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Repressao e violéncia: seguranga nacional e terror de Estado nas ditaduras latino- americanas Enrigue Serra Padrés* Enive as caractersticas do “Estado modero”, destacow-se sempre, como “fundamental, ade ser detentor do monopdio da vlénca, tanto para Fora, na defesa contra os inimigos exteros na guera, como para dentro, atuando contra inimigos da orden social estabelecita pela poica pela Jjustga. Neste dltimo terreno, a ago do Estado combina a defesa dos ‘tiditos contra a delingdléncia (mediatizada pelo fate de que é uo Feta que coresponde, em ilkima instancia, definir 0 que deve ser considered delingiénca), coma proteg dos grapos dominant: da sociedade contra a “subyerséo” a que podiam sentir-se tentados os deminados.' eas s.ofigem das ditaduras latino-americanas de segurenca nacional (SN), situam-se, pelo menos, dois fatores geradores de iniimeros desdobra- ‘mentos ¢ que, nas suas possibilidades de combinacdo, constituem lementos elucidativos para a compreensio dessas experiéncias. De um lado, 0 {ator repressivo de tis sistemas decorreu da pressio exercida pelo capital inter- Federal do Rie Grande do Sui “Tprofeator do Deparcamento de Histbria dx Universi {llag@adutgsufgsbr). Este texo condensa pare So capitate 1 dr rexe de doutorado em E istéria do autor (Padre 2008), * ontana, 2000:269 | nacional ¢ pelas elites locas, para a imposicio de um novo modelo de acumula- ‘do. Por outro, os regimes de SN resultaram da radicalizagSo das contradigBes de classe e do avango de projetos reformistas ou revoluciondrios, principalmen- tea partir da vitéria da Revolucdo Cubana? Doutrina de seguranga nacional e terror de Estado Uma das principais premissas da doutrina de seguranca nacional (DSN), ‘marco de diretrizes gerais presents nas ditaduras da regido, é a rejeiglo da idéia da divisfo da sociedace em classes, pois as tens6es entre elas entram em confi- to coma nogdo de unidade politica, elemento basilar daquela. Segundo os prin- clpios da DSN, 0 cidadfo nfo se realiza enquanto individuo ou em funcéo de uma identidade de classe. £ a consciéncia de pertencimento a uma comunidade nacional coesa que potencializao ser humano e viabiliza a satisfaclo das suas demandas. Nesse sentido, qualquer entendimento que aponte a existencia de antagonismos sociais ou questionamentos que explicitem a dissimulacio de interesses de Classe por detrés dos setores politicos dirigentes é identificado ‘como nocivo aos interesses da “nacio” e, portanto, deve ser combatido como tal. Mais do que isso, tal coesio polltica pressupse ofim do pluralismo politico, condicio essencial para a resoluco dos confits e de seus elementos centrifu- Bos. Em realidade, operigo ¢identificado nas “ideologias estranhas”,forineas, externas, diferentes das locais. Pelo desdobramento dos fatos histricos, cons- tata-se que aqueles cidadios que acabaram identificados internamente com ¢s- sas “ideologias estranhas” foram tratados como inimigos perigosos dos interes- ses da unidade nacional, uma vez que nfo compartilhavam nem defendiam 2 tradicio politica (da elite) local. © que se resume na idéia de que “todo ser vivo ~ yla Nacin es un ser vivo - debe, si quiere subsistr, defenderse contra todo aquello que pueda dafiarlo, en si mismo, como desde afuera’. B por isso que 0 clemento desestabilizador, contrério a unidade nacional da DSN, éconsiderado “Gubversivo’, inimigo e, na semAntica da doutrina, como o estranho que nfo pertence e no tem direito de pertencer & naga. Dessa forma, justficam-se os defensores da doutrina na Argentina, como o general Videla: “Yo quiero signifi ¥ Sch, 19905117; Coe, 1985, ap 12, Junta de Comandantes en Jefe, 1977312. Repessoe vielbaco 1 car que la ciudadania argentina no es victima de la represién. La represién es contrauna minorla a quién no consideramos argentina." De forma ainda mais explicia, o comandante da Gendarmerfa, Agustin Feced afirmou: “No puede, no debe reconocerse condicién de hermano al marxista subversivo terrorista, porel hecho de haber nacido en ntéstra patria. Ideol6gicamente pendié el derecho de llamiarse argentino.”* Neste quadro, um procedimento pertinente consisteem rastrear as oti- entagSes, 08 valores, enfim, tudo o que fz parte do componente idealégico que os egmes de SN impuseram ecsseminaram ene as gerbes mals overs, através dos manuais escolares obrigatbrios de morate cfvica. Nestes, sfo apre- sentados como sinnimos, com base na interpretagdo da DSN, 08 canceitos de pitria, nagfoe Estado. + La Patra Cy \Velar por la seguridad de li Patria és velar por tu integricad y la de éila, La Patria es Orden, El orden es regla y esencia deb-viniverso todo; sin l:no se loge Por ello debemos comprender que vivir libres presupone vivir dentro de un ‘orden légico de respecto por la vide de los demas, respecto en los legitimes Jntereses de cada persons, jamds seré sinnimo la vidademocritica de confusiin de libertad con libertinaje ¥ menos con entrevero.*~ s LaPatriaes, entonces, undyshidad de destino en lo universal, y cada inv portador de una misién particular en la armonta del Estado, No caben dispu' de ningin género, ol Estado no puede ser traidor de su tatea, nie individuo ‘puede dejar de colaborar en Ia suya en el orden perfecto de a vida de su pats. El individuo interviene en el Estado, como cumplidor de una funcién, por tener tuna profesién, un ofcio, una familia.” re T Gayoso, 6d, 1d ibd, p. 20. * Nobile « Mérques, 1984218 Cores, 1984:18. M6 Ropes ovo ‘Aléta dy reafirmasao da patria (nagio) como unidade, destaca-sea fun- ‘o disciplinadora.que est implicita na sua aceitacio. Trata-se de formar as, novas geragtes inctlcando-thes valores como fidelidade, docilidade, obedién- cia e disciplina. Ressalta-se que, na conclusio da segunda citaglo, hé uma mensagem explicis de que ve quer individuos produtores ¢ pals de fart, em detrimento de sujeitos cidadaos e conscientes. Cabe salientar ainda quea ceducago fol usada como mecanismo de divulgagio dos elementos constitutivos da DSN e de redefinigdo de caracterfsticas, objetivos ¢ préticas autoritirias, através de programas, de normas disciplinares impostas simultaneamente & substituiggo macica dé professores. Tudo combinado com medidas repressi- vvas, com o constrangimento sofrido pelo corpo docente € com uma quase ilitarizagao dos esparos escolares e académicos, o que gerou crescente isola- mento e perila de cidadania.* A DSN associou diretamente o “subversivo”, portador de tenses e “contaminado” por idéiase influéncias “estranhas” (ex- ternas), ao communismo, sendo este tratado de forma tao vulgar e imprecise ‘que abrangeu toda e qualquer forma de manifegtacéo de descontentamento diante da ordem vigente. Extrapolando a leitura da Guerre Fria, a América Latina, durante os anos 1960 e 1970, foi vista como cendrio da expansio da influéncia soviética, 0 que justificou o virulento anticomunismo existente nos setores dominantes locais. Associando o comunismo a tirania, A opressio eA barbitie, prociroi-sé désenvolver, junto & populagio latino-americana, a idéia de que Socialisino e deniocracia eram incompativeis: Ouitra associagio identificou as organizagdes revolucionarias e 08 partidos politicos de esquer- da com o fendmeno terforista. A forga dessa relacdo se expressaria, mais tarde, na afirmagiio da embaixadora dos GUA na ONU, Jeaiie Kirkpatrick: “As revolu- ‘Ges sio feitas com 03 futis dos cerroristas”.® Conseqiientemente, a constan- te aripliagao do guarda-chuva do anticomunismo fez.com que aumentasse © espectro dos suspeitos de tentar agredir 0 “mundo livre". ‘A idensificagdo de urn “inimigo interno” que vigaya desestabilizat as rela- «Gees lo seu pafs com os EUA, produzindo mudangas, ratificou a necessidade de sua climinag6, enquanto foco de tensio. Tal situagao implicou introjetar, nos ‘marcos nacionais, arealidade conflitiva da Guerra Fria. A defesa dos interesses amapodonice, Masser Sala, 1991:144 * Pankow, 1985:137. Roprssbowvilécis estadunidenses na América Latina - sua zona de influéncia abalada desde 1959 — levou a superpoténcia capitalista 2 considerar a poltica intema de cada pafs da regio como extensio da sua politica externa, ou seja, os assuntos de seguranga interna desses paises passaram a ser entendidos como se fossem da sua seguran- ‘5a. Assim, apoiando-senos secores confidveis da classe domizante, os EUA esti- ‘miularam a adogao da idéia de que havia uma “guerra interna” a ser enfrentada. Essa guerra, em fungéo das particularidades do “inimigo interno”, da periculosidade e dos desdobramentos da aro do inimigo, devia ser enfrentadae transformada em “guerra total", na qual todos os fitores posstveis deviam ser colocados i disposigio dos “defensores” da unidade nacional e do “mundo livre”. Junto a essa motivagio de ordem politica, ideolOgica e estratégica, hd outro elemento essencial para compreender a forma to violenta que assu- miu o confronto com os setoreé portadores de projetos de mudanga (em um campo difuso onde se manifestam forsas populistas, nacionalistas, refor- mistas e/ou revoluciondrias). Desde o final da II Guerra Mundial, os EUA, através da Conferéncia de Bretton Woods e do Plano Marshall, deram inicio 120 processo que configurou uma'verdadeire “norte-americenizapio da econo- mia intemacional”."° Através desses mecanismos, garantiram a recuperacéo da Europa e do Japo, mediante uma complexa rede de interconexo econémica, rmantendo, contudo, seus indices de produtividade aproximados aos da guerra. Se a Europa recuperou rapidamente um novo ciclo de crescimento, cabe lem- brar, entretanto, que perdeu a primazia mundial no sistema capitalista para os EUA. Por conseguinte, além de gerantir a recuperagio do pés-guerra, oacordo de Bretcon Woods ¢ © Plano Marshall asseguraram um enorme crescimento produtivo e uma grande acumulacio de capitais nos EUA, o que garantiu sua indiscutivel supremacia no mundo capitalista Como decorréncia desse quadro de reordenamento de poder e de hegemonia estadunidense no bloco capitalist «politica externa dessa povén- cia se preocupou, cada vex mais, com a necessidade de garartir a “quinta iber- » esse modo, a aplicagio dos principios dla DSN nos palses latino- canos para defender a democracia assumiu, de forma geral, 0 perfil de violencia estatal ¢, na maioria dos casos, de terror de Estado, configurando um parente paradoxo: Sus sostenedores {da DSN} ng atacan a las furrzas guerslleras sino. Jes gobiernos legitimos, y adoptan para la lucha contra sus oponentes politicos Ia forma de un “Terorismo de Estado”, Este Terrorismo de Estado ha establecido tn tipo de orden interno cazgado de conflict y contradiciones, en Is medida en que de el no deriva seguridad, pax nl liberea para la pobacién. Si bianco real es la democracia: se pregona la déstrucci6n de la democricit afin de renovaray salvar, Por su propia naturleza, la DSN presume io sblo que'el Estado democritco es incaaz de autodefenderte por ava demerdtica fee 1 les distintas formas de subversién, sind" icipalments, que la‘démoeracia és un canto ait ages que na dota persis den, democrisiarente et poder” 3 1 Schl, 1990514, 0 autor apresenta ndicatves de que, no mesmo periode, ocorreram aff de contreinsargencs ‘naTndonésia,na Coria do Sul, nx Gris enasPpinas (Tapa Valdés, 1980.24). Tapa Vas, 1980020. wy 150 Reprssi viola ‘Assini tia visa0 da doutrina: “La salud del pueblo exige que see privede la capacida’de autegobernat-se".!" Nos palses em que a DSN e seus defenso- res locais cofistataram a resisténcia por parte de movimentos sociais, politicos. cou até militares, 6 ré¥6lado fol 6 recurso’ contra-insurgencia que, em realida- de, represent a impaigaa le agBes de terrorismo de Estado contraa socieda- de. Em nome datDSN, di unidade nacional, do anticomunismo e, veladamente, dos interesses implicitos na “quinta liberdade”, 0 Estado se configurou como o macroinserumento reptessivo que, variando em grau de-violéncia nos diversos paises do Cone Sal, débton, como marca comum, a supressdo das instituigBes democréticas. Os setares economicamente dominantes viram, nessa interven- fo e'na propria DSN, a.viabilizacio da “trangtilidade social” tio necesséria, para seusiiiteresses. » Portinto;;ostadlo, que deveria ser uma estrutura de mediacéo e de pro- ‘tecdoda sociedatle, agindo como fiador da seguranca das pessoas, foi utilizado, 4e forma peral, em toda a regio, como um mecanismo.que devia enfrentar € derrotat 6 “initiigo temo”. Sob'asdiretizes geais resultantes da interpreta io particular que a.DSN recebeu em cada pafs.e através da guerra contra- insurgence,@ aparato estaral extrapolou os limes coercitivos constituconais, desencadeanlo priticas e ages que acabaram configurando um sistema de ter- ror de Estado. Estado, violencia estatal e terror de Estado Originalmente, 0 Estado surgia. como estrutura necesséria para evicar ‘que as classes se devorassem entre sie devorassém a sociedade numa lua esté- Fil, ou svja, como uma estrutura de conten¢lo € de conservacio dos limites da cordem, Suaeficiéncia em moderar o confito de classes ocorteu, justamiente, na legalizastodominiide uma dela sobre as outras através da organizagio da forca, do-uso da violéncia para reprimir as classes doiiidas'e @¥ploradas. Si- ‘multaneamente, o:Estado se transformou em uma estrutura que retirou dos setores dominados os meios para derrubar seus opressores e que garantiu 4 acumulacao dos setores dominantes ¢ os meios para manter o controle dp po- der. Lenin encontra em Engels a esséncia da avaliagfo que o pensamento mar- Tapa Vale, 198080 Rapresietviléncla sista elaborara até entio a respeito do papel historic ede significado do Esta do, realizando a grande sintese: © Bntado¢ o produto a manlfestaio do cariter irecincldvel das contradi- ses de classe. O Estado surge precsamente onde, quando e na medida em que 2s contradicBes de clase objetivamente ndo pocem ser conciliadas, E inversa mente: a exsttacia do Estado prova que as contradicbes de clase sf larecon- ‘A pretensiio de um Estado que deveria funcionar acima das contradicSes ‘eantagonismos sociais, como seu érbitro, na pritica, nfose verifica. Se a desi- gualdade distributiva estrutural & a caracteristica dessas formagSes socais, 2 fungéo social é vigiar para que os “marcos da legalidade” ro sejam ultrapassa- dos pelas ages e mobilizacées dos setores sociais prejudiados pot aquela. Isso mpossibilita que o Estado funcione em defesa dos interesses de toda asocieda- de, Apesar de algumas questBes de ordem geral comuns ¢ de algumas conces- s6es resultantes de agSes de consenso ou de hegemonia, nos aspectos ¢s- senciais da produgio de riqueda e da sua distribuigio, o Estado contribui na consolidagio da situagdo de desigualdade e injustica. Hi inclusive quem afirme que a violéncia institucional inerente &exis- sncia do préprio Estado e que este pode assumir uma diversidade de manifesta- Bes entre a mera coergio cotidiana ¢ o terrorismo estatal2? Inegavelmente, cabe ao Estado a responsabilidade de ter o monopéiio da violéncia na defesa do territérioe da populacio contra os inimigos extemnos, em casos de guerra ou de ameaca de invasto, Trata-se de um consenso inquestionzvel. Entretanto, a si- tuago muda de tom e se torna polmica quando se trata de reconhecer omes- ‘mo direito de intervengao na din&mica interna, ou seja, possuir e administrar 0 ‘monopélio da violéncia para agir no interior das fronteires nacionais. A prote- ‘Go da populacio contra a aco da delinguéncia geralmeate conta com amplo apoio. O problema se coloca quando essa intervengio estatal é direcionada con- tra setores sociais que questionam a ordem social, como lembra Josep Fontana: “a protecfo dos grupos dominantes da sociedade contra a ‘subverslo’ a que podiam sentir-se tentados os dominados” indica a dindmica da exclusio pre- sente e a criminalizaglo do protesto social, com o agravante de que cabe 20 Winaina 1990, 2p: » Rama, 197822, 182 Represieovildnio préprio Estado que reprime definir, em tltima insténcia, os crtérios que iden- tificam a delingiiéncia.! Da perspectiva democritica, o recurso A violencia estatal ¢ urn trago ca- racteristico do exercicio do governo e resulta da crenga na eficcia geral das sang6es flsicas quando se consideram esgotados 0s canais do dislogo. H4 tam- bém o entendimento de que o governo nfo deve poupar esforcos para manter as condig6es que salvaguardam a coexisténcia pactfica e que impedem a violéncia entre grupos e individuos da comunidade. Pata isso, é indispensével que 0 Estado possa agir através de mecanismos coercitivos e tenha capacidade de en- quadrar punir comportamentos que possam infringir a lei. Para desempenhar tais funges, o sistema estatal ndo pode prescindir de aparelhos especializados como policia, servicos de informacZo, cédigos disciplinares etc. Cabe ao gover- 1no imprimir, com continuidade, uma dinmica coercitiva cuja regulamentago & sua exclusividade. Claro que o poder politico nao se basela s6 na violéncia, mas cle se constitui, parcialmente, sobre ela e, parcialmente, sobre o consenso. ‘HA um entendimento de que a fora da repressio pode ser desencadeada com alto grau de legitimidade se ocorre o convencimento de amplos setores da populagio de que o seu recurso vem 20 encontro do interesse geral da nagdo¢ ‘em defesa da patria. Mas essa fronteira entre legalidade e ilegalidade na aplica ‘¢fo do poder coercitivo estatal pode chegar a set, em momentos de crise de legitimidade do governo, muito ténue, com escassa margem de separacio; atravessé-la pode ser uma aco sedutora, principalmente se € avaliada como tuma forma répida de resolver o impasse existente. Esta é uma questo central, ‘adefinigdo do limite da imposicSo da violéncia estatal j4 que, por definigo, na. democracia formal, ao Estado cabe reforcar a convivencia pacifica ea resolucio dos impasses e dos conflitos, dentro dos marcos legais pactuados e com o re- ‘curso dos instrumentos constitucionais disponibilizados pela sociedade ¢ que sto pertinentes para enfrentar situagdes consideradas de emergéncia. Mas essa possibilidade esta subordinada a normas e regras e, por isso mesmo, no permi- te interpretagGes dabias dos acontecimentos justificadores. Porque se o Estado ‘possui, por natureza, o monopélio legitimo do uso da forca, isso est& condicio- nado aos limites consentidos pela legislacio interna ¢ internacional e subordi- nado & maior de todas as suas obrigacées, a defesa intransigente da lei. Mas sepissoa « monde essa condigio se dilui quando entra, como critério de permissibilidade, a justi- ficativa da razio de Estado, ou seja, constatada a existEncia real ou potencial de uma determinada ameaca, global, total, profunda, aos interesses dos setores dominantes, estes endossam a ruptura da legalidade como mecanisme ao qual se deve recorrer urgentemente para defender 0 “conjunto dasociedade”, Nesse contextoa viléncia consttucionalmente leitimada,fang#o monopolizaia pelo Estadd, pode ser reconvertida para uma configuraso mais complexa que, em. vvez de julgar e punir, pode também semear 0 error. ‘Quando a violéncia institucional do poder éstatal extrzpola.os atributos coercitivos constitucionais, é porque s¢ reconhece que os mecanismosdaquela slo insuficientes na ago perstasiva e de neutralizagiados descontentamentos sociais. © recurso ao terror de Estado ¢ a intefisidade da 3a implementacio esti diretamente relacionados a dimensao da percepsao ca ameaga a que se ‘véem expostos os setores domninantes, ante o questionamento populardo siste- ima de legitimidade em que se tem fundamentado a dominagio de classe. Ou ‘sea, enquanto parte integral da luta de classes, o objetivo éo terror de Estado tem propésitos politicos espéclfcos: dérrotar os moyimentos popilares organi- zados, destruir projetos de mudanca do status quo da propriedadé, da'relacto capital-trabalho e/ou da distribuigio da riqueza social e destruir as instituigSes politicas esocisis democritico-representativas. ‘Terror de Estado na América Latina CO terror de Estado (TDE) aplicado na América Latinaentreas décadas de 1960 e 1980, através das orientagées da DSN e na forma da guerrd contra~ insurgente, é um terrorismo de grande escala, dtigido a partir do centro do poder estatal, dentro ou fora das suas fronteiras. Trata-se de tum modelo estatal contemportneo obrigado # transgredi: os marcos ideolégi- cos politicos da repressio “legal” (consentda pelo marca juridica radicio- nal) e deve recorrer a “métodos nfo convencionais", extensivos'¢ intensivos, para eliminar a oposigSo politia eo protesto socal, sejam estes. armados ot desarmados* 7 Fontana, 2000, 7 Bonaseo, 19903. ut Represio« vidio ‘Acesséncia da andlise sobre o TDE no estd.na comprovagio da discrimi- nagio da rortura ou da censura, por exemplo, € sim na compreensio da abrangéncia, da multiplicidade e da complementario das iniciativas repressivas que, sob hipétese alguma, podem ser reduzidas & violencia fisica, e que com- em esse quadro opressivo, “cinzento?, resultado da dindmica de aplicagio do terror dé Estado. Terror de Estado.que, mesmo respeitando as especificidades, se mostrou abrangente, prolongado, indiscriminado, retroativo, preventivo & extrateritotial. 2. Abrangente porque nfo houve setor da sociedade que permanecesse imu- ne a0 aleance das ages repressivas ou estivesse livre das suas ameacas. Prolangado porque suas modalidades foram aplicadas, sempre queneces- jas, até ofinal de cada uma das ditaduras, e suas seqUelas se projetaram no Perfode posterion : Indiseriminado porque a ago repressiva contra a populagao nao teveli- mites. O..ugo flexivel. do conceito de “inimigo interno” permitiu incorporar “novos subversives”, num processo sem fim, canfirmando que, na escolha de alvos, inekistiram limites ideol6gicos, profissionai , eligiosos, de classe ou de idade. Rexroative:porque, apés o combate contra guerrilheiros, comunistas € ‘outros esquerdistas, alvos Sbvios da ligica da SN, desenvolveu-se uma pritica le vascuilhar, no passado das pessoas, suas simpatias politicas, a existéncia de ilitineia sindieal ou estudantil, ou qualquer outra atitude que colocasse em questo sua fidelidade ao novo regime, tornando-as pouco confiéveis,o que, em determingdo momento da ditadura, poderia significar novo critério de estigmatizacao. Preventivo porque um dos seus principais objetivos foi a geracfo da “cul- tura do medo”, o que contribuiv para combater as correntes de solidarictlade € isolar as vitimas diretas, a0 fomentar a passividade, a alienacio ea indiferenca pelo amedrontamento das demais pessoas — vitimai ifdiétas. O estimulo da incerteza induziu ater muita cautela. Pela inseguranca resultante ou pelo medo. das punigSes sem limites, oTDE procurou moldar um comportamento padrad ** aceito, deixando clafo que o prego a pagar, por quem “andasse fore da linha”, seria a acusagio de “subversive”. Extraterritorial, inclusive como metafora: a falta de seguranca atingiu até a vida privada das pessoas (espionagem, controle, vig, escutas etc). Mas extraterritorial principalmente como perseguigao fora das fronteiras nacionais. Aeros avioldncia [Nesse sentido, o brago da violéncia éstatal atingiu o interior das embaixadas, as fronteiras vizinhas e o tervtbrio de outros paises. Através de esquemas repres- sivos binacionais ou da sofisticada coordenagao repressivaformatada na Opera- ‘gio Condor, as comunidades exiladas foram ameacadas, perseguidas, alvo de infltragdes e brutalmente atingidas, CCabe perguntar em que contexto se deram as experiéncias concretas dos regimes de seguranca nacional no Cone Sul, os quais instrumeatalizaram um Estado que apelou para o terror como mecanismo de reordenamento ds socieda- de. Articulando © que jé fol descrito sobre a DSN, os interesses dos EUA e os aliados internos na regio, podem-se apontar alguns elementos explicativos. ‘Um deles refere-se& expansio particular do capitalismo desde o final da II Guer- 1a Mundial, o que produziu um efeito desagregador nas estrururas sociais da periferia mundial e o esgotamento de economias que foram reconvertidas para atender 08 novos padres de acumulagio. [ss0 ¢ muito caro em relacio as eco- nomias que se haviam industrializado através da politica de substicuiglo de importagées, casos da Argentina ¢ do Brasil, assim como, de forma secundaria, do Chile e do Unuguai. Essas matrizes produtivas foran alvo do capitalismo internacional, particularmente o estadunidense. Néo surpreende, entio, que, durante os anos de apogeu da DSN na regio, quando daimplantacio das dita- D Piece Charles, 1978934 Abos, 1978. apessooe voenca No Chile e nos paises rio-platenses, o terror de Estado, propriamente dito, antecedeu a deflagragio dos golpes militares. No Urugual e na Arge naj com seus matizes particulares respectivos, existiam bolsGes clancestinos que, agindo desde as entranhas de um Estado democriticoviciado por pritieas autoritérias, drealizavam 0 “trabalho sujo” (seqilestros, tortura eassassinatos prodiizidos por esquadrOes da morte e bandos de extremia-dreita)/Os.exsessos coereitiios que ultrapassavam os limites da legalidade estavamt-vincilados a ‘grupos paramilitares de oxtrema-direita, controlados ¢ pretegidos por nicleos de poder do interior da estrutural estatal ~ casos da Juventud Uruguayade Pie UP) do grupo de exterminio Aliafiza Anticomunista Argentina (Itiple A). No Chile, a diferenca residiu em que‘aidieita ea extrema-cireita, comcobertu- ra e apoio da CIA - bem maiofes do que nos outros casos titados*, patrocina- ram atentados desestabillzadlores e s¢ orginizaram’no esquadrio paramilitar atria y Libertad, opondo-se a0 governo socialista da Unidad Poptila usando certasestruniras do poder ediatal que haviain permanetido fora do catirole de Allenide (particulirmente'sias forcas de seguiranca), ou, ento,evolnftam, gra- dualmente, para posig6e¥ lé franca conspiracio. ‘A landestinizacdo'de parte das agSes repiéssivas ¢ da’ ia aitoria se tomou uma contradico muito curiosa no funcionamento éo TDE. Levando em contd que um dos seus priticipats objetivos foi a gerardo de wmntneido global que devid atingir todo 0 espéctto social, foi dé fundamental interesse quié Suas re- quintadas priticas repréésivas fodsem reconhecidas pars genéralizat'o medo. Entretanto, 20 mesmo tei, 6 Estat pretisou dissociar se dessas apes, ne- gando sua autoria pata ng s¢ énvolvet em sitiagées embaragoéas que trinsgre- diam norma juridicas, sobienido internacionais,e para evtat destin €acu- sages de desrespeito aos direitos humanos. Isso gerou uitia dupla ‘operacionalidade estatal: tiodalidades repressivas legais eilegais codzistiam e se complerentavam. ue cna Bxtscho Revolulonino Poplar (ERF),organizardorevoluondsa argentine de tenddocia totais, acontecey anes do golpe de Estado de maipo de 1976, Atzavés da COperacio Independncts, ax bases do ERP foram quase totalmente anigulada. 4 repressio uallzou prities que, posterlormente, foram usadas macigamente conta tia a sociedade: concentragio de prsionetos, orurss sistemas, politica de destparecimentos landest nldade da ago repressiva(Paoet, 1987516). 188 apres vlna Dependendo da relarSo de forcas em dados momentos conjunturais, po- diam ocorrer.tendéncias de autonomizacéo de unidades repressivas, como no caso de grupos paramnlitares a servico de interesses privados. Nessas situagies, tais fatos podiam fugir ao controle, até pela circunstancia jé comentada de set muito ténue a fronteira entre o que divulgar para atemorizar ¢ o que era conve- niente silenciar, visto que nein tudo era do conhecimento de todos dentro da ‘estruturado comando repressivo, Neste sentido, certamenteocaso argentino foi omais evidente. Em perfodos de force restricao interna, havia uma posi¢do ambigua, mas logica; externamente, o regime divulgava a imagem de respeito aos preceitos jurfdicos enquanto, intemnamente, impunha, de modo acintoso, uma demons- ‘racio de forga que exigia um controle muito rigoroso sobre as conexSes de informagio do interior do pafs com o mundo externo. Um exemplo bem concre- 10, 2esse respeito, foi a campanha oficial desencadeada pelo regime argentino, em 1979, quando, dlante da visita de uma delegarlo da Comissfo Interamericana de Direitos Humanos, foram espalhados milhares de cartazes, faixas e adesivos de automéveis com uma frase que cinicamente, refutava toda denéncia de vio- Jago das liberdiades: “Los argentinos somos derechds y humanos” 35 ‘A ambigiidade quanto as necessidades ¢ ds possibilidades de divulgacio dos seus atos introduz outra questo que mostra adiferenca entre o terrorismo promovido por individuos ou grupos e aquele praticado pelo Estado. Do primei- 10 caso, faz parte, quase sempre, um modus operandi que procura obter a maior publicidade possivel da midia sobre seus feitos, como forma de divulgar as ra- es da caida que defendem, Diferenteinénte, o: agentes do TDE nao tem ease objetivo. Por um lado, porte posstiem meios eficientes ie intimidago, legats ou ndo, “legitimados” pelo Estado —a propria capacidade de produzir violencia ce semear med causa um impacto imediato e profundo sobre o corpo sociel. Por outro, porque a relagio com os meios de comunicacio, como jé foi apontado, ait : rors esportves mals populares da epoca, Jost Marla Mutios conc populaso, com um dscurio fortemante paréteo, a dar uma resposta aos "mentrosos" se, denuccand a ditadurano exterior, haviam motivado a vind dessa delegao. Mufiot virow um porta-oz enfitico:“Vayan y muestren es sferes dela Comino Interamericane ‘6e Derechos Humanos eval es la verdacera cara dea Argentina". ra necessrioconvenc® Jos de que o argentino nfo 36 respitavam os direitos humanes como, acim Ue to, ees era lncitor¢bumanor (Clr, 8 ag0. 1999, Zana, p 6). Ropes a violéocie std pautada por graus diversos de adesto ou de controle (censura). Ou seja, ‘uma imprensa inconveniente, 20 interpretar 0s fatos com autonomia da versSo oficial, pode produzir teastes sobre situacbes que convém ter sob controle; pottanto, por isso mesmo, sio alvos estratégicos imediatos do TDE. Entre as modalidades mais especificas do TDE promovido pelos regimes de SN do Cone Sul, podem-se salientar, respeitando as especificidades nacio- nais, 0 uso macico da tortura, a presenca de esquadtSes da morte, os desapare- cimentos e a internacionalizaglo do sistema repressivo. A tortura jd era um ‘mecanismo conhecido e utilizado hé muito tempo na regido; a novidade decor- reu da criatividade dos especialistas em realizé-lae da incorporagao de avangos tecnolégicos na metodologia de execucio. O mais importante é reconhecer set. uso macigo e significativamente indiscriminado, « evolugao no refinamento da sua aplicagio com a contribuiglo do que foi identificado como dimensio da tortura psicolégica. Também se deve realcar a existéncia éa complexa rede de transmissio de novas técnicas e de formacao de novos especialistas, através de uma correia de transmisséo que ultrapassou frontsiras ecantou, notadamente, ‘com a colaboragiio de agéncias governamentais dos EUA e, secundariamente, de misses francesas; umas e outras possibilitaram incorporar as novidades da contra-ingurgéncia experimentadas na Argélia eno Vietna. Emoutraordem de coisas, Luls Mir? avalia que existe um TDE invisivel nos regimes democréticos pés-ditaduras, particularmente no Brasil. Ressalta aque se trata de um TDE com finalidade social de disciptinarsento e controle dos setores populares desamparadios, diante dos efeitos das polticas neoliberais e do avango do clima de barbérie existente nos cenérios onde os setores mais vvulneriveis lutam diariamente pela sobrevivencia. Na percepcio de Mir, essa ‘expetincia incorpora uma inédita tecnologia utilizada contra a criminalidade. Produs, assim, uma simbiose entre técnica e guerra, exército e maquina, que ‘tinge seu paroxismo na definicio do objetivo principal da moderna dourrina policial de combate ao crime: evitar a producto de dor (guerra indolor) 7 Sem polemizar com Mir sobre a existéncia de um TDE social arual, mas aceitando sua interpretaglo da guerra indolor dessa modalidade de violencia, estatal,eabe salientar que 0 TDE caracteristico dos regines de SN é bem 0 * Mi 2004. die i 1 { i 1 Repressi vldnio contrério, A dor, combinaco de mecanismos de destruigdofisico-psicolégicos dos presos politicos foi, como regra geral na regifo, um objetivo persistente: mente procurado. E, no caso dos milhares de desaparecidos do Cone Sul, 8 execucio nfo foi imediata, mas corcou semanas ou meses de uma detencfo foreada eclandestina, marcada por privagbes e agressbes de todo tipo. _.. Quanto & proliferagio de esquadrées da morte e de organizacées para- ; militares, sua existincia cumpriu importante papel na difusio do med, impactands ' asociedade, mediante a violéncia irradiada, espalhando ameacas e marcas de.ca- veiras, realizando o “trabalho sujo” comprometedor e contribuindo na riacfo de " fatos desestabilizadores ou diversionistas. Em alguns casos (Argentina ¢ Uru- {guai), sua presenca foi anterior & deflagracio dos respectivos golpes de Estado; posteriormente, foram absorvidos dentro do espectro das forcas de seguranca estatal, Sua existéncia imprecisa e fantasmagérica fot utilizada também como meio de desresponsabilizar Estado dos crimes que, no minlmo scb sua sombra ce cobertura, aqueles grupos executaram. Em alguns pafses, a compartimentacfo das suas agées produziu a autonomizacio da sua atuacio, o que pode explicar certos transbordamentos de limites (caso da Triple A argentina); entretanto, sempre agiram de acordo com um comando que, se no era do préprio governo, pertencia a setores-chave da sua cupula. Além disso, algumas argumentarées procuraram explorar a presenca desses grupos para convencer a opinigo pitblica ‘de que eles haviam desobedecido ordens, produzindo uma quebra de comando. ‘Tal argumento visava diminuir as responsabilidades dos setores dirigentes, re- almente envolvidos na repressio estatal e que usavam o subterfigio dos exces- s0s gerados pelos subalternose, sobretudo, pelos esquadrées da morte, ou pelo Abos, 1979 Ver Abuelas de Plaza de Mayo, 1997; Nosgia. sd; Salaberry 195: Sa, 1989; Sannsies © Dinamarea, 198.

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