, admitem-na (RJTJSP 85/147), outros nao (RT 652/51). Podem surgir outras situagdes excludentes da responsabilidade civil, ¢ se elas excluem tal fendmeno em outras relacées juridicas, no que for aproveitdvel excluem também ado médico. Perguntar-se-ia, aqui, se a caréncia de bom ensino médico, o sucateamento da rede hospitalar, as péssimas condigées de higiene, a falta de boas condi¢des alimentares, e outros tantas mazelas sucintamente apontadas neste trabalho tam- bém poderiam ser erigidas como excludentes da responsabilidade. MIGUEL KFOURINETO chega a citar exemplo de catedratico de renomada universidade que para ensinar sutura aos alunos tinha que desenhar a agulhae a linha por falta de exemplares desses “instrumentos” para exibi¢ao e manuscio. Joga-se, ai, com a previsibilidade, pois quem vive no Brasil, aqui estudou e aqui trabalha, terd idéia das dificuldades que encontrard pelo desmazelo reinante na rea da satide. Haver4, entio, de ter ainda mais empenho, engenho e arte, do que os medianamente necessatios em condigées oferecidas em outros paises. Cuidando-se de situagdes adrede conhecidas, nao se fala em caso fortuito ou forga maior, a nao ser que situagao excepcional, fora daquelas, venha a se cons- tituir numa causa excludente. IV- Responsabilidade contratual e extra-contratual Para SILVIO RODRIGUES, a responsabilidade civil dos médicos é sempre contratual, concepg¢ao que lhe parece estreme de diivida (op. cit., pag. 268), ainda que venha posta sistematicamente no titulo dos atos ilicitos do Cédigo Civil. Ora, seja pelo artigo 159 ou pelo 1.545, ambos do Cédigo Civil, aconclu- so a que se chegaria € a de ser extra-contratual a responsabilidade civil dos médi- cos, pois a responsabilidade contratual esta regrada no artigo 1.056 daquele diplo- ma. A explicagao é a de que basta o contato entre médico e paciente para se dar 190 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MEDICO contrato. Para RUY ROSADO DE AGUIAR Jr, no entanto, “é extra-contratual quan- do, no existindo o contrato, as circunstancias da vida colocam frente a frente mé- dico e doente, incumbindo aquele o dever de prestar assisténcia, como acontece no encontro de um ferido em plena via péblica, ou na emergéncia de intervengao em favor de incapaz por idade ou doenga mental. Indica ainda ser extra-contratual a relago da qual participa o médico servi- dor piblico, que atende em instituicéo obrigada a receber os segurados dos institu- tos da satide publica, e também 0 médico contratado pela empresa para prestar assisténcia a seus empregados”. § Conquanto n4o concordemos com a colocagio de ser extra-contratual as duas tiltimas hipéteses, pois caso de responsabilidade civil surgiria pelo revelho tema de que responde o preponente pelo ato de seu preposto (artigo 1.521, Codi- go Civil), decorréncia de culpa in eligendo et culpa in vigilando. No entanto, o advento do Cédigo de Defesa do Consumidor pés pa de cal nessa disputa, pois a regra do § 4° do seu artigo 14 é cogente e nao admite requifes: havendo culpa, e s6 em caso de culpa, responde 0 médico pelo dano causado. Nao h, pois, responsabilidade objetiva nesse tema; ela é sempre subjetiva, aexigir comprovacao de conduta culposa para a existéncia da responsabilidade civil do médico. Y- Omédico empregado; 0 médico “conveniado”: de quema respon- sabilidade? A cconclusao tnica tirada até agora € a de que s6 surge a responsabilidade civil do médico se 0 paciente, ou quem de direito por ele, prove conduta culposa causadora da lesio, prejuizo ou dano. Essa € a regra insculpida, alids, desde 0 Direito Romano, pois 0 maleficium ou 0 delictum ja eram fonte de obrigagdes, nogdo posta também em texto de ULPIANO (D., 1, 18,6,7), como indica RUY STOCO no estudo antes referido. ° Havendo relagao de emprego, € curial que se dé a apuragio de responsabi- lidade civil na forma do artigo 1.521, III, do Cédigo Civil, também fundada na teoria subjetiva sufragada pelo nosso estatuto civil. * apud MIGUEL KFOURI NETO. op. cit. piig. 81-82. * apud RUY STOCO, Responsabilidade civit dos profissionais liberais ¢ dos prestadores de servigos, Caderno de Doutrina set/96, scparain da Tribuna da Magistralura - APAMAGIS. DIMAS BORELLITHOMAZ JUNIOR A questiio de médicos conveniados, no entanto, me parece distinta, pois no chamado “convénio médico” esté a obrigacao de meio e nao de resultado. Aoconvénio incumbe pér a escolha do cliente a prestagao médica. Seesta nao se da com resultado positivo para o paciente, a perquirigao de culpa seré apenas e tao $6 quanto ao médico, pois quem dard 0 atendimento médico, profis- sional, serd esse profissional, sem subordinagdo daquelas previstas no artigo 1.521 do Cédigo Civil. Dir-se-a ter acontecido culpa in eligendo de se manter conveniado médico imperito, imprudente ou negligente, mas a se pensar assim, haveria ampliagao des- cabida da responsabilidade subjetiva transbordando para a de cunho objetivo. Erazodvel aplicar-se a distingZo em casos de responsabilidade dos hospi- tais, ainda que num primeiro lango se tenha como objetiva sua responsabilidade. Essa andlise err6nea se dé quando se analisa sem maiores rigores 0 artigo 14, caput, do Cédigo de Defesa do Consumidor. Defeituosa redacao desse artigo dé mesmo, mas apenas num primeiro mo- mento, a idéia de ser objetiva a responsabilidade dos fornecedores de servigos, em que os hospitais esto incluidos. Esta 14, com todas as letras, que independentemente da existéncia de culpa, o fornecedor de servigos responde pela reparagao de danos causados aos consu- midores, mas por defeitos relativos a prestagdo dos servigos, bem como por infor- magées insuficientes ou inadequadas sobre sua frui¢ao e riscos. Para ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, a res- ponsabilidade é objetiva, tanto que “se o médico trabalhar para um hospital, res- ponderd ele apenas por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital ser apurada objetivamente”. '® No entanto, essa posigéo é combatida e combativel quando se busca saber se se cuida, na atividade hospitalar, de obrigagao de meio ou de resultado. Por outra, para se dar dano indenizavel na conduta do médico mister se faz a ocorréncia de culpa. Nao seria possivel coexisténcia de irresponsabilidade do profissional e responsabilidade do nosocémio oriundas ambas do mesmo fato. Ademais, se os danos advieram de defeitos, estes hao de ter surgido de culpa, sob pena de nao ser considerada defeituosa a conduta. RUY STOCO indica pelo menos quatro situacées excludentes desse con- ceito de responsabilidade objetiva do hospital: "© Sicut medico imputari eventus mortalitatis non debe, ita quod per imperitiam commisist imputari i deber", ou em verndculo “assim como nio se deve impular ao médivo o evento da morte, deve-se imputar a ele 0 que cometeu por imp 192 RESPONSABILIDADE CIVIL OO MEDICO 1- O Cédigo de Defesa do Consumidor nao se afastou do conceito classico de responsabilidade por ato ou fato de terceiro, consagrado no Cédigo Civil; 2- A responsabilidade assenta na presun¢ao de culpa, o que é injuridico; 3- Aplica-se apenas ¢ tao s6 0 artigo 1.521, III, do Cédigo Civil; 4- Perquire-se pela prestacdo de servigo do médico ¢ nao do hospital quan- do este é contratado para ministrar tratamento, cirurgia, acompanhamento médico ou ambulatorial. '' VI- O dano indenizavel Na dicgiio do artigo 159 do Cédigo Civil s6 quando ha violagao de direito ou prejuizo é que surge a responsabilidade civil. Prejuizo € 0 conceito de lesdo de direito para quem o sofre; dano € parao causador daquela lesdo. O causador do dano hé de indenizar o prejudicado. Entao, o dano, causado, induz a responsabilidade do causador por sua repa- racdo. E sempre seu pressuposto. Acerca da reparagiio haveria ainda muito a se falar, por ser a substancia da responsabilidade civil. Como reparar 0 dano médico? Com indenizagao pecunidria? Com busca de novo atendimento, agora com mais diligéncia, mas por quem de inicio j4 nao a teve? E tema, pois, para outra digressdo e para ser posta em outro capitulo. O dano, em suma, é ano obtengdo do resultado positivo querido pelo mé- dico e pelo paciente, embora muitas das vezes essa avaliago seja absolutamente subjetiva, como incidentalmente jé referimos, v.g., na questo da cirurgia plastica. Alias, ha expressivo exemplo citado por TEREZA A. LOPES MAGA- LHAES, tirado de tribunal francés, acerca de certa madame que se afligiacom pélos no rosto ¢ que, submetida a tratamento radioterdpico, “trocou” os pélos por no menos -e nao mais- horrive] marca, mas ainda assim coube a indenizagao -o resultado importou, em face da situagao. '* Ent&o, o dano pode atingir 0 aspecto estético, mas também os aspectos patrimonial e moral. Um sé exemplo, talvez até rocambolesco, bem mostra essa possibilidade: craque de futebol franzino, com futuro promissor, submete-se a tratamento médico para conseguir massa compativel com os esforgos a que se submeterd “para ter ‘Comentirios ao Cédigo de Protegio do Consumidor, Editora Saraiva, 199t, pag. 80. " Dano Estético a Pessoa. Sua reparagiio civil. apud SILVIO RODRIGUES, Op. Cit., pag. 272, nota de rodapé 222, DIMAS BORELLI THOMAZ JUNIOR ainda mais sucesso”. Por esta ou aquela advém erro médico suscetivel de reparagio, aleijando o futebolista: o prejuizo expiado pelo craque tem carater estético, pois se ele era franzino e fracote, niio era aleijado; tem cunho patrimonial porque ele tinha, apesar de franzino e fracote, todo futebol necessdrio para fazer sua profissdo e perdeu sua “ferramenta de trabalho”; moral porque atingiu seus brios, sua honra e suas pers- pectivas e expectativas de sucesso. Assim, como se d4 em regra na responsabilidade civil, também na do médico odano pode ter aquelas trés vertentes. O valor ou a forma de recomposigao da situagAo, jé se escreveu, é matéria para outra dissertacdo, ou futura ampliacdo deste trabalho. CONCLUSAO Aresponsabilidade civil do médico surge quando, no exercicio de sua arte € profissdo, por conduta culposa, cause prejuizo a outrem. A solucio para médicos e pacientes, embora onerosa para aqueles em con- sideradas situagdes, é a pratica do seguro de responsabilidade civil do médico, quase inexistente no Brasil. 194

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