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UNAES – FACULDADE DE CAMPO GRANDE

PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES

CONTRATAÇÃO INDIRETA E TERCEIRIZAÇÃO DE


SERVIÇOS NA ATIVIDADE-FIM DAS PESSOAS
JURÍDICAS: POSSIBILIDADE JURÍDICA E
CONVENIÊNCIA SOCIAL

Campo Grande, MS
2003
2

PAULO DOUGLAS ALMEIDA DE MORAES

CONTRATAÇÃO INDIRETA E TERCEIRIZAÇÃO DE


SERVIÇOS NA ATIVIDADE-FIM DAS PESSOAS
JURÍDICAS: POSSIBILIDADE JURÍDICA E
CONVENIÊNCIA SOCIAL

Monografia apresentada à Banca


Examinadora do Curso de Direito da UNAES
– Faculdade de Campo Grande, MS como
exigência parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito, sob a orientação do
Professor Marco Antônio Freitas.

Campo Grande, MS
2003
3

TERMO DE APROVAÇÃO

A Monografia intitulada: “Contratação Indireta e Terceirização de Serviços na Atividade-

fim das Pessoas Jurídicas: Possibilidade Jurídica e Conveniência Social” apresentada por

Paulo Douglas Almeida de Moraes, como exigência parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito à Banca Examinadora da UNAES – Faculdade de Campo Grande,

MS, obteve conceito 10 (dez) para aprovação.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________
Dr. Marco Antônio Freitas
Juiz do Trabalho
ORIENTADOR

_____________________________
Dr. Amaury Rodrigues Pinto Júnior
Juiz do TRT/24a Região

_____________________________
Dr. Emerson Marin Chaves
Procurador do Trabalho

Campo Grande, MS, 12 de dezembro de 2003


4

DEDICATÓRIA

À minha amada esposa, Iara Beatris, pelo apoio, cumplicidade e amor que sempre
me encorajaram a prosseguir nessa jornada.

Às minhas filhas, Paola, Fernanda e Gabriela, por serem o que são. Por serem a
constatação de que a vida vale à pena.

À minha mãe, Ivanilda, pelo carinho e amor e, sobretudo, pelo exemplo de vida.

Ao meu pai, Jones, por demonstrar que mesmo os momentos mais difíceis podem
ser superados com serenidade e bom humor.
5

AGRADECIMENTOS

Aos professores, em especial ao meu amigo Marco Antônio Freitas e ao meu


mestre Ulisses, que pacientemente ouviram minhas dúvidas primárias e com paciência e
sabedoria mitigaram minha ignorância.

Na pessoa da gloriosa Ana, agradeço o apoio e o carinho de toda equipe da


biblioteca da UNAES, que com absoluto profissionalismo me apontou o caminho do
conhecimento.

A Deus, por ter me oportunizado refletir e aprender um pouco mais, permitindo


assim, que eu possa ser mais útil ao próximo.
6

“Daqui a duzentos ou trezentos anos, ou mesmo mil anos –

não se trata de exatidão – haverá uma vida nova. Nova e feliz. Não

tomaremos parte nessa vida, é verdade...

Mas é para ela que estamos vivendo hoje. É para ela que

Trabalhamos e, se bem que soframos, nós a criamos.

E nisso está o objetivo de nossa existência aqui”

(Tchekhov, Três irmãs)


7

RESUMO

Esta dissertação analisa o fenômeno jurídico e social da Terceirização sob o prisma lógico
científico próprio do sistema jurídico, resgatando a finalidade última do Direito,
relacionando-a com os elementos essenciais da pessoa jurídica para demonstrar os limites
jurídicos da Terceirização na atividade-fim das pessoas jurídicas. Na medida em que a
análise evoluiu, foi possível demonstrar, por meio da análise ontológica da Terceirização,
que há uma confusão reinante no que tange a definição do fenômeno, de modo que
doutrinadores e juristas trabalhistas têm se referido à Terceirização como mera contratação
indireta de mão-de-obra, deixando, por essa razão, de considerar aspectos fundamentais,
como o da impossibilidade lógica de delegação de atividade-fim da pessoa jurídica
contratante, seja na análise da norma em tese, seja na análise do caso concreto. Numa
análise da pertinencialidade das normas rotuladas como “terceirizantes” foi demonstrado, à
luz da lógica que necessariamente deve governar qualquer ramo da ciência, que a
dogmática tem evoluído de modo insatisfatório no que tange o tratamento da
Terceirização, deixando preliminarmente de conceitua-la e, em outras situações,
permitindo de modo indiscriminado sua prática, provocando sérios prejuízos à sociedade,
em especial aos trabalhadores, evidenciando a urgente necessidade de ampla revisão
normativa no que toca ao fenômeno da Terceirização, a exemplo do que se assiste no
Direito Civil. Todavia, demonstrou-se que não se trata de proibi-la, mas de regrá-la com
base em critérios práticos, de forma a realçar sua finalidade de fomentadora da
competitividade às empresas submetidas à concorrência global e, cuidando, para que o
seguimento não exposto a essa concorrência, seja impedido de praticá-la. Desse modo,
com esse enfoque inovador, firma-se clara defesa de que o Direito não pode evoluir
divorciado do verdadeiro interesse social, divorciado de sua própria razão de existência.

PALAVRAS-CHAVE: Terceirização, atividade-fim, pessoa jurídica, trabalho,


globalização.
8

SUMÁRIO:

1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 11

2 O DIREITO E A HARMONIA SOCIAL.............................................. 16

2.1 O OBJETO DA CIÊNCIA DO DIREITO ................................................................. 16


2.2 A LIBERDADE CONSCIENTE COMO O ELEMENTO EIDÉTICO DO
DIREITO............................................................................................................................. 18
2.3 A HARMONIA SOCIAL COMO EVIDÊNCIA APODÍTICA DO
DIREITO............................................................................................................................. 21
2.4 A IMPERFEIÇÃO HUMANA COMO LEGITIMAÇÃO DO CONTROLE
DE COMPORTAMENTO .................................................................................................. 24
2.4.1 A NATUREZA HUMANA PARA ARISTÓTELES .............................................................. 25
2.4.2 A NATUREZA HUMANA PARA TOMAS HOBBES .......................................................... 26
2.4.3 O HOMEM COMO UMA OBRA INACABADA .................................................................. 27
2.5 O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE PURIFICAÇÃO DO HOMEM............ 28

3 A PESSOA JURÍDICA ........................................................................... 30

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PESSOA JURÍDICA .............................................. 30


3.2 NATUREZA DA PESSOA JURÍDICA ..................................................................... 32
3.3 A PESSOA JURÍDICA ANALISADA EM CAMADAS............................................ 34
3.3.1 A CAMADA INTERNA: O SUPORTE FÁTICO .................................................................. 34
3.3.2 A CAMADA EXTERNA: A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA. O QUE É “PESSOA”? ................ 36
3.4 A PESSOA JURÍDICA COMO ENTE VOLITIVO .................................................. 36
3.5 O CARÁTER ESSENCIAL DA FINALIDADE NAS PESSOAS
JURÍDICAS ........................................................................................................................ 37
3.5.1 A FINALIDADE NAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO INTERNO ..................... 39
3.5.2 A FINALIDADE NAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO ................................... 42
3.5.2.1 O registro público como controle prévio de licitude da pessoa jurídica............... 44
3.5.2.2 O desvio de finalidade como configuração do abuso de personalidade ............... 46
3.5.2.3 A finalidade como elemento caracterizador das pessoas jurídicas de
direito privado...................................................................................................................... 48
3.5.3 A FINALIDADE NAS EMPRESAS CONSTITUÍDAS POR EMPRESÁRIO SINGULAR .............. 50
3.6 A TRANSFERÊNCIA DAS IMPERFEIÇÕES HUMANAS PARA AS
PESSOAS JURÍDICAS COMO JUSTIFICATIVA PARA O SEU
REGRAMENTO ................................................................................................................. 51
3.7 O EFEITO VINCULANTE DECORRENTE DA FINALIDADE
DECLARADA PELAS PESSOAS JURÍDICAS ................................................................ 53

4 O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO ............................................. 58

4.1 ASPECTOS ETIMOLÓGICOS DA EXPRESSÃO “TERCEIRIZAÇÃO” ............. 59


9

4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA TERCEIRIZAÇÃO................................................ 60


4.3 DEFINIÇÃO .............................................................................................................. 63
4.3.1 DEFINIÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO SEGUNDO A CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO .............. 63
4.3.2 DEFINIÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO SEGUNDO A CIÊNCIA DO DIREITO ............................ 66
4.3.3 SÍNTESE CONCLUSIVA ACERCA DA DEFINIÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO ........................... 70
4.3.4 A TERCEIRIZAÇÃO COMO UMA ESPÉCIE DO GÊNERO CONTRATUAL ........................... 73
4.4 O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE RECRUDESCIMENTO DA
MARCHANDAGE .............................................................................................................. 74

5 OS LIMITES JURÍDICOS DA CONTRATAÇÃO


INDIRETA E DA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS........................... 79

5.1 OS LIMITES JURÍDICOS DA CONTRATAÇÃO INDIRETA DE MÃO-


DE-OBRA PELA PESSOA JURÍDICA ............................................................................. 82
5.1.1 OS LIMITES PRINCIPIOLÓGICOS DA CONTRATAÇÃO INDIRETA DE MÃO-DE-
OBRA 83
5.1.1.1 Da incolumidade da ordem pública, da função social do contrato, da
probidade e da boa-fé como princípios gerais decorrentes do gênero contratual ................ 84
5.1.2 OS LIMITES OBJETIVOS GENÉRICOS DA CONTRATAÇÃO INDIRETA DE MÃO-DE-
OBRA 87
5.1.3 OS LIMITES OBJETIVOS ESPECÍFICOS DA CONTRATAÇÃO INDIRETA DE MÃO-DE-
OBRA 88
5.1.3.1 Metodologia interpretativa do Enunciado 331, TST ............................................ 91
5.1.3.1.1 Da vedação da contratação indireta tripolar de mão-de-obra como regra
geral 91
5.1.3.1.2 Da formação de vínculo diretamente com o tomador de serviços como
efeito geral decorrente da regra geral .................................................................................. 92
5.1.3.1.3 Da exceção incondicional ao efeito geral e do seu caráter absoluto.................. 92
5.1.3.1.4 Das exceções incondicionais à regra geral ........................................................ 93
5.1.3.1.5 Do caráter relativo das exceções incondicionais à regra geral .......................... 93
5.1.3.1.6 Do caráter subsidiário das exceções incondicionais à regra geral ..................... 94
5.1.3.1.7 Crítica à discriminação inserta no inciso III do Enunciado 331, TST ............... 95
5.1.3.1.8 Das exceções condicionais à vedação da contratação indireta de serviços ....... 97
5.1.3.1.8.1 Das condições positivas ..................................................................................99
5.1.3.1.8.2 Das condições negativas ...............................................................................101
5.2 OS LIMITES JURÍDICOS DA TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA .............. 102

6 CONFORMIDADE NORMATIVA E CONVENIÊNCIA


SOCIAL DA CONTRATAÇÃO INDIRETA E DA
TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS ........................................................ 105

6.1 DA
APRECIAÇÃO DA PERTINENCIALIDADE DAS NORMAS PERMISSIVAS DA
CONTRATAÇÃO INDIRETA DE SERVIÇOS AOS SEUS LIMITES JURÍDICOS ............................... 105
6.1.1 DA PERTINENCIALIDADE DA LEI DO TRABALHO TEMPORÁRIO (LEI 6.019, DE
03/01/74)............................................................................................................................ 106
6.1.2 DA PERTINENCIALIDADE DA PARCERIA RURAL (LEI 4.504, DE 30/11/64)................ 108
6.1.3 DA PERTINENCIALIDADE DA CONTRATAÇÃO INDIRETA DE MÃO-DE-OBRA POR
MEIO DE COOPERATIVA DE TRABALHO ............................................................................... 109
10

6.1.4 DA PERTINENCIALIDADE DA LEI DAS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS


(LEI 8.987, DE 13/02/95)..................................................................................................... 111
6.2 DA CONVENIÊNCIA SOCIAL DA TERCEIRIZAÇÃO E DA CONTRATAÇÃO
INDIRETA DE SERVIÇOS ....................................................................................................... 115
6.2.1 AS REPERCUSSÕES SOCIAIS E ECONÔMICAS DA TERCEIRIZAÇÃO E DA
CONTRATAÇÃO INDIRETA DE SERVIÇOS ............................................................................... 116
6.2.2 A TERCEIRIZAÇÃO NO MUNDO GLOBAL .................................................................. 119

7 CONCLUSÃO........................................................................................ 121

8 REFERÊNCIAS..................................................................................... 128

9 ANEXO ................................................................................................... 132


11

1 INTRODUÇÃO

A faculdade de Direito, permeada pelo estudo das leis, dos homens e da

realidade, leva seus alunos a difusas direções. Se por um lado apresenta a vida como ela é,

por outro, ensina como ela deveria ser.

Por isso há uma bifurcação na preferência e no destino dos acadêmicos.

Alguns, mais céticos, abraçam a segurança jurídica como primado maior do Direito e vêem

nessa ciência um instrumento de pacificação social capaz de manter a ordem e a paz,

permitindo que o desenrolar das relações sociais se dê dentro de regras que afastem a

violência do explorador e a rebeldia do explorado. Há, por outro lado, aqueles mais

idealistas que se apaixonam pela justiça e acreditam em um Direito que também busque

promover a paz social, não apenas como garantidor da segurança jurídica meramente, mas,

sobretudo, como um veículo de harmonização social, de modo que funcione como

instrumento de realização da igualdade material entre os homens e municie o mais fraco

para que possa, em igualdade de condições, relacionar-se no meio social com o mais forte.

O presente ensaio demonstra que essa dicotomia segurança e justiça são, na

verdade, duas faces de uma mesma moeda. O Direito, para lograr êxito na sua missão

reformadora do homem, deve, inexoravelmente, estar orientado pela justiça. Todavia, é a

segurança que permite a efetivação daquele ideal.

Numa concepção realista de enfoque zetético, o presente ensaio visa esmiuçar

um dos fenômenos jurídicos que mais tem repercutido sobre um dos mais nobres e caros

bens jurídicos da sociedade contemporânea – o trabalho. Trata-se da Terceirização de mão-

de-obra, que será investigada de modo mais atento quando toca a atividade-fim das pessoas

jurídicas “terceirizantes”.
12

O tema foi escolhido por várias razões, mas a que se revela mais importante é a

necessidade urgente de se buscar outro ponto de vista, em oposição ao tratamento jurídico

dispensado pelos estudiosos positivistas amantes da segurança jurídica. Estes, analisam o

fenômeno apenas com base na norma e nas relações sociais emergentes, sem perquirir a

essência do fenômeno, seu desenrolar histórico, os valores sociais e econômicos

envolvidos e, sobretudo, sua pertinência com o ideal de justiça do Direito.

O desafio central desse trabalho é, pois, investigar o fenômeno da

Terceirização, escapando aos limites impostos pela dogmática jurídica e buscando um

fundamento sólido para clarificar muitas das interrogações que cercam o problema da

validade e da legitimidade desse fenômeno, tais como os seus limites jurídicos e a sua

conveniência social.

Para discutir a validade e a legitimidade da Terceirização é preciso,

preliminarmente, entendê-la como fenômeno jurídico e, em se tratando de fenômeno que

gravita no mundo do Direito, é imperioso que antes de se debruçar sobre o fenômeno em

si, que se tenha claro qual a finalidade do próprio Direito.

Nessa regressão em busca dos fundamentos e da lógica imanente que

governam o sistema jurídico, chegou-se ao homem. Portanto, o embasamento teórico de

um trabalho com esse escopo, passa, inevitavelmente, por considerações acerca da natureza

humana. Isso porque o Direito tem no ser humano seu criador e objeto.

A natureza humana é tema que traz dissensões históricas entre os filósofos e,

buscando ilustrar as posições extremadas sobre o assunto, faz-se alusão a Aristóteles e

Thomas Hobbes.

Não obstante as divergências filosóficas, busca-se dar relevo há um núcleo

consensual no que tange à função essencial do Estado – garantir a convivência social

harmônica, seja ela decorrente da natureza ou da conveniência humana. É para lograr esse
13

fim que o Estado e os particulares recorrem à Ciência do Direito, já que se trata de ciência

eminentemente prescritiva de condutas humanas, permitindo-as, limitando-as, proibindo-

as, punindo-as ou estimulando-as, sempre visando um fim essencial – a convivência social

harmônica.

É preciso atentar, porém, que a Terceirização não se opera pelo homem

diretamente, mas sim pela pessoa jurídica, daí a relevância de buscar compreender melhor

os caracteres essenciais desse ente. Será ele uma ficção jurídica ou uma realidade que

apenas é reconhecida pelo Direito? Ele tem vontade própria? Pode delinqüir?

A pessoa jurídica, dotada de transcendência pessoal, de onipresença, sem

restrições físicas ou biológicas, supera as limitações humanas, sendo por isso o vetor ideal

para viabilizar a geração e a acumulação de riqueza.

A história demonstra que a questão da geração de riqueza, como protagonista

das relações sociais, percorre um movimento pendular.

Nos primórdios, o homem chegava a ser propriedade do próprio homem na

condição de escravo, tal prática, há pouco passou a ser repudiada, com o Estado assumindo

explicitamente a sua função social.

Hoje a tônica é diversa, com o neoliberalismo dominante, a propriedade

material e imaterial, vem assumindo um relevo cada vez maior, e com ela a pessoa jurídica,

que cada vez mais, protagoniza as decisões que acabam por subjugar grandes parcelas da

sociedade a uma minoria dominante.

É nesse curso histórico que temos a recente concepção neoclássica datada de

1954 do homus economicus, segundo a qual o homem passa a agir ou deixar de agir, a

existir ou deixar de existir, em função de necessidades econômicas.

O Direito, atento ao seu fim último de promover o bem comum, delimitou os

caracteres essenciais das pessoas jurídicas, tendendo sempre a realizar esse fim. Desses
14

caracteres essenciais é de especial importância a sua finalidade – o objeto da pessoa

jurídica – que, em termos metafóricos, pode ser designado como o seu “espírito”, pois que

negá-lo seria o equivalente a negar a própria essência, a própria existência da pessoa

jurídica.

Por outro lado, a Ciência da Administração, tendo por finalidade, no dizer do

estudioso Idalberto Chiavenato, “fazer com que as coisas sejam realizadas da melhor

forma possível, com o menor custo e com a maior eficiência e eficácia”1, está muito

mais ligada ao aspecto econômico do que ao social das pessoas jurídicas.

Sendo talvez uma das demonstrações mais aberrantes de privilégio do aspecto

econômico sobre o social, tem-se a chamada marchandage, que é a pratica comercial que

reduz o homem a mera mercadoria, onde a pessoa jurídica tem por objeto apenas a venda

da mão-de-obra humana.

Tal prática é repelida pela doutrina e pelos sistemas jurídicos de todo o mundo.

Já em primeiro de março de 1848, fora abolida da França, país onde surgiu. No Brasil o

assunto é disciplinado pelo Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

De modo intencional ou não, é freqüente a confusão que se faz entre

marchandage e Terceirização e, embora haja pontos de consonância, não se confundem em

sua essência. Em alguns casos, chega-se ao absurdo de “legitimar” em norma jurídica a

clara prática da marchandage com o rótulo de Terceirização.

A Terceirização caracteriza-se fundamentalmente pela delegação da execução

de funções não essenciais da pessoa jurídica a terceiros, ou seja, que não se ligam ao seu

fim último, a sua atividade-fim.

Entretanto, a práxis tem demonstrado que uma desfocada definição essencial

da Terceirização tem levado numerosos estudiosos a designarem por Terceirização toda e

1
Idalberto Chiavenato. Introdução à teoria geral da administração, p. 18
15

qualquer contratação indireta efetuada pela pessoa jurídica, sejam elas circunscritas às

atividades-fim ou meio.

O resultado desse evidente recrudescimento da marchandage, que

equivocadamente vem sendo tratada como Terceirização, é calamitoso para a sociedade

brasileira, especialmente para os trabalhadores, que se vêem cada vez mais empobrecidos e

explorados.

A partir dessa constatação empírica, combinada com a investigação ontológica

da Terceirização, chega-se ao que há de prático no presente estudo: a elaboração de um

critério objetivo e seguro, com base no qual é possível aferir o grau de congruência entre as

normas rotuladas como “terceirizantes” e o sistema jurídico. Mais ainda, verificar se a

evolução da dogmática jurídica está se aproximando ou se distanciando do fim último do

Direito, se está corroborando com o bem comum ou está, ao contrário, acentuando

diferenças.

Finalmente, numa avaliação do impacto social e econômico do fenômeno da

contratação indireta e da Terceirização de serviços, busca-se delinear caminhos e critérios

para que o fenômeno venha a contribuir para a harmonia social.


16

2 O DIREITO E A HARMONIA SOCIAL

2.1 O OBJETO DA CIÊNCIA DO DIREITO

É impressionante a constatação de que, embora há tanto tempo questões

essenciais do Direito venham sendo enfrentadas com tanta propriedade pelos estudiosos,

haja, por outro lado, até os dias atuais, distorções tão gritantes na produção e aplicação

desse que deveria ser um instrumento de desenvolvimento e libertação do homem. Isso

demonstra que a investigação não deve se limitar ao estudo essencial do Direito, mas,

sobretudo, há que se produzir instrumentos capazes de vincular seu desenvolvimento a essa

essência.

Essa distorção se deve, em grande medida, pela ditadura metodológica exercida

pelo positivismo jurídico, que, como bem historiou Tércio Sampaio Ferraz em sua obra “A

Ciência do Direito”, no seu apogeu, século XIX, chegou a reduzir o Direito à lei2. O autor

ressalta ainda que “o positivismo jurídico, na verdade, não foi apenas uma tendência

científica, mas também esteve ligado, inegavelmente, à necessidade de segurança da

sociedade burguesa”.

Este processo levou ao abandono das fontes legitimadoras do próprio Direito e,

na mesma medida que proporcionou a dinamização da aplicação do Direito aos casos

concretos, o afastou, em alguns casos, da sua essência, chegando a desnaturá-lo. Embora o

Direito deva, para fins didáticos, ser estudado de modo dissociado de influências de outras

ciências e fenômenos, não se pode negligenciar a essência que lhe dá sentido, donde não se

pode admitir a circunscrição de seu alcance tão somente a uma ciência de controle

comportamental sem perquirir a que fim esse controle serve.


17

O ponto de partida do presente ensaio situa-se na afirmação de que o fim

último do Direto é a promoção da harmonia social ou a garantia de sua incolumidade.

Tal proposição, aparentemente frívola por buscar demonstrar o óbvio, tem sua

razão de ser pelo seu caráter principiológico, servindo como critério de aferição do grau de

adequação da norma posta ao elemento essencial do Direito aqui defendido.

É com base na fenomenologia de Edmund Husserl3 que essa premissa

fundamental será demonstrada. Essa teoria visa, através do método da redução

fenomenológica, identificar para a filosofia um método e um ponto de partida tão

indiscutível quanto o da matemática. É o que Husserl chama princípio dos princípios.

Esse método é baseado na époché (suspensão) dos céticos gregos, segundo a

qual, na investigação, tudo o que se apresenta como real, mas que comporte dubiedade

deve ser colocado “entre parêntesis”, isto é, pratique-se em relação a ele a suspensão do

juízo, inclusive sobre o próprio investigador4. Por esse processo, aquilo que restar, o que

for impossível colocar “entre parêntesis”, será a evidência apodítica procurada. Esta tem

em si mesma um ser próprio, que, em sua absoluta especificidade eidética (de eidos:

essência verdadeira), não é atingido pela exclusão fenomenológica. Com isso garante-se

uma neutralidade absoluta e um resultado evidente e irrefutável.

Qual seria então o elemento eidético do Direito? A resposta a essa questão é

imprescindível para uma tomada de posição, não só teorética, mas também e, sobretudo,

praxiológica, frente às vicissitudes que se nos apresentam na experiência jurídica.

2
Tércio Sampaio Ferraz. A ciência do direito, p. 30-32
3
Edmund Husserl. Investigações Lógicas – Sexta Investigação, p.10-11.
18

2.2 A LIBERDADE CONSCIENTE COMO O ELEMENTO EIDÉTICO

DO DIREITO

Uma análise preliminar de todos os subsistemas do ordenamento jurídico,

revela sempre um conjunto de normas arranjadas de modo hierárquico e inter-relacionadas,

umas sendo normas de estrutura e outras de conduta, com o objetivo último de regular

condutas humanas. Sobre a norma e sua produção, Hans Kelsen na sua basilar obra “Teoria

Pura do Direito” afirma que

na verdade, o Direito, que constitui o objeto deste conhecimento, é uma ordem


normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o
comportamento humano. Com o termo “norma” se quer significar que algo deve
ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada
maneira5 (grifos nosso).

Note-se que Kelsen coloca a norma como ponto de partida da Ciência do

Direito, admitindo, porém, que ela visa regular o comportamento humano. Essa distância

entre a essência do Direito e a concepção positivista do objeto da Ciência do Direito é

mitigada por vários pensadores que buscam desvendar o espírito do Direito.

À primeira vista, parece que num só passo chega-se à essência do direito – o

comportamento do homem em sociedade – mas recuperando o método da redução

fenomenológica, pode-se concluir que ainda se está gravitando estreitamente em torno do

eidos, sem, porém, ainda determiná-lo.

A questão é: porque o comportamento dos homens e não dos vegetais ou dos

animais serem o objeto primeiro do direito? Colocando-se então o homem sob suspensão

(époché), o que sobraria para uma regulação efetiva? Será que alguma utilidade haveria

para uma norma que regulasse a convivência e o relacionamento entre os vegetais ou entre

os animais?

4
Luiz Antônio Nunes. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 21-32.
19

Pontes de Miranda acentuou que

houve homens, que não foram pessoas; há pessoas, que não são homens [...] são
as condições sociais de cada momento que determinam quais as pessoas, isto é,
aquelas que têm possibilidade de ser sujeitos de direito. Os nossos dias somente
admitem que seres humanos e sociedades, associações de homens, fundações e
entidades com suporte humano tenham personalidade. Coisa e animais não mais
podem ser pessoas, posto que, no passado, se tenha tentado a adaptação social
deles. Ainda quando as leis protegem coisas e animais, em verdade só se dirigem
aos homens e às outras personalidades, por lhes parecerem perversos, cruéis ou
supérfluos os seus atos ou suas omissões6.

Os vegetais, embora sejam seres vivos, são absolutamente inertes e mais, são

desprovidos de racionalidade. Já os animais possuem mobilidade, capacidade de causar

lesão, todavia, não possuem racionalidade e consciência que os permitam compreender o

caráter jurídico ou antijurídico de sua conduta. Portanto, atualmente, somente o

comportamento do homem, enquanto ser, pode ser objeto de uma ciência que vise regular

condutas.

É importante perceber que o homem não interessa ao direito por ser homem, ou

seja, nem mesmo o homem pode ser considerado o elemento eidético do Direito, mas sim

uma característica que somente ele possui – a liberdade consciente, a capacidade de se

auto-determinar quanto às suas decisões, que teologicamente é designada por livre arbítrio.

São vários os tipos de liberdades: Temos as liberdades física, moral, política,

social e psicológica. A referida neste passo é a última, que, segundo Battista Mondin

define-se como

a capacidade que o homem possui de fazer ou não uma determinada coisa, de


cumprir ou não determinada ação, quando já subsistem todas as condições
requeridas para agir. É o controle soberano sobre a situação, de forma que a
vontade tenha nas suas mãos o poder de fazer pender a agulha da balança de um
lado ou do outro. É a senhoria absoluta, o domínio completo de si mesmo, das
próprias ações, de tudo o que nos diz respeito7.

5
Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito, p. 5
6
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 127-128
7
Battista Bondin. O homem, quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica, p. 109
20

Ao afirmar que a liberdade consciente é o elemento eidético do Direito, está-

se, desde já, repudiando a concepção determinista, que afirma que o homem é desprovido

de liberdade, pois seria um contra-senso dizer que algo que não existe constitui a essência

de alguma coisa.

Sobre a existência da liberdade humana, muitos foram os teóricos que a

defenderam, dentre os quais merecem especial destaque Clemente Alexandrino, São

Tomás de Aquino, Kant e J. P. Sartre. Ao se debruçar sobre os ensinamentos desses

estudiosos, Battista Mondin concluiu:

Antes de concluir essas considerações sobre a existência da liberdade, nós


queríamos voltar, ainda que brevemente, sobre um dos argumentos que já foi
esboçado em algumas ocasiões: o que serve de alavanca sobre a própria estrutura
da vontade humana. Esta, como já vimos, é uma faculdade paralela ao intelecto.
Enquanto, porém, o fim do intelecto é a verdade, não esta ou aquela verdade,
mas a verdade enquanto tal, a verdade absoluta, o fim da vontade é o bem, mas
não este ou aquele bem particular, mas sim o bem absoluto, universal. É somente
no bem absoluto que a vontade encontra a perfeita satisfação, a felicidade, a paz.
Somente quando encontra esse bem não pode libertar-se da sua atração
irresistível e o segue necessariamente. Mas nesta vida, o intelecto não propõe
nunca à vontade um bem concreto que possua todos os carismas do bem
absoluto, universal, mas somente bens particulares, limitados, defeituosos e, por
isso, sujeitos a serem descartados ou rejeitados. Aqui está a razão profunda pela
qual a vontade humana não é livre: a sua potente propensão para o bem universal
e a sua permanente insatisfação frente a qualquer bem concreto deste mundo8.

Nessa concepção tem-se a liberdade humana como uma decorrência e uma

comprovação da imperfeição e incompletude do homem.

A constatação prática de que a liberdade consciente é o elemento eidético do

Direito pode ser observada em várias passagens do direito positivo brasileiro, tais como, o

tratamento dado à capacidade civil, que é disciplinada no capítulo I do código civil que

vem diretamente relacionada, nas palavras de Maria Helena Diniz, “ao discernimento que é

critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a

pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial”, que, sinteticamente

8
Battista Bondin. O homem, quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica, p. 115-166
21

pode ser designado por consciência. Ainda na esfera civil, o mesmo pode ser dito sobre a

fundamentação do instituto da interdição.

No campo penal, a presença do elemento eidético aqui defendido é ainda mais

notório, tendo o seu caráter bidimensional (consciência e liberdade) considerado em sua

inteireza. É o que pode ser observado no tratamento dado pelo código penal à

imputabilidade penal que vem prevista no título III da parte geral, cujo artigo 26 prevê que

a impossibilidade absoluta de compreender o caráter ilícito do fato (consciência) ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento (liberdade), decorrente de doença mental

ou desenvolvimento incompleto ou retardado, isenta o agente de pena. Disciplina idêntica é

dispensada ao dependente de substância entorpecente, conforme prescrição do artigo 19 da

Lei 6.368, de 21/10/76.

Uma vez determinado o elemento essencial do Direito, ainda remanesce a

questão de qual seria a sua evidência apodítica, ou seja, o seu princípio dos princípios.

2.3 A HARMONIA SOCIAL COMO EVIDÊNCIA APODÍTICA DO

DIREITO

Se se tem por essência do direito a liberdade consciente, é importante estudar

o porque desse elemento ser objeto de um sistema de normas de controle.

Neste passo é necessária uma progressão do eidos (liberdade consciente) para

suas camadas imediatamente posteriores para que se possa identificar a evidência

apodítica.

Se a essência do fenômeno estudado é a liberdade consciente e esta é uma

característica do homem, o homem é a camada imediatamente posterior ao eidos.

Considerando que a finalidade do Direito é eminentemente o controle de conduta humana,


22

tal controle só tem sentido se o homem não for considerado isoladamente, de modo que a

camada posterior ao homem é a sociedade.

Pelo desdobramento deste exercício fenomenológico chega-se à conclusão de

que os elementos objetivos para a identificação da evidência apodítica são o homem,

enquanto ser dotado de liberdade consciente, e a sociedade.

Pontes de Miranda, em seu tratado de direito privado ao dissertar sobre a

natureza da relação jurídica afirma que

todas as teorias que admitem relação da pessoa com a coisa cometem o erro de
negar a natureza social das relações jurídicas: relações com as coisas não seriam
sociais. Por outro lado, fazem tábua rasa do que se sabe sobre a origem do
direito, como processo de coexistência dos homens9.

Na esteira do ilustre civilista, pode-se identificar o elemento lógico que

relaciona o homem à sociedade, conferindo completude à compreensão do que venha a ser

o princípio dos princípios do Direito.

Objetivamente, o regramento de condutas converte-se na limitação da

liberdade consciente. Mas, considerando o fato de que regrar condutas humanas não é um

fim, mas um meio, a questão que se impõe é a seguinte: Regrar condutas com qual

finalidade? É meditando sobre esse ponto que se pode concluir que o elemento lógico que

relaciona o homem à sociedade assume um caráter teleológico necessário ao próprio

Direito.

O elemento teleológico do regramento da liberdade consciente poderia ser

simplesmente o de fazer com que as liberdades individuais não colidissem quando

consideradas coletivamente, donde poder-se-ia induzir que o elemento lógico do Direito

seria tão somente a estabilidade social, a segurança jurídica.

A doutrina tradicional demonstra a chamada segurança jurídica divorciada dos

interesses da sociedade. Entretanto, essa é uma solução simplista para um problema


23

complexo, pois, sendo o homem o criador e objeto do Direito, qual seria o nexo lógico de

um Direito que viesse limitar o homem sem perquirir se essa limitação é boa ou ruim aos

olhos do seu criador? A não colisão das liberdades individuais é querida coletivamente não

apenas pela segurança, mas sobretudo, pela garantia do bem comum, da harmonia social,

da felicidade, enfim.

Este raciocínio tem sido gradativamente incorporado ao ordenamento jurídico

brasileiro, como pode ser notado no crescente destaque dado à função social dos contratos

em oposição ao tradicional brocardo pacta sunt servanda. Está presente também na

positivação da cláusula rebus sic stantibus, demonstrando que os interesses da sociedade

estão acima dos interesses individuais, mesmo que apoiados na norma posta.

Portanto, o elemento lógico que relaciona o homem à sociedade é a

finalidade de garantia da harmonia social. Assim pode-se concluir que a evidência

apodítica do Direito é o controle do comportamento humano com a finalidade de

garantir a harmonia social.

O direito positivo traz diversas disposições que confirmam a conclusão aqui

extraída, tais como a inserta no artigo 5o do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de

1.942 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro), in verbis:

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum.

Tal mandamento legal é a demonstração da maturidade do legislador em

reconhecer que, conforme ensinou Maria Helena Diniz, “o direito não é um sistema

jurídico, mas uma realidade que pode ser concebida de forma sistemática pela ciência do

direito”10. Nessa concepção sistemática da Ciência do Direito, deve o operador colocar

9
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 128
10
Maria Helena Diniz. Norma Constitucional e seus Efeitos, p. 5
24

como premissa fundamental da construção da norma, ou seja, da interpretação11, a

finalidade última do Direito – a harmonia social, ali designada por fins sociais e

exigências do bem comum.

A carta magna de 1.988 é toda permeada por alusões que consagram no direito

positivo a harmonia social como fim último do Direito. É o que se vê logo no seu

preâmbulo e nos seus artigos iniciais, que abaixo vêm transcritos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
democrático de direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
[...]

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
[...]
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988, PREÂMBULO, grifos nosso).

2.4 A IMPERFEIÇÃO HUMANA COMO LEGITIMAÇÃO DO

CONTROLE DE COMPORTAMENTO

Cabe indagar ainda: porque o Direito visa controlar os “excessos” da liberdade

consciente do homem? Se o ser humano fosse naturalmente justo, porque precisaria de

regras? Qual a eidos da natureza humana? Seria o homem essencialmente mal ou

essencialmente bom?

11
Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário, p.8. A norma jurídica é a significação que obtemos
a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como
25

Sobre essa inquietante questão o filósofo mexicano Luis Recaséns Siches

consignou: “Si nos preguntamos ¿por qué y para qué los hombres establecen el Derecho?

Y si, para eello, tratamos de descubrir el sentido germinal del surgimento del Derecho, a

fin de percatarnos de su esencia, caeremos en la cuenta de que la motivación radical que

ha determinado el orto del Derecho no deriva de las altas regiones de los valores éticos

superiores, sino de un valor de rango inferior, a saber: de la seguridad en la vida

social”12.

Tais elucubrações se justificam pelo objeto imediato desse estudo – a

Terceirização – que é um fenômeno humano e que é operacionalizado pela pessoa jurídica

– uma criação do Direito. Portanto, seja qual for a natureza humana é plausível supor que

tal caráter se tenha transportado para suas criações.

A natureza humana é tema que assanha o espírito dos filósofos desde os

primórdios, não havendo até os dias de hoje consenso sobre sua essência.

2.4.1 A natureza humana para Aristóteles

Aristóteles e outros igualmente ilustres pensadores como John Lock,

defenderam a tese de que o homem traz em si a tendência à convivência social e à prática

do bem. Na zoologia de Aristóteles o homem é classificado como um “animal social por

natureza”, que desenvolve suas potencialidades na vida em sociedade, organizada

adequadamente para o seu bem-estar13.

resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos [...]. A norma jurídica é exatamente o juízo
(ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito.
12
Luis Recaséns Siches. Tratado general de filosofia del derecho, p. 220-230
13
Mário da Gama Kury. Política - Aristóteles, p. 7
26

Aristóteles, mesmo antes da existência do Estado como o conhecemos, já

professava a supremacia do coletivo sobre o individual e tendo no Direito o instrumento

capaz de garantir essa supremacia e a conseqüente justiça.

Na sua célebre obra “Política”, o filósofo escreveu que

na ordem natural a cidade tem precedência sobre a família e sobre cada um de


nós individualmente, pois o todo deve necessariamente ter precedência sobre as
partes; com efeito, quando todo o corpo é destruído pé e mão já não existem, a
não ser de maneira equívoca, como quando se diz que a mão esculpida em pedra
é mão, pois a mão nessas circunstâncias para nada servirá e todas as coisas são
definidas por sua função e atividade, de tal forma que quando elas já não forem
capazes de perfazer sua função não se poderá dizer que são as mesmas coisas;
elas terão apenas o mesmo nome.
É claro, portanto, que a cidade tem precedência por natureza sobre o indivíduo.
De fato, se cada indivíduo isoladamente não é auto-suficiente; conseqüentemente
em relação à cidade ele é como as outras partes em relação a seu todo, e um
homem incapaz de integrar-se numa comunidade ou que seja auto-suficiente a
ponto de não ter necessidade de faze-lo, não é parte de uma cidade, por ser um
animal selvagem ou um deus. Existe naturalmente em todos os homens o
impulso para participar de tal comunidade, e o homem que pela primeira vez
uniu os indivíduos assim foi o maior dos benfeitores. Efetivamente, o homem,
quando perfeito é o melhor dos animais, mas é também o pior de todos quando
afastado da lei e da justiça, pois a injustiça é mais perniciosa quando armada, e o
homem nasce dotado de armas para serem bem usadas pela inteligência e
pelo talento, mas podem sê-lo em sentido inteiramente oposto. Logo, quando
destituído de qualidades morais o homem é o mais impiedoso e selvagem dos
animais, e o pior em relação ao sexo e à gula. Por outro lado, a justiça é a base da
sociedade; sua aplicação assegura a ordem na comunidade social, por ser o meio
de determinar o que é justo14 (grifos nosso).

Nos ensinamentos de Aristóteles, embora a possibilidade do desvio de conduta

moral do homem seja admitida, a regra é de que o homem é dotado naturalmente de

qualidades morais, o que o torna naturalmente bom.

2.4.2 A natureza humana para Tomas Hobbes

Thomas Hobbes foi, seguramente, um dos filósofos mais polêmicos de todos os

tempos, sobretudo em sua época, no século XV. Com um raciocínio geométrico investigou

vários assuntos, dentre os quais a natureza humana teve especial atenção.

14
Mário da Gama Kury. Política - Aristóteles, p. 15-16
27

Para Hobbes, como insculpiu em “De Cive”,

a natureza humana tende à a-sociabilidade, à individualização, ao afastamento do


outro no usufruto do bem de cada um. Os homens aproximam-se pela cobiça
recíproca, pelo peso relativo da força de cada um, de tal maneira que a a-
sociabilidade é originária do homem – ao contrário do que acontece com os
animais que tendem naturalmente à vida gregária. O que retém os homens nas
suas relações entre si é o medo recíproco, fonte esta de acomodamento de
conflitos e, logo, de um regramento estatal15.

Vê-se pela transcrição desse trecho da obra de Tomas Hobbes que,

diversamente do que defende Aristóteles, ele partiu do pressuposto de que o homem é

essencialmente não social, tendo, porém, gradações nessa a-sociabilidade conforme

características particulares de cada um.

2.4.3 O homem como uma obra inacabada

É interessante ressaltar que os filósofos tomam o homem como um ser

complexo e completo, dotado de habilidades e capacidades que particularizam cada ser

humano. Todavia, foi com a doutrina evolucionista formulada por Charles Darwin na sua

brilhante obra “A origem das espécies”, que foi levantada a questão em torno da

completude do ser humano. Segundo a teoria de Darwin, as espécies procedem umas das

outras por evolução, e que, em virtude da seleção natural, sobrevivem os indivíduos e as

espécies melhores adaptados.

Darwin discorreu também sobre a origem do homem na obra que recebeu o

mesmo nome (“A Origem do Homem”), onde aprofundou a sua teoria sobre a

descendência do homem e do macaco de um antepassado comum. Não obstante ter sido

violentamente combatido pelas mais diversas correntes religiosas, que vêem no homem a

15
Thomas Hobbes. DE CIVE – Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 25
28

imagem de Deus, as conclusões do cientista são irrefutáveis, cristalizando as polêmicas que

cercavam a natureza social, metafísica e fisiológica do homem.

Diferentemente do que discorrem os filósofos, Darwin desvenda um homem

em evolução biológica, um homem que é razão e é instinto.

É exatamente nessa dicotomia que se pode compreender o porque das

dissensões filosóficas sobre a natureza boa ou má do homem, pois há aqueles que

enfatizam o homem-razão e há os que dão relevo ao homem-animal, ao homem-instinto.

Reconhecendo a incompletude da evolução humana, é necessário garantir que

o homem racional prevaleça sobre o animal, que os ideais de justiça sobrepujem os delírios

irracionais inferiores dos homens.

2.5 O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE PURIFICAÇÃO DO

HOMEM

Ao admitir o homem como uma obra inacabada, cujas paixões precisam ser

refreadas para que a convivência social se viabilize, o Direito se apresenta como solução

para essa contradição intrínseca: o homem-razão em oposição ao homem-animal.

Conceber o Direito como um instrumento de limitação da liberdade

consciente para garantir a harmonia social, significa tê-lo como um instrumento de

purificação do homem.

Embora de modo discreto, todos os filósofos que desenvolveram ensaios sobre

a transição do Estado de natureza para o Estado civil tiveram por base a necessidade de que

as liberdades individuais fossem limitadas e que o monopólio da força fosse delegada ao

Estado. As divergências decorrem, como já descrito, das diversas opiniões sobre natureza

humana, de modo que uns defendem que essa transição teria se dado para conter a
29

tendência à guerra de todos contra todos e outros, por sua vez, defendem que teria se dado

para a realização da plena felicidade, que seria um desejo inato de todos os seres humanos.

É forçoso admitir que o Direito, como limitação da liberdade consciente, só

tem razão de ser se tiver por objeto condutas de seres com potencial delinqüente, pois se

diverso fosse, de nada serviria tal ciência. Portanto, é necessário reconhecer que a raça

humana é ainda imperfeita e encontra-se num processo de depuração. E um dos

instrumentos necessários para essa depuração vem a ser o Direito, que faz com que os

impulsos instintivos dêem lugar à conduta socialmente desejável, de modo a realizar a

harmonia social plena.


30

3 A PESSOA JURÍDICA

Preliminarmente é importante destacar qual a relevância da discussão que se

seguiu até o momento para o desenvolvimento do tema central: os limites jurídicos da

Terceirização na atividade-fim das pessoas jurídicas.

Diversamente do que ocorre com os homens, as pessoas jurídicas não são um

dado da natureza. Estas não nascem, desenvolvem-se e morrem de modo condicionado por

leis naturais, mas, como se verá a seguir, possuem um suporte fático baseado no

associativismo humano e uma regulação jurídica que lhe confere a condição de pessoa.

Portanto, antes de existir pessoa jurídica existem homens que lhe conferem suporte fático

e, sendo os homens, como já se viu, imperfeitos e carentes de instrumentos de limitação de

suas liberdades conscientes, é de se supor que suas derivações, como as pessoas jurídicas,

possuem as mesmas arestas, devendo por conseguinte, sofrer igualmente limitações de

conduta.

Na sociedade moderna as pessoas jurídicas desempenham um papel cada vez

mais determinante sobre os destinos da sociedade e, tendo o Direito como fim último a

harmonia social, qual seria o regramento necessário para que a liberdade consciente das

pessoas jurídicas fosse regrada com base no mesmo fim?

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PESSOA JURÍDICA

Como historiou Pontes de Miranda16, o antigo direito romano desconhecia o

conceito de pessoa jurídica e o jus civile só se referia à pessoa natural. A res publica era o

16
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 283-285
31

bem do povo romano e extra commercium, sem, todavia, possuir personalidade jurídica. A

própria terra do povo, ager publicus, não pertencia a ninguém.

A evolução da personificação começou pelo municipium, vindo depois a serem

personificadas também a collegia, sodalitates e a universitate, todas no âmbito do direito

privado, surgindo assim, em sua estrutura característica, no Império Romano. Entretanto,

no direito romano, não havia vontade coletiva da universitas, exceto no direito público, de

modo que, embora personificadas, as pessoas jurídicas não podiam delinqüir, nem proceder

com dolo ou culpa.

Conforme se lê nas Institutas de Justiniano, já naquele tempo as sociedades

vinham perfeitamente reguladas, tendo como exemplos marcantes as sociedades dos

banqueiros e as dos publicanos, que contratavam com o Estado a arrecadação dos

impostos, serviços e obras públicas.

Foi na idade média que se criou a capacidade delituosa da pessoa jurídica. O

ato passou a ser tido como próprio da pessoa jurídica e não de um representante.

No século XVII, devido à política colonialista e a concomitante formação do

capitalismo mercantil, que visavam ao domínio da América, Índia e África, foi necessária a

formação de grandes capitais, com o concurso do Estado e da incipiente iniciativa privada.

Formaram-se, então, poderosas sociedades, que delineou as Sociedades por Ações. Mas,

foi apenas no começo do século XIX que a expressão “pessoa jurídica” foi proposta por

Savigny e passou a ser adotada por todos os sistemas jurídicos até os dias atuais.

Atualmente a pessoa jurídica protagoniza as relações comerciais de tal modo

que levou os legisladores de todo o mundo a elaborarem normas protetivas aos

consumidores e aos trabalhadores, dada a enorme concentração de poder econômico nas

“mãos” das empresas. Tal se deu porque a pessoa jurídica é livre de várias limitações
32

humanas, ela não tem vida limitada pelo tempo e pode estar presente e atuante em diversos

lugares simultaneamente.

O atual estágio de desenvolvimento dos mecanismos de produção de riqueza

tornou as pessoas jurídicas transcendentais em relação aos Estados. A atual era global

produz empresas transnacionais com capital superior ao de muitas nações do mundo.

Essa realidade denota de modo inequívoco a relevância do tratamento jurídico

dispensado às pessoas jurídicas, pois na mesma medida que o ideal liberal buscou limitar o

poder Estatal é fundamental que o ideal social limite o poder do capital.

3.2 NATUREZA DA PESSOA JURÍDICA

A questão da natureza das pessoas jurídicas é das mais controvertidas, havendo

tantas teorias quanto os autores que trataram da matéria, mas a alusão a esta questão

polêmica é necessária por ter grande repercussão no campo prático, pois a compreensão da

relação estabelecida entre o Direito e a pessoa jurídica, enquanto sujeito de regramentos

legais, depende fundamentalmente da sua natureza. Além disso, é a natureza desse ente que

explica a possibilidade de sua responsabilização civil e penal.

O dissenso fundamental entre os teóricos repousa sobre o suporte fático das

pessoas jurídicas. Alguns entendem ser a pessoa jurídica um ente real, cabendo ao Direito

apenas conferir personalidade, por outro lado, há aqueles que concebem a pessoa jurídica

como uma criação do Direito, ou seja, uma ficção jurídica. Apesar de não haver um

consenso entre a grande variedade de doutrinas, merecem destaque:

A teoria da ficção, segundo a qual apenas o homem é capaz de ser sujeito de

direito, concluindo que a pessoa jurídica é uma ficção legal, ou seja, uma criação artificial

da lei para exercer direitos patrimoniais e facilitar a função de certas entidades. Esta teoria
33

foi difundida por F. von Savigny (ao lado de G. F. Puchta e B. Windscheid) no século XIX

e encontrou ampla aceitação, dado o peso de seu criador, todavia, atualmente a teoria da

ficção sofre ácidas críticas com base em argumentos que demonstram situações nas quais

ela se torna inaplicável, tal como a seguinte proposição formulada por Maria Helena Diniz:

“se o Estado é uma pessoa jurídica, dizer que ele é uma ficção é o mesmo que afirmar que

o direito que dele emana também o é”17.

Em oposição à teoria de Savigny vêm as teorias da realidade, que podem ser

classificadas da seguinte forma:

Teoria da realidade objetiva ou orgânica: Trata-se de teoria de procedência

germânica (G. Beseler, O. von Gierke, E. Zitelmann e F. Regelsberger) que, segundo

Maria Helena Diniz18, baseia-se na concepção de que há, junto às pessoas naturais, que são

organismos físicos, organismos sociais constituídos pelas pessoas jurídicas, que têm

existência e vontade própria, distinta da de seus membros, tendo por finalidade realizar um

objetivo social. Maria Helena Diniz ataca essa teoria por entender que essa concepção recai

na ficção quando afirma que a pessoa jurídica tem vontade própria, porque o fenômeno

volitivo é peculiar ao ser humano e não ao ente coletivo. Entretanto, tal ressalva encontra

também resistência, pois não há como conceber a responsabilização penal, que é uma

realidade jurídica brasileira, ante a ausência do elemento volitivo.

Teoria da Realidade Técnica: defendida por R. von Ihering, afirma que a

personificação dos grupos sociais nada mais é que um expediente de ordem técnica, uma

forma encontrada pelo direito para reconhecer a existência de grupos de indivíduos, que se

unem na busca de fins determinados.

A teoria institucionalista, ou da realidade jurídica: formulada por Hauriou,

prega que assim como a personalidade humana deriva do Direito, da mesma forma ele

17
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 143
18
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, p.142-143
34

pode concedê-la a agrupamentos de pessoas ou de bens que tenham por escopo a realização

de interesses humanos. A personalidade jurídica seria então um atributo que a ordem

jurídica estatal outorga a entes pré-existentes, a uma instituição.

As teorias da realidade técnica ou jurídica, sendo ecléticas, têm recebido

melhor aceitação, porque reconhecem que a pessoa jurídica não passará de um fenômeno

de ficção do ponto de vista naturalístico, onde apenas existe a pessoa natural. Entretanto,

toda ciência aprecia diversamente os fenômenos, toda ciência define esses fenômenos

mediante critérios próprios e é o que ocorre com a noção de personalidade, cuja fonte não

está nas ciências naturais, mas sim na ciência jurídica.

A personalidade jurídica não é ficção, mas um atributo que o Estado defere a

certos entes, para que o Direito possa atingir a sua finalidade de servir ao bem estar dos

seres humanos. É, portanto, uma realidade jurídica.

3.3 A PESSOA JURÍDICA ANALISADA EM CAMADAS

Numa releitura de Pontes de Miranda, pode-se conceber o estudo da pessoa

jurídica em duas camadas, uma interior que representa o seu suporte fático e uma externa

que corresponde à sua personificação jurídica.

3.3.1 A camada interna: o suporte fático

Pontes de Miranda define suporte fático19 da regra jurídica como o próprio

fato, ou grupo de fatos que o compõe, e sobre o qual a regra jurídica incide. Pode ser da

mais variada natureza, por exemplo: a) o nascimento do homem, b) o fato físico do mundo

19
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 19
35

inorgânico, c) a entrada em terrenos. É incalculável o número de fatos do mundo, que a

regra jurídica pode fazer entrar no mundo jurídico, ou seja, torná-los fatos jurídicos.

O suporte fático é composto por elementos, dos quais um é o cerne20; dele

depende a data dos direitos, a ele é que se liga a regra de direito intertemporal, como, por

exemplo, o nascimento com vida.

Para a pessoa natural a questão da realidade do suporte fático é evidente e

apreciável pelo senso comum, pois o nascimento do homem não é determinado e nem

regulado pelas leis jurídicas, mas pertencem ao campo das leis naturais. Desse modo, tem-

se por suporte fático da pessoa natural o homem, que é um dado real do mundo

fenomênico.

Mas, e as pessoas jurídicas? O Estado, as sociedades, as associações, as

fundações, que constituem o suporte fático das pessoas jurídicas, são criações humanas

pré-existentes ou são ficções jurídicas?

Sobre essa questão Pontes de Miranda consignou:

A vida, o mundo fático, faz surgirem as pessoas naturais. Nasce o homem; o


nascimento mesmo é fato jurídico. O Direito apenas, atento à vida humana, de
que é produto e meio, a protege desde a concepção e reconhece ao nascido a
capacidade de direito. Não se passa o mesmo com as pessoas jurídicas. [...] É o
homem que as cria; ainda em se tratando do Estado. [...] Quando os homens
têm de constituir as pessoas jurídicas, praticam atos prévios, que são o dado
fático, com que operam. A pessoa jurídica é tão oriunda de fato quanto a pessoa
física21.

Para que se compreenda a pessoa jurídica como ficção jurídica ou como

fenômeno real é necessário reconhecer que “todo direito somente se faz no interesse do

homem” e que as criações humanas como o Estado, as sociedades e as associações visam

satisfazer esses interesses. O Direito, como hominum causa factum, apenas atribui a

personalidade a tais criações, de modo que, o dado real, que está no suporte fático da

pessoa jurídica, é tão real quanto o que está no da pessoa natural.

20
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 33
36

3.3.2 A camada externa: a personificação jurídica. O que é “pessoa”?

Deve-se entender por pessoa, o sujeito de direito e não seu suporte fático, de

forma que tanto as pessoas jurídicas como as naturais são criações do Direito, na medida

em que é o sistema jurídico que atribui direitos e deveres tanto aos homens como ao

Estado, sociedades e associações, ou seja, às entidades criadas pelo homem.

Mesmo porque, com a escravidão, houve época em que nem todos os homens

foram sujeitos de direito, portanto, pessoas sob o aspecto jurídico, embora tal distorção

contrarie de modo frontal a evidência apodítica do Direito aqui identificada, a de garantir

a harmonia social, que, evidentemente, pressupõe o respeito à dignidade humana.

A inscrição dos atos constitutivos no registro público competente é o ato

estatal, de jurisdição voluntária, pelo qual se registra a associação, sociedade ou fundação,

donde resulta o efeito personificativo da pessoa jurídica22.

3.4 A PESSOA JURÍDICA COMO ENTE VOLITIVO

Foi a teoria orgânica que traçou o que há de comum e o que há de diferencial

entre o ente que está por trás da personalidade física, como conceito jurídico, e o ente que

está à frente da personalidade jurídica. Por outro lado, serviu para afastar a idéia de

representação, para só ver o órgão, nas pessoas que atuam pelas pessoas jurídicas. Com

isso, livrou-se de resíduo romanístico que dificultara a concepção da presentação23,

segundo a qual a pessoa jurídica atua diretamente e em nome próprio, por meio de seus

órgãos, e não indiretamente, por meio de representantes.

21
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 281
22
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 376
23
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 412
37

A concepção básica da lei brasileira é a germânica, segundo a qual, a pessoa

jurídica tem capacidade de direito, não precisa de representação legal, tem capacidade

negocial e de praticar atos jurídicos stricto sensu, atos-fatos jurídicos e atos ilícitos. Do

reconhecimento dessa capacidade decorre a convicção de que os órgãos da pessoa jurídica

são, metaforicamente falando, como órgãos humanos, cada qual com sua função pré-

determinada, de modo que há órgãos que exprimem vontade, sendo estes os diretivos, “seu

cérebro”, já os atos-fatos jurídicos podem ser praticados por outros, os executivos, “seus

braços”, conforme disposição dos atos constitutivos.

É relevante observar que o preposto, o empregado e mesmo o estranho podem

representar a pessoa jurídica, mas não podem funcionar como órgão. Para que sejam

órgãos, há a necessidade de que assim esteja estabelecido no ato constitutivo, e se houver

tal previsão, os atos deles serão da pessoa jurídica, como órgão e, não como representantes.

Daí poder o órgão praticar atos-fatos jurídicos e atos ilícitos.

Enfim, no direito brasileiro, a pessoa jurídica é capaz de todos os direitos,

salvo, evidentemente, aqueles que resultam de fatos jurídicos em cujo suporte fático há

elemento que ela não pode satisfazer, tais como ser parente ou ter pretensão a alimentos24.

3.5 O CARÁTER ESSENCIAL DA FINALIDADE NAS PESSOAS

JURÍDICAS

É necessário perquirir qual é o espaço destinado às pessoas jurídicas no corpo

social, pois é na sociedade que as pessoas jurídicas encontram sua origem e destino.

A pessoa jurídica, considerada como uma criação humana motivada pela

necessidade de superação de limitações fisiológicas do próprio homem, individualmente

24
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 288-290
38

considerado, tais como a onipresença e a mortalidade, têm por finalidade dotar a sociedade

de instituições perenes, que possam ser capazes de administrar o Estado, de administrar a

justiça, de produzir normas e também de gerir as empresas e corporações. A própria

concepção de Estado como hoje se apresenta, não pode estar dissociada do fato de o Estado

ser uma pessoa jurídica.

É importante ressaltar que o móvel que leva à instituição das pessoas jurídicas

está diretamente relacionado com a vontade contida no seu suporte fático. Daí se poder

afirmar que, quanto às pessoas jurídicas de direito público, é na vontade social que será

encontrada a razão que leva a criação desse tipo de pessoa jurídica. Por outro lado, no caso

das pessoas jurídicas de direito privado é na vontade do conjunto das pessoas

fundadoras (naturais ou jurídicas), que compõem seu suporte fático, que se encontra a

razão de existência dessa categoria de pessoas.

Uma vez criada a pessoa jurídica, esse mesmo suporte fático que guarda a

razão do seu nascimento, lhe confere capacidade de agir segundo sua própria vontade,

passando a ser sujeito de direitos e de obrigações por força da personalidade jurídica

atribuída pelo Direito.

A questão que deve ser enfrentada é a seguinte: pode a pessoa jurídica, uma

vez instituída, afastar-se da sua vontade instituidora, da sua finalidade fundamental?

Diversamente do que ocorre com as pessoas naturais, as jurídicas sejam elas

privadas, públicas, nacionais ou estrangeiras trazem no instrumento do seu nascimento

uma vinculação à sua finalidade. Não se vê na certidão de nascimento de um homem que

ele deverá ser médico ou engenheiro, por exemplo. Por outro lado, não se concebe uma

associação, fundação ou sociedade sem a designação de sua finalidade. A indicação da

profissão de uma pessoa natural na sua certidão de nascimento seria tão absurda quanto a

não indicação da finalidade da pessoa jurídica em seu ato constitutivo.


39

As pessoas jurídicas possuem elementos que se traduzem como condições de

sua existência. Dentre esses elementos, o que se revela como essencial e indispensável é a

finalidade fundamental para qual foi instituída, pois é nele que é possível aferir o grau de

adequação entre a vontade instituidora e o conteúdo dos atos praticados pela pessoa

jurídica nas suas relações jurídicas.

Metaforicamente, pode-se dizer que a finalidade fundamental é a

“consciência” da pessoa jurídica, é aquilo que a transcende, conferindo-lhe razão lógica de

existência. Enquanto a consciência das pessoas naturais é do domínio do psique, a essência

das pessoas jurídicas está circunscrita no Direito e se confunde com a sua própria

finalidade última, pois, em última análise, as pessoas jurídicas, sejam públicas ou privadas,

só possuem sentido se colaborarem para a harmonia social.

Tal não poderia ser diferente, pois a pessoa jurídica, enquanto ente jurídico, é

uma criação humana que recebe a personalidade do Direito para que atue no interesse do

homem, coletivamente considerado.

3.5.1 A finalidade nas pessoas jurídicas de direito público interno

A expressão jurídica da finalidade das pessoas jurídicas diverge conforme varia

o veículo normativo personificativo de cada uma. As pessoas jurídicas de direito público

interno, por exemplo, possuem a referência à sua finalidade prescrita na Constituição

Federal, nas Constituições Estaduais, nas Leis Orgânicas Municipais e nas leis instituidoras

de autarquias e fundações públicas. Por outro lado, as pessoas jurídicas de direito privado

possuem, salvo as sociedades de economia mista e as empresas públicas, a sua finalidade

manifestada no seu instrumento constitutivo (contrato social ou estatuto), cuja forma é

prescrita na lei civil. Ou seja, para a apreensão da finalidade das pessoas jurídicas de
40

direito público interno basta a análise da norma que a instituiu, que corresponde à vontade

da sociedade representada pelos seus legisladores, ao passo que nas pessoas jurídicas de

direito privado há necessidade de verificar a manifestação da vontade particular dos

sujeitos que compõem seu suporte fático, que vem expressamente consignada no

respectivo instrumento constitutivo.

São pessoas jurídicas de direito público interno a República federativa do

Brasil (União), os Estados, os Municípios, os Territórios, as Fundações e Autarquias

públicas, sendo que todas elas encontram seus elementos caracterizados e legitimadores na

carta de fundação do Estado brasileiro, a Constituição Federal de 1.988.

No caso da República Federativa do Brasil, que é uma pessoa jurídica sui

generis, pois dela deriva a legitimidade das demais, vê-se já no preâmbulo da Constituição

Federal a seguinte alusão à sua finalidade:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988, PREÂMBULO, grifo nosso).

Vê-se que o constituinte, de modo zeloso, preocupou-se em insculpir já no

início da Constituição a sua finalidade e seus princípios norteadores. A nossa carta magna

é toda permeada por expressas referências à finalidade e aos limites impostos às pessoas

jurídicas criadas diretamente por ela ou que nela buscam seu fundamento imediato, como

no caso dos Estados, Municípios, Territórios e Distrito Federal.

A identificação da finalidade das pessoas jurídicas fundadas pela Constituição

Federal só pode ser realizada com base numa interpretação sistemática das normas que

firmam positivamente o objeto dessas pessoas jurídicas, combinada com as normas que

limitam essa finalidade e ainda com outras que facultam o exercício direto de certas

atribuições.
41

No Título VII, que trata da ordem econômica e financeira, o constituinte

delimitou o papel do poder público quanto à exploração de atividade econômica,

consignando que:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta


de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade


de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica
de produção ou comercialização de bens ou de prestação de sérvios, dispondo
sobre:
I – sua função social [...]; (grifos nosso).

A atual constituição brasileira tem clara vocação liberal, exaltando os direitos

individuais e permitindo, apenas em caráter excepcional, a atuação estatal na exploração

direta de atividade econômica, dando ênfase às finalidades primordiais do Estado,

deixando para a iniciativa privada o protagonismo na dinâmica econômica.

O artigo 175, numa radicalização liberal, estabelece que:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de sérvios
públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:


...
IV – a obrigação de manter serviço adequado.

Vê-se pelo dispositivo constitucional acima, que o Estado está expressamente

autorizado a delegar a prestação de serviços públicos. Ou seja, o Estado não só deve se

abster de explorar atividade econômica, como também pode deixar de executar diretamente

a prestação de serviços públicos, que, por concessão ou permissão, pode ser executado por

particular, que estará, nesta hipótese, adstrito à fiscalização do Estado. Tal ocorre, por

exemplo, com as áreas de telefonia e energia elétrica, onde o Estado, por meio de agências

reguladoras como a ANATEL e ANEL, fiscaliza e controla a qualidade dos serviços

prestados por terceiros em nome do Estado.


42

Embora a contratação indireta de mão-de-obra e a Terceirização sejam

objeto de estudo no capítulo seguinte, é flagrante a pertinência entre o artigo 175, da CF/88

e o fenômeno no setor público, mas, por ora, basta considerar que, não obstante a prestação

de serviço público ser de grande relevância para o Estado, não pode ela ser considerada sua

finalidade essencial, pois ao ser autorizado a delegá-la, está logicamente implícito que essa

finalidade não é essencial à existência do Estado.

Quanto às fundações e autarquias públicas, a Constituição Federal estabelece

critérios gerais, ficando para lei infraconstitucional a sua criação e regramento,

especialmente no que se refere às suas finalidades.

3.5.2 A finalidade nas pessoas jurídicas de direito privado

No âmbito privado, como já foi dito, as normas que regulam a personificação

das pessoas jurídicas assumem um caráter formal, fixando a forma legal a ser observada

pelo conjunto de pessoas naturais que exaram a vontade fundamental que confere o

“sopro inicial de vida” à pessoa jurídica, e constitui-se como sua razão de existência.

As normas que regulam a gênese das pessoas jurídicas são numerosas, porém

na esfera privada merecem especial destaque a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – o

Código Civil Brasileiro – e também algumas normas estruturais esparsas, tal como a Lei

5.764, de 16 de dezembro de 1971, que regula as cooperativas. O Código Civil, no Título

II, Livro I, da Parte Geral, traça as condições de constituição das pessoas jurídicas, elenca

seus elementos essenciais, suas condições de existência válida e as causas de sua extinção,

além de classificar as pessoas jurídicas segundos vários critérios.

No artigo 44, CC, o legislador enumera os tipos de pessoas jurídicas de direito

privado previstas no ordenamento jurídico brasileiro, a saber:


43

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:


I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.

Parágrafo único. As disposições concernentes às associações aplicam-se,


subsidiariamente, às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial
deste Código.

O artigo 45, CC, demarca o início da existência legal das pessoas jurídicas de

direito privado, verbis:

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado
com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no
registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
[...] (grifos nosso).

Em seguida, no artigo 46, CC, vêm enumerados os elementos indispensáveis

do registro, ou seja, do ato constitutivo, in verbis:

Art. 46. O registro declarará:


I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando
houver;
[...] (grifos nosso).

Pela exegese dos artigos transcritos pode-se concluir que o ordenamento

jurídico brasileiro adotou a teoria da realidade técnica ou jurídica para definir a natureza

jurídica da pessoa jurídica, pois ao determinar que “começa a existência legal das pessoas

jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro” há a

pressuposição de que a pessoa jurídica pré-existe à inscrição do seu ato constitutivo. Há,

portanto, o reconhecimento de que o suporte fático é um dado real e não uma ficção

jurídica.

Mesmo porque o próprio Código Civil prevê no Capítulo I, Subtítulo I, Título

II, Livro II, da Parte Especial, artigos 986 a 990, as chamadas Sociedades em Comum, que

correspondem às Sociedades de Fato, previstas no antigo código, cuja existência é


44

reconhecida e subsiste no interstício entre a instituição material da sociedade e a inscrição

do seu ato constitutivo. Nessa hipótese, a finalidade da sociedade deve ser identificada

numa apreciação fática das relações jurídicas estabelecidas entre os sócios e terceiros

destinatários dos seus produtos ou serviços, pois inexiste um ato constitutivo no qual esteja

consignada a indicação dos fins sociais.

Por outro lado, para as pessoas jurídicas devidamente personificadas, a norma

civil determina de modo claro no seu artigo 46 que o ato constitutivo da pessoa jurídica

declarará obrigatoriamente os seus fins, ou seja, é defeso ao conjunto de pessoas naturais

que compõem o suporte fático da pessoa jurídica omitir os fins para os quais se destina a

associação, sociedade ou fundação.

3.5.2.1 O registro público como controle prévio de licitude da pessoa jurídica

O direito brasileiro, ao condicionar o início da existência legal da pessoa

jurídica de direito privado ao arquivamento do ato constitutivo no respectivo cartório de

registro publico, criou um mecanismo de controle prévio da licitude das pessoas jurídicas.

É esse mecanismo jurídico que permite a plena eficácia da norma

constitucional que estabelece o limite para a liberdade de associar-se. A Constituição

Federal de 1988 no artigo 5o, inciso XVII dispõe que “é plena a liberdade de associação

para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”, ou seja, o constituinte deixa como único

limite genérico à liberdade de associação a licitude dos fins.

São numerosas as normas que tratam das condições para o registro das pessoas

jurídicas e em todas há, entre as condições, a necessária indicação de seus fins. É o que se

abstrai pela expressa disposição do artigo 35, III da Lei 8.934/94, lei de registro público

das empresas mercantis, verbis:


45

Art. 35. Não podem ser arquivados:


[...]
III – os atos constitutivos de empresas mercantis que, além das cláusulas
exigidas em lei, não designarem o respectivo capital, bem como a declaração
precisa de seu objeto, cuja indicação no nome empresarial é facultativa;
[...] (grifos nosso).

O artigo 115 da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), no mesmo sentido,

dispõe:

Art. 115. Não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas,
quando seu objeto ou circunstância relevante indiquem destino ou atividades
ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do
Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons
costumes.
[...]
Art. 120 O registro das sociedades ..... consistirá na declaração .... com as
seguintes indicações:
I – a denominação, o fundo social, quando houver, os fins [...] (grifo nosso).

Mesma condição vem, de maneira até redundante, para as sociedades

cooperativas, conforme dispõe o artigo 21, I da Lei 5.764/71, in verbis:

Art. 21. O estatuto da cooperativa, além de atender ao disposto no artigo 4º,


deverá indicar:
I - a denominação, sede, prazo de duração, área de ação, objeto da sociedade,
fixação do exercício social e da data do levantamento do balanço geral; (grifo
nosso).

O controle prévio da licitude do objeto social das sociedades simples ou

empresárias é exercido pelo oficial de registro em conjunto com o poder Judiciário e, como

bem frisou o ilustre civilista Pontes de Miranda quando abordou no § 82 do seu tratado de

direito privado o assunto “fim ilícito da pessoa jurídica”,

os fins da pessoa jurídica hão de constar da declaração exigida pelo direito


registrário. Se não constam, o registro pode ser atacado, segundo os princípios.
Se constam e, sendo ilícitos, cabem na classe dos fins ilícitos a que se refere o
art. 2o do Decreto-lei n. 9.085, de 25 de março de 1946, sem que o oficial do
registro, ou o juiz haja recusado a inscrição, os fins ilícitos são tratados como
qualquer outra causa de invalidade, aí não revestindo o ato pela fé pública do
oficial, porque a ilicitude de fim, como a impossibilidade do objeto, a falta de
forma e a incapacidade, ou a infração de requisito, não é revestida pela fé
pública. Não se precisa propor ação ordinária para anulação da escritura pública
se o juiz tem diante de si [...] a prova da ilicitude do seu objeto25.

25
Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, p. 321-322
46

É insofismável a importância da clara indicação dos fins aos quais se destina a

pessoa jurídica para que reste satisfeita a finalidade da norma registral, sendo que,

novamente vem confirmada a relevância do elemento finalístico para a integralização da

pessoa jurídica.

3.5.2.2 O desvio de finalidade como configuração do abuso de personalidade

Ao lado do controle prévio exercido sobre a pessoa jurídica, baseado na

verificação de adequação jurídica e moral dos fins da pessoa jurídica, tem-se também

instrumentos destinados a impedir ou corrigir desvios de finalidade superveniente à

instituição da pessoa jurídica. O desvio de finalidade caracteriza o abuso de

personalidade jurídica, conforme se constata na previsão esposada no artigo 50, CC,

verbis:

Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo


desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte ou do Ministério Público quando couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (grifos nosso).

Este dispositivo trouxe para a esfera civil a doutrina da penetração, que é

conhecida, também, no Direito Comercial, como a doutrina do disregard o legal entity.

Essa doutrina que é uma realidade mais antiga no âmbito das relações de consumo,

consiste basicamente no propósito de demonstrar que a personalidade jurídica não constitui

um direito absoluto, mas está sujeita e contida, por exemplo, pela teoria da fraude contra

credores e pela teoria do abuso de direito.


47

Pretende, essa doutrina, penetrar no âmago da sociedade, superando ou

desconsiderando a personalidade jurídica, para atingir e vincular a pessoa do sócio. Não se

trata de desconsiderar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para

determinados atos.

A origem dessa doutrina ocorreu quando, em 1897, a Justiça Inglesa ocupou-se

com um famoso caso – Salomon vs. Salomom & Co. – que envolvia o comerciante

Aaron Salomom. Este empresário havia constituído uma “Company” em conjunto com

outros seis componentes de sua família e cedido seu fundo de comércio à sociedade que

fundara, recebendo, em conseqüência, vinte mil ações representativas de sua contribuição,

enquanto para cada um dos outros membros coube apenas uma ação para integração do

valor da incorporação do fundo de comércio da nova sociedade. Salomon recebeu

obrigações garantidas no valor de dez mil libras esterlinas. A sociedade, logo em seguida,

se revelou insolvável, sendo o seu ativo insuficiente para satisfazer as obrigações

garantidas, nada sobrando para os credores quirografários.

O liquidante, no interesse desses credores, sustentou que a atividade da

“Company” era a atividade de Salomon, que usou de artifício para limitar a sua

responsabilidade e, em conseqüência, Salomon deveria ser condenado ao pagamento dos

débitos da “Company”, devendo a soma investida na liquidação de seu crédito privilegiado

ser destinado à satisfação dos credores da sociedade. O Juízo de Primeira Instância e

depois a Corte acolheram essa pretensão. Era a primeira aplicação de um novo

entendimento, desconsiderando a personalidade jurídica de que se revestia a Salomon &

Co.

A Câmara dos Lordes reformou, unanimemente, esse entendimento, julgando

que a “Company” havia sido validamente constituída. Não existia, enfim, responsabilidade

pessoal de Aaron Salomon para com os credores de Salomon & Co., e era válido seu
48

crédito privilegiado. Mas a tese das decisões reformadas das instâncias inferiores

repercutiu, dando origem à doutrina do disregard of legal entity.

É importante ressaltar que o direito brasileiro busca, exatamente na

observância à finalidade da pessoa jurídica, o elemento caracterizador do abuso de

personalidade, pois o artigo 50, CC, é literal em dispor que “em caso de abuso de

personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade”, pode o juiz

desconsiderar a personalidade jurídica para determinados atos. Portanto, está evidenciado

no direito positivo que a finalidade da pessoa jurídica é um elemento que se traduz como

condição de sua existência lógica.

3.5.2.3 A finalidade como elemento caracterizador das pessoas jurídicas de

direito privado

Como se disse, a norma civil pátria prevê três tipos de pessoas jurídicas de

direito privado: as associações, sociedades e fundações, todas com características objetivas

e subjetivas que particularizam cada uma. Entretanto, é a finalidade o elemento que melhor

caracteriza um ou outro tipo de pessoa jurídica. É o que pode ser constatado pela exegese

dos dispositivos civilistas que regulam as associações, sociedades e fundações, verbis:

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem


para fins não econômicos (Capítulo II, Das Associações, grifos nosso).

As sociedades vêm reguladas no Título II, Livro II da Parte Especial, em cujos

artigos iniciais traz consignado:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se


obrigam a construir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade
econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo único.A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais
negócios determinados.
49

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade


que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a
registro (art. 967); e, simples, as demais (Título II, Da Sociedade, Caítulo
Único, Disposições Gerais, grifos nosso).

Pela literalidade dos dispositivos acima transcritos é possível perceber que a

finalidade é o traço marcante de cada espécie de pessoa jurídica de direito privado, sendo

que fica reservado às associações o exercício de atividades sem fins lucrativos e às

sociedades àquelas que visam o lucro. Mas foi quanto às fundações que o legislador

laborou com maior esmero sobre o assunto, conforme pode ser constatado nos dispositivos

abaixo transcritos:

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou
testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se
destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins


religiosos, morais, culturais ou de assistência.
[...]

Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a


fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público,
ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu
patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em
outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante
(Capítulo III, Das Fundações, grifos nosso).

As fundações possuem uma dupla caracterização essencial, pois além de

visarem um fim não lucrativo ainda mais restrito, na forma do parágrafo único do artigo

62, CC, derivam ainda da disposição de vontade do seu fundador, que indica a finalidade à

qual a fundação deve servir, estando a esta plenamente vinculada.

Ao dispor sobre a extinção da fundação no artigo 69, CC, a finalidade

apresenta-se novamente como o elemento determinante, que uma vez passando a ser

impossível, inútil ou ilícita supervenientemente à instituição da fundação, a mesma deve

ser extinta. Entretanto, o dispositivo foi redigido com certa imprecisão técnica, pois há, ao

lado da finalidade imprópria, a possibilidade de extinção por implemento do termo final

previsto para a existência da fundação, ficando a parte final do dispositivo ligada


50

literalmente às duas hipóteses de extinção, quando, por uma questão lógica, só pode

referir-se à situação de vencimento do prazo. Tal incongruência ocorre porque o destino do

patrimônio da fundação extinta seria uma outra fundação com finalidade igual ou

semelhante, mas, por óbvio, se a fundação extinta o foi exatamente porque seu objeto

tornou-se impossível, inútil ou ilícito, não pode o destino do seu patrimônio passar a outra

pessoa jurídica que tenha fim igual ou semelhante. Portanto, a parte final do artigo 69, CC,

só pode referir-se à hipótese de extinção por decurso do prazo previsto para sua existência.

3.5.3 A finalidade nas empresas constituídas por empresário singular

Como já mencionado, o Código Civil prevê apenas três tipos de pessoas

jurídicas de direito privado – as associações, sociedades e fundações – dentre as quais não

há previsão de enquadramento do empresário singular.

A questão que se impõe é a seguinte: se o empresário não é pessoa jurídica, não

estaria ele, como pessoa natural, desvinculado de quaisquer fins pré-estabelecidos?

A parte especial do código dedicou o Livro II ao regramento do chamado

Direito de Empresa, onde já no Título I vem prevista a figura do empresário com a

seguinte definição:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade


econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de
auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento
de empresa (Livro II, Do Direito de Empresa, Título I, Do Empresário, Capítulo
I, Da Caracterização e da Inscrição).

Vê-se que o código definiu o que seja empresário, mas não lhe atribuiu

personalidade jurídica diversa daquela pertencente à pessoa natural. Entretanto, já na

definição, qualifica o empresário pelo exercício não eventual de determinada atividade


51

econômica, portanto, a questão de estar o empresário adstrito a determinado fim, é

condição essencial para sua caracterização como tal. Tanto isso é verdade que a norma

impõe ao empresário algumas obrigações que são próprias das pessoas jurídicas, tal como

o registro de sua inscrição no registro público competente, onde deve ser indicado qual o

objeto de sua atividade, verbis:

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de


Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

Art. 968. A inscrição do empresário far-se-á mediante requerimento que


contenha:
...
IV – o objeto e a sede da empresa.

Conclui-se, portanto, que assim como as pessoas jurídicas, os empresários

devem declarar a finalidade de sua atividade para o regular exercício de suas funções.

3.6 A TRANSFERÊNCIA DAS IMPERFEIÇÕES HUMANAS PARA AS

PESSOAS JURÍDICAS COMO JUSTIFICATIVA PARA O SEU

REGRAMENTO

Num raciocínio determinista seria razoável formular a seguinte questão: sendo

a personalidade jurídica atribuída pelo Direito, mediante a observância de requisitos

expressamente exigidos pela norma jurídica, tal como a indicação da finalidade para a qual

a pessoa jurídica se destina, haveria a possibilidade da pessoa jurídica delinqüir?

Se a pessoa jurídica fosse uma criação do Direito, com seu nascimento, vida e

morte absolutamente governáveis por ele, seria evidente que, por uma imposição lógica, a

pessoa jurídica não poderia agir contrariamente ao Direito, portanto, não poderia delinqüir.

Entretanto, como já demonstrado, a pessoa jurídica, quando analisada em camadas,

desdobra-se em suporte fático e personalidade jurídica, sendo que esse suporte fático
52

não se encontra sob o total controle do Direito como ocorre com a personalidade jurídica, e

mais, é do suporte fático que nasce o elemento volitivo da pessoa jurídica, que pode leva-la

a agir em conformidade ou não com o Direito. Portanto, numa análise científica da

essência da pessoa jurídica, pode-se, com segurança, afirmar que a possibilidade da pessoa

jurídica delinqüir é real.

É nesse dissecar da pessoa jurídica que se apresentam seu “espírito” e sua

“consciência”, que são representados pelo suporte fático e pela personalidade jurídica. A

vontade, que nasce do suporte fático (“espírito”), é submetida ao crivo dos regramentos da

personalidade jurídica (“consciência”) e somente após esta verificação de

compatibilidade, a vontade se converte em ação com repercussões no mundo fenomênico.

No entanto, assim como ocorre com as pessoas naturais, as pessoas jurídicas

também podem agir em desconformidade com a sua “consciência” e exorbitar os limites

impostos para o regular exercício da personalidade jurídica. Esta manifestação ilógica e

irracional é derivada da mesma incompletude inerente ao ser humano que, por vezes, vê

seu lado animal sobrepujar a sua face racional.

O Direito que nesse mister cumpre a função de instrumento de purificação do

homem, desestimulando e punindo condutas irracionais, tem, com relação às pessoas

jurídicas, idêntica missão, pois, inegavelmente, as mesmas imperfeições humanas são

transferidas para o suporte fático das pessoas jurídicas e demandam o mesmo controle e

atenção do Direito.

Numa análise empírica, percebe-se que a pessoa jurídica contribui, desde muito

tempo e de modo decisivo, para o desenvolvimento humano, sendo inimaginável

atualmente dissociar o ideal de progresso social e econômico num modelo onde não

existam Estado e empresas. Por outro lado, dada a relevância cada vez maior das pessoas

jurídicas, há uma crescente dependência de verdadeiras massas humanas com relação às


53

decisões e destinos das organizações nacionais e transnacionais. Cidades e até mesmo

países prosperam ou “quebram” em função de decisões empresariais. Recentemente, por

exemplo, o país mais poderoso do mundo contemporâneo – os Estados Unidos da América

– viu sua economia correr risco de crise sistêmica devido a divulgação de que uma grande

corporação do setor de telecomunicações – a WordCom – havia ocultado vultosos

prejuízos em seus balanços contábeis. No Brasil, esse mesmo evento colocou em crise a

Embratel, que é controlada pela empresa norte americana, instalando um processo de crise

em todo o setor de telecomunicações brasileiro.

Constatações empíricas como essas mencionadas e a conclusão científica da

possibilidade de delinqüência da pessoa jurídica, têm levado os legisladores a inserirem no

ordenamento jurídico instrumentos capazes de coibir e punir as condutas praticadas pelas

pessoas jurídicas que venham a lesar a norma e a sociedade.

3.7 O EFEITO VINCULANTE DECORRENTE DA FINALIDADE

DECLARADA PELAS PESSOAS JURÍDICAS

É nesse ponto que as premissas teóricas até o momento estudadas dão, no seu

conjunto, concretude a um princípio fundamental que se busca demonstrar: a

impossibilidade jurídica de contratar com terceiros a prestação de serviços ou a

produção de bens ligados à atividade-fim das pessoas jurídicas, ou resumidamente, a

impossibilidade de delegação de atividade-fim.

Sendo o fim último do Direito a promoção ou garantia da harmonia social,

como demonstrado no capítulo precedente do presente estudo, a pessoa jurídica, enquanto

ente personificado pelo Direito, não poderia estar em conformidade jurídica se atentasse

contra esse fim último.


54

É devido a essa evidência lógica que é possível compreender porque a

finalidade é o elemento essencial das pessoas jurídicas, uma vez que é através da sua

declaração que se torna possível aferir se a pessoa jurídica foi concebida para promover ou

prejudicar o bem comum.

Por essa razão, a declaração de finalidade é condição necessária para a

personificação jurídica da pessoa jurídica. Portanto, sem a declaração de finalidade, a

pessoa jurídica não adquire a capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações.

Sendo a declaração de finalidade um elemento essencial da pessoa jurídica,

para que seja possível aferir o grau de pertinencialidade entre essa finalidade e a finalidade

última do próprio Direito, não pode essa declaração configurar-se como mera

formalidade legal, mas, ao contrário, deve essa declaração corresponder à

materialidade das relações mantidas pela pessoa jurídica, sob pena de restar

comprometida a razão de tal exigência.

Nessa linha de raciocínio é possível afirmar que não basta declarar a finalidade

para a qual determinada pessoa jurídica se destina, tal fim deve ser efetivamente realizado.

É neste ponto que a impossibilidade jurídica de contratação indireta na atividade-fim

da pessoa jurídica se apresenta como um imperativo lógico, pois, ao delegar a terceiros

a execução de determinado serviço ou produção de determinado bem que constitui a sua

finalidade, a pessoa jurídica está, materialmente falando, negando a sua finalidade

declarada. Portanto, restaria, em tal hipótese, prejudicada de modo irreparável a

pertinencialidade entre a declaração de finalidade e as relações fáticas empreendidas pela

pessoa jurídica.

Embora aparentemente frívola, essa conclusão é especialmente relevante, como

um alerta, para que o processo de abandono da lógica jurídica não atinja patamares que

cheguem mesmo a comprometer a cientificidade do Direito.


55

Em nome do cego apego à dogmática jurídica, sem se perquirir se essa

construção normativa seguiu critérios de razoabilidade, muitas aberrações jurídicas tem

sido concebidas.

O Direito possui uma função civilizatória, ou seja, cabe ao Direito fazer com

que as relações sociais e econômicas estejam pautadas em regras que observem e

promovam a justiça social, materializando o princípio fundamental da dignidade humana

esposado na Carta Magna.

Assim, a atividade-fim da pessoa jurídica é o parâmetro necessário e

indispensável para que se possa aferir a conveniência social da existência dessa pessoa

moral.

O Direito é mais rigoroso com as pessoas jurídicas do que Deus com as pessoas

naturais, pois ao ser humano não se vê determinado e vinculado que ele deva ser médico,

magistrado ou até mesmo delinqüente. Já o Direito, na “certidão de nascimento” da pessoa

jurídica faz consignar sua finalidade como elemento essencial, fazendo dela,

metaforicamente falando, um elemento tão essencial para a pessoa jurídica, como o

coração para a pessoa natural.

Diz-se elemento essencial, porque, se retirado, fatalmente finda a existência da

pessoa. Assim, se for retirado o coração de um homem, ele morrerá, bem como, se for

subtraída a possibilidade de efetiva realização da finalidade da pessoa jurídica, ela se

desnatura, deixando de ser uma pessoa jurídica para ser algo ajurídico, estranho ao Direito.

A questão que se coloca é a seguinte: qual o parâmetro a ser utilizado para a

aferição do que venha ser atividade-fim ou atividade-meio? A investigação dessa questão,

embora escape ao objetivo desse trabalho, pode ser sumariamente considerada da seguinte

forma: o parâmetro objetivo delimitador do que venha a ser a atividade-fim de dada pessoa

jurídica, é o indicado como finalidade no seu ato constitutivo.


56

Assim, se a pessoa jurídica for uma sociedade, a sua atividade-fim estará

circunscrita ao objeto social declarado; se, por outro lado, tratar-se de associação, a

atividade-fim estará delimitada pelos fins indicados nos respectivos estatutos.

É desta evidente e inexorável vinculação da pessoa jurídica ao fim declarado

no seu ato constitutivo, que se pode afirmar que decorre dessa lógica, o efeito vinculante

da finalidade das pessoas jurídicas.

Esse efeito vinculante demonstra a impossibilidade lógico-jurídica de que a

pessoa jurídica contrate com terceiros a prestação de serviços, ou a produção de bens, que

estejam ligados às suas atividades-fim. Atividades essas que conferem a razão de sua

existência.

Com base no princípio da impossibilidade de delegação de atividade-fim,

decorrente do efeito vinculante da finalidade das pessoas jurídicas, é possível aferir o

grau de pertinencialidade entre a norma posta e o sistema jurídico, bem como, verificar a

conformidade jurídica de dada relação factual mantida pela pessoa jurídica.

Por exemplo, se determinada norma vem permitir, de modo indiscriminado, a

contratação com terceiros para que estes executem atividades ligadas à finalidade da

pessoa jurídica, estaria ela indo de encontro ao princípio aqui demonstrado e, por

conseguinte, estaria permitindo a potencial subtração do elemento essencial da pessoa

jurídica, desnaturando-a e criando a possibilidade de que esta pessoa jurídica, desprovida

de espírito, possa atentar contra o interesse social.

Vê-se que se trataria de uma norma deslocada da lógica do sistema jurídico,

pois excluindo a necessária vinculação entre a existência da pessoa jurídica e a execução

material de sua finalidade declarada, possibilitaria a lesão ao fim último do Direito – a

harmonia social – já que uma pessoa jurídica desprovida de vinculação de finalidade pode

se dar a um fim lícito, assim como pode dirigir-se a um ilícito ou imoral.


57

O princípio da impossibilidade de delegação de atividade-fim converte-se

numa limitação objetiva genérica inerente a todas e quaisquer relações jurídicas mantidas

pelas pessoas jurídicas.

Sendo o escopo deste trabalho a identificação dos limites jurídicos dos

fenômenos da contratação indireta e da Terceirização de serviços, cabe indagar: será que a

contratação indireta e a Terceirização de serviços está se desenvolvendo, dogmática e

pragmaticamente, dentro dos critérios lógicos derivados do efeito vinculante da

finalidade das pessoas jurídicas? A resposta a essa questão crucial deve ser precedida

pela análise jurídica e ontológica dos fenômenos estudados.


58

4 O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO

O estudo da Terceirização, enquanto fenômeno jurídico, tem especial

dificuldade por não contar com conceituação legal, razão pela qual será investigada neste

capítulo com base numa análise histórica, ontológica e também empírica dos dados reais e

concretos existentes nas relações jurídicas, sociais e econômicas atinentes ao tema.

Ao referir-se a um fenômeno é necessário que, preliminarmente, tenha-se claro

o significado do que seja fenômeno. Nas palavras do estudioso Luiz Antônio Nunes o

vocábulo fenômeno vem assim definido e comentado:

A palavra “fenômeno”, originalmente, tanto no sentido científico quanto no


filosófico comum, tem relação com a palavra “aparência”. Por isso o
“fenômeno” é um “relativo”, pois é aquilo que “aparece” para o sujeito que o
observa, ou seja, só existe na medida em que é observado na relação com o
sujeito.
Além disso, o termo “aparente” sofre influência do termo “ilusório”, “irreal”, o
que vai afetar também o termo “fenômeno”, que ganha esse caráter de “ilusório”,
“irreal”. É verdade que o fenômeno faz parte da realidade, mas é como se
pertencesse a um nível inferior de real.
As coisas são um absoluto, enquanto o fenômeno é um relativo – ao aparecer
para o sujeito. Daí é que se firmou a tendência no espírito de considerar real
apenas a “coisa em si” ou o “número”, cuja essência todavia é impenetrável. Para
o sujeito só há fenômeno26.

Luiz Antônio Nunes, inspirado por Edmund Husserl, matemático e filósofo que

formulou nos fins do século XIX o método fenomenológico, concebe fenômeno como algo

paradoxal, pois, embora para o sujeito só exista o fenômeno, por outro lado o fenômeno

seria também um dado real relativo, inferior, impreciso. Portanto, a realidade não seria

absoluta, eis que composta apenas por fenômenos.

Esta constatação é fundamental para que se possa compreender a necessidade

de investigar o fenômeno da Terceirização sob um novo prisma, pois é provável que faces

ainda não exploradas revele outras características relevantes desse importante instituto

administrativo e jurídico.
59

4.1 ASPECTOS ETIMOLÓGICOS DA EXPRESSÃO

“TERCEIRIZAÇÃO”

A relevância da definição do que seja “Terceirização” se sobreleva, pois se

trata de um neologismo que apenas recentemente fora abrigado pelos dicionários pátrios e,

segundo Paulo de Barros Carvalho,

podemos dizer que o texto escrito está para a norma jurídica tal qual o vocábulo
está para sua significação. Nas duas situações, encontraremos o suporte físico
que se refere a algum objeto do mundo (significado) e do qual extratamos um
conceito ou juízo (significação)27.

A palavra “Terceirização” é oriunda da Ciência da Administração e foi adotada

sem ajuste científico pelo Direito. A expressão deriva da palavra “terceiro”, que para o

interesse da Administração se aplica na medida que corresponde à delegação de execução

de atividades acessórias a terceiros. Entretanto, sob o prisma jurídico a expressão não é

adequada, pois por terceiro dever-se-ia entender alguém estranho à relação jurídica, o que

não se verifica, pois o “terceiro” que executa as atividades acessórias não é elemento

alienígena da relação jurídica. Todavia, dado o largo emprego do vocábulo “Terceirização”

no cotidiano prático é forçoso aceitá-lo e utilizá-lo com as ressalvas necessárias ao rigor

científico.

26
Luiz Antônio Nunes. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 23
27
Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário, p. 9
60

4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA TERCEIRIZAÇÃO

Segundo Lívio Giosa, a Terceirização, enquanto técnica administrativa, teria

sido criada nos Estados Unidos da América durante a segunda guerra mundial, como forma

encontrada pela indústria de atender à grande demanda de material bélico.

As raízes da Terceirização estão, no entanto, bem mais profundas na história. A

inconveniência prática da auto-suficiência nasceu com o próprio homem, que é organizado

em sociedade e somente nela consegue seus meios de subsistência, pois é com o somatório

de saberes e labores individuais que ele pode ter suas necessidades básicas e supérfluas

satisfatoriamente supridas. Mas foi com o escambo e posteriormente com a moeda que a

idéia da segmentação dos fazeres encontrou sua viabilidade. Entretanto, esse desenrolar

natural das relações humanas, conduzindo a uma divisão do trabalho, não trazia consigo a

noção de busca de eficiência, mas tão somente a de comodidade.

Nessa linha histórica, houve no século XVIII o advento da revolução industrial,

em cuja época eclodiram as normas trabalhistas e o movimento sindical como resposta a

uma exploração desmesurada do ser humano, onde o trabalho passou a ser tratado

cientificamente e as relações mantidas pelo capital e pelo trabalho eram caracterizadas por

um mercantilismo predatório ao trabalhador. A variável social e a condição especial da

pessoa humana não eram consideradas, tanto que nesta fase da história houve a exploração

sistemática da mão-de-obra infantil em atividades absolutamente perigosas, como, por

exemplo, a limpeza de chaminés das fábricas.

É nesse contexto que passou a ser praticado o agenciamento de pessoal, a

marchandage, uma espécie de prima distante da Terceirização, na qual o intermediário

consegue colocação para o trabalhador, em troca de parte da sua remuneração. É o mesmo

que reduzir o trabalhador à autêntica mercadoria, objeto de comércio. Pessoas jurídicas


61

eram constituídas para o fim específico de intermediar mão-de-obra, ou seja, tinham como

único produto a força de trabalho humana. No plano do direito comparado, em artigo

publicado sobre a Terceirização, destacou Vilson Bilhalva, presidente do TRT da quarta

região, em artigo publicado no informativo número 14 do Sindicato de Hospitais e Clínicas

de Porto Alegre – SINDIHOSPA, afirma que “já em primeiro de março de 1.848, a França

abolia a prática da marchandage, sob o argumento de que o trabalho, por não ser uma

mercadoria, jamais poderia ser intermediado”. No entanto, essa é, de modo indiscutível,

uma prática que não foi de todo abolida embora seja repudiada pelos ordenamentos

jurídicos de todo o mundo.

A Terceirização, ao lado da Reengenharia, do DownSizing, da Qualidade Total

e de tantas outras teorias administrativas, surgiu recentemente, em pleno século XX, em

meio ao novo ciclo do capitalismo – a globalização. Essas técnicas visam o implemento da

competitividade, que representa uma verdadeira condição de sobrevivência para as

empresas que estão expostas à concorrência global.

No Brasil, a Terceirização teria sido introduzida pelas multinacionais

automobilísticas, nas décadas de 50 e 60, mas o processo “terceirizante” ganhou expressão

apenas nos anos 70 e 80 com a edição de normas autorizativas de contratações de mão-de-

obra por intermédio de terceiros no setor privado, tais como a Lei 6.019, de 03 de janeiro

de 1974, que regula o chamado trabalho temporário e a Lei 7.102, de 20 de junho de 1983,

que trata da vigilância patrimonial.

Os fatos sociais antecedam as normas, cabendo aos legisladores perceber as

peculiaridades desses fatos sociais para que, se necessário, sejam editadas normas

destinadas a conformar a dinâmica social ao interesse do bem comum. No entanto, com

relação a Terceirização, não foi exatamente esse o iter, pois o fato social, embora
62

precedendo a norma jurídica, só ganhou força e volume após ser catalisado pelas leis

autorizativas a ela inerentes.

Tratando da evolução histórica da Terceirização no Brasil, Maurício Godinho

Delgado afirma que:

A Terceirização é fenômeno relativamente novo no Direito do Trabalho do país,


assumindo clareza estrutural e amplitude de dimensão apenas nas últimas três
décadas do segundo milênio no Brasil.
A CLT fez menção a apenas duas figuras delimitadas de subcontratação de mão-
de-obra: a empreitada e subempreitada (art. 455), englobando também a figura
da pequena empreitada (art. 652, “a”, III, CLT). À época da elaboração da CLT,
como se sabe (década de 1940), a Terceirização não constituía fenômeno com a
abrangência assumida nos últimos trinta anos do século XX, nem sequer merecia
qualquer epíteto designativo especial.
[...]
Em fins da década de 1960 e início dos anos 70 é que a ordem jurídica instituiu
referência normativa mais destacada ao fenômeno da Terceirização (ainda não
designado por tal epíteto nessa época, esclareça-se). Mesmo assim tal referência
dizia respeito apenas ao segmento público (melhor definindo: segmento estatal)
do mercado de trabalho – administração direta e indireta da União, Estados e
Municípios. É o que se passou com o Decreto-Lei n. 200/67 (art. 10) e Lei n.
5.645/70.
A partir da década de 1970 a legislação heterônoma incorporou um diploma
normativo que tratava especificamente da Terceirização, estendendo-a ao campo
privado da economia: a Lei do Trabalho Temporário (Lei 6.019/74)28.

Atualmente, sob o aspecto jurídico, a Terceirização não possui conceituação

legal e a ausência de uma disposição sistemática sobre o fenômeno abriu espaço para

inúmeras formas de interpretações jurídicas que trouxe, ao longo dos anos, grande

insegurança na aplicação das normas trabalhistas.

A contratação indireta de mão-de-obra passou a ser regulada pela

jurisprudência sumulada da mais alta corte trabalhista do Brasil, o Tribunal Superior do

Trabalho – TST, que em 1980 fixou o enunciado 256, revisto em 1994 pelo enunciado 331.

Tal enunciado revela-se como a mais importante referência jurídica sobre o

fenômeno da Terceirização, pois embora tratando da contratação indireta de serviços,

acabou por positivar alguns limites inerentes à Terceirização, cientificamente considerada.

O mencionado enunciado extrai sua legitimidade, enquanto fonte jurídica, do artigo 8o da

28
Maurício Godinho Delgado. Curso de Direito do Trabalho, p. 418-419
63

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estatui que, na ausência de norma

específica, as autoridades administrativas e judiciais devem valer-se dos mecanismos de

integração das normas, dentre os quais os entendimentos jurisprudenciais.

4.3 DEFINIÇÃO

Sendo a Terceirização um fenômeno que tem berço na Ciência da

Administração, não se pode abstrair uma definição autêntica sem buscá-la na sua fonte

primeira, ou seja, na Administração. Por outro lado, interessa primordialmente a este

ensaio os aspectos jurídicos desse fenômeno, por isso a referência às definições atribuídas

pelos juristas são também imprescindíveis para o presente estudo.

4.3.1 Definição de Terceirização segundo a Ciência da Administração

A Ciência da Administração é o mais adequado ramo do conhecimento para a

identificação dos elementos básicos e constitutivos da Terceirização, já que, como já dito,

está na Administração o seu nascedouro. Para tanto, é necessário conhecer definições

formuladas por vários autores e fazer referência a trechos de obras que tratam do tema.

São inúmeras as definições oferecidas pelos estudiosos da Administração à

Terceirização, de modo que ao elencar algumas delas buscar-se-á identificar o que há de

essencial e comum do que seja, sob o enfoque administrativo, a Terceirização.

Segundo Lívio Giosa Terceirização é:

um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades para terceiros,


com os quais se estabelece uma relação de parceria, ficando a empresa
concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua.29
64

Carlos Alberto Ramos Soares de Queiroz define a Terceirização como:

uma técnica administrativa que possibilita o estabelecimento de um processo


gerenciado de transferência, a terceiros, das atividades acessórias e de apoio ao
escopo das empresas que é a sua atividade-fim, permitindo a estas concentrarem-
se no seu negócio, ou seja, no objetivo final.30

Para Ciro Pereira da Silva, Terceirização é definida como:

a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de


tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua
atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em
seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade,
reduzindo custos e ganhando competitividade.31

Na concepção de Frank Stephen Davis a Terceirização é:

a passagem de atividades e tarefas a terceiros. A empresa concentra-se em suas


atividades-fim, aquela para a qual foi criada e que justifica sua presença no
mercado, e passa a terceiros (pessoas físicas ou jurídicas) atividades-meio.32

Denise Fontanella, Eveline Tavares e Jerônimo Souto Leiria definem a técnica

como:

uma tecnologia de administração que consiste na compra de bens e/ou serviços


especializados, de forma sistêmica e intensiva, para serem integrados na
condição de atividade-meio à atividade-fim da empresa compradora, permitindo
a concentração de energia em sua real vocação, com intuito de potencializar
ganhos em qualidade e competitividade.33

Pelas definições referidas pode-se concluir que, à luz da Administração, a

Terceirização é uma técnica e não um fenômeno, que visa o fim específico de conferir a

eficiente eficácia empresarial34, ou seja, fazer com que a organização atinja seus fins da

maneira mais econômica possível.

29
Dora Maria de Oliveira Ramos. Terceirização na administração pública, p. 49
30
Carlos Alberto Ramos Soares de Queiroz. Manual de Terceirização, p. 35
31
Ciro Pereira Silva. A Terceirização responsável: Modernidade e modismo, p. 30
32
Frank Stephen Davis. Terceirização e multifuncionalidade. p. 19
33
Denise Fontanella, Eveline Tavares e Jerônimo Souto Leiria. O lado (des)humano da Terceirização, p. 19
34
Idalberto Chiavenato. Introdução à teoria geral da administração, p. 235. Cada empresa deve ser
considerada sob o ponto de vista de eficácia e de eficiência, simultaneamente. Eficácia é uma medida do
alcance de resultados, enquanto a eficiência é uma medida da utilização dos recursos nesse processo. Em
termos econômicos, a eficácia de uma empresa refere-se à sua capacidade de satisfazer uma necessidade da
sociedade por meio do suprimento de seus produtos (bens ou serviços), enquanto a eficiência é uma relação
técnica entre entradas e saídas. Nestes termos, a eficiência é uma relação entre custos e benefícios.
65

A Terceirização, sob o prisma administrativo, deve ser compreendida a partir

do conceito de que empresa excelente é aquela que produz com melhor qualidade e menor

custo.

Nas palavras de Denise Fontanella, Eveline Tavares e Jerônimo Souto Leiria, é

inegável que a definição e a prática da Terceirização estejam vinculadas também à redução

de custos, mas não somente a isto. A Terceirização objetiva o aumento da competitividade

(equalizando a qualidade), servindo-se de melhores tecnologias, buscando o desperdício

zero e a conseqüente redução dos custos fixos. Entretanto, de forma errônea, alguns

administradores pretendem, com o processo, exclusivamente o ganho imediato com a

redução de custos. Com isto, diminuir o quadro de pessoal e escolher fornecedores usando

o menor preço, o que, via de regra, coloca sob forte ameaça o futuro da empresa.

Em outro trecho discorrem sobre o trabalho de empregados terceirizados no

âmbito da empresa tomadora, dizendo que:

Alocar serviços de terceiros para serem executados no interior da empresa é uma


prática usual nos processos de Terceirização. Atividades como vigilância,
limpeza, alimentação, serviços medidos, entre outros, são transferidos para
prestadores de serviços, porém continuam, muitas vezes, sendo executados no
mesmo espaço físico de antigamente.
A convivência entre trabalhadores de diversas empresas num mesmo local, cria
novidades de ordem prática e filosófica.
De qualquer forma, as responsabilidades e os limites de cada colaborador
precisam, necessariamente, de um contorno nítido. Transformar o antigo
departameto em empresa-prestadora e administra-lo como no passado, numa
relação de subordinação, ainda é uma prática freqüente em empresas que
“dizem” adotar a Terceirização. Esta subordinação descaracteriza a existência de
relação inter-empresarial. Despersonaliza a empresa-prestadora, transformando-a
em departamento da empresa tomadora de serviços e seus empregados são, no
plano legal, entendidos como recursos humanos da contratante. Quando isto
ocorre, inexiste Terceirização.35

Outro ponto marcante na obra dos citados estudiosos é o que faz menção à

parceria como elemento fundamental da verdadeira Terceirização:

Na Terceirização, o diferencial está na maneira como esta relação se estabelece e


se desenvolve no dia-a-dia. Pode-se afirmar, sem qualquer dúvida, que o sucesso
deste programa depende enormemente da capacidade de criarem-se e manterem-
se parcerias entre contratante e contratados.

35
Denise Fontanella, Eveline Tavares e Jerônimo Souto Leiria. O lado (des)humano da Terceirização, p. 44
66

No momento em que o terceiro passa a assumir funções que antes eram


realizadas internamento, deve haver harmonia e até certa cumplicidade entre as
duas empresas. A relação passa a ser de ganha-ganha-ganha. Ou seja: ganho eu,
ganhas tu, ganha a sociedade.36

Sob o prisma da Ciência da Administração, a Terceirização é, como já dito,

uma técnica que visa a eficiente eficácia empresarial, corroborando com a finalidade da

própria Administração, que no dizer do administrador Idalberto Chiavenato é “fazer com

que as coisas sejam realizadas da melhor forma possível, com o menor custo e com a maior

eficiência e eficácia”37. Para lograr esse fim, essa técnica administrativa possui, conforme

se pode abstrair dos trechos anteriormente transcritos, elementos que lhe são essenciais,

tais como a circunscrição às atividades acessórias da empresa contratante e, sobretudo, o

estabelecimento de uma parceria entre a contratada e a contratante, de modo que inexista a

subordinação entre ambas, mas sim coordenação.

4.3.2 Definição de Terceirização segundo a Ciência do Direito

A definição de Terceirização, sob o enfoque dos juristas recebe ou deixa de ter

ingredientes originalmente utilizados pelos administradores. Tal discrepância se dá pelo

ponto de partida de um e de outro. Ao passo que os administradores estudam a

Terceirização como uma técnica administrativa que visa um fim – a eficiente eficácia

empresarial – os juristas iniciam a análise a partir da dinâmica instalada nas relações reais

entre as pessoas jurídicas terceirizantes e terceirizadas, encontrando elementos diversos

dos preconizados pelos administradores.

Na esteira de Dora Maria de Oliveira Ramos, busca-se elencar algumas das

definições mais emblemáticas dos estudiosos do Direito.

36
Denise Fontanella, Eveline Tavares e Jerônimo Souto Leiria. O lado (des)humano da Terceirização, p. 40
37
Idalberto Chiavenato. Introdução à teoria geral da administração, p. 18
67

Alice Monteiro de Barros define Terceirização como:

“fenômeno” que consiste em transferir para outrem atividades consideradas


secundárias, ou de suporte, mais propriamente denominadas de atividades-meio,
dedicando-se a empresa à sua atividade principal, isto é, à sua atividade-fim.38

Sérgio Pinto Martins entende por Terceirização “a possibilidade de contratação

de terceiros para realização de atividade-meio da empresa, isto é, aquelas atividades que


39
não constituam seu objeto principal, sua atividade essencial.” . O autor reconhece

também existir Terceirização na atividade-fim, como por exemplo na indústria

automobilística, que atua como montadora das peças fornecidas por vários fornecedores.

De modo mais liberal, Octavio Bueno Magano, define Terceirização “como

transferência a terceiros de atividades anteriormente a cargo da própria empresa”40,

reconhecendo duas vertentes para o conceito, uma que engloba a transferência de toda e

qualquer atividade e outra que envolve apenas as atividades-meio. Todavia, acrescenta que

o direito brasileiro entende válida apenas a Terceirização das atividades-meio, nos termos

do Enunciado 331, do Tribunal Superior do Trabalho.

Luis Carlos Amorim Robortella interpreta o fenômeno como:

uma estratégia econômica que proporciona qualidade, agilidade, simplicidade e


competitividade, constituindo um processo de transferência de atividades
acessórias e de apoio a terceiros que, em parceria, prestam serviços ou produzem
bens para a contratante. 41

Amauri Mascaro Nascimento, preferindo denominar o fenômeno como sub-

contratação, o define como “processo de descentralização das atividades da empresa, no

38
Alice Monteiro de Barros. A Terceirização sob a nova ótica do Tribunal Superior do Trabalho, p. 3-8
39
Sérgio Pinto Martins. A Terceirização e o direito do trabalho, p. 22-23
40
Octavio Bueno Magano. Alcances e limites da Terceirização no direito do trabalho, in José Augusto
Rodrigues Pinto (org.). Noções atuais de direito do trabalho, p. 281-289
41
Luiz Carlos Amorim Robortella. Terceirização. Aspectos jurídicos. Responsabilidades. Direito
comparado. Revista LTr, v. 58, p. 8-08/938-948
68

sentido de desconcentra-las para que sejam desempenhadas em conjunto por diversos

centros de prestação de serviços e não mais de modo unificado numa só instituição”42.

De maneira mais genérica, Ophir Cavalcante Júnior refere-se à Terceirização

“como processo por meio do qual são repassados serviços ou a produção de uma empresa a

outra, com objetivo de obter ganho de qualidade, produtividade e redução de custos” 43.

Para Maurício Godinho Delgado a Terceirização é, a luz do Direito do

Trabalho:

o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação


justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o
trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam
a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade
interveniente. A Terceirização provoca uma relação trilateral em face da
contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de
serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa
tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro,
firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa
tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição
clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.44

Em outras palavras, Godinho aponta que a Terceirização tem por efeito jurídico

fundamental o rompimento do liame direto entre o tomador e o prestador de serviços,

numa topologia bipolar própria da relação trabalhista clássica, passando a ser uma relação

tripolar entre empresa tomadora de serviços, empresa prestadora de serviços e obreiro,

sendo que este último possui vínculo trabalhista formal com a empresa prestadora de

serviços e vínculo trabalhista material com a empresa tomadora de serviços.

É importante ressaltar que a simplificação proposta pelo doutrinador exclui

outras situações onde atividades são delegadas a terceiros, como por exemplo, no caso de

contratação direta de autônomos, empresários individuais ou de sócio de sociedade simples

ou empresária.

42
Amauri Mascaro Nascimento. Sub-contratação ou Terceirização. Repertório IOB de jurisprudência, n. 23,
p. 413/417
43
Ophir Cavalcante Júnior. A Terceirização nas relações laborais, p. 10
44
Maurício Godinho Delgado. Curso de direito do trabalho, p. 417
69

Esta complexa engenharia tem importantes reflexos no mundo do trabalho,

pois, se por um lado permite que a empresa foque suas energias naquilo que lhe confere

razão de existência, por outro, se empregada de modo anômalo, provoca a segregação de

segmentos laborais em detrimento dos demais, fazendo com que os trabalhadores

terceirizados não gozem das prerrogativas e proteções atribuídas aos trabalhadores ligados

diretamente ao tomador de serviços. Ou seja, cria categorias de empregados: empregados

de primeira e segunda classe.

O consenso entre os juristas é que, sob o ponto de vista jurídico, a

Terceirização é um fenômeno. Entretanto, percebe-se que não há entre os doutrinadores um

consenso sobre os elementos caracterizadores da Terceirização. Uns concordam com a

concepção administrativa de que há a necessidade inexorável da circunscrição à atividade-

meio da contratante; outros entendem que este elemento não é necessário à configuração

da Terceirização, mas apenas a classifica quanto a sua licitude, sendo lícitas aquelas que

terceirizem a atividade-meio e ilícitas aquelas que visem a atividade-fim.

É o que ensina Dora Maria de Oliveira Ramos:

A distinção tão difundida na doutrina e na jurisprudência entre atividade-meio e


atividade-fim não é elemento necessário do conceito, tendo relevância apenas
para distinguir a Terceirização lícita da ilícita no seio do direito do trabalho e sua
conseqüente repercussão na individualização do vínculo de emprego. Até
porque, no âmbito privado, a atividade-fim da empresa é direcionável de acordo
com a estratégia de administração a ser adotada no momento.45

As conclusões da autora se baseiam na constatação de exemplos de

contratações de serviços objetando a atividade-fim. Dentre os quais citou a parceria

agrícola ou agropecuária disciplinada pelo Estatuto da Terra. Citou também a contratação

de cooperativas de trabalhadores rurais para o desenvolvimento das tarefas de plantio e

colheita. Frisou ainda que, na verdade, relativiza-se a identificação propriamente dita da

atividade-fim da empresa. Assim, por exemplo, a atividade-fim das grandes indústrias de


70

automóveis não é a fabricação destes, mas a mera montagem das peças produzidas por

diferentes fornecedores. A atividade-fim de uma empresa telefônica passa a ser a

coordenação da atividade operacional de instalação e manutenção do serviço, delegando-se

a execução das atividades materiais correlatas a terceiros.

Numa outra vertente temos Maurício Godinho Delgado qualificando a

Terceirização pela topologia da relação jurídica que tradicionalmente é bipolar, com a

participação do empregador e empregado, passando, por força da Terceirização a ser

tripolar, onde se tem a empresa prestadora de serviços, a empresa tomadora de serviços e o

trabalhador que mantém o vínculo trabalhista formal com a primeira e o vínculo material

de serviços com a última, todavia, vale reiterar que essa simplificação deixa de contemplar

outras formas de Terceirização.

4.3.3 Síntese conclusiva acerca da definição de Terceirização

Parece óbvio que sendo o objeto em estudo – a Terceirização – emprestado da

Ciência da Administração, ou seja, não se tratando de uma criação do Direito, não cabe a

este inovar quanto aos caracteres essenciais desse objeto, cabendo apenas lhe dar

conceituação jurídica compatível com seus caracteres e prescrever os limites para que seja

considerado conforme ou contra o Direito.

Portanto, na medida em que a Ciência da Administração tem na Terceirização

uma técnica que visa a eficiente eficácia empresarial, através da transferência da execução

de atividades acessórias a terceiros por meio do estabelecimento de uma relação de

parceria, livre de subordinação, não pode o Direito entender que elementos como a

circunscrição à atividade-meio seja secundário para a caracterização do fenômeno, pois se

45
Dora Maria de Oliveira Ramos. Terceirização na administração pública, p. 53
71

assim fosse, estaria o Direito definindo algo novo, mas não a Terceirização que tem seu

berço na Administração.

É equivocada a concepção de que o conceito de atividade-fim vem sendo

relativizado e que é direcionável segundo a estratégia de administração adotada em dado

momento, pois o conjunto de atividades-fim da pessoa jurídica é para o Direito aquele

indicado no seu ato constitutivo, portanto, é elemento essencial da pessoa jurídica que não

pode ser alterado ao alvedrio do administrador, sem que haja os procedimentos legais

prévios necessários para que a pessoa jurídica tenha seu ato constitutivo devidamente

conformado à realidade organizacional da pessoa jurídica.

Se tais relativizações ocorrem, e de fato ocorrem, são no plano ôntico e não no

deôntico ou conceitual. Cabe ao Direito a missão de corrigir os desvios de conduta da

pessoa jurídica que nega sua própria essência.

As investigações de cunho zetético elaboradas nos capítulos precedentes

permitiram desnudar a evidência de que há um efeito vinculante da pessoa jurídica para

com a sua finalidade declarada, descortinando o princípio da impossibilidade de

delegação de atividade-fim, já que a finalidade da pessoa jurídica deve ser materialmente

realizada e não figurar como mera formalidade.

Essas conclusões estão respaldadas pela inexorável necessidade de promoção

da harmonia social, enquanto fim último do Direito. Quando se exige da pessoa jurídica a

indicação de seus fins, está-se buscando aferir se este ente merece ou não a personificação

jurídica, que deve ser ou não deferida, conforme esse fim almejado corrobore ou não para

o bem comum. Como então poder admitir que o conceito de atividade-fim seja

relativizado? Não pode, pois seria o equivalente a relativizar a própria razão de ser do

Direito.
72

Essas considerações permitem conceber como definição sintética da

Terceirização: o fenômeno jurídico decorrente do emprego de uma técnica administrativa

que visa a eficiência e a eficácia empresarial por meio da delegação da execução de

atividades acessórias a terceiras pessoas, físicas ou jurídicas, constituindo entre o

contratante e a contratada uma relação de parceria baseada na coordenação de esforços,

onde o serviço prestado ou o bem produzido constitua a atividade finalística da contratada

e este serviço ou bem seja elemento mediato para a completude da atividade finalística do

contratante.

O equívoco que alguns incorrem decorre da errônea tentativa de designar por

Terceirização toda e qualquer forma de contratação indireta de bens ou serviços, donde se

acaba por dar à Terceirização uma dimensão maior do que a que lhe é inerente, culminando

com sua desnaturação enquanto fenômeno jurídico ou mesmo como técnica administrativa.

A exemplo do que ocorre na Biologia, quando se diz que um ser é espécie de

determinado gênero, está-se afirmando que aquele ser contém as características daquele

gênero, mas é ainda particularizado por outras que são inerentes apenas à sua espécie.

Assim ocorre com os homens e os ratos que são espécies de mamíferos. Tanto homens

como ratos são seres absolutamente distintos entre si, mas ambos possuem descendentes

que se alimentam enquanto filhotes do leite da genitora.

Ao admitir-se a Terceirização como um fenômeno jurídico que se desdobra em

outros fenômenos, é fundamental que sejam identificadas as características essenciais

desse fenômeno-gênero, que são os elementos que devem ser herdados pelos fenômenos ou

normas que se classifiquem como de sua espécie.

Assim, pela definição sintética obtida pela análise das definições dadas pelos

estudiosos da Ciência da Administração, nascedouro da Terceirização, podem ser

identificados os seguintes elementos essenciais: a) trata-se de um fenômeno finalístico,


73

ou seja, é qualificado pela finalidade de fazer com que a organização alcance a

eficiente eficácia; b) é uma técnica administrativa que canaliza as energias da pessoa

jurídica ao seu fim último, deixando a atividade-meio para que terceiros executem,

pressupondo que a atividade terceirizada se constitui em fim da pessoa física ou

jurídica contratada; e c) a relação administrativa-organizacional estabelecida entre a

contratante e a contratada caracteriza-se pela parceria, marcada pela coordenação e

não pela subordinação.

Portanto, as contratações que se intitulem Terceirização devem, para sê-lo

efetivamente, visar o ganho de produtividade e não apenas a redução de custos da

contratante, deve circunscrever-se à atividade-meio da contratante e não deve haver entre a

contratante e a contratada uma relação subordinada, mas sim de parceria. Finalmente, a

atividade terceirizada deve constituir-se como fim da pessoa física ou jurídica contratada,

pois apenas assim pode-se conceber a possibilidade de especialização necessária para

conferir efetivo ganho de produtividade na relação administrativa-organizacional entre a

contratante e a contratada.

Para finalizar as divagações acerca da definição de Terceirização é imperioso,

para bem compreender os contornos desse fenômeno, beber na sua fonte originária, a

Ciência da Administração, e extrair dali os elementos que lhe são essenciais. Qualquer

generalização de contratações indiretas de serviços ou de bens sob o signo de Terceirização

é cientificamente incorreto e implica na desnaturação do fenômeno.

4.3.4 A Terceirização como uma espécie do gênero contratual

Ao analisar a definição do fenômeno da Terceirização, viu-se que, de modo

cientificamente incorreto, a doutrina trabalhista passou a designar toda contratação indireta


74

de mão-de-obra como Terceirização, quando, conforme demonstrado, a Terceirização tem

escopo mais delimitado, pois não visa a contratação de toda e qualquer atividade da pessoa

jurídica terceirizante, mas apenas aquelas que lhe são acessórias. A Terceirização possui

caracteres próprios que a particulariza, especialmente o seu elemento teleológico, qual seja

o de conferir a eficiente eficácia organizacional à pessoa jurídica terceirizante. Por tudo

isso a Terceirização deve ser cientificamente considerada uma espécie do gênero contrato,

não apenas de mão-de-obra, mas também de produção de bens.

4.4 O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE RECRUDESCIMENTO DA

MARCHANDAGE

A marchandage, como anteriormente mencionado, é uma prática comercial

cujo objeto é a mão-de-obra humana. Tal prática é abominada pelo Direito por reduzir o

homem à categoria de mercadoria. Objetivamente, tem-se marchandage sempre que uma

pessoa natural ou jurídica tenha por objetivo exclusivo locar mão-de-obra.

Embora a Tercerização se assemelhe em alguns pontos com a marchandage,

com ela não se confunde, pois a Terceirização, que pode ou não envolver a contratação de

mão-de-obra, é finalística e tem por objetivo a busca da eficiente eficácia organizacional,

fazendo com que a pessoa jurídica possa se dedicar com mais atenção para sua atividade-

fim.

As normas jurídicas, em sentido estrito, são silentes acerca da conceituação da

Terceirização, mas o ordenamento jurídico contém inúmeras normas que envolvem a

contratação indireta de mão-de-obra, normas que os juristas cuidaram de rotular como

normas inerentes ao fenômeno da Terceirização.


75

A definição atribuída por alguns juristas à Terceirização vem admitindo o

fenômeno como a mera contratação, junto a terceiros, da produção de bens ou da prestação

de serviços, admitindo que esta contratação esteja ligada às atividades-fim ou meio da

contratante. Tal se pode constatar, por exemplo, nas palavras do renomado doutrinador

Amauri Mascaro Nascimento:

As empresas têm terceirizado em hipóteses mais amplas e em alguns casos


assumem riscos extrapolando a área em que é possível terceirizar, que é a das
atividades-meio, o que é inevitável dada a insuficiência do referido critério. É
que há atividades coincidentes com os fins principais da empresa que são
altamente especializadas e, como tal, justificar-se-ia plenamente, às mesmas
também, a Terceirização. O processo mundial de Terceirização desenvolveu-se
em função da necessidade de empresas maiores contarem com a parceria de
empresas menores especializadas em determinado processo tecnológico46.

O magistério do ilustre juiz paulista Sérgio Pinto Martins é no sentido de que

não se pode afirmar, que a Terceirização deva restringir-se à atividade-meio da empresa,

ficando a cargo do administrador resolver tal questão, desde que a Terceirização seja lícita,

sob pena de ser desvirtuado o princípio da livre iniciativa esposado no artigo 170 da

Constituição. Para ilustrar seu entendimento trouxe à colação os seguintes exemplos:

A indústria automobilística é exemplo típico da delegação de serviços da


atividade-fim, decorrente, em certos casos, das novas técnicas de produção e até
da tecnologia, pois uma atividade que antigamente era considerada principal
pode ser hoje acessória. Contudo, ninguém acoimou-a de ilegal. As costureiras
que prestam serviço em sua própria residência para as empresas de confecção, de
maneira autônoma, não são consideradas empregadas, a menos que exista o
requisito de subordinação, podendo aí serem consideradas empregadas em
domicílio (art. 6º da CLT), o que também mostra a possibilidade de
Terceirização da atividade-fim47.

Esse verdadeiro divórcio entre a definição atribuída pelos operadores

justrabalhistas e pelos administradores foi objeto de uma importante reflexão realizada por

Heloísa de Souza Martins e José Ricardo Ramalho:

Como é comum ao conhecimento acerca de fenômenos novos, um certo


paradoxo também surge quanto ao estudo do presente caso. É que se tem, hoje,
clara percepção de que o processo de Terceirização tem produzido

46
Amauri Mascaro Nascimento. Alcance da responsabilidade laboral nas diversas formas de prestação de
serviços por terceiros, p. 10
47
Sérgio Pinto Martins. A Terceirização e o direito do trabalho, p. 123
76

transformações inquestionáveis no mercado de trabalho e na ordem jurídica


trabalhista do país. Falta, contudo, ao mesmo tempo, a mesma clareza quanto à
compreensão da exata dimensão e extensão dessas transformações. Faltam,
principalmente, ao ramo justrabalhista e seus operadores os instrumentos
analíticos necessários para suplantar a perplexidade e submeter o processo
sociojurídico da Terceirização às direções essenciais do Direito do Trabalho,
de modo a não propiciar que ele se transforme na antítese dos princípios,
instituídos e regras que sempre foram a marca civilizatória e distintiva desse
ramo jurídico no contexto da cultura ocidental.48

A relevância dessa discussão se sobreleva pelo fato de que a Terceirização

produz contundentes efeitos sobre as relações trabalhistas e como ensina o processualista

Wagner Giglio:

O Direito Material do Trabalho tem natureza profundamente diversa da dos


demais ramos do Direito porque, imbuído de idealismo, não se limita a regular a
realidade da vida em sociedade, mas busca transformá-la, visando uma
distribuição da renda nacional mais equânime e a melhoria da qualidade de vida
dos trabalhadores e de seus dependentes.49

São fartos os exemplos de normas autorizativas de contratação indireta de mão-

de-obra que receberam o rótulo de “terceirizantes”, mas que não podem, em sua essência,

ser assim classificadas. É emblemática, no âmbito privado, a Lei 6.019/74 (Lei do trabalho

temporário), cujos trechos abaixo transcritos revelam a clara vocação da norma:

Art. 2º - Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa,
para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e
permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços.
[...]
Art. 4º - Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física
ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras
empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas
remunerados e assistidos.

A mencionada norma não faz distinção quanto à abrangência da contratação, se

restrita à atividade-meio ou fim do tomador, donde se conclui que quaisquer atividades

podem ser objeto de contratação de mão-de-obra temporária, sejam elas fim ou meio. Esta

característica por si já seria suficiente para afastar sua classificação como norma

48
Heloísa de Souza Martins e José Ricardo Ramalho. Terceirização – Diversidade e Negociação no Mundo
do Trabalho.
49
Wagner D. Gíglio. Direito Processual do Trabalho, p. 66
77

terceirizante, pois que o fenômeno da Terceirização reforça e enfatiza a atividade-fim da

contratante e, por isso mesmo restringindo a possibilidade de terceirização à atividade-

meio. Acresce-se ainda, que a motivação da contratação da mão-de-obra temporária, dada

pelo art. 2º da Lei 6.019/74 (para atender à necessidade transitória de substituição de seu

pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços), está ligada à

conveniência e necessidade transitória do contratante e não à busca da eficiente eficácia

organizacional. Portanto, não há que se falar em norma terceirizante, mas, por outro lado, é

evidente que o que está positivado é uma autorização condicionada da prática da mera

interposição de mão-de-obra. É o que está literalmente previsto no art. 4º da norma, ou

seja, trata-se de autorização legal para a prática da marchandage.

O mesmo pode ser dito, por exemplo, sobre a Lei 7.102/83, que trata da

contratação de segurança patrimonial ou ainda sobre a Lei 8.949/94 que introduziu o

parágrafo único no art. 442 da CLT, criando a presunção de inexistência de vínculo de

emprego entre os tomadores de serviço e os cooperados e entre estes e a sociedade

cooperativa, tudo sem quaisquer menções à circunscrição das atividades a serem

contratadas, se fim ou meio do contratante.

Um exemplo ainda mais aviltante é o da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,

que disciplina o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos

previsto no art. 175 da Constituição Federal, em cujo § 1º do art. 25 autoriza, sem

nenhuma ressalva, a contratação de quaisquer atividades inerentes, acessórias ou

complementares ao serviço concedido.

É com a edição de normas dessa estirpe que o parlamento brasileiro marca um

desacertado tratamento ao fenômeno da Terceirização, seja pela falta de domínio da sua

natureza essencial, seja pelo oportunismo de fortes grupos econômicos.


78

Vê-se uma perigosa combinação de omissão legislativa no tocante às

limitações da Terceirização, com uma atuação legiferante forjada em casuísmos evidentes,

alargando as permissividades de contratação indireta de mão-de-obra.

É mais atual e pertinente do que nunca a constatação de Tércio Sampaio

Ferraz, de que o positivismo jurídico que, no seu apogeu, século XIX, chegou a reduzir o

direito à lei, “não foi apenas uma tendência científica, mas também esteve ligado,

inegavelmente, à necessidade de segurança da sociedade burguesa”50, hoje porém, o

positivismo jurídico serve não só à necessidade de segurança, mas sobretudo, à

conveniência de interesses econômicos dessa classe burguesa.

Embora não sendo justificável a postura do Legislativo, é inegável que este

poder seja controlado pelas tendências políticas dominantes, mas o que é razão de ainda

mais perplexidade é a forma como os doutrinadores vêm assimilando a transmudação

do conceito de marchandage no de Terceirização, pois, na medida em que acolhe esta

ampliação do conceito da Terceirização, acaba por reduzi-la a marchandage.

Não é, nem nunca foi objetivo da Terceirização, seja como tecnologia

administrativa, seja como fenômeno jurídico, reduzir o homem à mercadoria. Todavia,

após ter tido a sua definição deturpada pela soberba dos juristas que passaram a investigar

o fenômeno a partir da letra fria da norma e da dinâmica relacional do mercado e não a

partir da Ciência da Administração ou do Direito entendido enquanto sistema, é este o

efeito que tem provocado na sociedade. Assim, a Terceirização, segundo a equivocada

definição atribuída por alguns juristas, deixou de ser uma técnica administrativa para ser

um instrumento de opressão e deterioração social.

50
Tércio Sampaio Ferraz. A ciência do direito, p. 30-32
79

5 OS LIMITES JURÍDICOS DA CONTRATAÇÃO

INDIRETA E DA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS

A identificação dos limites jurídicos da contratação indireta e da Tercerização

de mão-de-obra, em especial na atividade-fim das pessoas jurídicas, é o ponto central do

presente estudo, mas, antes de buscar identificar os citados limites, faz-se necessário que se

tenha claro o que seja “limite jurídico”.

Do vocábulo limite tem-se que é o ponto no qual se encontra o fim ou o início

de alguma coisa, ou seja, a partir daquele ponto nada há que se possa dizer que seja a coisa

observada.

A identificação dos limites das coisas corpóreas não suscita controvérsias, pois

há parâmetros seguros para defini-los, o problema passa a ser mais complexo quando o

objeto é não-corpóreo, portanto, intangível, como ocorre no caso dos fenômenos jurídicos.

O limite jurídico seria, pelo conceito amplo de limite, o ponto a partir do qual

tudo que existe não pode mais ser chancelado como jurídico, seriam, pois, coisas ajurídicas

ou antijurídicas, na medida que fossem indiferentes ou contrárias ao Direito. Entretanto,

esta fórmula restaria aplicável com tal simplicidade apenas na hipótese de ser o ponto tido

como fronteira entre o jurídico e o não jurídico (ajurídico ou antijurídico) objetivamente

identificado, mas não é isso que ocorre no campo do Direito.

Ao se falar em limites jurídicos de dado fenômeno, há um fator complicador

inicial, que decorre do fato de se estar buscando identificar limites de algo indefinido

perfeitamente, pois, como bem ensinou Luiz Antônio Nunes na sua obra “introdução ao

estudo do Direito”, “fenômeno” é um relativo, na medida em que é aquilo que “aparece”

para o sujeito que o observa, ou seja, só existe na medida em que é observado na relação

com o sujeito.
80

A noção primordial para dar início ao estudo de fenômenos jurídicos deve ser a

constatação de que esses fenômenos se dão na sociedade e que são interpretados segundo a

lógica do sistema jurídico, recebendo desse sistema imputações normativas que conferem a

essas relações sociais e econômicas a classificação de lícitas ou ilícitas. Portanto, é

inexorável que haja a compreensão precípua de como se organiza o sistema jurídico

vigente, que, no caso, é o sistema jurídico positivo.

A ordem jurídica, segundo Paulo de Barros Carvalho51, pode ser vista como um

sistema de normas, algumas de comportamento, outras de estrutura, concebido pelo

homem para motivar e alterar a conduta no seio da sociedade. É composto por subsistemas

que se entrecruzam em múltiplas direções, mas que se afunilam na busca de seu

fundamento último de validade semântica que é a Constituição. E esta, por sua vez,

constitui também um subsistema, o mais importante, que paira, sobranceiro, sobre todos os

demais, em virtude de sua privilegiada posição hierárquica, ocupando o tópico superior do

ordenamento e hospedando as diretrizes substanciais que regem a totalidade do sistema

jurídico.

O Direito e, mais particularmente, as normas jurídicas estão sempre

impregnadas de valor por serem objeto do mundo da cultura. Esse componente axiológico,

invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade

de norma para norma e acaba exercendo significativa influência sobre grandes porções do

ordenamento. Em Direito, utiliza-se o termo “princípio” em várias acepções, das quais

merecem maior destaque as seguintes: a) como norma jurídica de posição privilegiada e

portador de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula

limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada,

mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite

51
Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário, p. 139-141.
81

objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a

estrutura da norma.

Assim, considerando a natureza relativa do fenômeno jurídico, uma análise que

vise delinear seus contornos deve passar pela identificação dos princípios a ele aplicáveis

e, posteriormente, deve ser realizado um estudo da cadeia normativa pertinente, para

somente depois, chegar à norma posta.

Do estudo dos princípios chega-se aos limites principiológicos de dado

fenômeno e da análise da cadeia normativa são extraídos os limites objetivos genéricos.

Limites objetivos porque estão dispostos em normas jurídicas; genéricos porque estão

abrigados em normas nucleares, cujas disposições abrangem não apenas o fenômeno

estudado, mas também quaisquer outros que busquem nela fundamento de validade.

Finalmente, ao analisar a própria norma permissiva ou restritiva inerente ao

fenômeno, são identificados os limites objetivos específicos.

Por uma imposição didática é necessário que se adote um método de

investigação, de modo que em primeiro lugar serão estudadas as características da

contratação indireta de mão-de-obra pela pessoa jurídica, pois, como já demonstrado no

capítulo precedente, sendo a Terceirização uma espécie desta, é lógico que primeiro seja

investigado o gênero e depois a espécie, já que as conclusões obtidas na investigação

daquele são aplicáveis a esta.


82

5.1 OS LIMITES JURÍDICOS DA CONTRATAÇÃO INDIRETA DE

MÃO-DE-OBRA PELA PESSOA JURÍDICA

Ao referir-se à contratação indireta de mão-de-obra, está-se fazendo oposição à

contratação direta, que é regulada pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que no

seu art. 3o, dispõe que:

“Art. 3o Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de


natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário.” (grifo nosso).

O estatuto celetista estabelece como padrão de contratação de mão-de-obra a

relação direta entre empregador e empregado, ou seja, uma relação bipolar permeada por

caracteres próprios – não eventualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação.

Já a relação jurídica estabelecida pelo fenômeno ora estudado – a contratação

indireta de mão-de-obra – comporta a topologia bipolar e também a tripolar.

Há a configuração bipolar na relação estabelecida na contratação indireta de

mão-de-obra, quando entre o contratante e o prestador de serviço não haja um terceiro

intermediário. Tal se dá, por exemplo, na contratação, pela pessoa jurídica, de autônomo,

ou ainda quando o prestador de serviço seja empresário individual ou sócio de sociedade

simples ou empresária.

A situação mais corriqueira, porém, é a que se configura de modo trilateral,

onde entre o contratante e o prestador de serviços existe um terceiro, que pode ser uma

empresa ou uma pessoa natural, como se dá, por exemplo, na situação prevista na Lei

6.019/74, que insere na relação material estabelecida entre o tomador e o prestador de

serviços a figura da empresa de trabalho temporário.


83

A noção dessa diversidade topológica é importante para que melhor possa ser

compreendida a abrangência dos dispositivos gerais e específicos que limitam a

contratação indireta de mão-de-obra.

O desafio que se impõe nessa altura é oferecer resposta à seguinte indagação:

quais são os dados objetivos e principiológicos inerentes à contratação indireta de mão-de-

obra?

Seguindo a linha de investigação proposta, far-se-á inicialmente a investigação

dos princípios e, posteriormente, dos limites objetivos genéricos e específicos inerentes à

contratação indireta de serviços pelas pessoas jurídicas.

5.1.1 Os limites principiológicos da contratação indireta de mão-de-obra

Devido à necessidade de não expandir demasiadamente os limites do presente

ensaio, o que o tornaria interminável, não serão aqui estudados todos os princípios

inerentes à contratação indireta de mão-de-obra pelas pessoas jurídicas, mas, tão-somente

aqueles que são relevantes para o objeto essencial do trabalho – investigar a possibilidade

jurídica de contratar indiretamente serviços na atividade-fim das pessoas jurídicas.

Preliminarmente é necessário observar que, ao contrário do que ocorre com as

leis, entre princípios não há antinomias, ou seja, é absolutamente possível – e até certo

ponto comum – a coexistência de princípios antagônicos no ordenamento jurídico. Assim,

ao enforcar nesse trabalho os princípios limitativos da contratação indireta de serviços na

atividade-fim das pessoas jurídicas, não se está excluindo a aplicação de princípios liberais,

mas tão-somente acrescentando os ingredientes necessários para que as possíveis

interpretações de dada situação fática sejam extraídas da consideração da norma positiva

com a orientação dos diversos princípios aplicáveis.


84

Desta assertiva decorre que, por exemplo, o princípio segundo o qual os

"pactos devem ser cumpridos" (pacta sunt servanda), bem como o da autonomia da

vontade, continuam em vigor, mesmo com a positivação do princípio da função social dos

contratos, que será melhor tratado a seguir.

Ocorre que, sob a égide do Código Civil de 1916, o princípio que preconiza o

cumprimento, pelas partes, da palavra dada no momento da formação do contrato (pacta

sunt servanda) passava praticamente incólume na legislação civil, pois praticamente não

comportava exceções. Já no Código atual, tendo em vista a sua clara e inequívoca

inspiração socializante, o contrato deve desempenhar a sua função social. Ou seja, o

contrato deve atender, além dos interesses das partes contratantes, uma certa função social.

Isto não significa, entretanto, que o contrato não deva mais ser cumprido.

5.1.1.1 Da incolumidade da ordem pública, da função social do contrato, da

probidade e da boa-fé como princípios gerais decorrentes do gênero

contratual

Ao lado do princípio da impossibilidade de delegação de atividade-fim,

demonstrado neste ensaio, outros princípios são igualmente relevantes para a delimitação

jurídica do fenômeno da contratação indireta de bens e de serviços pela pessoa jurídica.

A contratação indireta, sendo uma modalidade contratual e, sendo o contrato,

por sua vez, uma espécie de negócio jurídico, tem-se que os princípios atinentes aos

negócios jurídicos aplicam-se também ao objeto ora estudado e, como ensina Orlando

Gomes52, a liberdade de obrigar-se tem limites. Há princípios gerais e normas imperativas

que devem ser respeitados pelos que querem contratar, certo sendo que a vontade dos
85

contratantes, conquanto autônoma, sempre encontrou limitações na lei. A ordem jurídica

descansa em princípios gerais que dominam toda a área do direito contratual. Para se

resguardar nos seus fundamentos e preservar sua política institui, a ordem pública e os

bons costumes como fronteiras da liberdade de contratar e atribuir caráter imperativo a

preceitos cuja observância impõe-se irresistivelmente, negando validade e eficácia aos

negócios jurídicos discrepantes desses princípios ou infringentes dessas normas.

Por ordem pública deve-se entender como o conjunto de princípios que

traduzem os interesses fundamentais da sociedade relativos à sua ordem econômica e

política. Portanto, todo contrato em oposição a esses princípios não pode ser válido. Estão,

nesses casos, exemplifica Orlando Gomes, os que ferem a liberdade de trabalho, ou de

comércio.

Ao lado da doutrina “socializante” dos princípios norteadores do direito

contratual, veio o atual Código Civil positivar na seara dos negócios particulares a noção

da responsabilidade social do contrato, prescrevendo nos seus artigos 421 e 422, que:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do


contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O professor Glauber Moreno Talavera53, ao discorrer sobre o assunto assevera

que a função social, que significa a prevalência do interesse público sobre o privado, bem

como a magnitude do proveito coletivo em detrimento do meramente individual, é

fenômeno massivo que, modernamente, inspira todo o nosso ordenamento jurídico,

rompendo com o padrão retributivo contido no brocardo "suum cuique tribuere" (dar a

cada um o seu).

52
Orlando Gomes. Contratos, p. 154-157
53
Glauber Moreno Talavera. A função social do contrato no novo código civil. Revista do Conselho da Justiça
Federal-CJF, CEJ, Brasília, n. 19, p. 94-96, out./dez. 2002
86

A positivação da função social do contrato vem fundar as bases de uma justiça

de natureza mais distributiva, nos termos concebidos por Hegel, promovendo a inclusão

social dos excluídos e, nesse mister, diligenciando para cumprimento de um dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, que é erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

A Constituição Federal de 1988 disseminou uma categoria de direitos

extrapatrimoniais e trouxe expressamente relativizações que, há muito tempo, haviam sido,

embora timidamente e sem a contundência constitucional, tratadas somente pela legislação

ordinária e pela jurisprudência.

Concordando com Orlando Gomes, Glauber Moreno Talavera afirma que a

função social do contrato exprime a necessária harmonização dos interesses privativos dos

contraentes com os interesses de toda a coletividade. Em outras palavras, é a

compatibilização do princípio da liberdade com o da igualdade, vez que para o liberal o

fim principal é a expansão da personalidade individual e, para o igualitário, o fim principal

é o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto, mesmo que ao custo de diminuir a

esfera de liberdade dos singulares. A única forma de igualdade, que é compatível com a

liberdade tal como compreendida pela doutrina liberal, é a igualdade na liberdade, que tem

como corolário a idéia de que cada um deve gozar de tanta liberdade quanto compatível

com a liberdade dos outros ou, como apregoava, antevendo essa dificuldade de

compatibilização, o aristocrata francês Charles-Louis de Secondat, conhecido como Barão

de La Brède e de Montesquieu, em seu clássico "O espírito das leis": "A liberdade é o

direito de fazer tudo o que as leis permitem".

Destaca ainda o professor, que outras características, também substanciais,

enaltecem o perfil da função social preconizada pelo atual Código. Os princípios da

probidade e da boa-fé previstos expressamente no artigo 442, por exemplo, integram o


87

mosaico de características subjetivas que visam desmistificar as proposições dos

contraentes, superdimensionando objetivamente as suas responsabilidades que, em prol de

uma efetiva função social, não mais estão restritas ao aperfeiçoamento do contrato, mas

estão presentes desde as tratativas até a garantia e assistência post factum finitum do que

fora contratado.

Finalmente, é importante ressaltar que os princípios da probidade e da boa-fé,

trazem cada qual um caráter próprio, sendo que o primeiro tem caráter objetivo, é ligado à

correspondência da realidade ao objeto contratado e o segundo tem caráter subjetivo, se

refere à vontade real emanada pelos contratantes na execução ou conclusão do contrato.

Assim, sem ainda perquirir acerca dos limites objetivos genéricos e específicos

da contratação indireta de mão-de-obra, com base nos limites principiológicos

demonstrados, é possível afirmar que na celebração da contratação indireta, seja de bens ou

de serviços, pela pessoa jurídica devem, de modo inarredável, ser observados os seguintes

princípios: a) da impossibilidade de delegação de atividade-fim; b) da incolumidade da

ordem pública; c) da função social do contrato; d) da probidade; e e) da boa-fé.

5.1.2 Os limites objetivos genéricos da contratação indireta de mão-de-obra

Entende-se por limites objetivos genéricos aqueles que não se encontram nas

normas que permitem ou restringem a contratação indireta de mão-de-obra, mas em

categorias de normas que lhe são precedentes. Tal é o caso da Consolidação das Leis do

Trabalho – CLT, que regula em caráter geral e cogente as relações entre empregado e

empregador.

O caráter imperativo da CLT permeia todo seu texto, mas para o objetivo ora

proposto, merece especial atenção o disposto no seu artigo 9o, verbis:


88

art. 9o Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de


desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente
Consolidação.

Este dispositivo guarda um valor essencial da norma celetista, pois é ele que

confere incontestavelmente à CLT, o caráter de norma de ordem pública, infligindo a pena

de nulidade de pleno direito a todos e quaisquer atos praticados com o objetivo de

desvirtuar, impedir ou fraudar suas prescrições.

Assim, se na contratação indireta de mão-de-obra, seja ela configurada de

modo bipolar ou tripolar, estiverem presentes os elementos caracterizadores do vínculo

empregatício previstos no artigo 3o da CLT, nula, ex vi lege, restará essa contratação,

formando vínculo direto entre o tomador e o prestador de serviços.

5.1.3 Os limites objetivos específicos da contratação indireta de mão-de-obra

Ao se falar em limites jurídicos objetivos específicos, está-se referindo a

restrições ou permissões prescritas em norma atinente diretamente ao fenômeno estudado.

Entretanto, não obstante a vultosa relevância da contratação indireta de mão-de-obra, o

fenômeno tem evoluído sem merecer um cuidadoso esforço do legislador pátrio.

Os fatos sociais não aguardam o Direito pronunciar-se acerca da licitude de tal

conduta para que seja ela levada a efeito, por isso tem-se que o Direito está sempre em

descompasso com a realidade social, devendo por este motivo estar em constante

atualização para que essa dissonância seja a menor possível, mas o remédio para essa

realidade é, segundo Hans Kelsen54, a chamada permissividade negativa da norma, donde,

num sistema de normas positivas, tudo o que não é vedado é negativamente permitido.

54
Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito, p. 18
89

No caso da contratação indireta de mão-de-obra, a dinâmica promovida pela

competição empresarial do mundo moderno, intensamente globalizado e avançado

tecnologicamente, levou as empresas a um processo de especialização crescente e à

contratação de terceiros para tudo que pudesse desviá-las de sua atividade principal.

O problema é que o resíduo desse processo de reestruturação empresarial é o

trabalhador, que foi atingido diretamente pelos diversos desdobramentos desse processo.

Um deles, por exemplo, foi a demissão de funcionários em massa, estimulando a

transformação destes em pequenos empresários, prestadores de serviços aos antigos

empregadores. Outro ainda mais perverso foi o recrudescimento da marchandage,

mercantilizando a mão-de-obra humana e agredindo frontalmente princípios morais que

repudiam esta prática.

Como conseqüência, a Justiça do Trabalho, vocacionada para a proteção do

hipossuficiente e ante o laconismo de regras legais em torno de tão relevante fenômeno

sóciojurídico, operou intensa atividade interpretativa desde a década de 1970, chegando em

22 de setembro de 1986, o Tribunal Superior do Trabalho a fixar súmula jurisprudencial a

respeito do problema, incorporando orientação fortemente limitativa das hipóteses de

contratação de trabalhadores por empresa interposta. Tratava-se do Enunciado 256, TST:

Salvo os casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos nas


Leis 6.019 de 03 de Janeiro de 1974 e 7.102 de 20 de Junho de 1983, é ilegal a
contratação de trabalhadores por empresas interpostas, formando-se vínculo
empregatício diretamente com o tomador de serviços.

Embora visando a proteção do trabalhador, este Enunciado era

demasiadamente rígido, restringindo taxativamente a possibilidade de contratação indireta

de mão-de-obra apenas às hipóteses previstas nas leis 6.019/74 e 7.102/83, deixando de

considerar, como bem observa Maurício Godinho Delgado55, as expressas e claras

55
Maurício Godinho Delgado. Curso de Direito do Trabalho, p. 426
90

exceções contidas no art. 10 do Decreto-Lei n. 200/67 e Lei n. 5.645/70 – exceções

consubstanciadoras de um comando legal ao administrador público. Além disso, a

posterior vedação expressa de admissão de trabalhadores por entes estatais sem concurso

público, oriunda da Carta Constitucional de 1988 (art. 37, II e § 2º), não tinha guarida na

compreensão estrita contida no Enunciado 256.

Todas essas circunstâncias conduziram, em 17 de dezembro de 1993, à revisão

da referida súmula, editando-se o Enunciado 331, TST, verbis:

Contrato de Prestação de Serviços – Legalidade – Revisão do Enunciado


256.
I- A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se
vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho
temporário (Lei 6.019 de 03/01/74).

II- A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não


gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta
ou fundacional (art. 37, II da Constituição da República)

III- Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de


vigilância (Lei 7.102 de 20/06/83), de conservação e limpeza, bem como a de
serviços especializados ligados a atividade meio do tomador, desde que
inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,


implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas
obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias,
das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia
mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do
título executivo judicial (artigo 71 da Lei nº 8.666/93)

No bojo das inovações trazidas pelo novo Enunciado, uma das mais

significativas foi a referência à distinção entre atividades-meio e atividades-fim do

tomador de serviços. Essa distinção marcou um dos critérios de aferição da licitude da

contratação indireta de mão-de-obra.


91

5.1.3.1 Metodologia interpretativa do Enunciado 331, TST

O Enunciado 331 do TST é uma orientação jurisprudencial complexa e sua

interpretação deve seguir uma seqüência lógica para que o desiderato do diploma seja

atingido.

A sua estrutura é composta por uma regra geral e por um efeito geral

correspondente, insculpidos no seu inciso I. Nos incisos II e III, vem a enunciação de

exceções incondicionais ou condicionais, que dizem respeito tanto à regra geral como ao

efeito geral, em conjunto ou isoladamente.

5.1.3.1.1 Da vedação da contratação indireta tripolar de mão-de-obra como

regra geral

A referida regra geral, inserta na primeira parte do inciso I é traduzida pela

seguinte prescrição: “A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal”.

Com essa disposição, a marchandage mais uma vez foi repudiada com a

decretação da ilegalidade da contratação de trabalhadores através de empresas interpostas.

As situações excepcionais serão melhor detalhadas e trabalhadas mais à frente,

entretanto, é importante ressaltar que essa repugnante prática não foi de todo afastada pela

súmula em comento, já que ela própria traz exceções incondicionais a essa regra, como no

caso dos profissionais de conservação e limpeza que, pelo entendimento do Enunciado,

podem ser agenciados sem quaisquer restrições.

Outro aspecto importante a ser apontado é que a expressão “empresa

interposta” não vem empregada com sentido unívoco, pois designa tanto pessoa jurídica
92

como a natural. É o que pode ser constatado pela análise do art. 4o da Lei 6.019/74,

referida no Enunciado, verbis:

Art. 4º - Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa


física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de
outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por
elas remunerados e assistidos. (grifo nosso)

5.1.3.1.2 Da formação de vínculo diretamente com o tomador de serviços

como efeito geral decorrente da regra geral

Da vedação da contratação indireta tripolar de mão-de-obra decorre um efeito,

igualmente genérico, previsto na parte final do inciso: a formação de vínculo diretamente

com o tomador de serviços.

É importante destacar a regra geral do seu respectivo efeito, já que há uma

exceção que se refere tão-somente ao efeito. Trata-se da contratação de mão-de-obra

através de empresa interposta, por órgãos da administração pública direta, indireta ou

fundacional, conforme expressamente consignado no inciso II do Enunciado.

5.1.3.1.3 Da exceção incondicional ao efeito geral e do seu caráter absoluto

Em observância à necessária precedência de concurso público para a

contratação de trabalhadores por entes estatais prevista no art. 37, II da Constituição da

República, o TST insculpiu expressamente no inciso II do Enunciado em comento a

seguinte disposição, verbis:

II- A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não


gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta
ou fundacional (art. 37, II da Constituição da República)
93

O referido inciso tem a intenção de deixar claro que, embora a contratação

indireta tripolar de mão-de-obra seja irregular, o efeito geral da formação do vínculo entre

o tomador de serviços e o prestador não se aplica em razão do imperativo constitucional.

Portanto, não se está excepcionalizando a regra geral, mas tão-somente seu efeito.

Embora esposada numa orientação jurisprudencial, pode-se afirmar que a

exceção prevista no inciso II do Enunciado 331, tem caráter absoluto, já que decorre de

imperativo constitucional, não havendo, por conseguinte, qualquer possibilidade jurídica,

mesmo mediante fraude, de constituir vínculo empregatício entre o prestador de serviços e

o ente estatal sem que seja observada a regra do art. 37, II da CF/88 (acesso via concurso

público).

5.1.3.1.4 Das exceções incondicionais à regra geral

O Enunciado 331 traz um elenco de exceções à regra geral de vedação da

contratação indireta tripolar de mão-de-obra, a saber:

a) Contratação de mão-de-obra temporária nos moldes da Lei n. 6.019/74;

b) O inciso III, primeira parte, excepciona a contratação de serviços de

vigilância nos moldes da Lei n. 7.102/83;

c) O inciso III traz também, de modo incondicional, a exceção de contratação,

por empresa interposta, de profissionais que exerçam a função de limpeza e conservação.

5.1.3.1.5 Do caráter relativo das exceções incondicionais à regra geral

Pela redação do inciso III, em princípio, poderia se chegar à conclusão de que

se trataria de exceção de caráter absoluto com relação aos profissionais que executam a
94

função de limpeza e conservação, pois não há qualquer ressalva quanto a estes. Todavia,

por se tratar de disposição exclusiva do Enunciado 331, tem-se por evidente que, uma vez

provada a fraude nos moldes do artigo 9º da CLT, caberia o reconhecimento do vínculo

entre o tomador e o trabalhador, já que a CLT não fez quaisquer reservas atinentes a esta

categoria de empregado para gozar dos direitos nela previstos.

As exceções referentes à contratação de trabalhador temporário e de vigilantes,

segundo as Leis 6.019/74 e 7.102/83, respectivamente, são relativas, pois ambas trazem

consigo condições para sua validade, de modo que, uma vez inobservadas essas condições

restariam fraudulentas tais contratações, formando o vínculo direto entre o trabalhador e o

tomador de serviços.

A Lei 6.019/74, por exemplo, restringe a possibilidade de sua aplicação a: a)

necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa

tomadora; ou b) necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços da

tomadora. Além das condições fáticas motivadoras da contratação, a norma estabelece

limite temporal de vigência – três meses – salvo autorização conferida pelo órgão local do

Ministério do Trabalho e Emprego, conforme redação do artigo 10 da lei.

Por derradeiro, é preciso destacar que o caráter relativo das disposições do

Enunciado decorre da própria natureza do dispositivo, já que se trata de orientação

jurisprudencial, comportando, portanto, discussão em face das peculiaridades de cada caso

concreto.

5.1.3.1.6 Do caráter subsidiário das exceções incondicionais à regra geral

Embora o Enunciado 331 seja a mais completa fonte de limites objetivos

específicos da contratação indireta de mão-de-obra, é preciso atentar para o seu caráter


95

subsidiário, já que não sendo norma, mas apenas uma orientação jurisprudencial, deve ser

observado apenas nas situações autorizadas pela legislação, notadamente pelo art. 8º, caput

da CLT, verbis:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de


disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais
de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos
e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse
de classe ou particular prevaleça sobre interesse público (grifo nosso).

Pela inteligência do mencionado artigo fica claro que as autoridades

administrativas e judiciais só deverão se basear na jurisprudência ante o vácuo legal.

Portanto, havendo norma dispondo sobre a contratação indireta de mão-de-obra, mesmo

que não elencada no Enunciado 331 do TST, deverá ter sua prescrição observada.

Conclui-se, portanto, que o rol de exceções trazidos à colação não esgota as

possibilidades autorizativas da contratação indireta de mão-de-obra.

É o que se vê, por exemplo, no caso da Lei 8.949/94, que introduziu o

parágrafo único no artigo 442 da CLT, criando a presunção juris tantum de ausência de

vínculo empregatício entre as sociedades cooperativas e seus cooperados e entre estes e os

tomadores de serviço da primeira.

5.1.3.1.7 Crítica à discriminação inserta no inciso III do Enunciado 331,

TST

O Decreto-lei 200/67 e a Lei 5.645/70, que tratam da chamada

descentralização administrativa, trouxeram para o ordenamento jurídico brasileiro uma

importante contribuição no que diz respeito à fronteira entre o que pode ou não ser objeto

de execução indireta, donde se chegou aos conceitos de atividade-meio e fim como

critérios delimitadores da licitude da contratação indireta de mão-de-obra.


96

O artigo 10, do Decreto-lei 200/67 assim dispõe:

Art. 10 - A execução das atividades da administração federal deverá ser


amplamente descentralizada.
[...]
§ 2º - Em cada órgão da administração federal, os serviços que compõem a
estrutura central de direção devem permanecer liberados das rotinas de execução
e das tarefas de mera formalização de atos administrativos, para que possam
concentrar-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação e
controle.
[...]
§ 7º - Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle, e com o objetivo de impedir o crescimento
desmesurado da máquina administrativa, a administração procurará
desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo,
sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista,
na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a
desempenhar os encargos de execução.
§ 8º - A aplicação desse critério está condicionada, em qualquer caso, aos
ditames do interesse público e às conveniências da segurança nacional (grifos
nosso).

De modo mais direto, o artigo 3o, parágrafo único da Lei 5.645/70, chega a

elencar exemplificativamente algumas atividades passíveis de execução indireta, verbis:

Parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte, conservação,


custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de
preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acôrdo com o
artigo 10, § 7º, do Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967 (grifos
nosso).

Observa-se que o legislador ordinário teve o cuidado de consignar que, de

preferência, atividades de mera execução sejam objeto de execução indireta e ainda,

conforme previsto no artigo 10, § 8o, do Decreto-lei 200/67, que a prática da eventual

execução indireta de tarefas executivas esteja expressamente condicionada aos “ditames do

interesse público”.

Tais disposições têm alcance limitado à esfera pública, razão pela qual,

buscando estendê-las ao setor privado, em observância ao princípio da isonomia o

Enunciado 331, no seu inciso III, permite a contratação indireta de mão-de-obra na

atividade-meio do contratante, bem como, permite incondicionalmente a contratação


97

indireta de mão-de-obra para a execução das atividades de limpeza e conservação através

de empresa interposta.

Com essa disposição o Judiciário Trabalhista exorbitou aos regramentos do

setor público, adotando, para a seara privada, um entendimento claramente discriminatório

para com os trabalhadores que exercem as funções de limpeza e conservação, declarando

que estes são “sub-trabalhadores”, uma vez que a mais alta corte trabalhista do país

reconhece que este tipo de empregado pode, incondicionalmente, ser considerado

mercadoria.

5.1.3.1.8 Das exceções condicionais à vedação da contratação indireta de

serviços

Ao lado das exceções expressas contidas no Enunciado 331, o seu inciso III

traz a sua grande inovação com relação ao revisado Enunciado 256: a previsão de uma

exceção aberta e condicional. Reza o item III da referida súmula:

III- Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços [...]
especializados ligados a atividade meio do tomador, desde que inexistente a
pessoalidade e a subordinação direta.

Trata-se de uma exceção aberta porque não há referência a que tipo de serviço

pode ser contratado indiretamente e é condicional por que são as condições elencadas no

dispositivo que constituem os atributos positivos e negativos necessários ao legítimo

exercício da permissividade.

Outra peculiaridade fundamental referente ao inciso III do Enunciado é que seu

regramento não se restringe à relação tripolar, pois não há neste inciso, diversamente dos

demais, referência à expressão “por empresa interposta”.


98

Na busca por conferir plena eficácia ao art. 9o da CLT, fonte legitimadora tanto

do Enunciado 331, bem como do seu antecessor, o Enunciado 256, que reza: “Serão nulos

de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a

aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”, o dispositivo jurisprudencial

em questão veda a contratação indireta na atividade-fim do tomador, mesmo que levada a

efeito sem terceiro intermediário.

Com isso, situações como, por exemplo, a prestação de serviços por autônomo,

por empresário individual em seu próprio nome ou ainda por sócio de sociedade simples ou

empresária que venha a atuar na atividade-fim de um empreendimento econômico, restam

irregulares à luz do inciso III do Enunciado em comento.

A mais alta corte trabalhista do país andou bem ao assim dispor, pois restringe

situações potencialmente absurdas, sob o ponto de vista lógico. Apenas para citar um

exemplo: admita-se, por hipótese, um escritório de contabilidade que para prestar o serviço

de assessoria contábil contrate, eventualmente, contadores autônomos para o atendimento

específico das demandas que lhe cheguem. Restaria a seguinte indagação: qual é afinal, a

razão de existência de um escritório de contabilidade que não presta assessoria contábil?

Se no inciso III fosse mantida a fórmula tripolar preconizada pelo inciso I do

Enunciado, na hipótese acima restaria incólume a contratação perpetrada pelo escritório

contábil, haja vista inexistir um terceiro interposto.

O TST cuidou, no inciso III do Enunciado 331, de afastar a possibilidade de

contratação indireta na atividade-fim do tomador, seja essa contratação em topologia

tripolar ou bipolar. Assim, na seara trabalhista, o princípio impossibilidade jurídica de

delegação de atividade-fim encontra guarida jurisprudencial.


99

5.1.3.1.8.1 Das condições positivas

O inciso III do Enunciado 331 traz as seguintes condições positivas necessárias

à legalidade da contratação indireta de mão-de-obra: a) seja serviço ligado à atividade-

meio do tomador e; b) seja serviço especializado.

Por influência dos diplomas legais dirigidos à Administração Pública (Decreto-

lei n. 200/67 e Lei n. 5.645/70), a dualidade atividades-meio versus atividades-fim já vinha

sendo elaborada pela jurisprudência ao longo das décadas de 1980 e 1990, sendo que esse

esforço hermenêutico foi consolidado no Enunciado 331, que acabou por estabelecer uma

linha mestra para a determinação da licitude desse fenômeno.

Essa construção jurisprudencial vem ainda ao encontro do imperativo lógico de

que as atividades-fim da pessoa jurídica são indelegáveis. Dessa forma, a Justiça do

Trabalho trouxe, ao menos para a seara das relações justrabalhistas, instrumentos capazes

de restringir, mesmo que parcialmente, as heresias cometidas em busca do lucro fácil

obtido pelo comércio do suor humano.

Fala-se numa contenção parcial, porque não cabe ao Judiciário legislar e o

Legislativo, por seu turno, cuidou de criar normas que acabam por mercantilizar o homem.

Cabe, porém, indagar a legitimidade e a constitucionalidade dessas normas.

Não obstante ter contribuído de modo determinante à coibição de fraudes na

esfera trabalhista, o Enunciado 331 não traz consigo a definição do que venha a ser

atividade-fim ou atividade-meio. Desse modo, a doutrina vem se debatendo sobre a

questão, sem ainda chegar a um consenso. Entretanto, o elemento objetivo delimitador do

que seja fim ou meio para a pessoa jurídica é, incontestavelmente, a finalidade indicada no

seu ato constitutivo.


100

A delimitação exata do objeto social é condição essencial de existência válida

da pessoa jurídica, já que o Direito, ao conferir a condição de pessoa à associação,

sociedade ou fundação, está tornando esse ente um sujeito de direitos e de obrigações, cuja

finalidade deve ser algo útil e desejado pela sociedade. Ao deixar indefinida sua finalidade,

resta frustrada a observância a esse requisito básico para sua existência juridicamente

válida.

Dora Maria de Oliveira Ramos consignou na sua obra “Terceirização na

Administração Pública” que:

É essencial para a legalidade do processo terceirizante que a contratada tenha


uma atividade definida. Se uma infinidade de objetos aparece no contrato social,
há indícios de mera intermediação ilegal ou tráfico de mão-de-obra,
especialmente se houver finalidade lucrativa56.

A advertência da autora é de absoluta pertinência, devendo ser acrescentado,

porém, que não só o objeto da contratada deve ser definido, mas também, e sobretudo, o da

contratante, pois pode ocorrer a contratação indireta bipolar, onde a tomadora de serviços

contrata diretamente, por exemplo, com um autônomo. Nesta hipótese não há que se falar

em ato constitutivo do contratado, mas, da mesma forma como ocorre na contratação

tripolar, não pode a contratante delegar a terceiro a execução de atividade ligada ao seu

fim. Daí, conclui-se que, embora os fins da empresa contratada, quando presente, é

importante, todavia é essencial e indispensável a precisa indicação dos fins da contratante.

Da necessária indicação precisa dos fins da pessoa jurídica contratada, decorre

a segunda condição positiva inserta no inciso III do Enunciado 331: que o serviço seja

especializado.

Assim, não é qualquer atividade, ainda que meramente acessória à atuação do

contratante, que autoriza a contratação indireta de mão-de-obra.

56
Dora Maria de Oliveira Ramos. Terceirização na administração pública, p. 74
101

A exigência de serviços especializados impõe-se justamente para coibir a

fraude. Dela decorre que a prestadora de serviços tem que ser uma empresa especializada

naquele tipo de serviço; que tenha uma capacitação e uma organização para a realização do

serviço que se propõe e, no caso de contratação indireta bipolar, que seja o prestador de

serviços um especialista naquele mister. Disto decorre que o objeto do ajuste é a

concretização de alguma atividade material especializada e não o mero fornecimento de

mão-de-obra.

5.1.3.1.8.2 Das condições negativas

Para que a exceção aberta prevista no inciso III do Enunciado 331 seja

configurada, não basta que as condições positivas estejam satisfeitas, há também que se

observar as negativas, que estão contidas na parte final do dispositivo, a saber: a) que

inexista a pessoalidade entre o trabalhador e o tomador de serviço e; b)) que inexista a

subordinação direta entre o trabalhador e o tomador de serviço.

O TST garante com essas condições negativas que a contratação indireta de

mão-de-obra não se dê de modo fraudulento, já que o liame pessoal e subordinado é

característico da relação de emprego tradicional prescrita no art. 3o da CLT.

Assim, mesmo que o trabalhador esteja contratado para a prestação de serviços

especializados ligados à atividade-meio do tomador, se presente a pessoalidade ou a

subordinação direta na relação material estabelecida entre o tomador e o prestador de

serviços, restará reconhecido o vínculo empregatício entre ambos.


102

5.2 OS LIMITES JURÍDICOS DA TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA

A tarefa de desvendar os limites jurídicos da Terceirização de mão-de-obra é

muito facilitada pela investigação prévia do seu gênero – a contratação indireta de serviços

– pois tanto os limites principiológicos, como os objetivos são, com algumas ressalvas,

comuns à contratação indireta e à Terceirização.

Assim, aplicam-se à Terceirização os limites decorrentes dos princípios da

incolumidade da ordem pública, da função social do contrato, da probidade, da boa-fé e da

impossibilidade de delegação de atividade-fim da contratante, bem como, deve a

Terceirização de mão-de-obra estar condizente com as prescrições do art. 9o da CLT e com

o Enunciado 331 do TST.

Não obstante vários limites jurídicos estarem identificados por derivação do

seu gênero, não se pode olvidar que num sistema jurídico positivo é recomendável que a

análise jurídico-normativa passe pela norma posta, buscando-se identificar dispositivos que

fixem os critérios de licitude de dado fenômeno. Entretanto, o ordenamento jurídico

brasileiro, em sentido estrito, é silente acerca de regramentos restritivos à Tercerização,

não possuindo restrições explícitas nem mesmo com relação à marchandage. Isto tem

provocado diversas distorções acerca do tratamento dispensado ao fenômeno, trazendo um

desarranjo extremamente perverso sobre a relação capital-trabalho no Brasil.

Ante o vácuo legislativo acerca do assunto, o TST, como já visto, em 1986,

editou o Enunciado 256, que posteriormente revisto deu origem, em 1993, ao 331, que hoje

se traduz na fonte normativa que, por via transversa, melhor regra a Terceirização.

Todavia, a referida súmula não traça de modo preciso os contornos do fenômeno,

aplicando-se com mais propriedade ao seu gênero – a contratação indireta de mão-de-obra.


103

Ao afirmar que, de alguma forma, o Enunciado 331 regra a Terceirização é na

fixação das condições positivas presentes no seu inciso III que esta ilação mais se

aproxima da verdade, pois prevê, conforme já estudado, como condições positivas

necessárias à legalidade da contratação indireta de mão-de-obra que: a) seja serviço

especializado e; b) esteja este serviço ligado à atividade-meio do tomador.

Do estudo ontológico do fenômeno da Terceirização, concluiu-se que a

Terceirização pode ser definida como o fenômeno jurídico decorrente do emprego de

uma técnica administrativa que visa a eficiência e a eficácia empresarial por meio da

delegação da execução de atividades acessórias a terceiras pessoas, físicas ou

jurídicas, constituindo entre o contratante e a contratada uma relação de parceria

baseada na coordenação de esforços, onde o serviço prestado ou o produto produzido

constitui a atividade finalística da contratada e este serviço ou produto é elemento

mediato para a completude da atividade finalística do contratante.

Do conceito proposto, podem ser identificados os seguintes elementos

essenciais: a) trata-se de um fenômeno finalístico, ou seja, é qualificado pela finalidade de

fazer com que a organização alcance a eficiente eficácia; b) é uma técnica administrativa

que canaliza as energias da pessoa jurídica ao seu fim último, deixando a atividade-meio

para que terceiros executem, pressupondo que a atividade terceirizada se constitui em fim

da pessoa física ou jurídica contratada; e c) a relação administrativa-organizacional

estabelecida entre a contratante e a contratada caracteriza-se pela parceria, marcada pela

coordenação e não pela subordinação.

O TST, ao restringir a possibilidade de contratação indireta à atividade-meio,

estabeleceu uma linha mestra para a determinação da licitude desse fenômeno, o que se

coaduna com uma das mais importantes características da Terceirização.


104

A condição de que o serviço seja especializado corrobora com o elemento

teleológico da Terceirização – a eficiente eficácia empresarial – na medida em que sendo

serviço especializado, afasta de pronto a vulgarização da contratação indireta e induz que,

de modo efetivo, a pessoa jurídica contratada possua melhores condições de realizar aquele

serviço especializado que, por sua vez, deve constituir-se na sua finalidade.

Do conjunto de limites jurídicos inerentes à contratação indireta de mão-de-

obra, combinados com os elementos ontológicos próprios da Terceirização, pode-se

concluir que, para que as contratações se intitulem Terceirização devem: a) visar o ganho

de produtividade e não apenas a redução de custos da contratante; b) deve circunscrever-se

à atividade-meio da contratante; c) não deve haver entre a contratante e a contratada uma

relação subordinada, mas sim parceria; e d) a atividade terceirizada deve constituir-se

como o fim da pessoa física ou jurídica contratada, pois apenas assim se pode conceber a

possibilidade de especialização necessária para conferir efetivo ganho de produtividade na

relação administrativa-organizacional entre a contratante e a contratada.

Portanto, a Terceirização de mão-de-obra vem a ser um fenômeno de aplicação

mais restrita em comparação à contratação indireta de serviços, pois a Terceirização traz

consigo limites ontológicos que devem ser observados para que dada relação jurídica possa

ser classificada como “terceirizante”.


105

6 CONFORMIDADE NORMATIVA E CONVENIÊNCIA

SOCIAL DA CONTRATAÇÃO INDIRETA E DA

TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS

O que se busca numa investigação teórica, seja qual for o ramo do

conhecimento, são suas aplicações práticas. Do presente estudo, a utilidade prática que

dele decorre é o estabelecimento de critérios objetivos para aferir o grau de

pertinencialidade da contratação indireta e da Terceirização de serviços ao sistema jurídico.

Este critério de conformidade aplica-se tanto à norma posta, como aos casos concretos que

são levados à apreciação da autoridade julgadora.

Além disso, nunca é demais lembrar que o Direito tem no homem sua origem e

destino, razão pela qual é imprescindível que se faça uma avaliação, mesmo que sucinta,

da conveniência social da Terceirização.

6.1 DA APRECIAÇÃO DA PERTINENCIALIDADE DAS NORMAS

PERMISSIVAS DA CONTRATAÇÃO INDIRETA DE SERVIÇOS

AOS SEUS LIMITES JURÍDICOS

Não perdendo de vista a preocupação de que a investigação não se perca em

discussões repetitivas e enfadonhas, foi pinçado um pequeno número de normas que

receberam o rótulo de “terceirizantes”, mas que bem demonstram a diversidade de

distorções encontradas quando essas normas são contrastadas com os limites jurídicos a ela

atinentes.
106

6.1.1 Da pertinencialidade da lei do trabalho temporário (Lei 6.019, de

03/01/74)

A lei do trabalho temporário é o marco legislativo inicial no que tange à

contratação indireta de mão-de-obra no âmbito privado. Foi com a edição dessa norma que

o fenômeno ganhou força no Brasil.

Conforme já abordado, a Lei 6.019/74 não faz menção à abrangência da

contratação, se restrita à atividade-meio ou fim do tomador. É o que pode ser constatado no

trecho abaixo transcrito:

Art. 2º - Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa,
para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e
permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços.
[...]
Art. 4º - Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física
ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras
empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas
remunerados e assistidos.

A permissividade de contratação indireta de mão-de-obra até mesmo na

atividade-fim da contratante, por si só, é suficiente para afastar sua classificação como

norma “terceirizante”, pois que o fenômeno da Terceirização reforça e enfatiza a atividade-

fim da contratante, restringindo a possibilidade de terceirização à atividade-meio.

Outra característica que incompatibiliza a Lei 6.019/74 com o conceito de

Terceirização é a motivação da contratação da mão-de-obra temporária, dada pelo seu art.

2º: “para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e

permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços”. Vê-se que a motivação prevista na

norma está ligada à conveniência e necessidade transitória do contratante e não à busca da

eficiente eficácia organizacional.


107

O que, de fato, está positivado é uma autorização condicionada da prática da

mera interposição de mão-de-obra. É o que está literalmente previsto no art. 4º da norma,

ou seja, trata-se de autorização legal para a prática da marchandage.

O que se questiona ante essa constatação é o seguinte: dada a repulsa à

marchandage, que é considerada moralmente reprovável, não estaria a Lei 6.019/74

ferindo os princípios da probidade, da moralidade, da função social do contrato e da

indelegabilidade de atividade-fim, atentando ainda contra o fim último do Direito – a

harmonia social?

Numa análise açodada tender-se-ia a responder positivamente à questão.

Entretanto, não se pode olvidar que, como já consignado, entre princípios não há

antinomias, de modo que o hermeneuta deve buscar a harmonização dos princípios

incidentes sobre uma mesma norma ou fato, pesando-os e valorando-os com base na

razoabilidade.

Se por um lado a Lei 6.019/74 permite a prática da marchandage, por outro o

faz de modo condicionado e controlado em nome da necessária administração das

vicissitudes decorrentes das intempéries do mercado ou mesmo da natureza.

Ao analisar, por exemplo, a conduta própria do crime capital de assassinato,

tipificada no art. 121 do Código Penal, que agride frontalmente o bem da vida, o mais caro

e importante bem jurídico, vê-se que sua classificação delituosa é condicionada a

inexistência das excludentes gerais de ilicitude, dentre as quais o estado de necessidade,

previsto no art. 24, CP.

Se mesmo o ato de matar alguém está adstrito a excepcionalidades decorrentes

da razoabilidade, o que dizer da marchandage?

As condições restritivas, sejam fáticas ou temporais, previstas na Lei 6.019/74,

são suficientes para conter o potencial de lesividade social da norma e, ao mesmo tempo, o
108

dispositivo cria condições para administrar as imprevisões próprias da vida empresarial,

com a necessária celeridade que o mundo global exige das organizações.

Portanto, embora a lei do trabalho temporário esteja gravitando além dos

limites jurídicos da contratação indireta de mão-de-obra, as razões e as condições previstas

na norma justificam, em observância ao critério da razoabilidade, tal situação.

6.1.2 Da pertinencialidade da parceria rural (Lei 4.504, de 30/11/64)

Abalizados autores, entre eles Dora Maria de Oliveira Ramos, referem-se à

parceria agrícola ou agropecuária como espécie de Terceirização. Entretanto, esta figura

jurídica está devidamente tipificada no Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30/11/64), com

características próprias e regramentos que em nada se assemelham com a Terceirização.

Trata-se, em essência, de tipo sui generis de sociedade, pois o que se estabelece

na autêntica parceria é uma sociedade entre o parceiro-outorgante e o parceiro-outorgado,

na qual a norma veio em socorro do parceiro-outorgado por considerá-lo hipossuficiente

em face do parceiro-outorgante. Tanto é assim que o artigo 96, VII da Lei 4.504/64 assim

dispõe:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-


ão os seguintes princípios:
...
VII - aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou
extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como
as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente
Lei (Seção III, Da Parceria Agrícola, Pecuária, Agro-Industrial e Extrativa, grifos
nosso)

A parceria agrícola ou pecuária não se traduz no emprego de técnica

administrativa que visa o aumento de produtividade, não se circunscreve a esta ou àquela

atividade do outorgante. Portanto, a parceria agrícola ou pecuária não pode ser considerada
109

nem mesmo como espécie de contratação indireta de mão-de-obra e, menos ainda, como

espécie de Terceirização.

Dada a incongruência conceitual entre parceria rural e Terceirização,

despiciendo se faz maiores divagações sobre a conformidade aos limites jurídicos de

categoria a qual esse fenômeno não pertence.

6.1.3 Da pertinencialidade da contratação indireta de mão-de-obra por meio

de Cooperativa de Trabalho

Ao lado de outras normas jurídicas, a Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1.971,

que regula as sociedades cooperativas, já trazia no seu bojo disposições criando a

presunção juris tantum de ausência de vínculo empregatício na relação mantida entre o

sócio cooperado e a sociedade cooperativa, prescrevendo no seu artigo 90 que:

Art. 90 - Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo


empregatício entre ela e seus associados (Seção V, Do Sistema Trabalhista).

A presunção estabelecida no dispositivo citado diz respeito à sociedade interna

corporis. Entretanto, após a edição da Lei 8.949, de 09 de dezembro de 1994, que

introduziu o parágrafo único no artigo 442 na Consolidação das Leis do Trabalho,

dispondo que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe

vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de

serviços daquela” esta presunção rompeu os limites da relação intrínseca da sociedade

cooperativa e alcançou a relação mantida entre o sócio ou a sociedade e o tomador de

serviços. A partir daí, pode-se falar em presunção ampla de ausência de vínculo

empregatício, caracterizando inequivocamente uma autorização legal para a contratação

indireta de mão-de-obra.
110

Com o advento da Lei 8.949/94, assistiu-se a um espetacular crescimento desse

tipo de sociedade no Brasil. Entretanto, não obstante tratar-se de modalidade de

contratação indireta de mão-de-obra, buscam alguns, de modo apressado, conferir à relação

cooperativa o caráter de espécie de Terceirização.

Em primeiro lugar é preciso lembrar que a cooperativa de trabalho não é

tipificada legalmente, pois tem sua existência legal não por uma previsão expressa da

norma, mas sim pela permissividade negativa do sistema jurídico, que se traduz na

proposição de que tudo que não é vedado é permitido. Desse modo, com base nos

princípios elencados pela Lei 5.764/71, abriu-se espaço para a criação de cooperativas que

tenham por fim a exploração de determinada e específica atividade econômica de prestação

de serviços – as cooperativas de trabalho.

Em face da inexistência de norma específica de regulação das cooperativas de

trabalho, os limites do exercício desse tipo de sociedade têm sido identificados aos poucos

pela jurisprudência com base numa análise sistemática do ordenamento jurídico e, nessa

lenta construção dogmática, no mundo fenomênico encontram-se diversos tipos de

manifestações das cooperativas de trabalho. Por vezes, elas atuam como sociedades

terceirizadas, na verdadeira acepção do fenômeno, ou seja, atuando do modo pró-ativo para

com a finalidade última do tomador de serviços e mantendo uma autonomia material para

com o tomador de serviços.

A prática tem demonstrado, porém, que a sociedade cooperativa tem sido

instrumento de fraude à legislação trabalhista. Há numerosos exemplos de aplicações

desviadas desse tipo de contratação, onde se estabelece uma relação subordinada entre o

tomador de serviços e o cooperado ou ainda entre o sócio cooperado e a sociedade

cooperativa. Além disso, não é raro encontrar a cooperativa atuando na atividade-fim da

tomadora.
111

O elevado nível de fraudes associadas às cooperativas de trabalho levou a

Procuradoria Geral do Trabalho e a Advocacia Geral da União a celebrarem em 05 de

junho de 2003 um acordo judicial, cujo inteiro teor consta em anexo. Este acordo pôs

termo ao processo 01082-2002-020-10-00-0, que tramitou perante a MM. Vigésima Vara

do Trabalho de Brasília-DF e bem denota a forma como as instituições públicas vêm

tratando o tema.

A principal disposição contida no acordo foi a imposição da obrigação de não

fazer à União, cujo objeto específico se refere à contratação de trabalhadores por meio de

cooperativas de trabalho para a prestação de serviços tanto nas atividades-fim como nas

atividades-meio da Administração direta da União.

Enfim, quanto à cooperativa de trabalho, de modo sumário, pode-se afirmar

que se trata de uma modalidade indireta de contratação de mão-de-obra que, dado o seu

tipo aberto, pode ou não ser considerada espécie de Terceirização, conforme esteja ela

observando ou não os elementos caracterizadores da autêntica Terceirização no caso

concreto.

6.1.4 Da pertinencialidade da lei das concessões de serviços públicos (Lei

8.987, de 13/02/95)

A Lei 8.987/95 estabeleceu normas gerais sobre o regime de concessão e

permissão da prestação de serviços públicos na forma prevista pelo art. 175 da

Constituição Federal e traduz-se num exemplo gritante dos perigosos desvios da dogmática

jurídica. Algumas reflexões preliminares podem demonstrar a incongruência entre a

contratação operada pelas concessionárias e o conceito de Terceirização.


112

A norma traz no artigo 25 a seguinte disposição, verbis:

Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-


lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários
ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou
atenue sua responsabilidade.

§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a


concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de
atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido,
bem como a implementação de projetos associados.

§ 2º Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere


o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo
qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente (grifos nosso).

Por esse dispositivo, a empresa concessionária tem, em princípio, autorização

legal para contratar indiretamente a execução de serviços e produção de bens ligados a sua

atividade-fim, ou seja, teria a autorização legal para negar a sua finalidade. Portanto,

poderia a concessionária, com base na letra fria da lei, passar a ser uma mera

administradora de contratos de concessão, uma atravessadora entre o Estado e o efetivo

executor dos serviços contratados.

Obviamente tal possibilidade agride frontalmente o princípio lógico de

impossibilidade jurídica de delegação da execução de atividade-fim do contratante a

terceiros, uma vez que a pessoa jurídica não pode negar materialmente a finalidade por ela

declarada no seu ato constitutivo, sob pena de restar desatendida a exigência primordial

para que o Direito lhe outorgue a personalidade jurídica.

Vê-se aí que a norma em comento instala um paradoxo: o Direito exige, como

requisito essencial, a declaração de finalidade para personificar a pessoa jurídica, sendo

essa personalidade a qualidade que lhe confere a capacidade de contratar, de se obrigar.

Por outro lado, vem a Lei 8.987/95 e autoriza a pessoa jurídica contratada pelo Estado a

contratar com terceiro a execução da sua atividade finalística, ou seja, autoriza a deixar de

efetivar materialmente sua finalidade. Com isso, sua personificação jurídica fica

desprovida de um elemento essencial, o que significa que fica prejudicada.


113

Portanto, ao mesmo tempo em que a lei autoriza a delegação, mediante

contrato, de atividades finalísticas, subtrai sua capacidade de contratar. Em termos

metafóricos, seria o equivalente a editar uma norma que concedesse liberdade a um

encarcerado, mas que, por outro lado, condicionasse seu exercício à sua morte.

A Lei 8.987/95 dispensa tratamentos diferenciados para a contratação indireta

de bens e de serviços. Com relação aos bens, ela assola a lógica jurídica, permitindo a

contratação indireta de produção de bens ligados a sua atividade-fim, desde que inerentes,

acessórios ou complementares ao serviço concedido. Mas, no que toca a contratação de

serviços, não pode ser essa a interpretação, pois o parágrafo único e o caput do artigo 31 da

lei levam a conclusão diversa, verbis:

Art. 31 - Incumbe à concessionária:

I - prestar serviço adequado, na forma prevista nesta lei, nas normas técnicas
aplicáveis e no contrato;
[...]
Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela
concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela
legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os
terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente (Capítulo
VIII, Dos Encargos da Concessionária, grifos nosso).

Assim, quanto à contratação indireta de mão-de-obra, por intermédio de

terceiros, aplica-se a legislação trabalhista, ou seja, aplicam-se os princípios decorrentes do

artigo 9o e 3o da CLT, bem como as regras prescritas no Enunciado 331 do TST.

Portanto, em se tratando de contratação indireta de mão-de-obra, há que se

objetar um serviço especializado, ligado à atividade-meio da contratante e devem estar

ausentes a pessoalidade e a subordinação direta na relação entre a empresa concessionária

e o trabalhador, na forma prescrita no inciso III do Enunciado 331 do TST.

Pela sumária exposição acerca da Lei 8.987/95, pode-se afirmar que se trata de

espécie de norma permissiva de contratação indireta de mão-de-obra e de produção de

bens. No entanto, não pode ser classificada como norma terceirizante, pois como se viu,
114

para que seja Terceirização é preciso que o objeto contratado esteja fora da atividade-fim

da contratante e a norma é silente acerca dessa restrição. Para ser norma permissiva de

terceirização seria necessário ainda, que o contrato fosse decorrente do implemento de

técnica administrativa que visasse a eficiente eficácia empresarial e não a mera redução de

custos.

A prática, por outro lado, tem demonstrado que as concessionárias têm

delegado a execução de serviços inerentes à sua atividade-fim e meio, para maximizar

lucros e remessas de dividendos aos controladores, que na maior parte das vezes são

estrangeiros. Tal procedimento tem tido por fundamento o retromencionado artigo 25, § 1º

da Lei 8.987/95.

Essa interpretação autorizativa não pode prosperar, já que, como já

demonstrado, a aplicação da Lei 8.987/95, no caso de contratação indireta de serviços deve

ser objeto de uma interpretação combinada entre o artigo 25 e 31 da norma, de modo que a

delegação da execução de serviços ligados à atividade-fim da concessionária resta vedada

pela legislação trabalhista, que tem na relação laboral bipolar sua fórmula típica.

Além disso, aceitar a possibilidade de delegação da execução de serviços ou da

produção de bens ligados à atividade-fim da pessoa jurídica constitui um absurdo lógico,

pois que é a autorização de negação de sua essência, a menos que, conforme se verifica na

realidade, tal se dê não para negar a finalidade da concessionária, que, sob o ponto de vista

fático, deixou de ser a prestação de determinado serviço público e passou a ser a

administração de um contrato de concessão, passando a ser apenas uma intermediária

muito bem remunerada entre o Estado e os efetivos executores do serviço.

O que vem ocorrendo nas concessionárias de serviços públicos é a mera

intermediação de mão-de-obra, configurando a chamada marchandage, combinada com


115

uma nova e perniciosa forma de mercantilização da coisa pública nas mãos de grupos

privados nacionais e internacionais que auferem vultosos lucros às custas da sociedade.

Tal situação não se coaduna com o fenômeno da Terceirização. Antes disso,

não se coaduna com princípios abrigados no cerne do sistema jurídico positivo, tais como

os princípios da probidade, da boa-fé, da moralidade e da função social do contrato e

atenta violentamente contra o fim último do Direito – a harmonia social.

6.2 DA CONVENIÊNCIA SOCIAL DA TERCEIRIZAÇÃO E DA

CONTRATAÇÃO INDIRETA DE SERVIÇOS

Este ensaio teve início com a investigação do objeto último do Direito, seu

valor mais caro, e concluiu, por meio da fenomenologia, que a harmonia social é a

evidência apodítica do Direto. Ou seja, o elemento essencial do Direito é a garantia do bem

comum, sua missão maior.

Embora se trate de uma conclusão aparentemente óbvia, há os que defendem

que a missão primordial do Direito seria garantir a segurança jurídica, tornando este ramo

do conhecimento um fim em si mesmo. Entretanto, pelas conclusões obtidas no primeiro

capítulo deste estudo, foi possível perceber que os outros valores relevantes para o Direito,

tais como a segurança jurídica, são na verdade, instrumentos necessários à efetiva

concretização da harmonia social. De tal forma que o Direito converte-se em uma

ferramenta de purificação do próprio homem, vez que dessa necessária harmonização

social, decorre a defesa de interesses coletivos em detrimento de interesses individuais,

que, muitas vezes, derivam do lado irracional do homem.


116

Cumpre nesse momento, verificar em que medida a contratação indireta de

mão-de-obra e Terceirização de serviços vem ao encontro, ou de encontro, à necessária

realização do bem comum.

6.2.1 As repercussões sociais e econômicas da Terceirização e da contratação

indireta de serviços

A relevância jurídica de dado fenômeno é maior ou menor, na medida em que

seus efeitos são mais ou menos intensos sobre a sociedade. Cumpre então indagar: qual a

intensidade dos efeitos da Terceirização e da contratação indireta de serviços sobre as

relações sociais e econômicas?

Márcio Pochmann, professor de economia da UNICAMP e consultor da OIT

para a área de relações de trabalho, analisou no artigo denominado “Trabalho legal, ilegal e

alegal”, publicado no Jornal do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar –

DIAP, edição de abril/maio de 2003, o impacto das políticas públicas de corte neoliberal

implementadas no Brasil desde 1990.

Em uma das suas conclusões, quando comentava sobre a reforma trabalhista

preconizada atualmente, referiu-se à participação da Terceirização nesse processo nos

seguinte termos:

Do ponto de vista prático, é possível dizer que o Brasil fez, sim, uma profunda e
avassaladora reforma trabalhista. O fenômeno da Terceirização na década de 90
reduziu salários e direitos trabalhistas, passaram a conviver trabalhadores de
diferentes classes, direitos e salários.

Pochmann citou a expansão de outras modalidades de ocupações que deixaram

os trabalhadores excluídos dos direitos trabalhistas estabelecidos na CLT. Uma delas é o

trabalho autônomo para empresa. “É o antigo trabalhador assalariado que se manifesta sem
117

o contrato tradicional”, explicou. Outra modalidade é o trabalho cooperativado. “Houve

expansão de falsas cooperativas que permitiram o uso de trabalho assalariado sem ser

reconhecido como tal”.

Em outro trecho, Pochmann analisa o comportamento das ocupações não-

assalariadas no período de 1989 a 2001, relacionando suas causas ao fenômeno da

Terceirização:

O comportamento das ocupações não assalariadas, responsáveis por 73,4% das


novas ocupações entre 1989 e 2001, foi mais significativo no setor de comércio e
serviços. Assim como, em menor proporção no setor industrial. Mesmo no setor
industrial, verifica-se um aumento da sua participação no total de trabalhadores
não assalariados, de 12,7% para 15,3%, o que se deve provavelmente ao
impacto da Terceirização predatória realizada em vários setores.

Vê-se que o economista, assim como alguns juristas, adotou a definição de que

Terceirização, sob o aspecto trabalhista, é mera contratação indireta de mão-de-obra, mas,

não obstante tal impropriedade conceitual, o estudo é importante para que se possa

dimensionar o impacto social do fenômeno da Terceirização, associado ao da contratação

indireta de serviços, na sociedade brasileira.

A magnitude das mudanças na dinâmica social decorrente da Terceirização e

de outras formas de desregulamentações trabalhistas fica claramente demonstrada quando

analisadas as contas nacionais do Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE)57, em 1990 os salários representavam 36,39% do Produto Interno Bruto

do país, ou seja, de tudo que é produzido no Brasil. Em 2001 a participação dos salários na

economia nacional despencou para 26,37%, ou seja, o conjunto de salários perdeu dez

pontos percentuais em termos globais. Isso significa que em 2001 houve, em comparação

com 1990, a transferência de mais de 120 bilhões de reais anuais dos orçamentos

domésticos dos trabalhadores para outros setores, como lucros empresariais, encargos

financeiros e tributação estatal.


118

Não é possível precisar a exata medida da contribuição da Terceirização

associada à contratação indireta de mão-de-obra para esse processo. Entretanto, Márcio

Pochmann o atribui a fenômenos como a Terceirização, combinada com o baixo

crescimento econômico, o inchaço do setor não-estruturado da economia, que segundo o

critério proposto pela Organização Internacional do Trabalho – OIT e pela Comissão

Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL, é o segmento das micro e pequenas

empresas e boa parte do trabalho autônomo.

O economista, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –

PNAD, demonstra que as ocupações que mais cresceram no Brasil dos anos noventa foram

as autônomas deste setor não-estruturado e que a saturação desse setor ocasionou a

regressão da sua renda média.

Da análise acima, resta evidente que o traço característico da Terceirização,

que é a minimização das empresas que passam a focar a sua finalidade e delegam a

terceiros a execução das atividades-meio, está condizente com a inflexão do setor

estruturado, composto pelas empresas dinâmicas tipicamente capitalistas e com o inchaço

do setor não-estruturado.

Existe, portanto, uma identidade entre a evolução econômica do trabalho no

Brasil com o fenômeno da Terceirização, demonstrando claramente que este fenômeno

converte-se na plataforma operacional para o processo de concentração de renda no país.

Após a constatação de tamanha importância da Terceirização para a vida dos

cidadãos brasileiros e de seu expressivo impacto econômico, sobretudo sobre o segmento

dos trabalhadores, fica a inquietante questão: porque o legislador permanece inerte diante

da urgente necessidade de estabelecer claros limites à contratação indireta de mão-de-obra?

57
Dados extraídos do site do IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.Br>. Tabela 4 - Composição do
Produto Interno Bruto sob as três óticas, inserta no arquivo sinoticas.zip (tab04.xls)
119

Porque, ao contrário disso, o legislador tem editado normas permissivas desse tipo de

contratação em flagrante lesão aos mais valorosos princípios do Direito?

No tópico seguinte não se busca propriamente as respostas para essas questões

cruciais, mas sim a identificação dos critérios práticos que devem nortear a necessária

construção normativa em torno desse importante instituto.

6.2.2 A Terceirização no mundo global

Se é verdade que a Terceirização tem patrocinado uma enorme concentração de

renda no país, é também verdade que a necessidade de competitividade das empresas

traduz-se como condição de sobrevivência numa realidade de desregulação da

concorrência intercapitalista. Portanto, a Terceirização enquanto técnica administrativa que

visa a eficiente eficácia organizacional é, sob o enfoque competitivo, necessária à

manutenção da fonte geradora de empregos – a empresa.

O cuidado que se deve ter é com a generalização de quaisquer tratamentos a

serem dispensados ao fenômeno, pois, ao se buscar a sua eliminação, é possível que as

empresas percam a capacidade de se colocar de modo competitivo no mercado global. Por

outro lado, se houver o estímulo à Terceirização indiscriminada, a tendência é de

cristalização do processo de concentração de renda atualmente em curso.

Há que se fazer uma distinção entre as empresas que estão expostas à

concorrência internacional daquelas que competem apenas no mercado interno, pois a

Terceirização só se justifica, mesmo enquanto técnica administrativa, se visar o bem social

e não se pode conceber como bem social a redução da renda da maioria da população.

A Terceirização quando levada a efeito sobre as empresas exportadoras tende a

gerar mais empregos, pois ao colocar produtos no exterior está-se empregando mão-de-
120

obra interna para atendimento de demanda externa e, quanto maior for essa demanda,

maior será a necessidade de mão-de-obra. Portanto, a Terceirização, como garantidora de

diferencial competitivo, é elemento fundamental para a promoção do bem estar social.

O mesmo deve ser dito sobre as empresas que, embora não sendo exportadoras,

competem com o produto estrangeiro. Entretanto, a justificativa para a Terceirização neste

caso não está na busca de geração de empregos, mas na manutenção dos já existentes.

Especial atenção, porém, deve ser dispensada às empresas que não estão

submetidas à concorrência internacional interna ou externa, pois para estas, o diferencial

trazido pela Terceirização acaba convertendo-se em mera elevação na lucratividade, ou

seja, é nesse segmento que a Terceirização apresenta-se como ferramenta de concentração

de renda, de precarização das relações econômico-sociais mantidas entre o capital e o

trabalho.
121

7 CONCLUSÃO

O presente estudo, buscando instalar uma catarse jurídica em torno da

Terceirização, coloca em questão a concepção jurídica culturalista, segundo o que, o

Direito deve estar em consonância com a realidade social e econômica vivenciada em dado

momento pela comunidade que visa regular.

O atual momento histórico é marcado por uma contraditória reconstrução

subjetiva das relações jurídicas mundiais.

De um lado, as empresas transnacionais, as organizações internacionais e os

Estados estabelecem relações comerciais e políticas globais, livre de barreiras que possam

refrear o comércio internacional, passando inicialmente pela instituição de blocos

econômicos e rumando para uma unificação de todo o mercado mundial de produtos e

serviços. A tecnologia já tornou a unidade mercadológica uma realidade no que tange ao

mercado financeiro, dando ao capital internacional uma espetacular mobilidade e

volatilidade.

Por outro lado, constituindo-se como uma antítese do que se vê com a

globalização dos mercados, assiste-se a um crescente sectarismo nas relações entre os

cidadãos dessa “comunidade internacional”. Há um evidente recrudescimento da xenofobia

nos países ricos, que, alarmados com o crescimento da pobreza mundial, buscam

monopolizar os empregos e a qualidade de vida que lhe são peculiares, deixando os pobres

represados no terceiro mundo.

Nesse contexto é preciso ressaltar, porém, que a sociedade brasileira, na contra-

mão mundial, é marcada não pela xenofobia, mas sim pela xenofilia, o que torna o país
122

uma presa fácil nesse processo imperialista de recolonização promovido pela unificação

mercadológica.

Entretanto, diante da aparente inexorabilidade da globalização, parece evidente

que a única alternativa seja buscar inserir-se com vantagem competitiva nesse processo, de

modo a conquistar mais mercado e, conseqüentemente, empregos e qualidade de vida para

a população brasileira.

É nesse contexto que a Terceirização se apresenta como um imperativo

decorrente da atual conjuntura econômica: como um fenômeno necessário e imprescindível

para tornar as empresas nacionais mais ágeis e competitivas.

A questão que se coloca é a seguinte: o Direito deve ajustar-se a esse momento

histórico e refletir a contradição dele advinda, como querem os culturalistas; ou o Direito

deve, por outro lado, ser construído visando o bem comum, no interesse da coletividade,

constituindo-se num instrumento “humanizador” desse processo?

A resposta a essa indagação deve basear-se no princípio da identidade lógica,

segundo o qual é impossível que uma coisa seja distinta de si mesma. Portanto, sendo a

harmonia social a evidência apodítica do Direito, não há como concebê-lo dissociado

dessa evidência.

Não obstante a resposta à questão proposta ser obviamente aquela que

privilegia o bem comum em detrimento à irracionalidade oriunda do capitalismo, como se

viu ao longo desse ensaio, a evolução da dogmática jurídica no Brasil tem andado ao lado

da concepção culturalista.

O fenômeno da Terceirização tem tido sua definição distorcida pela

inexistência de um conceito jurídico e pela edição de numerosas normas permissivas de

contratação indireta de bens e serviços, que, equivocadamente, têm sido rotuladas como

“terceirizantes” por doutrinadores justrabalhistas.


123

Embora o Poder Judiciário se coloque como uma trincheira do bom senso, com

decisões e súmulas que buscam conformar as contratações indiretas de serviços aos

princípios norteadores do Direito, não são raras as permissões legais para a contratação

indireta visando até mesmo as atividades-fim das pessoas jurídicas contratantes e outras

que chegam a positivar a marchandage, institucionalizando a mercantilização da mão-de-

obra humana.

Aproveitando as condições impostas pelo processo de globalização, dentre as

quais a necessária implementação da Terceirização, aqueles que buscam o lucro fácil na

mera intermediação de mão-de-obra e ainda os que instituem empresas para fins

inconfessáveis fazem uso de normas autorizativas da mera contratação indireta de bens e

serviços, afirmando estarem “terceirizando”. Assim soa mais aceitável, pois se trataria de

uma imposição da globalização e não de uma vontade deliberada em lucrar com o suor

humano.

Foi demonstrado ao longo desse estudo que a aplicação distorcida desse

fenômeno tem provocado uma enorme concentração de renda na sociedade brasileira,

tornando a classe trabalhadora ainda mais pobre e excluindo grandes massas do mercado

de trabalho.

Esses efeitos negativos demonstram claramente a frontal agressão aos

interesses da coletividade e, conseqüentemente, ao fim último do Direito – a promoção da

harmonia social. Daí a premente necessidade de dar ao fenômeno da Terceirização o

tratamento normativo adequado, conceituando-o, delimitando seu alcance e positivando

seus limites jurídicos.

Há a necessidade de ampla revisão das normas que tratam da contratação

indireta de bens e serviços para que sejam ajustadas aos sobre-princípios que vinculam o

Direito ao bem comum, resgatando desta forma a verdadeira definição da Terceirização


124

enquanto técnica administrativa de interesse jurídico. Ou seja, é preciso restringir a

possibilidade de contratação indireta às atividades-meio, vinculando-a à finalidade da

eficiente eficácia organizacional e ainda condicionando-a à inexistência de subordinação

da contratada à contratante, estabelecendo-se entre elas uma relação de parceria

coordenada.

A necessidade de restrição da possibilidade de contratação indireta às

atividades-meio decorre também do princípio da identidade lógica, pois, sendo a finalidade

declarada no ato constitutivo da pessoa jurídica seu elemento essencial, não há como

concebê-la dissociada desse elemento. Admitir a possibilidade de delegação de execução

de atividades inerentes a esse fim seria o equivalente à negá-lo.

Não param por aí os critérios que devem nortear a revisão normativa inerente à

contratação indireta de bens e serviços. É preciso, fundamentalmente, levar em

consideração o interesse social.

É preciso ter em mente que o interesse coletivo é mais importante e mais amplo

que o interesse da pessoa jurídica “terceirizante”. Enquanto a empresa busca na

Terceirização a aquisição de condições competitivas, a sociedade, por outro lado, visa o

seu bem estar, que pode ser traduzido por distribuição de renda e por geração de empregos.

Cabe ao legislador, ao elaborar normas genuinamente “terceirizantes”,

harmonizar esses interesses. Mas de que forma?

Socialmente e num contexto de globalização, é recomendável que a

Terceirização se restrinja às empresas exportadoras e àquelas que, embora não sendo

exportadoras, competem com o produto estrangeiro. Aquelas, para que novos empregos

sejam gerados com os mercados conquistados e, estas, para que sejam mantidos os

empregos existentes. Já, para empresas que não se encontrem nessas condições, é

socialmente desejável que seja totalmente vedada a prática da Terceirização, pois, com
125

relação a essas empresas, a Terceirização converte-se numa mera estratégia de

maximização de lucros, provocando o indesejável efeito da concentração de renda.

Vê-se que é nesse ponto que a doutrina culturalista apresenta sua inconsistência

teórica, pois ao mesmo tempo que a intervenção do Direito não se coaduna com o

momento histórico pelo qual passa a sociedade (que está imersa no neoliberalismo), é

socialmente conveniente que essa intervenção ocorra. Fica claro, pois, que o Direito não se

vincula apenas às contingências culturais, mas, sobretudo à sua finalidade de servir ao

homem, enquanto seu criador e objeto.

Há pelo menos um precedente de atuação legiferante em arrepio à lógica do

mercado e em prol do interesse social, demonstrando não só que tal atuação é desejável,

como também é perfeitamente possível. Trata-se da polêmica que se instalou, entre 1998 e

2000, em torno das bombas de combustível self-service, cuja instalação desempregaria

milhares de frentistas em todo o Brasil. Os proprietários de postos de combustíveis,

visando a redução de custos, defendiam veementemente a instalação das bombas de auto-

serviço e os sindicatos dos trabalhadores, por outro lado, eram contrários à instalação das

máquinas que culminaria no desemprego dos frentistas. Todavia, ao longo da discussão, a

classe patronal se mostrou sensível ao pleito da classe trabalhadora, como pôde ser

constatado pela declaração prestada ao jornal “O Globo” em 10 de agosto de 1.998, pelo

presidente da federação nacional dos combustíveis, Gil Siuffo, que disse: "A automação

pode desempregar 150 mil frentistas no País. É um custo alto de mais para sermos

‘moderninhos’". A celeuma só teve fim, porém, em 12 de janeiro de 2000, quando foi

sancionada a Lei 9.956 que, com apenas três artigos, proibiu, pura e simplesmente, o

funcionamento de bombas de auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis,

verbis:

Art. 1o Fica proibido o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo


próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o
território nacional.
126

Com relação à Terceirização, a sociedade brasileira passa por uma situação

análoga, mas em proporção absurdamente maior. Não se trata de desemprego potencial de

150 mil trabalhadores, mas de vários milhões que já perderam seus empregos e de outros

milhões que ainda perderão.

Assim como no caso das bombas de combustível self-service, quanto à

Terceirização, a solução passa pela edição de normas jurídicas restritivas, reservando sua

aplicação apenas às situações nas quais ela é socialmente conveniente.

Entretanto, não é nesse sentido que o Parlamento brasileiro tem acenado.

Tramita no Congresso Nacional, desde 1998, o projeto de lei 4.302, que trata da

contratação de mão-de-obra temporária e da locação de serviços, todavia, além de não

conceituar a Terceirização, amplia ainda mais as permissividades de contratação indireta

de mão-de-obra.

É, enfim, necessário e urgente que o Poder Legislativo, juntamente com os

doutrinadores e juristas, ponham-se a produzir as normas, pareceres e julgados que

conduzam a Terceirização ao cumprimento da sua função social e econômica – a de

implementar o diferencial competitivo às empresas brasileiras expostas à concorrência

global, tornando-as, assim, um fator de promoção do bem comum.

A evolução dogmática trabalhista deve inspirar-se na civilista, que pode ser

sintetizada nas palavras de Miguel Reale, supervisor da comissão elaboradora e revisora do

Código Civil vigente, que na sua exposição de motivos, com absoluta propriedade

professou:

Superado de vez o individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do


Código vigente, reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua
origem e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores
coletivos com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem
privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não
pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos
códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas metas de governo.
127

Quando se diz que o Direito deve acompanhar a evolução dos fatos sociais é

preciso lembrar que o Direito não é uma ciência descritiva da dinâmica social, mas, ao

contrário, é uma ciência prescritiva de condutas sociais e é, acima de tudo, um instrumento

de purificação do homem.

Se por um lado não se concebe o Direito divorciado da realidade dos fatos, por

outro, não haveria qualquer utilidade para um Direito que não visasse uma sociedade

melhor.
128

8 REFERÊNCIAS

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repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem
dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 nov.2003.

BRASIL. Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983. Dispõe sobre segurança para


estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das
empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17
nov.2003.

BRASIL. Lei nº 8.949, de 09 de dezembro de 1994. Acrescenta parágrafo ao art. 442 da


Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para declarar a inexistência de vínculo
empregatício entre as cooperativas e seus associados. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 nov.2003.

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permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e
dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17
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auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 nov.2003.
131

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Contrato de prestação de serviços. Legalidade – Revisto pelo Enunciado nº 331. Res.
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Contrato de prestação de serviços. Legalidade – Revisão do Enunciado nº 256. Res.
23/1993 DJ 21-12-1993. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 17
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Intersindical de Assessoria Parlamentar – DIAP, Brasília, ed. abril/maio de 2003.

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10 de agosto 1998. Ricardo Boechat. Disponível em:
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Acesso em: 17 nov.2003.
132

9 ANEXO

Termo de Conciliação Judicial


(Processo 01082-2002-020-10-00-0, 20a Vara do Trabalho de Brasília-DF)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, neste ato representado pelo

Procurador-Geral do Trabalho, Dr. Guilherme Mastrichi Basso, pela Vice-Procuradora-

Geral do Trabalho, Dra. Guiomar Rechia Gomes, pelo Procurador-Chefe da PRT da 10ª

Região, Dr. Brasilino Santos Ramos e pelo Procurador do Trabalho Dr. Fábio Leal

Cardoso, e a UNIÃO, neste ato representada pelo Procurador-Geral da União, Dr. Moacir

Antonio da Silva Machado, pela Sub Procuradora Regional da União - 1ª Região, Dra.

Helia Maria de Oliveira Bettero e pelo Advogado da União, Dr. Mário Luiz Guerreiro;

CONSIDERANDO que toda relação jurídica de trabalho cuja prestação laboral

não eventual seja ofertada pessoalmente pelo obreiro, em estado de subordinação e

mediante contraprestação pecuniária, será regida obrigatoriamente pela Consolidação das

Leis do Trabalho ou por estatuto próprio, quando se tratar de relação de trabalho de

natureza estatutária, com a Administração Pública;

CONSIDERANDO que a legislação consolidada em seu art. 9º, comina de

nulidade absoluta todos os atos praticados com o intuito de desvirtuar, impedir ou fraudar a

aplicação da lei trabalhista;

CONSIDERANDO que as sociedades cooperativas, segundo a Lei n. 5.764, de

16.12.1971, art. 4º, “[...] são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica

próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos

associados”.

CONSIDERANDO que as cooperativas podem prestar serviços a não

associados somente em caráter excepcional e desde que tal faculdade atenda aos objetivos
133

sociais previstos na sua norma estatutária, (art. 86, da Lei n. 5.764, de 16.12.1971), aspecto

legal que revela a patente impossibilidade jurídica das cooperativas funcionarem como

agências de locação de mão-de-obra terceirizada;

CONSIDERANDO que a administração pública está inexoravelmente jungida

ao princípio da legalidade, e que a prática do marchandage é vedada pelo art. 3º, da CLT e

repelida pela jurisprudência sumulada do C. TST (En. 331);

CONSIDERANDO que os trabalhadores aliciados por cooperativas de mão-de-

obra, que prestam serviços de natureza subordinada à UNIÃO embora laborem em situação

fática idêntica a dos empregados das empresas prestadoras de serviços terceirizáveis,

encontram-se à margem de qualquer proteção jurídico-laboral, sendo-lhes sonegada a

incidência de normas protetivas do trabalho, especialmente àquelas destinadas a tutelar a

segurança e higidez do trabalho subordinado, o que afronta o princípio da isonomia, a

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 5º, caput e 1º, III e IV

da Constituição Federal);

CONSIDERANDO que num processo de terceirização o tomador dos serviços

(no caso a administração pública) tem responsabilidade sucessiva por eventuais débitos

trabalhistas do fornecedor de mão-de-obra, nos termos do Enunciado 331, do TST, o que

poderia gerar graves prejuízos financeiros ao erário, na hipótese de se apurar a presença

dos requisitos do art. 3º, da CLT na atividade de intermediação de mão-de-obra

patrocinada por falsas cooperativas;

CONSIDERANDO o teor da Recomendação Para a Promoção das

Cooperativas aprovada na 90ª sessão, da OIT – Organização Internacional do Trabalho, em

junho de 2002, dispondo que os Estados devem implementar políticas nos sentido de:

“8.1.b Garantir que as cooperativas não sejam criadas para, ou direcionadas a,

o não cumprimento das lei do trabalho ou usadas para estabelecer relações de emprego
134

disfarçados, e combater pseudocooperativas que violam os direitos dos trabalhadores

velando para que a lei trabalhista seja aplicada em todas as empresas.”

RESOLVEM

Celebrar CONCILIAÇÃO nos autos do Processo 01082-2002-020-10-00-0, em

tramitação perante a MM. Vigésima Vara do Trabalho de Brasília-DF, mediante os

seguintes termos:

Cláusula Primeira - A UNIÃO abster-se-á de contratar trabalhadores, por meio

de cooperativas de mão-de-obra, para a prestação de serviços ligados às suas atividades-

fim ou meio, quando o labor, por sua própria natureza, demandar execução em estado de

subordinação, quer em relação ao tomador, ou em relação ao fornecedor dos serviços,

constituindo elemento essencial ao desenvolvimento e à prestação dos serviços

terceirizados, sendo eles:

– Serviços de limpeza;

– Serviços de conservação;

– Serviços de segurança, de vigilância e de portaria;

– Serviços de recepção;

– Serviços de copeiragem;

– Serviços de reprografia;

– Serviços de telefonia;

– Serviços de manutenção de prédios, de equipamentos, de veículos e de

instalações;

– Serviços de secretariado e secretariado executivo;

– Serviços de auxiliar de escritório;

– Serviços de auxiliar administrativo;

– Serviços de office boy (contínuo);


135

– Serviços de digitação;

– Serviços de assessoria de imprensa e de relações públicas;

– Serviços de motorista, no caso de os veículos serem fornecidos pelo próprio

órgão licitante;

– Serviços de ascensorista;

– Serviços de enfermagem; e

– Serviços de agentes comunitários de saúde.

Parágrafo Primeiro – O disposto nesta Cláusula não autoriza outras formas de

terceirização sem previsão legal.

Parágrafo Segundo – As partes podem, a qualquer momento, mediante

comunicação e acordos prévios, ampliar o rol de serviços elencados no caput.

Cláusula Segunda - Considera-se cooperativa de mão-de-obra, aquela

associação cuja atividade precípua seja a mera intermediação individual de trabalhadores

de uma ou várias profissões (inexistindo assim vínculo de solidariedade entre seus

associados), que não detenham qualquer meio de produção, e cujos serviços sejam

prestados a terceiros, de forma individual (e não coletiva), pelos seus associados.

Cláusula Terceira - A UNIÃO obriga-se a estabelecer regras claras nos editais

de licitação, a fim de esclarecer a natureza dos serviços licitados, determinando, por

conseguinte, se os mesmos podem ser prestados por empresas prestadoras de serviços

(trabalhadores subordinados), cooperativas de trabalho, trabalhadores autônomos, avulsos

ou eventuais;

Parágrafo Primeiro - É lícita a contratação de genuínas sociedades cooperativas

desde que os serviços licitados não estejam incluídos no rol inserido nas alíneas “a” a “r”

da Cláusula Primeira e sejam prestados em caráter coletivo e com absoluta autonomia dos

cooperados, seja em relação às cooperativas, seja em relação ao tomador dos serviços,


136

devendo ser juntada, na fase de habilitação, listagem contendo o nome de todos os

associados. Esclarecem as partes que somente os serviços podem ser terceirizados,

restando absolutamente vedado o fornecimento (intermediação de mão-de-obra) de

trabalhadores a órgãos públicos por cooperativas de qualquer natureza.

Parágrafo Segundo – Os editais de licitação que se destinem a contratar os

serviços disciplinados pela Cláusula Primeira deverão fazer expressa menção ao presente

termo de conciliação e sua homologação, se possível transcrevendo-os na íntegra ou

fazendo parte integrante desses editais, como anexo.

Parágrafo Terceiro - Para a prestação de serviços em sua forma subordinada, a

licitante vencedora do certame deverá comprovar a condição de empregadora dos

prestadores de serviços para as quais se objetiva a contratação, constituindo-se esse

requisito, condição obrigatória à assinatura do respectivo contrato.

DAS SANÇÕES PELO DESCUMPRIMENTO

Cláusula Quarta – A UNIÃO obriga-se ao pagamento de multa (astreinte)

correspondente a R$ 1.000,00 (um mil reais) por trabalhador que esteja em desacordo com

as condições estabelecidas no presente Termo de Conciliação, sendo a mesma reversível ao

Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Parágrafo Primeiro – O servidor público que, em nome da Administração,

firmar o contrato de prestação de serviços nas atividades relacionadas nas alíneas “a” a “r”

da Cláusula Primeira, será responsável solidário por qualquer contratação irregular,

respondendo pela multa prevista no caput, sem prejuízo das demais cominações legais.

Parágrafo Segundo – Em caso de notícia de descumprimento dos termos

firmados neste ajuste, a UNIÃO, depois de intimada, terá prazo de 20 (vinte) dias para

apresentar sua justificativa perante o Ministério Público do Trabalho.

DA EXTENSÃO DO AJUSTE À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA


137

Cláusula Quinta – A UNIÃO se compromete a recomendar o estabelecimento

das mesmas diretrizes ora pactuadas em relação às autarquias, fundações públicas,

empresas públicas e sociedades de economia mista, a fim de vincular todos os órgãos

integrantes da administração pública indireta ao cumprimento do presente termo de

conciliação, sendo que em relação às empresas públicas e sociedades de economia mista

deverá ser dado conhecimento ao Departamento de Coordenação e Controle das Empresas

Estatais – DEST, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ou órgão

equivalente, para que discipline a matéria no âmbito de sua competência.

DA HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DO AJUSTE

Cláusula Sexta – - As partes submetem os termos da presente conciliação à

homologação do Juíz da MM. Vigésima Vara do Trabalho, para que o ajuste gere os seus

efeitos jurídicos.

Cláusula Sétima - Os termos da presente avença gerarão seus efeitos jurídicos a

partir da data de sua homologação judicial.

Parágrafo único – Os contratos em vigor entre a UNIÃO e as Cooperativas, que

contrariem o presente acordo, não serão renovados ou prorrogados.

Cláusula Oitava -A presente conciliação extingue o processo com exame do

mérito apenas em relação à UNIÃO, prosseguindo o feito quanto aos demais réus.

Dito isto, por estarem as partes ajustadas e compromissadas, firmam a presente conciliação

em cinco vias, a qual terá eficácia de título judicial, nos termos dos artigos 831, parágrafo

único, e 876, caput, da CLT.

Brasília, 05 de junho de 2003.

GUILHERME MASTRICHI BASSO GUIOMAR RECHIA GOMES


138

Procurador-Geral do Trabalho Vice-Procuradora-Geral do Trabalho

BRASILINO SANTOS RAMOS FÁBIO LEAL CARDOSO


Procurador-Chefe/PRT 10ª Região Procurador do Trabalho

MOACIR ANTONIO DA SILVA MACHADO


Procurador-Geral da União

HELIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO MÁRIO LUIZ GUERREIRO


Sub-Procuradora-Regional da União–1ª Região Advogado da União

Testemunhas:

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO


Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho –
ANAMATRA

PAULO SÉRGIO DOMINGUES


Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE

REGINA BUTRUS
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT

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