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Resumo: O artigo discute a relação entre o Estado e movimento de LGBT3 brasileiro com o objetivo de apontar as
contradições produzidas na história recente das políticas públicas instituídas e implementadas por meio da parceria
entre o Estado e movimento social. Utilizamos como foco principal o Programa Brasil sem Homofobia que compôs o
arcabouço legal de ações estatais de combate à homofobia. A análise pautada no referencial teórico materialista
histórico-dialético busca compreender como o Estado, no momento em que teve suas funções redefinidas pelas
políticas neoliberais, formula e implementa a política de combate à homofobia. Concluímos que o movimento de
esvaziamento do Estado e a redução das políticas públicas produziram, contraditoriamente, caminhos de maior
presença do movimento LGBT na formulação de políticas de combate à homofobia e como consequência disso uma
maior garantia de direitos para sujeitos LGBTs, ainda que muito parcas.
Palavras chave: Estado; Movimento LGBT; Política de combate à homofobia.
Resumen: El artículo discute la relación entre el Estado y el Movimiento LGBT brasileño, cuyo objetivo es señalar las
contradicciones producidas en la reciente historia de las políticas públicas instituidas e implementadas a través de la
alianza entre el estado y el movimiento social. Hacemos foco principal en el Programa Brasil sin Homofobia, que
constituyó el marco legal de acciones estatales para combatir a la homofobia. El análisis se embasa en el referencial
teórico materialista histórico-dialéctico, busca comprender cómo el Estado, cuando tenía sus funciones redefinidas
por las políticas neoliberales, formula e implementa la política para combatir la homofobia. Concluimos que el
movimiento de vaciamiento del Estado y la reducción de las políticas públicas han producido, contradictoriamente,
caminos de una mayor presencia del movimiento LGBT en la formulación de políticas para combatir la homofobia y,
en consecuencia, una mayor garantía de los derechos de los sujetos LGBT, pero todavía muy parcos.
Palabras clave: Estado; Movimiento LGBT; Política de combate a la homofobia.
Abstract: The article discusses the relationship between the State and the Brazilian LGBT Movement, whose objective
is to point out the contradictions produced in the recent history of public policies instituted and implemented through
the alliance between the state and the social movement. We focus on the Brazil without Homophobia Program, which
1
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, Brasil. ajrossi.rossi@gmail.com. http://orcid.org/0000-0002-1512-6306
2
Professora da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, Brasil. jackiebt@gmail.com. http://orcid.org/0000-0002-1265-2634.
3
Movimento que congrega Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros no Brasil.
constituted the legal framework for state actions to combat homophobia. The analysis is based on the historical-
dialectical materialist theoretical reference, seeks to understand how the State, when it had its functions redefined by
neoliberal policies, formulates and implements the policy to combat homophobia. We conclude that the state
emptying movement and the reduction of public policies have produced, contradictorily, paths of a greater presence
of the LGBT movement in the formulation of policies to combat homophobia and, consequently, a greater guarantee
of the rights of LGBT subjects, still very sparse.
Keywords: State; LGBT movement; Homophobia policy.
entendermos que esse tipo de pesquisa “não múltiplas explosões e revoltas no mundo
admite visões isoladas, parceladas, todo: dos operários, dos estudantes, das
estanques. Ela se desenvolve em interação mulheres, dos negros, dos movimentos
dinâmica, retroalimentando-se, ambientalistas e dos homossexuais”. No
reformulando-se constantemente” Brasil, apesar da influência de fatores
(TRIVIÑOS, 2008, p. 137). Ela considera todo externos e da identidade com movimentos
o processo de construção do conhecimento, contestadores de outros países, o ano de
os meios para se atingir os objetivos, e não 1968 teve suas especificidades. No entanto,
apenas os resultados. os autores nos alertam que, apesar da
especificidade do caso brasileiro, “não
Trinta anos de Movimento: do MHB ao LGBT significa que os brasileiros não estiveram
sintonizados com as manifestações que
O movimento de defesa dos direitos ocorriam mundo afora” (ANTUNES; RIDENTI,
dos LGBT surgiu na Europa ainda no século 2008, p. 43).
XIX, tendo como principal reivindicação a luta Na década de 1960, com a explosão dos
contra a discriminação e o reconhecimento movimentos sociais das minorias,
dos direitos civis dos homossexuais. étnicas/raciais e sexuais e com o
Entretanto, neste artigo nos deteremos à fortalecimento dos estudos sobre gênero no
análise a partir das décadas de 1950 e 1960, mundo, o movimento Homossexual4 tornou-
filiando-nos ao posicionamento de Rizzo se objeto de estudos e análises no âmbito
(2006), o qual afirma que é a partir desse acadêmico, bem como passou a ter um maior
período que surgem as primeiras protagonismo no cenário político.
organizações políticas em torno da luta No Brasil, o movimento teve início no
contra a discriminação por orientação sexual, ano de 1978, data associada à criação do o
na medida em que essas organizações Grupo Somos – Grupo de Afirmação
começam a cobrar do Estado o Homossexual no estado de São Paulo, sendo
reconhecimento dos direitos civis que lhes a primeira organização que lutava pelo
são negados. reconhecimento dos direitos dos
No contexto mundial o movimento homossexuais, bem como com a publicação
LGBT nasce na década de 1960, impulsionado do jornal “O Lampião da Esquina”, editado no
pelo que época que Eric Hobsbawm (1995, Rio de Janeiro por jornalistas, intelectuais e
p.55) denomina de “período de revolução artistas homossexuais, que servia como um
social e cultural”. Segundo o autor, essa veículo de informação e mobilização da
revolução transformou o mundo ocidental. comunidade homossexual.
Tais transformações influenciaram os A organização do movimento LGBT no
movimentos sociais da época a colocarem na Brasil não tem um data de inicio específica,
agenda dos Estados a garantia, mesmo que mas as manifestações contra o preconceito
no plano jurídico, de diretos sociais. O autor que se exercia contra os sujeitos
faz uma referência às mudanças ocorridas homossexuais pode ser sentida ainda na
nesse período, dizendo que “para 80% da
humanidade, a Idade Média acabou de 4
Neste período, o movimento se denominava
repente em meados da década de 1950; ou Movimento Homossexual Brasileiro (MHB), mais
talvez melhor, sentiu-se que ela acabou”. recentemente assume a sigla LGBT – Lésbicas,
Ricardo Antunes e Marcelo Ridenti Gays, Bissexuais, Travestis e Transgênero. Para
(2008, p. 43) partem do pressuposto de que a saber mais ver a obra Sopa de letrinhas:
década de 1960, culminando no que ficou movimento homossexual e produção de
identidades coletivas nos anos 1990. Regina
conhecido como Maio de 1968, foi “a era das Facchini. io de Janeiro: Garamond, 2005.
identificada como terceiro setor, ocorreu o ao Estado, que era marcado principalmente
que denominamos de processo de pela reivindicação de políticas públicas, o
‘institucionalização’ do Movimento que se movimento passou a ser parceiro dele na luta
deu na medida em que alguns grupos de ao combate a AIDS.
homossexuais buscaram obter um caráter Juntamente com a execução das
jurídico de Organização da Sociedade Civil de políticas de prevenção a AIDS, o movimento
interesse público e/ou privado através da também se utiliza dos recursos financeiros
conquista de registro civil desses grupos, repassados pelo Estado para formar novas
passando a ser identificado como pessoa lideranças, a fim de fortalecer a luta contra o
jurídica. preconceito e de afirmar os direitos sociais
A partir da Reforma do Estado, e da de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e
institucionalização do movimento LGBT transgêneros.
possibilitou que o Estado repassasse recursos Uma marca desse fortalecimento se
para algumas ONGs financiamento público deu na criação da Associação Brasileira de
para executar políticas publicas. A execução Gays Lésbicas e Travestis e Transexuais
dessas políticas que outrora eram de (ABGLT), em 1995. Ela constitui-se como uma
responsabilidade quase exclusiva do Estado ONG com o caráter de Organização da
passaram a partir da reforma a serem de Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)
responsabilidade também da sociedade civil com o intuito de reunir em torno dela o
identificada como Terceiro Setor. maior número de organizações
A partir da Reforma do Estado o governamentais e não governamentais, bem
Movimento LGBT irá assumir um novo como de sujeitos interessados na luta pelos
protagonismo no cenário nacional. Ele direitos da população LGBT.
passará a desenvolver serviços sociais nos Acompanhando a trajetória do
campos da saúde, educação, assistência movimento, podemos dizer que a criação
social, e etc., o que acarretará num desta associação permitiu uma maior
deslocamento no foco da relação entre o unificação e fortalecimento do movimento
Movimento e o Estado que, até então, era de em torno de bandeiras de luta, a luta no
contraposição, de tensão de luta por políticas combate ao preconceito e discrição sofrida
públicas, passar a ser de parceria, que se dá por pessoas LGBTs, e uma maior
principalmente na execução de políticas aproximação com o Estado, como parceiro na
públicas. Contraditoriamente, essa nova execução das políticas. No entanto, a criação
relação permitirá o crescimento e da ABGLT com seu caráter jurídico possuía
fortalecimento do Movimento no Brasil outros fins além dos de representatividade
possibilitará futuramente a formulação do do movimento. Tal caráter permitiu a
Programa Brasil sem Homofobia. associação, bem como a todas as outras
Este estreitamento das relações ONGs que passaram a caracterizar-se como
carrega em si uma grande contradição. Por pessoa jurídica, firmar parcerias com o
um lado, os recursos e financiamentos Estado para fins de financiamentos de
fornecidos pelo Ministério da Saúde a grupos projetos.
LGBTs para executar a políticas de prevenção Segundo Santos (2007), como uma das
das DST/AIDS junto da comunidade consequências deste novo cenário, muitos
possibilitou a reestruturação do movimento grupos ligados a movimentos sociais
em todo o país, propiciando um crescimento tornaram-se ONGs, “a fim de obter
e fortalecimento do Movimento. Por outro, financiamentos e manter uma estrutura de
acabou por amenizar as tensões entre essas mobilização mais ou menos estável, ao
duas instituições. Do claro papel de oponente contrário dos antigos grupos, mais
dois primeiros governos do Partido dos partir de previsão, no Plano Plurianual (PPA) -
Trabalhadores (PT), mas se modifica em (2004-2007), da ação ‘Elaboração do Plano de
alguma medida. Combate à Discriminação contra
Durante o primeiro mandato do Homossexuais’ (BRASIL, 2004), vinculada ao
Governo Lula (2003-2006), a relação do ‘Programa Direitos Humanos, Direito de
movimento com o Estado modificou-se Todos’ (BRASIL, 2004), no âmbito da
significativamente. As parcerias estabelecidas Secretaria de Direitos Humanos, da
entre Estado e o movimento LGBT Presidência da República (SDH/PR), definida
permaneceram, principalmente as como responsável por sua articulação,
estabelecidas com Ministério da Saúde, implantação e avaliação.
porém, são criados novos canais de diálogos Tal Programa resultou de
entre o Governo Federal e o Movimento. reivindicações do movimento LGBT junto ao
Também o Governo do Partido dos Estado, visando garantir a cidadania à
Trabalhadores (PT) organizou um novo comunidade no Brasil, por meio da criação de
desenho institucional, onde foram criadas políticas afirmativas dos direitos dos
Secretarias Especiais, tais como Secretaria homossexuais.
Especial de Políticas para as Mulheres, Esse Programa tem a particularidade de
Secretaria Nacional de Políticas de Promoção ser o primeiro programa de governo7, com
da Igualdade Racial e Secretaria de Educação vista à promoção dos direitos humanos,
Continuada, Alfabetização e Diversidade, combate à homofobia e a discriminação por
dentre outras, que dialogavam com os orientação sexual. Com base nas principais
movimentos sociais e que comtemplassem as demandas dessa população, o documento
suas demandas. indica 60 ações distribuídas em onze áreas,
O movimento LGBT, assim como outros envolvendo oito Secretarias e Ministérios,
movimentos sociais, passou a ter um diálogo voltadas para fortalecimento de instituições
mais direto com o governo federal. As públicas e não governamentais de
políticas sociais passaram a ter maior "promoção da cidadania homossexual" e
prioridade neste governo em detrimento do combate à homofobia; indicando ações
que vinha acontecendo nos governos governamentais nas áreas da saúde,
anteriores. Em decorrência desta nova educação, cultura, trabalho, justiça e
postura, menos conservadora e mais segurança, incluindo também políticas para a
democrática, nos limites da democracia juventude, mulheres e negros. Também
capitalista, em 2004, o Governo Federal lança prevê ações de capacitação de profissionais e
o Programa “Brasil sem Homofobia -
Programa de Combate à Violência e à 7
Discriminação contra a população GLTB e de Estamos entendendo o ‘Programa Brasil Sem
Homofobia’ como um programa de governo e
Promoção da Cidadania Homossexual” em não um programa de Estado, por se tratar de um
resposta às reivindicações do movimento programa pontual do atual Governo Lula. Ele
LGBT, apontando o espaço escolar como um nasceu no primeiro mandado do governo Lula e
espaço privilegiado para a implementação da teve continuidade no segundo mandato. Em
política junho de 2008 foi realizada a primeira
conferência nacional LGBT, que tinha como
objetivo avaliar o ‘Programa Brasil Sem
A produção do Programa Brasil sem Homofobia’ e elaborar o ‘Plano Nacional de
Homofobia Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos
de LGBT’ que se pretende tornar um plano de
O Programa Brasil sem Homofobia Estado. Tal plano foi lançado em maio deste ano
em Brasília, e pretende-se substituir o Programa
(BSH) foi lançado em novembro de 2004, a BSH.
projetos aprovados. Outra questão que nos governamentais, o que corresponde a 68%; 6
chama a atenção é a identificação de de Universidades, o que corresponde a 6%;
contrapartida. Essa contrapartida não 24 de Órgãos governamentais (Prefeituras,
necessariamente precisa ser em recursos Secretarias Municipais e Estaduais de
financeiros, ela pode ser por meio de Educação), o que corresponde a 25% do
recursos, tais como aluguel de salas, total de projetos, envolvendo 13 de estados e
despesas com pessoal, telefone, materiais de 11 de municípios.
divulgação e etc. Entendemos que esses Como podemos verificar, o número de
critérios beneficiam aquelas ONGs corresponde a quase 1/3 do total do
organizações/instituições que possuem uma número de entidades/organizações que
estrutura organizacional já consolidada em enviaram projetos para a
detrimento daquelas que não possuem capacitação/formação de profissionais. Esses
nenhum ou poucos recursos humanos e dados podem demonstrar dois fatos
financeiros. referentes ao processo de implementação do
Ainda, em relação a esses critérios, a Programa BSH. Em um primeiro momento,
contrapartida implica em barateamento da eles demonstram o engajamento das ONGs –
política, na medida em que o Estado não na maioria delas LGBTs – na luta e no
precisará disponibilizar mais recursos combate à homofobia, fato esse que reflete a
financeiros com gastos como infraestrutura máxima apresentada por Montaño (2007) em
e, muitas vezes, com a própria mão de obra, que as ações que serão desenvolvidas para
devido ao apelo ao trabalho voluntário que atender a determinada demanda serão de
algumas organizações não-governamentais “responsabilidade dos próprios portadores
fazem aos seus pares. Esse aspecto evidencia de necessidades, de seus pares e de suas
a posição de Montaño (2005) de que o localidades a resposta às suas demandas”
repasse de recursos públicos para o chamado (MONTAÑO 2005, p. 185).
Terceiro Setor é uma forma de baratear os Porém, para além desta análise de
investimentos em políticas sociais, de forma Montaño, e considerando a singularidade da
a direcioná-los para as políticas econômicas. política de combate à homofobia, devemos
Também nos chama a atenção o fato interpretar esses dados com uma certa
de que no Edital em nenhum momento foi “despreparo” do governo em implementar
mencionado, critérios de distribuição com políticas desse cunho. Historicamente o
geográfica, ou definidos critérios para o movimento LGBT brasileiro sempre esteve à
atendimento da população nos locais onde os frente de ações políticas de reconhecimento
índices de violência homofóbicos são mais da diversidade sexual e, assim, como
elevados. Neste sentido, entendemos que incorporou na sua agenda em parceria com o
não é levado em consideração onde a ação Estado o desenvolvimento das políticas de
política é mais necessária, mas sim onde combate ao HIV direcionado à população
existem organizações/instituições capazes de LGBT. Neste caso, não podemos negar que a
desenvolver e executar os projetos com um participação do movimento na execução da
custo menor tentando garantir a qualidade política foi de suma importância para
do trabalho. efetivação da mesma e ampliação de direitos.
Segundo Relatório da SECAD/MEC de A concorrência pública para o pleito de
2005, foram recebidos 94 projetos, dos quais recursos financeiros, um dos moldes utilizado
48 foram recomendados pela comissão para implementar o Programa BSH, fica
avaliadora como bons projetos para serem fragilizada na medida em que não atende
executados. Os 94 projetos estão assim todas as regiões do Brasil. Além da região
distribuídos: 64 de Organizações não norte, vemos, nesses dados, que a região