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CAPITULO 4 a linguagem e a experiéncia humana* Todas as Iinguas tém em comum certas categorias de expressio ‘que parecem corresponder a um modelo constante. As formas que revestem estas categorias so registradas ¢ inven nas descri- ‘oes, mas suas fungOes no aparecem claramente senfo quando se fas estuda no exercicio da linguagem ¢ na produgdo do discurso, ‘Sao categorias elementares, independentes de toda determinagao cultural © nas quais vemos a experigncia subjetive dos sujeitos que clarecer duas categorias fundamentais do discurso, aliés necessa- riamente ligadas, a de pessoa ¢ a de tempo. Todo homem se coloca em sua individualidade enquanto ew por oposigio a tu e ele. Este comportamento seré julgado “instinti- yo"; para nés, ele parece refletir na realidade uma estrutura de ‘oposigées lingifsticas inerente ao discurso. Aquele que fala se refere sempre pelo mesmo indicador ew a ele-mesmo que fala. Ora, este ‘ato de discurso que enuncia eu aparecerd, cada vez que ele é re- produzido, como o mesmo ato para aquele que o entende, mas para aquele que 0 enuncia, é cada vez um ato novo, ainda que repetido il vezes, porque ele realiza a cada ver a insergao do locutor num momento novo do tempo € numa textura diferente de circuns- tancias e de discursos. Assim, em toda lingua e a todo momento, se apropria desse eu, este eu que, no inventério das UNESCO, Gallimard, n° ho-setembro de 1965), formas da lingua, néo é sendo um dado lexical semelhante a qual- quer outro, mas que, posto em acdo no discurso, af introduz a presenga da pessoa sem a qual nenhuma linguagem € possfvel. Desde que 0 pronome eu aparece num enunciado, evocando — explicitamente ou no — o pronome tu para se opor conjuntamente a ele, uma experincia humana se instaura de novo e revel infima e imensa, entre o dado ¢ sua funcao. Estes pronomes existem, consignados e ensinados nas graméticas, oferta- dos como os outros signos e igualmente disponiveis. Quando alguém este alguém os assume, e © pronome eu, de elemento de um paradigma, se transforma em uma designacao tnica e produz, a cada vez, uma nova pessoa. Esta é a atualizacio de uma expe- ritneia essencial, que nfo se concebe possa faltar a um lingua. Esta é a experiéneia central a partir da qual se determina a de mesma do discurso. Necessariamente idéntica em sua tar para cada pessoa uma expresso cada vez diferen- cia nfo é descrita, ela esté 14, inerente & forma 4 transmite, constituindo a pessoa no discurso e conseqiiente- mente toda pessoa desde que ela fale. Por outro lado, este ew na comunicagio muda alternativamente de estado: aquele que o en- tende 0 relaciona ao outro do qual ele é signo inegével; mas, falan- do por sua vez, ele assume eu por sua propria conta Uma dialética singular ¢ a mola desta subjetividade. A lingua prové os falantes de um mesmo sistema de referéncias pessoais de que cada um se apropria pelo ato de linguagem e que, em cada instancia de seu emprego, assim que é assumido por seu enun- ciador, se tora tinico e sem igual, nfo podendo realizar-se duas vvezes da mesma maneira, Mas, fora do discurso efetivo, o pronome no € senfo uma forma vazia, que no pode ser ligada nem a um objeto nem a um conceito. Ele recebe sua realidade e sua substancia somente do discurso. © pronome pessoal néo é a tinica forma desta natureza, Alguns icadores partilham a mesma situacdo, notadamente a série 8. Indicando os objetos, os demonstrativos organizam 0 de um ponto central, que & Ego, segundo categorias 69 is se presta também para localizar todo objeto em qualquer campo que seja, uma vez que aquele que 0 organiza esté ele-préprio designado como centro e ponto de refe- rencia Das formas lingiiisticas reveladoras da experiéncia subjetiva, nenhuma € to rica quanto aquelas que exprimem 0 tempo, ne- nhuma € téo dificil de explorar, a tal ponto estio arraigadas as idéias preestabelecidas, as ilusdes do “bom senso”, as armadilhas do psicologismo. Queremos mostrar que este termo tempo recobre representagbes muito diferentes, que sio as muitas maneiras de co- locar 0 encadeamento das coisas, e queremos mostrar sobretudo que a lingua conceptualiza 0 tempo de modo totalmente diferente da reflexio. Uma confuséo muito difundida é a de crer que certas linguas lo fato de que, nfo fazendo parte da familia linguas, 1 nem o privilégio exclusivo de exprimir 0 tempo. Mais geral e, se se pode dizer, natural € uma outra confusio que consiste em pensar que o sistema temporal de uma lingua re- produz a natureza do tempo “objetivo”, to forte & a propensio a ver na lingua o decalque da realidade. As linguas néo nos oferecem de fato sendo construgdes diversas do real, e é talvez justamente no ‘modo pelo qual elas elaboram um si mporal complexo que elas so m rgentes, Teremos que nos perguntar a que nivel de expressio lingiifstica podemos encontrar a nogo de tempo que informa necessariamente todas as linguas, e em seguida, como se caracteriza esta noslo. 70 Hé, com efeito, um tempo especifico da-lingua, mas antes de chegar a isso, é necessério vencer duas etapas ¢ reconhecer sucessi- Tinear, segment duragdo infinitamente varidvel que cada s emogées € pelo ritmo de sua vida interior. Trata-se de uma ico bem conhecida e sem diivida ¢ desnecessério determo-nos € de seu correlato psiquico, a duragao inte- rior, devemos distinguir com muito cuidado 0 tempo crénico, que 0 tempo dos acontecimentos, que engloba também nossa propria ‘vida enquanto seqiiéncia de acontecimentos. Em nossa visio do mundo, assim como em nossa existéncia pessoal, nao hé sendo um tempo, que € este. E necessério que nos esforcemos para caracteri- zzé-lo em sua estrutura propria e em nossa maneira de concebé-o. Nosso tempo vivido corre sem fim e sem retorno, é esta a experiéneia comum. Nao reencontramos jamais noss ‘© ontem, nem o instante que acaba de passar. Nossa tanto pontos de referéncia que O observador, que é cada um de nés, pode lancar 0 olhar sobre 0s acontecimentos realizados, percorrélos em duas diregdes, do pasado ao presente ou do presente a0 passadq, Nossa propria vida faz parte destes acontecimentos, que nossa visio percorre numa -mpo erdnico, congelado na \dmite uma consideracio bidirecional, enquanto que nossa vida vivida corre (€ a imagem recebida) num tinico sentido, A noo de acontecimento € aqui essencial. No tempo ctOnico, 0 que denominamos “tempo” € a conti- nuidade em que se dispdem em série estes blocs distintos que so (5 acontecimentos. Porque os acontecimentos néo so o tempo, eles esto no tempo. Tudo esté no tempo, exceto 0 proprio tempo. Ora, n ‘o-tempo erénico, como o tempo fisico, comporta uma dupla versio, objetiva e subjetiva Em todas as formas de cultura humana e em todas as épocas, constatamos de uma maneira ou de outra, um esforgo para objetivar (© tempo crOnico. E esta uma condi¢do necesséria da vida das so ciedades, e da vida dos individuos em sociedade. Este tempo socia- lizado € 0 do calendétio. Todas as sociedades humanas ins divisio do tempo crdnico baseada na recorréncia de fenémenos na- turais: alterndncia do dia e da noite, trajeto visivel do sol, fases da lua, movimentos das marés, estagdes do clima e da vegetacdo, etc. jram um cOmputo ou uma Os calendérios possuem tragos comuns que indicam a que condigdes necessérias eles devem responder. Eles procedem de um momento axial que fornece o pont zero do cémputo: um acontecimento muito importante que é admi- tido como dando as coisas uma nova diresao (nascimento de Cristo ou de Buda; ascensio de certo soberano, etc.). E esta a condicéo primeira, que denominamos estativa [stative] Desta decorre a segunda condigo, que é diretiva. Ela se enun- cia pelos termos opostos “antes... /depois...”” relativamente 20 eixo de referencia A terceira condigao seré dita mensurativa, Fixa-se um reper- t6rio de unidades de medida que servem para denominar os inter- valos constantes entre as recorréncias de fendmenos c6smicos. Assim © intervalo entre a aparicfo e 0 desaparecimento do sol em dois ppontos diferentes do horizonte seré o “dia”; o intervalo entre duas conjungées da lua e do sol serd 0 © intervalo definido por uma volta completa do sol e das estagées seré 0 “ano”, Pode-se acrescentar af vontade outras unidades, quer sejam de agrupa- mento (semana, quinzena, trimestre, século) ou de divisdo (hora, minuto...), mas elas sio menos usuais. Tais so as caracteristicas do tempo cronico, fundamento da vida das sociedades. A partir do eixo estativo, os acontecimentos so dispostos segundo uma ou outra visada diretiva, ou anterior mente (para trés) ou posteriormente (para frente) em relagio a este eixo, ¢ eles so alojados em uma divisio que permite medir n sua distincia do eixo: tantos anos antes ou depois do eixo, depois de tal més e de tal dia do ano em questo. Cada uma das divisbes (ano, més, dia) se alinha em uma série isfinita na qual todos os termos sio idénticos ¢ constantes, no admitindo nem desigualdade nem lacuna, de tal modo que 0 acontecimento a situar esté local zado exatamente na cadeia crénica por sua coincidéncia com tal fo particular. O ano 12 depois de Cristo € o Ginico que se situa do ano 11 e antes do ano 13; 0 ano 12 antes de Cristo se situa também depois do ano 11 e antes do ano 13, mas numa visio na diregdo oposta, a qual, como se diz, recupera o curso da hist6ria, Sio estes pontos de referéncia que dio a posigéo objetiva dos acontecimentos, e que definem também nossa situagio em relagéo ‘a estes acontecimentos. Eles nos informam no sentido proprio onde estamos na vastidao da histéria, qual 0 nosso lugar em meio & su- cessio infinita dos homens que viveram e das coisas que aconte- ceram. sistema obedece a necessidades internas que sdo coercivas. cixo de referéncia nfo pode ser mudado, uma vez que € mar- cado por algo que realmente aconteceu no mundo, e no por uma convengo revogével. Os intervalos so constantes de um lado e de do eixo, Enfim, 0 cémputo dos intervalos ¢ fixo ¢ imutével Se ele no fosse fixo, estariamos perdidos em um tempo err « todo nosso universo mental ndo teria como se orientar. Se ele ndo fosse imutavel, se os anos mudassem com os dias, ou se cada um (05 contasse 8 sua maneira, nenhum discurso sensato poderia mais ser mantido sobre nada e a hist6ria inteira falaria a linguagem da Tovcura, Pode parecer natural que a estrutura do tempo crénico seja caracterizada por sua permanéncia ¢ sua fixidez. Mas & necessério dar-se conta ao mesmo tempo de que estas caracterfsticas resultam do fato de que a organizagao social do tempo crénico é, na rea dade, intemporal, E isto nfo € nenhum paradoxo. Intemporal, este tempo medido pelo calendério é-0 em virtude de sua fixidez mesma. Os dias, os meses, os anos so quantidades fixas, que observagées imemoriais deduziram do jogo das forcas eésmicas, mas estas quantidades so denominagées do tempo que B no participam em nada da natureza do tempo ¢ so, em si mesmas, vvazias de toda temporalidade. Considerando sua especificidade le- xical, setéo assimilados aos nomes, que nfo possuem nenhuma pro- priedade das matérias que denominam. calendério € exterior a0 tempo. Ele néo o acompanha. Ele registra as séries de unidades constantes, denominadas dias, que se agrupam em unidades superio- res (meses, anos). Ora, como um dia € idéntico a um outro qual quer, nada diz sobre determinado dia do calendério, tomado nele mesmo, se ele & passado, presente ou futuro. Ele nfo pode ser co- locado em uma destas trés categorias senfo por aquele que vive © tempo. “13 de fevereiro de 1641” € uma data explicita © com pleta em virtude do sistema, mas que no nos informa em que tempo ela foi enunciada; pode-se tomé-la como prospectiva, por exemplo, em uma cléusula que gerante a validade de um tratado m século mais cedo, ou como retrospectiva ¢ evocada dois séculos depois. O tempo cronico fixado num calendério ¢ es- tranho ao tempo vivido © nao pode coincidir com ele; pelo proprio fato de ser objetivo, propée medidas e divisdes uniformes em que se alojam os acontecimentos, mas estes nfo coincidem com as ccategorias préprias da experiéncia humana do tempo. Em relago ao tempo crénico, o que se pode dizer do tempo lingiistico? Para falar deste terceiro nivel do tempo, é necessério estabelecer novamente as distingSes e separar coisas diferentes, mesmo ott sobretudo se no se pode evitar chamé-las pelo mesmo nome. Uma coisa é situar um acontecimento no tempo crénico, outra ngua. E pela lingua que se mani- coisa ¢ inseri-lo no tempo da festa a experién sta-se irredutivel igualmente ao tempo cronico e a0 1 sico. ingular & 0 fato de estar © fato de se definir e de © que o tempo organicamente ligado ao exer se organizar como funcdo do. discurso, Este tempo tem seu centro — um eentro ao mesmo tempo gerador e axial — no pres uum locutor emprega a forma gramatical do “presente” (ou uma forma equivalente), el si mento como contempordneo te da insta 4 da instncia do discurso que o menciona. £ evidente que este pre- sente, na medida em que € funco do discurso, néo pode ser loce- ado em uma divisio particular do tempo crénico, porque ele admite todas as divisdes e nao se refere a nenhuma em particular. © locutor situa como “presente” tudo que ai esté implicado em virtude da forma lingiifstica que ele emprega. Este presente & ventado a cada vez que um homem fala porque é, momento novo, ainda nfo vivido. Eis af mais uma vez uma pro- priedade original da linguagem, tao particular que seria oportuno buscar um termo distinto para designar o tempo lingiifstico e sepa. ré-Jo assim das outras nogdes confundidas sob 0 mesmo nome. © presente lingiifstico é 0, fundamento das oposigdes. tempo- rais da lingua. Este presente que se desloca com a, progressio do discurso, permanecendo presente, constitui a linha de separagdo entre dofs outros momentos engendrados por ele e que s80 i ‘mente inerentes ao exercicio da fala: o momento em que o aconteci- mento ndo. € mais contempordneo do discurso, deixa de ser pre- sente e deve ser evocado pela meméria, eo momento em que o acontecimento nao é ainda presente, viré a sé-lo e se manifesta em prospeccao. Observar-se-4 que na realidade a linguagem néo dispée senéo de uma tinica expressdo temporal, o presente, e que este, assinala- do pela coincidéncia do acontecimento e do discurso, é por natu- reza implicito. Quando ele é explicitado formalmente, € por uma dessas redundéncias freqiientes no uso quotidiano. Ao contrétio, (0s tempos ndo-presentes, sempre explicitados na ingua, a saber, © passado e 0 futuro, ndo estfo no mesmo nfvel do tempo que o presente. A lingua nfo os situa no tempo segundo sua posicéo propria, nem em virtude de uma relagfo que devia ser entio outra que aquela da coincidéncia entre 0 acontecimento eo discurso, mas somente como pontos vistos para trés ou para frente @ partir do presente. (Para trés e para frente, porque 0 homem vai ao encon- tro do tempo ou o tempo ao encontro dele, segundo a imagem que 1a nossa representacio). A lingua deve, por necessidade, orde- nar 0 tempo a partir de um eixo, e este é sempre © somente a ins tincia de discurso. E impossivel deslocar este eixo referencial para © colocar no passado ou no futuro; nfo se pode mesmo imaginar 5 ‘0 que se tornaria uma lingua na qual o ponto de partida da orga- nizagdo do tempo no coincidisse com o presente lingifstico ¢ na qual 0 eixo temporal fosse ele mesmo uma varidvel da tempo- ralidade. Chega-se assim a esta constatagdo — surpreendente & primeira vista, mas profundamente de acordo com a natureza real da lingua gem — de que 0 tinico tempo inerente & lingua ¢ 0 presente axial do discurso, e que este presente ¢ implicito, Ele determina duas outras referéncias temporais; estas sio necessariamente explicita- ddas em um significante e em retorno fazem aparecer o presente como uma linha de separago entre 0 que nfo € mais presente e 0 que vai sélo. Estas duas referencias nao se rel tempo, mas as visdes sobre 0 tempo, projetadas para trés © para frente a partir do ponto presente. Esta parece ser a experiéncia fundamental do tempo, de que todas as linguas dao testemunho & sua maneira. Ela informa os sistemas temporais concretos ¢ note- damente a organizagao formal dos diferentes sistemas verbais Sem entrar nos detalhes desses sistemas, que so quase sempre de uma grande complexidade, consignaremos um fato significativo, Constata-se que nas linguas dos mais variados tipos, nunca falta fa forma do passado, e que muito freqiientemente ela é dupla ou ‘mesmo tripla. As linguas indo-européias antigas dispdem, para esta expressio, do pretérito do aoristo, ¢ mesmo do perfeito. Em fran- tas (tradicionalmente: pasado és temse ainda duas formas di definido ¢ indefinido), € 0 ex desta diferenga para separar 0 plano da histéria e da narracio. ‘Segundo Sapir, hé em certos dialetos da lingua chinook (falada na regio do rio Coltimbia) trés formas de passado, que se distinguem por seus prefixos: mi- indica o passado indefinido; ga-, 0 passado ‘mais remoto dos mitos; na-, 0 passado bem recente, ontem: “foi” (“il alla] seré dito segundo a circunstincia niyuya (ni prefixo + y “ele” + uya “ie”) ou gayuya (prefixo ga + y + uya) ou nayuya (na + y + uyd). Ao contrétio, muitas linguas nao tém forma especifica de futuro. Serve-se freqiientemente do presente com algum advérbio ou particula que indica um momento futuro, No mesmo dialeto chinook, que possui trés formas do passado, ni hé sendo uma para o futuro, e ela € caracterizada por um morfema itor tira partido instintivamente 76 redundante a que 6, a0 mesmo tempo, prefixado e sufixado, rentemente dos prefixos do pretérito. Assim se diz. atimluda, dé-lo-d a ti”, decomponivel em a- futuro + é “ele lo” + nas linguas em que ela & possivel, mostra que o futuro se constitui quase sempre, até data recente, pela especializagéo de certos auxi- fe contraste entre as formas do pasado € as do futuro é instrutivo por sua propria generalidade no mundo das linguas. Hé evidentemente uma diferenca de natureza entre esta temporalidade retrospectiva, que pode assumir vérias distincias no passado de nossa experiéncia, e a temporalidade prospectiva, que néo entra rno campo de nossa experiéncia e que, para dizer a verdade, néo se temporaliza sendo enquanto previsio de experiéncia. A lingua coloca aqui em relevo uma dissimetria que est na natureza desi gual da experiéncia Um Gltimo aspecto desta temporalidade merece atencdo: é a maneira pela qual ela se insere no processo da comunicagao. Do tempo lingiiistico indicamos a sua emergéncia no seio da instincia de discurso que o contém em poténcia ¢ que o atualiza. Mas 0 ato de fala € necessariamente individual; a instincia espe- cffica de que resulta o presente € cada vez nova. Em conseqiiéncia disso, a temporalidade lingiistica deveria se realizar no universo intrapessoal do locutor como uma experiencia irremediavelmente subjetiva e impossivel de ser transmitida. Se narro o que “me acon- tecew”, 0 pasado ao qual me refiro nao € definido sendo em re- lagio ao presente de meu ato de fala, mas como o ato de fala parte de mim © ninguém pode falar por minha boca, da mesma forma que nao pode ver por meus olhos ou experimentar o que eu sinto, € unicamente a mim que este “tempo” se relaciona e € uni- camente @ minha experiéncia que ele se restringe. Mas este argu- mento é falso. Algo singular, muito simples infinitamente im- portante se produz realizando algo que patecia logicamente impos- sivel: a temporalidade que é minha quando ela organiza meu dis: curso, € aceita sem dificuldade como sua por meu interlocutor. Meu “hoje” se converte em seu “hoje”, ainda que ele nao o tenha instaurado em seu préprio discurso, e meu “ontem” em seu “‘on- 7 tem”. Reciprocamente, quando ele falar em resposta, eu conver terei, tornando-me receptor, sua temporalidade na minha, Esta pa rece ser a condigao de inteligibilidade da linguagem, revelada pela iguagem: ela consiste no fato de que a temporalidade do locutor, inda que literalmente estranhe € inacessfvel a0 receptor, ¢ ide ficada por este & temporalidade que informa sua prépria fala quan: do ele se torna, por sua vez, locutor. Um e outro se acham assim de acordo sobre a durago da onda. © tempo do dicurso nem se jes do tempo crénico nem se fecha em uma subjeti- a. Ele funciona como um fator de intersubjetividade, deveria ter 0 torna onipessoal. A condigéo de intersubjetividade € que torna possivel a comunicagSo lingifs- tica Especifico, o tempo lingiifstico o é ainda de uma outra ma- neira. Ele comporta suas proprias divisOes em sua prépria ordem, esta e aquelas independentes das do tempo crénico. Aquele que diz “agora, hoje, neste momen simultineo a seu discurso; seu “hoje” pronunciado € necessério & suficiente para que 0 parceiro o ligue na mesma representaglo Mas, separemos “hoje” do discurso que 0 contém, coloquemo-lo em tum texto escrito; “hoje” nfo é mais entdo o signo do presente silistico pois que ele nao é mais falado e percebido, e ele nfo pode ‘mais enviar o leitor a algum dia do tempo crénico, pois que niio se identifica com nenhuma data; ele pode ter sido proferido em qual- ‘quer dia do calendério e se aplicard indiferentemente 4 todo dia. O {inico meio de empregéslo e de torné-lo inteligivel fora do presente " Jocaliza um acontecimento como ingiifstico € o de fazé-lo acompanhar de uma correspondéncia expli cita com uma divisio do tempo crén joje, 12 de junho de 1924”, O mesmo ocorre com um eu subtraido ao discurso que © introduz e que, adequado 1, no designa seu locutor real: é iz6-lo acrescentando o nome proprio deste locutor: “eu, X...”, Donde resulta que as coisas de- signadas e organizadas pelo discurso (0 locutor, sua posigo, seu tempo) nfo podem ser identificadas senio pe nicagdo lingiistica. Do contrério, para tornar int réncias ntao a todo locu Foss jecessério atu 9s parceiros da comu- iveis estas refe- tradiscursivas, deve-se ligar cada uma delas a um ponto 8 determinado em um conjutno de coordenadas espaco-temporais. A junc se faz assim entre o tempo lingtifstico e 0 tempo erénico. ‘A temporalidade lingiifstica €, ao mesmo tempo, muito nitida cem suas trés articulagdes distintivas e muito limitada em cada uma as, Centrada no “‘hoje”, ela nfo pode ser deslocada para tras e para frente sendo & distancia de dois dias: para trés, “ontem” € “anteontem”; para frente, “amanha” e “depois-de-amanha”. E tudo. Uma terceira gradagio (“trés-antes-deontem”; “depois de depois E coisa excepcional; ¢ mesmo a segunda néo tem fre- ente expressio lexical independente; “antes de ontem” ¢ no sfo sendo “‘ontem’ © “amanha” levados tem” separados ¢ determinados por “hoje”, como termos is marcando as distincias temporais a partir do presente lingiistico. Algumas q jcagbes sf ordenadas na mesma pers- pectiva: “ “préxima” (‘a préxima semana; 0 préximo outono") nfo comport “ontem” € as séries de designagdes de ordem intersubjetiva, como se vé, ¢ que uma translocagdo espacial e temporal torna-se necesséria para objetivar os signos eu”, “agora”, que tm a cada vez um referente tinico na instancia de discurso ¢ somente ele, Esta transferéncia faz aparecer a diferenca de planos entre os quais deslizam as mesmas formas lingifsticas, segundo sejam consi deradas no exercicio do discurso ou em estado de dados lexicais. Quando, por razdes pragméticas, 0 locutor deve transportar sua viséo temporal para 16 dos imo inverno; a dltima noi smanh&” de localizagio fixa e tinica, O que caracteriza como “este”, tes enuinciados por “ontem” e “amanha”, 0 discurso sai de seu plano préprio e utiliza a gradacdo do tempo crd do a enumé ito dias”; “em trés meses”. Entretanto, permanecem como indices do distanciamento subjetivo; eles néo podem passar para um relato histérico sem conversdo: “‘hé (oito s)” tornase “ rés meses) dep ¢ dia”, Estes operadores efetuam a transferencia do tempo lin Bliistico ao tempo crénico. 0, € antes de do das unidades: dias) antes”, € “em (trés meses)” torna-se como “hoj mais tar deve tornar-se “na- 79 ividade tem assim sua temporalidade, seus termos, relagio primordial, constante, indefinidamente reversivel, entre o falante e seu parceiro, Em 6 sempre ao ato de fala jéncia humana inscrita na iguagem. 80 CAPITULO 5 o aparelho formal da enunciagao * Todas as nossas descrigées lingiifsticas consagram um lugar freqiientemente importante ao “‘emprego das formas”. O que se entende por isso ¢ um conjunto de regras fixando as condigdes sin- féticas nas quais as formas podem ou devem normalmente aparecer, uma vez que elas pertencem a um paradigma que arrola as esco- Thas possiveis. Estas regras de emprego so articuladas a regras de formacao indicadas antecipadamente, de maneira a estabelecer uma certa correlagio entre as variagdes morfol6gicas ¢ as latitudes combinatérias dos signos (acordo, selecio mitua, preposigdes € re- gimes dos nomes e dos verbos, lugar e ordem, etc.). Como as esco- Ihas estdo limitadas de uma parte € de outra, parece que se obtém assim um inventétio que poderia ser, teoricamente, exaustivo, dos empregos como das formas, ¢ em conseqiéncia uma imagem pelo ‘menos aproximativa da lingua em emprego. Gostarfamos, contudo, de introduzir aqui uma distinggo em um funcionamento que tem sido considerado somente sob 0 éngulo da nomenclatura morfol6gica e gramatical. As condigdes de em prego das formas nfo so, em nosso modo de entender, idénticas as condigdes de emprego da Iingua. Séo, em realidade, dois mundos diferentes, e pode ser vitil insistir nesta diferenca, a qual implica ma outra maneira de ver as mesmas coisas, uma outra maneira de as descrever de as interpretar. © emprego das formas, parte necesséria de toda descrigao, * Langages, Paris, Didier-Larousse, 5° ano, n° 17 (marge de 1970), p. 128 81

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